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Introdução

Não causa nenhum estranhamento dizer que um evento esportivo de


grandes dimensões, tal qual como os Jogos Olímpicos, envolve assuntos que
vão muito além de estádios, recordes e medalhas. Desde a escolha da sede
até muito após a cerimônia de encerramento, questões políticas, econômicas e
ideológicas norteiam esses acontecimentos. Algumas edições em especial
pretendem deixar isso bem claro ao Mundo, como foram os casos de Berlim
1936 e Los Angeles 1984, por exemplo, outras acabam ficando marcadas por
essas “intenções secundárias” devido a ocorridos fora do planejado, como é o
caso dos Jogos da Cidade do México em 1968.

Primeira (e até agora única) edição realizada em chão latino americano,


os Jogos da XIX Olimpíada vieram carregados de forte teor político.
Internamente, além de seus eternos problemas de desigualdade social, o
México também passava por uma crise econômica e ideológica, toda a
juventude estava nas ruas também em protesto contra o megalomaníaco
evento. Fatores vindos de fora contavam com a Guerra Fria vivendo seu auge
enquanto temáticas raciais eram debatidas em diversas partes do Mundo.

Dadas todas essas circunstâncias, busco por este trabalho analisar a


construção e a “venda” da Cidade do México após o fim do término da
competição, usando como base o Relatório Oficial dos Jogos de Verão de
19681, escrito e organizado pelo Comitê Organizador Local dos Jogos e
lançado no ano seguinte ao evento. Contendo o relatório quatro volumes
distintos, o estudo em questão será centrado no primeiro deles, que apresenta
um panorama geral sobre qual seria esse México “global, ordeiro e
desenvolvido” que foi capaz capaz de sediar um evento de tamanha
magnitude, e que tinha a nescessidade de refletir com um legado longevo
todas essas características.

1
Disponível em < http://doc.rero.ch/record/209515?ln=en > acesso em 10 de agosto de 2015.
Fatores extra-Olímpicos

Oriundos de tradições gregas da antiguidade, os Jogos Olímpicos foram


trazidos à atualidade pelo Barão francês Pierre de Coubertin, começando a
serem elaborados no final do século XIX. A primeira edição dos Jogos se deu
em Atenas, Grécia, no ano de 1896, ainda sem delegações separadas por
países ou grande apelo econômico. A intenção inicial de seu idealizador era,
entre outras coisas, promover a paz e desenvolver valores morais através do
esporte em eventos periódicos. Ainda não existiam desportistas profissionais
no período, logo, a mentalidade burguesa da prática esportiva exigiria do
esporte o amadorismo.

Com o passar das edições, e evento passava a cada vez receber maior
visibilidade, e consequentemente, os valores propostos por Cobertin iam aos
poucos se perdendo. Em meio à onde de ideologias nacionalistas que
assolavam principalmente a Europa até a primeira metade do século XX, os
Jogos começam a atender aos ideais de superioridade e os atletas passam a
representar não mais a si mesmos, mas sim às Bandeiras Nacionais de seus
países. Mostrar-se uma potência esportiva refletia em mostrar-se também uma
potência política em âmbito internacional. Países que até hoje mantém um bom
rendimento olímpico, como Estados Unidos, França, Alemanha e Grã-Bretanha
figuram no topo dos quadros de medalhas desde as primeiras edições, devido
a seus projetos de Estado voltados exclusivamente para o esporte. Ainda hoje,
com a ajuda da mídia, as Olimpíadas continuam mantendo esse status de
competição nacionalista – exemplo disso são os esportes mais frisados pelos
meios de comunicação, sempre aqueles em que seu país de origem tem mais
tradição -, mas de uma forma muito menos intensa do que era no passado,
quando nacionalismos faziam não só competições esportivas, mas também
guerras (que interrompiam as competições esportivas).

O privilégio de poder sediar a competição era tido como um motivo de


orgulho tão grande quanto de se sagrar “campeão” dentre todos os países. O
direito de organizar tais eventos sempre foi dado a países que pudessem, além
de comprovar competência para cuidar de toda a parte econômica da
realização dos jogos, também apresentassem uma boa infraestrutura já pronta
e de quebra ainda tivesse atrativos turístivos e paisagisticos que, pelo menos
na teoria, a mostre como uma cidade superior às demais cidades do pleito em
disputa (geralmente uma cidade de fato concorre com outras duas ou três pelo
direito de sede, e várias outras são excluídas no meio do caminho). Passada a
época de auge das ideologias nacionalistas, o direito de sede tornou-se atrativo
pelos fatores econômicos advindos a ele. Ser sede de grandes eventos (não
apenas Olimpíadas) bota diante dos olhos do mundo a capacidade de um país
para se fazer grandes investimentos. Realizar um bom evento é garantir um
legado duradouro de infraestrutura, turismo e negócios como consequência.
Não a toa países emergentes na nescessidade de se firmar, a exemplo, já
trazendo para os dias de hoje, de China (Jogos Olímpicos de Verão Pequim
2008), Rússia (Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi 2014 e Copa do Mundo
da FIFA de 2018), e até mesmo o Brasil (Jogos Pan-Americanos Rio 2007,
Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014 e Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro
2016) organizam grandes eventos a fim de se promover. Além do mais, a
realização destes eventos é a oportunidade – ou uma desculpa – para
melhorar problemas de infraestrutura do país e da cidade anfitriã, facilitando
inclusive o recebimento de capital externo para isto.

A Olimpíada e a mídia

Relatórios oficiais

Com o objetivo de deixar registrada toda a história dos Jogos, desde a


primeira edição dos Jogos da Era Moderna são confeccionados livros para
eternizar tudo que de mais importante teria ocorrido em cada evento.
Geralmente organizados pelos comitês organizadores locais, essas obras não
seguiram um modelo padrão no decorrer dos tempos, sempre atendendo às
nescessidades de sua época. Têm em comum mostrar os placares das
disputas e apresentarem sempre um balanço idealizado da competição,
ocultando-se todo e qualquer “erro” que possa ter acontecido em meio à festa.
Sempre com versões em inglês ou francês - ou bilíngue nestas duas línguas -,
línguas universais (como curiosidade, toma-se o francês como “Língua
Olímpica devido à nacionalidade de Pierre de Coubertin, mas com certeza não
é por isso que os relatórios são escritos nesse idioma), mostram-se como
documentos que não seriam de intenção deixar-se privados à seu país de
origem.

Tratando especificamente do relatório dos Jogos de 1968, nota-se uma


um volume maior, e uma diversidade de temas que os anteriores não
apresentavam. Vê-se nele uma grande variedade de festas, tradições,
paisagens, exposições, e especialmente jovens, que não se mostram nos
demais. Poderia-se pensar na questão do exotismo sobre os países da
América Latina que principalmente os europeus mantém, mas edições
anteriores estreavam a Ásia (Tóquio 1964) e a Oceania (Melbourne 1956) no
mapa dos grandes eventos, e nem por isso essas “questões secundárias”
receberiam tanta atenção. Claro, não excluindo totalmente este já dito fator,
mas somando-se a ele às questões econômicas do México, que sempre se
encontrou como país de periferia, ao contrário dos outros dois que haviam
recentemente estreado-se em Olimpíadas (Japão e Austrália), e com base no
que já foi tratado neste estudo, passa-se a entender melhor o porquê da
nescessidade de uma propaganda oficial maior. As manifestações políticas
extra-oficiais durante o evento também revelam a nescessidade de uma
“maquiagem” maior na construção de sua memória. O famoso caso de Tommie
Smith e John Carlos na prova de 200m rasos, que será melhor tratado mais
adiante, não é mencionado em nenhum dos quatro volumes do relatório, assim
como gestos similares de outros atletas. Os problemas internos do país
também nos explicam o porquê da nescessidade de se mostrar jovens felizes e
em celebração durante o evento, além de se criar meios para a participação
direta desse jovem na competição. Tentando-se esconder do grande público as
manifestaçõs e os massacres que ocorriam nas ruas devido à juventude
mexicana, trabalha-se o jovem com uma representação contrária, mesmo que
para isso precisasse algumas vezes ir além do jovem mexicano apenas.
Imagem 01 – Exemplo de representação da juventude mexicana. P/B. Volume IV,
páginas 48-49

Imagem 02 – Recepção dos Jovens mexicanos aos jovens do mundo em 10 de outubro de


1968 na Praça da Constituição, México. Exemplo de evento criado para a particiapação da
juventude. Sequência de fotos. Cor. Volume IV, páginas 16-17

Todos os relatórios oficiais de dos Jogos Olímpicos da Era Moderna se


encontram disponíveis no website do “Centro de Estudos Olímpicos” do Comitê
Olímpico Internacional2

2
< http://www.olympic.org/content/the-olympic-studies-centre/categories-container/official-
documents/?subcat=227302 > acesso em 10 de agosto de 2015.
A Olimpíada do México

Talvez trazer os Jogos Olímpicos para campo latino tenha sido mais
uma falta de opção do que uma escolha desejável ao COI, afinal. A cidade
concorreu com Buenos Aires, Detroit e Lyon, dentre as três, ainda era a mais
preparada para poder organizar a competição. Mas desde sua escolha, em
1963, parecia já se mostrar uma Olimpíada voltada para “polêmicas”.
Começou-se com os questionamentos quanto à altiude da cidade, já que os
2308 metros de planalto acima do nível do mar despertariam o incômodo de
médicos, profissionais do esporte e também da mídia. Preocupavam-se com a
saúde respiratória dos atletas e com o rendimento em competição, alegando
que esse ambiente seria prejudicial às provas de resistência, principalmente do
atletismo, além de atrapalhar quebras de recordes gerais. No fim vários
recordes ainda assim ocorreram, e altitude não foi um problema. Como o
enfoque deste trabalho não é a parte esportiva das Olimpíadas, o número
exato de novas marcas, ou demais conquistas de atletas, de modo geral não se
tornam tão interessantes para este ensaio.

Mas não foram as adversidades geográficas que marcaram esses


Jogos, e sim as decorrências geradas por questões raciais em todo o decorrer
do evento. Um caso menos conhecido, mas que já nos mostraria alguns
indícios das decisões a serem tomadas pelo presidente do Comitê Olímpico
Internacional, o norte americano Avery Brundage, que pode ser considerado
um dos maiores coniventes à situações de racismo. No cargo desde 1952,
onde permaneceria até as Olimpíadas de Munique, seguintes à esta em
questão, sabemos que seu país estava vivendo uma época de agitação quanto
a essas questões, o que de certo modo obrigava cada estadunidense a tomar
algum lado. Isso provavelmente jutifica as atitudes políticas do presidente. Em
um embate direto com a ONU, o homem do esporte se recusava a excluir a
África do Sul dos Jogos. Para confirmar ainda mais sua decisão, readmitiu o
país africano ao quadro de membros do COI, de onde estava excluído desde
1960. Devido à ameaça de boicote a partir de países da África, União Soviética
com alguns aliados, e diversos atletas negros dos Estados Unidos, o
presidente se viu obrigado a voltar atrás e retirar novamente a África do Sul de
sua lista de conveniados.
Mas nessa temática, esses Jogos foram imortalizados pelos gestos de
Tommie Smith e John Carlos (medalhistas de ouro e bronze, respectivamente),
atletas famosos por fazerem no podium dos 200 metros rasos o gesto Black
Power, com o punho levantado, fechado, e com uma luva negra, de cabeça
baixada ao Hino Nacional. Ameaçou-se a cassação de suas medalhas após o
gesto, uma vez que manifestações políticas eram (e ainda são) proibidas pelo
Estatuto dos Jogos, mas nada ocorreu pelo fato do Comitê Olímpico dos
Estados Unidos os terem excluído de sua delegação3. Ocorrido em 16 de
outubro, o gesto chegou a ser repetido no dia 18, por outros três atletas
americanos, com a diferença de que estes não desrespeitaram o Hino. Outras
diferenças estão nas consequências, com esses últimos absolutamente nada
aconteceu, e seus gestos sequer ficaram famosos, e eles ainda puderam voltar
a disputar outras provas de atletismo nesta mesma edição. Como já dito
anteriormente, nenhum desses casos é relatado no documento oficial da
competição.

O México da Olimpíada

3
< http://globoesporte.globo.com/globo-esporte/videos/t/edicoes/v/gesto-historico-nas-
olimpiadas-de-1968-marca-luta-pela-igualdade-entre-as-pessoas/4307405/ > acesso em 11 de
agosto de 2015

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