Você está na página 1de 165

Rotiv

REVOLUCIONÁRIOS
PORTUGAL
GUERRA COLONIAL E REVOLUÇÃO
ÍNDICE

I . Queda do Sistema Colonial

II . Revolução

III. Contra-revolução

IV. Portugal na fase senil do capitalismo

Ficha Técnica:

Autor: Vítor Manuel O. Gonçalves (Rotiv)

Título: O Primeiro Assalto

Subtítulo: Guerra Colonial e Revolução

Edição:

Tiragem:

Data: 2023© Depósito Legal:


Verdade

(latim veritas, -atis, verdade, sinceridade, realidade)

Conformidade da ideia com o objecto, do dito com o feito, do


discurso com a realidade.≠ ERRO, ILUSÃO, MENTIRA
(dos dicionários)

Para os meus filhos

Aos meus camaradas de guerra e Revolução

SÍNTESE

Este livro é simultaneamente um testemunho e


uma reflexão. Pretende perpetuar episódios de um
periodo inesquecível da recente História de Portugal,
vivenciados pelo autor, são comuns à geração da
Guerra Colonial e da Revolução de 25 Abril de 1974.
A escondida derrota militar na Guerra Colonial
portuguesa (1961/74) foi consequência do imparável
processo de autodeterminação e independência dos
povos colonizados pelas potências europeias. A vitória
esmagadora da ex-URSS sobre o nazi-fascismo,
hasteando a sua bandeira no Reichstag em Berlim e
01
vencendo o maior exército japonês na batalha da
Manchúria, apressou a rendição do Japão, alterando
decisivamente a correlação de forças a nível
planetário, permitindo que povos escravizados se
libertassem da exploração desenfreada. O saque
colonial, origem e manutenção do sistema capitalista,
começou a ser posto em causa em marcos históricos,
como a Guerra da Argélia (1954/62), a Guerra do
Congo (1960/66) e a Guerra do Vietname, Laos e
Camboja(1961/75).
A queda iminente do último baluarte colonial
português em África arrastou consigo um regime
despótico, o culminar da derrocada económica e
social, com milhares de jovens portugueses, mortos ou
estropiados. Foi a guerra, as mortes inglórias, a
recessão económica agravada pelas despesas
militares, que desencadeou o golpe de estado, abrindo
as portas a uma Revolução, dando escape à crise
social já em marcha, com mais de 1 milhão de
emigrados, aumento vertiginoso do desemprego,
greves, baixos salários e inflação, agudizada pelo
aumento internacional do preço dos combustíveis.
A descrição dos acontecimentos conduziu-nos à
reflexão sobre períodos do nosso passado, à
descoberta da endémica submissão ao estrangeiro
das elites de Portugal e à interrogação se um dia nos
afirmaremos novamente como povo, sem amos, e nos
tornaremos donos desta terra a que chamamos "o
nosso país". Na Revolução de 1383 que nos conduziu
à vitória de Aljubarrota, proclamámos "ser
portugueses", mas em Abril de 1974, em aliança com
o Movimento das Forças Armadas, enfrentámos os
meios poderosos da contra-revolução ainda ancorada
no poder, onde contava com meios militares, políticos
e financeiros, conseguindo derrrotá-la com
determinação e alta consciência política. Tinha sido
forjada nas lutas contra a ditadura uma força de
intervenção popular, pronta ao confronto! Agora a
juventude vê na emigração uma fuga solitária,
deixando as cicratizes de um lugar vazio. "Nação
valente", ecoa o nosso Hino. Somos um país de
pobres mas não somos um país pobre. A Pátria
afirma-se apenas no futebol?
As portas que Abril abriu permitiu a modernidade
do país, a melhoria das condições de vida, direitos
sociais na saúde, na educação, no trabalho, na cultura
de um povo oprimido. Mas os direitos conquistados
nunca podem ser dados como adquiridos para
sempre. Os que tiveram de ceder no seu domínio, têm
sempre pressa de reaver o que foram obrigados a
distribuir, ou seja, a repartição democrática da riqueza
produzida.
Este é o livro que procura representar uma
geração que perdeu o medo e queria mudar o País e
se fosse necessário, o Mundo. As nossas mentes
ainda não tinham sido condicionadas por intrumentos
digitais de imagens virtuais, de bombardeamentos
mediáticos, autênticos Deus ex machina incontestados,
deixando a juventude de hoje sem outra escolha a não
ser vegetar no sofá, queimando os neurónios na
Netflix, devidamente regados com coca, sem ninguém
além de hologramas da infracultura yankee para
fornecer estímulo intectual.
E nas escolas livros e manuais escolares, que na
melhor das hipóteses são úteis para treinar
especialistas em campos estreitamente condicionados
que podem seguir procedimentos e receitas
previamente definidos, mas não podem explicar como
esses procedimentos e receitas foram alcançados ou
para criar novos.
Em 25 de Abril de 1974 foram lançadas as pedras
angulares do edifício que persiste inacabado, mas a
oportunidade continua em aberto e a passagem do
testemunho perspectiva-se num mundo em rápida
mudança.
Ano de 2023 Rotiv
REVOLUCIONÁRIOS
A geração da Guerra e Revolução

I. Guerra Colonial

Nos finais de 1966, fui encostado à parede.


Com 19 anos tive de abandonar os Beatles, o
basquetebol, o recente emprego e fazer uma escolha
que marcaria para sempre o rumo da minha
existência. O país vivia sob os sons alucinados da
Guerra de África, “Angola é nossa, gritaremos” e os
gritos da rádio, da televisão, dos cartazes, impunham
uma tensão permanente, um perigo longínquo
desconhecido, a procura ancestral de uma fuga. Uma
juventude acossada emigrava para França. Os que
não tinham alternativa, iam “parar com a costas no
mato”, versão conotada com o aforismo popular “ir
pró maneta”. A sorte de um homem é escapar, dizia o
meu pai, ele lá sabia porquê, restava-nos essa
esperança.
A Força Aérea aliciava voluntários e fui até ao
centro de recrutamento. Não tinha vocação para ser
herói à força, não tinha dinheiro para ir a Paris,
ingressar na Aviação parecia-me um mal menor.
Donde és? Interrogou um sargento gordinho, sentado
por trás da secretária. Sou do Barreiro, olha do
Barreiiiro... Que tem ser do Barreiro? Os do Barreiro
não são de fiar! Não são de fiar porquê? Já chega!
Preenche estes papéis e assina! Assinei e a partir
daquele momento apenas ficaram as ilusões das
minhas escolhas, na realidade, passei a ser
empurrado!
O comboio da linha do Norte deslizava nos carris
com sobressaltos intermitentes, era Janeiro e fazia
frio. A paisagem desfilava com efeitos de teleobjetiva,
alternando casas degradadas com zonas fabris,
surgindo de quando em quando extensões da lezíria
criando painéis de cores e solidão. Era impensável
não usar cabelo comprido mas por sugestão de gente
experiente tinha-o rapado antecipadamente. Não
conseguia expor a cabeça em público, por isso a
minha mãe e minha avó tinham comprado um
anoraque azul escuro em cujo capuz me escondia.
Não me lembro como cheguei à Base Aérea da Ota e
como consegui galgar a distância da estrada N.1 até
aquele planalto desértico.
Após o ato de apresentação a primeira ordem que
recebi foi ir rapar o cabelo que restava, havia uma fila
e conversas de circunstância, então surgiu-me o primeiro
impulso de desobediência, concluí por não cortar o cabelo
com máquina zero, ninguém ligaria a uma diferença de
milímetros. E assim foi!
Não gostamos de recordar os pormenores de uma
guerra, acho que ninguém gosta e muito menos esta, que
sentíamos não ser nossa. No primeiro dia fiquei com um
enxoval militar, uma cama de ferro na camarata,
informações dadas por um aspirante miliciano e a saber que
pertencia à recruta 1/67.
Sucedeu-se a fase de instrução militar, as rotinas
diárias, toque de alvorada, pequeno-almoço, aprendizagem
de marcha, preparação física, manuseamento de armamento,
técnicas de combate, guardas noturnas nos postos de
vigilância, disciplina militar, descanso no fim-de-semana
com opção de saída da Base.
Havia no ar um descontentamento latente, uma
subconsciente resistência ao poder que decidia das nossas
vidas, não assimilávamos o discurso da Nação
pluricontinental e do nacionalismo, não nos convenciam da
necessidade de uma guerra para combater os “terroristas”.
Não queríamos, éramos obrigados! Apenas fazia sentido o
companheirismo, as amizades que iriam ganhar raízes.
A Guerra do Vietname estava no auge e não sabíamos
porquê, mas estávamos do lado dos combatentes
vietnamitas. Embora fosse proibido, a verdade é que
tínhamos ganho à vontade para enfrentar as opiniões
institucionais. Os ecos da independência argelina ainda
subsistiam e no Congo e mais além, o nome de Patrice
Lumumba ressoava nos tambores, a mensagem dos hippies,
faz amor não guerra, escondia-se nas consciências e fazia de
nós, ainda sem o sabermos, protagonistas de mudanças.
Acabámos os três meses da recruta sem percalços, a
não ser que num dia de chuva fria o aspirante que
comandava o pelotão levou-nos para um terreno de lama,
mandou-nos rastejar e depois correr em círculo em seu redor.
Era uma normal aula de preparação militar, necessária ao
endurecimento dos futuros guerreiros, mas algum espírito
discordante ao passar na retaguarda do instrutor, alvejou-o
nas costas com lama e pedras. Alto! Quem foi o cobarde? Se
os senhores não o acusarem são coniventes e o pelotão
sofrerá sanções. Só se ouvia o ruído da chuva. Afinal de
contas éramos militares treinados. Muito bem, meus
senhores, rastejar atrás de mim até eu parar e depois mais
trinta voltas! Chegámos feito gelo aos balneários e metemos-
nos, vestidos, debaixo do duche quente, lavámos
simultaneamente, roupa, corpo e alma. Efeitos do primeiro
acto de desobediência!
O juramento de bandeira, foi levado a cabo com a
saudação fascista e motivou insultos do Veríssimo
grandalhão ao oficial que comandava do palanque aquele
mar de gente. Cala-te, estúpido! Dizia em alta voz,
disfarçado entre a multidão! Acabou a recruta e passei a
aluno. Os cursos de “cabos especialistas” eram escolhidos
consoante a nossa ramo de ensino. Mecânicos, terrestres e
aéreos, técnicos de armamento, de material eletrónico. Fui
para abastecimento, um curso administrativo, porque tinha o
então designado Curso Geral de Comércio, tirado na Escola
técnica do Barreiro. Os pelotões passaram a designar-se por
turmas. Uma sensação de volta ao meio escolar, creio que
não por acaso!

O Ceita e um companheiro tinham sido cooptados em


S. Tomé, trazidos pelas emergências do Império
Ultramarino. Era um tipo bem disposto, a cultura africana
impedia-o de partilhar da nossa educação judaico-cristã. Não
considerava boa ideia termos adotado as tradições judaicas
de acumulação de dinheiro pela usura. Houve tempos em
que a Igreja condenava tal prática. Gostava mais de ter
tempo para conviver com amigos e família, ler, beber,
passear, fazer o que lhe desse na gana. O trabalho apenas
devia assegurar o essencial das comunidades, a
acumulação, o desperdício, a pobreza e a fome não são
inevitáveis, motivam guerras ilegítimas para apropriação de
recursos do outro e portanto, são nossas inimigas! A
aquisição de conhecimento, elevar a intelectualidade,
melhorar a cooperação e o respeito pelas diferenças devia
ser o objetivo primeiro da Humanidade. O Ceita sabia o que
queria, era um subversivo homem de paz!

Uma noite, a Santa de Loreto, padroeira da Força


Aérea, destinou que montasse guarda com o Ceita num posto
avançado, perdido num pinhal. A permanência era
substituída de duas em duas horas. Quando se aproximou a
hora de render a guarda, o Ceita propôs que fossemos ao
encontro dos camaradas, até porque um deles era o seu
amigo. O caminho era ligeiramente inclinado no sentido
ascendente, divisámos dois vultos no escuro e o Ceita
seguindo uma brincadeira habitual, faz bater a culatra da
Mauser com o objetivo de intimidar o conterrâneo. A
carabina Mauser tinha um carregador de cinco balas que
normalmente retirávamos por razões de segurança mas
naquela noite um disparo sai da arma do Ceita. O clarão da
pólvora foi assustador. Ah ladrão, que me mataste! O grito
dramático gela-nos. Corremos desesperados encontrando o
são-tomense de joelhos, dobrado sobre si mesmo e agarrado
ao peito. O Ceita chora de volta do companheiro e tenta
ajudá-lo, procura o ferimento. Mas tu não tens sangue! O
outro apalpa-se, verifica, reverifica e ainda a tremer levanta-
se hesitante. Chegámos à conclusão que não tinha sido
atingido. A Santa de Loreto estava por perto desta vez.
Chegámos à Casa da Guarda onde se dormia. Ouviram um
tiro? Ouvi, tu ouviste? Não, estava a dormir. Nada se
passou!

No final de Novembro de 1967, quase a terminar o


curso, mobilizaram com um ar conspirativo uns quantos
alunos. Cavalgámos um jeep e uma carrinha , abalámos com
destino desconhecido. Chegámos a Alenquer e seguimos ao
longo da Vala do Carregado numa estrada de terra perante
um cenário de catástrofe. Até onde a vista alcançava, o vale
estava coberto por uma lama castanho claro e aqui e além
despontava um braço. Parámos na Aldeia de Quintas.
Eram casas rurais, algumas com adega, gente pobre.
Começámos a procurar, enterrados na lama, o que poderia
ser salvo. Os sobreviventes choravam os familiares, o nosso
grupo encontrou dois corpos mas era notório que havia
muitos mais. Ainda voltámos a Quintas no dia seguinte,
havia mortos cobertos de lama, alinhados na estrada.
Populares e imensa juventude estudantil a ajudar e organizar.
Pouco depois o comandante, sem sabermos porquê, mandou-
nos retirar. As notícias não eram muitas e autoridades
identificadas não eram visíveis. Parecia que queriam
esconder a tragédia. Os números oficiais falaram em cerca
de 460 mortes mas, na realidade, segundo os locais,
chegaram a 700. Nunca mais voltei a Quintas. Sei que ainda
há sofrimento.

Depois de uma curta passagem pelo Depósito Geral de


Material da Força Aérea, em Alverca, recebi guia de
marcha para Moçambique. Abalei de Figo Maduro num
DC-6, um dia antes dos meus 20 anos. Lembro-me de
sobrevoarmos a costa do Algarve e ficarmos a vê-la
distanciar no horizonte num magnífico contraste de falésias
cor de laranja e praias esbatidas num mar azul claro escuro.
Ainda hoje sinto o adeus. Adeus à família, aos amigos à
escola, do basquetebol, do trabalho, às ruas do Barreiro, às
sirenes das fábricas e dos bombeiros, às árvores do Parque e
da Mata da Machada, às sedes dos clubes da terra onde
nasci, à vida construída desde sempre e que nunca mais
regressaria. Diante de nós a curiosidade da juventude pelo
desconhecido, quanto mais acicatada pelas fardas do caqui
colonial!
A nossa existência é feita de etapas, individuais e
coletivas, a isto chamamos História. Não o sabíamos, mas os
homens que ocupavam aquele avião faziam parte de uma
mudança de rumo dos portugueses e do Mundo, iniciada
há 500 anos. O sistema colonial entrara em colapso, pela
recessão económica, pelos ideais da revolução russa e
chinesa, pela consciencialização dos povos colonizados. Só
um regime caduco, tal como o seu mentor, persistia em
fazer-se de vivo quando já estava morto. Diz Chico Buarque
que a solidão só acontece quando se perde a alma. Acho
que foi o que perdemos há muito tempo. Carregamos dentro
de nós uma tristeza a que chamamos saudade, a eterna
esperança de um povo que o quer ser, mas tal só aconteceu
por breves instantes em Aljubarrota e no 25 Abril. Este
pedaço, onde a terra acaba e o mar começa, algum dia será
realmente nosso?
Fizemos escala no Aeródromo-Base de Bissau-
Bissalanca na Guiné. Logo que desembarcámos sentimos o
calor e uma humidade que se colava à pele. Já la estava
malta da minha recruta, tinham uma cor amarelo doentio, era
da humidade, explicaram. A Base tinha sido atacada à
morteirada uns dias antes e o ânimo da rapaziada estava na
mó de baixo. Sussurraram que os pilotos dos Fiat-G91 se
recusavam a voar porque o PAIGC tinha mísseis que os
abatiam. Ficámos cerca de 2 horas, só tempo de reabastecer
e rumarmos a Luanda onde estivemos poucas horas, demos
um passeio pela cidade e descolámos para Moçambique.
Deixámos para trás o verde das matas e das savanas,
começaram a surgir as areias do deserto do Kalahari, o delta
do rio Cubango ou Okavango no Botsuana chamou-nos a
atenção, lembrei-me que fazia anos. Chegámos a Lourenço
Marques, vista do ar, a terra vermelha, as árvores, o verde, a
luz, os bairros de caniço em redor, o tom de pele da maioria
das pessoas, era tudo diferente.
Mal deu para conhecer a cidade, localizada na
magnífica baía onde desagua o rio Maputo. Tinha avenidas
novas, mais largas que as de Lisboa mas, à semelhança
desta, estava rodeada por bairros de musseques. O Vargas
estava à minha espera, levou-me de imediato a conhecer os
mercados dos caniços. A afinidade do Vargas com os
habitantes era surpreendente! Já sabia parte do dialeto local,
o changana, uma mistura de português com o macua, por sua
vez derivado do bantu. As mulheres vestiam blusas e saias
de capulana, com lenços na cabeça. Algumas tinham os
lábios notoriamente vermelhos, mais tarde saberíamos as
razões, mas tudo era agradavelmente colorido.
Viajamos para Norte com destino à Base Aérea N.10
na Beira, num dos aviões da então DETA, linhas aéreas de
Moçambique. A cidade da Beira era um posto logístico da
guerra que se desenrolava a Norte, na província de Cabo
Delgado e também junto ao Lago Niassa. Na verdade as
chamadas bases aéreas nas colónias eram aérodromos que
utilizavam as pistas dos Aeroportos civis, ligando-as a uma
placa de estacionamento e infraestruturas militares. Na
BA10 estavam sediados vários tipos de aviões de carga,
destacando-se o conhecido Noratlas nos quais eram
transportadas as tropas do Batalhão de Caçadores
Paraquedistas N.31, também ali estacionadas e nas quais
ganhei alguns amigos.
Chegámos na hora de almoço e procurámos o refeitório.
A obrigatória formatura apresentava um aspeto condizente
com o cenário de filmes de guerra colonial. O aprumado brio
militar tornava-se quase impossível, uns estavam em tronco
nu com calções sujos de óleo, botas de trabalho, outros com
camisas totalmente desabotoadas amenizando um calor
tropical-húmido mais intenso do que em Lourenço Marques.
No chão de areia e erva desencadeou-se uma pequena
escaramuça a que ninguém deu importância. Colocaram-me
no armazém de peças do hangar de manutenção dos aviões
e alojaram-nos num edifício de camaratas semelhantes às da
Ota, ficando arrumados em cada, vinte e quatro homens em
camas sobrepostas.
A cidade da Beira localiza-se na margem esquerda da
foz do rio Púngué, implantada sobre dunas e aluviões está
rodeada de pequenas lagoas e zonas pantanosas, vista do ar
durante a estação das chuvas fica completamente cercada
por água. As vias de comunicação têm de ser construídas
com um nível bastante mais elevado. O Oceano Índico
forma pequenas ilhas dunares que servem de barreira,
desenvolvendo-se mangais a Norte que servem de proteção.
A praia segue ao longo da linha da costa, a perder de vista.
Por que raio foram implantar aqui uma cidade? Ainda hoje
conservo o “porquê” das crianças, a genética curiosidade
infantil, incompreendida, cansativa e reprimida.

A cidade só surgiu em 1887 como consequência da


Conferência de Berlim (1884/85) que definiu a partilha de
África pelas potências coloniais europeias. O continente
Africano e Asiático surgem como alvos para ampliar o
processo exploratório de matérias-primas e de obtenção de
novos mercados consumidores à medida que o modo de
produção capitalista sofria transformações, impulsionado
pela expansão tecnológica da Segunda revolução
industrial. Em 1891, a região de Manica e Sofala foi
entregue à administração da Companhia de Moçambique,
com sede na Beira, formada com capitais da Alemanha,
Inglaterra e África do Sul. Em 1899 a Companhia construiu
a linha férrea que ligava à então Rodésia, passando o rio
Zambeze com uma inacreditável ponte.
Em 1942, em consequência da 2ª.Guerra Mundial,
passou para a administração direta do Governo português,
situação que se manteve até à independência. Portanto a
Beira surgiu como porto estratégico para entrada e
escoamento de produtos dos países africanos do interior,
Rodésia (Zimbabué), Rodésia do Norte (Zâmbia), Botswana,
todos eles colónias inglesas. Estava dotada de um porto
marítimo bem equipado, onde nadavam crocodilos que
desciam o rio, de ligações rodoviárias e ferroviárias e de um
aeroporto internacional.
Na cidade coabitavam diferentes comunidades étnicas,
para além de portugueses, africanos indígenas, indianos de
Goa, chineses da Formosa e paquistaneses povoavam a
cidade que se tornou destino de férias para colonos da
Rodésia, surgindo uma zona balnear com a construção do
Grande Hotel e uma extensa marginal que levava ao centro
da cidade. Uma pequena área urbana consolidada,
normalmente designada por “baixa”, era rodeada por
intermináveis e desordenados bairros de caniços nas zonas
aparentemente não inundáveis, extravasando a área da
cidade e estendendo-se ao longo da estrada para Sul até uma
localidade chamada Dondo. Em 1970 creio que tinha cerca
de 140.000 habitantes, uma pequena percentagem trabalhava
na cidade, a restante nunca soube do que sobrevivia. A
malária, conhecida por paludismo tinha um alto índice na
província de Sofala e em geral, em todo Moçambique.
Davam-nos comprimidos de quinino que tinha pouca
eficácia, alguns ficaram contaminados, mas alguém me disse
que se visse um mosquito na pele, não devia matá-lo e se já
sentisse comichão não devia coçar porque iria facilitar a
inoculação do parasita através da picada do mosquito.
Moçambique tem outros portos importantes, nomeadamente
o de Nacala, o bom senso mandaria que a Beira,
progressivamente, devia ser extinta. As condições geológicas
e meteorológicas são propensas a previsíveis catástrofes,
mas como o custo da morte do povo é irrelevante o que
determina as escolhas são as prioridades daqueles que
geralmente estão a salvo.
Toda a gente, mesmo toda a gente, gamava a gasolina
das DO-27 que eram utilizadas para os mais diversos fins de
reconhecimento, correio, transporte de feridos e passageiros,
ataques estratégicos com dois rockets nas asas e depois pela
“psico”, munidos de um altifalante e lançamento de papéis
de propaganda. As missões de psico revelaram-se perigosas
porque voando a baixa altitude as Dornier começaram a ser
ser atingidas por disparos terrestres dos guerrilheiros.
Víamos passar as mulheres de enxada ao ombro e um
filho pendurado às costas utilizando uma capulana, a
comunicação entre o bebé e a mãe prolongava-se para além
do corte umbilical. Iam cultivar ou apanhar peixe na
machamba, consoante a época. Fiquei incrédulo com essa
de apanhar peixe em terra, mas depois de ver como, saltou-
me da memória o que tinha aprendido na escola com os
dipnoicos, peixes ósseos pulmonados também dotados de
guelras, fósseis vivos da transição evolutiva. Após a época
das chuvas e das lagoas secarem, os dipnóicos ficavam
embrulhados no lodo húmido, respirando por pulmões. As
mulheres conheciam bem os buracos de respiração e com
um golpe da enxada extraíam o peixe.
Faziam parte da paisagem os grupos de homens à
sombra da árvore de convívio ou sentados numa esteira à
porta da cubata. “Os pretos não gostam de trabalhar”, já
tinha arquitetado há muito tempo a matrix colonial,
fabricando uma amnésia coletiva que comodamente omitia o
trabalho escravo. Mas essa mentira inconsistente, foi-me
explicada por um missionário sociólogo e historiador que
curiosamente conheci em Vila de Manica. A organização
social moçambicana ainda estava num estádio gentílico, a
caminhar de forma progressiva para a dissolução. A
identidade de pertença a uma tribo, a um grupo étnico,
estava estruturada em torno de vários grupos familiares
alargados e com afinidades, a chamada gens.
Ainda há bem pouco tempo, entre nós, no casamento os
homens e as mulheres tinham tarefas marcadamente
inultrapassáveis. Jamais um homem lavaria a loiça, a
companheira, a família, os amigos não o permitiriam, o
homem cairia em descrédito. O decoro religioso impunha
que a finalidade das calças numa mulher era para tapar as
pernas, sempre com uma saia por cima. E ainda hoje, nas
serras do Norte, as famílias possuem o conceito da ancestral
gens, são todos primos entre si, ainda que as aldeias se
distanciem largos quilómetros.
À semelhança dos nossos hábitos, também era isto o
que se passava em Moçambique, a primeira divisão social do
trabalho baseada nos sexos. À mulher eram reservadas as
tarefas de tomar conta dos filhos, da casa e cultivar a
machamba. O homem preenchia o seu tempo com a
responsabilidade de caçar. Prover proteínas fundamentais
para o sustento da família e, por vezes, coletivamente para a
gens.
Mas os impactos da colonização retiraram ao homem o
seu papel social. Estava proibido de caçar! A caça era só
nossa. Em nome da racionalização da economia e do
divertimento do colono. E o indígena, expectante, sem
encontrar trabalho na cidade, sentava-se melancolicamente à
porta do seu abrigo esperando que algo acontecesse. E
também, em abono da verdade, para que raio ele tinha de
seguir os nossos conceitos de trabalhar desenfreadamente,
esquecendo família, amigos, viver afinal, para acumular
dinheiro com que possamos comprar uma casa isolada, para
viver no anexo do quintal e um carro ou dois como símbolo
de sucesso, fórmula de pretensa felicidade! Acho isto um
desperdício, melhor será que recuemos milénios e voltemos
aos rituais fúnebres de levar connosco pra tumba os objetos
mais valiosos, transformando as vivendas inabitadas em
mausoléus e o bólide num sarcófago!
Frequentávamos habitualmente a praia do complexo
hoteleiro do Estoril, onde a malta da FA e alguns
paraquedistas tentavam estabelecer amizade ou namoricos
com as “bifas” vindas da Rodésia. Mas a aparente
normalidade foi interrompida bruscamente pela latente
alucinação xenófoba dos derivados ingleses. Um beefe
grandalhão e bêbado esbofeteou, sem qualquer pretexto, o
mais pacífico de todos nós. A indignação e afronta popular
emergiu dos confins da História. Guardamos nebulosas
recordações das consequências do famigerado Tratado de
Windsor que apenas tem funcionado como pronto-socorro
das elites portuguesas, sempre cúmplices dos diversos
saques do património nacional, a começar pelo ataque
mercenário a Évora no decorrer das guerras Fernandinas,
destacando-se o vexatório ultimato britânico de 1890,
que motivou a nossa “enérgica” resposta, plasmada na
estrofe da Portuguesa “contra os Bretões, marchar,
marchar”.
A notícia correu rápida e duas Berliets saíram da Base
repletas de Especialistas e Páras. A praia do Estoril foi
tomada de assalto e como o bêbado tinha efetuado uma
retirada estratégica, aplicámos a sapiência da velha fábula,
“se não foste tu foi o teu pai”. Os beefs começaram a
apanhar na tromba por conta de demasiadas dívidas
latentes, acumuladas de séculos e atravessadas na memória
coletiva. Em breve estava desencadeada uma batalha praial,
voavam pedras e garrafas vazias, os vidros das esplanadas
explodiam atingidos por impactos desconhecidos. Os
intrusos barricados atrás de mesas começaram a utilizar
garrafas ainda com líquido e uma delas, com a velocidade de
um míssil, passou a rasar o alvo da minha cabeça. O projétil
fez chispar um lampejo de inteligência e tomei consciência
de que estava demasiado exposto neste combate resolvendo
abrigar-me num pequeno bosque de casuarinas, a noite
aproximava-se e o jantar também.

27
Inesperadamente mandaram-nos a Marromeu a mais de
300 Km para Norte, junto ao poderoso rio Zambeze que
neste local se espraia pela pela planície formando uma
espécie de delta com inúmeras ilhas e canais. A povoação,
sede da Sena Sugar é ligada à Beira por caminho de ferro,
uma criação da Companhia de Moçambique, tudo em redor é
um mar de cana de açúcar ondulante. O percurso foi feito em
estrada de terra, conhecida por “picada”, porcos do mato
acompanharam o jipe durante algum tempo, numa curva
surgiu-nos uma família de babuínos mais conhecidos por
macaco cão. O chefe da família estava sentado na picada a
comer e continuou impávido. As fêmeas do harém e juvenis
andavam por ali confiantes sob o olhar protetor do macho. O
seu tamanho e as presas impunham temor e resolvemos
sensatamente esperar, diziam-nos que esta espécie de
macacos atiravam pedras com pontaria certeira. Finalmente
abalaram. Uma placa pendurada numa árvore reproduzia o
aviso de uma autoestrada “Mais vale perder um minuto na
vida do que a vida num minuto”, de repente a picada
terminava num canal do Zambeze. Uma barcaça assegurava
a passagem, as margens em declive e enlameadas
obrigavam-nos a descer com muita cautela apontando o jipe
ao barco, um erro era a
morte do artista. Passavam ilhas flutuantes arrancadas pela
força da corrente, na margem estacionavam crocodilos.
Contaram-nos que meses antes,(21Jun69) mais para
Norte, na passagem de Chupanga para Mopeia, 101 homens
do exército tinham morrido afogados e 30 viaturas
perdidas porque o batelão de repente começou a meter água.
Dormimos em instalações da Sena Sugar, assim chamada
por conta da etnia local, o povo Sena. O sargento fez o que
tinha vindo fazer na Companhia e retornámos, sem antes nos
alambazarmos com um churrasco de costeleta da excelente
vitela local, oferecido por um português do “puto”que
trabalhava para a empresa produtora de açúcar e que passou
o tempo do repasto a resmungar contra tudo e contra todos.

Os amigos “páras” do BCP31, após cada operação


tinham necessidade de desabafar connosco e confidenciar-
nos a amargura e severidade das incursões. Militares
qualificados, duramente treinados, eram largados de
helicóptero ou NoraAtlas longe de vias de comunicação em
ações de patrulhamento ou envolvimento, caminhando por
trilhos nos quais poderiam encontrar granadas armadilhadas
com fios de nylon. Eram incentivados pelos comandantes a
reprimir pequenas populações ou famílias que
encontrassem isoladas, normalmente aniquilando-as de
forma propositadamente cruel como exemplo de
intimidação generalizada. O stress de guerra era comum e
julgo que muitos ficaram doentes para sempre.
O Aeródromo de Mueda, terra mítica no extremo-Norte
de Moçambique, servia de apoio operacional a tropas
aerotransportadas. Junto ao rio Rovuma, traçava a fronteira
com a Tanzânia, posto avançado da guerra no planalto da
etnia Maconde, onde em 1960 o governador local tinha
mandado massacrar à volta de 500 indígenas, por estes
protestarem contra as condições de trabalho nos campos de
algodão. Estava tão acostumado à impunidade que se deu ao
luxo de documentar o massacre com fotografias.A guerra
pela independência veio a seguir! Então, como nunca fui de
feitio de estar estacionado, consegui uma boleia para Mueda
numa avioneta DO-27. Fizemos escala em Nampula e
aterrámos em Mueda ao fim da tarde. Não vou descrever
aquele aglomerado de casas e palhotas, já muitos guerreiros
o fizeram. Para além da beleza proporcionada por um
horizonte longínquo, ali devia ter sido um local onde se
podia viver devagar e em paz. Mas não naquele momento, o
que havia era ruído de motores, cheiro a óleo, bunkers e
trincheiras.
Fui cumprimentar os camaradas Mecânicos de Material
Aéreo e antes do sol desaparecer, bum!, começaram a
rebentar granadas de morteiro. Alguém me agarrou e levou-
me até um bunker. Ouviu-se o matraquear das rajadas das
G3. Assim como começou, o ataque repentinamente parou.
Era assim, o jogo mortal do toca e foge. Já estamos
habituados!! Pois estavam, mas não preguei olho toda a
noite, precisava de treino, das patrulhas, de dormir ao
cacimbo, das sortidas, onde se morria por ação das minas,
pelas emboscadas. Quando não vemos saída aceita-se o que
há, inclusive a morte! No dia seguinte regressei num
Noroatlas, não sem antes anotar o cartaz pregado numa
árvore: “Benvindos a Mueda, Terra da Guerra. Aqui
trabalha-se, luta-se e morre-se. Checa é pior que Turra”.
Checa era um recém-chegado, um inexperiente que poderia
colocar em perigo um pelotão.

Decorria o ano de 1970 e a guerra deixou de ser só


notícias. Um Noroatlas desembarcou 14 caixões. Sabíamos
que a maior parte das mortes eram causadas por
rebentamento de minas antipessoal. Os corpos dos
camaradas eram sepultados perto do local da unidade militar
a que pertenciam e às vezes no mato, em campas perdidas.
Não sabíamos porque tinham trazido os caixões, alguma
coisa estava a acontecer e somando informações, concluímos
que as ações militares da Frelimo estavam a tornar-se mais
intensas.
Então surgiu um cartaz com uma figura que no lugar da
boca tinha desenhado um fecho-éclair. O cartaz e os
comandos sugeriam que tivéssemos cuidado com as
conversas, poderíamos mesmo inadvertidamente, divulgar
informações que aproveitariam ao inimigo. Era evidente que
estava em gestação uma grande operação militar. Falava-se
do general Kaúlza de Arriaga que tinha transposto as
técnicas da guerra no Vietname para Moçambique. As
populações das zonas de conflito estavam a ser concentradas
em aldeamentos, procurando que estas não servissem de
apoio aos guerrilheiros. As deslocações do Exército por
picadas foram limitadas tentando eliminar as baixas
causadas pelas minas, a intervenção de paraquedistas,
comandos e fuzileiros foi intensificada com transporte em
helicópteros. Os Fiat G-91 fabricados pela Itália e
comprados à Alemanha asseguraram apoio aéreo e a Rodésia
de Ian Smith acrescentou os bombardeiros Canberra cujos
pilotos vinham comprar bebidas ao bar da “Linha da
Frente”, junto à placa de estacionamento de aviões da FA.
O apelo ao sigilo militar, suscitou-nos muitas dúvidas e
incredulidade. É intuitivo que se queremos segredo não o
anunciamos com um cartaz! Além disso, toda a gente sabia
que militantes da Frelimo faziam parte da população da
Beira e alguns poderiam trabalhar na Base. Mas os Serviços
de informações lá saberiam da matéria melhor que nós!
Além disso éramos declaradamente suspeitos. Alguém tinha
pendurado na camarata um retrato de Ho Chi Minh! Que por
acaso levou um tiro acidental de pistola Walther, mas isso
são outras estórias!
Passado algum tempo, começaram a chegar notícias do
Norte. Os paraquedistas mostravam-se dececionados e
diziam que os resultados eram fracos, apesar do número de
tropa envolvida. Os guerrilheiros tinham abandonado
previamente as Bases de apoio e o material apreendido não
era significativo. No final da Operação Nó Górdio surgiram
informações contraditórias, afinal tinha sido um grande
êxito, o inimigo estava “desarticulado”, tinha sofrido 67
baixas, a maioria das vítimas eram mulheres e crianças,
contando-se 41 mulheres, 28 crianças e 31 homens quase
todos velhos ou doentes. Mas as consequências da maior e
mais cara operação militar em Moçambique em breve se
fizeram sentir. A Frelimo lançou uma contraofensiva,
reativou a Frente de Tete pondo em causa a construção da
Barragem de Cahora Bassa e no geral intensificou a
guerrilha, descendo para Sul. Chegaram a controlar a estrada
Beira/Moatize/Tete, fazendo parar os camionistas e
controlando as mercadorias. A linha de caminho de ferro
também foi atacada.

A falta de efetivos operacionais, por baixas e


alternância de serviço, levou ao recrutamento étnico de
voluntários, os Grupos Especiais(GE) com treino tipo
comandos e os GEP semelhantes aos Caçadores
Paraquedistas, assim como as organizações locais de Defesa
Civil. A Operação Nó Gordio concebida em termos de
contra-guerrilha, revelou-se ineficaz contra a estratégia dos
guerrilheiros, revelou o esgotamento das capacidades
económicas e efetivos militares, o começo do fim da
ocupação colonial. Marcelo Caetano acaba por demitir
Kaúlza de Arriaga.
Na verdade, a guerra nas colónias expôs uma evidência
Histórica, nunca tivemos recursos financeiros e população
que bastasse para ocupar imensos territórios. O sistema
colonial europeu, iniciado pelos portugueses, só se manteve
até à mudança da correlação de forças geopolíticas. As
revoluções socialistas Russa e Chinesa deram início à
ascensão destes países como novas potências. Mas estas
alterações, estranhamente, não nos suscitou grandes
preocupações e à população também não, continuámos
alheados da nova realidade.

Um dia, na hora de almoço ficámos estupefactos, as


mesas de madeira da messe, salpicadas de nódoas
acompanhadas por bancos corridos, encontravam-se cobertas
de toalhas brancas sobre as quais estavam estacionados
pratos com entradas de camarão e outros acepipes. Um
capitão impecavelmente fardado aguardava-nos. Meus
senhores, a partir de hoje, só entram neste local,
devidamente fardados e limpos. Disse! Seguiu-se sopa, bife
com batatas fritas, vinho e fruta. Surgiram menus
inovadores, sempre com entradas e a messe passou a ser um
local de convívio agradável para a qual nos dirigíamos com
expectativas. O prato que mais gostava era do amarelo nº.2.,
batatas fritas embrulhadas em ovo, com uns camarões de
Moçambique por companhia.
Antecipadamente o capitão terminou a comissão de
serviço. Despedimo-nos com pesar e abraços. No outro dia
esperava-nos um novo tenente de messe. Não havia toalhas e
os menus voltaram a ser normalmente intragáveis. À noite,
no Moulin Rouge, uma famosa casa de alterne o tenente
exibia maços de notas de Banco para impressionar as
prostitutas. A indignação subia de tom, até que um dia a gota
de água que faz extravasar o copo, aconteceu. Num salão ao
lado da messe, o recém-chegado comandante da Base dava
uma festa de recepção às “forças vivas” da Beira. Através
das amplas janelas eram visíveis diversas iguarias
intercaladas por inúmeras garrafas de várias bebidas.
Quando entrámos para o almoço, nas mesas corridas
alinhavam-se pratos contendo umas repugnantes papas de
pão, acompanhas por um peixe frito, seco e amarelado,
semelhante ao peixe distribuído aos semi-escravos que
trabalhavam nas grandes plantações.
Recusámos comer a mixórdia, alguns pratos voaram até
às paredes. Veio o Oficial de Dia tentando impor os galões.
Só ouviu queixas, denúncias e novas recusas. Exigimos
comida decente. Perante a nossa firmeza o oficial chamou o
tenente da messe e acertou com este nova refeição. No dia
seguinte, sabendo que nos esperava nova choldra,
permanecemos em formatura e exigimos a substituição do
detestado tenente. Ignoraram olimpicamente a nossa
exigência. O braço de ferro prolongou-se por mais um
dia, mas no 4º um Oficial mandou-nos formar e pediu que
quatro de nós se voluntariassem para serem interlocutores
com o comandante da Base. O gabinete deste encontrava-se
ricamente adornado com móveis locais de madeiras nobres,
como convinha à sua alta hierarquia militar e
simultaneamente estimulando a função de ajudar a pensar.

Iniciámos um diálogo de surdos, as intimidações


fundamentadas no Regulamento de Disciplina Militar não
surtiram efeito, o beco sem saída do autoritarismo levou-nos
a concluir que a dignidade das nossas reclamações
esbarravam numa impossibilidade, o tenente-coronel só
estava programado para se fazer obedecer. Mas, sem
sabermos porquê, saltámos a barreira dos medos seculares,
passámos ao contra-ataque e questionámos o comandante
acerca da finalidade de existir um depósito móvel recém-
construído e de grande capacidade, que era cheio de
combustível quando o camião cisterna vinha abastecer os
aviões?
O semblante do homem que estava do outro lado da
secretária revelou algum receio, por um momento apenas!
Depois a ira despertou e soltou o argumento que considerava
final. Ou os senhores param imediatamente com esta
indisciplina ou chamo a PIDE! A invocação da temerosa e
odiada polícia política retesou os nossos corpos. Toda a
gente sabia da existência deste agrupamento de esbirros da
ditadura e dos seus métodos de reprimir qualquer
contestação, a PIDE tinha poder ilimitado e agia a seu bel-
prazer, um resmungo, uma denúncia podia significar prisão
arbitrária e tortura.

No Barreiro, onde nasci e cresci vivíamos sob regime


de ocupação militar, representada por dois batalhões de
cavalaria da GNR, armados de auto-metralhadoras. Havia
patrulhas fixas e móveis pelas ruas, ao menor pretexto
demonstravam autoritarismo, inclusive sobre os jovens que
se dirigiam em grupos para a Escola de Ensino Secundário.
Na véspera do dia 1º. Maio havia desfile de cavalaria e auto
metralhadoras fazendo demonstrações de força, a Pide
prendia preventivamente os ativistas pró-sindicais ou
políticos já identificados. Os grupos de amigos, as
coletividades de cultura e desporto, qualquer agrupamento,
era infiltrado ou referenciado pelos chamados “bufos” que
denunciavam indiscriminadamente, por vezes por vingança
pessoal.
A Legião Portuguesa, uma milícia de voluntários
nacionalistas e ferozmente anticomunista perseguia os
operários considerados suspeitos, efetuando rusgas noturnas
às residências, aplicando espancamentos intimidatórios. Não
demorou muito para que a organização operária lhes
retribuísse na mesma moeda, contava-me o meu pai na
bancada do “peão” do Barreirense a cujos jogos nunca
faltávamos. Ele já tinha experimentado os efeitos de ser
espancado pela lateral de um sabre da GNR da cavalaria,
isto só porque no regresso de um sábado de baile tinha
atravessado um local desértico junto às linhas férreas, a
“escavadeira”. Uma expressão comum daquela época dizia
que “a besta de cima era pior que a de baixo”. E a PIDE
sempre presente!

No século XV, a vila piscatória e rural do Barreiro vê


instalar-se na margem direita do rio Coina o Complexo
Real de Vale de Zebro, principal centro moageiro e de
fabrico do “biscoito” para abastecimento das “naus da Índia”
e a Feitoria da Telha Velha, possivelmente onde se
construíram pela primeira vez naus em Portugal e sede do
Arsenal de Marinha.(Ver Proj.LeiNº.606/XII/3º.12/5/2014.GP/PCP) .O
ancoradouro abrigado do Coina e Tejo, amplia a sua
importância estratégica como porto privilegiado das frotas
portuguesas e lança as bases pré-industriais do Barreiro. A
partir do início do século XX, a instalação do primeiro troço
do caminho de ferro até Vendas Novas, servindo interesses
dos agrários, acarretou as fábricas de cortiça de Lagos e
Sines para as margens do Tejo e posteriormente ao
progressivo crescimento da Companhia União Fabril (CUF).
O caminho de ferro e o rio permitiam o rápido escoamento
de matérias primas e mercadorias. A concentração operária
cresceu ainda mais com as oficinas da CP, localizando no
Barreiro o maior centro industrial da Península Ibérica.
Os meus avós, seguindo o mesmo caminho de
milhares de camponeses pobres, vieram trabalhar para as
fábricas. Morreram com a idade de quarenta e poucos anos,
a tuberculose dizimava trabalhadores, encontrando terreno
propício na poluição fabril e na paupérrima alimentação. As
barracas de madeira cresciam encostadas aos muros do
sector dos Texteis ou nos pátios dos arrendatários. A minha
mãe, uma operária textil, contagiada pelo temeroso bacilo,
salvou-se por ter sido descoberta uma técnica a que
chamaram de pneumotórax induzido. Ficou com um só
pulmão. No enorme edifício dos “tecidos”, existiam
centenas de teares, cabendo a cada operária manter em
laboração meia dúzia deles. As lançadeiras voadoras podiam
sair projetadas e abater quem que que fosse, inclusive os
capatazes, no ar irrespirável pairavam as micro partículas
dos fios de tecer.
Os despedimentos coletivos, os chamados “balões”,
chegaram a atingir 3 mil operários. As lutas por melhores
condições de trabalho e salários, as greves solidárias contra
os despedimentos eram brutalmente reprimidas, havendo um
posto da GNR dentro da CUF. O meu pai, um corticeiro,
mais um companheiro carregavam rolos de cortiça numa
padiola. O trabalho era executado no regime de
“empreitada”, portanto feito a correr todo o dia. Em casa,
nas noites frias, derretia velas de sebo para amaciar os calos
estalados pelos varais da padiola. Aos trinta e cinco anos
tinha já um grave problema na coluna lombar causando uma
dor ciática incapacitante.

Portanto, para mim o nome da PIDE e o que


significava não era novidade, trazia nos genes o temor e a
resistência de gerações, mas perante a ameaça daquele
arremedo de militar traindo a honra da sua instituição, não
tínhamos qualquer alternativa. Dissemos aos nossos
camaradas isto mesmo! No dia seguinte um sargento
informou-nos que estávamos sancionados com vinte dias de
prisão por termos incitado a um ato de insubordinação
coletiva vulgarmente conhecido na gíria militar por
“levantamento de rancho”. A sanção era imediata! Alguém
com temor e cobardia tinha saltado por cima de todas as
formalidades militares e tinha pressa de esconder a
repercussão das consequências para o seu comando.
A prisão fazia parte da chamada “casa da guarda”
normalmente situada perto do portão de entrada de qualquer
unidade militar. O sargento que nos acompanhou fez questão
de não fechar a porta gradeada e todos os camaradas que
naquele dia exerciam as funções de policiamento não só
lamentaram, como estavam discordantes com a sanção.
Instalou-se uma surda indignação geral.
Passados os vinte dias puseram-nos apressadamente a
voar para Lourenço Marques. Mas, uma vez instalados,
lançámos um golpe de mão inesperado no Estado-Maior da
Força Aérea, queríamos falar com o Chefe, nem menos!
Levaram-nos a um escritório repleto de oficiais por detrás de
secretárias. O ambiente de boa disposição reinante mudou
repentinamente quando anunciámos ao que vínhamos,
apresentar queixa do comandante da Base da Beira pelas
razões que justificaram o “levantamento de rancho” e
denunciar o tal depósito de combustível clandestino. Os
rostos refletiram expressões que que variavam entre a
surpresa, o receio e agressividade pelo ousadia dos “cabos
especialistas”. A hesitação inicial foi superada por um
capitão que se levantou e pediu para aguardarmos, dirigindo-
se a uma porta. Não demorou muito para nos comunicar que
o senhor general não estava presente e que aguardássemos
posterior marcação. E assim nos despacharam carregando a
nossa ingenuidade desafiante!
No dia seguinte levaram-nos num jeep até um cais e
daí para a prisão militar da ilha de Xefina situada a
nordeste da baía de Lourenço Marques. Não sabíamos mas
os vinte dias de prisão implicavam 2 meses de reclusão
disciplinar. Um antigo quartel assegurava a vigilância e o
funcionamento de um único edifício rodeado por uma alta
rede metálica, contendo várias camaratas, os bancos e mesas
de refeições eram construídas em cimento e situadas no
exterior do recinto. Chegámos praticamente na hora de
almoço, nas mesas só colheres e pratos. Veio a terrina da
sopa e depois de nos servirmos, começou uma altercação
entre dois presidiários, repentinamente um deles tinha a
terrina da sopa enfiada na cabeça e a contenda iria mais além
se não houvesse a rápida intervenção da guarda.
A população de reclusos quase preenchia a lotação do
edifício, depois de saberem porque estávamos ali,
concluímos que não era um motivo vulgar. A maioria deles
tinha por curriculum deserção, agressão, roubo e mesmo
homicídio. Havia oficiais que não compreendiam que
estavam num teatro de guerra e não nas condições do senil e
repressivo regime militar de Portugal, o permanente stress
descontrolava as emoções e as regras dos livros deixavam de
ter sentido. A sobrevivência, o precário armamento, a
experiência de combate, a valentia, a amizade, a confiança
no camarada, é que ditava quem era quem. A disciplina de
caserna que fosse à merda! Os presos com penas mais
prolongadas tentavam a fuga atravessando a nado o canal
entre a ilha e a cidade, apesar da presença visível das
barbatanas dorsais dos tubarões. Não se conheciam
incidentes, mas os fugitivos acabavam normalmente por ser
capturados, apesar de um deles ter chegado à África do Sul e
outro, como último recurso, diziam que tinha aderido à
FRELIMO.
Alguns dias se passaram, lendo para preencher a
lentidão do tempo, então quebrando a monotonia, uma
equipa de três inquilinos entrou de rompante com vassouras
ao ombro, alardeando uma formação militar.
Imperativamente fui escolhido para marchar sob prisão com
a finalidade de ser submetido a “Tribunal Militar”. Segui
pelo corredor ladeado pelos “guardas”. No recinto da
entrada por detrás de três pequenas mesas adornadas com
cobertores, estavam sentados três personagens representando
o juiz e os advogados de acusação e defesa, o chão em redor
também estava atapetado.
Fiquei em pé, de frente ao coletivo, as mãos atrás das
costas, na gíria militar conhecida como posição de
“descansar”. O juiz começou a ler o teor da acusação,
curiosamente estava escrita em verso, assim como as
posteriores intervenções dos advogados. As citações
revelavam conhecimento do antigo RDM e do
funcionamento formal do Tribunal. Acabei por ser
condenado à expulsão das Forças Armadas com base no
célebre artigo 16º. que proibia a homossexualidade. O
último verso da sentença terminava com as palavras “puxa-
lhe a manta” e foi o que aconteceu, alguém por trás de mim
puxou a manta onde estava posicionado, provocando a
queda. De imediato um balde com água do mar, despejado
na minha cabeça quase me afogava. Estava habituado às
brincadeiras duras da tropa, por isso não reagi com
desagrado. Vieram de seguida os abraços, os elogios de que
“era um gajo porreiro”, a comunicação ficou mais fácil, o
resto do dia passou com as incontornáveis anedotas e
estórias da guerra.

A praxe repetiu-se no dia seguinte, o escolhido dos


insurgentes do bando dos quatro* era um elitista nascido na
colónia, um daqueles a quem chamamos “betinho” e o
alinhamento na “sublevação” tinha muito a ver com os
sentimentos independentistas dos Moçambicanos. Não
aceitava imposições vindas da ralé, por isso resmungou,
contestou e marchou contrariado. Depois do julgamento
levou com um balde de urina! Tal medida revelou-se
desnecessária para os dois restantes, eram rapazes sensatos.
Tínhamos todo o dia livre para circular no cercado, mas
a particularidade mais interessante do passeio era a
existência em liberdade de alguns burros e magníficos
representantes de uma raça idêntica à do porco preto.
Aproximavam-se da rede na hora das refeições esperando
alguns restos, como alternativa mais atraente à fastidiosa
alimentação arbustiva da ilha. A liberdade às avessas,
deixava-nos pensativos observando os animais, a reflexão
conduzia-nos ao valor dessa condição essencial para sermos
seres humanos. A liberdade é intrínseca a todos os seres,
mas nos humanos, devido à sua auto-consciência, a privação
da liberdade mutila-nos, torna-nos noutra coisa qualquer,
tira-nos a condição humana! A liberdade não é uma
abstração, é o somatório de muitas entidades concretas, as
necessidades humanas, os frutos do trabalho, a utilização
da natureza, a moral, a ética....a justiça, a verdade.

Inesperadamente fomos conduzidos ao gabinete do


comandante do quartel. De forma amável anunciou-nos que
ia retirar-nos da prisão e passarmos a ocupar uma zona das
instalações dos guardas, compreendia que as razões da nossa
reclusão não deviam ser equiparadas às infrações da
generalidade dos prisioneiros e concedia-nos a possibilidade
de circular livremente pela ilha. Depressa explorámos o
território, uma formação dunar originada pelas águas da foz
do rio Incomati, com algumas árvores e arbustos em
profusão, mas ficávamos parados nas praias a observar os
tubarões a patrulhar o canal. Descobrimos duas enormes
baterias de costa ainda intactas, possivelmente construídas
no período da II Guerra Mundial. Havia vestígios de terem
existido mais duas baterias, mas estavam destruídas pela
erosão das areias e correntes marítimas. O comandante
contou-nos que ali tinha morrido o governador da
fortaleza de Moçambique quando esta foi conquistada
pelas forças de Gungunhana, imperador de Gaza e tinha
servido de cárcere a independentistas moçambicanos no
começo do séc. XX.

Pescadores com pirogas puxavam para a praia redes de


cerco repletas de pequenas lulas e o cobiçado camarão que
nos davam desinteressados. Ao começo da noite, como num
ritual, fritávamos num pequeno fogão a petróleo os
camarões e algumas lulas temperadas com piripíri, o jogo da
lerpa estendia-se por horas, ou então lia-se livros de uma
pequena biblioteca. Na despedida, a nosso pedido, o
comandante ofereceu um cabrito que tratámos de assar no
espeto segundo a receita local com o imprescindível picante,
impunham-se alguns convites estratégicos e o repasto foi
regado com a tradicional cerveja Laurentina. Tchau Xefina,
diante de nós todas as incógnitas, ser utilizado era uma
certeza, mas cá no âmago sabíamos que já não podiam
dispor de nós como antes.

E alguns dias passados veio o empurrão. Íamos de


imediato para o Puto, designação codificada de Portugal,
nem sequer terminávamos o tempo da comissão de serviço.
Embarcámos novamente num DC-6 e inexplicavelmente
estávamos tristes, eram muitos os sentimentos que se
misturavam na despedida. Para trás ficou para sempre uma
parte de nós, pelas gentes, pela terra primordial, pela
amizade forjada no perigo, pela guerra inumana e
infindável, pelos mutilados, pela valentia, pelo medo, pela
fome, pelos mortos abandonados, pelo sofrimento.
Connosco transportávamos o amadurecimento de
rapazes feitos homens, a consciência da inutilidade de tanto
sacrifício, da indiferença da sorte de tantos humanos, de
tantos jovens utilizados como “carne pra canhão” em nome
de coisa nenhuma, do oportunismo de altas patentes
militares que tinham transformado a guerra em comércio, o
comércio que era a guerra, do colapso de um mítico império
colonial que nunca o foi, o começo do fim de uma era da
Europa, baseada no trabalho escravo e no saque do
Mundo inteiro. Regressávamos ao Puto e tínhamos umas
contas por ajustar!
Feitas as contas no final da guerra, 800.000 jovens
foram mobilizados, 10.000 morreram, 20.000 deficientes
físicos e cerca de 140.000 neuróticos de guerra. As baixas de
guineenses, angolanos, moçambicanos e civis estimam-se
em 45 mil. Foram escritos muitos testemunhos e livros sobre
a Guerra nas antigas colónias, mas um silenciamento
culposo foi imposto à opinião pública portuguesa, pelos
herdeiros políticos e beneficiários do sistema colonial. Os
grupos de famílias mais ricas, como as Espírito Santo,
Mellos, Champalimaud e outros detinham grandes
plantações e outros negócios em Angola, na Guiné e
Moçambique. Salazar e Caetano apenas eram os lacaios de
serviço desta gente!

II. Revolução!
Quando um militar é desmobilizado do serviço, trás
consigo uma Caderneta Militar, nela é descrito
sumariamente os atos mais marcantes da carreira. As penas
de prisão, a condecoração das campanhas em África, a
despromoção a soldado por insubordinação, emolduram o
meu percurso, justificando a proibição de voltar a
incorporar as Forças Armadas, deles. Há homens que não
entendem “que todo o mundo é composto de mudança”,
citando Camões, julgam que o poder é divino e eterno. Por
isso escreveram sentenças que julgavam ser para toda a
minha existência, não concebiam, não percecionavam que
uma derrocada histórica estava a caminho e que mudaria
o paradigma da vida. O que julgavam um anátema tornou-
se, pelo menos para mim, num motivo de orgulho. Tínhamos
desafiado o aparelho da ditadura, não só a instituição militar
do regime, mas também a ideologia fascista, déspota,
repressiva, que dominava as consciências. Entretanto a
juventude de Portugal e os moçambicanos continuavam a
morrer numa guerra que nunca deveria ter acontecido.
O desespero, o racismo levou à ignomínia do
massacre da população civil em Wiriyamu e aldeias
próximas. Ainda hoje os sobreviventes e herdeiros políticos
do regime fascista, autodenominados democratas, de última
hora, papagueiam “direitos humanos” quando esconderam e
até defenderam os responsáveis. Digamos que estamos todos
no mesmo barco da Grande Democracia Ocidental, ou lá o
que isso seja e fazemos o favor dos povos colonizados serem
nossos amigos!

Os devaneios da Primavera Marcelista já tinham sido


remetidos para a dura realidade da “renovação na
continuidade”, a crise económica e financeira internacional
de 1973, agudizada em Portugal pelas despesas militares,
tinha imposto ao regime concessões políticas à oposição
democrática que aproveitou para alargar as brechas. Tinha
aderido aos círculos da CDE no Barreiro que fervilhava de
atividades culturais e desportivas, politizadas. Trabalhava
numa Companhia de Seguros em Lisboa e quando ao fim da
tarde, de regresso à outra banda, passava no torreão Sul do
Terreiro do Paço, deparava-me com o espetáculo da
transação das ações Bolsistas trocadas ou vendidas de mão
em mão. A seguradora Império aproveitava os seus balcões
para promover pacotes de vinho e azeite!
A séde do Luso FC era frequentada por muitos jovens,
fica no caminho para a Escola Secundária. Integro a sua
Comissão Cultural que rompe a atividade proibida das
comemorações do Dia Mundial da Criança. O Parque
Municipal é invadido por crianças e pais participando em
sessões de pintura e jogos, organizamos concertos com Zeca
Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Carlos Paredes,
colóquios, um dos quais com os jogadores José Augusto e
Simões do Benfica e o jornalista Homero Serpa do jornal
desportivo A Bola. As sessões do XVIII Encontro de Estudos
Cinematográficos, habitualmente organizado na Figueira da
Foz, decorre na sala de convívio do Luso.

Também por ali deambulava o futuro dirigente político


do Partido Socialista, António Reis então casado com uma
barreirense. Num dia de Abril, em jeito de confidência
anuncia-me que vai viajar para a Alemanha para participar
no Congresso fundador do PS porque, finalmente, a
Fundação Herbert (FES) resolvera efetuar um investimento.
A educação na Suíça tinha virado o católico em marxista, só
filosófico claro, moda que se alastrou a alguns elementos
do Partido. Parece que acabou como Grão Mestre do
Grande Oriente Lusitano, conhecida loja maçónica cujas
atividades conspiratórias em prol da Democracia
portuguesa ficaram historicamente plasmadas pelo seu
correligionário Mário Soares, mágico que ficou conhecido
por conseguir meter o socialismo numa gaveta(?!).
As atividades político/culturais eram intensas, desde
Festivais de Teatro a projeções de filmes em colaboração
com o Cine Clube do Barreiro cujos dirigentes chegaram a
ser presos. Esta Comissão foi a fábrica de destacados
ativistas políticos. Com Augusto Valegas dirigimos a
organização dos 1ºs. Jogos Juvenis do Barreiro, evento
desportivo de massas inédito em Portugal. Éramos jovens
entusiastas aprendendo as regras do combate político pela
liberdade, reconhecendo os PIDES de serviço, perdendo o
medo, correndo o risco de ser preso. Faço parte do núcleo
concelhio do MJT, Movimento da Juventude Trabalhadora,
viajo regularmente para Leiria e Figueira da Foz ponto de
encontro da Comissão Nacional do Movimento. Avançamos
com a organização de um Acampamento da Juventude em S.
Pedro de Moel. Vieram autocarros de Norte a Sul. Quando
estávamos a montar as tendas fomos cercados pela GNR,
apontaram-nos as Mauser de joelho em terra, como se
fossemos perigosos oposicionistas armados, no semblante a
vontade de disparar. Houve uns momentos de tensão e
imobilidade, a perceção do perigo fez com que o Virgílio “O
Gago”, se dirigisse ao comandante daquela força. Após um
curto diálogo fizeram-nos desmontar o acampamento e
deslocar-nos ao posto de polícia mais próximo onde fomos
todos identificados, com obrigatoriedade de regressar de
imediato às nossas localidades.

Em Janeiro de 1973 é assassinado Amílcar Cabral. O


Partido Comunista apela para que sejam feitas inscrições
glorificando a sua personagem, “Glória a Amílcar Cabral”,
ficou gravado em várias paredes do Concelho e arredores.
Os pulverizadores tinham facilitado o trabalho das brigadas
e a na coordenação dos locais e da hora fiz dupla com o
Hermenegildo, detínhamos a responsabilidade de inscrever
as paredes de uma zona de fábricas em Alhos Vedros. A
coisa começou a correr mal! Inexplicavelmente duas
personagens afastadas andavam de cá para lá. Tivemos de
esperar e quando o local se encontrou deserto começámos às
02H30, o que deveria ter acontecido meia hora antes! Por
segurança decidimos não regressar pela estrada escolhendo a
linha do caminho de ferro que liga Setúbal ao Barreiro.
Quando nos aproximámos da Baixa-da-Banheira, a
iluminação de um candeeiro permitiu-nos ver de longe um
pelotão da GNR de Mauser ao ombro atravessar uma
passagem de nível. Porra! Já estavam alertados, tinham visto
as inscrições! Saímos da linha pela esquerda, atravessámos
uma Quinta, ouviram-se cães a ladrar, seguiu-se um tiro
ecoando na noite. Corremos que nem lebres em fuga,
seguiu-se outro tiro, um arame de secar roupa quase me
estrangulava, só parámos no abrigo seguro da Mata da
Machada, talvez a uns 2 quilómetros do local. Regressámos
a casa de autocarro, um de cada vez.

O 3º. Congresso da Oposição Democrática é


convocado para os dias 4 a 8 de Abril de 1973, no Cine
Teatro Avenida em Aveiro, o Governador Civil emite uma
Nota sobre “as providências para evitar o acesso à cidade de
milhares de pessoas”, o Cine Teatro não comporta tanta
gente, é necessário instalar um altifalante para o exterior. O
Congresso decorre organizado por temas e decido
participar na secção de “Educação, Cultura e Juventude”,
após o encerramento é organizada uma romagem ao túmulo
do escritor e democrata Mário Sacramento. A repressão não
se faz esperar! Comandada pelo conhecido capitão Maltez, a
polícia de choque coloca-se à entrada do cemitério, os
participantes na romagem param diante da barreira, os
minutos do impasse parecem infindáveis e o esperado
acontece, a carga da polícia varre de baixo acima a Avenida
Lourenço Peixinho.
Perante a resistência à pedrada, o impacto da carga
esmorece e dá tempo para que a multidão se desloque para
as ruas laterais dispersando a força à polícia. Ainda vejo o
combate na rua, recuando palmo a palmo, até desembocar
num largo com prédios em construção oferecendo um fortim
inesperado aos amotinados. O abrigo e a disponibilidade de
projéteis detém a perseguição da polícia e esta para
hesitante. O impasse prolonga-se e por detrás de um muro de
tijolo sem reboco reparo que está um belo dia de sol, então a
polícia sai de cena e entram as caducas fardas de caqui
cinzento azulado e boné verde, a conhecida espingarda
Mauser em punho, o movimento habitual de colocar o joelho
em terra para melhor apontar.
Conhecíamos bem a força do argumento, sabíamos por
experiência que a GNR matava povo sem hesitar!
Abandonámos a posição, dispersamos pelas ruas, dou por
mim mais outro em frente a um quartel. Deixa-mo-nos ficar
por ali, as fardas verde-azeitona dos soldados transmitam
um sentimento de proteção, a recordação de irmandade
militar. De repente um oficial de farda cinzenta e muitos
dourados atravessa a porta-de-armas e interpela-nos, “se
andamos fugidos á polícia”, arranjamos uma resposta
evasiva embora a nossa ansiedade não enganasse ninguém.
Sigam-me por esta rua comandou o oficial-porteiro,
seguimo-lo esperançados, mas assim que nos deparámos
com dois GNR’s ordenou, “prendam estes homens”! Os
guardas não reagiram de imediato, lia-se nos semblantes que
estavam a processar a ordem inesperada, não estavam
programados para a situação, só nos restava voltar a correr e
foi o que fizemos até encontrar os autocarros que nos
trouxeram.

Dentro da “abertura política” iniciada pelo


marcelismo, as eleições legislativas para eleger os deputado
para a chamada Assembleia Nacional, estavam marcadas
para 28 de Outubro de 1973. Mas no decorrer da campanha
eleitoral os candidatos apresentam a questão sobre a ida ou
não às urnas. A chamada “abertura política” era uma fraude,
mais para satisfazer pressões estrangeiras, porque no plano
interno as prisões de candidatos, as rusgas às sedes, as
fraudes no recenseamento, mostravam que o regime
continuava igual a si mesmo e no dia 24 de Outubro de
1973, na sessão ocorrida no Teatro Cine Barreirense,
perante uma assistência de cerca de 3.000 pessoas é
aprovada por aclamação uma Moção de não participar na
votação. O entusiasmo era empolgante revelando uma
grande combatividade. Democracia, gritava a multidão, um
corpulento operário sobe ao palco e perante a patrulha da
GNR que policiava o comício, ergue o punho e grita
desafiante, Democracia e Socialismo, República Popular!
Socialismo, socialismo, grita a multidão. O conhecido
sargento Reis acaba imediatamente com a sessão. Toda a
gente para a rua e dispersar!

Desde o Congresso de Aveiro que tinha ganho o hábito,


depois do trabalho, subir a Rua do Alecrim até ao Chiado.
O Largo tinha-se transformado no local de encontro de
vários grupos de discussão da situação política, o clima
estava efervescente com a notícia da publicação em 22 de
Fevereiro de 1974 do livro “Portugal e o Futuro” do
General António de Spínola. Ouvimos falar do general,
quando tínhamos feito escala na Guiné-Bissau, era
Governador e a guerra com o PAIGC não estava favorável.
Alguns Fiat G-91 tinham sido abatidos, os pilotos tinham
relutância em voar e depois da desesperada tentativa
aventureira da Operação Mar Verde,(*) com o rabo entre as
pernas o general preconizava no seu livro uma solução
política para o conflito com os “ex-terroristas”. Spínola e o
Gen. Costa Gomes perante o impasse da guerra demitem-se
do Estado-Maior das Forças Armadas. Era uma clara fratura
na coesão do regime. O pessoal estava exultante, a 14 de
Março vemos na Televisão o “beija-mão” a Marcelo Caetano
dos idosos oficiais-generais, acção que foi no imediato
chamada de “Brigada do Reumático” expondo claramente as
dificuldades do regime. Marcelo pede a demissão do seu
cargo a Américo Tomás, então Presidente da República.

No dia 25 Abril de 1974 saltei da cama, como


habitualmente às 06H30, tinha de embarcar num barco da
CP para ir trabalhar no Largo do Corpo Santo, em Lisboa.
Com surpresa minha, a estação dos barcos estava repleta de
gente agitada, com rádios encostados no ouvido. Perguntei o
que se passava e veio a resposta, havia um golpe militar em
Lisboa, o rádio repetia sem cessar “Aqui posto de comando
do Movimento das Forças Armadas....”. Os barcos
circulavam com atrasos e assim que chegou um ficou
repleto, a viajem durava cerca meia hora, os rádios
transmitiam comunicados do Movimento e pedidos de
calma, as conversas revelavam ainda cautelas e receios.

Desembarquei, como habitualmente na estação perto do


Terreiro do Paço, um tanque Panhard estacionado junto ao
torreão sul bloqueava o acesso ao Largo. Havia um soldado
na cabine, perguntei a outro de G3 em punho, encostado à
blindagem, o que se passava? É para acabar com a Guerra
colonial, foi a resposta! O receio que tinha desapareceu.
Sabia que o General Kaulza de Arriaga tentava um golpe de
extrema-direita para tentar controlar a situação dentro do
regime fascista. Havia vários blindados em redor da Praça,
uma fragata estacionada em frente ao Cais das Colunas
completava o arsenal bélico e por mera coincidência, alguns
barcos de uma Esquadra da NATO preparavam-se para
largar em exercícios de rotina. Soube depois que o
embaixador americano Nash Scott se encontrava nos Açores
em visita.

A força do hábito empurrava-me para o Largo do Corpo


Santo, era lá que estava o trabalho com que sobrevivia.
Rodeei o problema pelo Campo das Cebolas, atravessei as
ruas da “baixa” em sentido transversal, carros de combate
bloqueavam o acesso aos Ministérios, subi em direção ao
Chiado e desci pelo Largo das Belas Artes e Vítor Cordon,
tentando alcançar o Corpo Santo. Na rampa de acesso, um
soldado armado de G3 estava entrincheirado por trás de um
murete encimado por um gradeamento. Podemos passar?
Não, não se pode! Ficámos ali a conversar sobre os
acontecimentos, o soldado também queria acabar com a
guerra mas, ao contrário do outro do Terreiro do Paço,
estava um pouco nervoso. De repente ouvem-se tiros para os
lados da Rua do Arsenal, o soldado abriga-se e nós
desandamos dali. Resolvemos fazer o caminho inverso e
retornámos ao Chiado. O ambiente era de festa.

Desconfiei haver muita gente encavalitada em tanques


da GNR, aproximei-me para entender de que lado estavam,
um guarda espreitava da torre do blindado brandindo um
rádio de comunicações, ouvi nitidamente “meu comandante,
não podemos manobrar porque há imensos populares em
cima do tanque”. Continuámos a deambular e fomos
espreitar o quartel do Largo do Carmo, ainda estava tudo
calmo, meia dúzia de passantes e pouco mais, descemos pela
António Maria Cardoso e do último andar dois Pides sorriem
com escárnio e desafio. Desembocamos na Praça do
Município, do outro lado, na Rua do Arsenal dois grupos de
tanques confrontavam-se! Os peões passavam de cá para lá,
mas havia espectadores de mãos nos bolsos, alheados do
perigo seguiam atentos o desenrolar dos acontecimentos. O
comandante do agrupamento do lado da Praça do Comércio,
de repente toma a iniciativa de conversar com o comandante
adversário. Há muitas gesticulações, o chefe do lado Oeste
regressa à posição e ouve-se, Fogo! Fogo! Não esperamos
pelos resultados, prudentemente recuamos e esperamos
abrigados no vão de uma porta, o tempo passa e vê-se muita
gente caminhar na direção do Largo do Carmo. Quando
chegámos estava repleto de blindados de vários tipos. “O
Marcelo está lá dentro! no Quartel da GNR!” Parece que
estavam a decorrer conversações para rendição. As
recordações destes momento são confusas, as palavras de
ordem seguiam-se umas às outras, chegavam cada vez mais
pessoas, o tempo decorria nervosamente lento. Vinda do
nada organiza-se distribuição de comida, principalmente
para os soldados. Um helicanhão sobrevoa a zona durante
algum tempo e afasta-se. À 3 da tarde o mesmo militar da
Rua do Arsenal dá ordem para outro subir numa Chaimite e
disparar uma rajada de autometralhadora na fachada do
Quartel do Carmo. Houve debandada geral, instintivamente
a recente formação militar de muitos portugueses levou-os a
deitar no chão.

Os populares não arredavam pé. Passaram horas, mais


tiros de G3 nas janelas do quartel, finalmente chega um
carro com o General Spínola. Mais espera, canta-se o Hino
nacional, o nome do valente e inabalável militar que
comandava as operações em toda a “baixa” começa a ser
ouvido, Salgueiro Maia, capitão da EPC de Santarém, este
apela para a multidão abandonar o Largo, ninguém arreda
pé, um tipo sobe na guarita da GNR e discursa munido de
um megafone, ninguém lhe presta atenção, por fim um
veículo militar saiu, no interior, sem ser visto, sabia-se que
ia Marcelo Caetano.

Para nós a festa no Largo tinha acabado Só no dia


seguinte os Pides renderam-se ao exército e fuzileiros, não
antes de matar 4 pessoas e ferindo dezenas na tarde do dia
25. Alugado à Casa de Bragança, o prédio da Pide foi
vendido e transformado num condomínio de luxo. Sou de
opinião que para se fazer certas coisas nesta vida é preciso
“ter estômago”, expressão popular para designar
indiferença, desumanidade, oportunismo, por parte de um
Poder que não se interpôs no destino do edifício, por parte
dos proprietários que não se incomodam ou ignoram
estórias de portugueses que ali sofreram interrogatórios
sob tortura.
Continuámos em direção da “baixa”, enormes
multidões festejavam montando os veículos militares, povo
e soldados, soldados do povo! Resolvemos voltar ao
Barreiro, a travessia foi calma, no início da noite começa
uma enorme manifestação na Baixa da Banheira que se
prolonga até ao Barreiro. Acabo o dia a colar cartazes com
um grupo do MJT. Inesperadamente somos perseguidos por
um jeep da GNR. Ainda passou muito tempo para tirá-los do
Barreiro e substituí-los por uma força de polícia!

Revolução (do latim revolutìo,ónis, "ato de revolver") é


uma mudança abrupta no poder político ou na organização
estrutural de uma sociedade que ocorre num período
relativamente curto de tempo. (Dos Dicionários).

Quem não tiver a oportunidade de viver uma Revolução


não pode apreendê-la, simplesmente porque as palavras não
chegam. Passados alguns anos pode-se fazer uma tentativa
de descrevê-la nos seus múltiplos aspetos, mas será sempre
uma imagem limitada. Uma revolução é cavalgar uma onda
da Nazaré ao som da nona sinfonia de Beethoven, tudo o
que é criativo nos humanos é libertado, caos e ordem, luta
de contrários, desenvolvimento!

Na Escola, a História falava-nos da Grande Revolução


Francesa, um marco na História da Humanidade, mas para
o ensino oficial a Convenção era quase uma associação de
vilões e os senhores feudais as vítimas. Escondiam-nos que
assalariados, pequenos comerciantes, camponeses e a
burguesia tinham há muito estabelecido uma aliança social
contra a aristocracia. As cabeças que rolavam na guilhotina
eram de aristocratas e os jacobinos de Robespierre não lhes
perdoavam séculos de poder absoluto de servidão e miséria.
A Revolução francesa inicia o assalto ao poder de uma
nova classe social enriquecida, a burguesia, portadora de
uma ideologia de progresso, inspira toda uma série de
revoluções por toda a Europa, inclusive em Portugal (1820),
estendendo-se aos independentistas Bolivarianos na
América do Sul.

Sistematizarmos o momento histórico da Revolução, os


protagonistas, os seus objetivos, a classe ou classes que
ocupam o poder do Estado, os argumentos políticos e
ideológicos de domínio, torna-se fundamental para
compreendermos os acontecimentos presentes e futuros!
Afinal as Revoluções apresentam-se-nos como roturas
sociais no sistema de sobrevivência das sociedades humanas.
Se a organização do processo de produção, por meio do
trabalho social, já não consegue satisfazer as necessidades
essenciais das classes hierarquizadas, então geram-se
incapacidades, contradições, dissidências nos diversos
aparelhos do Estado dirigido pelas elites que controlam o
poder e entre estas e todo o povo.
Assim clarificada, a História surge-nos como um
permanente conflito de classes gerado pela apropriação da
produção e justa distribuição dos bens necessários e
supérfluos. A harmonização social é uma falácia necessária
à estabilização do poder e dos meios de produção, mas não
é eterna. As Revoluções são processos históricos , não
lineares, com avanços e recuos, até à superação final e
substituição no poder de uma classe por outra.

Desde aquela madrugada de Abril do ano de 1974, os


portugueses cavalgando os tanques do MFA entraram de
roldão pelas portas da liberdade e demonstraram o que
queriam e ao que vinham. O regime dos de cima acabava de
ser apeado e os de baixo não aceitavam mais as coisas
como lhes eram impostas. Sabíamos bem o que
representavam os nomes Champalimaud, Mellos, Quinas,
Espírito Santo e outros, no quotidiano das nossas vidas.

Até Março de 1975, um conjunto de oito grandes grupos


industriais e financeiros dominavam a economia
portuguesa. Ao longo do consulado de Salazar, a burguesia
industrial/financeira tinha arrebanhado infames fortunas e
estabelecido alianças pelo casamento com tradicionais
famílias da nobreza detentoras da maioria das terras
aráveis do sul do País, os latifúndios. Muitas destas dinastias
também tinham interesses na exploração de produtos das
colónias portuguesas, açúcar, café, tabaco, algodão, petróleo.
A concentração do capital era enorme, apenas 10 famílias
possuíam todos os grandes Bancos comerciais, que por sua
vez controlavam a economia. As cinco principais empresas
exportadoras do país, pertenciam-lhes e ocupavam também
uma posição muito importante nos sectores de base da
indústria portuguesa, siderurgia, cimentos, indústria química.

A concentração industrial em Portugal não resultou


de qualquer processo de “livre concorrência”. A partir de
Março de 1945 ela é imposta pela ação coerciva do Estado
salazarista com a Lei de reorganização industrial (Lei nº.
2005 de 14-3-1945). As pequenas e médias empresas eram
“convidadas a encerrar a laboração” ou a integrar à força
grupos monopolistas. No entanto é com Marcelo Caetano
que o poder económico e o poder político passam a um novo
grau de envolvimento, a Lei de Fomento Industrial, fusiona
estas duas realidades, passando o Estado a ser um mero
instrumento do poder económico.
Desde rapazola que me lembro de ver e ouvir os ecos
das lutas dos operários das fábricas dispostas ao longo das
margens da bacia do Tejo, Barreiro, Seixal, Alhos-Vedros,
Montijo, Alhandra, Sacavém, Cabo Ruivo, onde a chama da
torre da antiga SACOR vigiava, qual sentinela intimidante,
toda a bacia do Tejo. Nunca consegui compreender a tese de
Mário Soares e outros auto democratas, considerando
Portugal uma “sociedade rural” até M.Caetano ter surgido
como um “raio de luz” iluminando um novo dinamismo no
capitalismo financeiro-industrial, conseguido com base em
alianças de capitais nacionais e estrangeiros.
Portugal nunca conseguiu ultrapassar o atraso e a
pobreza endémica de país simultaneamente colonizador e
colonizado. Em 1807 o saque das invasões Napoleónicas e a
fuga da corte para o Brasil, teve como resultante a regência
de Beresford que promoveu Portugal a mais uma colónia
inglesa, aliás no seguimento dos Tratados comerciais com
Inglaterra. O domínio económico inglês perdurou durante
séculos, inclusive na disputa das colónias portuguesas e
ainda hoje é visível.
A Revolução burguesa liberal de 1820 e o tímido
surgimento industrial que se seguiu deram origem a uma
recente classe operária aguerrida motivando maçons e
carbonários a implantar a República em 1910, não alterando
grandemente este estado de coisas. Olhado como país de
emigrantes, Portugal apresentava números bem
representativos do subdesenvolvimento. A mortalidade
infantil era de 55,5 por mil nasciturnos,(actual 2,4), 131,8
portugueses em cada cem mil, sofriam de tuberculose, o
analfabetismo rondava os 30%, a maioria não tinha direito
a pensões nem assistência médica. A média dos salários
ainda hoje é das mais baixas da Europa e qualquer
reivindicação era duramente reprimida.

A guerra provocou também a fuga de 9.000 jovens, o


que reforçou a emigração. O recenseamento de 1981,
permitiu concluir que a população de nacionalidade
portuguesa emigrada no estrangeiro representava cerca de
um terço da população residente em Portugal. A emigração
portuguesa é tradicionalmente significativa. Porém, os anos
60 e 70 foram décadas específicas: novos países de destino,
Europa com cada vez maior importância (sobretudo a
França), e aumento da emigração clandestina.
Entre 1959 e 1971, com um valor máximo em meados
dos anos sessenta, o número de saídas, ultrapassou um
milhão de indivíduos.

O Estado autocrata de ideologia fascista imposto por


Oliveira Salazar em 1933, a partir da ditadura militar que se
seguiu ao golpe militar de 1926, pondo fim à 1ª. República,
era caracterizado pelo domínio absoluto desta burguesia
monopolista, com o chamado Estado Novo completamente
ao seu serviço, dominado por um aparelho policial
repressivo, principalmente sobre as classes trabalhadoras.
Aljube, Forte de Peniche, Tarrafal, Pide/DGS, “Bufos”,
Legião, não são meros nomes para serem apagados e
esquecidos, são memórias vivas de torturas, degredo, morte,
miséria, marcados nos genes e passados de geração em
geração, até que justiça não seja mera palavra.
O núcleo dirigente do movimento militar que pôs fim
à ditadura era constituído principalmente por oficiais
milicianos, recrutados à pressa nas universidades,
oriundos de classes populares. Enquadravam o aumento
desmedido das Forças Armadas. Calcula-se que cerca de
800.000 mil jovens portugueses tenham passado pela guerra
nas colónias. Os capitães ocupavam a hierarquia intermédia
operacional da organização militar e ao fim de 13 anos de
guerra aperceberam-se de que estavam metidos num beco
sem saída. Uma reivindicação salarial foi apenas o pretexto
para o despertar da raiz do problema, a consciência política
nascida nos pântanos da Guiné desembocou na
necessidade de pôr fim ao regime que estava na origem da
emigração em massa, da miséria, da guerra, da morte e da
derrota próxima! Ficaram conhecidos para a História
como o Movimento dos Capitães, dos Capitães de Abril!

E é precisamente devido à famigerada História, que


tem a particularidade de “acontecer” e não ser inventada
como qualquer romance, os capitães de Abril ao ficarem
com o poder do Estado naqueles dias, em lugar de o
conservar, decidiram entregá-lo, certamente por hábito de
obediência hierárquica e aliança conjuntural, a uma Junta de
Salvação Nacional constituída pelas elites militares,
presidida por um general indefetível do regime deposto, o
general Spínola. Este acontecimento esteve na origem de
uma série de problemas causados à revolução em marcha, às
tentativas de travagem e inversão, mas não foi nada que o
povo português não resolvesse nos dias que se seguiram.

Não passou uma semana que na empresa de seguros


onde trabalhava fosse constituída uma comissão de
trabalhadores que ficou nas mãos com uma série de
problemas para resolver. A mais premente era a paralisação
da administração. Não eram tomadas decisões de gestão
corrente e a hierarquia simplesmente não sabia o que fazer
perante tal desmoronamento. Bem, o bom senso impunha-se
e notificámos a Administração que pretendíamos uma
reunião. Não houve obstáculos à pretensão porque, segundo
parecia, a própria Administração não sabia o que fazer. As
regras do jogo tinham mudado.

Ainda não tínhamos tomado consciência do porquê


que nos movia. Tal fenómeno foi gradualmente
progredindo com os acontecimentos e com a experiência.
De um dia para o outro estávamos a exercer liberdades
fundamentais de reunião, organização sindical, liberdade de
expressão, política e outras, sem que ninguém dos de cima
nos dissesse. Ou seja, não esperámos que nos
autorizassem ou mandassem nós, trabalhadores, é que
tomámos a iniciativa de organizar, pôr a funcionar as
empresas defendendo os nossos postos de trabalho,
salvaguardar os nossos salários correndo com sabotadores
que queriam precisamente o contrário para chantagearem e
continuarem o mando.

A própria reunião com a a Administração foi só por si


um acontecimento cheio de surpresas. A começar pelo
local, isto é, tivemos acesso à sala de reuniões da
Administração. Os móveis de estilo século XVII/XVIII, em
carvalho e nogueira, emanavam um mando secular.
Sentámos-nos ao redor de uma mesa comprida e diante de
nós estavam 5 pessoas que não conseguiam esconder um ar
expectante. Com o decorrer da conversa veio a segunda
grande surpresa. Só um daqueles homens, oriundo dos
quadros do antigo BNU, percebia de gestão, os outros,
estavam ali porque pertenciam às diversas organizações do
regime que os compensava com uma alta remuneração paga
pela Companhia de seguros. E, sem exagero, eram quase
idiotas. Só visto, porque contado não tem graça! Um
comandante da marinha, de casaco verde e botões dourados,
tinha somente como curriculum a edição de um opúsculo
para crianças, brincando com o símbolo da Empresa, um
cão. O quadro do BNU confessou a quebra da cadeia de
transmissão de ordens e não se mostrava muito empenhado
na resolução dos problemas. A reunião foi inconclusiva. Não
havia soluções, já não tinham a PIDE para nos ameaçar!

Mas, no dia seguinte, convocámos um plenário de


trabalhadores e as soluções saíram! Em primeiro lugar
revelava-se necessário substituir aquela Administração por
quadros da Fidelidade. De todo o lado chegavam-nos
notícias de abandono de empresas por patronato em fuga
para o estrangeiro, de desvios e transferências de fundos, de
fraudes contabilísticas, de falências técnicas que vieram a
revelar-se em quase todas as empresas de seguros, de roubo
de máquinas e equipamentos, não aproveitamento de
matérias-primas, cancelamento de encomendas, desinteresse
e sabotagem, degradação económica e financeira que
levaria ao encerramento de fábricas, ao desemprego, com o
objetivo de pôr em causa a recente democracia. A iniciativa
e o controlo dos trabalhadores em todas estas situações
nasceram da necessidade de salvaguardar os seus salários,
a sua sobrevivência e simultaneamente, defender a
democracia, a economia e as liberdades alcançadas!

Notificámos os bonzos da Administração da decisão do


Plenário, acrescentando que contávamos com a presença de
um representante do MFA e outro do Ministério do Trabalho,
para sancionar as mudanças pretendidas. No dia seguinte
verificámos que o bando dos cinco, habituados a mandar
sem limitações, tinham entrado arrogantemente na
Companhia e ignorado completamente as nossas pretensões.
Os quadros oriundos do anterior regime fascista sabiam bem
que o poder económico ainda continuava na mão dos
mesmos monopolistas e que estes contavam com apoios no
Conselho da Revolução e no próprio Governo Provisório.
Mas estavam redondamente enganados! Tínhamos tomado
de forma inexorável as nossas decisões, o confronto estava
na ordem do dia e não estávamos dispostos a perder.
Naqueles dias quem escrevia a História éramos nós e com
a formação de piquetes de vigilância, os bonzos nunca mais
voltaram a entrar naquele local de trabalho!

A Comissão de Trabalhadores começou a reunir


semanalmente, as decisões mais complicadas eram decididas
em Plenário de trabalhadores e a colaboração coordenada
com o nosso Sindicato passou a ser uma coisa natural. A
organização dos trabalhadores explodia em cada dia que
passava. Era um movimento imparável de reivindicações
amordaçadas durante dezenas de anos. Comissões
coordenadoras de comissões de trabalhadores (CT´s) por
sectores profissionais, Federações sindicais, Uniões
sindicais, aderentes à Confederação Geral dos
Trabalhadores Portugueses-Intersindical Nacional,
fundada a 1 de Outubro de 1970, até se chegar ao 1º.
Grande encontro das Comissões de Trabalhadores da
Cintura Industrial de Lisboa, realizado na Siderurgia
Nacional a 8 de Novembro de 1975 e representando mais de
100.000 trabalhadores. Entretanto, nos latifúndios
improdutivos do Alentejo e Ribatejo, onde agrários
subsistiam dos rendimentos da exploração da cortiça, em
Évora, a 9 de Fevereiro de 1975, avança a 1ª. Conferência
dos trabalhadores agrícolas do Sul, onde se decide avançar
para a Reforma Agrária, organizando Cooperativas
Agrícolas, ocupando terrenos improdutivos e pondo fim a
séculos de relações sociais baseadas na servidão feudal, à
jorna sazonal, à fome endémica.

De um dia para o outro deixou de haver fascistas em


Portugal! Os que usufruíam do sistema, desde os donos do
País até aos que trabalhavam encostados ao patrão e se
julgavam uns privilegiados, os bufos e afins, os conhecidos
“lambe botas”, todos aqueles que não mexeram um dedo,
que não arriscaram um pelo para combater o regime que os
explorava e não se importavam, que sabiam que existia a
Pide para prender certos tipos identificados como
“marginais”, todos eles, era ver qual gritava mais alto “Eu
cá sou democrata”, “sou mais democrata que tu”! E, aos
poucos as opções políticas dos Partidos mais influentes
passaram a fazer parte do quotidiano. Era a
DEMOCRACIA, mas ainda não se sabia bem qual. Porque
à democracia cada qual chama-lhe sua!

“Reunidas as condições, conquistar o poder não é o


mais difícil, o difícil é mantê-lo!”. Esta citação ficou
conhecida em várias versões, a começar por Nicolau
Maquiavel. Desde o primeiro dia que a Revolução dos
Cravos foi controlada pelas potências ocidentais,
nomeadamente EUA e Alemanha. A guerra colonial e os
dias intensos da Revolução não nos permitiram
aperceber que a economia portuguesa, sempre
fortemente dependente da economia dos países
capitalistas desenvolvidos vivia com estes uma grave
recessão económica. Um forte aumento nos preços do
petróleo, após a guerra árabe-israelense, a chamada “Guerra
dos 6 Dias”, desencadeia uma forte contração no ciclo
económico, expresso na maior quebra da taxa de
crescimento depois da 2ª. Guerra Mundial e um dos maiores
surtos inflacionistas do pós-guerra.

Enquanto o controle político se situava no I Governo


Provisório e na Junta de Salvação Nacional, com Spínola a
advogar uma solução federalista para as colónias, o
encontro deste com Nixon na ilha Terceira nos Açores,
sossegava os nervosismos americanos em relação a tudo
aquilo que não pudessem comandar, nomeadamente os
comunistas no Governo.

Embora os portugueses politizados se apercebessem das


contradições e discordâncias nos organismos de decisão do
País, quem consultar a imprensa da época e os arquivos do
único canal de televisão verificará que os acontecimentos
eram relatados segundo um estilo sensacionalista. Todas as
Empresas atravessavam duros conflitos para melhorias
sociais e os jornalistas das redações digladiavam-se pela
orientação redatorial segundo as suas opções políticas. Os
portugueses eram sempre os últimos a saber dos
acontecimentos, desconhecendo as suas causas. É também,
logo a partir do I Governo Provisório que os decisores
políticos, MFA, o PS de Mário Soares, mais tarde apodado
de “pai da democracia”, o PCP, o Partido mais organizado e
com um claro programa político, o PPD dos liberais de Sá
Carneiro e Francisco Balsemão, irão lutar pelas suas opções,
embora o verdadeiro papel do social-democrata Mário
Soares só há bem pouco tempo tempo tenha saído a
descoberto, quer pelas afirmações do próprio, quer por
investigações de historiadores.

A maior festa que aconteceu em Portugal foram as


comemorações do 1º. Maio de 1974. Um País de norte a sul
veio para a rua festejar o primeiro Dia do Trabalhador em
liberdade. Calcula-se que em Lisboa mais de 1 milhão de
pessoas tenham respondido ao apelo de 23 Sindicatos
organizados na CGTP e desfilado desde a Alameda D.
Afonso Henriques, passando pelo Areeiro até à Av. EUA
onde se encontrava o estádio da antiga FNAT. Liderando a
manif. estavam os representantes dos Sindicatos
organizadores seguidos por Álvaro Cunhal e de Mário
Soares protegidos por um cordão de marinheiros. As
varandas estavam engalanadas com bandeiras portuguesas,
colchas, serpentinas, o povo abraçava-se por tudo e por nada
e a palavra de ordem mais gritada era “O povo unido jamais
será vencido”, vinda não se sabe de onde, a canção da
trágica experiência socialista Chilena de Salvador Allende,
em 1973, tinha-se tornado símbolo de muitas lutas pela
liberdade. Como se sabe, “Grândola” do Zeca Afonso
tornou-se o hino da Revolução dos Cravos e o cântico,
brotando com força das gargantas, enchia as ruas e
retornava alimentando um ânimo revolucionário, uma
determinação de que tudo teria de mudar.

Recordo na tribuna a figura de Álvaro Cunhal, ladeado


por um marinheiro e um jovem soldado. Adivinhava-se a
intenção política que ia de encontro aos sentimentos da
maioria dos portugueses. “Recordando soldado valente que
na Pátria se fez imortal”, a canção do glorioso Victor Jara,
adaptava-se ao nosso MFA . Pela primeira vez sentíamos
que as Forças Armadas não eram um instrumento
repressivo do regime mas sim um aliado com o qual
contávamos para defender a democracia. Do discurso de
Mário Soares retenho a homenagem aos militantes
comunistas, aos sacrifícios da clandestinidade, à tortura e à
morte. No final Soares coloca a mão no ombro de Cunhal,
puxa-o para si, mas continua a olhar para a multidão. Podia
nada significar, mas os acontecimentos futuros e o percurso
de Mário Soares, vieram confirmar as instintivas dúvidas.
Mas é da natureza dos Homens acreditar!

A geração que viveu o período revolucionário, sabe


que as forças internas em Portugal não teriam sido
capazes de travar e inverter o avanço das alterações
económicas e políticas democráticas capazes de estruturar
um Estado com características socializantes. E foram
precisamente estas modificações que despertaram a
intervenção, a ajuda e o incentivo internacional à contra-
revolução.

Quer os EUA quer a RFA destacaram-se nos apoios e


incentivos aos títeres locais privilegiando o PS de Mário
Soares, mas também o PPD/PSD de Sá Carneiro. A RFA foi
o país europeu que mais apoiou a ditadura de Salazar e este
só pôde decidir-se pela sua obstinação colonialista devido
aos apoios francês e alemão com armamentos, a troco de
infraestruturas militares como a base aérea de Beja,
Alcochete e armazéns em Setúbal. Portanto a RFA já detinha
as ligações necessárias, quer via diplomática quer através da
Fundação Friedrich-Ebert Stiftung, para uma ativa
intervenção após 25 Abril dirigida contra o MFA, contra a
Reforma Agrária com a criação da Servecoop, à promoção
do divisionismo sindical, financiando a criação da UGT e a
todo um vultuoso investimento na ação contra-
revolucionária no processo de dominar a Revolução dos
Cravos.
Apesar das divergências entre políticos alemães e
americanos (Henry Kissinger/Willy Brandt) sobre as estratégias
a seguir para intervir nos acontecimentos em Portugal (Nuno
Simas.DN.28Abril.2004) é ainda em 1972 que a precavida FES
decide financiar a criação do “República” como orgão
oficioso da ASP. Põe esta em contacto com a poderosa
central sindical alemã DGB e toma a seu cargo o congresso
fundador do Partido Socialista em Bad Münstereifel, em
Abril de 1973. O “República”, fundado em 15 de Janeiro de
1911 evidenciou-se, juntamente com o “Diário de Lisboa”,
na oposição consentida à ditadura salazarista.

Desde sempre ligado à maçonaria portuguesa,


sobrevive à instauração do Estado Novo. A partir de 1972 é
dinamizado pelo maçom Raul Rêgo contando com vários
colaboradores ligados à fundação do PS, destacando-se
Mário Soares, Gustavo Soromenho, Arons de Carvalho,
Jaime Gama, o meu conhecido António Reis e outros. O
“Republica” seria utilizado como arma de arremesso
contra o Conselho da Revolução, acusando-se os
comunistas de querer dirigir o periódico. A mentira,
desmascarada mais tarde por investigação histórica, é
reconhecida pelo próprio Mário Soares sabendo que não
tinham sido militantes do PCP que ocuparam o jornal.

O 25 Abril de 1974 apanha Mário Soares em Bona à


espera de uma audiência marcada com o chanceler Willy
Brandt e tem de deixar este plantado mais a sua Realpolitik e
viajar apressadamente para Portugal, chegando de comboio à
Estação de Santa Apolónia.

O desenvolvimento do período revolucionário veio


provar que a pose unitária assumida por Soares a partir do
discurso do 1º. Maio de 1974 era, nesta fase, uma mera
concessão ao ambiente político do país. O seu parceiro
natural e modelo na social democracia internacional revelar-
se-ia ser Willy Brandt, o seu anticomunismo disfarçado
pelas aprimoradas táticas da Ostpolitik. O frente-populismo
manifestado no início pelo PS preocupou de tal maneira
Willy Brandt que veio a Portugal em Outubro de 1974. A
partir do susto do I Congresso do PS, protagonizado por
Manuel Serra e Carmelinda Pereira, o modelo estratégico
que veio a ser adotado pelo Partido Socialista ao longo dos
anos, colheu os ensinamentos do seu mentor WB, utilizando
uma linguagem socializante e praticando em articulação
com o PSD e CDS uma realpolitik de direita.

A 15 de Maio de 1974 Spínola é nomeado Presidente da


República e no dia seguinte é constituído o I Governo
Provisório chefiado pelo Primeiro Ministro Adelino da
Palma Carlos, aglomerando sociais-democratas do Partido
Socialista (PS), liberais do Partido Popular Democrático
(PPD) e comunistas do Partido Comunista Português (PCP).
Eram conhecidas as teses federalistas do PR acerca das
colónias, que passava por uma autodeterminação
referendada, com o fito de manter a “unidade territorial do
Império”, mas o velho General apenas se agarrava a uma
ilusão. Se ele próprio defendia uma solução política para a
guerra colonial, tal só poderia ser entendido como uma
derrota. E tinha sido esta perceção que levara o MFA a
derrubar o regime, “defendendo uma autodeterminação
imediata” evitando o arrastamento do conflito. Este
antagonismo eclodia em pleno Governo como reflexo da
opinião pública portuguesa e mesmo a nível internacional,
cuja conjuntura era favorável à independência das colónias.
Se os comunistas do PCP tinham, desde sempre, elegido o
princípio da autodeterminação dos povos colonizados, os
liberais do PPD e os sociais-democratas do PS também
tinham, momentaneamente, posições idênticas, mas por
mero taticismo político.

Ainda somente como representante da JSN, Mário


Soares é encarregado por Spínola de efetuar um diplomático
périplo europeu. Os resultados e as conciliações de pontos
de vista levaram o General a confiar o Ministério do Palácio
das Necessidades ao presidente do PS, aproveitando para
sublinhar na tomada de posse, que o Governo de “unidade
nacional” estava limitado em tomar decisões que só
poderiam ser aplicadas depois das eleições agendadas para
dali a um ano.
Não foi por acaso que Soares escolhe Londres e o seu
homólogo James Callaghan como anfitrião do início das
negociações para um acordo de cessar-fogo que abrisse
caminho à autodeterminação. Os britânicos detinham uma
sólida experiência na formação da chamada Commonwealth
e estava na mira do MNE soluções semelhantes e até
possíveis integrações. Em declarações públicas, Soares
acaba por se aproximar dos objetivos de Spínola,
defendendo o princípio da autodeterminação, mas
condicionado à realização de eleições em Portugal, porque o
Governo provisório tinha tido “origem num golpe militar” e
também seria imperioso que se realizassem referendos ou
outras consultas populares na Guiné, Angola e Moçambique.

O caso mais premente para resolver era o da Guiné-


Bissau. A situação militar aproximava-se do colapso, com
a desmotivação das nossas tropas, com o PAIGC a
demonstrar supremacia militar em certas áreas, com a
utilização de mísseis e prestes a disputar o controlo aéreo
com caças Mig, a declaração unilateral de independência do
novo Estado guineense reconhecida por 84 estados, prestes a
ser admitido nas Nações Unidas e a respetiva Assembleia
Geral ter adotado uma resolução onde era condenada a
ocupação ilegal de uma parte do território e pedida a retirada
das tropas portuguesas. Era expectável que perante este
quadro os negociadores do PAIGC recusassem liminarmente
as propostas da diplomacia portuguesa. Soares apenas
obteve um compasso de espera porque o próprio Pedro Pires
reconhecia a complexidade das soluções para os europeus de
Angola e Moçambique, mas o reconhecimento da
independência teria de ser concretizado o mais rapidamente
possível.

Em Junho, Jorge Campinos, adjunto do MNE, informa


o embaixador norte-americano que o reconhecimento da
Guiné-Bissau constituiria um perigoso precedente para as
outras colónias, mas convencia-se a si próprio que os outros
movimentos iriam aceitar a especificidade da Guiné.
Armado de tal convicção, Soares estabelece conversações
em Lusaca com a Frelimo e apercebe-se que ao tentar
retardar o comboio em andamento acaba por lhe aumentar
a velocidade. Samora Machel esclarece o interlocutor de que
não iriam discutir o princípio inalienável da independência
de Moçambique e que não haveria cessar-fogo sem que
Portugal não reconhecesse a Frelimo como único
interlocutor. Porque razão o ocupante colonial iria
conduzir o processo de descolonização e organizar
referendos? O que era considerado particular passou a ser
geral. A Frelimo respondeu a esta questão com o
recrudescimento da guerra!

Embora seja incontroverso que as guerras de


libertação das colónias africanas originaram
transformações decisivas na consciência dos militares
portugueses que levaram ao derrube da ditadura, a
situação não era idêntica em todos os territórios.

Em Angola, o centro crucial do que restava do


Império, existiam movimentos rivais e antagónicos, embora
o mais organizado e influente fosse o MPLA. A FNLA e a
UNITA tinham surgido em função da disputa das grandes
potências. Em 2 de Maio, Agostinho Neto declara que
“rejeitamos as conclusões do general Spínola. Nenhum
movimento de libertação poderá alguma vez aceitar o
projeto de federação dos territórios africanos com
Portugal...”.

Entretanto a situação militar tonava-se incomportável.


Mas era na Guiné que a perspetiva da derrota se tornava
mais aguda. Os efetivos rondavam os 30.000 homens para
controlar uma população nativa de meio milhão! A
incredulidade e o desânimo instalou-se nas forças armadas
perante o beco sem saída das pretensões neocolonialistas de
Spínola e o impasse das negociações. A lembrança de Goa
ainda estava bem presente e os combatentes não estavam
novamente dispostos a ser o bode expiatório da derrocada
militar. Esta consciência já há muito estava presente nos
jovens oficiais da Guiné e tinha conduzido às raízes da
insurreição que desembocou no 25 de Abril. Tinha sido na
Guiné que a revolta tinha sido concebida e organizada,
estendo-se depois a Moçambique.

A necessidade de se encontrar uma convergência


honrosa para o fim das guerras, a questão política central da
descolonização, impôs a clarificação das divergências entre
Spínola e a Comissão Política do Movimento, que viria a
originar a Comissão Coordenadora do Programa do MFA.

As propostas do I Governo para uma renovação política


moderada à semelhança da evolução gradual das colónias,
representavam uma proposta demasiado insignificante para
um povo que aguentara a mais penosa miséria, duramente
reprimido e empurrado para a única saída, a emigração em
massa. Queríamos que nos fossem concedidos
imediatamente salários e condições decentes de vida, a par
de direitos democráticos. A situação tornou-se cada vez
mais radicalizada assumindo um carácter revolucionário e
o movimento popular forçou os seus próprios objetivos,
contribuindo decisivamente para a luta de independência
da África colonial portuguesa.

Em consonância com o movimento popular o núcleo


político do MFA também se radicaliza identificando-se com
a justiça de tais aspirações. A aliança com Spínola tinha
sido um fenómeno apenas conjuntural. O impasse das
conversações para a descolonização, os desentendimentos
sobre a amplitude dos saneamentos dos colaboradores do
regime fascista, nas forças armadas e no aparelho de Estado
e sobre a natureza do regime democrático que iria substituir
as estruturas do Estado Novo.

Enquanto o projeto de Spínola preconizava a


continuação de uma comunidade lusíada, uma federação de
estados parcialmente autónomos, unidos por uma língua
comum e por interesses económicos “complementares”(?)
era apoiado pelos principais grupos monopolistas
portugueses (Mello, Champalimaud, etc.), por
multinacionais instaladas em Angola e Moçambique, pelos
Estados Unidos e pela maioria dos ditos governos
ocidentais, a maioria do MFA acreditava, pela sua
experiência de guerra nas colónias, que seria impossível
implantar um regime democrático em Portugal enquanto se
mantivesse qualquer relação colonial: “Uma Nação jamais
poderá ser livre enquanto escravizar outra” tornou-se o seu
lema político. A carruagem tática com Spínola e a JSN
escondia a total e irremediável contradição entre os objetivos
políticos, as opções das forças de classe que representavam
ou passaram a representar! Estes conflitos que até aqui
tinham permanecido latentes, confrontaram-se de forma
implacável!
A pressão popular tinha obrigado a Junta a prender
os agentes da odiada PIDE/DGS e a libertar os presos
políticos, em Angola e Moçambique apenas aconteceram
operações de fachada. A Pide mudou de nome, os
governadores substituídos, o aparelho do estado colonial a
funcionar e as forças armadas continuaram a operar em
“acções defensivas”. Mas na Guiné os militares não
hesitaram em executar um golpe local. Despacharam para
a capital o Governador, colaboradores e outros elementos
inadaptáveis à nova situação, a Pide foi desmantelada, os
presos políticos libertados, o MFA tomou o comando e
reiniciou contactos com o PAIGC para negociações.

Em Lisboa, Spínola recusava-se a ceder. Numa


declaração em Argel, Soares disse não acreditar haver
qualquer esperança em negociações enquanto enquanto o
poder em Portugal não mudasse de opinião. Era evidente
que os generais da Junta sobrevalorizavam as suas
capacidades e avaliavam mal a força da sua posição.
Acantonados na sua arrogância colonialista, anestesiados
pela sua própria mitologia, fabricada pelo aparelho de
propaganda de Salazar, incapazes de conter a desagregação
das forças armadas nos campos de combate e assustados
pela determinação das forças sociais e políticas, tentam
preservar a disciplina e a hierarquia militar tradicionais,
fazer que o Exército “regressasse aos quartéis” Para Spínola
a revolução tinha terminado, para o povo e o MFA, mal
começara!
Para se compreender o fim do colonialismo português,
volvidos cinco séculos é preciso saber que naquele pequeno
território guineense, o primeiro a obter a independência,
confluíram causas e efeitos de repercussão internacional à
semelhança do que aconteceu no Vietname. A estratégia do
PAIGC, definida pela personalidade ímpar de Amílcar
Cabral, levou à derrota do regime fascista em todas as
frentes: militar, política e diplomática. Foi na Guiné que a
revolta do Movimento dos Capitães foi concebida,
inspirada e organizada.

Conforme as notícias que iam chegando da Metrópole


os atos de guerra começaram a extinguir-se. Na verdade, o
que toda a gente desejava era regressar a casa e já existiam
as condições para que de forma natural o exército e a
guerrilha começassem por estabelecer contactos. Trocavam-
se opiniões da guerra enquanto se bebiam uns copos e à
medida que a confiança se estabelecia e as amizades
cresciam, os inimigos de ontem convidavam-se mutuamente
para jantares intermináveis. Jogava-se futebol, retiraram-se
as minas das estradas, os portugueses saíam dos
aquartelamentos e visitavam as aldeias, os camponeses iam
comerciar aos quartéis. Tiravam-se fotografias de braço
dado.

Emanada da consciência revolucionária acerca da origem


da guerra e da definição do inimigo comum, os políticos e
os militares, soldados e os seus parceiros guerrilheiros
estabeleceram um processo de confraternização na Guiné,
sem paralelo na história das descolonizações em África. Foi
um processo característico do melhor da alma portuguesa,
esquecer ressentimentos e transformar um inimigo num
amigo. Na verdade PAIGC, FRELIMO, MPLA e UNITA
faziam questão de afastar o racismo da sua atuação, mas na
Guiné foi a melhor homenagem a Amílcar Cabral que
sempre conduziu a guerra sem ódio nem racismo, uma
guerra contra a ditadura colonial, mas nunca contra o povo,
nem mesmo quando usava uma farda.

O impasse das negociações de Londres e Argel teve


como resposta as conclusões de uma Assembleia do MFA,
realizada em 1 de Julho em Bissau, concretizada em 5
pontos, entre os quais se destacava a exigência de reatar
negociações com o PAIGC para uma efetiva independência e
acertar os mecanismos de transferência de poderes. Exigia-
se também o fim das comissões dos militares, procedendo-se
à evacuação gradual.

O tenente coronel Carlos Fabião que tinha sido


nomeado por Spínola para Governador e comandante-
chefe das forças armadas, marimba-se simplesmente nas
pretensões deste. Fabião com 12 anos de serviço militar na
Guiné tinha recebido instruções do General do monóculo
para acabar com o que ele chamava de anarquia, continuar
com o esforço defensivo e preparar a visita deste à
“província ultramarina”. Mas o nomeado, conhecedor
experiente da realidade do território e da guerra, verificou
que as pretensões de Spínola estavam completamente
ultrapassadas pela rapidez do desenrolar dos acontecimentos
naquele território. Fabião colaborou com as novas estruturas
democráticas de comando do MFA, a começar pela
Comissão Coordenadora, um Secretariado e uma Assembleia
Geral, representativa de todas a unidades e patentes.

Foi elaborado um calendário para a retirada das forças


coloniais e para a passagem da administração para o PAIGC
de forma detalhada e meticulosamente planeada, limitando-
se Fabião a criticar construtivamente as propostas, tendo
ambas as partes chegado a um entendimento oficioso que
iria servir de base ao acordo assinado em Argel. A retirada
das forças portuguesas que tinha como data limite o dia 31
de Outubro de 1974 processou-se rapidamente e sem
dificuldades.

Todo o processo de evacuação das unidades dos postos


avançados e da enorme força estacionada em Bissau
cumpriu-se dentro do prazo previsto sem que se tenha
perdido uma única vida, não se registou qualquer choque
nem com guerrilheiros nem com a população. Carlos Fabião
deixou Bissau no último avião militar regressado a Lisboa,
foi nomeado chefe do Estado-Maior do Exército e em
colaboração com os seus camaradas vindos da Guiné
trabalhou para implementar nas forças armadas em Portugal
as estruturas democráticas desenvolvidas na Guiné. A 6 de
Dezembro realizou-se na capital a primeira Assembleia
Geral nacional do MFA.

O vertiginoso desenrolar dos acontecimentos escapa


completamente ao controle de Spínola. Em 13 de Junho,
numa reunião realizada na Manutenção Militar, pediu ao
plenário do MFA um voto de confiança pessoal, como
condutor do processo de descolonização e interprete do
programa do MFA, defendendo que as forças armadas
deveriam “regressar aos quartéis.” A resposta do MFA foi
ambígua . Ainda não detinha a força necessária para se
confrontar com o enorme prestígio de Spínola. O pedido de
Sá Carneiro para que fosse declarado o estado de sítio foi
ignorado. Deve ter sido a partir daqui que os disfarçados
liberais ganharam o hábito de pedir estados de sítio por tudo
e por nada. Em síntese, estava-se num impasse!

Mas a evidente crise de autoridade era resultante das


latentes divergências e hostilidades. O primeiro-ministro
Palma Carlos argumentava que faltava autoridade ao
Governo e o Presidente não possuía um mandato que lhe
permitisse assumir o controlo exclusivo do processo de
descolonização. Palma Carlos tenta levar a cabo um golpe
palaciano, propondo que se realizassem imediatamente
eleições para a presidência, que se promulgasse uma
Constituição provisória, sujeita a ratificação por referendo,
que tivesse o poder de escolher os elementos do seu
governo.

Em 8 de Julho, o Conselho de Estado pressionado pela


CC do MFA rejeitou estas propostas o que levou ao pedido
de demissão de Palma Carlos. Para Spínola esta crise
representou uma importante derrota e só lhe restava simular
neutralidade. A sua escolha para substituir o primeiro
ministro demissionário recai em Firmino Miguel que
declinou o lugar, pelo que se viu obrigado a aceitar o
coronel Vasco Gonçalves que o MFA lhe propunha.

A 18 de Julho de 1974 toma posse o II Governo Provisório


que incluía oito militares no total de dezassete ministros . À
derrota política de Spínola correspondeu o reforço da
influência do MFA e das sua propostas. Em 12 de Julho era
criado o COPCON, uma força de segurança dependente do
chefe do Estado-Maior, Costa Gomes mas, na realidade
controlado pelo MFA. Decorrente da demissão de Palma
Carlos e da derrocada das pretensões de Spínola, em Luanda
a latente disposição de confronto desencadeia um ataque
aos musseques num sangrento motim racista. Os
governadores-gerais de Angola e Moçambique, homens
próximos do General e de ausente convicção democrática
recebem ordens para regressar a Lisboa. Em seu lugar são
nomeadas juntas governativas compostas exclusivamente
por militares.
Em 27 de Julho, depois de aprovada pelo Conselho de
Estado, o Presidente da Republica promulga a lei 7/74,
ficando conhecida como “lei da descolonização”. Na sua
famosa alocução declara:

(…) é chegado o momento de reiterar solenemente o


nosso reconhecimento dos direitos dos habitantes dos
territórios ultramarinos de Portugal à autodeterminação,
incluindo o reconhecimento imediato dos seus direitos à
independência.
No dia seguinte um comunicado conjunto de PS, PCP
e PPD convoca manifestações de apoio ao presidente da
República, ao governo e ao MFA para celebrar e apoiar a
independência das colónias.

Em 2 de Agosto deslocou-se a Lisboa o secretário-geral


das Nações Unidas, Kurt Waldheim, para discutir com o
Governo o processo de descolonização nas colónias
portuguesas. Em 12 de Agosto, o Conselho de Segurança da
ONU concordou unanimemente em recomendar à
Assembleia Geral a aceitação da Guiné-Bissau como
membro de pleno direito daquela organização. Em 26 de
Agosto, Mário Soares e Pedro Pires assinaram em Argel o
acordo que punha formalmente termo à administração
portuguesa na Guiné e no qual se declarava que Portugal
reconhecia de jure a existência daquela República a partir de
10 de Setembro. O texto do acordo garantia ainda o direito
das ilhas de Cabo Verde à autodeterminação e à
independência.

Estas foram as únicas negociações em que Mário


Soares interveio como principal negociador português. A
partir do II Governo, o major Melo Antunes, co-autor do
programa do MFA e pertencente à sua Comissão
Coordenadora, assume a pasta como ministro responsável
pela descolonização. Era evidente que a partir daqui
deixava de existir retardamentos e ambiguidades.

A 7 de Setembro, em Lusaca foram assinados os acordos


com a FRELIMO nos quais é reconhecido o direito do povo
de Moçambique à independência, a ser proclamada no dia
25 de Junho de 1975 e a transferência de poderes mediante
um Governo de transição.

No discurso de reconhecimento da independência da Guiné,


visivelmente contrariado, Spínola lança uma advertência,
“A maioria silenciosa” do povo português terá pois de
despertar e de se defender ativamente dos totalitarismos
extremistas que se digladiam na sombra...”.

A expressão “maioria silenciosa” não tinha sido


congeminada na cabeça e muito menos no monóculo
classista do general. A ideia, saída de alguma central de
Intelligence americana, foi usada pela primeira vez em 1969
pelo subversivo Nixon quando presidente dos EUA para
designar a expectante parte do povo americano que, segundo
ele, o apoiaria na continuação da polémica guerra do
Vietnam, em oposição à ativíssima “minoria” que se lhe
opunha.

E então, uma manhã quando desembarco no Terreiro do


Paço, a malta da “outra banda” depara-se com um cartaz
disseminado pela cidade. As palavras “maioria silenciosa”
davam forma à boca de uma cara que convocava para o dia
28 de Setembro uma “manifestação de apoio ao general
Spínola “Não aos Extremismos”, slogan político de direita,
ainda hoje utilizado para excomungar e deturpar as políticas
de esquerda.

Para os comprometidos com o regime apeado a situação era


desesperante. Apostados numa cosmética controlada do
sistema, viam traição e conspirações em todo o lado. No
ultramar as forças armadas estavam em desintegração e as
insólitas reivindicações salariais representavam a desordem,
o caos na economia. Tornava-se imperioso uma ação drástica
para tentar, pelo menos, salvar Angola e impedir que
Portugal caísse sob o domínio de “forças totalitárias”.

Era evidente que Spínola via os seus desígnios refletidos


num espelho. Evocou “disciplina”, “ordem” e “Pátria”,
omitindo os apelativos de “Deus” e “família”, para não se
confundirem com a tríade salazarista de tão más memórias.
Agrupou todos os grupúsculos neofascistas e colonos
reacionários para tentar inverter o curso revolucionário em
África e na metrópole e destruir o MFA. A conspiração,
apressadamente organizada, pretendia tomar o poder,
simultaneamente, em Lisboa, Luanda e Lourenço Marques.
A prematura revolta dos colonos em Moçambique, de 7 a
10 de Setembro, fez ruir esta jogada.

Os golpistas começam a preparar a manif. da “maioria


silenciosa” no início de Setembro. Estavam envolvidos
vários grupos saídos das ainda existentes estruturas do
Estado fascista, mas também militares como o TCoronel
António Figueiredo e o gen. Kaúlza de Arriaga. Dia 23 de
Setembro o Governador Civil de Lisboa autoriza a Manif.
No dia 26, a TV transmitia um inédito Concurso Hípico
Internacional em Lisboa e vemos na tribuna António de
Spínola receber um cartaz da “maioria silenciosa” sob os
aplausos dos presentes. O gen. Galvão de Melo, membro da
JSN, trajando de cavaleiro expressa o seu apoio à
manifestação. Passados dois dias, a TV nacional passa a
dar nova exposição mediática a Spinola numa tourada no
Campo Pequeno, na qual se repete o mesmo ritual.

No dia 27, o Brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho do


COPCON monta uma operação visando a prisão de antigos
membros da Legião Portuguesa, de pessoas ligadas ao
Estado Novo e dos envolvidos na preparação da
manifestação.

Na madrugada do dia 28, as ordens trazidas pelos soldados


do CPCON às concentrações em Lisboa eram para “desfazer
as Barricadas” porque não lhes cabia fazer barragens, tal era
da competência do COPCON que até à hora nada tinha feito
e continuou sem nada fazer (?!?!)

O Ministro da Comunicação Social lê um comunicado


do Governo Provisório na Emissora Nacional. A
manifestação é interditada pelo MFA. O PCP emite
entretanto comunicados apelando “à vigilância popular” e
denuncia as tentativas contra-revolucionárias dessa minoria
tenebrosa. São levantadas barragens populares nos acessos a
Lisboa e noutras localidades. Durante a noite, grupos de
militares tomam o lugar dos ativistas civis. Passo a noite na
barragem do nó rodoviário de Coina, freguesia do Barreiro.
Os fuzileiros dirigem as operações. Mais tarde o regimento
de artilharia de Vendas novas passa a caminho de Lisboa.
São detidas várias figuras políticas afetas ao velho regime,
quadros da Legião Portuguesa e alguns manifestantes.
António de Spínola tenta entretanto reforçar o poder da
Junta de Salvação Nacional, que comanda e, em vão,
estabelecer o "estado de sítio". Em consequência disso, a
Comissão Coordenadora do MFA impõe-lhe a demissão dos
três generais mais conservadores do grupo: Galvão de Melo,
Manuel Diogo Neto e Jaime Silvério Marques. Derrotado,
Spínola demite-se a 30 de Setembro do cargo de Presidente
da República, sendo substituído pelo general Costa Gomes.
Vários apoiantes militares de Spínola fogem para o
estrangeiro.
Estranhamente, Mário Soares falta à reunião do
Conselho de Ministros marcada para 28 de Setembro. Anos
depois confirmaria que logo após os resultados deste
acontecimentos, os responsáveis do PS Manuel Alegre,
Edmundo Pedro e Vitor Cunha Rego, passaram a contactar
regularmente Spínola no seu retiro de Massamá, com o
objectivo de acompanharem o que se pensava e projectava
no setor dos militares spinolistas. Já depois da morte de
Spínola, Alpoim Calvão, o operacional da frustada
"operação Mar Verde" na Guiné-Conacry e, após o 25
de Abril, da rede bombista/terrorista do MDLP,
confirmaria que logo "em Outubro de 1974 dois
elementos do PS sugeriram a Spínola que organizasse
uma rede de oficiais prontos a intervir. A evolução dos
acontecimentos tinha levado a CIA a considerar um
"golpe tipo chileno" em Portugal. Ou seja, os
confessos "democratas" estavam dispostos a
colaborar com uma matança de portugueses,
acusando outros de tal pretensão. O super democrata
Edmundo Pedro chegou a ser julgado por tráfico de
armas e não só!

A 30 de Setembro de 1974 tomaria posse o III


Governo Provisório, mantendo como PM Vasco Gonçalves
e como PR Costa Gomes. Tinha-se dado uma inversão da
correlação de forças no Governo. As tendências de esquerda
passaram a ser maioritárias.
O rumo dos acontecimentos motivam os comunistas e os
sociais-democratas do PS a realizarem congressos
extraordinários. O PCP leva a cabo o seu VII Congresso
Extraordinário em 20 de Outubro. Nele se advoga que era
fundamental assegurar um mais elevado desenvolvimento
económico, dependente da melhoria do nível de vida dos
trabalhadores e de uma longa e tenaz luta contra o domínio
da estrutura do capitalismo monopolista de Estado, herdada
da ditadura.
Analisada a cojuntura económica nacional esta, apesar da
situação internacional desfavorável, começava a funcionar
em contra-ciclo. A imagem de caos com que se tentava a
contra-revolução era desmentida pelos números da
economia. Na verdade não havia sintomas de recessão. Na
generalidade dos sectores industriais, apesar de algumas
tentativas de boicote, a generalidade das industrias estavam
em fase de recuperação e normalização, exceptuando a
c.civil que ainda não tinha recuperado. A actividade
comercial e bancária retomavam a normalidade. Na
seguradora onde trabalhava, tínhamos saído da falência
técnica, em consequência da aposta "de 24 Abril" em obter
lucros fáceis, mas fictícios, na especulação bolsista. O ano
turístico tinha sido menos mau, em função da curiosidade
pela Revolução e as remessas dos emigrantes votavam ao
volume anterior. Quanto ao ano agrícola as colheitas
eram francamente melhores que as de 1973 e superiores à
média dos últimos dez anos. O despedimentos colectivos
estavam em nítida regressão.
A causa fundamental da reanimação da actividade
económica foi, sem dúvida, o considerável alargamento do
mercado interno. O estabelecimento do salário mínimo, o
aumento do funcionalismo público, as melhorias dos novos
contratos coletivos e o aumento das prestações sociais. O
salário real tinha aumentado 15% na agricultura e na
indútria superava ligeiramente este número. Ficava assim
demonstrado que a melhoria de vida dos trabalhadores
tinha sido o principal factor de reanimação da actividade
económica, ajudado pela decisão de congelamento dos
preços de bens essenciais decretado pelo Governo.
No entanto subsistiam sérios problemas nas finanças
do Estado, na balança comercial e de pagamentos onde os
preços dos produtos importados tinham aumentado devido à
crise capitalista, originando pressões inflacionistas, mas
nada que o Estado não pudesse intervir com vistas a
melhorar a situação. Nenhum economista honesto poderá
negar que esta era a situação real da economia. Ainda a
procissão ia no adro, mas OS ÊXITOS DA REVOLUÇÃO
TINHAM DE SER PARADOS E ESCONDIDOS, ANTES
QUE MAIS CAMADAS DA POPULAÇÃO
BENEFICIASSEM DOS SEUS EFEITOS.

"Se a qualquer pessoa o dinheiro não chega, das duas


uma, ou consegue arranjar mais ou não tem outro remédio
senão gastar menos. O mesmo sucede com as finanças
públicas". Alertavam os comunistas, apelando para acções
urgentes do Governo para se tentar exportar mais,
aumentando a produção e importando menos, reduzindo
verticalmente importações não essenciais, reforçando as
receitas aumentando os impostos, não dos trabalhadores e
dos pequenos industriais, comerciantes e agricultores, mas
dos grandes detentores de riquezas que, como sempre,
diziam que não tinham dinheiro mas tinham sido apanhados
a transferir ilegalmente fundos para o estrangeiro, utilizando
todos os processos, desde o uso de amantes para arriscarem
o pelo no contrabando do uso de malas. É evidente que a
acumulação e exportação de capitais nunca foi honesta, nem
será. A diferença nos dias de hoje, é que o próprio Governo
está ao seu serviço e o pseudo "Ministério das Finanças"
torna ilusoriamente "legal" tal atividade.

As conclusões deste VII Congresso dos comunistas


podem ser consideradas históricas e continuam a ser
válidas para a atualidade. A tese principal evidencia a
principal contradição da democracia resultante da
Revolução dos Cravos. "Se o poder continua nas mesmas
mãos, o desenvolvimento, tal como no passado, terá de
assentar em salários de fome dos trabalhadores e na ruína
das classes médias – e esse esquema de desenvolvimento só
pode realizar-se com a implantação de uma nova ditadura
terrorista; - Se um regime de liberdade e democracia quer
sobreviver e desenvolver-se, tem que limitar e liquidar,
finalmente, o poder dos monopólios e latifundiários, fazer
intervir cada vex mais o Estado na economia sem prejuízo
da iniciativa privada não monopolista, proceder à
nacionalização de sectores-chave da economia e entregar
aos camponeses os grandes latifúndios".

113
Depois do 25 de Abril, o poder económico e o poder
político deixaram de ser coincidentes.O poder político
estava nas mãos de forças democráticas que prosseguia uma
política voltada para a defesa dos interesses do povo e do
País, mas o poder económico continuava nas mãos dos
monopólios e latifúndiários. Esta situação não podia
manter-se por muito tempo. Ou as forças democráticas
punham fim a este conflito ou a base conspirativa contra a
democracia acabaria por instaurar uma nova ditadura.
A participação nos acontecimentos em Portugal
ensinava-nos que quando se consideram os comunistas uma
pretensa ameaça à democracia, é um pretexto para os
próprios acusadores esconderem as suas intenções de
acabar ou limitar as liberdades.

Quase logo a seguir, em 13 de Dezembro realiza-se o I


Congresso do PS, na Aula Magna da Univ. Lisboa. Para
surpresa de Soares foi-lhe pedida a identificação à entrada. A
facção de Manuel Serra, ligado à intentona do quartel de
Beja de 1961, impunha uma linha política em que se falava
de nacionalizações generalizadas, na reforma agrária e em
"luta de classses" dentro do partido, partilhando de uma
visão revolucionária ligada à extrema-esquerda. Até nas
casas de banho havia armas, comenta o socialista António
Campos. Soares venceu o congresso, mas a lista de Serra
consegue 40% de votos para a Comissão Nacional. Soares
chega a colocar a hipótese de fundar outro partido, mas
Manuel Serra acaba por sair do PS com alguns apoiantes e
funda a Frente Socialista Popular (FSP), cuja existência foi
de curta duração.

A independência de Angola seria alcançada a 15 de


Janeiro de 1975, com a assinatura do Acordo do Alvor entre
os quatro intervenientes do conflito: Governo português,
MPLA, UNITA e FNLA. A passagem de soberania ficou
marcada para o dia 11 de Novembro desse ano.

Décadas mais tarde, Soares criticou Melo Antunes


pela orientação resoluta imprimida à descolonização. Na
verdade, as suas opções diferiam muito pouco das de
Spínola. Queria tanto como este, esvaziar os poderes da
coordenadora do MFA e fazer regressar os militares aos
quartéis. A diferença residia no método, na maior
experiência em esconder o que pretendia, como bom
discípulo de WB. Ao aperceber-se que a relação de forças
pendia para o MFA guardou uma atitude cautelosa de
sobrevivência política, como os acontecimentos futuros
iriam confirmar. Ao contrário do imprudente Sá Carneiro, o
líder do PPD, braço direito de Palma Carlos não voltou a
integrar os seguintes Governos Provisórios.

Não deixa de ser irónica a culpa e o azedume que muitos


ex-colonos ainda imputam a Soares pela “traição” das
pretensões neocolonialistas de Spínola. Na verdade sempre
concordou com elas, apenas pagou o preço do seu sentido
de palco, a promoção da sua imagem eleitoral, que sabia
ser decisiva.

Os acordos de Alvor marcam formalmente o fim do


chamado Império Ultramarino português. Restavam os
insignificantes territórios de Macau e Timor. Encerrava-se
assim um ciclo de quase 500 anos da nossa história, mas
ainda hoje subsistem alguns equívocos por esclarecer.

As independências não resolveram automaticamente a


paz nas ex-colónias. A guerra civil desencadeou-se em todas,
mas em Angola o conflito interno arrastou-se com
interlúdios durante 27 anos. Mais de meio milhão de pessoas
voltaram a Portugal vindos de África. Chamaram-lhes
“retornados”. A descolonização foi para eles o fim de uma
alternativa para melhorar a existência miserável na
metrópole. Ainda hoje a maioria não o sabe, mas aconteceu-
lhes serem empurrados por decisões tomadas quase um
século antes. Por norma, os povos são objecto dos interesses
das elites dos vencedores que se apropriam de uma única
versão do passado e faz apagar as outras. A verdade sobre o
mito do Império Africano é que este só começou a existir a
partir da Conferência de Berlim em 1885. Até esta data, a
maior parte das populações africanas não foram tocadas
pela colonização portuguesa, ou seja, cerca de quatro
séculos.

Quando Vasco da Gama chegou à Índia, em 1498, a


população portuguesa devia rondar um milhão de
habitantes. É notória a limitação que tínhamos para ocupar
vastos territórios. As memórias dos portugueses assentam
numa sucessão de mitos, à semelhança dos povos europeus e
só o 25 Abril permitiu que tenham surgido trabalhos de
investigação histórica que contrariam a versão, ainda hoje
oficial.
A “Demanda da Índia” começa com as conquistas em
Marrocos, acontecimento decorrente da Revolução burguesa
de 1383/85. Revolução historicamente disfarçada de “crise
dinástica”, com a morte de D. Fernando. Após a vitória de
Aljubarrota, não foi com certeza por causa de uma crise
dinástica que a antiga aristocracia, descendente de Henrique
de Borgonha, foi posta com a cabeça no cepo e em seu lugar
nasce uma nova de origem aristocrática e burguesa, cujos
filhos foram armados cavaleiros nas praias de Ceuta.

As riquezas dos povos do Oriente, mais cultos, mais


desenvolvidos, mais ricos que os europeus, despertaram a
sua cobiça. Tomar conta de parte do comércio do Oriente,
porque o grande quinhão era dominado por Veneza e demais
Repúblicas Italianas, era uma visão estratégica possível para
tão pouca gente em Portugal. Era uma empresa difícil,
necessitava de financiamento e tecnologia militar naval mais
avançada. E foi conseguida com tenacidade de D. João II e
conhecimentos de construção naval da população ribeirinha
do Tejo e Coina, de origem moçárabe. No Barreiro ficaram
conhecidos por Camarros.

A mitológica “Escola de Sagres” e a controversa figura


do Infante D. Henrique, grão-mestre da Ordem de Cristo,
fundada por Templários, ainda faz parte do arsenal
ideológico das elites portuguesas.

A conquista e construção de 27 praças estratégicas,


Ormuz, Goa, Malaca, etc., tomadas a tiros de canhão naval,
possibilitaram o controle do comércio do Índico e a
fundação do Reino da Índia, muito mais rico que Portugal e
no qual concentrámos os nossos esforços. E, até à perda da
independência, em 1580, mercê do desastre de Alcácer-
Quibir, apenas fundámos Feitorias em Arguim, S.Jorge da
Mina (Gana), Luanda, Ilha de Moçambique e as capitanias
no Brasil, dedicadas essencialmente à exploração de
recursos naturais, ao comércio de escravos e ouro.

O episódio da nau Madre de Deus dá-nos um retrato do


que representava a Índia para Portugal. Em Agosto de 1592,
carregada de valiosíssimas mercadorias tais como, pérolas,
ouro, prata, pimenta, canela, sedas, presas de elefante e
muito mais, foi atacada por uma frota inglesa e capturada
perto da ilha das Flores, violando o Tratado de 1373 “a mais
antiga aliança do mundo”. A Madre de Deus constituiu um
dos maiores saques da História e foi exposta no porto de
Dartmouth para os embasbacados britânicos que nunca
tinham visto uma nau três vezes maior do que qualquer
navio inglês. Este saque estava longe de se tornar uma
exceção. Com base em Madagáscar o corsário Francis Drake
atacava regularmente as nossas naus quando regressavam da
Índia. Foi condecorado pela rainha Isabel I.

Quando recuperámos a independência em 1640,


holandeses e ingleses tinham começado a colonizar a
Índia, substituindo-nos, sob ameaça, no controle comercial
do Oriente e assim tivemos de ajustar os nossos rumos para
as terras de Vera Cruz. Depois, em 1807, vieram as invasões
Napoleónicas e entre “partidários franceses” e “partidários
ingleses” o príncipe regente D. João que só viria a ser rei já
no Brasil, achou mais seguro fugir arrastando consigo a
restante corte. Cerca de 15.000 pessoas levaram tudo o que
podiam, incluindo servos e uma famosa biblioteca de
milhares de preciosos livros, alguns dos quais emigraram
para os EUA. Portugal ficou sem rei nem roque e
transformou-se numa colónia inglesa. D. João VI não queria
voltar, mas foi obrigado pela intimação dos revolucionários
liberais de 1820. Entretanto o irmão-regente D. Pedro,
resolveu declarar a independência do Brasil e fazer-se
aclamar Imperador, porque era evidente que uma “grande
coroa Imperial” era muito mais rentável e segura do que as
incertezas deste pequeno país.

E assim ficámos sem a joias do Império. Só nos


restavam os esquecidos territórios africanos! Mas do
enorme saque do Reino da Índia e do tráfico de escravos
de Angola e ouro do Brasil, assaltado e sugado pelo
Tratado de Methuen com os britânicos, apenas restaram a
Casa dos Bicos, o Convento de Mafra, o Palácio de Queluz
e o Aqueduto das Águas Livres. A aristocracia viveu
faustosamente e desbaratou a riqueza acumulada. O povo
viveu paupérrimo, analfabeto e submetido, num regime
semi-feudal que a 1ª. República não acabou, até acontecer
o percalço de uma revolução em 25 de Abril de 1974!

A partir de meados do século XIX assiste-se a uma 2ª.


Revolução industrial tendo como base energética o petróleo
e a eletricidade. Onze nações europeias, os EUA e Império
Otomano organizam, em 1884, a Conferência de Berlim,
por sugestão de Portugal. O objetivo era regular a ocupação
do continente africano devido ao aumento exponencial pela
procura de matérias-primas. Conhecida também pela partilha
de África a “régua e esquadro”, a Conferência oficializou a
extensa exploração predatória de mais de 90% do
continente, que resultou na morte de milhões de pessoas. No
entanto a competição desenfreada entre as potências
participantes continuou tendo como fundo uma grave
recessão económica inerente ao funcionamento do sistema
capitalista e foi um dos motivos que levou à deflagração de
2 Guerras Mundiais no início do século XX.

As decisões da Conferência de Berlim obrigaram


Portugal a instituir uma nova política que não se limitasse
a evocar o direito histórico para reclamar vastas áreas do
continente africano. Era necessário estabelecer planos que
promovessem a exploração da zona que separava as
colónias de Angola e Moçambique. São conhecidas as
expedições de Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens e Serpa
Pinto para justificar a ocupação efetiva daqueles territórios.
A Sociedade de Geografia de Lisboa organiza uma
subscrição para implantar núcleos de ocupação permanente
definidos numa faixa que ligava a costa à contracosta e que
ficou conhecido pelo “Mapa Cor-de-Rosa”.

As pretensões portuguesas punham em causa o mega-


projeto inglês de ligar, por via ferroviária, a cidade do Cabo
ao Cairo, atravessando todo o continente. Tais planos nunca
se concretizaram porque a ambição era desfasada da
realidade, que opunha no terreno enormes obstáculos.

A Inglaterra não hesitou em enviar-nos um Ultimato


em Janeiro de 1890 exigindo que Portugal retirasse de toda
a zona disputada. Mais uma vez os britânicos marimbavam-
se no tal “Tratado” e só restava a Portugal ceder e recuar.
Sob protesto, claro. E assim acabou o “mapa cor-de-rosa”,
mas provocando uma humilhante exaltação nacional que
acabou por passar com o tempo e que motivou Alfredo Keil
a compor A Portuguesa, “contra os bretões, marchar,
marchar!”, dizia o hino original. Já em plena República, o
termo bretões foi substituído por canhões, num ímpeto
suicida que talvez tivesse repercussões na batalha de La Lys,
levando as tropas portuguesas a serem esmagadas por uma
força alemã muito superior. Levantar de novo o esplendor
de Portugal é uma empresa cada vez mais difícil, mas este
povo demonstrou ao longo da nossa História que é capaz de
fazê-lo. Quando se une, como povo!

A África do Sul representou uma exceção às políticas


de migração de Portugal e restantes potências colonizadoras
para as suas possessões em África. Não tinha sentido enviar
colonos brancos para substituir uma mão-de-obra indígena
abundante e extremamente barata, senão gratuita.

No período inicial do Estado Novo, este estava apenas


interessado numa migração de pessoal especializado e
quadros técnicos que assegurassem os aparelhos político-
administrativos e económicos das colónias.

Na I Conferência Económica do Império, realizada


em 1936, conclui-se pela preferência da emigração para o
Brasil pela importância das remessas dos emigrantes para
Portugal e em relação ao problema do eterno desemprego
preconiza-se a colonização e industrialização interna.
Perante a debilidade da indústria nacional Salazar, seguindo
as políticas de outras potências europeias, defende a
especialização dos territórios africanos na produção de
matérias-primas para abastecer fábricas nacionais e para lhes
adquirir os produtos manufaturados. A fixação de
portugueses em Angola e Moçambique tinha de obedecer a
qualificações técnicas e capacidade financeira e “África
ainda não era atrativa para a generalidade de potenciais
migrantes, que a viam como terra de condenados e
degradados, inóspita e povoada de perigos e doenças
mortais”. Apenas os menos aptos, sem nada a perder, se
arriscavam a partir à procura de oportunidades comerciais.

Pressionado pela conjuntura pós II Guerra Mundial


favorável à autodeterminação das colónias, o Estado Novo
efetua uma revisão da Constituição em 1951 e as colónias
portuguesas passam a fazer parte de uma unidade nacional
pluricontinental, desdobrando-se em províncias
metropolitanas e ultramarinas. Foi apenas uma operação
político-ideológica porque, na prática continuou a
exploração económica do “Ultramar” para abastecer a
metrópole....

A partir dos anos 50 e 60, devido ao crescimento


favorável dos preços dos produtos coloniais, a migração para
os territórios ultramarinos é considerada como uma extensão
da colonização interna. Em 1956 são introduzidas
facilidades à entrada de migrantes portugueses, mas só em
1961, perante o sobressalto da guerra colonial, são criadas
as Juntas Provinciais de Povoamento de Angola e
Moçambique e em 1962 é instituída a livre circulação e
fixação de cidadãos portugueses por todo o território
nacional.

Em consequência da descolonização, em 1975,


regressaram a Portugal cerca de meio milhão de
portugueses que viviam permanentemente em Angola e
Moçambique. A saída forçada da pátria adotada em África
originou feridas que continuam em aberto e não totalmente
compreendidas. Empurrados por hesitações e decisões que
estavam, desde início, muito longe dos seus interesses, os
povos ainda continuam a ser joguetes, enquanto não
tomarem a decisão coletiva de se tornarem os condutores do
seu destino e escreverem eles próprios a História.

“Sem Império dificilmente teríamos mantido a


independência em certas épocas”! Estas contraditórias
declarações foram atribuídas a Ramalho Eanes. O
operacional do 25 de Novembro de 1975, que serviu como
capitão do exército colonial em Cachungo na Guiné, devia
explicitar porque, quando foi eleito Presidente da Republica,
em Fevereiro de 1979 foi colocar uma coroa de flores no
túmulo de Amílcar Cabral!
Caminhamos no sentido inexorável de colocar um
ponto final na aliança ideológica das classes dominantes e
do seu corroído discurso focado na posse do chamado
“império colonial”. Fundámos um Estado-Nação em
determinadas condições históricas favoráveis. Até aos
acontecimentos de 1383 era uma impossibilidade
perspetivarmos uma expansão territorial planetária. O
discurso colonial visa apenas esconder as ações de traição
da independência nacional para manterem a salvaguarda dos
seus privilégios de classe, seja quais forem as “justificações”
que sacarem do fundo do baú da sua continuada dominância.

Ainda o “Império” não existia e já em 1383 a


aristocracia local apoiava o rei de Castela na invasão de
Portugal. Colocou-se mesmo na frente de ataque às nossas
posições em Aljubarrota, subestimando o pequeno exército
de Nuno Álvares, os “pés descalços” da maioria dos
camponeses e mesteirais, mal armados, mas que lhes
infligiram uma derrota da qual fugiram em pânico. A velha
dinastia, iniciada pelo conde D.Henrique, fazia questão de
assumir a sua ascendência ao Ducado de Borgonha, na
actual França, mas foi com sacrifícios e morte que o povo
defendeu a sua escolha de ser português!

Quando em 1580 perdemos a nossa independência,


após o desastre de Alcácer-Quibir em que perdemos 9.000
vidas e 16.000 prisioneiros devido à ganância da nobreza e
burguesia mercantil e à incúria da nata aristocrática, a
restante corte e alto clero apressaram-se a apoiar o rei
Filipe II de Espanha enquanto o povo aclamava D.
António Prior do Crato. Coube ao povo da ilha Terceira o
último ato de resistência. Não conheço povo mais português!
D. António tentou sempre retomar o trono de Portugal
oferecendo o Brasil, quer a Inglaterra quer a França e
inclusive chegou a cercar Lisboa com uma armada inglesa,
comandada por Francis Drake, levantando-se o povo
imediatamente a seu favor. A peste ditou o insucesso da
empresa. Só 60 anos depois, tendo pelo meio várias
infrutíferas revoltas populares, um grupo de nobres
conjurados, privados dos seus poderes nobiliárquicos
ameaçados pelas políticas de Filipe IV, resolve levar a cabo
um golpe palaciano, aclamando o duque de Bragança como
rei de Portugal. Apesar das evocações vagamente
nacionalistas para atrair o apoio do povo, farto do aumento
de impostos, os conjurados apenas pretendiam implantar
uma nova dinastia que assegurasse os seus interesses

Mas o duque João, acantonado em Vila Viçosa, mostrou


muita relutância em participar na rebelião. Era aparentado
com várias linhagens de Castela e sua esposa era irmã do
poderoso duque de Medina-Sidónia. Era uma empresa
demasiado arriscada e João só aceitaria a coroa quando a
revolução triunfasse. Em desespero de causa os conjurados
chegaram a oferecer o trono ao irmão do duque e até de
implantar uma República, mas este só viria a aceitar o trono
após a derrota da armada espanhola na batalha das Dunas
contra os holandeses e o envio de tropas para sufocar a
revolta Catalã.

Em 1640 Portugal, apenas com uma população de 1,2


milhões de habitantes encontrava-se numa situação precária.
A frota portuguesa, no total de 43 navios, tinha sido
incorporada na Armada Invencível de Filipe II, cujo destino
foi a derrota contra os ingleses, seguida de naufrágio numa
tempestade. Outra parte da frota e efetivos militares
encontrava-se no Brasil donde tinha expulso os holandeses.
O exército quase que não existia, não tinha armas nem
munições e não havia dinheiro. Em 1647 tenta-se obter o
apoio dos franceses entregando ao Duque de Orleans o
território peninsular de Portugal, ficando este como
regente, enquanto a corte portuguesa fundaria no Brasil
um novo reino incorporando os Açores. A proposta foi
recusada! Em 1648 a situação era tão desesperante que o rei
D. João IV reuniu o Conselho de Estado e propôs entregar
aos holandeses parte do Brasil e parte de Angola e ainda
pagar-lhes uma indemnização para obter apoio contra
Espanha.

A guerra da Aclamação durou 28 anos e desenrolou-


se desde a Galiza ao Alentejo, com períodos de
escaramuças, ataques e contra-ataques, batalhas
inconclusivas e milhares de mortes, tendo como fundo
europeu o fim da Guerra dos Oitenta Anos e a Guerra dos
Trinta Anos. Finalmente, na Inglaterra, o fim da guerra civil
e a derrota da Republica, trouxe de regresso os Stuarts ao
poder permitindo que em 1654 Portugal renove a sua
tradicional aliança com a Inglaterra.

A aliança foi consumada com o casamento da infanta


Catarina de Bragança com Carlos II de Inglaterra. A infanta
levou com ela um chorudo dote de 300 000 libras, o “chá
das 5 h.” e a doação de Bombaim e Tânger. Finalmente o
reino português recebia a necessária ajuda militar, quer na
península quer nas colónias. Depois das decisivas vitórias de
Castelo Rodrigo(1664) e Montes Claros(1665), os
Habsburgos espanhóis esgotados financeiramente pelas
eternas guerras do Sacro Império Romano-Germânico,
concordam em reconhecer a independência portuguesa, em
1668.

A classe social que se apossa do Estado, apressa-se a


fabricar a sua ideologia, ou seja, age mascarando a
realidade e usa os seu poder para difundir de forma
continuada as “justificações” do seu domínio. Paga a
especialistas, a ideólogos, a comentadores, a leis, a
aparelhos repressivos, políticos e económicos, a tudo que
possa influenciar e criar uma “realidade virtual”. Fica
demonstrado que, ao longo da nossa História, a
aristocracia estabeleceu uma aliança tácita, de longa data,
com a burguesia nacional e não hesitou em utilizar os
territórios coloniais e o próprio território europeu, como
moeda de troca para salvaguarda dos seus privilégios.

Ainda recentemente, nos dias gloriosos do 25 de Abril,


banqueiros, fascistas, criminosos de guerra e outros
democratas, imploravam nas Embaixadas dos EUA e de
Espanha a invasão militar do nosso País. O esmagamento
de milhares de portugueses, pouco ou nada lhes interessava,
desde que o seu domínio e privilégios prevalece-se! Ainda
hoje, a grande burguesia nacional entregou,
deliberadamente, à burguesia estrangeira da UE, partes
fundamentais da nossa infraestrutura produtiva e da nossa
soberania .

Como sempre o fez, sentindo-se mais protegida para


retomar a perda parcial das suas torpes e ilegítimas
fortunas. A História demonstra que coube e caberá sempre
ao povo, defender a independência nacional, porque é
incontestável que a aristocracia e a burguesia que nos tem
dominado, nunca teve, nem terá Pátria!

Em 24 de Janeiro de 1975 o embaixador norte-


americano Stuart N.Scott é substituído por Frank
Carlucci, homem da CIA que trazia no curriculum recente
a direção do golpe contra-revolucionário no Chile, levado a
cabo pelo ignóbil assassino general Augusto Pinochet,
responsável pela morte do presidente eleito Salvador
Allende e de milhares de cidadãos chilenos, em Setembro de
1973. Entretanto a NATO iniciava as suas manobras Locked
Gate na costa portuguesa num declarado ato de intimidação
às transformações democráticas em Portugal.

Em 9 de Fevereiro, em Évora, tinha lugar um


extraordinário acontecimento. Realizava-se a 1ª.
Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul. À
semelhança do que acontecia nas fábricas e outras empresas,
as classes sociais organizavam-se no sentido de defenderem
os seus interesses. Antecipando-se, a burguesia rural,
parida do latifúndio feudal, constitui em Beja a Associação
Livre de Agricultores (ALA), os seareiros, alugadores de
terras, formam as Ligas de Pequenos e Médios Agricultores
e os assalariados rurais, a classe mais numerosa,
organizam-se nos Sindicatos de base distrital.

Nos campos do Alentejo, mas também Ribatejo,


confluem todas as consequências de séculos de servidão, do
trabalho sazonal, do trabalho descartável sem quaisquer
direitos, das consequências de mais uma crise sistémica do
sistema capitalista, motivada pelo aumento dos preços do
petróleo, da pressão crescente do número de desempregados,
do regresso dos soldados das colónias, da quebra da
emigração, do aumento do desemprego na cintura industrial
de Lisboa e do consequente regresso às origens de muitos
operários.
Num quadro de correlação de forças favorável, os
trabalhadores agrícolas, à medida que se vão organizando
nos Sindicatos, conseguem impor aos agrários convenções
de trabalho de âmbito concelhio e mais tarde contratos
coletivos de trabalho a nível distrital, com a duração de um
ano, negociando aumentos salariais justos e cláusulas de
garantia de emprego. Mas tais contratos representavam para
os agrários apenas uma manobra temporária! Antecedida
de uma greve de seis dias em pleno período da ceifa, é
assinada em 19 de Junho de 1974, a primeira convenção de
trabalho rural do concelho de Beja.

Mas em breve a luta política entre trabalhadores e


agrários agudiza-se porque muitas das cláusulas dos
primeiros acordos não são cumpridas pela parte dos
empregadores. Perante o crescente desemprego, os
sindicatos procedem à distribuição de trabalhadores pelas
propriedades em estado de subaproveitamento conforme o
constante nos acordos coletivos. Os proprietários e rendeiros
respondem com o não pagamento de salários e atos de
sabotagem económica, não realizando sementeiras e
iniciando a venda de equipamentos e efetivos pecuários.

O III Governo Provisório é obrigado a intervir nas


explorações agrícolas onde a sabotagem económica e as
ações de descapitalização são mais notórias, emitindo
legislação que permite o arrendamento compulsivo por parte
do Estado, através do Instituto de Reorganização Agrária
(IRA), nomeando gestor público, após inquérito, o qual
passa a gerir a exploração em conjunto com os
trabalhadores.

Este modelo de intervenções ocorrem mormente no


Distrito de Beja até ao novo golpe contra revolucionário de
11 de Março de 1975 e tornam claro para os trabalhadores
de que só será possível garantir o salário e o emprego nas
novas Unidades de Produção exploradas coletivamente.

Na 2ª. Assembleia de delegados dos trabalhadores


agrícolas, realizada em Beja a 26 de Janeiro de 1975 , pela
primeira vez é exigida a expropriação dos latifúndios e a
consumação da reforma agrária, ao mesmo tempo que é
aprovada a colocação imediata dos assalariados
desempregados nas explorações subaproveitadas e no caso
dos agrários não pagarem os salários,as terras seriam
ocupadas.
Curiosamente a iniciativa de ocupação de terras não
coube aos trabalhadores assalariados, mas sim aos
alugadores de máquinas agrícolas organizados nas ligas de
Pequenos e Médios Agricultores, que num contexto de falta
de trabalho, perante a terra não semeada, avançam para as
ocupações arrastando consigo trabalhadores ao seu serviço.
Este processo tem lugar nos meses de Fevereiro e Março de
1975 , mas rapidamente se transforma num movimento
generalizado dos assalariados rurais temporários, liderados
pelos Sindicatos agrícolas. À semelhança do que se
passava nas cinturas industriais, é a iniciativa dos
trabalhadores que impõe ao poder político-militar as
transformações revolucionárias da Reforma Agrária,
acabando com a servidão feudal nos campos, mas não
reivindicando para si as terras. O que os trabalhadores
claramente pretendem é a colectivização dos latifúndios
improdutivos em Unidades Colectivas de Produção ao
serviço do País.

No dia 3 de Março o jornal "A Capital", citando a


revista alemã Extra, afirma, "A CIA planeia golpe em
Portugal...". Este é o começo de várias campanhas de
contra-informação lançadas contra a Revolução de Abril e ao
rumo das suas transformações. Na reunião de 6 de Março do
Conselho de Estado, este é "informado" que nessa noite
tropas paraquedistas marchariam sobre Lisboa para deter
Costa Gomes. A revista francesa Temoignage Chrétien
notícia que "o General Spínola recebeu luz verde do
embaixador dos EUA para tentar subverter o processo
revolucionário em Portugal" e segundo relatos de
investigação histórica, a 8 de Março, numa reunão em
Madrid, na Rua Yuan Bravo, domicílio de Barbieri Cardoso,
com a presença deste, do comandante Jorge Braga, Jorge
Jardim, tenentes Rolo e Nuno Barbieri, o engenheiro Santos
Castro informou os presentes que o Chefe do Governo
Espanhol, Raias Navarro, lhe tinha transmitido que se estava
a preparar uma operação denominada "Matança da Páscoa",
cujo objectivo era "neutralizar 500 oficiais de carreira e
1000 civis afectos". Uma campanha intensa de boatos é
atribuída a vários serviços secretos europeus (Alemanha,
Espanha, França), que "avisam" o general Spínola de tal
"operação". O mesmo também é veículado pelo general
Tavares Monteiro da extrema-direita militar! A "Matança da
Páscoa" é atribuída a intenções dos comunistas que querem
"instaurar uma ditadura"!
Bem informado, no dia 10 de Março, o subsecretário de
Estado Jorge Campinos (PS) de visita à RFA declara que "os
socialistas portugueses de acordo com o actual presidente
Costa Gomes, pensam ser possível a substituição do
Primeiro Ministro Vasco Gonçalves ainda antes das eleições,
para que Costa Gomes ou até Spnínola como presidente,
poderem ter, depois das eleições, uma participação mais
activa nas decisões políticas"
De facto, começam a surgir os indícios de que algo
inusitado estava em preparação. De 6 a 8 de Março
decorrem as eleições para os conselhos das Armas e
Serviços do Exército, orgãos consultivos dos Directores e do
Chefe do Estado Maior do Exército. Inesperadamente, não
foram eleitos alguns dos mais destacados elementos do
MFA. Para o Conselho da Arma de Artilharia, ficaram
arredados Otelo Saraiva de Carvalho, Melo Antunes e
Francisco Charais. Para a Arma de Cavalaria foi eleito o
general Freire Damião, pouco antes destituído do comando-
geral da GNR, além do Major Soares Monge e do coronel
Duarte Silva, coordenadores das tropas especiais. Mário
Soares confessa, posteriormente, ter achado "esses
resultados encorajadores"!
Nos dias 7 e 8 de Março verificam-se violentos
incidentes em Setúbal. Elementos conotados com a chamada
extrema-esquerda tentam boicotar um comício do PPD. A
PSP intervém fazendo um morto e vários feridos.
Também no dia 8 de Março, o Conselho dos 20 (MFA)
decide efectuar a institucionalização do MFA em 25 de Abril
de 1975.

Na madrugada de 11 de Março, António de Spínola


conjuntamente com outros militares fortemente armados,
chegam à Base Aérea nº.3 em Tancos, onde são recebidos
pelo coronel Moura dos Santos, comandante da Base. A
quase totalidade dos militares verificam que a instrução
normal fora cancelada. No regimento dos Caçadores pára-
quedistas, o coronel Rafael Durão reúne os oficiais da
unidade para lhes explicar a operação, alegando ter recebido
ordens do Chefe do Estado Maior da Força Aérea. Pelas
10H30, o major Casa Nova Ferreira, comandante distrital da
PSP de Lisboa, dá conhecimento do golpe a alguns oficiais
da corporação.
11H45: Inicia-se o ataque aéreo ao RAL 1 (depois
RALIS) por aviões da Base Aérea nº.3. Um morto (o
soldado Joaquim Carvalho Luís), 15 feridos e largos danos
nas instalações. Tropas paraquedistas, do Regimento de
Tancos, sob o comando do major Mensurado cercam as
instalações. No Quartel do Carmo, oficiais no activo e na
reserva, da GNR, comandados pelo major Freire Damião
prendem o comandante-geral general Pinto Ferreira e outros
militares fiéis ao MFA.
As forças do RAL1, comandadas por Diniz de Almeida,
tomam posições de combate e ocupam prédios em frente do
quartel. O COPCON inicia movimentações militares
tendentes a neutralizar o golpe e ocupa o Aeroporto de
Lisboa.
12H45: Estou a almoçar, como habitualmente, num
pequeno restaurante da Rua do Ferragial perto do local de
trabalho. Ali tinha acontecido a primeira reunião do MFA
da Força Aérea. Repentinamente um telefone pendurado na
parede toca. O dono do restaurante atende e começamos a
ler na sua cara, primeiro a preocupação depois o alarme.
Volta-se para os clientes e proclama: "Meus senhores, a
democracia está em perigo! Há um golpe
contrarevolucionário!". Debandada geral. Corremos pela
Vítor Cordon e dirigimo-nos a um pequeno varadim que se
debruça do Largo das Belas Artes sobre grande parte da
baixa lisboeta. Um avião T6 sobrevoa baixo sobre a cidade e
no Tejo um Fiat G91 evolui em acrobacias. Cabrões! O grito
sai de imediato.
Voltamos ao restaurante para ver na RTP o conhecido
jornalista Adelino Gomes a transmitir em directo um icrível
diálogo entre o capitão Diniz de Almeida e o capitão
paraquedista Sebastião Martins. Discutiam ordens
contraditórias dos seus chefes. Entretanto no ecrã surge o
dirigente comunista Dias Lourenço, demonstrando uma
coragem habitual para quem lhe conhecia o percurso de
vida, apela aos dois interlocutores para dialogarem
calmamente, que não poderia haver confronto e sim unidade
entre irmãos de armas. O que estava em jogo era o destino
do nosso povo! E Adelino Gomes interpondo o microfone no
trio, rodeados de militares armados também interessados na
conversa.
A Intersindical apela à mobilização popular. Levantam-
se as primeiras barragens nas estradas de Vila Franca e
Setúbal. Os trabalhadores montam piquetes em locais
estratégicos, Emissora Nacional, Bancos, acorre-se aos
quartéis e colocamo-nos à disposição dos militares para o
desse e viesse. A casa de António de Spínola é ocupada, bem
como as sedes do PDC e do CDS, em Lisboa e do PPD, no
Porto. O Rádio Clube Português é neutralizado em Lisboa e
passa a transmitir em FM e AM apenas do Porto.
A Emissora Nacional declara-se a "única voz
autorizada" e passa a transmitir exclusivamente informações
da 5ª. Divisão do Estado Maior. Às 13H30 o capitão Duran
Clemente dá as primeiras informações aos microfones da
Emissora Nacional que começa a transmitir em ligação com
a Rádio Madeira, protegida por forças do COPCON. A
Rádio Renascença interrompe uma greve iniciada há 22 dias
e começa a transmitir em simultâneo com o Rádio Clube
Português. Os páraquedistas levantam o cerco ao RAL1 e há
confraternização de militares e civis.
Ricardo Durão desloca-se com Salgueiro Maia a Tancos
com a finalidade de dialogar com Spínola. O general
Tavares Monteiro é preso em Tancos pelos seus sargentos.
Seguem-se comunicados do Primeiro Ministro e do
Presidente da República enquanto Otelo dá uma entrevista
na RTP para anunciar que a situação está calma e controlada.
Libertam-se os oficiais detidos no Quartel do Carmo
enquanto alguns golpistas pedem asilo político na
Embaixada da RFA. O Primeiro Ministro, Vasco Gonçalves,
acusa "uma minoria de criminosos de lançar homens das
Forças Armadas contra as Forças Armadas, o que é o maior
crime que hoje se pode perpretar em Portugal".
19H00: Quase todos os partidos convocam manifestações,
PCP, PS, MES, para o Campo Pequeno e outros para o
Largo do Carmo. Segundo um telegrama da Agência France
Press, Spínola, acompanhado da mulher e de 15 oficiais
chegam à base de Talavera la Real (Badajoz). Milhares de
pessoas desfilam em Lisboa do Campo Pequeno até ao
Rossio. Idênticas manifestações decorrem por todo o país.
Às 21 horas o PR fornece uma lista de implicados no golpe,
destacam-se Antóno de Spínola e Alpoim Calvão entre
outros. Alguns dos homens mais ricos do país são detidos e
outros fogem para Espanha ou Brasil.
23H50: Reunião extraordinária do MFA. Durante toda a
noite, em que participaram pela 1ª. vez, sargentos e praças
dos três ramos das Forças Armadas, decide-se a
institucionalização do MFA, constituição do Conselho da
Revolução (CR) e realização de eleições. O comunicado
emitido no final da reunião termina afirmando:
"a assembleia.....manifesta a todo o Povo Trabalhador
Português, que dos seus locais de trabalho acorreu a tomar o
seu lugar ao lado do Movimento das Forças Armadas, o seu
reconhecimento de que na Revolução Portuguesa o Povo e o
Movimento das Forças Armadas caminham unidos e firmes
para o desenvolvimento e progresso social do país".
Apesar desta evolução dos acontecimentos, o clima de
boatos de tensão e confusão não diminuem. As centrais de
desinformação tinham os seus centros e canais a funcionar.
Controlar esta situação era fundamental e tal função cabia
aos quadros da 5ª. Divisão que organiza o Centro Contra o
Boato e debate a coptação dos novos membros do CR. Ainda
de sobreaviso devido ao ataque de que tinham sido alvo,
militares do RAL1 de guarda junto à portagem, atingem
mortalmente um civil que não obedeceu à ordem de
paragem.

A primeira conclusão a tirar do 11 de Março de 1975 é


que o golpe clarifica as verdadeiras opções dos Partidos, da
disposição de matar das forças contrarevolucionários,
acusando de tal intenção os seus maiores e consequentes
opositores, os comunistas. Joseph Goebbels, Ministro da
Propaganda de Hitler, desenvolveu as técnicas de influenciar
e "construir" opinião pública, segundo o princípo de que
"uma mentira muitas vezes repetida, passa a ser verdade".
Muitas das mentiras difundidas pelos nazis, durante a 2ª.
Guerra Mundial, são hoje aceites como factos e estas
técnicas continuam a ser utilizadas. Quem dominar os meios
de comunicação domina a opinião pública! As fake news são
largamente utilizadas pelos chamados mass média, acusando
outros de o fazerem. A Verdade é constituída por um sistema
de valores de cada classe social. O conjunto ético e moral
dos trabalhadores constitui um impecilho para a burguesia
capitalista que se rege pelo princípio de que "os fins
justificam os meios" e, consequentemente, pela ausência de
ética!
Se o assalto ao RAL1 tivesse tido êxito, seguir-se-ia a
tomada do Palácio de Belém para onde estava marcada uma
reunião do Conselho dos Vinte com o Presidente Costa
Gomes, sendo este coagido a subscrever a prisão dos
conselheiros. Spínola voltaria ao poder e proclamaria o
estado de sítio, suspendendo as liberdades fundamentais,
adiaria as eleições para a Assembleia Constituinte, marcadas
para Abril e anunciaria para Novembro eleições simultâneas
para a escolha do "presidente da República", para uma
Constituição pré-determinada, para o Governo e para a
"Assembleia Nacional", designação do regime anterior. Este
plano foi apreendido durante a tentativa do golpe!
No julgamento dos operacionais do 11 de Março, estes
alegaram ter recebido as informações oralmente, não
fazendo parte do Processo a lista dos planos do golpe. É já
no próprio julgamento que se evidenciam, as contradições,
as hesitações e condescendências acerca dos golpistas,
porque estes não foram interrogados acerca de quem lhes
dera tais informações e não consta qualquer investigação da
sua origem. Se os golpistas ganhassem, em lugar de uma
alegada "matança da Páscoa" haveria, isso sim, uma
matança dos comunistas porque nos planos do golpe são
referidos "especialistas" preparados e prontos para acções de
retaliação e vingança. Como o golpe falhou, os implicados
apressaram-se a gritar, com apoios, "terem caído numa
armadilha" montada pelo PCP.
Mas a malfadada Verdade demora sempre a "vir ao de
cima". PS e Mário Soares, que não comparecera à reunião
do Conselho de Ministros, realizada em São Bento na
manhã do golpe, repetindo a ausência do 28 de Setembro,
negam cumplicidades, associam-se às comemorações
populares e juram unidade com o PCP. Como confessaria,
mais tarde, Mário Soares a Maria João Avillez, "era
necessário aguentar e inserirmo-nos na corrente".
E a corrente continuava em movimento. A velha
sociedade reprimida libertava-se. O que era velho dava lugar
ao novo. A cada golpe reacionário abortado, a clarividência
de vanguarda dos trabalhadores já fortemente organizados,
responde quase institivamente com as acções políticas
necessárias a impedir novos golpes das velhas elites
apeadas. A posse da infraestrura económica pela velha
burguesia, continuava a dar-lhes o domínio para retomar a
superestrura do Estado. Era uma questão de sobrevivência
da democracia impedir que tal viesse a acontecer. Tem
início uma vaga de ocupações de controle de empresas. Os
trabalhadores levam a revolução à economia. Também no
campo da habitação, os prédios vazios e as mansões
abandonadas, são ocupadas e transformadas em creches e
as barracas desmanteladas são trocadas por andares
condignos.
13 de Março. Uma esquadra composta por forças da
NATO e inglesas aproxima-se da costa portuguesa. Na zona
de Lisboa verificam-se movimentações de carros militares
transportando material de artilharia. O PR Costa Gomes
anuncia a realização de um inquérito ao 11 de Março "sem
distinguir nomes, entidades, classes priviligeadas ou
interesses poderosos".
No dia seguinte, é publicada a Lei 5/75, instituíndo o
Conselho da Revolução (CR), ao qual foram atribuídos
poderes constituintes e a Assembleia do MFA. Pela mesma
lei são dissolvidoas as estruras criadas logo a seguir ao 25
Abril ou sejam, a Junta de Salvação Nacional (JSN), o
Conselho de Estado e o Conselho dos 20.
É também publicado o D.L. 132-A/75 e 135-A/75 que
nacionaliza, respectivamente as instituções bancárias e as
companhias de seguros. Os bancários tinham-se recusado a
sair das instalações até que fosse decretada a
nacionalização.
Em Belém festejamos a primeira medida do Conselho
da Revolução. Somos milhares em alegria revolucionária.
Portugal, finalmente começava a ser pertença do povo
português e não de meia duzia de famílias, donas disto tudo.
Alpoim Calvão chega de Espanha, conseguindo passar a
fronteira graças à cumplicidade de alguns padres que o
haviam escondido em várias casas paroquiais.
O Conselho da Revolução resolve adiar para 25 de
Abril as eleições previstas para 12 de Abril e atrasadas por
motivos do golpe de Estado.
António de Spínola regressa de Espanha e a
comunicação social da Europa e dos EUA mostra-se
imoralmente crítica à interdição de actividades dos partidos
PDC, MRPP e AOC, que tinham levado a cabo actividades
adversas à Revolução e que, objectivamente, tinham dado
cobertura ao golpe. Spínola e outros 18 oficiais são
expulsos das Forças Armadas por decisão do CR.
O Comandante da Região Militar do Norte (RMN),
Eurico Corvacho, dá uma conferência de imprensa no Porto,
denunciando actividades de uma organização fascista, o
autodenominado Exército para a Libertação de Portugal
(ELP), com comando em Espanha, ameaçando espalhar
sangue e luto! São anunciadas detenções de 12 indivíduos
ligados ao ELP. Na imprensa surgem notícias de que o ELP
está a organizar uma vasta campanha de angariação de
fundos junto de figuras conotadas com o regime deposto e
que se encontravam no exílio.

A 26 de Março de 1975 toma posse o IV Governo


Provisório, chefiado por Vasco Gonçalves. O Primeiro
Ministro afirma "Considero este Governo de Campanha,
constituído por verdadeiros combatentes e militantes da luta
pelo progresso e bem estar do povo português".
O Decreto-Lei 169-D/75 cria o subsídio de
desemprego e simultâneamente é constituído o Instituto de
Apoio ao Retorno de Nacionais (IARN). A partir do IV
Governo Provisório a luta de classes em Portugal atinge o
auge. A rapidez com que se desenvolvem nas empresas o
controle de gestão das Comissões de Trabalhadores e as
ocupações de terras abandonadas leva todos os partidos a
apoiar um reforço dos militares no aparelho de direcção do
Estado.
A 11 de Abril de 1975 tem lugar a cerimónia de
assinatura do Pacto entre o MFA e os Partidos, incluíndo o
PS, PPD, PCP, MDP, FSP e CDS. Os termos da plataforma
de acordo previam o respeito pelo programa do MFA e
defendiam que a futura Assembleia Constituinte deveria ser
elaborada de acordo com tais princípios e obrigava a sua
inclusão na nova Constituição, reforçando a aliança do Povo
com as Forças Armadas. O Conselho da Revolução
representa assim a criação de uma instituição absolutamente
necessária, com legitimidade popular e força militar para
controlar a revolução e eliminar a duplicidade de poderes
até aí existente e ao mesmo tempo isolar os sectores
conotados com a ditadura. A sua institucionalização tornou-
se essencial na consolidação do regime democrático.
A clarificação política resultante do 11 Março resulta
numa mudança radical na correlação de forças a favor dos
trabalhadores e outras camadas da sociedade e liberta a
iniciativa destes em todos os quadrantes da vida política,
económica e social. O IV e V Governos Provisórios são os
intérpretes das aspirações de milhares de portugueses, fartos
de sabotagem económica e ódios revanchitas
antidemocráticos.
A nacionalização da Banca e dos Seguros desencadeia
um processo que coloca progressivamente ao serviço do País
e do interesse da maioria e não somente de alguns, cerca de
245 empresas, ou sejam, 24 bancos e outras instituções de
crédito, 36 companhias de seguros, 16 de electricidade, 5 de
petróleo, 8 de fabricação de produtos minerais não
metálicos, 1 de fabrico de vidro, 1 na indústria do ferro e
aço, 2 de construção de material de transportes, 2 mineiras, 4
de produtos químicos, 6 de celulose e papel, 5 de tabaco, 7
de bebidas, 8 de pesca, 1 da agricultura, 96 de transportes
terrestres, 8 de transportes marítimos, 1 de transportes
aéreos, 10 de cinema e televisão, 4 editoras e tipografias.
Ficaram de fora destas nacionalizações as empresas de
capital estrangeiro.
Este forte sector Empresarial do Estado, a par das
centenas de empresas intervencionadas, de capitais públicos
ou participadas, gerou potencialidades para resolver grandes
carências, resultantes não só da crise económica capitalista a
decorrer, como do estado da economia legado por 13 anos de
guerra com repercussões profundas na capacidade produtiva,
nos gastos do Estado, nos custos de importações supérfluas,
na insultante repartição da riqueza produzida. Foram criados
milhares de postos de trabalho e mesmo posteriormente
atacado, visando a sua liquidação, permitiu a racionalização
dos recursos existentes, a criação da Rodoviária Nacional, a
especialização internacional da MAGUE, da MOMPOR, da
SOREFAME e outras, permitindo o progresso e a melhoria
das condições de vida, não apenas dos trabalhadores dessas
empresas, mas da maioria da população, que se fizeram
sentir durante muitos anos, até ao seu desmantelamento e
começo de sabotagem para justificar privatizações, abate de
sectores industriais, com corrupção à mistura, pescas e o
maior crime económico de todos, a destruição da Reforma
Agrária.
Na companhia de seguros onde trabalhava os níveis
salariais subiram rapidamente. Da situação de pré
insolvência, a empresa começou a obter resultados
positivos, exclusivamente da exploração técnica e não de
especulação bolsista, com o empenho de todos os
trabalhadores irmanados com uma Administração pública.
Os resultados subiram sempre a cada ano e até
contribuíamos com uma parte dos lucros para financiar o
Orçamento Geral do Estado, resultando em menos impostos
para os portugueses.
É ainda neste período que se generalizam os contratos
colectivos, os subsídios de férias e Natal, as melhorias na
previdência, assistência na maternidade, doença e
invalidez.
Apesar da visita de Willy Brandt a Portugal, em
Outubro de 1974, escapava ainda à observação superficial
do SPD o desconforto que já então Mario Soares sentia
perante o reforço da esquerda, cada vez que a direita dava
algum tiro no pé, com as suas intentonas abortadas. Mas,
olhando a revolução a partir da Alemanha, o SPD alarmou-
se com a radicalização do processo revolucionário e realizou
em 21 de Março de1975, sob a direcção de Helmut Schmidt,
uma reunião de emergência, para discutir o pedido de
socorro enviado por Mário Soares. Nessa mesma noite
Schmidt telefonou para o presidente norte-americano Gerald
Ford e para o primeiro ministro britânico Harold Wilson, a
pedir-lhes medidas contra o perigo de um "golpe comunista
" em Portugal.
Cinco dias depois, sem ter alcançado os resultados que
pretendia, o mesmo Schmidt lamentava-se sobre a atitude
passiva da comunidade internacional. O Governo da RFA
decidiu então, em reunião de 8 de Abril, aprovar um plano
para intervir por sua conta em Portugal e o SPD decidiu
injectar na campanha eleitoral portuguesa vultuosas quantias
– em dinheiro vivo, do partido ou mesmo do orçamento do
Estado, trazido em malas, como nos filmes de espionagem,
devido à suspensão de transferências bancárias. Com tudo
isto, o SPD ainda se encontrava longe de ter a clareza
política da Fundação Ebert e faltava-lhe decidir qual seria o
seu principal interlocutor do lado português: o apoio
financeiro destinado à campanha para as eleições
constituintes foi repartido entre PS e PPD. E só quando o PS
emergiu do escrutíneo de 25 de Abril de 1975 como o
partido mais votado passou a notar-se uma clarificação de
preferências do SPD.

O que era então uma divisão de tarefas entre SPD e


FES assume daí em diante o estatuto de colaboração. Na
Embaixada de Lisboa é criado um cargo de "adido social"
preenchido com o quadro da FES Hans-Ulrich Bünger, para
acompanhar a actividade de sindicatos, partidos e fundações.
Schmidt que no início de Maio substituíra Brandt como
chanceler, adopta uma diplomacia paralela entregando os
relatórios de Bünger a Carlucci.
É então que é despoletado o "caso República", que o
PS utiliza como arma de arremesso contra o PCP, embora
saiba que não foram miltantes deste partido a desencadear
a ocupação do jornal. Depois de anunciar, por volta da
meia-noite de 11 de Julho, que o PS vai retirar-se do IV
Governo Provisório, Soares apressa-se a telefonar para a
Embaixada alemã e marca um encontro que terá lugar na
manhã seguinte, com Bünger e Karl-Heinz Sohn. Em
perfeita coordenação, o Governo da RFA sai da sua reserva
sobre o MFA e pela primeira vez o critica publicamente.
Quando o secretário de Estado, Henry Kissinger
substituiu o embaixador Nash Scott em Lisboa por Frank
Carlucci, tinha declaradamente assumido a expectativa de
poder bisar em Portugal o "êxito" obtido no Chile em 1973
com a receita putschista comandada por Pinochet. Mas,
depois de Spínola ter tentado por duas vezes golpes de
Estado de forma prematura e amadora, as condições para um
terceiro do mesmo tipo estavam definitivamente
comprometidas. Não por escrúpulos democráticos, mas por
realismo político. Carlucci viajou pelo país, fez contactos,
inclusivé com a Igreja e já depois de reformado confessaria
em entrevista a um jornal português que tinha avaliado as
condições geográficas, políticas e sociais em Portugal e não
chegou seriamente a conspirar para uma espécie de
pinochetazo português. Por isso mesmo Kissinger, em plena
discordância, lamentava-se de alguém ter vendido a imagem
de Carlucci "como um tipo duro". Mas ainda retenho na
memória as imagens da televisão portuguesa, com Mário
Soares, Carlucci e Francisco Balsemão, em pleno palco a
celebrarem a vitória e também o então Pimeiro Ministro
Santana Lopes a condecorar Carlucci com a aquiescência
de Jorge Sampaio, quando foi PR.

A cada mudança no regime de propriedade privada


dos meios de produção, nas empresas e na terras, assim se
acirravam os ânimos da contra-revolução expropriada. O
ódio de latifundíários, banqueiros, generais, bispos e afins,
levou-os a patrocionar, com o apoio das autoridades
espanholas e outros serviços de espionagem, a criação de
uma organização político-militar que coordenasse as
acções, desde sociais-democratas à direita mais radical.
Tinha nascido, em 13 de Abril, o MDLP, Movimento
Democrático de Libertação de Portugal, sob a presidência
do conhecido António do monóculo, divergindo dos
objectivos do ELP que gostava mais de terrorismo selectivo.
A revolução defendia-se consolidando as mudanças. A
política de nacionalizações de empresas era acelerada e
para os campos é publicada a Lei do Arrendamento Rural,
são expropriadas as propriedades de sequeiro abandonadas
de área superior a 500 hectares e as propriedades rústicas
de área superior a 50 hectares.São defenidos os termos em
que há lugar a punição por sabotagem económica!
Começam a ser nomeados os Conselhos Regionais da
Reforma Agrária. Surge a figura do Provedor de
Justiça:tenente-coronel Costa Brás. Pela simbologia
marcante, assinalamos a ocupação de uma quinta na região
de Aveiras de Cima (Azambuja) para instalação da
Cooprativa Agrícola Torre Bela. A sua história perdurará.
A urgência de todas as modificações no controle da
economia provoca grandes alterações nas relações de
trabalho. A propriedade privada capitalista, voltada para a
apropriação do lucro é substituída por formas colectivas de
propriedade sob a direcção do Estado. Movidos por
interesses de manutenção das liberdades, de assegurar os
postos de trabalho e manter reivindicações laborais,
assembleias de trabalhadores nascem de forma expontânea
e a eleição de Comissões de Trabalhadores generaliza-se,
unificando todos os trabalhadores da empresa. Nasce o
controlo operário.
Muitos trabalhadores queriam avançar e aprender a
controlar as estruturas económicas, dando lugar à luta
política dentro da empresa, num movimento de baixo para
cima que colocava como objectivo a constituição de um
Estado Popular de natureza socialista. Mas outros,
temerosos, recuavam desorientados, queriam continuar sob
o comando! Estavam habituados à obediência e
simplesmente não queriam assumir a responsabilidade
colectiva de aprender a dirigir. Era exigível a compreensão
política de que a economia estava agora ao seu serviço.
Continuavam a ver a figura do patrão no Estado e era
preciso tempo e estabilidade política para que os
portugueses apreendessem as vantagens. E estabilidade era
coisa que não seria permitida à Revolução. Muitos dos
quadros intermédios, habituados aos previlégios da
hierarquia e assimilados na cadeia de comando capitalista,
entravam em confronto e rebelião com as Comissões de
Trabalhadores e Comissões Sindicais e alguns deles,
institivamente, tornaram-se "revolucionários" radicais
influenciando muitos trabalhadores através do discurso fácil
que a sua instrução superior lhes permitia. A sua acção
comprovou-se ser prejudicial e não honesta, atacando as
instituições recém-formadas, ignorando as pressões
externas, afastando da Revolução muita extractos sociais e
voltando-os mesmo contra ela. Hoje pontificam em Partidos
de direita, devidamente compensados por empresas e
instituções do actual regime e até houve casos de
conseguirem apropriar-se de empresas da burguesia em
fuga e substituí-los na reconstituição monopolista que se
seguiu.
Melo Antunes, quando MNE, em conversa com o
primeiro-ministro britânico, afirma que "os comunistas
foram ultrapassados pelos trabalhadores, influenciados pelos
radicais maoistas, oriundos da burguesia e com educação
universitária". Melhor que ninguém, o Partido Comunista
sabia dos limites do processo revolucionário. Daí a definição
da Revolução como "Democrática e Nacional", cuja análise
e objectivos foram publicados no livro "Rumo à Vitória".
Daí também a sua persistência, anterior ao 25 Abril, em
estabelecer entendimento político com o Partido Socialista,
no sentido de ser levado a cabo em Portugal "uma política
patriótica e de esquerda".

A inovação revolucionária de controle de gestão,


exercido pelas Comissões de Trabalhadores, foi uma
originalidade dos trabalhadores portugueses, uma força
criativa libertada. A Revolução Portuguesa foi a primeira
revolução na Europa Ocidental, depois de largas dezenas de
anos.

III. CONTRA REVOLUÇÃO

Entretanto, a ordem democrátrica do novo regime seguia em


frente, defendia-se e consolidava-se. É instituído o feriado
nacional do dia 25 Abril que passa a designar-se Dia de
Portugal, a sabotagem económica é punida, é nomeado o
primeiro Provedor de Justiça, são congelados os bens de
alguns administradores do Grupo Champalimaud, reunião da
Assembleia do MFA da Armada, a Lei das associações
sindicais e das associações patronais são publicadas. Os
relatórios do 28 de Setembro e do 11 Março divulgam a lista
dos implicados. O ELP conspira em Espanha, dizem as
notícias.
Em 25 de Abril de 1975 realizam-se as eleições para a
ASSEMBLEIA CONSTITUINTE. Os resultados são os
seguintes: PS 37,87%, PPD 26,38%, PCP 12,53%, MDP
4,14%. CDS 7,61%, UDP 0,79%. Votantes 91% do
eleitorado. Votos nulos ou brancos 6,94%. Os futuros
trabalhos da Assembleia estavam à partida obrigados a
respeitar a Plataforma de Acordo Constitucional
MFA/Partidos, assinada em 11 de Abril, e devia "consagrar
os princípios do MFA, as conquistas legitamamente obtidas
ao longo do processo, bem como os desenvolvimentos ao
Programa impostos pela dinâmica revolucionária que, aberta
e irreversívelmente, empenhou o país na via original para
um socialismo portugês".
Sabemos que nada disto foi cumprido. O texto
constitucional já foi alterado 7 vezes e o que não foi
suprimido é ignorado. Os homens que assinaram este texto
e votaram a Constitução Portuguesa, não a cumprindo são,
sob qualquer parâmetro, homens sem honra, políticos
oportunistas e medíocres que deixaram descendência e
escola política.
Os resultados eleitorais demonstram o equilíbrio de
forças entre esquerda e direita. Aparentemente seria assim,
mas o PS desde sempre optou por ser a cabeça da contra-
revolução. Ainda hoje o PS é o prato que desiquilibra a
balança a favor das políticas de direita. Adoptando uma
linguagem esquerdizante o PS pratica, só ou acompanhado,
decisões de abate da nossa capacidade produtiva, nas
fábricas, nos campos, nas pescas....ao mesmo tempo que
suprime regalias sociais, na saúde, na educação, no
trabalho...alienando as nossas possibilidades de
independência, empobrecendo Portugal e os portugueses,
conduzindo a juventude à emigração, convencendo-os que
não existem alternativas. Esta é a fórmula que a burguesia
nacional encontrou para retomar o domínio perdido em 25
de Abril de 1974. Reduzidos à condição de colónia da
União Europeia, os Orçamentos do Estado português são ou
não aprovados em Bruxelas, por uma comissão dominada
pelos países mais fortes. Assim condicionados, os
Orçamentos não promovem crescimento e sim o contrário.
Atendendo à lei do desenvolvimento desigual dos países
capitalistas, esta é uma política que está num beco sem
saída. As contradições e a concorrência agravada pela
crise, levará à desunião da União.
A 30 DE ABRIL É APROVADO O DECRETO LEI DA
"UNICIDADE SINDICAL" RECONHECENDO A
INTERSINDICAL NACIONAL COMO A ÚNICA
CONFEDERAÇÃO GERAL DOS SINDICATOS
PORTUGUESES. Digamos que esta foi a pinga que fez
entornar o copo! Reunir todas as organizações dos
trabalhadores numa única estrutura era uma ideia
inaceitável, para o patronato e para os seus mandatários
políticos. Há que ensinar a malta do trabalho a pensar
correctamente e discernir que uma única Central Sindical é
ditatorial e antidemocrática. O Zé deve ter a liberdade de ter
as Centrais que entender. Uma em cada esquina, por
exemplo! Ou não ter nenhuma! Botem os olhos no patronato
e vejam a pluralidade das suas Confederações!

O 1º. Maio de 1975 marca a rotura contra o rumo da


Revolução! Divergências inconciliáveis impedem a
realização de comemorações unitárias. O PS e grupos
esquerdistas marcam manifestações independentes. Mário
Soares opta abertamente pelo desafio e confrontação. No
Estádio 1º. Maio o PS entra de roldão, abrindo caminho a
murro e a pontapé, Mário Soares é impedido de subir à
tribuna da CGTP para proferir discurso. No dia seguinte o
PS convoca nova manifestação contra a Intersindical,
exigindo "Intersindical por via eleitoral". Não se sabe quais
seriam as pretensões do PS, mas a julgar pelo que
experienciei no meu Sindicato de Seguros do Sul, dominado
por uma Direcção afecta à UGT, seria algo tipo mini-
Assembleia da República, com grupos antagónicos, dividos
pelas opções político-partidárias que impediam quaquer
tentativa de unidade em torno de reivindicações de classe e
com a representatividade pré-sabotada pelas chamadas
"inerências" que bloqueavam qualquer hipótese de mudança
na orientação sindical.
Não creio que os trabalhadores abrangidos por qualquer
Sindicato da UGT sintam que os seus interesses de classe
estejam seriamente defendidos. Muitos continuam por
inércia mas, progressivamente, optam pela não
sindicalização. Apesar de tudo é mais seguro. Aliás, a
própria UGT, tem provido discussão e defendido teses de
"extinção" dos sindicatos! Mas se os trabalhadores, assim
desmobilizados, forem convencidos e não verem vantagens
de estarem unidos em verdadeiras associações de classe,
porque o seu número será a sua força, de certeza virão os
tempos em que irão concluir pela sindicalização e pela
unidade. Já agora digo que nunca me apercebi que o
patronato formulasse qualquer opinião ou iniciativa sobre a
extinção das suas próprias associações!

Os resultados eleitorais para a Assembleia


Constituiente não vieram alterar a dinâmica
revolucionária. As Assembleias dos ramos das forças
armadas continuam a reunir-se, são nacionalizadas as
companhias de cimentos e celulose, realiza-se o 1º.
Congresso Nacional de Escritores que afirma a sua
identificação com a Revolução. São nacionalizadas as
empresas de tabaco e outras dezenas de grandes empresas ao
mesmo tempo as ocupações de terras estendem-se pelo
Alentejo e Ribatejo em simultâneo com as ocupações de
casas desabitadas, formando-se comissões de moradores
que tomam decisões para instalarem creches de bairro. A
constituição das Unidade Colectivas de Produção nos
campos, as Comissões de Trabalhadores nas Empresas e as
Comissões de Moradores nas cidades, formam a base de um
movimento social que demonstra, na prática, a crescente
organização de um verdadeiro poder popular. Na verdade
existia a vontade, ainda não totalmente generalizada e
consciente, de disputar aos ricos o controle das empresas,
nas cidades e nos campos e substituir o regime de
propriedade privada dos grandes meios de produção, por
outro de propriedade colectiva, sendo as nacionalizações o
começo de uma economia planificada de todos e para todos.
Sob pressão de manifestações, o IV Governo vê-se
obrigado a actualizar o salário mínimo e a tabelar preços dos
bens alimentares. Nas empresas obtêm-se aumentos
salariais, generalizam-se os contratos colectivos, os
subsídios de férias e Natal, melhorias na Previdência,
assistência na maternidade, doença e invalidez. Consegue-se
o subsídio de desemprego!

No dia 2 de Maio é despelotado o "Caso República".


Os trabalhadores afastam o militante socialista Raúl Rego da
direcção do jornal, acusando-o de o ter transformado no
"orgão oficioso do PS".
Apesar de mais tarde reconhecer que o PCP não estava
envolvido neste caso, cabendo a responsabilidade a
elementos da extrema-esquerda, Mário Soares acusa o PCP
de querer implantar uma ditadura comunista e os ministros
socialistas decidem não comparecer no Governo enquanto
não fôr resolvido o "Caso República". O Republica acabaria
por ser devolvido à anterior direcção por ordem do Governo.
Manobras da esquadra da NATO originam
manifestação de grupos ligados à extrema-esquerda. O ELP
reivindica a primeira acção com o assalto à sede do
MDP/CDE em Bragança. Ser-lhe-ão atribuídas mais de 30
acções bombistas, algumas delas utilizando outras siglas,
desde Julho até Novembro de 1975.
Havia uma livraria do Diário de Notícias no Largo do
Chiado. No início de uma noite, da qual não retive a data,
aguardava com o meu amigo Santos Pereira o início de uma
reunião, deixando correr os olhos pelos títulos expostos.
Com o aproximar da hora demos um passo para o lado
direito da montra e, de repente, os vidros e os livros voaram
quase até ao outro lado da praça. O Santos Pereira nunca
mais participou em reuniões!

No dia 10 de Julho de 1975, o PS abandona


formalmente o IV Governo Provisório, seguido do PPD.
Utilizando a campanha anticomunista o PS corta
drasticamente a participação com o PCP nos Governos
Provisórios e passa a liderar o bloco social da direita e da
Igreja, tendo alguns membros desta última sido implicados
em acções de violência aliados ao MDLP, como o episódio
do cónego Melo e da morte do padre Frederico. Com o
epicentro na diocese de Braga, nasce o Movimento "Maria
da Fonte" (MDLP) responsável, entre julho e Novembro,
pelo ataque a mais de 100 sedes do PCP e MDP. Em Ponte
de Lima, a 18 de Agosto, morre o operário da c.civil, José da
Costa Lima, que defendia a sede do PCP sendo esta
icendiada e feridas mais de uma centena de pessoas.

O PCP faz vários comícios nas terras onde tinha havido


assaltos a sedes. Queria demonstrar que não se intimidavam
e que utilizava a força da liberdade e do direito de reunião. A
16 de Agosto é organizado um comício em Alcobaça em
que a extrema-direita ataca o comício dos comunistas no
Pavilhão gimodesportivo, com o objectivo de, como alguns
confessaram mais tarde, liquidar Álvaro Cunhal. O
ambiente era de grande expectativa e estavam presentes
jornalistas locais, do Diário de Lisboa e outros repórteres
nacionais e estrangeiros, de França, Inglaterra e Canadá.
A partir das 22 horas, aos poucos pequenos grupos de
pessoas, depois centenas começaram a juntar-se no exterior a
apedrejar o pavilhão e a disparar tiros de caçadeira e outras
armas de menor calibre, segundo um esquema bem definido,
pois actuavam divididos e não se juntavam mais de 30 e
dispunham de reservas em locais pré-definidos. De dentro
houve resposta, com armas de fogo, causando alguns feridos
entre os atacantes. Por volta das 23 horas as janelas do
edifício começaram a ser apedrejadas pelos assaltantes que,
entretanto, tinham ocupado novas posições. De dentro
entoavam-se canções revolucionárias e o Pavilhão estava a
abarrotar. Entre os sitiadores e assistentes multiplicaram-se
os feridos, pois aumentaram o arremesso de objectos e
disparos de parte a parte.
No exterior os assaltantes construíram barricadas e no
interior dividiam-se tarefas, organizava-se a defesa e
preparava-se uma uma sortida.
O comício começou com um discurso de António
Dionísio, delegado sindical na Crisal. O discurso é
interrompido por um monumental tiroteio vindo do exterior.
Quase mecanicamente, foi montado no interior um bem
treinado mecanismo de defesa, que fora entretanto reforçada
com novos elementos armados oriundos da Marinha Grande.
O Rádio Clube Português acompanhou, quase em
directo o ataque e alertou o país que "bandos de fascistas
estão a causar graves distúrbios de que podem resultar
pesadas consequências". A emissora apelou à solidariedade e
acção dos trabalhadores e democratas, pois o que se visava
era a detruição das liberdades", bem como alertou para o
perigo em que se encontravam os comunistas em Alcobaça".
Centenas de automóveis arrancaram de várias partes
do país. Caçadeiras, matracas e outras armas deslocaram-se
para Alcobaça em socorro dos camaradas. Da António Serpa,
então sede do PCP, sai uma coluna com cerca de 200
viaturas. O ELP, MDLP e CDS organizaram-se, mas também
estavam presentes muitos elementos do PPD e do PS a
aplaudir. Do Minho desceram 20 autocarros com pacíficos
crentes instigados pelos apolíticos senhores abades.
Os comunistas, melhor organizados e comandados
foram avançando, muro a muro, poste a poste, sempre com
tiroteio de parte a parte. No pavilhão, um serviço médico
assistia feridos de ambos os lados. Quando os militares do
RI7 e RI5 das Caldas da Rainha tardiamente chegaram, já
os sitiados tinham consumado o seu contra-ataque e
lutava-se na rua. Os militares safaram os atacantes de uma
punição maior, porque assim que as notícias da rádio
anunciaram que o comício em Alcobaça, com Álvaro
Cunhal, estava a ser atacado por elementos da direita, os
comunistas de Almada e Barreiro começaram a chegar
com mais de 300 carros, carregados de gente. Todas as
organizações progressistas convergiram para Alcobaça para
ajudar.

Felizmente às 3H00 da madrugada reinava a calma em


Alcobaça. Registaram-se 20 feridos segundo o Jornal de
Notícias. Os acontecimentos tiveram repercussão no
estrangeiro, a revista Paris Match fez uma reportagem sobre
o sucedido. O jornalista Michael Field do Daily Telegraph
teve de ser assistido no hospital. Alguns provocadores,
agarrados pela segurança do comício, confessaram que
tinham vindo de muito longe e ter recebido dinheiro para o
efeito.
O confronto de Alcobaça foi conduzido
preferencialmente contra o PCP mas, na verdade, visava a
liquidação das recentes liberdades, a imposição de nova
ditadura, não somente contra os comunistas mas de todo o
povo. A experiência dos comunistas há muito que concluiu
que o anticomunismo é a bandeira da contra-revolução
contra todas as forças da revolução!
O enfrentamento de Alcobaça foi um marco decisivo da
crise revolucionária e alcançou a dimensão vitoriosa de uma
confrontação armada porque uma geração tinha sido forjada
na guerra colonial e habituada a lidar com armas. O serviço
militar obrigatório foi extinguido a pouco e pouco mas, em
certos países, este continua a ser um acto de consciência
cidadã que contribui para a formação de unidade nacional e
princípios democráticos. Hoje, as estruturas superiores das
Forças Armadas são preenchidas com militares de carreira,
enquadrados pela visão supranacional, globalista e Imperial
da NATO. Os restantes efectivos são recrutados
temporariamente conforme as missões o que, inevitalmente,
difunde um mercenarismo que afasta a unidade e
identificação do povo com as suas Forças Armadas.
A divisão política origina divisões insanáveis no seio
do MFA. A Direcção do PCP recusa energicamente as
calúnias que o acusam de "assaltar o poder", relembrando a
trajectória democrática do Partido, o que mais tarde seria
comprovado e os objectivos políticos de uma "revolução
democrática e nacional" assim o revelam.
Chefiado por Vasco Gonçalves, O V GOVERNO
PROVISÓRIO tome posse a 8 de Agosto e, na prática, está
completamente isolado, não sendo apoiado por nehuma
força política. O próprio PCP não tarda a demarcar-se. Nesse
mesmo dia, um grupo de militares próximos do PS – Melo
Antunes, Vasco Lourenço, Sousa e Castro, Vitor Alves,
Pezarat Correia, Franco Charais, Canto e Castro, Costa
Neves e Vítor Crespo – publica um documento que recusava
"um modelo de sociedade socialista de tipo Europa Oriental"
e rejeitar o modelo "social-democrata da Europa Ocidental",
ou seja, uma via "terceiro mundista", muito em voga naquela
época. O documento ficou conhecido pelo "Grupo dos
Nove" ou "Documento Melo Antunes".
No Avante de 11 de Agosto é publicado uma análise de
Álvaro Cunhal ao Comité Central, na qual o partido
considera que a crise da sociedade portuguesa estava em
risco de terminar numa guerra civil! O PCP rejeita o
confronto armado e em jeito de recado, apela para que a
esquerda militar não tente uma via golpista de tomada do
poder e reponha a governação com os socialistas e volta a
referir como prioritária e urgente a "batalha da produção".
Nas ruas gritava-se vivas ao poder popular!
Na Embaixada americana em Helsíquia, o
memorandum de conversação entre o Presidente Ford e o
Primeiro Ministro espanhol Arias, refere que Ford opinava
que se Portugal se tornasse comunista, a acção de resposta
deveria ser forte. Arias aproveita para salientar que a
Espanha se situava geograficamente posicionada para ser
guardiã da Europa, aproveitando para solicitar mais
equipamento militar, caso a situação em Portugal saísse de
controle.

No início de Agosto o Conselho da Revolução retira


das funções Vasco Gonçalves, substituindo-o pelo Almirante
Pinheiro de Azevedo e Costa Gomes como Presidente da
República. A 19 de Setembro entra em funções o VI
Governo Provisório. Cunhal pede ao comité central que
deixe aos orgão executivos iniciativa de decisão para
conservar margem de negociações num eventual golpe
militar vindo do Grupo dos Nove e do PS. O MFA
desmorona-se e, com ele, a hierarquia militar. Instala-se a
indisciplina e à semelhança de um filme da Revolução
Russa, os soldados organizam-se em comissões, os SUV
(soldados unidos vencerão). A Polícia Militar revolta-se e é
desarmada pelo CPCOM de Otelo. As Assembleias
populares manifestam-se contra os saneamentos começados
pelo Grupo dos Nove.
No que vai ficar conhecida como a Assembleia de
Tancos, o Grupo dos Nove apodera-se do comando do
Conselho da Revolução e à boa maneira putschista e sem
escrúpulos ou hesitações, vai promover centenas de
saneamentos no Exército para combater os SUV e repôr a
hierarquia tradicional que vai organizar e preparar um golpe
militar que acontece a 25 DE NOVEMBRO DE 1975,
recuperando o regime democrático-liberal tradicional da
Europa Ocidental.

Como que adivinhando o golpe do Grupo dos Nove, a


12 de Novembro 100 mil manifestantes, a maioria da
construção civil reivindicando a assinatura de um contrato
colectivo, cercam o Palácio de Belém, onde decorriam os
trabalhos da Assembleia Constituinte. O cerco dura 36 horas,
e os deputados passaram a noite no Palácio. PS, PSD e CDS
transferem os seus grupos parlamentares e as Direcções
partidárias para o Porto.
"Os socialistas estavam preparados e organizados
para a guerra civil. Tínhamos casas clandestinas para cada
dirigente do PS. Fui eu que tratei disso", disse Manuel
Alegre ao PUBLICO, acrescentando que o PS havia
distribuído mais de 500 armas. A distribuição de armas a
civis, nomeadamente a militantes do PS, fazia parte do plano
de operações do 25 de Novembro, constituindo milícias
"que deviam funcionar enquadradas pelos militares, como
uma espécie de guerrilha de apoio", segundo António Reis.
Ainda segundo o mesmo dirigente, "o PCP teve o bom senso
de parar. Não quis a responsabilidade da guerra civil e
percebeu que nós estávamos preparados para isso".

No início da noite de 25 DE NOVEMBRO DE 1975


fui de roldão para a Antena da TV em Monsanto para dar
apoio solidário aos paraquedistas . Estes tinham tomado a
estratégica antena, a OTA e a sua base em Tancos. O
enfrentamento entre revolucionários e contras estava em
pleno desenvolvimento e os Comandos, a mando dos
golpistas, tinham ocupado o Estado-Maior da Força Aérea.
O operacional do assalto era um coronel chamado Jaime
Neves, anteriormente saneado pelos subordinados, reposto
no comando por Otelo. Ouvi falar dele em Moçambique, dos
tempos em que era capitão e comandava a sinistra
Companhia de Comandos, ligada ao ignominoso e cobarde
massacre de Wiriamu. Falecido a 27 de Janeiro de 2013, este
senhor, já major-general, antecipou a sua morte antes de
rebentar um escândalo de um prédio na Avenida da
Liberdade, em Lisboa e de uma pensão em que se tonara
sócio, palco de várias vigarices. Consta ainda do seu
curriculum, as noitadas de bebedeira em bares lisboetas,
insultando Melo Antunes "por este ter salvo o PCP" e o MFA
por não ter proíbido os partidos de esquerda e sindicatos.
(C.C.)
Na antena de Monsanto, os Páras são desalojados por
Comandos montados em Chaimites e perante a insistente
permanência dos populares à mistura com alguns jornalistas,
resolvem disparar algumas rajadas de metralhadora. Os
presentes tiveram de rastejar para escapar às balas que
arrancavam pedaços de árvores. Este acontecimento fez
com que o meu cérebro acordasse para a dura realidade. É
comportamento de alienados crédulos enfrentar,
desarmados, soldados treinados e mentalizados para
disparar sobre civis indefesos. Terminei a noite em Belém,
onde os Comandos cercavam o Palácio. Num rádio de
taxista, ouvíamos a voz de Ramalho Eanes, treinada para
projectar autoridade e poder de liderança dirigindo as
operações e concluímos pelo êxito do golpe.
Passados dois dias e dissolvido o COPCON o que se
seguiu foi um black-out na imprensa, a TV controlada,
dezenas de jornalistas despedidos ou suspensos, largas
dezenas de militares generosos e confiantes, enjaulados em
Custóias, saneamentos políticos em todos os departamentos
do Estado, preparação das mentes para voltar a financiar,
Melos, Champalimaud, Salgado e toda a corte de parasitas
exploradores, comprovadamente vigaristas desonestos,
suportados pelo regime de manhosos envergonhados.
IV. Portugal e a fase senil do capitalismo

A designação de "brandos costumes" é atribuída a


Salazar quando escapou por pouco ao atentado à bomba
feito pelos anarquistas e serviu para "justificar" a repressão
do regime que se seguiu até à sua queda em 1974.
Ideologicamente, Salazar queria padronizar o
comportamento dos portugueses, como um povo pacífico e
incapaz de acções violentas. Só uns quantos discordantes
desordeiros marginais se atreviam a violar o padrão
estabelecido. Portanto estava plenamente justificado o
sancionamento.
Mas era uma falácia. Toda a nossa História e
principalmente a colonial, a Revolução de 1820, o atentado e
a morte do rei, as lutas de trabalhadores e golpes contra o
regime fascista, demonstram que somos ocasionalmente
violentos ou pacíficos como qualquer outro povo!
Seguindo a chico-espertice do Manholas, ainda
recentemente uma Ministra com vocação para vender
património do País à meia-noite, ou seja para negócios
escuros, classificava-nos como "resilientes", isto é, pobres,
expoliados, quietos e calados. Mas a ministra mais o
Governo a que pertencia, acabou por levar um pontapé no
traseiro.
É um facto que a contra revolução iniciada pelo PS e
continuada pelos seus parceiros da política de direita,
destruiu o aparelho produtivo nacional, a começar pela
produção industrial, que ainda hoje continua (Refinaria
Matosinhos) e que tanta falta faz ao incremento de um
projecto de crescimento e desenvolvimento económico. Mas,
também a produção agrícola e das pescas. Os governos do
PS, PSD e CDS, sem esforço, priorizando a sobrevivência
político-económica da casta dominante, submeteram-se à
ditadura da União Europeia e procederam à vergonha
nacional de dar subsídios aos agricultores, pescadores e
armadores desde que não cometessem o crime de trabalhar.
A UE ocupou logo a seguir o vazio, impondo a Portugal a
compra do seu excesso de produção. E chegamos à
vassalagem de os Orçamentos do Estado português terem de
ser aprovados ou rejeitados por estrangeiros. Nada pode ser
mais "justificado".

Quando o naufrágio é eminente os ratos põem-se em


fuga! Gueterres, Durão Barroso, Sócrates, esquecidos na
bruma sebastianista, antecederam o actual Primeiro-
Ministro, A.Costa que já da indícios de retirada pela porta
dos fundos. No desastre do País medra a angústia, a fadiga,
os becos sem saída. Só resta o oportunismo de projectos
pessoais, um capitalismo periférico, subsídiodependente do
Orçamento do Estado, suportado quase na totalidade pelos
impostos de trabalhadores, pensionistas e pequenos
produtores. Investidores, dizem eles, desde sempre avessos
ao risco, fugindo ao fisco, pandémicos dos baixos salários,
da precariedade e das sedes fiscais na Holanda ou
Luxemburgo. Temos muito capital estrangeiro para comprar
empresas e infraestruturas estratégicas, mas não para investir
em novos activos. Temos muitos Bancos de nome português,
mas os donos são espanhóis, ou americanos.
Temos défices tabelados, dívidas cultivadas,
dependências de vassalagem e quanto mais juros pagamos e
mais cortamos no défice, quanto mais sonegamos o
investimento público, quanto mais cortamos na saúde, na
educação, mais dividendos se evadem para paraísos fiscais,
em corrupções sem fim.
Não temos transportes, abatemos fábricas de material
circulante, compramos sucata à vizinha Espanha. Temos
Universidades e escolas que formam profissionais de
excelência para serem exportados para os países ricos da
UE. Temos terra agrícola e água mas o País registou em
2018/19 a mais baixa área de cereais semeada nos últimos
cem anos. Temos florestas mas é para arder. E quando não
arde é para arrasar para plantar eólicas e fotovoltaicas de
duvidosa produtividade. E sempre, sempre, a corrupção!
Temos muitos orgãos de informação mas não temos
informação. Temos desinformação, manipulação, notícias
falsas, tecnicamente instruídas em Institutos especializados.
Dizem que temos a "Europa connosco", mas atazanam os
nossos Orçamentos se forem aprovados aumentos de 10
euros para as pensões de 300 euros!
Não é uma situação nova no decurso da nossa História,
mas a crónica debilidade da capacidade produtiva nacional
obriga o país a depender do exterior não só para satisfazer
necessidades básicas como para produzir o que exporta. A
maioria das empresas e setores estratégicos estão hoje sob o
domínio de capital estrageiro. A taxa de cobertura das
importações pelas exportações de bens é inferior a 80%
(oitenta por cento, entenderam?). A elevada Dívida externa
acumulada é o reflexo disto. A dependência do exterior
acentuou-se com as imposições da UE. A produção nacional
é não só insuficiente como está cada vez mais dependente
(quase 50%) do fornecimento externo de bens e serviços. A
PRODUÇÃO NACIONAL É A QUESTÃO CENTRAL
PARA O DESENVOLVIMENTO DO PAÍS!
Quando diminuir, como é inevitável e está previsto, o
fluxo de fundos da UE, o nosso País mergulhará numa crise
profunda de carências alimentares, energéticas e
tecnológicas as quais, para as superar, uma solução será
extremamente difícil na situação que está a ser criada.

A principal fonte de acumulação e concentração de


capital que deu origem à formação do sistema capitalista
foi o esclavagismo e o saque das colónias. O sistema
capitalista é sobretudo um sistema colonial. O conflito da
Ucrânia é um acontecimento de imenso significado
histórico. Marca uma ruptura com o passado de séculos e
início de uma nova realidade geopolítica. Perante a crise
geral do sistema, despoletada em 2008 no centro dos States,
assiste-se à tentativa de relançamento do neocolonialismo
mediante a estratégia de combate ao terrorismo. Iniciada
com o ataque à Sérvia, impondo a separação do Kosovo, a
NATO bombardeou infraesturas, produção económica, a TV
na qual morreram jornalistas e, pasme-se, a embaixada
chinesa, não resistindo a uma evidente provocação!
Continuou com o Iraque, com olho no saque do petróleo,
seguindo-se a Síria, a Líbia, o Afeganistão, o Iémen, as
provocações ao Irão, o saque e divisão da Rússia no
"tratamento de choque" de Ieltsin, comandado por
"estrategas" americanos".
Desde 11 de Setembro de 2001 as guerras americanas
mataram pelo menos 4,5 milhões de pessoas em meia dúzia
de países, de acordo com o último relatório do Watson
Institute for International and Public Affairs da Brown
University.
Seguindo as pisadas do primeiro império global
iniciado pelos portugueses na sua "demanda das riquezas da
Índia", os países europeus, mais pobres e menos
desenvolvidos, fabricaram inovadora tecnologia militar e
assaltaram,saquearam,mataram, escravizaram, o mundo
inteiro, não esquecendo a China na humilhante Guerra do
Ópio e em conjunto com a sua cria norte-americana
formaram um Império parasitário! Actualmente, os
dominadores europeus passaram a vassalos dos EUA,
tornaram-se apenas países satélite dirigidos por testas de
ferro do Goldman Sachs ou JP Morgan. Esta associação de
potências em declínio inculcou, durante séculos, nos povos
que dominam ideologicamente, uma mentalidade colonial
que, ainda hoje, fica na sua maioria indiferente à morte, ao
ataque, à tragédia desses seres humanos! Basta um discurso
de "guerra fria" difundido pela maior máquina de
propaganda da História, para que o preconceito racista se
sobreponha à razão e desperte a hostilidade a indiferença,
para com aqueles que não aceitem esta ordem de coisas.
Na Nova Guerra Fria, a ideologia neoliberal do
Ocidente está mobilizando o medo e o ódio ao "outro",
demonizando nações que seguem um caminho independente
como "regimes autocráticos". O racismo total é fomentado
contra povos inteiros, como é evidente na russofobia e na
cultura das sanções, os novos exorcismos. O resultado é que
o mundo está a dividir-se em dois campos: A NATO centrada
nos EUA e a emergente coligação eurasiana, a organização
de cooperação de Xangai (OCX). O objectivo é alcançar
uma alternativa ao actual conjunto de instituições
internacionais (FMI, Banco Mundial, etc) centradas nos
EUA e que reflitam uma alternativa à visão imperialista,
centrada nos bancos, de que as economias devam ser
privatizadas e dirigidas pelos centros financeiros ou, pelo
contrário, elevando os padrões de vida e a prosperidade
mantendo a criação de bancos e dinheiro, saúde pública,
educação, transportes e comunicações em mãos públicas.
(Michael Hudson, The Destiny of Civilization).

A crise atual do sistema económico de acumulação e


concentração de capital é impossível de resolver dentro da
estrutura do modelo existente de distribuição de riqueza! A
contradição fundamental que origina a maior parte dos
problemas advém do crescimento da produtividade do
trabalho. Esta consequência determina a necessidade de
menos pessoas a fim de produzir uma quantidade suficiente
de bens para atender todas as necessidades naturais da
população. Mas numa estrutura de economia de mercado
capitalista, isto inevitavelmente leva ao crescimento do
desemprego, ou seja, do número de pessoas que precisam
de bens mas não podem ganhar dinheiro para os comprar.
O número de desempregados permanentes
"desnecessários à produção", vulgarmente conhecidos por
"pobres", está a crescer como uma avalanche. Não haverá
RSI e "bancos alimentares" que cheguem. Na linguagem dos
teóricos Freudianos do Capitalismo "a procura existe, mas
não há suficiente procura garantida". Neste sistema
anárquico de "recessões e booms" a quantidade produzida de
bens para consumo universal é redundante para a parte da
população que é capaz de comprá-los.
Todas as teorias económicas "de mercado", desde a
formação do Homo-consumidor na bicha para o último
iPhone, desde o choque energético, à descarbonização e
robotização, são gritos de desespero da "nova ordem
mundial" congeminada em Davos com tanta certeza e
arrogância.

A economia capitalista a cuja "eficiência" os


propagandistas liberais entoam loas, é de facto um
monstro extremamente ineficiente, com baixo desempenho,
um enorme número de pessoas pobres "desnecessárias", com
empresas não rentáveis, cujos administradores remuneram
os accionistas acima dos lucros. Só subsídios estatais
mantêm esta impunidade! Regredimos para a economia
medieval com uma classe parasitária, subsistindo de taxas
sobre taxas. Como foi escrito há mais de 100 anos, perante o
imparável declínio da taxa de retorno sobre o investimento
na produção o capital foge para as bolsas de valores,
retirando lucros virtuais que não têm correspondência com
a economia real de bens. Está mais que provado que só o
trabalho humano produz riqueza, mas os
teólogos/economistas do capital parecem ignorar esta
realidade.

O domínio monopolista reage intensificando a


superexploração do trabalho, em que os meios de produção,
bens e moeda, estão concentrados nas mãos de um número
ultra pequeno de pessoas super-ricas, reduzindo
drasticamente o consumo e encerrando os motores para o
crescimento da produção. A economia mundial
previsivelmente caminha para a estagnação!
Contra este pano de fundo, os textos da ultra direita
advogam o abandono das pensões de solidariedade e, na
realidade, matar os pensionistas. Mas não só os
pensionistas, mas todas as pessoas que caiam na categoria
de desnecessárias. As "soluções" de extermínio da
população, a começar pela mais vulnerável, não são nada de
novo nas crises capitalistas. Já em 1798 o pastor Malthus,
então muito na moda, defendia um retorno forçado às
condições de subsistência.
Experenciando de forma inovadora as ferramentas da
ciência marxista, a economia soviética resolveu o
crescimento da produtividade que advém da modernidade
dos modos de produção, reduzindo as horas de trabalho
diário, assegurando pleno emprego. Desta forma, o
consumo não declinava, uma vez que toda a gente recebia
salários, obtendo também mais tempo livre que poderia
gastar no lazer.
Aumentar a confiabilidade, a qualidade dos bens
manufacturados, para perdurarem mais tempo também fazia
parte da solução soviética para os problemas do consumo.
Embora o PIB resultasse mais baixo, o bem estar dos
cidadãos era mais alto, gastando menos porque era menos
provável ter de comprar várias vezes o mesmo objecto.
Quem se deu ao trabalho de investigar as causas do
desmoronar da Federação dos Estados Soviéticos (URSS),
sabe que esta foi implodida por dentro, que os seus
dirigentes, após a morte de Stalin adotaram o niilismo
político, traíndo os objetivos da Revolução Socialista de
Outubro, o seu materialismo positivista que visava o
contínuo aumento do bem-estar do povo. O desastre russo
foi o resultado da viragem para o liberalismo ocidental.
Mas, apesar de tudo, as soluções encontradas pelo
sistema planificado da economia socialista, continuam a
catapultar os países que a aplicaram, para a vanguarda do
desenvolvimento tecnológico e social, contrariando toda a
propaganda em contrário.
O pleno emprego e as restrições ao consumo
desenfreado, são objetivos impensáveis, inimigos do sistema
liberal de mercado. O LUCRO é actualmente santificado
pela Igreja, embora no início tal costume, conhecido por
usura, foi fortemente condenado pelos clérigos católicos. Tal
prática era considerada uma actividade desonesta, pois o
credor obtinha ganho sem trabalho! O sistema liberal de
mercado é somente lucrativo para uma estreita camada da
élite parasitária que é dona de tudo, controla tudo. Para a
esmagadora maioria da população o sistema soviético é
mais eficaz e equilibrado, mais justo! Se neste sistema
existirem lucros, eles retornarão em benefício de quem os
produziu! Atualmente a China experencia o que chama de
"socialismo de mercado", com um núcleo estratégico de
empresas públicas funcionando como regulador do setor
privado e com isto já se tornou na maior potência
económica do planeta.
A Federação Russa e o Vietname ainda mantêm um
sistema semelhante, mantendo grande parte das empresas
do setor primário da economia sob controle estatal. Para
2023, as espectativas de crescimento para estes dois países
são superiores às de qualquer país do Ocidente!
Discute-se na Federação Russa a hipótese de esta adotar
um sistema económico semelhante ao da China.

As tentativas de esconder da juventude portuguesa a


verdade histórica da Revolução de Abril, são meras
ilusões. Mais cedo do que tarde a verdade prevalecerá. E a
verdade é que a Revolução desde a primeira hora teve de
defender-se das conspirações, da sabotagem e dos ensaios de
golpes de força de um largo leque de contra revolucionários.
Apoiados pelo reação interna e pelas forças estrangeiras
hostis aos avanços democráticos, as reformas estruturais
foram objetivamente necessárias para defender a liberdade
acabada de conquistar.

Para defender a Democracia era necessário retirar o


poder económico às classes que o possuíam porque era
óbvio que a sua posse lhes dava base conspirativa para
retomar o perdido poder político. As nacionalizações foi a
resposta necessária. As forças de direita acusaram de “caos”
tal medida. Cinquenta anos passados continuam a
“privatizar”, com muita corrupção, o que perderam, indo
mais além com tudo o que é público, ou seja, de todos.
Satisfazem a sua ganância e interesse egoísta, subsistindo de
subsídios, mas o País continua a perder e muito.

Como o próprio nome traduz, o Movimento das Forças


Armadas nasceu de um consenso muito amplo na Instituição
militar e que uma vez desencadeadas as movimentações,
ganhou a adesão em massa da quase totalidade dos soldados
e povo irmanados num mesmo objetivo que as imagens da
época falam por si.
Profundamente arreigada na História do nosso País, nas
suas revoluções e crises de independência, a aliança Povo-
MFA possui uma originalidade contemporânea de âmbito
internacional e surge como mais uma jornada de avanço das
forças do progresso, iniciada com a Grande Revolução
Socialista de Outubro .

A Assembleia Constituinte ao redigir a Constituição,


transformou em princípios fundamentais da República as
principais conquistas democráticas. A Carta Magna de 1976
representou o reconhecimento e a consagração jurídica da
vitória da revolução. Aprovada de pé e com aplausos pelo
PPD (PSD), PS e PCP, recebeu os votos contra do CDS. No
entanto, a institucionalização do regime democrático não
representa o termo da Revolução portuguesa, antes é uma
nova etapa do seu desenvolvimento. Elaborado com uma
perspetiva histórica, o programa da Revolução democrática e
nacional é uma etapa na modificação da sociedade
portuguesa.

A estratégia política dos continuados governantes,


persegue a tentativa de agrupar as forças políticas em dois
blocos opostos nos organismos do poder, mas tal pretensão
é um devaneio porque a pretendida bipolarização não se
traduz na sociedade portuguesa. O regime resultante do
golpe contra revolucionário não é irreversível. Está repleto
de contradições insolúveis e porque está provado que a luta
do povo português continua e não se rende.

O destino da democracia portuguesa depende


fortemente da ação do poder, mas também depende em
definitivo, da insistência, do empenho da vontade, da força
organizada e ação do movimento popular.

O capitalismo não é o sistema terminal da história da


humanidade. Quem quiser provar o contrário que venha a
terreiro! Em sua substituição é inevitável uma sociedade
nova, mais igual, mais justa, mais livre, sem exploradores
nem explorados. A superação do capitalismo terá sempre de
ser revolucionária, pode-se escolher um caminho fácil ou
penoso, mas não o resultado ! Nascida em 1871, a polaco-
alemã Rosa Luxemburgo caracterizou esta escolha entre
socialismo ou barbárie. Qual o teu lado nas trincheiras?
Junho de 2023

FONTES E BIBLIOGRAFIA

. “Agricultura, política nacional, subdesenvolvimento e migração em três


regiões de Portugal”. Anthony Leeds. Análise social, vol.XIX, 1983,
ics.ul.pt.

. “Da Revolução Industrial à industrialização portuguesa”. Ana Cristina Azevedo,


HTC.Nova FCSH/CFE-UC, 30/12/2021.

. “A industrialização num país de desenvolvimento lento e tardio: Portugal,


1870-1913”. Jaime Reis, Análise Social. Vol. XXXIII, 1987-2º., 207-227.

. “As correntes emigratórias portuguesas no séc.XX…, Maria Ioanis Baganha.


Análise Social, UL.

. “Vinte Anos de Emigração”, M.L.Marinho Antunes. Análise Social, ICS.UL

. “Lei de reorganização industrial”. Lei nº.2005. 1943-1945.

. “O Combate à Tuberculose, uma abordagem demográfica – epidemiológica”,


António F.Castanheira P.Santos. UL. Dep. História, 2010.

. “O colonialismo português, fator de subdesenvolvimento nacional”. Maria


Helena Cunha Rato. ICS.UL.

. “Os Números da Guerra de África”. Pedro Marquês de Sousa, UNL.

. “A luta pela libertação nacional na Guiné-Bissau e a revolução em


Portugal”. John Woolacott. Análise social, ICS.UL

. “O desenvolvimento do processo conspirativo militar na Guiné até ao


25 Abril de 1974”. Rui Filipe de Brito Camacho. Ler História. Open
Edition Journals.

. “A descolonização na Guiné-Bissau”. Jorge S.Golias. Assoc.25 Abril, Arq.


Histór.

. “1 Julho de 1970: Ínicio da Operação Nó Górdio”. Mariana Carneiro.


01/07/2021, Equerda Net.

.“Operação Mar Verde”.- um documento para a história.


António Luis Marinho, Ed. Temas e Debates, 2006.

. “Mar Verde”: revelados documentos sobre operação militar ainda secreta.


Manuel Carlos Freire, DN, 17/4/2006.

. “Entrevista com Alpoim Calvão”. CD25 Abril, Univ.Coimbra, 2012

. “Entrevista com Alpoim Calvão”. Pedro d’Anunciação, Jornal Sol, 09/2014

. “As lutas de classes em Portugal nos fins da Idade Média”. Álvaro Cunhal.
Editorial Caminho, 1ª.Edição, 1975.

. “A Verdade e a Mentira na Revolução de Abril”. Álvaro Cunhal, 2ª.Ed. Editorial


Avante”, 2016.

. “Encobrimentos nos Descobrimentos”. José Caro Proença. Edição C.M.Barreiro


. “Marcelo Caetano – Renovação na Continuidade”. Blog: Portugal,
Revolução e aTransição para a Democracia.pt.

. “Mário Soares, Escritos do Exílio”, entrevista Prensa Latina, Março 1971,


Liv. Bertrand, Amadora, 1975.

. “11 Março de 1975. Trabalhadores derrotam golpe e levam a revolução


à economia”. pcp.pt

. “ A Alemanha e a revolução dos cravos”. Uma investigação sobre a


“Fundação Ebert”. António Louçã. RTPNotícias online. Março 2021.

. “Provavelmente, temos que atacar Portugal”. Nuno Simas. DN28Abril.2004

. “O caso Republica no contexto político-militar de 1975”. Sara Augusto


R.Ribeiro. ISCTE.IUL, Setembro,2013.

. “O caso Republica, um incidente crítico”. Mário Mesquita. Revista História


das Ideias. UC.

. “A Revolução portuguesa nos arquivos Norte-Americanos, o ano de 1974”.


Tiago Moreira Sá. “História das Relações Internacionais”,
Março 2007, ipri.unl.pt

. “Entrevista a Manuel Magalhães e Silva”. Ana Sá Lopes e Rui Gaudêncio,


Público 30/7/2022.

. “O Comando Militar do Barreiro – 1943”, Rosalina Carmona, Museu Nacional


da Resistência e Liberdade, Fortaleza de Peniche.

. “A Greve de 1943 no Barreiro- Resistência e usos da Memória”. Vanessa de


Almeida, IELT/FSCH-UNL

. “O Barreiro. O lugar e a História, séculos XIV a XVIII”. Rosalina Carmona.


Ed. Junta Freguesia Barreiro, Março 2009.

. “O Barreiro que eu vi”. Jorge Teixeira, Ed. C,M,Barreiro, 1993


. “As lutas sociais nas Empresas e a revolução do 25 Abril” Mª. Lourdes Lima dos
Santos e …., Análise social.ics.il.pt.

. “Os reflexos do 25 Abril no Mundo do Trabalho”. Mariana Calisto,


ler.letras.up.pt,

. “O PCP nunca tentou fazer um golpe”. Raquel Varela, entrevista por Maria
José Oliveira, Público, 25/4/2011.

. Consulta de artigos jornalísticos de Andrei Martyanov, Daniel Vaz de


Carvalho, Hugo Dionísio.

Você também pode gostar