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E, assim, tudo foi varrido por baixo do tapete, como se diz na gíria. O tema de Argel e as
desavenças de Delgado com a Oposição tradicional entrou no longo rol dos tabus:
questões que antes de 1974 não podiam ser abordados para não perturbar a ‘unidade
antifascista’, e que desde então precisam de ser escondidos para preservar o status quo.
Nos conturbados tempos depois do 25 de Abril, mesmo os mais recalcitrantes maoistas
não queriam ouvir falar em acontecimentos que reflectiam o pouco crédito dos seus
protagonistas. Hoje, o muro de Berlim pode ter caído; já há muitos anos que os países da
chamada ‘democracia popular’ podem ter corrido com os seus regimes comunistas.
Em Portugal, porém, continuam de pé velhos ídolos com pés de barro. Continua a haver
muita gente empenhada em esconder a verdade. Não me refiro só ao mistério que rodeia
o assassinato de Delgado, embora haja pessoas ainda vivas que não querem levantar o véu
sobre o crime.
Não existe por esse país fora uma cidade, uma vila, uma aldeia onde não se encontre uma
rua ou uma praça com o nome de Humberto Delgado. Às crianças e aos estrangeiros que
perguntam quem foi essa pessoa, a resposta é sempre: ‘Um general que foi candidato
democrático à presidência da república e que foi assassinado por ordem de Salazar.’ No
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29/11/2019 prefácioàediçãoon-line - lancapatricia
Aquele foi, em boa verdade, um palco onde todas as tendências da oposição tiveram a
oportunidade, que não existia em Portugal, de mostrar o que valiam. Relendo hoje os
documentos tanto de Delgado, como dos comunistas, como da extrema-esquerda,
ficamos com a desconfortável sensação de ver e ouvir bonecos de cartão, como se de um
teatro do absurdo se tratasse, a desempenharem papéis e a disputarem poderes pouco
mais do que imaginários. Um teatro onde não é fácil distinguir entre o cómico e o trágico.
É por isso que os comunistas fizeram e fazem tudo para esconder o seu papel na farsa.
É por isso que inventaram histórias fantasiosas sobre o que se passou, tendo o próprio
Álvaro Cunhal recusado qualquer responsabilidade nos acontecimentos, afirmando até o
fim da vida que os documentos, publicados pelos protagonistas e comprovativos da
verdade, eram ‘apócrifos’.
Pretender o contrário é realmente uma ofensa ao sagrado dever de respeito pela verdade
histórica e uma traição às centenas de milhões de mortos em outras paragens. Num país
pobre e subdesenvolvido como era o Portugal de então, havia certamente muitas práticas
típicas de um estado policial: censura, partido único, algumas centenas de presos
políticos, obscurantismo no ensino, uma burocracia sufocante e muitas vezes prepotente,
ausência dos normais direitos cívicos e laborais, a repressão de protestos e de
manifestações pacíficas, o estatuto subordinado da mulher. Todos esses desafios aos
princípios liberais existiam no Portugal de Salazar como, aliás, existiam antes da Segunda
Guerra Mundial em todos os países da Europa rural e subdesenvolvida. Devido ao seu
isolamento por causa da Segunda Guerra Mundial e da Espanha franquista, a sociedade
portuguesa estava atrasada e parada no tempo. Tudo tinha fatalmente que culminar num
desastroso confronto quando eclodiram as revoltas coloniais. Foram elas e a fuga dos
emigrantes que precipitaram a modernização. Mas um regime criticável, e em muitos
aspectos condenável, não é necessariamente um regime fascista. Confundir categorias
políticas leva ao esvaziamento do seu sentido e semeia confusão. É a arma do demagogo,
do terrorista do verbo. Na escola é antipedagógico e na vida política é utilizado como
instrumento de chantagem.
Para os comunistas a confusão é necessária para manter o seu estatuto heróico e é por
isso que exageram vergonhosamente os malefícios do antigo regime. Muita gente, por
diversos motivos, aceita a grande mentira. Não importa que tenha havido várias amnistias
para militares revoltosos; não importa que a alguns dos exilados com maior evidência em
Argel lhes tenha sido permitido voltar para Portugal, ainda durante a ditadura; não importa
que a políticos da oposição, deportados para as colónias, lhes fosse permitido exercer
localmente as suas profissões.
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Não importa nenhum desses sinais duma ditadura própria da Ruritânia: o regime era
fascista!
É por isso que tudo o que tenho escrito ao longo de quarenta anos sobre o que se passou
em Argel tem sido mal recebido ou simplesmente ignorado. Fui avisada constantemente,
até hoje, que apesar de minha narrativa ser verdadeira, era sempre inconveniente. Antes
do 25 de Abril, ajudava ‘o fascismo’. Até aos anos 80, disseram-me que só podia
favorecer os nostálgicos do Estado Novo. Hoje dizem-me que estou a prejudicar o bom
nome da ‘resistência’ e ‘ajudar a reacção’.
Houve somente um breve período, nos fins dos anos setenta, quando o ambiente era
diferente e a comunicação social mais diversificada, que foi evidente alguma abertura.
Havia muito mais debate do que há hoje: era o tempo da Aliança Democrática. O meu
primeiro ensaio sobre o ‘caso Delgado’, foi então um best-seller e em seis meses
venderam-se muitos milhares de exemplares do livro. A versão impressa do texto agora
posto on-line, pelo contrário, foi boicotada; não recebeu qualquer promoção ou
publicidade. Não sei quantos exemplares foram vendidos, porque até hoje o editor não
me apresentou quaisquer contas.
Foi pena—ou talvez não. Agora existe a internet e uma audiência potencialmente muito
maior. Sobretudo, há toda uma nova geração de leitores. E se não tivesse havido aquele
boicote, talvez eu não tivesse tido o incentivo para colocar o livro on-line.
A verdade sobre o assassinato de Delgado ainda está por descobrir e talvez nunca seja
conhecida. A verdade sobre a moralidade e os objectivos de muitos opositores ao Estado
Novo já se sabe. Resta agora tirar as conclusões. A minha esperança é de que os textos
agora publicados sejam instrumentos úteis dessa tarefa.
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NOTA TÉCNICA
Peço desculpas aos mais qualificados em informática por este site ser dos mais simples
possíveis. Utilizei o Google Page Maker, um instrumento pouco sofisticado e que nem
sempre garante uma formatação uniforme. A Página Inícial traz o Índice Geral e uma lista
das ligações para cada capítulo.
Cada capítulo tem a sua própria página cada uma com ligações para a Página Inícial, para
a página anterior e para a página seguinte. Assim, em qualquer momento da leitura pode-
se aceder a qualquer capítulo do livro. As notas, normalmente de rodapé ou no fim do
capítulo, encontram-se, nesta edição na coluna do lado direito de cada página. Todas as
páginas são fáceis de imprimir. Embora os leitores sejam livres de reproduzir e fazer
circular as partes do texto que lhes interessam, ou mesmo o livro inteiro, pede-se
respeito pelo meu copyright e, portanto, a sua atribuição à minha autoria.
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