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OS FUZIS

E AS FLECHAS
HISTÓRIA DE
SANGUE E
RESISTÊNCIA
INDÍGENA NA
DITADURA

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OS FUZIS
E AS FLECHAS
HISTÓRIA DE
SANGUE E
RESISTÊNCIA
INDÍGENA NA
DITADURA

COLEÇÃO
ARQUIVOS
DA REPRESSÃO
NO BRASIL

RUBENS
VALENTE
coordenadora da coleção
HELOISA M. STARLING

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Copyright © 2017 by Rubens Valente

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa


de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

projeto gráfico e capa


Kiko Farkas e Ana Lobo/Máquina Estúdio

foto de capa
Paulo Suess/ Acervo cimi

preparação
Cacilda Guerra

índice remissivo
Luciano Marchiori

revisão
Isabel Cury
Silvana Salerno

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)


(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Valente, Rubens

Os fuzis e as flechas : história de sangue e resistência


indígena na ditadura / Rubens Valente.
– 1a ed. – São Paulo : Companhia das Letras, 2017.

Bibliografia
isbn: 978-85-359-2711-5

1. Brasil – Política e governo – 1964-1985


2. Ditadura – Brasil – História 3. Golpes de Estado – Brasil
4. Índios da América do Sul – Brasil – Relações com o governo
5. Militarismo – Brasil 6. Povo indígenas – Brasil – História
7. Reportagem I. Título.

16-09327 cdd – 981.063

Índice para catálogo sistemático:


1. Povos indígenas na ditadura militar : Brasil : História 981.063

[2017]
Todos os direitos desta edição reservados à
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Inúmeras, no mar da eternidade,
As gerações humanas vão caindo;
Sobre elas vai lançando o esquecimento
A pesada mortalha.

Da agitação estéril em que as forças


Consumiram da vida, raro apenas
Um eco chega aos séculos remotos,
E o mesmo tempo o apaga.
Machado de Assis, “Americanas”, 1875

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INTRODUÇÃO 9 17. PERSONA NON GRATA 238
18. OSSOS E PENAS 251
1. URUBUS 13 19. “OUTRO TIPO DE LUTA” 261
2. UM VAZIO 23 20. DEPORTADOS 275
3. ESCÂNDALO 34 21. UM MOINHO FEROZ 302
4. A CRUZ 47 22. A ESPINHA 310
5. NAS SUAS MÃOS 62 23. LEVANTE 324
6. FARDADOS 73 24. A SOCIEDADE 333
7. COVEIRO 86 25. A PALAVRA 344
8. A MARCHA 107 26. UM GOSTO AMARGO 357
9. TRINCHEIRAS 127 27. PISTOLEIRO AVÁ 363
10. CAMINHO GRANDE 140
11. IRREVERSÍVEL 161 EPÍLOGO (TALVEZ UMA VITÓRIA) 382
12. CICATRIZ 179 AGRADECIMENTOS 396
13. COMO SE FOSSE ENTREVISTADOS E
UM NEGATIVO 194 LOCAIS DAS ENTREVISTAS 399
14. ESTE BELO PAÍS 202 NOTAS 402
15. INFAMANTE 213 CRÉDITOS DAS IMAGENS 477
16. O GRITO 227 ÍNDICE REMISSIVO 478

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INTRODUÇÃO

quando um grupo de oficiais militares, apoiado por diversos setores civis, der-
rubou o presidente João Goulart por meio de um golpe de Estado em 1964, o governo
nem sabia ao certo quantos índios havia no país. Estimava entre 70 mil e 110 mil o nú-
mero de “aldeados”, isto é, os que viviam em terras demarcadas sob jurisdição e con-
trole da União. Alcançados ao longo de séculos por atividades predatórias, como ga-
rimpos e desmatamentos, ou pelos projetos oficiais de desenvolvimento econômico e
de ocupação do solo, esses grupos de índios já haviam decidido fazer as pazes com o
homem autodenominado “civilizado”, vencidos pelos massacres, pelas doenças e pela
fome, acabando por reconhecer sua inferioridade numérica e a inutilidade de suas
bordunas, seus arcos e flechas diante de armas de fogo, por fim aceitando a derrota
para tentar sobreviver em um novo mundo com novas regras. Mas o número real de
índios no país era muito maior. Havia milhares deles habitando as matas, com conta-
tos nulos ou intermitentes com ribeirinhos, caçadores de animais, desmatadores. Vez
ou outra esses índios “arredios” ou “hostis”, como então eram denominados, davam as
caras, atacando ou reagindo ao assédio dos não índios que se posicionavam nas fran-
jas do desenvolvimento e invadiam terras sabidamente de domínio indígena. Em rea-
ção a essas rusgas e massacres, as forças políticas locais costumavam recorrer à aju-
da dos “amansadores” de índios, os servidores do Serviço de Proteção aos Índios (spi)
e de sua sucessora, a Fundação Nacional do Índio (Funai), para que operassem a paz,
localizando e convencendo os índios a largar suas armas. Enquanto os índios não fos-
sem “pacificados”, os fazendeiros, garimpeiros e madeireiros sempre podiam recor-
rer às “correrias”, verdadeiras caçadas humanas nas matas, muitas vezes resultando
em covardes massacres. Nesse sentido, ao agir contra a bárbara atividade, o spi e a Fu-
nai exerceram o nobre papel de impedir o genocídio.1 Os “arredios” representavam um
enorme desafio para o Estado. Era necessário decidir quando e com que meios con-
tatá-los a fim de alcançar o objetivo maior do governo militar, que era a integração do
índio à sociedade nacional.

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Segundo a ótica oficial da época, os indígenas conhecidos representavam entre
0,08% e 0,13% da população geral brasileira estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (ibge) em 1964.2 O baixo registro oficial não pode explicar e muito menos justi-
ficar o limbo a que foi lançado o interesse a respeito de como a ditadura tratou os indígenas
ao longo de 21 anos de poder. Até pouco tempo atrás, eram inexistentes as referências ao as-
sunto nas ações do palácio do Planalto sobre o período. Os governos de José Sarney (1985-
90), Fernando Collor (1990-2) e Itamar Franco (1992-5) nem sequer abordaram o tópico. No
de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), leis e comissões criadas para conceder indeni-
zações a perseguidos, mortos e desaparecidos políticos nunca estabeleceram a possibilida-
de de estender sua atenção para os indígenas. Em 2007, no governo Luiz Inácio Lula da Sil-
va (2003-11), a publicação Direito à memória e à verdade, da Secretaria Especial dos Direitos
Humanos da Presidência da República, não trouxe uma única referência às violações de di-
reitos dos índios em suas 502 páginas. Em dezembro de 2014, o relatório final da Comissão
Nacional da Verdade (cnv), instalada pela presidente Dilma Rousseff (2011-6), incluiu um ca-
pítulo sobre os indígenas. Embora atrasado e com falhas, tratou-se de pioneiro esforço esta-
tal para jogar alguma luz sobre os eventos. Todavia, o desdobramento do relatório foi nulo.
Por exemplo, uma medida de fácil execução indicada no documento, o mero pedido público
de desculpas da União pelos erros cometidos, não havia saído do papel até a conclusão deste
livro em janeiro de 2017. Só em 2014 a Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério da Jus-
tiça, autorizou a primeira indenização a um grupo de índios, os Suruí do Pará. Houve outras
indenizações e compensações pontuais ao longo dos anos, mas sempre advindas de ações
judiciais movidas tanto pelo Ministério Público quanto por organizações não governamen-
tais em conjunto com os índios, não por iniciativa do poder central em Brasília.
Também são poucos os livros que tiveram por foco específico a relação entre
índios e militares no período 1964-85, destacando-se Vítimas do milagre (1978), de Shel-
ton H. Davis, e Nossos índios, nossos mortos (1978), de Edilson Martins, além do fascinan-
te Die If You Must (2003), de John Hemming. Ressalte-se que as duas primeiras obras
— assim como uma ampla e vibrante produção jornalística da época — foram escritas
ainda no calor dos acontecimentos e que o livro de Hemming trata da trajetória dos ín-
dios ao longo de todo o século passado. Nenhuma delas teve acesso aos documentos es-
critos sob sigilo pelos militares e que só começaram a ser liberados à pesquisa nos anos
2000. Antropólogos, indigenistas e acadêmicos produziram inúmeros e impressionan-
tes trabalhos de fôlego sobre diversas etnias, mas os textos costumam se estender por
toda a trajetória do grupo, não se fixando nos anos militares.
As principais narrativas a respeito do golpe e do período militar não tiveram
o índio como foco principal, o que poderia dar a impressão de que a política repressi-
va adotada em diversos momentos pelos militares passou em branco nas aldeias indí-
genas. Na realidade, poucos grupos humanos no país dependiam de forma tão direta da

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política dos militares para garantir sua sobrevivência quanto os índios. As leis em vigor
estabeleciam a tutela especial sobre o índio, exercida pelos inspetores do spi, então su-
bordinado ao Ministério da Agricultura. Uma lei de 1962 dizia que os índios eram “inca-
pazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer”. O spi enfrentava grandes
dificuldades para se fazer presente. Na época do golpe, o órgão contava com apenas oi-
tocentos servidores públicos espalhados entre 105 ou 126 postos indígenas, na sede cen-
tral e nas representações do spi nas capitais dos estados.3
Descrever como o Estado brasileiro sob comando militar deu cabo de suas
duas tarefas básicas (cuidar do índio aldeado e contatar o “arredio”) é a preocupação
central deste livro. Ao ampliar a bibliografia do tema, ele pretende colaborar para a re-
flexão sobre os anos de chumbo.

Este livro, apurado e escrito entre outubro de 2013 e setembro de 2015, é também o re-
sultado da experiência e das histórias por mim acumuladas ao longo de 26 anos de re-
portagem para jornais de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, período em que
conheci cerca de trinta terras indígenas, dentre as quais yanomami, terena, guarani,
nambikwara, tapirapé e xavante. Conheci um índio pela primeira vez muito antes de vi-
rar jornalista, aos doze anos, em 1982, nos estertores da ditadura, quando passei a morar
com minha família em Dourados, em Mato Grosso do Sul, a cerca de cinco quilômetros
da maior terra indígena urbana do país. Os índios guarani eram parte do cotidiano da ci-
dade. Numerosas famílias saíam da aldeia em carroças carregadas sobretudo de milho e
mandioca, quase sempre acompanhadas de um esquálido cachorro de estimação. Cedo
batiam palmas nas casas dos douradenses, procurando fazer comércio. Alguns pediam
esmola ou pão para comer. Ao final do dia, iniciavam seu lento regresso à aldeia, a pé, de
bicicleta ou em dezenas de carroças pela avenida Presidente Vargas. No começo das ma-
nhãs, ao caminhar para a escola, não raramente eu encontrava pelo caminho um índio
caído, derrubado pelo álcool da noite anterior. Impressionavam as bebedeiras, as con-
dições insalubres em que viviam, a desnutrição e as dificuldades de sobrevivência des-
ses índios, mas eles também nos davam uma lição de humildade e persistência. Eram
a expressão de um modo de vida tão diferente quanto desafiador. Que atraía todo tipo
de preconceito, imprecações e comentários negativos dos moradores locais, mas tam-
bém atos de solidariedade e tolerância. Esse modo de vida estaria ainda mais desloca-
do num país comandado por oficiais militares criados sob as rígidas regras da caserna.
Comandantes militares propugnavam que o caminho natural dos índios seria a integra-
ção à “civilização” — ou seja, esperavam que eles simplesmente deixassem de ser índios.
Como repórter a partir de 1989, voltei à terra de Dourados e estive em muitas
outras aldeias. Nessas viagens, algumas histórias da época da ditadura, contadas aqui e

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ali, me desafiavam a uma pesquisa mais aprofundada. Essa possibilidade enfim apare-
ceu entre 2013 e 2014, quando percorri terras indígenas em dez estados brasileiros e en-
trevistei mais de oitenta pessoas, entre índios, sertanistas, indigenistas, antropólogos
e missionários. As apurações de campo foram reforçadas com a leitura de milhares de
páginas de documentos cujo sigilo foi desclassificado em especial a partir de 2008. Na
Coordenação Regional do Arquivo Nacional de Brasília, copiei e li um total de 11786 pá-
ginas, fotografadas uma a uma, que formam um acervo de 187 dossiês produzidos pelo
braço do Serviço Nacional de Informações (sni) na Funai sobre pessoas, instituições e
assuntos. Nos arquivos do Núcleo de Documentação (Nudoc) do Departamento de Pro-
teção Territorial (dpt) e do Serviço de Gestão Documental (Sedoc) da sede da Funai, em
Brasília, copiei e consultei perto de 6 mil páginas que formam inúmeros processos de
demarcação de terras indígenas no país. Tive acesso a documentos do Museu do Índio,
no Rio, da prelazia de São Félix do Araguaia, em Mato Grosso, da Universidade Federal
da Grande Dourados, do Arquivo Público de Cuiabá e do Instituto Socioambiental (isa),
de São Paulo.
A pesquisa descortinou um quadro desolador. Páginas de documentos oficiais,
por décadas sigilosas e enfim deixadas ao alcance dos pesquisadores, revelam desfe-
chos cruéis para operações do governo. Sua leitura levantou também indagações sobre
as contradições de um Estado que, sob o argumento de proteger, acabou matando e des-
truindo. Mas também algumas vezes evitando o etnocídio.

Se a trajetória dos povos indígenas na ditadura fosse considerada apenas um aterra-


dor caso sobre vidas desperdiçadas, creio que seria um bom resumo. Mas ela é mui-
to mais complexa do que isso. Repleta de tragédias, derrotas e também vitórias, é uma
das jornadas mais surpreendentes e dramáticas do século passado no país. É a histó-
ria de como pequenos grupos humanos enfrentaram, às vezes com violência, às vezes
com estoicismo, uma força dominante mais poderosa, que pretendeu, com esforço cal-
culado, subjugá-los e empobrecê-los sob a promessa de uma vida melhor. É também a
narrativa de como uma porção de indígenas, servidores públicos, missionários e antro-
pólogos, muitas vezes em desafio aberto à ditadura, correu sérios riscos para pôr em
dúvida e se possível interromper um avanço econômico que não considerasse as ricas
nuances de culturas e homens diferentes da maioria da população, a fim de preservá-
-los da extinção. Por fim, é a descrição de como o Estado brasileiro, com suas imensas
dificuldades, também conseguiu salvar indígenas do extermínio, ainda que nesse pro-
cesso tenha manifestado uma incúria e um menosprezo notáveis, que acabaram por
ceifar centenas de preciosas vidas.

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1. URUBUS

antonio cotrim soares seria das pessoas mais improváveis a trabalhar para o go-
verno dos militares que haviam deposto João Goulart. Em 1964, ele era um jovem es-
tudante de Maceió envolvido com a organização das Ligas Camponesas, grupos de tra-
balhadores rurais que levaram o tema da reforma agrária à agenda política nacional.
Embora filho de um bem situado comerciante local e sem filiação partidária, dizia ter
“ideias socialistas, de esquerda” e se sentia “ligado com os caras do Partido Comunista”.
Ajudava a planejar uma grande invasão “de mais de sessenta fazendas” de um rico pro-
prietário de usinas de açúcar, o deputado federal e homem de televisão Rubens Berardo
Carneiro da Cunha. As Ligas infiltraram peões remunerados nas fazendas para “conver-
sar com as pessoas e montar as bases”.1 Cotrim algumas vezes também serviu de mo-
torista do líder Francisco Julião quando este apareceu em Maceió. Nada mais distante,
portanto, do que as fardas e botas que marcharam sobre Brasília.
Com o golpe, os ambiciosos planos de Cotrim e seus aliados ruíram. Ele se es-
condeu num apartamento até a poeira baixar e o pessoal das Ligas se dispersar. Reuni-
dos semanas depois, falaram em organizar luta armada e resistir. Cotrim não gostou da
conversa, achou que estavam todos desorientados. Chegou-lhe a informação de que um
grupo de peruanos estava organizando guerrilhas perto da fronteira com o Brasil. De-
cidiu rumar para lá para se juntar aos guerrilheiros. Sua ideia era seguir em caronas de
avião, mas só conseguiu chegar até Belém. Lá, descobriu que seu contato na cidade, um
trotskista, estava desaparecido desde o golpe. Sem dinheiro para pagar a pensão em que
se enfiou, Cotrim desistiu do Peru e começou a procurar emprego para sobreviver. Viu
num jornal o anúncio de que um certo Serviço de Proteção aos Índios estava procuran-
do pessoal para trabalhar. Cotrim foi ao endereço indicado para saber o que era e o que
fazia aquele spi. Afinal de contas, ele nunca havia visto um índio na vida.
No escritório local do spi, Cotrim conheceu os sertanistas Telésforo Martins
Fontes e seu filho, Osmundo Antônio dos Anjos. Osmundo contou-lhe que iria coman-
dar uma expedição para contatar índios “hostis” na região de Porto de Moz, no Pará, na

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beira do rio Xingu e perto da divisa com o Amapá, que estavam em conflito com mora-
dores locais. Ali viviam grupos de indígenas conhecidos como Kararaô.
Tratava-se de um subgrupo da etnia kayapó, que protagonizava choques em ou-
tra área do estado. Em uma entrevista concedida nos anos 1970, o sertanista Francisco
Meireles diria que em 1964 os Caiapó da região de Altamira “eram considerados terrí-
veis pela população”. Eram “índios perigosos, matavam os civilizados e aprisionavam as
mulheres e, inclusive, várias moças foram raptadas tão cedo que acabaram por se inte-
grar na vida da tribo. Quando lá cheguei eles tinham matado dezessete seringueiros”.2
Cotrim ouviu que “o spi não tinha dinheiro e que o governador do Pará, Jarbas
Passarinho, ia financiar a expedição”. Em junho de 1964, a ditadura havia derrubado o
governador do estado, Aurélio do Carmo, e empossado em seu lugar o então tenente-
-coronel Passarinho.3
Telésforo explicou que a expedição era pobre e estava com dificuldades para
pagar salários. O alagoano aceitou ser um “voluntário”, sem remuneração. Telésforo
aprovou a ideia, pois viu que Cotrim, além de saber datilografia, também gostava do es-
critor Jorge Amado, seu conterrâneo. Ele queria que, na viagem, o jovem aproveitasse
para ensinar ao seu filho quem era o grande romancista baiano.
Cotrim tinha um problema: não podia sair da pensão sem pagar os quinze dias
de hospedagem que devia. Suas posses se resumiam a um saco de viagem, duas mudas
de roupa e alguns livros. Para resolver o problema, o pessoal do spi simulou a prisão dele.
O escritório por acaso tinha uma Rural, o mesmo modelo de carro usado pela polícia.
Conforme combinado, o motorista parou o carro na frente da pensão e gritou para a dona
do local que o hóspede estava preso e tinha que sair com todos os seus pertences imedia-
tamente. Ordem cumprida, dali seguiram direto para o porto, de onde sairia a expedição
de barco. Partiram Osmundo, Cotrim, o sertanista Afonso Alves da Cruz, que se tornaria
um dos mais conhecidos na história da Funai, o índio xikrin Itakaiúna e um telegrafista.
O método adotado pela expedição era o mesmo das outras feitas no país des-
de os tempos do marechal Cândido Rondon (1865-1958). Criava-se uma frente de atração,
que funcionava assim: os sertanistas distribuíam presentes aos índios; esperava-se que
estes passassem a retribuir os presentes, na fase chamada de namoro; na terceira fase,
os índios convidavam os sertanistas para conhecer suas malocas; a quarta fase, de con-
solidação de “pacificação”, constituía-se no estabelecimento de um acordo pelo qual, em
resumo, “civilizados” e índios concordavam em não matar mais uns aos outros (muitas
vezes esse diálogo não era feito às claras, pois os índios praticamente se entregavam aos
benefícios representados pelos presentes dos “civilizados” da Funai); por último, os ín-
dios “pacificados” eram então agregados e entregues aos cuidados de funcionários de um
posto, que se encarregava de dar a eles atendimento de saúde e alimentação e ensinar-
-lhes métodos de agricultura dos “civilizados”. Assim, os índios deixariam de atacar e

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matar vizinhos ou trabalhadores que passavam pela região. Estava criado um novo pos-
to indígena para índios aldeados.
Na margem do Guajará, um afluente do rio Tapajós, a expedição encontrou um
grupo de Kararaô, que os recebeu sem hostilidade. A denominação Kararaô “é aplicada
a uma divisão dos kayapó setentrionais” que se distanciou do núcleo principal da etnia,
conhecido como Gorotire. No século passado, os Kararaô desceram o rio Xingu e se de-
tiveram entre o Iriri e seu afluente Curuá. Depois cindiram-se em dois grupos, um dos
quais, “por volta de 1950, foi quase dizimado” por uma expedição organizada por um se-
ringalista. Os Kararaô pouco falavam o português, usavam arcos, flechas e bordunas e
pintavam o corpo com jenipapo, carvão e urucum misturado com óleo de babaçu. Os ho-
mens adultos usavam um batoque de madeira no lábio inferior.4
O contato dos índios com a expedição da qual Cotrim participava ocorreu no
ano de 1965, sendo assim o primeiro do gênero do regime militar. Sua consequência
foi dramática.

Quase cinquenta anos depois, em 2013, Cotrim, nascido em março de 1941, continuava
um homem em excelente saúde, com um aperto de mão vigoroso e memória perfeita.
É um homem formal e detalhista. Ele ainda usa uma máquina de escrever para se co-
municar à distância. Ao responder ao pedido de entrevista para este livro, datilografou
a resposta e pediu à filha que fotografasse a folha de papel e a enviasse anexada a um
e-mail. Na lanchonete de um hotel em Maceió, Cotrim descreveu os eventos com uma
franqueza notável, que outros entrevistados poderiam dispensar. Ao contrário do que se
poderia esperar de alguém que viveu tantos perigos, ele não oferece a visão romantizada
das aventuras na selva, mas sim a descrição amarga e crua de fatos que continuam a as-
sombrá-lo, tantos anos mais tarde. Ele se recordou da primeira tragédia que presenciou
em sua agitada vida de sertanista. E logo na primeira missão. “Eram 48 índios kararaô,
fizemos contato. Morreram quase todos. Esse grupo desapareceu. Se teve sobreviven-
tes, foram quatro ou cinco. Foi a primeira experiência que tive.”
“Mas morreram como?”, eu quis saber.
“De gripe! Não foi levado medicamento.”
Para Cotrim, o transmissor involuntário da doença foi um membro da expedi-
ção, Itakaiúna, que estava com gripe “no momento do contato”. Ele tem certeza de que
não existia doença entre aqueles índios antes da chegada da expedição. Assim que hou-
ve o contato, Osmundo regressou a Belém para obter medicamentos e alimentação. Pas-
sados mais de vinte dias, quando regressou ao local, não havia mais como socorrer os
índios. “Telésforo não estava mais em Belém. Belém não mandou mais nada, o dinheiro
da expedição tinha acabado. Era aquela esculhambação, não enviaram remédio. Deixa-

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ram a operação abandonada.” O spi chegou a mandar um enfermeiro, mas na percepção
de Cotrim isso pode ter agravado o problema, pois ele “pegava a agulha e não esterilizava
direito, então a própria agulha [contaminava]”.
A crise sanitária se agravou com a falta de comida. Os Kararaô não tinham re-
servas de alimentos e, debilitados, não conseguiram mais caçar, pescar e nem mesmo
pegar madeira seca no mato para fazer fogo. Cotrim viu um índio quebrar seus próprios
arcos e flechas para fazer uma fogueira.
Muitos índios, doentes, se embrenharam na mata, o que só piorou a situação.
Pela superstição deles, o problema estava naquele local, não em seus corpos, então a
decisão mais correta, acreditavam, era se afastar do acampamento. Distantes da expe-
dição, não receberam os poucos medicamentos disponíveis. Cotrim ajudou a enterrar
“quatro ou seis corpos”, o restante ficou espalhado pela mata e foi sepultado depois ou
pelos próprios índios ou pelos companheiros da expedição. Ele estimou quarenta mor-
tos na epidemia.
O pessoal da expedição ficou com medo de uma retaliação, pois o índio xikrin
foi flagrado explicando aos índios que os “civilizados” é que haviam levado a doença.
Mas os Kararaô não tinham mais nem força física para uma vingança, segundo Cotrim.
Com pouco mais de 24 anos na época, ele disse não imaginar que aquilo poderia aconte-
cer de forma tão rápida e pediu explicações ao sertanista Afonso Cruz. O mais experien-
te procurou acalmá-lo. “O Afonsinho me disse: ‘Isso aqui é comum. No contato tal mor-
reram tantos, lá em tal lugar também morreu’.”

Embora incapaz de justificar a trágica decisão da ditadura de incentivar uma expedição


sem remédios e médicos, a informação de Afonsinho é verdadeira e exemplos semelhan-
tes não faltam. Apenas cinco anos antes, no governo Jânio Quadros (1960-1), um grupo
de índios da etnia pacaá-novo, hoje chamados de Wari, vivia intensas escaramuças com
“civilizados”, morrendo mas também atacando e matando nas proximidades da cida-
de de Guajará-Mirim, em Rondônia. As preocupantes notícias chegaram ao bispo Fran-
cisco Xavier Rey, da prelazia da região, que pediu providências ao governo do território
para evitar um massacre de índios. Seu braço direito, o padre Luiz Roberto Gomes de
Arruda, relatou anos depois que seringalistas “organizavam expedições para o massacre
de aldeamentos inteiros”. “Havia em média cinquenta a cem índios por aldeia e a ordem
era exterminar até o último, não devendo ficar sequer uma criança.”5
Começou-se a preparar uma expedição com o objetivo de contatar os Pacaá-
-Novo e trazê-los para junto de outro grupo da mesma etnia que já havia sido contata-
do nos anos 1950 — grupo esse, aliás, que já estava “morrendo de tuberculose, além da
gripe, enfraquecidos, desesperados de fome”.6 A expedição foi montada com recursos

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fornecidos pelo governador do território, Abelardo Alvarenga Mafra, pela prefeitura lo-
cal e pela prelazia. Em abril, o jornal A Província do Pará anunciou que “o próprio pre-
sidente Jânio Quadros determinou ao diretor-geral do spi, Tasso Villar de Aquino, a pa-
cificação”, pois os Pacaá-Novo haviam se tornado “o terror daquela região”.7
A expedição partiu de Guajará-Mirim em 20 de maio de 1961. Passado um mês,
os índios desfecharam um ataque contra o acampamento dos “civilizados”, deixando
um trabalhador ferido. Dias depois, dez guerreiros apareceram pacificamente e decidi-
ram passar a noite no acampamento, na beira do rio Ocaia. Preocupado, Arruda pediu à
equipe autorização para regressar a Guajará-Mirim a fim de adquirir medicamentos —
no organismo de um índio recém-contatado, uma simples gripe pode matar em poucos
dias ou mesmo horas; sertanistas experientes da Funai presenciaram uma gripe evoluir
para uma pneumonia fatal em apenas 24 ou 48 horas.8
O padre fez uma busca por remédios na cidade, mas não tinha o dinheiro ne-
cessário e as farmácias não eram equipadas a contento. Recorreu ao governador, em
Porto Velho, mas obteve “apenas embrulhos de remédios muito escassos”. Quando con-
seguiu retornar ao rio Ocaia, já se havia passado mais de um mês. O padre encontrou
um cenário desesperador. Os antigos membros da expedição haviam abandonado o lo-
cal, pois não recebiam pagamento. As malocas estavam vazias “e os doentes esparrama-
dos pelo mato”. Em uma aldeia, o padre reuniu 39 “doentes esqueléticos, completamen-
te prostrados”. Em outra, contou 49, alguns já com pneumonia. Com a ajuda dos índios
sadios, carregou e reuniu cerca de noventa enfermos. Contou pelo menos dois mortos.
Nesse momento crítico, disse o padre, o agente do spi José Fernando da Cruz,
que chefiava a expedição, saiu para se encontrar com um seringalista que havia lhe pro-
metido “uma recepção triunfal com muita cachaça e cerveja”. Antes de ir, deu ao padre
uma carta “nomeando-o chefe supremo do setor todo de Pacaás-Novos”. O padre e os ín-
dios lutaram por vinte dias contra a epidemia, até que Cruz reapareceu, ordenando-lhe
que regressasse para Guajará-Mirim. Quando o padre voltou ao rio, semanas depois, “a
epidemia grassava novamente entre os índios, tendo morrido vários”. Levados a encon-
trar “civilizados” sem preparo, sem medicamentos e sem alimentação suficientes, eles,
na prática, tinham sido atraídos para o próprio extermínio.
A palavra do padre foi confrontada com a do diretor do spi Moacyr Ribeiro
Coelho, em acareação feita por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (cpi) do Con-
gresso Nacional em agosto de 1963. Coelho defendeu-se dizendo, corretamente, que
a expedição começou antes do governo Goulart, então em vigor, e em nenhum mo-
mento desmentiu as mortes. Meses depois da acareação, enviou um ofício ao minis-
tro da Agricultura, no qual confirmou a tragédia que desabou sobre os índios, citan-
do como causas “imprevisão e inépcia dos que ordenaram, organizaram e dirigiram”
a expedição.

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E o desastre continuou após o contato. Entre setembro e dezembro de 1962,
pouco tempo depois da expedição, o sertanista Francisco Meireles esteve na região por
ordem de Coelho. Até bem pouco tempo antes temidos guerreiros e hábeis caçadores,
os Wari agora brigavam por comida no chão.

O fato é que o grupo de índios pacaás-novos, o último a ser atraído, estava em


péssimas condições assistenciais, enfrentando o problema da fome, pois como
estavam empenhados em trabalhos de lavoura, longe de suas aldeias, não ti-
nham mais com que se alimentar. Quando nossos tropeiros procederam à dis-
tribuição de ração aos cavalos, foi com tristeza que presenciamos os índios dis-
putando rações de milho com os animais.9

Um dos parceiros de Cotrim no contato com os Kararaô, Afonso Alves da Cruz, com me-
nos de 1,60 metro, tem estatura inversamente proporcional ao respeito que construiu ao
longo de décadas de trabalho no spi e na Funai. Homem simples, descrito pelos colegas
como íntegro, amigo dos índios e comunicativo, que ganhou grande fama entre seus pa-
res, ele é praticamente anônimo fora da Funai. Aposentado a partir de 2009, sofreu um
derrame que lhe dificultou os movimentos do lado direito do corpo, mas conservou boa
memória para datas, pessoas e fatos. Perto de completar oitenta anos em 2014, tinha a
locomoção prejudicada e caminhava com pequenos pulos, muito diferente do homem
ativo que levou flechadas e atravessou algumas das regiões mais inclementes da Amazô-
nia. Pelas suas contas, suportou a malária 26 vezes e viu um amigo morrer de febre ama-
rela ao seu lado. Foram 42 anos de serviços prestados ao spi e à Funai.
Afonsinho nasceu em 1935 numa área rodeada de índios, onde hoje se localiza o
município de São Félix do Xingu, no Pará. Seus pais eram agricultores e tiveram sete fi-
lhos. Quando o pai morreu, a família se mudou para Altamira, no Pará. O pequeno Afon-
so deixou a escola no terceiro ano primário para trabalhar e ajudar a família. Não mais
voltou a estudar. Um cunhado, Estêvão, trabalhava no spi e arrumou-lhe um emprego
em 1955. Afonsinho foi deslocado para um posto caiapó, com a tarefa de ensinar os ín-
dios a plantar. Durante catorze anos viveu na área, tornando-se um conhecedor dos ín-
dios e dos mistérios da floresta. Um dos contatos ocorreu perto do rio Iriri. Após catorze
dias de caminhada na mata, a expedição encontrou os índios em 7 de setembro de 1958.
A expedição, disse Afonso, contava com 23 pessoas, mas os índios eram mais de seiscen-
tos.10 Estes, se quisessem, poderiam massacrar os “civilizados” com facilidade, mas dei-
xaram que eles ficassem perto das malocas por nove dias.
Meses depois do golpe de 1964, Afonso foi transferido para Porto de Moz, para
trabalhar no contato com os Kararaô na expedição de que Cotrim participou, liderada

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por Osmundo. Após muito caminharem na mata, Afonso viu um grupo de índios escon-
didos e começou a falar em caiapó. Eles estavam nus e armados de arco e flecha. O úni-
co adorno que usavam era um tecido no braço. Segundo Afonso, o mesmo grupo havia
massacrado três “civilizados” semanas antes, o que foi a gota d’água para o tenente-coro-
nel Passarinho bancar a expedição. Em resposta aos gritos de Afonsinho, os índios inda-
garam quem ele era. O sertanista disse ser “um cristão”. Como conhecia outros Kararaô
que haviam sido contatados nos anos 1950, passou citar seus nomes em voz alta, o que
pode ter convencido os índios de que a expedição vinha em paz. A equipe do spi passou
a distribuir presentes, como facões, machados e miçangas.
Afonsinho disse que dias após o contato as coisas começaram a sair do contro-
le. Um Kararaô de nome Borai brincava com uma arma de fogo quando, por acidente,
feriu um trabalhador da base. Como “castigo”, o chefe substituto da Funai na área deci-
diu levá-lo para um rancho que ficava rio abaixo. Mas ele não sabia que no rancho havia
sarampo. O índio, sem saber que estava doente, conseguiu depois voltar por conta pró-
pria para a maloca dos Kararaô, em uma canoa emprestada de um colono. “E o sarampo
matou eles todinhos. Os que estavam lá, morreu tudo. […] Quando ele voltou, apareceu
o sarampo. Eles estavam sozinhos. O chefe que tomava conta estava aqui em Altamira.”
Assim, Afonsinho confirmou o desfecho do contato narrado por Cotrim — que
apenas qualificou de gripe o que teria sido sarampo e apontou outro foco transmissor.
No início da epidemia, Afonsinho se encontrava em Altamira quando começa-
ram a chegar as notícias de que os índios estavam morrendo. O spi arrumou um avião
para o sertanista sobrevoar as malocas. Ele as viu desertas. De volta à cidade, procurou
Francisco Meireles para lhe dar a notícia de que os índios ou tinham ido embora ou ha-
viam morrido. Estavam em Altamira Afonsinho, Meireles, o sertanista Orlando Villas
Bôas, que viera do Parque do Xingu, e o servidor do spi que era o responsável pela base
de atração, citado por Afonso como sendo Joaquim Gama. O grupo foi de barco à região,
mas era tarde demais.
“Quando chegamos lá, o pessoal estava morto. Os Kararaô.”
“O senhor chegou a ver os corpos?”, indaguei.
“Vi. Sei que eram 48. Estavam sendo enterrados dentro de casa. Eles cavaram
essas sepulturas dentro de casa mesmo, não fora. Não tinham condições de caminhar,
de fazer nada.”
“Eram quantos mortos?”
“Eles eram 48, morreu tudo os 48, ficou só sete [vivos] dos 48, que estavam em
Porto de Moz.” O cálculo de Afonso, de 41 mortos, é quase igual ao de Cotrim, que havia
contado quarenta. “Morreu tudo. Os que estavam lá morreram tudo. Só um que escapou
e os outros saíram pro mato, morreram no mato. Urubu comeu. O urubu foi que comeu
eles, o corpo deles.”

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***

Eu disse tanto a Afonsinho quanto a Cotrim que não havia localizado nos arquivos da
Funai relatório algum de Osmundo ou de Meireles que indicasse esse número de mor-
tos por epidemias entre os Kararaô. Afonso explicou então o que ocorreu na mesma tar-
de em que as sepulturas dos índios foram encontradas, expondo um segredo de muitas
décadas.

O responsável [encarregado da operação] era o Gama. O Villas Bôas chegou a


ver as sepulturas. O sr. Orlando disse que não fez [relatório] porque ia prejudi-
car o seu Meireles. Falou lá que não ia fazer porque ia prejudicar o Meireles. Fa-
lou lá, assim, para todo mundo ver.

Embora não tivesse nenhuma culpa direta pelas mortes, Meireles, segundo a
compreensão de Afonsinho naquele momento, era o responsável geral pela operação de
atração dos Kararaô, como vinha fazendo desde os anos 1950 com outros grupos kayapó.
Meireles também era o chefe da Inspetoria do spi no Pará na época da epidemia — car-
go que exerceu de setembro de 1964 a novembro de 1967.11
O alto cargo ocupado por Meireles explicaria a noção de Orlando de que um re-
latório negativo poderia criar problemas para o sertanista junto à direção do spi. Meire-
les, que segundo Afonsinho se tornara alvo de críticas de setores do órgão, de fato aca-
baria sofrendo uma prisão administrativa, como veremos adiante. Muitos anos depois,
o filho de Meireles, Apoena, também relatou que o pai quase foi preso pelos militares
logo após o golpe de 1964, tendo sido salvo pela interferência dos irmãos Villas Bôas.12
Pessoas que conviveram com Meireles o descrevem como um ardoroso defen-
sor dos índios, que dedicou sua vida a eles, enfrentou condições das mais adversas e
morreu na pobreza. As mortes dos Kararaô foram fruto das condições gerais de traba-
lho do spi, da carência de dinheiro, de pessoal, de medicamentos e de alimentos. Mas
nunca foram registradas em documento, segundo Afonsinho, em respeito à carreira de
Meireles e por ordem de Orlando.

Os principais estudos sobre o grupo de Kararaô de Porto de Moz foram feitos pelo pes-
quisador Expedito Coelho Arnaud (1916-92) ainda na década de 1970. Em seus trabalhos,
ele também não faz referência direta a nenhum documento do spi ou da Funai que te-
nha relatado as quarenta mortes, mas confirma a epidemia e as perdas humanas. Como
pesquisadores do Museu Goeldi, Expedito e Ana Rita Alves, ambos então bolsistas do
Conselho Nacional de Pesquisas, o cnpq, tiveram acesso aos relatórios produzidos pela

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2a Inspetoria do spi/Funai e fizeram “entrevistas com sertanistas e com vários outros
servidores do órgão”, seus “informantes”.

Na entrevista para este livro, Afonsinho narrou que, junto com a equipe que saiu de Por-
to de Moz com Meireles e Villas Bôas, seguiram no barco três índios kararaô do mesmo
grupo que antes havia sido deslocado para Altamira. Quando chegaram ao local da epi-
demia, “choraram muito”.
“Mas não disseram nada, não culparam os ‘civilizados’?”, eu quis saber.
“Não disseram nada, não. Deixaram pra lá. Só fizeram chorar mesmo.”
“E dos que escaparam, há algum vivo?”
“Se acabou. Em Bacajá morreram todos.”

Cotrim disse ter se dado conta de que os contatos com mortes por epidemias mal con-
troladas não eram uma raridade do spi, na verdade eram muito comuns. Ficou aba-
lado, mas, em vez de desistir, achou que deveria permanecer no trabalho indigenis-
ta porque “esse sistema tem que mudar”. Ele nem era funcionário do spi, mas a partir
dali decidiu que, assim que retornasse a Belém, tentaria ser contratado. Na capital pa-
raense, Cotrim passou a frequentar o Museu Goeldi, para ler todo tipo de monogra-
fias e relatórios do spi que falassem sobre contatos e “pacificação” de índios. Queria
compreender as razões do horror que presenciara. Histórias semelhantes sucediam
ao longo dos anos.
A região de Bacajá foi palco de outro contato do qual participaram Afonsinho e
Meireles. Os índios depois seriam definidos como xikrin, outro subgrupo kayapó. Eles
haviam atacado seringueiros perto de Altamira e o governo pediu que Afonsinho e Mei-
reles fossem para lá. A data exata desses fatos não é precisa na memória de Afonso —
ora ele a situa no final dos anos 1950, ora “com certeza” na época da ditadura. A equipe
tinha treze participantes, incluindo cinco Kayapó. Após uma caminhada de vários dias,
seguindo uma picada deixada pelos índios, a expedição os encontrou. Devido a um pro-
blema na perna, causado pela queda de um cavalo, que o obrigava a manquitolar, Mei-
reles foi de barco, pelo rio. Afonso contou 155 índios no primeiro contato. Pouco depois,
segundo ele, a equipe do spi pegou cinco desses índios e os levou para Altamira. Quando
regressaram à aldeia, estavam todos doentes de gripe e contaminaram todo o grupo, que
se dispersou pela mata e impediu um trabalho de combate à epidemia.
“Aí, pronto, aí morreu [gente]. Ficaram só 95.”
“Então morreram sessenta índios xikrin?”, indaguei.
“Morreram. Isso aí eu vi. Teve dia que amanhecia dois, três mortos. Eu vi lá

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no Bacajá. […] Não tinha medicamentos, morreu quase todo mundo. Quando [Meireles]
mandou buscar remédio, era tarde. Altamira mandou enfermeiro, mas já tinham mor-
rido. […] Eu sepultei quase todo mundo.”
“E nesse caso foi feito um relatório?”
“Não, quem fazia [relatório] era outro colega, o Costa. Não sei [se ele fez]. Não
se fazia, não.”
“Por que não se fazia relatório?”, eu quis novamente saber.
“Morria e o pessoal não dava atenção. […] Não existe documento sobre isso.”

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2. UM VAZIO

a mais de 1600 quilômetros de porto de moz, outro drama começou a se desen-


rolar, de novo desconhecido da opinião pública e que só veio à tona em toda a sua di-
mensão muito tempo depois. Corria 1966, dois anos depois do golpe militar, e os pro-
prietários de uma fazenda próxima à cidade de São Félix do Araguaia, em Mato Grosso,
estavam às voltas com um grupo de índios xavante que viviam ali — como foi fartamen-
te comprovado — muito antes de os “civilizados” chegarem.
O destino desses Xavante começou a ser traçado em julho de 1965, quando o
governo militar anunciou pela imprensa que o presidente, o general Castello Branco,
enviaria no mês seguinte ao Congresso um amplo programa de reformulação da política
de “valorização econômica da Amazônia”.1
Castello Branco conhecia a região. No final dos anos 1950, era o comandante
militar da Amazônia, em Manaus, quando pôs em prática uma grande manobra militar
que envolveu “deslocamentos fluviais, operações na selva, reconhecimentos de frontei-
ras, transporte de toneladas de cargas e munições”. O general em pessoa visitou cada
guarnição da região.2
A tese de que o Exército deveria liderar um esforço nacional de “ocupação” da
Amazônia era recorrente entre os militares desde, pelo menos, o final do século xix, quan-
do o primeiro presidente da República, o marechal Deodoro da Fonseca, pregou a “funda-
ção de colônias nacionais” no vasto território do atual estado do Amapá, de forma a uti-
lizar “terrenos férteis, hoje inteiramente inertes, para a formação da riqueza nacional”.
Nesse processo, caberia ao índio, considerado um “estorvo”, o papel de trabalhador braçal.

Muito recomendável é também a catequese das tribos indígenas que em gran-


de número vagueiam pelas nossas regiões desertas, e que, não raramente, in-
vadem terras cultivadas, devastam-nas e assim estorvam o trabalho agrícola
da população civilizada. Cumpre envidar esforços para abrandar-lhes os cos-
tumes selvagens e, quanto possível, atraí-las ao trabalho.3

23

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***

A história da relação dos militares brasileiros com os indígenas na Amazônia foi, des-
de o começo, marcada por grandes incompreensões, tensões e violência. Um herói do
Exército, o português Pedro Teixeira, nascido em 1587, é celebrado ainda hoje entre os
militares como um símbolo da luta pela soberania nacional por ter combatido a invasão
de europeus na Amazônia. Mas ele também participou de expedições de guerra con-
tra os Tupinambá, deixando algumas aldeias “em cinzas”, e comandou ataques a índios
para transformá-los em escravos. A missão geral das expedições militares de então era
“amansar” os índios. As tribos que resistissem “eram consideradas tão inimigas quanto
os ingleses, holandeses ou franceses”.4
Por outro lado, deve-se a um grupo de militares, encabeçado pelo marechal
Rondon, mato-grossense de Mimoso formado pelo Exército no Rio, a introdução de uma
visão mais humanística e solidária, de respeito aos índios. O spi surgiu em 1910 como
um orgulho da parte da oficialidade brasileira ligada ao positivismo e foi dirigido em vá-
rios momentos de sua história por militares, alguns ex-colaboradores da Comissão Ron-
don, criada para construir as linhas telegráficas que ligariam Mato Grosso ao Amazonas.
Rondon resumiu numa frase aquilo que os funcionários do spi deviam seguir à
risca no contato com os índios: “Morrer se preciso for, matar nunca”. O lema moldou uma
consciência que estimulou gerações de heroicos homens e mulheres a trocar o conforto
das cidades pela vida ao lado dos índios em regiões insalubres e perigosas. Muitos mor-
reram pelas mãos dos próprios índios que defendiam. A história de 57 anos do spi é farta
em arriscadas aventuras e massacres de grupos inteiros de funcionários que se recusa-
ram a atirar contra os índios, pagando com a própria vida o lema de Rondon.
O spi, porém, vivia uma contradição desde o nascimento. Foi criado com o ob-
jetivo de proteger os índios, porém ao mesmo tempo prepará-los para se tornarem par-
te da “comunhão nacional”, ou seja, virarem trabalhadores ou produtores rurais. Ao agir
assim, operava contra a cultura, a história e a organização desses grupos. O primeiro
nome do spi, aliás, foi spiltn, Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalha-
dores Nacionais. Para não haver dúvidas sobre o espaço que cabia ao índio nesse plano
governamental, o órgão era vinculado ao Ministério da Agricultura.
Depois tida como burlesca e sem sentido, a visão de que o índio poderia se tor-
nar um agricultor “produtivo” por uma simples decisão dos “civilizados” na época de
criação do spi representava, a rigor, um avanço em relação a um passado próximo. Cem
anos antes, o então príncipe d. João vi havia emitido cartas régias que declaravam guerra
total e escravização dos índios botocudos de Minas Gerais e dos “bugres” de São Paulo e
de Goiás. Esses papéis, de autoria inquestionável, são a prova documental de uma políti-
ca de extermínio que, um século depois, se tornaria inconcebível para os padrões do spi.

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Após o golpe de 1964, os militares retomaram antigas ideias de “ocupação” da
Amazônia, muitas vezes sem deixar claro qual seria o papel do índio nesse cenário. Em
sua Geopolítica do Brasil, escrita nos anos 1960, o general Golbery do Couto e Silva, um
dos protagonistas do golpe de 1964 e criador do sni, definia a larga porção “a oeste”, in-
cluindo a Amazônia — que chamou de “deserto verde” —, como “o simples domínio, o
Brasil marginal, inexplorado em sua maior parte, desvitalizado pela falta de gente e de
energia criadora, e o qual nos cumpre incorporar realmente à nação”.
Resumindo sua “ideia de manobra geopolítica para integração do território na-
cional”, Golbery propunha três linhas de ação: ligar o Nordeste e o Sul “ao núcleo central
do país”; “impulsionar o avanço para noroeste da onda colonizadora, a partir da plata-
forma central”; e “inundar de civilização a hileia amazônica, a coberto dos nódulos fron-
teiriços, partindo de uma base avançada constituída no Centro-Oeste”. 5
Com o golpe, os militares tinham meios para pôr em prática um plano de “ocu-
pação” de maior fôlego. Havia no ar várias ideias. A mais absurda era a criação de um
certo “Grande Lago Amazônico”, que previa a construção de uma barragem no rio Ama-
zonas para inundar milhares de hectares “de terras baixas”, criando “um verdadeiro
mar amazônico, permitindo uma navegação em larga escala”. Nada menos que 29 cida-
des desapareceriam, incluindo Manaus e Santarém.6 A macabra proposta ficou como
um delírio.
Em dezembro de 1966, Castello Branco reuniu em Belém boa parte da cúpula
do governo, empresários e industriais para anunciar a “Operação Amazônia”, um con-
junto de medidas que pretendia criar “condições para o povoamento” da região, que se
tornou nada menos que “um imperativo da própria segurança nacional”.7
Da série de medidas anunciadas, três se destacavam: a criação da Superinten-
dência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) em substituição à Superintendência
do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (spvea), a abertura de linhas de finan-
ciamento nas áreas de agropecuária e serviços e a formação de um Fundo de Valorização
Econômica da Amazônia mantido com receitas tributárias da União, estados e muni-
cípios. No ano seguinte, surgiu um componente ainda mais atraente para os empresá-
rios: um generoso esquema de abatimento no Imposto de Renda. Sistema semelhante já
existia desde o governo Goulart para a região Nordeste. Os militares o ampliaram para
a região amazônica, permitindo o abatimento, para os dezesseis anos seguintes, de 50%
dos impostos para os empreendimentos que já estavam instalados e 100% para os que se
instalassem até o fim do exercício financeiro de 1971.8 As medidas valiam para uma vas-
ta região que englobava os estados do Acre, Pará e Amazonas, os territórios do Amapá,
Roraima e Rondônia e parte dos estados de Mato Grosso e Goiás.9 Mais tarde o alcance
do programa seria ampliado, atingindo cerca de 5 milhões de quilômetros quadrados,
ou 60% do território nacional. Em junho de 1969, em uma palestra à Escola Superior de

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Guerra (esg), o então ministro do Interior, Costa Cavalcanti, declarou que a ocupação da
Amazônia teria que ser feita “de maneira racional e duradoura, do Sul para o Norte, par-
tindo de Mato Grosso”.10
A tentativa de “ocupar” a região estava em consonância com o ultrassecre-
to Conceito Estratégico Nacional, elaborado pela Secretaria-Geral do Conselho de Se-
gurança Nacional (csn) e entregue em março de 1969 pelo general de brigada Jayme
Portella de Mello ao então chefe do sni, o general de divisão Emílio Garrastazu Médi-
ci, que se tornaria presidente da República em outubro daquele ano. O documento,
que permaneceu sigiloso na Presidência da República até 2006, apresenta o conjun-
to de diretrizes que deveriam nortear as ações da ditadura. Estipulou como uma das
metas o

desenvolvimento de uma política ordenada de expansão e distribuição espa-


cial da população, orientada e dirigida para a exploração do potencial de recur-
sos naturais do país, em setores prioritários ou em regiões selecionadas, bem
como para a ocupação racional e efetiva do território nacional.11

Ao longo das 45 páginas do documento, não há palavra sobre os índios.

O programa de incentivos atraiu a atenção de empresários do Sul e do Su-


deste. Para tirar os projetos do papel, porém, os sulistas precisavam de terras boas e
baratas, e quem possuía títulos de algumas dessas propriedades eram os colonizado-
res mais antigos, que haviam chegado antes da ditadura. Um dos principais em Mato
Grosso era Ariosto da Riva, nascido em Agudos (sp), que ajudou a fundar inúmeras ci-
dades do estado, como Naviraí, Alta Floresta, Apiacás e Paranaíta. No início dos anos
1960, Riva também havia adquirido porções de terra perto de São Félix do Araguaia,
que somavam 690 mil hectares banhados por quatro rios.12 O grupo empresarial da fa-
mília de origem italiana Ometto, do interior paulista, associou-se a Riva para montar
na região uma imensa fazenda de gado, batizada de Suiá-Missu, em referência a um
rio. O empreendimento recebeu forte apoio da Sudam, tornando-se, em extensão, o
maior dos projetos apoiados pela superintendência e o segundo em valores nominais
de incentivos fiscais.13
O Grupo Ometto ampliou com rapidez as derrubadas de mata na região.14
Nessa época, havia duas aldeias na área da fazenda, uma com 180 Xavante e outra
de nome Marãiwetsede, com 130 índios. Os dois grupos acabaram unificados numa
aldeia perto da sede da fazenda, que já vivia uma agitada rotina com mais de sete-
centos trabalhadores rurais atuando em destocamento e construção de uma pista
de pouso.15

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Um dos funcionários do Grupo Ometto era um jovem paulista chamado Dario
Carneiro, que desde pequeno “sonhava em conhecer uma vida selvagem, conhecer o ín-
dio, lia muito todos os livros da biblioteca”.16 Ele se tornaria no futuro uma peça funda-
mental para a compreensão da história.
Por volta de março de 1966, aos 23 anos, Dario chegou de avião à fazenda. Ne-
nhum Xavante falava português, alguns andavam nus e outros usavam calção, e nin-
guém da fazenda falava o xavante. Dario se tornou próximo dos índios e aprendeu a fa-
lar a língua deles. Os administradores da fazenda lhe deram a tarefa de lidar com todos
os “problemas” que envolvessem os índios. Eles estavam ali havia muitos anos, segundo
Dario, “já eram os únicos habitantes da região, até a serra do Roncador, antes que outras
pessoas lá chegassem”.17
A princípio era boa a relação entre os índios e a administração da fazenda. Mas
em determinado momento houve a decisão de afastá-los da sede da propriedade. Eles
foram levados para perto do rio Tapirapé, a cerca de vinte quilômetros da sede. Dario
passou a frequentar o local, “prestando assistência”.
A situação dos Xavante começou a preocupar os padres da Missão Salesiana de
São Marcos, em atividade desde 1918 nas proximidades da cidade de Barra do Garças e a
cerca de seiscentos quilômetros de Suiá-Missu. Um deles era Bartolomeo Giaccaria, ou-
tro era Pedro Sbardelotto, ambos italianos. O primeiro contou depois que os índios na
verdade estavam numa região de “varjões […] sem condições de sobrevivência, inunda-
das nas épocas de chuva”, e sem água potável. “Os índios foram acometidos de várias
doenças, chegando a morrer de dez a doze adultos em um ano.”18
Essa mortalidade jamais foi revelada pelo spi na época, sendo um dos tantos
segredos da ditadura no campo indígena. O órgão, que deveria proteger os índios, sim-
plesmente inexistia naquela região. Os donos da fazenda decidiram então convencer
os índios, os padres salesianos e o spi a providenciar uma transferência de todo o gru-
po para São Marcos. Remoção semelhante seria impensável num ambiente democráti-
co e com melhores práticas indigenistas em vigor após o fim da ditadura, que preveem
a manutenção dos grupos indígenas em seus espaços imemoriais, com a consequente
demarcação das suas terras. Em 1966, contudo, a mudança dos índios foi tratada como
algo tão natural quanto uma viagem turística. Para não restarem dúvidas sobre o cará-
ter oficial da remoção, o spi fez uma autorização por escrito.

Pela presente, fica autorizada a Missão Salesiana São Marcos a transportar ín-
dios xavantes da aldeia próxima a São Félix, Mato Grosso, até aquela missão,
desde que os mesmos assim o desejem, ficando a permanência dos referidos
índios condicionada à vontade dos mesmos.19

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O papel, de 11 de julho de 1966, foi assinado não por um simples agente do spi
na região, mas sim por Nilo Oliveira Vellozo, o chefe da Sassi, principal setor de assistên-
cia ao índio do spi em Brasília.
Tempos depois, o antropólogo Darcy Ribeiro qualificou essa remoção como
“uma espécie de pogrom”.20

A autorização do spi era na prática um cheque em branco aos fazendeiros, pois ligava os
índios a decisões que eles não tinham capacidade de tomar, já que integravam um gru-
po de contato recente, que mal falava o português, como confirmou Dario. Eles se viram
presas fáceis de promessas mirabolantes de um futuro glorioso. Um dos trunfos da fa-
zenda para a transferência foi convencer um Xavante, Tibúrcio, cacique da aldeia Ire’Pa,
de que os índios corriam risco de extinção se continuassem nos varjões. Dessas conver-
sas participou o proeminente sertanista Orlando Villas Bôas, que também manifestava
preocupação com as mortes e o futuro do grupo.

Não é de estranhar a presença de Villas Bôas nessas negociações. Ele e seu irmão Cláu-
dio haviam feito transferências de outras etnias para o Parque do Xingu e também con-
sideravam que, para preservar um grupo de um risco iminente, para evitar mortes, de-
veriam ser feitas remoções. Na mesma época da crise com os Xavante, Orlando estava
de olho nas condições de um grupo de índios ikpeng, também chamado de “txicão”. O
sertanista havia localizado os índios após um sobrevoo realizado em outubro de 1964,
portanto já sob a ditadura. Os Ikpeng foram vistos rondando roças de duas aldeias de ín-
dios situadas dentro do Parque do Xingu, mas habitavam uma área ao longo do rio Ja-
tobá, fora dos limites do parque. Após um contato em que correram riscos, Orlando e
Cláudio decidiram transferir os Ikpeng. Eles atestaram que grupos de garimpeiros se
aproximaram dos índios, pondo-os em perigo. “A solução, para não assistir ao desapa-
recimento de mais uma nação indígena, foi planejar que se internassem na área do par-
que, trazê-los para dentro do posto. Ficariam sob a nossa guarda e vigilância.”21
Em 1966, Orlando adotou a mesma estratégia de remoção dos índios kayabi que
habitavam as margens dos rios Teles Pires e dos Peixes. Eles sofriam com as doenças
e ataques de seringueiros e fazendeiros. “Vinte anos atrás teve uma doença muito for-
te, que chama sarampo. Ela acabou com quatro aldeias e nessa época não tinha médico
nem monitor [de saúde]. Daí eu perdi minha mãe e meu irmão. Nós perdemos 130 pes-
soas. Isso é muito triste e pouca gente sobreviveu”, escreveu Aturi Kayabi em 1990 para
uma pesquisa da Universidade de São Paulo (usp).22 Sabino Kayabi, nascido por volta de
1925, narrou que “dentro de duas semanas, morreram 198 pessoas”.

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O ambiente do entorno das aldeias era de extremo perigo. Sabino narrou que
três seringueiros assediaram sexualmente índias, incluindo sua mulher, quando um
grupo de Kayabi passou uma noite no acampamento deles na região. Ao ser informa-
do sobre a acusação, o chefe dos seringueiros, Bernardino, pediu no dia seguinte que os
homens “que mexeram com as índias” se apresentassem. Sob a mira de um revólver e
ao lado de Sabino, Bernardino levou os três para a selva e os obrigou a cavar três bura-
cos. Após abrirem suas próprias sepulturas, os três foram mortos com tiros na cabeça,
na frente do índio. Um recebeu um tiro na testa quando ainda fazia o sinal da cruz. Ber-
nardino pediu que Sabino relatasse o que se passou para todos os Kayabi e sua mulher.23

Segundo os índios, os Villas Bôas foram acionados por um padre, preocupado com o des-
tino do grupo. Canísio Kayabi escreveu em abril de 1981 que primeiro um grupo de dez
índios kayabi, dentre os quais o líder Prepori, chegou ao Parque do Xingu.24 Após consul-
tá-los, os Villas Bôas decidiram trazer as outras famílias e, para isso, pediram ajuda a Bra-
sília, que enviou uma equipe da Aeronáutica. Os militares abriram picadas e uma pista
de pouso perto de uma trilha, aberta antes pelos sertanistas, que dava acesso às aldeias
kayabi. Os dez Kayabi e os Villas Bôas convenceram os outros índios a se mudar. Sabino e
sua família foram a pé, com Prepori carregando uma criança nas costas. No meio do ca-
minho passaram “mal de fome, comida nós não encontrávamos nada”. Em seguida vie-
ram outras famílias. Uma parte dos índios do rio dos Peixes, contudo, decidiu ficar.
Os Xavante de Marãiwetsede agora também estavam prestes a ser removidos.
Outro padre salesiano de São Marcos, Mario Ottorino Panziera, reconstituiu anos de-
pois todo o processo da decisão governamental. Seu relato demonstra mais uma vez que
a operação passou por altos escalões do governo, não se tratando de uma atitude volunta-
rista de algum servidor. Panziera esteve em conversas frequentes com o empresário Her-
mínio Ometto e ambos decidiram recorrer à ajuda de aviões da Força Aérea Brasileira
(fab). Foram ao Rio de Janeiro, onde falaram com ninguém menos que o ministro da Ae-
ronáutica, brigadeiro Eduardo Gomes, que consultou sua assessoria e autorizou o trans-
porte. Na primeira viagem, o avião da fab levou 54 índios, entre adultos e crianças. Os ín-
dios “foram ‘aglomerados’ e o sargento passou em volta deles um único cinto”,25 disse o
padre. As demais viagens ocorreram entre uma semana e dez dias depois da primeira.
Meses após a transferência, Dario Carneiro foi procurado com urgência pela
administração da fazenda. A ordem era ir na mesma hora para São Marcos. Dario teste-
munhou uma tragédia.

Os índios que tinham mudado para lá, que vieram de Suiá, de Marãiwetsede,
estavam todos doentes, todos deitados, ocupando áreas da igreja, da escola, da

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missão, deitados no chão, forrado com folha de palmeira, mulheres, crianças,
pele e osso, muito magros. Tinha dado uma epidemia de sarampo e nos dias
que eu passei com eles ali, numa semana morreram setenta.26

Os Xavante de São Marcos foram mobilizados pelos padres para tentar controlar a epi-
demia. Um deles era Pio, que disse ter 85 anos em 2015, quando o entrevistei durante
uma viagem que fez a Brasília. Filho do cacique Erebê’uá, Pio afirmou que eram tantos
corpos que foi necessário transportá-los em uma carreta puxada por um trator e despe-
já-los numa cova comum. Ele ajudou a cavar o buraco.
“Quantos índios morreram até o final da epidemia?”, eu quis saber.
“Parece que cem. Junto com criança também.”
Pio disse que o surto começou por volta de cinco semanas depois da chega-
da dos índios de Marãiwetsede. Ele acredita que eles não foram vacinados, embora São
Marcos já tivesse sido foco de outro surto da mesma doença, anos antes. “Eu não esque-
ço. Eu tenho muita dor no coração. Coitados. Por que sarampo fazer assim? Tudo crian-
ça. Bebê, coitado, morreu muito.”27

O número correto de mortes talvez jamais seja conhecido, mas é certo que atingiu vá-
rias dezenas. Dario testemunhou setenta em apenas uma semana. O padre Panziera
afirmou que a doença se alastrou por Xavantes de São Marcos, matando “cerca de 20%
da população xavante lá existente, tanto dos que vieram da fazenda Suiá-Missu como os
que já se encontravam em São Marcos”.28 Ele calculou em quinhentos ou seiscentos Xa-
vante na missão e cerca de duzentos oriundos de Suiá-Missu, o que indica de 140 a 160
mortos na epidemia. Giaccaria disse que vieram de Suiá-Missu trezentos índios, que
“pouco depois foram acometidos pelo sarampo, causando a morte de cerca de cem de-
les”.29 O médico Noel Nutels, em depoimento no Congresso Nacional em 1968, relatou
que nos dois primeiros meses “morreram noventa índios de sarampo”.30 Já um relató-
rio assinado pela antropóloga Isa Maria Pacheco Rogedo, diretora interina da Diretoria
de Assuntos Fundiários da Funai, datado de 1992, indicou um total de “83 mortos”.31 Ela
citou como fonte de referência um livro de 1977, de autoria de Shelton Davis, diretor do
Centro de Pesquisas Antropológicas em Cambridge, Massachusetts, nos Estados Uni-
dos, que por sua vez refere documento produzido pelo bispo dom Pedro Casaldáliga, da
prelazia de São Félix do Araguaia.
O pai do cacique Damião Paridzané morreu na epidemia. Nos anos 1990, Da-
mião confirmou às antropólogas da Funai Patrícia de Mendonça Rodrigues e Iara Ferraz
que eram tantos corpos que a missão precisou da ajuda de um trator para transportá-los

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até o cemitério. Na confusão, quatro crianças xavante foram dadas como desaparecidas
pelos pais, com a suspeita de que tenham sido dadas a “civilizados”. “Cento e sessenta
[mortos]. O padre Pedro falou cento e pouco; mestre Mário falou em Cuiabá também
que foi 150. Meu pai, logo que chegou, pegou a doença e ficou sofrendo dois dias. […]
Morreu dois dias depois.”32
Com base nesses registros, é possível calcular que de setenta a 160 índios xa-
vante pereceram em decorrência de uma transferência mal planejada, autorizada mas
não acompanhada pelo spi, que não levou em conta e não se preveniu de modo adequa-
do sobre o risco da epidemia. A vacina contra o sarampo já existia em outras partes do
mundo, mas só foi introduzida no Brasil “no final da década de 1960 (1967-8), porém sua
utilização era de forma descontínua”.33 Mas a transferência em massa, a aglomeração de
índios nos mesmos espaços e os novos contatos do grupo de Suiá-Missu com diversos
“civilizados”, como a tripulação dos aviões, podem ter disparado e agravado a epidemia.
Não há sinal, nos principais jornais da época, de que o spi tenha dado publici-
dade a essas mortes. Uma nota curta no jornal O Globo de 12 de setembro de 1966 fala
apenas que um “surto infeccioso” atingiu índios xavante nas localidades de São Marcos
e Sangradouro e que o governo federal enviou remédios para a região.

Passada a epidemia, os sobreviventes tentaram várias vezes regressar a Marãiwatsede,


sem sucesso. Um grupo chegou a caminhar até Suiá-Missu para pedir o apoio de Dario.
Ele levou o pedido à direção da fazenda, que, contudo, disse não ser mais possível o re-
torno dos índios, uma vez que haviam “concordado” em ir embora.
Na ausência dos índios, Marãiwetsede foi toda repartida. Dois centros urbanos
nasceram, primeiro a cidade de Alto Boa Vista, depois a vila de Posto da Mata. A madei-
ra foi retirada em larga escala e os posseiros permaneceram na região, na expectativa de
conseguir um pedaço de terra.
Tempos depois, o antropólogo Mércio Gomes disse que a transferência dos Xa-
vante foi “uma prova explícita, com a conivência do órgão indigenista, de usurpação de
terras indígenas”.34

Os Xavante não ofereceram resistência, mas o regime militar assistiu, naqueles mesmos
dias, à irrupção de uma rebelião entre os índios maxacali na divisa entre Minas Gerais
e Bahia, que os jornais logo chamaram de “guerra”. Em meio a uma crise de alimentos,
os índios começaram a atacar e matar o gado de fazendas vizinhas. Também questiona-
ram os baixos preços pagos pelos arrendatários de suas terras. Por fim, insurgiram-se
contra uma tentativa de fazendeiros de, por meios judiciais, reduzir a área indígena da

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aldeia do Pradinho.35 Cerca de 350 guerreiros fabricaram arcos, tacapes e “flechas enve-
nenadas”, segundo relatou um engenheiro agrônomo.36
O spi era incapaz de fazer frente à crise. A ajudância em Minas Gerais havia
sido criada em janeiro de 1966, mas até maio funcionou “provisoriamente” num hotel
de Teófilo Otoni (mg), o Rex. Depois de reclamar, o chefe conseguiu um lugar empres-
tado pela prefeitura, “uma pequena sala de madeira compensada, sem instalação sani-
tária, sem água, em prédio velho e condenado, sem móveis e utensílios”. O spi não tinha
nenhum funcionário, com exceção do chefe, que dirigia a si próprio nas funções de “da-
tilógrafo, escrevente, motorista, contínuo e servente”. A ajudância era responsável por
uma vasta área de dois estados, onde funcionavam quatro postos indígenas maxacali,
pataxó e krenak.37
O quadro era terrível nesses postos. No Mariano de Oliveira, que atendia 269
índios, “não houve produção” alguma no começo de 1966, gerando “escassez de gêneros
alimentícios” e constantes denúncias de que os índios atacavam e matavam o gado dos
produtores vizinhos. Em novembro, eles foram atingidos por “uma forte gripe”, além de
ter havido muitos casos de verminose. Em março de 1967, os índios das aldeias Pradi-
nho e Água Boa entraram “em choque sangrento”, ocasionando “quatro mortos e dois fe-
ridos”. O encarregado do posto disse que os índios “continuam promovendo desordens,
atacando e roubando gado e plantações dos arrendatários e vizinhos. Alegam estar com
fome”.38 Em abril, “todos os servidores” do posto Mariano de Oliveira “foram atacados
pelos índios”.39
O enfrentamento do levante indígena primeiro ficou sob os cuidados do gene-
ral de exército Dióscoro Gonçalves Vale, comandante do id/4, a sede militar do Exército
em Belo Horizonte, que depois enviou à região o capitão da Polícia Militar de Minas Ge-
rais Manoel dos Santos Pinheiro. Este reconheceu haver um quadro “de completo aban-
dono” no posto do spi.

Os índios sem assistência e um clima de apreensão devido a bebedeiras e as-


saltos praticados pelos mesmos; os índios roubavam e assaltavam premidos
pela fome e miséria; não tinham condições de trabalho devido a seus péssimos
estados de saúde, pela falta de ferramentas, sementes, sobretudo, pela espolia-
ção de suas terras, arrendadas a preços vis.40

Uma unidade da Polícia Militar de Minas, a Polícia Rural, “assumiu o controle


da administração do posto indígena”, configurando uma intervenção no ineficaz spi.41 O
atendimento aos índios melhorou e a tensão diminuiu.
Passado pouco mais de um ano da rebelião, o coronel Hamilton Castro, dire-
tor do spi, disse que o órgão investigou o assunto e concluiu que os valores pagos aos ín-

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dios pelos arrendamentos eram de fato “irrisórios”. “Essa agressividade dos indígenas,
segundo ficou verificado, era devida à situação de fome em que se encontravam, alegan-
do que todas as terras haviam sido arrendadas, por preços ínfimos.”42
Tensão semelhante se instalou na região de Vilhena, no antigo território fede-
ral de Rondônia. Em março de 1965, um grupo de índios cinta-larga da região do Riozi-
nho, a cerca de sessenta quilômetros de Vilhena, se aproximou de uma vila localizada a
três quilômetros de um destacamento da fab. Um sargento e um motorista foram agar-
rados por eles, que, após liberá-los em seguida, voltaram para a mata.43 Nilo Vellozo, che-
fe do principal setor do spi, que autorizara a remoção dos Xavante em Marãiwetsede,
disse à imprensa que enviaria uma equipe para manter contato com os índios. Em maio
de 1966, contudo, um grupo de indígenas retornou ao destacamento e dessa vez o resul-
tado foi sangrento. Eles mataram a flechadas um funcionário do Departamento de Cor-
reios e Telégrafos e feriram outras duas pessoas. Alegando que os Cinta-Larga comiam
carne humana, os moradores da vila teriam estendido o corpo no meio da vila como
“isca” para atraí-los e perpetrar uma vingança, mas foram demovidos do plano por um
militar do 5o Batalhão de Engenharia e Construção.44 O Exército e a Aeronáutica “deslo-
caram contingentes” para a região.45 Temendo um massacre, o spi enviou à região um
agente. O contato oficial com esse grupo de índios só seria efetivado três anos depois.

A crise dos Maxacali, a fatídica transferência dos Xavante, as remoções dos Ikpeng e
Kayabi para o Parque do Xingu, os atritos sem solução com os Cinta-Larga: tudo isso
concorria para a sensação de que o spi, após o golpe militar de 1964, pouco mudara em
relação ao antigo spi. Havia vários sinais de que os índios aldeados continuavam “vege-
tando”, na expressão do coronel Moacyr Coelho, que dirigiu o órgão de 1961 a 1963. Em
agonia, o spi caminhava para a implosão.

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3. ESCÂNDALO

uma justificativa dos conspiradores que deflagraram o golpe de 1964 era a ale-
gada necessidade de moralizar a administração, reforçando a acusação de que os civis
seriam incapazes de gerir a máquina pública. O artigo 8o do Ato Institucional no 1, de 9
de abril daquele ano, baixado pelos comandantes das três Forças (o general Arthur da
Costa e Silva, o tenente-brigadeiro Francisco de Assis Correia de Mello e o vice-almiran-
te Augusto Rademaker Grünewald), comparava o crime contra o Estado ou seu patrimô-
nio à deflagração de “atos de guerra revolucionária”.
Logo após a deposição de Goulart, a ditadura mandou abrir inúmeros inquéri-
tos, chamados de Inquéritos Policiais Militares (ipms), em vários setores da administra-
ção federal. Tanto o spi quanto o seu órgão superior, o Ministério da Agricultura, foram
alvo de investigações semelhantes. Estranhamente, contudo, nenhum resultado sobre o
spi foi tornado público até 1967. Todos os principais agentes do serviço investigados em
uma cpi do Índio pró-fazendeiros de 1963, aberta no Congresso Nacional, continuaram
influentes e ocupando cargos de chefia no spi. O agente do spi que havia sido acusado
pela igreja de Guajará-Mirim, em Rondônia, de omissão na trágica epidemia dos índios
pacaá-novo tornou-se um dos nove inspetores do órgão no país.
Ministro da Agricultura do primeiro governo militar, o general e ex-governa-
dor do Paraná Ney Braga chegou a anunciar uma comissão para “reorganizar” o spi e
mudar a legislação a ele relativa, mas nada saiu do papel.1 O que só seria conhecido de-
pois é que o próprio ministro deu a sua parcela de colaboração para a desmoralização do
órgão. Em junho de 1966, o então governador de Mato Grosso, Pedro Pedrossian, enviou
uma carta a Braga para formalizar negociações que vinham sendo feitas entre o governo
do estado e o ministério. Pedrossian queria obter, pelos “interesses do desenvolvimen-
to” do estado, 35 mil hectares do total de 65 mil da área destinada aos índios bororo na
Colônia Teresa Cristina. O governador alegou que seria uma forma de “proteger” a colô-
nia, que abrigava 163 índios. Em troca, explicou, o estado doaria ao spi exatamente “um
trator de pneus, com os respectivos implementos de arrasto”, cem novilhas e dez touros

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reprodutores. Além disso, daria assistência médica aos índios, mas apenas “no que esti-
ver ao alcance dos órgãos do estado de Mato Grosso”.2
A terra indígena Teresa Cristina havia sido demarcada pelo próprio marechal
Rondon no ano de 18953 e as terras estavam incorporadas ao spi desde sua criação, em
1910. A partir de 1952, contudo, o governo estadual passou a conceder títulos de proprie-
dade para colonos dentro da área indígena — sob protestos do spi, que ajuizou contra o
estado uma ação para anular os títulos. O procurador do estado propôs uma suspensão
do processo judicial por sessenta dias, período em que Pedrossian “tentaria uma com-
posição de ordem administrativa, que possa satisfazer as partes”.4
De fato, o acordo entre governo e ministério, que ganhou a eufemística deno-
minação de “convênio”, foi assinado nos exatos termos propostos por Pedrossian. Com
uma só canetada, os índios perderam mais da metade das suas terras em troca de miga-
lhas e promessas. O termo do “convênio” saiu publicado no Diário Oficial de Mato Gros-
so com os nomes de Braga e Pedrossian em 20 julho de 1966. Rapidamente, em agosto,
a Assembleia Legislativa de Mato Grosso decretou, e o governador sancionou, a ratifica-
ção do “convênio”, ao mesmo tempo que tornou definitivos todos os títulos de proprie-
dade rural expedidos pelo estado e que incidiam na terra dos Bororo.5 O acordo também
teve a chancela do Tribunal de Contas da União, em Brasília.
O que a carta de Pedrossian e os termos do convênio não deixaram claro é que
na verdade a área já estava invadida por colonos e com o apoio declarado do governo esta-
dual, que emitia títulos que incidiam sobre os direitos dos índios. O acordo entre estado
e ministério, portanto, procurava acomodar juridicamente um fato consumado e ilegal.
Desde o ano anterior o spi local vinha alertando a direção do órgão sobre a in-
vasão na terra bororo. Depois de passar quatro dias percorrendo os postos indígenas da
área, uma comissão do spi “constatou a veracidade da ocupação das terras, em grande
atividade” de invasores. A comissão calculou um total de mais de 70 mil hectares em tí-
tulos já emitidos pelo governo do estado na região, boa parte dos quais incidindo sobre
a área indígena.
A pressão era grande na região contra o spi e os índios. O noticiário da Rádio
A Voz D’Oeste, segundo uma transcrição feita pelo órgão, dizia que o número de índios
era “inferior a cem” e que seria “comum vê-los embriagados pelas ruas de Rondonópo-
lis, o que demonstra falta de assistência por parte da repartição [spi]”. A rádio conclama-
va que “a Revolução de março, cujos homens propuseram por uma série de coisas nos
devidos lugares, deveriam olhar atentamente para o problema dos fazendeiros do vale
do São Lourenço”.6
Exatamente como pedia a emissora de rádio, com o “convênio” o governo dos mi-
litares dera um golpe violento no território dos Bororo. Em favor dos fazendeiros. Parte
das terras só seria recuperada pelos índios muitos anos depois, com apoio dos salesianos.

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***

Diretor do spi de 1964 a 1966, o major da Aeronáutica Luís Vinhas Neves pelo menos
uma vez admitiu publicamente que o órgão “não estava atingindo os seus objetivos”. Em
abril de 1966, tomou posse o coronel da Polícia Militar do Paraná Hamilton de Oliveira
Castro. Depois ele diria que encontrou o spi “em situação quase que calamitosa”.
Em março de 1967, o general Castello Branco perdeu a disputa interna pelo po-
der e passou a faixa presidencial ao general linha-dura Arthur da Costa e Silva. Ao to-
mar posse, o novo presidente anunciou uma reforma ministerial, na qual o spi passou
para o âmbito do Ministério do Interior, após ter ficado quase trinta anos sob o controle
da Agricultura. Também houve troca no Ministério do Interior, agora ocupado por um
ativo participante do golpe, o general de divisão do Exército Afonso Augusto de Albu-
querque Lima, que no final dos anos 1960 se tornaria um “líder da linha dura” e um dos
maiores críticos de Costa e Silva, sendo candidato à sua sucessão — foi derrotado por
Garrastazu Médici.
Albuquerque Lima era um militar com a cabeça voltada para obras de enge-
nharia, transportes e desenvolvimento nacional. Tanto que, após o golpe, seu primeiro
cargo foi o de interventor da Rede Ferroviária Federal, onde conduziu um inquérito “so-
bre subversão” e afastou 26 funcionários da Estrada de Ferro Leopoldina.7 Da ferroviá-
ria, o general foi para a Diretoria de Vias e Transporte do Exército. Na posse, disse que
trabalhava nos assuntos “relativos ao desenvolvimento econômico da Nação”. Em 1966,
esteve à frente de obras que o Exército vinha fazendo no Norte, “incluindo vários tre-
chos da br-29, rodovia Brasília-Acre”.8
Na cerimônia em que tomou posse como ministro, Albuquerque Lima prome-
teu “impulsionar os órgãos regionais de desenvolvimento”. Sobre a Amazônia, afirmou
que a região “apresenta um problema de grave envergadura, ligada à integridade nacio-
nal, qual seja da ocupação por brasileiros de suas vastas e riquíssimas áreas e de uso
apropriado de suas terras”.9
No mês seguinte, o ministro anunciou estar disposto a lançar uma campanha
“de mobilização nacional para a efetiva ocupação da Amazônia”, que consistiria na “in-
centivação de migrações para regiões do Amazonas que o ministro do Interior procura-
rá desenvolver”.10

Dois meses depois da posse do ministro, o Diário do Congresso Nacional trouxe uma es-
tranha publicação, um resumo dos trabalhos de uma curta cpi do Índio realizada quatro
anos antes, em 1963. Como a comissão não concluíra seus trabalhos dentro do prazo es-
tipulado, fora extinta por força de disposto no Regimento Interno da Câmara. Mas não

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restou esclarecido o motivo de tanto atraso na publicação dos resultados. De qualquer
forma, a partir disso a Casa Civil fez uma comunicação ao Ministério do Interior com “os
resultados das investigações e conclusões daquela cpi”.11 Foi assim que começou a inves-
tigação que culminaria na extinção do spi.
Parte dos fatos já fora investigada por uma comissão instalada pelo tenente-
-coronel Heleno Nunes. Albuquerque Lima decidiu extinguir a primeira comissão, que
tinha um escopo mais tímido, e criou um segundo grupo de investigação. Para chefiá-
-lo, trouxe servidores de fora dos quadros do spi. Instituído por portaria publicada em
julho de 1967, o grupo era chefiado pelo procurador do Estado Jáder de Figueiredo Cor-
reia. Jáder tinha como padrinho político o ex-governador do Ceará Virgílio Távora (1919-
88), de quem fora secretário de Educação12 quando o tenente-coronel, apoiador do golpe
de 1964 e líder da União Democrática Nacional (udn), governou o estado, de 1962 a 1966.
Após deixar o governo, Távora elegeu-se deputado federal pela Aliança Renovadora Na-
cional (Arena), o partido que dava apoio aos militares. Jáder também era irmão do ex-de-
putado estadual do Ceará Joaquim Correia, que, nos anos 1970, se tornou deputado fede-
ral pelo Movimento Democrático Brasileiro (mdb).
Além de procurador do Departamento Nacional de Obras contra a Seca, Jáder
era professor de pedagogia do Instituto de Educação do Ceará. Ou seja, até então não tinha
nenhuma relação com o tema da investigação, como reconheceu depois: “Eu não conhe-
cia o problema indígena, a não ser por leituras esparsas como, acredito, qualquer brasi-
leiro”.13 O que poderia ser um problema, contudo, revelou-se uma virtude, pois ele pas-
sou a olhar com perplexidade procedimentos que já haviam se tornado uma rotina no spi.
Jáder atuou em sintonia não apenas com o Ministério do Interior, mas tam-
bém com o serviço de inteligência criado pelos generais logo após o golpe, o sni. O pró-
prio procurador revelou que “durante todo o nosso trabalho, desde que o iniciamos em
Brasília, fomos muito auxiliados pelo sni. Verdadeiramente, fomos acompanhados em
todos os momentos por elementos do sni que se prestaram a colaborar conosco e nos
ajudaram demais”.14
Suas ligações com Távora e o sni devem ser ressaltadas para prevenir a even-
tual interpretação de que o procurador se “rebelou” contra a ditadura. Na realidade, seu
trabalho foi todo amparado e acompanhado pelos militares. Talvez seus apoiadores não
contassem com a repercussão do resultado final do trabalho, mas Jáder estava longe de
ser um opositor do governo.
Sua comissão, por exemplo, jamais interrogou qualquer pessoa sobre a trans-
ferência dos Xavante de Marãiwetsede, que havia ocorrido apenas um ano antes e pro-
vocado impressionante mortalidade. Também nada falou a respeito da catástrofe kara-
raô nem contestou as decisões do spi de transferir os índios ikpeng e kayabi para dentro
do Xingu. Em relação à chamada renda indígena, a comissão se preocupou com o des-

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controle e a venda do patrimônio, mas jamais contestou o fato de que o dinheiro dos ín-
dios era revertido para um fundo sob o controle da União e não direto para as comuni-
dades indígenas. O procurador tampouco contestou as decisões dos militares de abrir
estradas e picadas na Amazônia sem antes fazer um completo e correto levantamento
dos índios isolados, para prevenir as doenças e mortes que vinham ocorrendo com fre-
quência assustadora nas últimas décadas.
Jáder tinha uma visão contraditória sobre o índio. Conforme reclamaria em de-
poimento à cpi do Índio em 1968, disse que o spi “não estava integrando o índio à civiliza-
ção” e que o índio brasileiro “não foi orientado no sentido de trabalhar”. Afirmou não ter
dúvida: “Considero o índio igual ao nosso caboclo. É apenas questão de educação. Edu-
que-se o índio e teremos um trabalhador como aquele do Posto de Paulino de Almeida”.
Sobre a terra kadiwéu, em Mato Grosso, que ele chamou de “fazenda”, repetiu
os clichês e a visão preconcebida de que o índio não precisa de muita terra para viver.
Ao presidente da cpi, atestou:

Devo dizer a V. Exa. que a fazenda é enorme. Foi calculado que ela tem de 700
[mil] a 800 mil hectares de terra. Não há necessidade de ser toda ela reservada
para o índio trabalhar. Boa parte dela podia realmente ser arrendada. A outra
parte ficaria com os índios.

Ao mesmo tempo, porém, disse “que a política que a Funai [sucedânea do spi] deseja se-
guir é esta de dar ao índio condições suficientes para que ele possa ir vivendo bem no
seu habitat, com seus costumes, à sua própria custa, assistido pelo governo unicamen-
te no que for imprescindível”.
Por falta de tempo e de recursos, a comissão de Jáder também não conseguiu
visitar “muitos locais”, conforme ele reconheceu à cpi. Não visitou os “130 postos do spi,
e sim apenas uns poucos da Amazônia”. Não foi a Goiás nem ao Pará, onde havia “mui-
tas irregularidades”. Jáder calculou que os trabalhos chegaram a apenas um terço do
necessário.
Todas essas limitações, entretanto, estão longe de tornar o Relatório Figuei-
redo uma peça descartável ou desinteressante.15 A comissão tinha a missão de apurar
desvios e comportamentos reprováveis dos funcionários do spi e, seguindo essa trilha,
produziu um documento devastador. A comissão atacou hábitos nocivos havia muito
tempo enraizados no spi, mas relativizados pelas chefias. Isso parece ter incomodado
muitos servidores. O procurador relatou ter recebido “32 ameaças, umas de morte” ao
longo dos trabalhos. Por isso, os membros da comissão receberam porte de arma — Já-
der passou a andar com um revólver Taurus calibre 32.16
O procurador coletou documentos preciosos, como os diversos relatórios en-

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tregues à comissão pelo ex-chefe da 6a Inspetoria do spi, José Baptista Ferreira Filho.
Eles descortinaram um quadro chocante entre os Bororo de Mato Grosso. Pelo menos
trinta índios e índias haviam sido entregues por funcionários do próprio spi não só a fa-
mílias de “civilizados”, mas também a prostíbulos.
Em agosto de 1964, Ferreira Filho escreveu ao coronel Eber Teixeira, encarre-
gado do ipm no spi, para informar que estava “arrecadando os [índios] que estão fora, na
casa de particulares”. Ele encontrou a índia cajabi na casa de um desembargador do Tri-
bunal de Justiça. Havia índias “em outros estados da União, [de] onde foram tiradas sem
levarem em conta os sentimentos humanos dessas creaturas”. Ferreira Filho enviou uma
relação nominal dos índios que haviam sido retirados dos postos “a título de castigo”. Es-
creveu que havia “uma quadrilha” no spi e que um dos servidores, Flávio de Abreu, man-
tinha “sete índios e uma índia, retidos para trabalhos de lavoura”17 em uma propriedade
que possuía em Cuiabá. Segundo Ferreira Filho, as famílias estavam sem notícias sobre o
paradeiro dos parentes, em alguns casos havia mais de três anos.
Os banimentos ocorreram entre 1962 e 1963, mas se estenderam até 1964 e fo-
ram comunicados aos responsáveis pelo ipm do spi já no governo militar. Os relatórios
demonstram que a alegada moralização que os militares prometiam no spi ficou só no
discurso por mais de três anos. Os fatos chegaram à direção do spi em 1964, mas nada foi
feito, nas palavras do próprio Ferreira Filho: “O número de índias e índios fora dos postos
era alarmante. Infelizmente a diretoria não deu a mínima importância”.
Em novembro de 1964, ele escreveu a Nilo Vellozo, da sede do spi:

[Na] verdade o que existia aqui [era] um verdadeiro tráfico humano. Se algum
dia a diretoria quiser verificar in loco, o que escrevi nestas páginas tomará co-
nhecimento de páginas bem mais negras. E você sabe perfeitamente que os fa-
tos relatados por mim são repetições de outros lugares, você mesmo presen-
ciou atrocidades e sei da sua revolta na ocasião.18

Episódio igualmente degradante viveu a índia bororo Rosa. Segundo depoimentos cole-
tados pela comissão de Jáder, ela foi “entregue” por Flávio de Abreu a um vizinho “civi-
lizado”, Seabra. Em troca, Seabra construiu um fogão de barro na fazenda Santa Tere-
zinha, que pertenceria ao servidor do spi. A mulher de Ferreira Filho, Juracy, também
servidora do posto, contou que Rosa foi escolhida “por meio de uma seleção feita entre
as meninas índias que frequentavam” a escola do posto. Flávio mandou que as índias fi-
cassem em pé numa sala de aula, e Seabra fez a escolha. Após a entrega, o pai da meni-
na teria feito reclamações a Flávio, que por isso lhe ordenou “uma surra”, aplicada pelos
índios Otaviano Aiepa e Cojiba. Depois que Seabra concluiu o fogão, devolveu a índia.

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Ao chegar com o marido ao posto indígena Couto de Magalhães, em 1961, Ju-
racy disse ter achado estranha a “inexistência de crianças índias” e que a mortalidade
infantil fosse tão “grande”. Foram apurar as causas e ouviram que Abreu “obrigava as
mulheres índias ao cumprimento de tarefas rurais, impossibilitando as mesmas de cui-
darem de seus filhos recém-nascidos; as mães não dispunham de tempo sequer para
amamentar seus filhos”. Os índios eram alimentados apenas com “grãos de milho seco
e mamão verde cortado em pedaços”, embora produzissem “grande quantidade de fari-
nha de mandioca”, que era vendida e controlada pelos servidores do spi. Como comiam
mal, problemas de saúde eram frequentes. Em certa ocasião, disse Juracy, um índio bo-
roro contraiu tuberculose. O chefe do posto então o obrigou a usar um chocalho no pes-
coço e uma lata perto da boca “para não contaminar a família” do servidor. “Proibindo
que se prestasse qualquer assistência ao índio doente, inclusive o alimentasse; esse ín-
dio veio a falecer dias após, em completa inanição.”
As índias mais jovens eram “examinadas” por um homem do spi, sob alegação
de que procurava “doenças venéreas”, mas sempre à noite, na sala do “serviço médico”
do órgão. Em outro posto, o Fraternidade Indígena, um garoto da etnia umutina chama-
do Lalico resolveu romper as regras do spi e vendeu por conta própria, no comércio de
Barra do Bugres, cinco quilos de ipecacuanha, uma planta também conhecida como raiz-
-do-brasil. O menino usou o dinheiro para “comprar gêneros para sua mãe”, segundo Ju-
racy. Ao descobrir o fato, o chefe do posto, João Batista Correia, “espancou o referido ga-
roto índio, pendurando-o pelos polegares durante todo o dia”.
O espancamento é confirmado em detalhes por uma carta enviada ao chefe da
inspetoria em 25 de março de 1964 pelo servidor do spi Eduardo Rios, que afirmou ter
presenciado a cena. Correia primeiro prendeu o garoto “numa prisão, que é um quarto
feito para [guardar] motor”, mas o índio fugiu e correu para sua casa. Foi descoberto por
Correia no dia seguinte, embaixo de uma cama. O encarregado então “pegou o menor
pelos cabelos e saiu puxando porta afora até o posto”. Correia “apanhou o freio com ré-
dea e começou a espancar o menor índio”. O garoto, para se defender, segurou a rédea.
“Foi quando o João passou a rédea no pescoço do índio com a finalidade de enforcá-lo.
Vendo o menor em desespero, interferi, dizendo ‘João, não faça isso’. Foi então que fui
atingido pela ponta da rédea.”
O menino foi amarrado com os braços estendidos e “os pés suspensos do chão”.
O episódio poderia ter resultado num massacre, pois vários índios adultos se armaram
e cercaram o posto para resgatar o garoto. Correia pôs dois servidores do posto em po-
sição de tiro, ordenando, segundo Rios, que atirassem nos índios em caso de invasão. O
clima só foi desanuviado quando de novo o garoto conseguiu escapar.
Juracy narrou ainda que o chefe do posto Fraternidade Indígena castigava os
índios “com uma palmatória, entregue pelo chefe da ir-6 [inspetoria do spi] de então em

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reunião da diretoria ao major Neves, perante todos os autos [altos] dignitários do spi”. A
servidora contou que o chefe de outro posto indígena, o Cacique Doble, dos índios kain-
gangue no Rio Grande do Sul, “mandou pendurar o índio Narcizinho pelos polegares e
espancá-lo até a morte”.
Diversos pontos das declarações de Juracy foram confirmados por outras tes-
temunhas ouvidas pela comissão de Jáder. Na antessala do gabinete do ministro do In-
terior, a comissão tomou o depoimento da bororo Adalgisa, nascida e criada no posto
Couto Magalhães. Ela disse “se recordar bem” do episódio da “doação” da índia Rosa,
pois estava na escola no dia da visita de Seabra e confirmou que o pai de Rosa foi es-
pancado após reclamar. Uma carta escrita pela ex-professora do posto indígena, Viole-
ta Ribeiro Tocantins, confirmou que o chefe “tornou-se um verdadeiro ditador, é uma
pessoa irritável e intratável. Ele com frequência interrompia as aulas para ordenar às
crianças que fossem à lavoura, fazer determinada ‘tarefa de adulto’”.
O Kaingangue Alcindo Nascimento disse aos membros da comissão, em No-
noai (rs), que em três gestões anteriores do posto “havia um instrumento de suplício
denominado ‘tronco’” e que um índio “teve a perna fraturada”. Jáder explicou à cpi no
que consistia o instrumento de tortura: “Dois paus enfiados num buraco, amarrados de
modo a formar um ângulo agudo e ligados por uma roldana. Colocavam ali o tornozelo
do supliciado e iam puxando a corda, apertando os paus”.
O uso das celas era outro capítulo nas descobertas do spi. Quase todos os pos-
tos visitados ou tinham ou já haviam tido celas para prisão dos índios. Em algumas al-
deias, os próprios caciques cobravam do chefe do spi uma punição contra índios que ha-
viam cometido alguma impropriedade, para dar o exemplo aos demais índios.
As condições dessas celas eram desumanas. Em Nonoai (rs), o chefe do posto
mandou desativar uma prisão de apenas um metro quadrado, na qual o índio ficava em
pé ou de cócoras o tempo todo. O enfermeiro auxiliar e então encarregado do posto Ca-
cique Doble encontrou o local “na pior situação possível e em completa desorganização;
os indígenas do posto não recebiam a mínima assistência seja sanitária ou social”. Ele
contou ser “uma voz geral” que o antigo encarregado “mandava surrar” os índios. Ao to-
mar posse no cargo, “constatou a existência de duas prisões (cárceres), uma das quais
constituía uma câmara escura”.
Em Nonoai, o encarregado do posto indígena, ao tomar posse no cargo, no iní-
cio de 1967, encontrou uma prisão “construída dentro do estábulo”, medindo apenas
dois metros quadrados, sem iluminação, sem ventilação, “sofrendo o mau cheiro da po-
dridão dos estábulos e da cavalariça”.19

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A comissão de Jáder tampouco enfrentou o tema da saúde dos índios aldeados. Não
foi feito nenhum tipo de levantamento ou sistematização de dados sobre óbitos,
doenças e nutrição. Seria uma oportunidade ímpar para apurar quantas vidas cus-
tou a degradação dos serviços do spi. É possível, porém, vislumbrar o quadro a partir
de determinadas informações que surgem esparsas ao longo do processo. Uma das
mais dramáticas consta do depoimento de Guilhermina Borges de Medeiros — que,
aliás, era artífice de manutenção nível 6, mas exercia as funções de “auxiliar de enfer-
magem”. Lotada no posto indígena Guarita, no município de Tenente Portela (rs), ela
testemunhou que apenas de janeiro a 15 de novembro de 1967 já haviam morrido “cer-
ca de trinta índios”, por “sarampo, coqueluche e pneumonia”. Guilhermina lamentou
que “não existe estoque de medicamentos na enfermaria” do posto. Quando aconte-
cia “de chegar um índio doente”, ela preparava “uma relação de remédios que são ne-
cessários à cura dos índios” e entregava ao encarregado do posto, que ia adquiri-los
no comércio local. Em 1974, viviam sob jurisdição do posto Guarita 1340 índios kain-
gangue e guarani.20 O número de 1967 deveria ser inferior, mas, considerando apenas
o número de 1974, teria então morrido 2,2% da população indígena do posto em ape-
nas um ano. A título de comparação, no município de São Paulo morreram ao todo
42 834 pessoas no ano de 1967.21 Se a taxa de mortalidade de Guarita fosse estendida
para São Paulo, teriam morrido 129 mil pessoas, isto é, três vezes mais do que o con-
siderado normal.22
Outro eco sobre a situação da saúde entre os índios — este, um verdadeiro gri-
to — é encontrado em uma carta escrita em tom desesperador pelo coronel Hamilton
Castro, o principal chefe do spi, ao então ministro da Agricultura, Severo Gomes. O pa-
pel é datado de 5 de setembro de 1966, portanto mais de dois anos depois da tomada do
poder pelos militares. Essa carta nunca foi abordada pela imprensa na época, mas é
possível imaginar o impacto que causaria, caso tivesse vindo a público. De novo, não se
trata de um adversário do governo, mas o próprio governo falando em extermínio.

Sr. ministro, não fantasio e nem exagero os fatos. O índio brasileiro está mor-
rendo à míngua. A fome, a doença, a falta de higiene e a ganância de maus bra-
sileiros está dizimando tribos inteiras. É deprimente e até vexatória a situação
de nossos silvícolas. Salvo pequenas exceções, os postos indígenas se encon-
tram na mais completa miséria, onde a falta de alimentação adequada, a tuber-
culose, a gripe, o sarampo etc. minam a saúde dos aldeados, a bebida e a pros-
tituição combalem a sua moral.23

Castro pediu medidas de curto prazo, urgentes. “Sr. ministro. É necessário fa-
zer algo. Será ato de humanidade.”

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Em uma carta aberta divulgada em 1967, o servidor Hélio Jorge Bucker, que foi
chefe da 6a Inspetoria até fevereiro daquele ano, confirmou que as inspetorias e os pos-
tos indígenas “jamais tiveram em seus quadros médicos, agrônomos ou mesmo enfer-
meiros para todas as unidades”.
Todos os servidores acusados de sevícias e maus-tratos, incluindo Flávio de
Abreu, negaram as afirmações dos índios. Seus advogados exploraram contradições en-
tre os depoimentos e ausência de mais provas para dizer que tudo era baseado em “dis-
se me disse”.

As primeiras conclusões da comissão de Jáder chegaram às páginas dos jornais no se-


gundo semestre de 1967, o que levou o governo a tomar um ato de força. Com ordens as-
sinadas pelo ministro Albuquerque Lima e pelo seu substituto, a Polícia Federal pren-
deu administrativamente, por trinta dias, dezessete servidores do spi. Outros 31 foram
demitidos. Jáder disse à cpi que o total de dispensas atingiu trezentos funcionários. A
maior parte dos presos, porém, era acusada de problemas na prestação de contas de
gastos e acabou solta assim que conseguiu quitar os débitos.24
Na mesma época em que o escândalo estourou em Brasília, índios do Pará
atraíram a atenção dos militares. Em junho de 1967, um grupo de índios isolados hoje
conhecidos como Panará, mas que na época eram chamados de diferentes nomes, como
“gigantes”, Krenakarore, Kreen-akore, Kraim-akoro ou Kreen-akarore, aproximou-se da
pista de pouso do destacamento da fab na serra do Cachimbo.
A visita foi mal interpretada pelos militares — seis anos antes, em 1961, os ín-
dios haviam matado a flechadas, perto da base, o explorador inglês Richard Mason. Ao
avistarem os índios de novo perto da pista, soldados acreditaram que a base estava sen-
do alvo de um ataque. Por radiograma, pediram ajuda urgente. Nos escalões superio-
res da Aeronáutica o alarme soou, transformando a visita dos índios num problema de
grande escala. Há suspeitas de que o alerta foi “afetado por informações relativas a guer-
rilhas” e até “à possível presença do guerrilheiro Che Guevara”.25 Os militares suspeita-
vam que os índios estivessem “mancomunados com guerrilheiros”.26 Em 1966, Che Gue-
vara passou pelo território brasileiro e entrou na Bolívia com o objetivo de criar um
ambicioso foco guerrilheiro que deveria se espalhar pela América Latina.
Foi enviado a Cachimbo um avião turboélice C-47 com dezesseis soldados ar-
mados, um médico, dois oficiais, quatro tripulantes, o servidor do spi Afonso Alves da
Silva e o índio kayapó Begororothy Betan. A aeronave do voo 2068 da fab decolou por
volta das catorze horas do dia 15 de junho da Base Aérea de Belém e parou em Jacarea-
canga (pa) para reabastecimento. A tripulação detectou avaria em um equipamento de
auxílio à navegação. Como era início da noite, pediu por rádio a Belém autorização para

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pernoitar em Jacareacanga e retomar o voo no dia seguinte pela manhã. Mas “a resposta
foi clara: a decolagem, em face da natureza da missão, deveria ser imediata!”.27
No ar, o problema voltou a ocorrer, dessa vez deixando a tripulação desorien-
tada em plena noite no céu da Amazônia. Após inúmeras tentativas frustradas de loca-
lizar as pistas de Cachimbo ou de Jacareacanga, o avião circulou até acabar a gasolina.
Por fim tentou um pouso forçado na mata às 3h55 do dia 16 de junho, perto da localida-
de de Jubará (pa). Com o impacto nas árvores, sobreviveram apenas sete dos 25 homens
no avião — o índio e o servidor do spi estavam entre os mortos. Sem condições de ca-
minhar, os sobreviventes resolveram esperar o socorro perto da fuselagem. Outros dois
militares, feridos na queda, morreram antes da chegada do resgate. A presença de um
grande grupo de urubus a sobrevoar o local do acidente, atraído pelos vinte corpos, aca-
bou ajudando a equipe de busca. Devido à mata fechada, que dificultava o pouso de he-
licópteros, os cinco sobreviventes só foram retirados do local em 29 de junho, dois dias
após a localização dos destroços e treze depois do acidente. Os militares sobreviveram
comendo as poucas salsichas enlatadas, pastilhas doces, açúcar, chá e café que haviam
encontrado na cabine do avião.28
Tempos depois do acidente, o major-brigadeiro do ar Pedro Frazão M. Lima,
na época comandante da Base Aérea de Belém, listou uma série de infelizes coincidên-
cias para explicar a queda do avião, a começar do alarme equivocado sobre o “ataque de
índios” que nunca aconteceu. O efetivo do destacamento de Cachimbo havia sido subs-
tituído, pouco tempo antes, por “gente nova e inexperiente na Amazônia”, que desco-
nhecia que

os índios, naquela época do ano, costumavam atravessar a chapada da serra do


Cachimbo em busca de melhores áreas de caça e pesca. Por acaso, os índios,
em seu trajeto naquele dia, passaram por uma das cabeceiras da pista de pou-
so e, curiosos com o que avistaram, puseram-se a observar de longe as insta-
lações.29

Depois do acidente, o spi enviou para Cachimbo dois sertanistas, um dos quais era An-
tonio Cotrim, que havia presenciado o quase extermínio kararaô. Quando o avião pou-
sou, Cotrim encontrou “um clima de guerra, os caras [militares] todos de metralhado-
ra”. Ele confirmou que o aparecimento dos índios na base foi um grande mal-entendido
que começara meses antes, quando um grupo de paraquedistas do Exército fez um trei-
namento de guerra perto de Cachimbo, pois havia rumores de que Che Guevara estava
no Brasil. O grupo teve como guias o cacique Raoni e outros Txucarramãe. Os militares,
segundo Cotrim, abriram uma picada que ia da serra do Cachimbo à nascente do rio Iri-
ri, e empreenderam uma caminhada que durou mais de quarenta dias. Nesse período,

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Raoni teria percebido que índios isolados, mais tarde identificados como sendo os Pa-
nará, seguiam o grupo à distância. Para mostrar que vinham em paz, os militares foram
deixando pelo caminho alguns brindes, como facões e machados. A caminhada acabou
sem problemas. Contudo, os Panará gostaram dos brindes e, como a picada fora aberta,
em 1967 resolveram segui-la para receber mais presentes na base de Cachimbo.
O trabalho de Cotrim na região também acabou sem encontrar os Panará. Se-
manas depois, ele e sua equipe foram informados de que deveriam regressar a Brasília
de imediato e se apresentar a seus superiores. O spi acabara de ser extinto.

No final de outubro de 1967, em meio ao escândalo da comissão de inquérito do spi, o mi-


nistro interino da Agricultura Porto Sobrinho entregou ao presidente Costa e Silva um
projeto de lei que previa a criação de uma Fundação Nacional do Índio, a Funai, resulta-
do da fusão do spi, do Parque do Xingu e do Conselho Nacional de Proteção ao Índio. O
novo órgão foi instituído em 5 de dezembro de 1967. Em linhas gerais, mantinha os mes-
mos objetivos e regras do spi, apenas deixando mais claro que o patrimônio da fundação
seria formado em parte “pelo dízimo da renda líquida anual do Patrimônio Indígena”.30
Na exposição de motivos enviada ao presidente Costa e Silva, Albuquerque Lima admi-
tiu a falência do spi, mas procurou dividir a culpa com todos os governos anteriores. “Fi-
cou claramente demonstrado que, durante os 56 anos de existência do spi, só dispôs o
serviço de verba suficiente durante dez anos.”31
Segundo o anúncio do ministro, a Funai também continuaria subordinada ao
Interior, em um flagrante conflito de interesses: o ministro que pregava o desenvolvi-
mento e a ocupação da Amazônia era o mesmo que deveria zelar pelos direitos dos ín-
dios que lá viviam, acossados pelos projetos agropastoris que começavam a sair do papel.
Albuquerque Lima nomeou para o cargo de primeiro presidente da Funai não
um militar, como vinha ocorrendo desde 1964 no spi, mas um civil, o jornalista José de
Queirós Campos. Por outro lado, espalhou militares pelas chefias das inspetorias, cha-
madas de “delegacias”, e das ajudâncias. Desses onze cargos de alto escalão no órgão,
oito passaram a ser ocupados por eles.32 A medida gerou objeções de indigenistas mais
experientes. Em sessão no Congresso no ano seguinte, Álvaro Villas Bôas criticou:

Foram admitidos muitos elementos militares, geralmente das polícias esta-


duais e alguns oficiais reformados do Exército. Isso criou um problema muito
sério dentro da fundação, porque não podemos contar com muitos elementos
antigos, afastados pelo inquérito [de Jáder]. De fato, eram elementos que me-
reciam ser dispensados, mas esses militares que entraram não têm muita vi-
vência do problema.33

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José de Queirós Campos era funcionário da Câmara dos Deputados desde
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1957 e irmão de Wilson de Queirós Campos, que foi filiado à udn, deputado federal,
senador por Pernambuco e presidente da Federação do Comércio do estado nos anos
1960. Nos anos 1950, escreveu textos para diversos jornais do Rio, como O Globo, e foi
correspondente da Tribuna de Santos.35 Em termos políticos, definia-se como naciona-
lista e conservador. Não há registro de nenhuma participação direta sua no golpe de
1964. Na época ele era vereador, pela udn, no interior de Minas Gerais.36
Queirós Campos assumiu em meio à intensa repercussão sobre as descobertas
da comissão de Jáder. O governo procurava demonstrar que não haveria impunidade.
Em abril, Albuquerque Lima enviou dois avisos ao então ministro da Justiça, Luís Antô-
nio da Gama e Silva, para pedir a abertura de inquéritos na Polícia Federal sobre as sus-
peitas que pairavam sobre Vinhas Neves e Ribeiro Coelho — o primeiro, diretor do spi
na época dos militares, o segundo, no governo Goulart. Vinhas era acusado de 29 irregu-
laridades e Coelho, de 41.37 Os outros acusados no inquérito de Jáder já haviam sido libe-
rados das prisões administrativas e até apareciam como testemunhas a serem ouvidas
pela polícia sobre as acusações contra os ex-diretores.
Diante da possibilidade de as denúncias virem a ser tratadas numa reunião
da Organização Internacional do Trabalho (oit), no México, o ministro do Trabalho,
coronel Jarbas Passarinho, recebeu um dossiê sobre o assunto para municiar a dele-
gação brasileira. O governo procurava dizer que os problemas eram dos governos an-
teriores. Uma entrevista feita pela imprensa com o renomado antropólogo Egon Scha-
den corroborou que o problema vinha de longe. Ele disse que o spi ao longo dos anos
virou “um departamento político”, cujos diretores e chefes de postos eram “escolhidos
por serem do agrado de chefes políticos, nunca se inquirindo se entendiam ou não de
índios”. “O salário pago aos chefes de postos era também tão baixo que não se podia
exigir alguém competente.”38
Numa parada em Lisboa a caminho do México, Passarinho foi interpelado
por jornalistas sobre as denúncias de “genocídio” indígena. Ele respondeu: “É verda-
de que existe esse problema, criado pela nossa própria imprensa, mas são coisas já ul-
trapassadas no tempo”.39

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4. A CRUZ

nos seus primeiros passos, a funai manteve uma parceria estratégica com missioná-
rios religiosos. A posição do governo brasileiro em relação a eles foi ambígua a longo de
todo o século. Ao mesmo tempo que alimentava suspeitas, em especial sobre espionagem
devido à presença dos estrangeiros nas missões, também as considerava auxiliares acei-
táveis nas tentativas de integração do índio à sociedade dos “civilizados”. Em julho de 1962,
o então secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional (csn), o general de divisão
Amaury Kruel, que menos de dois anos depois teria papel proeminente no golpe contra
Goulart, em ofício reservado ao diretor do spi disse que desde 1957 as atividades dos mis-
sionários estrangeiros junto aos índios nas áreas de fronteira na Amazônia vinham preo-
cupando o csn, pois o povoamento dessas regiões e “a mais rápida assimilação das tribos
indígenas” seriam “problemas de alto interesse para a segurança nacional”. Ele narrou
que Goulart havia acolhido a sugestão do csn de manter os missionários “afastados” das
fronteiras até que o spi os investigasse melhor. Ao mesmo tempo, porém, ressalvou que

há toda a vantagem, portanto, em que se aproveite, ao máximo, a cooperação


voluntariamente oferecida por missionários de diversas seitas religiosas, des-
de que, evidentemente, tal cooperação não venha a constituir, ela própria, em
problema para a segurança nacional.1

O então diretor do spi, Moacyr Coelho, constatou que na Amazônia havia três
missões evangélicas sediadas nos Estados Unidos e com autorização do spi para funcio-
nar no Brasil: o Summer Institute of Linguistics (sil), no país desde 1956, com doze ca-
sais e seis equipes de linguistas solteiros em dezessete etnias; a Missão Novas Tribos do
Brasil (mntb), dotada de grandes recursos, como aviões e navio, com 28 missionários e
suas famílias, atuando em dez etnias; e a Cruzada de Evangelização Mundial, que atua-
va em quatro tribos desde 1961. Após uma apuração, Coelho concluiu que as acusações
contra os missionários eram “inconsistentes, levianas em muitos casos”.

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O trabalho dos missionários é científico, desinteressado, honesto e, sobretu-
do, do máximo interesse para o spi e para o seu tutelado — o índio. Os missio-
nários devem ser considerados como pessoas de bem, voltadas para um ideal
religioso, verdadeira mística, que leva pessoas instruídas a internarem-se es-
pontaneamente nas selvas, vivendo com as suas famílias a mais rude existên-
cia que se possa imaginar; sofrendo com o índio, espontaneamente, privações
e misérias de toda a sorte.2

Muito antes da criação da Funai, ao longo de décadas inúmeras missões reli-


giosas, tanto católicas quanto evangélicas, atuavam nas aldeias indígenas, muitas vezes
prestando um tipo de assistência médica e social que o Estado era incapaz de propor-
cionar. Essa atividade foi cercada de polêmica em alguns momentos do século xx, pois
os missionários tinham como objetivo maior, e não escondiam isso das autoridades que
deveriam fiscalizá-los, catequizar os índios na fé cristã. Nos confins da Amazônia, havia
também o risco do surgimento de líderes messiânicos que poderiam manejar tribos in-
teiras. Em Tabatinga (am), a Irmandade da Cruz, fundada pelo líder José da Cruz, brasi-
leiro que passou pelo Peru e pela Colômbia, arrastou milhares de índios tikuna para os
cultos que exigiam roupas brancas e frequentes doações de bens. Um sertanista da Fu-
nai presenciou na época um índio arrancar as telhas da prória casa para doar à igreja.3

Os missionários responderam às expectativas da Funai, e por extensão dos militares, ao


procurar um envolvimento mais direto nas operações de primeiros contatos com grupos
indígenas isolados. Em 1968, duas expedições foram lançadas, ambas lideradas por reli-
giosos e com apoio do órgão. A maior e mais importante era a do padre italiano João (Gio-
vanni) Calleri. Era um homem agitado e controvertido, que havia tido atritos com a Igreja
na Itália por sua índole independente, “dono de uma personalidade exuberante, daque-
le tipo que os norte-americanos costumam chamar de flamboyant, à qual era impossível
ficar indiferente” e “bonito, muito alto, extremamente forte, espirituoso, extrovertido”.4
Calleri era membro da Missão Consolata de Roraima. Depois que chegou ao
Brasil, em 1965, passou meses em estudos sobre o índio no Museu Goeldi, em Belém. Lá
conheceu o sertanista Cotrim e o convidou a ir a Boa Vista ajudá-lo a trabalhar com os
índios, convidando-o a tomar parte numa viagem exploratória com o objetivo de loca-
lizar os Waimiri-Atroari, no território federal de Roraima. Não durou muito o entendi-
mento. Poucos meses depois, Cotrim conseguiu uma carona e retornou para Manaus.
“Não tinha condições de comunicação com ele. Era autoritário, eu vi que não ia dar cer-
to. Arbitrariedades, individualismo. O alimento de qualidade melhor era para ele, sepa-
rado do grupo, aquela discriminação de europeu.”5

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Calleri havia participado de contatos com índios yanomami e ajudado a criar o
chamado “Banco Catrimani”, na missão homônima. Esse sistema procurava mostrar ao
índio o valor do dinheiro. Os índios que trabalhavam na missão recebiam fichas que fi-
cavam guardadas em uma caixa no barracão. Quando precisavam adquirir alguma coi-
sa da missão, como “facas, terçados, objetos de utilidade, linha, machado”, retiravam os
papéis do depósito e os apresentavam ao “gerente do banco”.6
O italiano estava muito interessado em pôr em prática o plano de contatar os
Waimiri-Atroari, o que vinha ao encontro dos objetivos dos militares. Os índios estavam
bem no caminho do ambicioso projeto de construção de uma rodovia que ligaria Ma-
naus a Caracaraí, em Roraima, num total de 640 quilômetros cortando a selva amazô-
nica. A princípio tocada pelo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (dner),
órgão federal, a operação de contato com os índios passou a ser manobrada e estimula-
da pelo Departamento de Estradas de Rodagem (der), ligado ao governo amazonense.
Conforme relatório enviado por Calleri naquele ano ao ministro do Interior, a
situação era muito conflagrada entre os Waimiri-Atroari e os “civilizados” que desenvol-
viam atividades diversas na região. O padre calculou nada menos que 1300 ou 1400 mor-
tos “nos últimos duzentos anos” em “ambos os lados” dos conflitos. Ele citou como uma
das prioridades do seu trabalho a “pacificação” daqueles índios.7
O traçado da rodovia era a desgraça dos índios. O então presidente da Funai,
José de Queirós Campos, tempos depois reconheceu: “E o caminho temerário cortava,
rigorosamente pelo meio, algumas malocas dos índios waimiris e atroaris. Apesar disso,
nenhum comunicado se fez à Funai”.8
Os Waimiri-Atroari habitavam uma extensa região a cerca de quarenta quilô-
metros de Manaus, ao longo de toda a margem esquerda do rio Negro, do rio Urubu até
o rio Jauaperi. Eram fortes, tinham entre 1,60 e 1,80 metro de altura, manejavam arcos e
flechas com pontas de madeira, de osso e de metal, construíam suas próprias canoas, ou
ubás, feitas de troncos de árvores, e produziam instrumentos musicais, como um ma-
racá e uma flauta rudimentar de taboca com cerca de cinquenta centímetros e cinco ou
seis furos. Alimentavam-se de caça e pesca, mas também pequenas roças de mandioca,
cana-de-açúcar, banana e batata.9
Esses índios haviam atravessado quase cem anos em inúmeros conflitos com
“civilizados”, uma longa trajetória de massacres, sequestros, incompreensão e intole-
rância. Em 1873, atacaram um vilarejo chamado Moura, o que resultou na morte de um
bebê e deu origem a uma “guerra de extermínio” contra os índios. Em 1874, militares de
um destacamento na região teriam matado à bala “200 índios”. Em 1926, os índios mas-
sacraram a equipe de uma empresa coletora de castanha. Em represália, colegas da fir-
ma sequestraram e espancaram um agente do spi local, que morreu depois como resul-
tado das agressões. Em 1942 e 1944, os índios voltaram a matar “civilizados”, incluindo

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dois militares norte-americanos que faziam pesquisas na região. Todos esses embates
dificultavam os já precários esforços do spi de aldear os Waimiri-Atroari. Até que, em
1968, o governo militar resolveu deflagrar a grande e arriscada obra de construção da
rodovia, rasgando o território indígena.
Em junho de 1968, quando os índios começaram a aparecer perto dos canteiros
da obra, alarmando os operários, o diretor do der de Manaus, coronel Manoel Carijó, foi
ao Rio pedir ajuda a Queirós Campos. O órgão então designou um sertanista para cuidar
do assunto, Gilberto Pinto Figueiredo. Pouco tempo depois, Carijó procurou a impren-
sa local para dizer que Figueiredo fez um sobrevoo de helicópteros, aterrissou e chegou
a conversar com o filho de um cacique. Mas a Funai não organizou nenhuma expedição
mais longa. Nesse sentido, Calleri surgiu como a solução mais rápida para os problemas
do apressado der de Manaus.
Muitos anos depois, o sertanista João Américo Peret contou ter testemunha-
do, por volta de 1966, uma dura conversa entre Carijó e um dos diretores do spi, José Ma-
ria da Gama Malcher. Carijó, segundo Peret, ficou alarmado quando, durante um sobre-
voo, viu as diversas malocas waimiri-atroari bem no traçado da rodovia. Um índio teria
até flechado o avião em que se encontrava o coronel. Este teria dito que os índios eram
chefiados por “traficantes” e pediu providências urgentes do spi. Alegou ainda que a
“Operação Amazônia” não poderia ser interrompida por índios “preguiçosos, sujos”. De
acordo com Peret, Malcher reagiu às “insinuações” de Carijó e defendeu o direito dos
índios de ficarem na região.10
Em 6 de agosto de 1968, o Diário Oficial da União publicou a autorização do
presidente da Funai para Calleri “promover a aproximação, o contato e o aldeamento”
dos índios. A autorização exigia duas providências: que a viagem fosse fluvial e que hou-
vesse mulheres na expedição. Queirós Campos alegou depois que a presença delas iria
acalmar os índios, ao supostamente indicar que os “civilizados” vinham em paz. Citou
em seu favor duas expedições em que Francisco Meireles também havia levado mulhe-
res. Sobre o rio, a ideia era evitar passar uma ideia de “invasão de territórios tribais” —
como se um rio não fizesse parte de uma terra indígena.
A expedição Calleri era formada por oito homens e duas mulheres. Eles se reu-
niram em um acampamento na localidade de Santo Antônio do Abonari e dali partiram
em barcos, pelo rio de mesmo nome, em direção aos temidos índios em 22 de outubro
de 1968. Naquela noite, Calleri enviou a primeira mensagem via rádio para informar que,
com o início da viagem, “todas as equipes da br-174 deixaram a região. Estamos sós”.11
No dia 23, o padre viu “oito compridas ubás [canoas] silenciosas e bem alinha-
das” paradas num varadouro. Ele mandou dar “oito tiros ao alvo [possivelmente quis di-
zer alto] para assinalar aos índios nossa presença”. Na manhã seguinte, mandou dar
“outros quatro tiros ao alvo, mas ninguém compareceu ou quis comparecer”. Eles cir-

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cularam por cerca de quarenta quilômetros num igarapé, um “labirinto”, sem encon-
trar nenhum índio. Nesse e no dia seguinte, o grupo enfrentou “pântanos e chavascais,
embaixo de chuvas ininterruptas”. Até que acampou a cerca de “mil metros da primei-
ra maloca dos Atroari”, que batizou de “Esperança”. No dia 26, o padre informou a Ma-
naus uma grande vitória: seu grupo conseguira acampar “com os Atroaris” na maloca.
Os índios, a princípio “medrosos e desconfiados”, acabaram oferecendo bana-
nas e beijus. Houve tensão quando eles viram as mercadorias em poder da expedição.
Calleri disse pelo rádio que “nada foi permitido”, ou seja, que não deixou os índios pe-
garem os utensílios. Nesse trecho da mensagem, o padre demonstrou uma concepção
alarmante a respeito do pensamento do índio sobre os “civilizados”. “O índio bem sabe
que isso está no nosso direito de gente superior. Só tenta perturbar, para conseguir.”
A seguir, ele cometeu outro ato questionável: permitir que os “índios mesmos”
descarregassem a canoa, “transportaram e ajeitaram toda a mercadoria, limparam uma
área de mato”, depois “construíram para nós um bom barracão”, instalaram a antena de
rádio e puseram para funcionar um gerador elétrico. Findo o trabalho, “todo mundo dos
Atroaris estava suando”. Ou seja, serviram de mão de obra gratuita para o trabalho pesa-
do. O padre dizia haver uma lógica na estratégia. Entendia que toda essa atividade “acal-
maria” os índios, pelo cansaço, e também serviria para realizar coisas que a expedição
“tinha medo de fazer”. Na primeira distribuição dos brindes, o padre manejou para que
a escolha dos presentes fosse da sua equipe, e não deles. Havia dezenas de índios nas
imediações. Calleri contou “cento e mais redes” na maloca, que seria visitada no dia se-
guinte. “Que Deus nos ajude”, escreveu.
No dia 31 de outubro, o padre mandou uma mensagem bem mais tensa do que
as anteriores.12 Estava tendo dificuldade para incutir nos índios um “critério de justa
recompensa e não a doação” pura e simples dos brindes. Achava que tinham sido mal-
-acostumados por “civilizados” que passavam no rio Uatumã e lhes davam “tudo quanto
era pedido”. Calleri relatou que os índios passavam “com extrema facilidade […] do sor-
riso aos gestos mais violentos”. Ou seja, não estavam gostando do critério adotado por
ele. Também revelou, sem explicar o motivo, que um de seus “melhores homens” aban-
donara a expedição. “Se não voarem as flechas, só é graças à bondade de Deus, pai de to-
dos, e ao nosso esforço extremo de vigilância e reflexão. […] Nós continuamos firmes no
nosso princípio: disciplina, com justa recompensa.”
Então um longo silêncio baixou no sistema de rádio. Mais de duas semanas já
haviam se passado sem nenhum contato de Calleri quando, em 20 de novembro, o pa-
dre Silvano Sabatini telefonou para o presidente da Funai para lhe dizer que tinha cer-
teza de que o pior ocorrera com seu amigo. Os jornais de Manaus, Rio e São Paulo passa-
ram a noticiar o terrível destino da expedição Calleri. O governo lançou uma operação
de busca, mobilizando aviões e helicópteros da fab, paraquedistas, homens do Exército

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e sertanistas da Funai. No dia 25 de novembro, surgiu a primeira notícia de que fora lo-
calizado um sobrevivente, o mateiro Álvaro Paulo da Silva. Semanas depois, ele foi en-
trevistado pelo sertanista João Peret.13 Ele foi a única pessoa que escapou das flechas e
das bordunas.
Álvaro contou que foram visitados pelo cacique, ou tuxaua, Maroaga, um len-
dário líder indígena naquela região. Um índio trouxe um caldo de banana, de que Ma-
roaga tomou um pouco e repassou para Calleri, que também bebeu. O padre havia dito
que os membros da expedição nada deveriam recusar dos índios. Todos comeram jaca-
ré, macaco e papagaio moqueados, mandioca, cará e batata cozida. Depois que o acam-
pamento foi montado, ele começou a fazer o “pagamento” aos índios, mas “não havia
interesse em trocas”. Alguns se recusaram a receber “uma ou duas caixas de fósforos,
querendo pegar todo o maço”. O padre acabou não lhes dando nenhuma. Dizia que, se
um índio não queria determinado presente, ele o daria a outro. “O prejudicado mostra-
va-se aborrecido, estalando os dentes e batendo nas nádegas, ‘cortava gíria’ com os ou-
tros”, contou o mateiro.
Álvaro ficou admirado com a aparente ausência de medo do padre. Este afaga-
va os índios e sorria bastante: “Nossa melhor arma é o sorriso”, disse. O truque parecia
dar certo. Numa preleção aos membros da expedição, Calleri disse estar satisfeito com
os progressos e orientou-os a não dar nada aos índios, nem uma simples bolacha, pois
eles teriam “que compreender que somos superiores e só eu posso premiá-los”.
No dia 26, o tuxaua chegou cedo com arcos e flechas para trocar, mas de novo
nada foi aceito. A mesma tentativa de trocas ocorreu no dia seguinte, com igual resulta-
do. No dia 29, um barco da expedição subiu com dois Waimiri-Atroari até um posto do
der-am para buscar combustível, mas demorou a voltar. Os índios que estavam na ma-
loca ficaram contrariados com a demora. O quadro foi se deteriorando. Uma das mu-
lheres da expedição notou que os índios estavam furtando pratos e colheres e avisou o
padre. Num segundo furto, Calleri aproximou-se do índio e lhe disse que “Padre aqui,
marupá. Índio roubando, padre aqui pega espingarda e pom… pom. Índio morre”.
Álvaro relatou que o padre cometeu um grave erro ao ameaçar o índio de morte
e mencionar a palavra “marupá”, que significaria “mau” na língua waimiri-atroari. Calle-
ri indagou-lhe se estava com medo. O mateiro reconheceu que sim. Correu até o tuxaua
e seu “secretário” para tentar contornar a situação. Ambos não quiseram voltar, disse-
ram “cachorro marupá”, estalaram os dedos e bateram palmas, olhando para o padre.
Álvaro o alertou de que um ataque era iminente.
No dia 31, os membros da expedição foram à aldeia, mas Álvaro permaneceu
no acampamento. Ele se pôs a construir uma balsa, concluída ao final do dia. Foi dor-
mir longe do acampamento “por medida de segurança”. No alvorecer do dia seguinte,
os companheiros ainda não haviam voltado. Álvaro saiu do esconderijo e caminhou

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até o acampamento. Foi quando viu “um corpo que jazia por terra, tendo a camisa en-
treaberta ligeiramente”. Em seguida viu outro cadáver, caído junto a uma bananeira.
Refugiou-se então no mato, onde ficou até escurecer. Depois voltou ao acampamen-
to, pegou alimentos e empurrou a balsa com uma vara para o rio. Seguiu até o rio Ua-
tumã, onde encontrou dois caçadores e pediu ajuda. Só dias depois soube que seus
nove companheiros estavam mortos — Calleri, Manoel Mariano Ferreira, João Geral-
do Gouveia Martins, Manoel Nascimento, Benjamin Ribeiro Meneses, Eduardo Fran-
cisco de Oliveira, Aragão Rodrigues de Oliveira, Marina Pinto da Silva e Maria Merce-
des Salles. Os restos mortais dos membros da expedição foram depois resgatados e
mostrados à imprensa.

Embora a expedição estivesse com várias carabinas e revólveres, não há nenhum regis-
tro de que algum índio tenha sido assassinado. Calleri e sua equipe seguiram o ideal de
Rondon de até morrer pelas mãos dos índios, mas nunca matá-los. Sobre a natureza da
expedição, ele não fez muita coisa diferente do que era feito pelo Estado brasileiro havia
tempos, desde Rondon, passando por Villas Bôas, Meireles e tantos outros, ou seja, ten-
tar proteger o índio, mas ao mesmo tempo impedir que ele atrapalhasse os planos de-
senvolvimentistas dos “civilizados”. A exemplo dos demais sertanistas do passado, Cal-
leri se dizia um homem genuinamente preocupado com o destino dos Waimiri-Atroari.
Em uma carta que dirigiu ao presidente da Funai, afirmou que os “nossos irmãos da sel-
va” haviam passado por inúmeras “imprudências e mortandades” nos últimos 150 anos.

Na mesma época da expedição Calleri, a Funai desencadeou outra operação de contato.


Com mais de setecentos quilômetros de extensão, o rio Arinos é um dos formadores do
Juruena, no norte de Mato Grosso. Nas margens viviam índios confrontados pela pre-
sença cada vez maior dos “civilizados”. Eram chamados de “beiços-de-pau” pelos habi-
tantes da região, já que inseriam uma rodela de madeira no lábio inferior. Depois fica-
ram definidos como “Tapayuna”, embora se autodenominassem Kajkwakratxi. Desde a
década de 1930 havia registros de mortes de ambos os lados do conflito, incluindo o uso
de veneno na comida presenteada aos índios.
Em 1964, uma turma de empreiteiros começou a abrir uma estrada entre os
rios Arinos e do Sangue, quando “cortou um trilho dos Tapayuna”. Eles reagiram fle-
chando quatro trabalhadores e dois burros. Dois anos depois, os índios atacaram e des-
truíram o acampamento dos operários da rodovia. Em julho de 1966, a Funai autori-
zou religiosos da prelazia de Diamantino (mt) a retomarem tentativas de contato que
vinham fazendo desde o final da década anterior. Em 1969, Queirós Campos enfim deu

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as primeiras informações oficiais de que uma expedição exclusiva do órgão, liderada
pelo sertanista João Américo Peret, tinha conseguido “pacificar” os índios. A Funai en-
tão resolveu promover a divulgação do sucesso da operação — uma decisão que marca-
ria para sempre a história dos Tapayuna.
Em 16 de junho de 1969, a revista O Cruzeiro publicou uma longa reportagem
do jornalista Francisco Nélson e do fotógrafo Ronaldo Câmara. Intitulada “Na terra onde
o tempo não para”, narra uma “viagem do homem branco ao encontro dos beiços-de-
-pau — os antropófagos dos confins de Mato Grosso”. A reportagem comparava a expe-
dição da Funai ao pouso do homem na Lua. Nélson descreveu a viagem de um grupo de
jornalistas, feita com autorização e apoio logístico da Funai, até o posto onde os índios,
àquela altura, já estavam reunidos. Além da dupla da revista, seguiram o francês Jean
Périé, “meio fotógrafo, meio aventureiro”, Tarcísio Baltar e Rubens Barbosa, do Jornal do
Brasil, e Hedyl Valle Jr. e Walter Firmo, da revista Fatos e Fotos, da editora Bloch.
O grupo saiu no dia 18 de maio de 1969 de um porto no rio Claro. Nélson escre-
veu que no barco a umidade era “terrível” e pela manhã estava “todo mundo encharcado
como se houvesse dormido dentro d’água”. Um dia depois, já na aldeia, ele constatou que
o jornalista Hedyl ficara doente. Nélson escreveu na sua reportagem:

Hedyl pegou um resfriado fortíssimo. Se ele não for isolado imediatamente,


nossa matéria se transformará em: “Como exterminamos os beiços-de-pau”.
Uma epidemia de gripe entre eles seria um verdadeiro massacre. Se não me-
lhorar, teremos que construir uma cabana para ele do outro lado do rio. O bar-
co irá levar-lhe comida e buscá-lo à noite, quando os índios tiverem ido dormir.

A Fatos e Fotos dividiu a reportagem de Hedyl em duas partes, nas edições de


maio e junho de 1969.14 Embora no geral simpático aos índios, seu relato expressa a visão
por vezes jocosa de um “civilizado” descolado por completo do mundo que acabava de
conhecer. Sobre um índio, que ele apelidou de “Maharishi” por se parecer “com o guru
[indiano] dos Beatles”, Hedyl concluiu: “Comer, no final das contas, revelou-se o seu for-
te. Só parava para dormir e, roncando, a rodela do beiço tremia”. Ou então: “Entre eles
[…] falavam guturalmente, fazendo muita força, quase como animais. Parece que a tribo
começou a falar há muito pouco tempo”. Reconheceu que eles “trabalham muito, às ve-
zes até sem necessidade”. Índios receberam apelidos de “Beição” e “Bom Pai”.
No texto de uma de suas reportagens, o próprio Hedyl confirmou ter ficado
“fortemente gripado”, atribuindo a doença ao fator de ter dormido “ao relento no barco,
[onde] a umidade era quase absoluta”.
O problema de saúde de Hedyl foi de inteiro conhecimento dos membros da
expedição, que passaram a “debater” o seu caso. Contudo, em vez de ser retirado de ime-

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diato do local, como não só a técnica indigenista mas o próprio senso comum recomen-
dariam, Hedyl foi “trancado num barraco que servia de depósito de arroz e gasolina”.
Isso, porém, só ocorreu após o almoço do dia 21, enquanto Hedyl detectara a gripe no
dia 20. Na manhã do dia 21, por exemplo, ele manteve contato “com dois casais com
duas crianças”.
Esse procedimento contrariava a prática de outras frentes de atração. Certa
vez, Orlando Villas Bôas relatou que numa área de atração todos os índios eram exami-
nados por um médico. Se algum caso de gripe ou qualquer tipo de infecção fosse detec-
tado, o doente era afastado dali “nunca menos de cinco quilômetros”.15
O suposto isolamento de Hedyl teve pouca eficácia. Na reportagem de junho,
ele contou que os índios ficaram curiosos com a sua situação e tentaram entrar no bar-
raco. Por isso, foi transferido para uma choça. Um índio que ele apelidou de “Cicatriz”
resolveu “divertir-se” à sua custa, “esfregava o dedo no nariz e imitava o barulho, rindo
muito. Todos os índios passaram a fazer isso e a gripe virou galhofa”. Logo o isolamento
deixou de existir na prática. Hedyl escreveu que à noite “brincamos de roda” com “ve-
lhos, crianças, adultos, mulheres”. Ele também cortou batatas para o jantar.
Por fim, o jornalista também confirma em seu texto que seis dias após o início
de sua gripe dois índios ficaram gripados, “Traidor” e “Cicatriz”. De forma contraditó-
ria, num parágrafo Hedyl diz que “Cicatriz” parecia recuperar-se “com facilidade” e que
a “ameaça da gripe, pelo menos, diminui”. Logo em seguida, porém, afirma: “O dia mais
tedioso, inclusive para os índios, ainda traumatizados e começando a contrair a gripe”.
À permanência do jornalista no local veio se somar outra falha. Hedyl nar-
rou que “alguém se lembrou das vacinas [contra gripe], duzentas doses” que trouxeram
do Rio, transportadas “de geladeira em geladeira”. Porém, o gelo do isopor tinha virado
“água quente”. Segundo Hedyl, também haveria dificuldade de “convencer um índio à
picada de injeção”. Para piorar o cenário, ele narra na reportagem que um grupo de colo-
nos que passava num barco — portanto, sem nenhum controle da Funai sobre o seu es-
tado de saúde — parou para conhecer os índios e chegou a matar um boi para fazer um
churrasco, comida que os índios recusaram.
A relação de causa e efeito entre o resfriado de Hedyl e a epidemia não pode ser
afirmada de maneira direta, pela ausência de relatórios médicos da época, mas sabe-se
que muitas mortes começaram a ocorrer entre os Tapayuna exatamente após a saída
dos jornalistas, que ocorreu no dia 28 de maio.
Mais de 44 anos depois, o repórter fotográfico Walter Firmo, nascido no Pará
em junho de 1937, que se tornou um dos principais profissionais de sua área no país,
confirmou ter visto índios caírem doentes depois da chegada dos jornalistas ao local.
Ele se disse surpreso quando percebeu que a Funai não havia providenciado nenhum
socorro médico para uma eventual emergência. “Não havia nada. Éramos só nós. Não

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havia um médico na equipe. Só jornalistas. O que podíamos fazer naquela altura? Eu
acho que mesmo que o Hedyl conseguisse ter voltado, o mal já estava feito. Era muito
isolado [o local].”16
Firmo disse que Hedyl ficou “de quarentena” a cerca de cem metros do grupo
principal, numa choupana, mas ele mesmo entendeu que a medida seria de pouca eficá-
cia. Firmo disse que a equipe “não conseguia sair dali. A impressão que eu tenho é que o
barco que nos deixou só voltou para nos recolher em determinado dia”.
O jornalista viu quando os índios “começaram a tossir” e cair doentes. Segundo
Firmo, até a saída dos jornalistas da área, porém, nenhum índio havia morrido.

A primeira notícia de que um desastre atingiu os índios data de 16 de julho de 1969. O Jor-
nal do Brasil anunciou que a “gripe matou em dois meses mais de vinte índios nas aldeias
beiços-de-pau”. Não havia registro de mortes por gripe antes da chegada dos jornalistas.
Assim, se a doença começou sessenta dias antes da publicação da notícia, então foi logo
depois do final de maio, mesma época em que os visitantes deixaram o posto da Funai.
As datas e números são atribuídos na reportagem do JB ao sertanista Peret. Ele
teria dito ainda que os índios que morreram haviam estado no “acampamento da expe-
dição da Funai”, ou seja, no mesmo local visitado em maio pelos jornalistas. Peret cita
que entre os mortos estão “Beição”, “Bom Pai” e “Scarface”, o nome em inglês de “Cica-
triz”, que era o apelido dado pelos jornalistas ao índio que fez a brincadeira com o baru-
lho dos espirros de Hedyl. Todos esses índios são citados nas reportagens de Hedyl. O
Jornal do Brasil não faz alusão à gripe do repórter, que já havia sido mencionada pelas
revistas O Cruzeiro e Fatos e Fotos dois meses antes. A reportagem também não esclare-
ce a opinião de Peret sobre a origem da gripe, dizendo apenas que os índios pegaram a
doença “nos seus contatos com os civilizados”. A gripe começou no posto e se espalhou
para outras malocas. Na visita a uma delas, o sertanista encontrou “cadáveres” e “crian-
ças mamando no seio de suas mães mortas”. Depois do anúncio de Peret, o surto pros-
seguiu, inclemente, a julgar por duas reportagens posteriores publicadas pelo jornal O
Globo em setembro e outubro. Ambas dizem que foram “44 os selvagens mortos”.17 A in-
formação é atribuída genericamente à 5a Delegacia da Funai, em Cuiabá.
Os números oficiais da Funai em relatórios da época são simplesmente inexis-
tentes, a exemplo dos casos dos Kararaô e dos Xavante. Esse silêncio levanta a suspeita
de uma ação deliberada do Estado brasileiro para ocultar a perda de tantas vidas. As es-
cassas menções em documentos da Funai sobre a etnia tapayuna, porém, em nenhum
momento desdizem a epidemia. Pelo contrário, ela é citada diversas vezes. Um relató-
rio datado de 1982, por exemplo, reconhece que os Tapayuna “foram expostos sem con-
sideração às doenças dos ‘civilizados’, e a minoria sobrevivente foi transportada para

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junto de seus irmãos separados” no Parque do Xingu — o relatório reproduz uma con-
clusão do antropólogo francês Patrick Menget. O documento também confirma que em
1969 houve “uma perda populacional [que] destruiu a organização social dos beiços-
-de-pau”.18 Outro documento diz que os Tapayuna foram envenenados e atingidos “por
agentes viróticos letais” e aponta como total de sobreviventes “um grupo depauperado
de 41 pessoas”.19
Pelo menos uma vez o presidente da Funai, Queirós Campos, abordou de pú-
blico o assunto, mas apenas anos depois, já fora do cargo. Ele relatou que o sertanista Pe-
ret “parece que não se conduziu muito bem” no contato com os Tapayuna.

Peret, numa dessas suas incursões naquele território, ele como funcionário
da Funai, levou repórteres para fazer uma célebre reportagem: o homem che-
gando à Lua e o homem da pedra lascada lá nos “beiços-de-pau”. Foi sem meu
consentimento. Fez isso ao seu alvedrio, depois eu o afastei da Funai. Saiu uma
bela reportagem, mas um dos rapazes estava com gripe e quase dizimou aque-
la população.20

Campos fez essas declarações em plena cpi instalada no Congresso, mas Peret
nunca foi chamado a prestar depoimento.

Além de trabalhar na revista Fatos e Fotos, Hedyl Valle Jr. foi redator-chefe no Jornal do
Brasil e editor do Globo Esporte e do Esporte Espetacular, da tv Globo. Nascido em 1945,
morreu em novembro de 1993, aos 48 anos, vítima de uma isquemia cerebral.21 Nos anos
seguintes às mortes dos Tapayuna, Walter Firmo procurava não tocar no assunto quan-
do conversava com o colega.

Eu evitava falar porque o Hedyl ficou muito passado. Ele ficou muito desgosto-
so, ficou um homem com um sentimento de culpa, meu Deus do céu. Amargo,
amargo. […] Nós evitávamos falar nisso, para não magoá-lo, mas a gente sabia
que ele tinha consciência de que, sem querer… Ele não podia fazer nada. Ele
não podia sair nadando de costas, voltar para o lugar onde nós teríamos um
barco. E sem ter um aviso para um caminhão deixá-lo em Cuiabá. Marcou mui-
to ele. Ele mudou. Ele era muito alegre, muito comunicativo.22

Olhando em retrospecto, Firmo diz não ter dúvida sobre a falta de precaução
da Funai quando decidiu levar os jornalistas a um grupo recém-contatado.

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Eu achei muito estranho que nós tivéssemos, cada um dentro do seu trabalho,
da companhia em que trabalhava, ido até lá sem medicamentos, sem um apoio,
uma logística. De colocar “civilizados” no meio daquela empreitada, pela pri-
meira vez se relacionando com um índio. E a gente sabia que eles tinham esse
problema mesmo. Se alguém estivesse gripado, eles estavam ferrados. Nós tí-
nhamos essa consciência. De que aquilo ali tinha sido muito mal engendrado,
de quem teve a ideia de nos convidar. Não teve a intenção, realmente. Foi no-
tável a intenção de, fotograficamente, pôr a civilização a par daquele contato.
Mas discrimino a falta de critério de não colocar um medicamento, uma atitu-
de de que podíamos ter ido lá, mas com remédios e recursos primários da me-
dicina para que isso não acontecesse.

Após o contato da Funai, em 1969, religiosos da prelazia de Diamantino rece-


beram informações sobre um grande número de Tapayuna mortos. Em entrevista para
este livro, o padre Antônio Iasi Júnior (1920-2015) disse ter encontrado “sepulturas re-
cém-formadas” e esqueletos. Ele calculou em duzentos o total de índios no momento do
contato, número que havia baixado para quarenta quando chegou à aldeia.
“Então o senhor acha que mais de cem morreram?”, eu quis saber. “Provavel-
mente”, respondeu Iasi, que culpou “o rapaz da Funai” por ter levado ao local “jornalis-
tas contagiados pela gripe”.
Vimos como os “civilizados” narraram a epidemia de gripe que quase dizimou
os Tapayuna. O ponto de vista dos índios, contudo, só seria mais bem documentado
muitos anos depois. Em julho de 2011, a pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB)
Daniela Batista de Lima foi à aldeia kawêrêtxikô, no Xingu, onde passaram a viver os
remanescentes do rio Arinos. Durante doze dias ela gravou o depoimento de uma Ta-
payuna anciã, Ngejwotxi. Depois obteve cópia do depoimento de outra idosa, Khôkhôtxi,
coletado em 2009 pela pesquisadora Marcela Coelho de Souza. As duas índias tinham
entre 23 e 25 anos quando chegaram ao Parque Indígena do Xingu. A memória de am-
bas descortinou a catástrofe.
Embora elas não saibam dizer com precisão as datas e os nomes corretos dos
“civilizados” com os quais mantinham contato na época — um padre, por exemplo, é
chamado apenas de “Tahati” —, confirmaram que a doença matou grupos de várias ma-
locas, e não apenas os que estavam no posto da Funai.
Segundo as índias, vários Tapayuna doentes arrancavam cascas de árvores
para passar pelo corpo, achando que assim se livrariam da gripe. Também apelavam aos
pajés, chamados wajanga, impotentes para lidar com a doença. A certa altura da epide-
mia, os índios encontraram crianças órfãs na mata, chorando pelos pais mortos. Os ou-
tros índios não conseguiram ajudar os pequenos, pois também estavam fracos e incapa-

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citados. Era uma escolha dramática acerca de quem iria sobreviver. A índia Ngejwotxi
contou o desespero:

O bebê chupava o peito da mãe morta, chorando, cheia de abelha no rosto, nos
olhos, entrando no nariz. E esses meninos e meninas de cinco anos acima,
eles seguiram, mas não chegaram na aldeia, não alcançaram o pessoal e foram
morrendo no caminho. […] Aquelas crianças pequenas ficaram por lá mesmo,
ninguém cuidava porque tinha muitas crianças sem pai e mãe. Meninas e me-
ninos de três e quatro anos, eles ficaram pra lá sem dormir, chamando “pai,
mãe, [a]onde vocês foram?”.23

Enfraquecidos, os índios do grupo de Ngejwotxi enfim chegaram a um acam-


pamento, “famintos, quase desmaiando”.

Essa doença que o pessoal pegou mata rápido. Antes de todo mundo morrer os
outros parentes ajudavam a enterrar o pessoal. Enterraram, cavaram o buraco.
Quando todo mundo pegou essa doença, ninguém mais cuidava dos outros. Os
outros ficaram lá sozinhos gritando, morrendo. “Por que essa doença fez isso
com a gente?” Todo mundo gritava. Ninguém escapava.

Depois da gripe, o drama dos Tapayuna não acabara. O padre Iasi disse que o
grupo sofreu um surto de sarampo, trazido também por visitantes. Sem ajuda médica efi-
ciente, Iasi disse ter visto pelo menos uma criança índia morrer, com talvez onze anos.
Em julho de 1969, Peret decidiu viajar ao Rio de Janeiro acompanhado de dois
jovens tapayuna que tinham, segundo a imprensa, treze e dezessete anos. Peret os levou
“à presença do ministro [do Interior] Costa Cavalcanti, no gabinete”, como “prova dos re-
sultados da pacificação realizada pela equipe” da Funai.24
Peret morreu em 2011 sem deixar um texto público esclarecendo detalhes da
epidemia de gripe. Nascido em Rio Branco (ac) em 1926, ele se tornou um importante
sertanista do spi, onde ingressou em 1947, e da Funai, tendo atuado em inúmeras ex-
pedições na Amazônia, como a que localizou os restos mortais da expedição Calleri.
Escreveu vários livros, dentre eles um que tratou de mitos e lendas dos índios karajá.
Em 2005, contou que certa vez o presidente da Funai lhe fez uma proposta de ganha-
rem 100 milhões de cruzeiros pela exploração de terras indígenas. Peret disse que ficou
“muito decepcionado” e “denunciou a proposta indecente às autoridades”. Ele não reve-
lou o nome desse ex-presidente.25
O que não foi tornado público na época e agora é possível aferir, com a libera-
ção dos papéis produzidos pela ditadura, é que as ações de Peret no caso Tapayuna não

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só foram investigadas pela Funai como ele acabou punido por elas. Estrategicamente,
porém, o governo manteve a opinião pública longe do que poderia ter sido um escânda-
lo internacional.
Em agosto de 1969, o então diretor do Departamento de Assistência da Funai,
Darcy Mesquita da Silva, averiguou tudo o que se passou em torno da epidemia, ouviu
Peret e concluiu:
“Lamentavelmente constata-se agora com a leitura deste relatório e pelos de-
poimentos verbais do referido servidor [Peret] que foram cometidas falhas gravíssimas,
culminando com a perda irreparável de preciosas vidas”.26 Dizendo-se “convencido da
irresponsabilidade revelada por Peret”, Silva pediu ao presidente da Funai que afastas-
se o sertanista do órgão.
Outro documento confirma que meses depois Peret de fato foi retirado da Fu-
nai, sendo devolvido ao Departamento de Proteção dos Índios do Estado da Guanaba-
ra, seu órgão de origem, por meio de uma portaria datada de 3 de abril de 1970, assinada
pelo presidente da Funai.27
Peret recorreu da manifestação de Silva. No documento, defendeu sua compe-
tência e procurou culpar o próprio diretor de Assistência. Disse que caberia ao colega
fornecer os meios para cumprir o seu despacho exarado no Plano Orçamentário”, “sal-
vaguardar a Higiene dos Índios” e que não seria da alçada do sertanista “sair por aí con-
tratando médicos, enfermeiros, laboratoristas, assistentes sociais etc.”. Alegou que ten-
tou por várias vezes receber as condições necessárias para garantir a saúde dos índios.28
Peret escreveu que “não seria possível” remover o jornalista gripado e que to-
mou as providências indicadas para o caso, “o isolamento”. Disse ainda que os índios es-
tavam mantendo contatos com outros “civilizados” numa frente de “centenas de quilô-
metros, que não tínhamos condições de policiar”.
Peret também afirmou que o número correto de índios mortos não era um
dado “indispensável”. A dúvida ocorreu porque o diretor de Assistência percebeu que ha-
via uma contradição entre o número de vítimas fatais fornecido por Peret durante uma
entrevista coletiva no Rio — teriam sido apenas “quatro mortos” — e um relatório inter-
no do sertanista que falava em “inúmeras vítimas”. Peret deixou claro que estava preocu-
pado com a repercussão do assunto na imprensa: “Está claro que a minha única inten-
ção foi alertar vossa senhoria contra a possível exploração jornalística sobre a matéria”.
O documento confirma uma antiga história contada por sertanistas mas não
registrada nos principais jornais da época ou em outros relatórios disponíveis para con-
sulta. Kairá, um dos dois adolescentes beiço-de-pau trazidos para o Rio de Janeiro para
o encontro com o ministro do Interior (o outro era Tariri), efetivamente morreu logo de-
pois, em decorrência de uma doença não informada. Kairá veio ao Rio em julho de 1969
e o relatório de Peret é de outubro do mesmo ano — o garoto, portanto, morreu em al-

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gum momento dos três meses depois de sua ida ao Rio de Janeiro. O sertanista expli-
cou que tomou a decisão de viajar com os dois índios porque a epidemia havia matado
“todos” os “parentes e amigos” dos jovens tapayuna, incluindo a mãe de Kairá e o pai de
Tariri. Segundo Peret, sair da região era “uma questão de sobrevivência, para evitar que
adquirissem a mesma moléstia”.
O encontro dos jovens tapayuna com o ministro do Interior no Rio de Janeiro
ocorreu 356 anos depois que sete Tupinambás foram levados do Brasil a Paris para se
encontrar com o rei francês Luís xiii. Na chegada à Europa, porém, quatro não resisti-
ram ao frio e morreram.29
Dos dois Tapayuna que se impressionaram com o mar e queriam caçar pom-
bos na praça da Candelária, um morreu. O outro, Tariri, acompanhou o sertanista An-
tônio de Souza Campinas em uma missão de reconhecimento da antiga terra tapayu-
na em novembro de 1971. Dois anos depois, a Funai determinou que ele regressasse ao
local para saber se ainda havia índios sobreviventes, talvez escondidos na mata. Perto
do rio Arinos, Campinas e Tariri encontraram uma aldeia queimada e invadida por ca-
pim e outras duas em pé com “ossos de vários cadáveres de índios tapiuras [tapayunas]
e muitos artesanatos, assim como arcos e flechas”. No antigo posto da Funai, encontra-
ram uma tábua num velho rancho abandonado, na qual jornalistas teriam escrito sobre
o início da epidemia.30
Campinas chegou à amarga conclusão de que “não existe mais” índio tapayuna
dentro da área interditada para o contato. Enquanto caminhavam, Tariri contou a Cam-
pinas que uma parte dos índios doentes que haviam conseguido se salvar da primeira
onda da epidemia foi se embrenhar no mato e não quis tomar os remédios oferecidos
pelos “civilizados” no início de 1971. Eles também morreram, disse o índio. De repente,
Tariri parou. À sua frente havia diversos ossos humanos espalhados. Tariri sentou-se,
“pôs as duas mãos na cabeça, depois bateu com a mão direita em cima do coração e nes-
ta altura já estava chorando, olhando para os ossos todos fuçados pelos porcos da mata,
lembrando que no meio daqueles ossos estavam os ossos da moça que ia ser sua espo-
sa”. Segundo Campinas, o índio lhe disse em língua tapayuna: “Vocês ‘civilizados’ mata-
ram todos. Tudo acabado”.

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5. NAS SUAS MÃOS

no final dos anos 1960, a funai procurava notícias positivas para divulgar e as en-
controu com uma dupla de ativos sertanistas, pai e filho, cujas histórias se confundem
com a de várias etnias. Um dos orgulhos do spi e um dos maiores sertanistas do país,
Francisco Furtado Soares de Meireles1 nasceu em 1908 na cidade de Gameleira (pe), fi-
lho de Francisco Ribeiro Soares de Meirelles, que foi senador da República por Pernam-
buco.2 Ainda muito jovem, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde estudou no colégio
salesiano de Santa Rosa, em Niterói. Tinha catorze anos quando estourou a revolta dos
jovens oficiais em julho de 1922 no Rio — parte do movimento tenentista, que afrontou
a tradição da República Velha ao enfrentar o poder das oligarquias regionais, defender a
queda das profundas desigualdades sociais e propor acabar com o analfabetismo —, em
que atuou como “estafeta dos revolucionários”, mas acabou “não incomodado pela polí-
cia”, embora passasse a ser vigiado.3 Seu irmão Silo, então segundo-tenente do Exército,
teve participação ativa na revolta que ocorreu na Escola Militar do Realengo. Foi preso e
condenado a um ano e quatro meses de prisão, saiu da cadeia em 1927, regressou ao Re-
cife, onde escreveu para jornais e depois participou das “articulações que desemboca-
riam na Revolução de 30”.4 Meireles, que continuava no Rio, também se agregou aos re-
voltosos. Dessa vez acabou preso “no quartel da guarda civil por 28 dias”.5 Também se
envolveu na Revolução Comunista em 1935, no Recife, onde foi preso com os irmãos Silo,
Rosa e Ivo, cumprindo um total de três anos de cárcere. Após deixar a prisão, Meireles
procurou o general Manoel Rabelo, que “conseguiu para ele uma vaga” no spi, em 1942,
em Porto Velho, segundo a família.6 Uma certidão do spi, contudo, mostra que ele já
atuava no órgão desde setembro de 1940.
Nos anos 1960, Meireles confirmou ter participado “do Movimento Comunista
na mocidade”, mas disse ter se afastado do assunto “completamente e hoje se dedica ex-
clusivamente à política indianista”.7 Outros comunistas buscaram trabalho no spi. Eneu
Paula, que morreria doente na frente de atração dos Cinta-Larga, participou da revolta co-
munista em 1935 na Praia Vermelha, no Rio.8 Agente do spi nos anos 1960, João Lopes Ve-

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loso de Oliveira foi preso em 1936 “como comunista”, mas se declarou depois “não propria-
mente comunista, simplesmente um jovem sem orientação e a formação necessárias”.9
Meireles passou 172 dias no posto de atração em Porto Velho, dali saindo em
1943 para a atração dos Pacaá-Novo em Guajará-Mirim, onde ficou 640 dias. Em 1944 se-
guiu para o Mato Grosso, “a fim de organizar e dirigir os trabalhos da turma volante que
opera no rio das Mortes”. Permaneceu ali 456 dias. De 1946 a 1953, venceu o grande de-
safio pelo qual é mais lembrado, a “pacificação” dos índios xavante, num total de 1884
dias de trabalho.10 De 1954 em diante, trabalhou com grupos de Kararaô e em frentes de
atração dos índios kayapó, panará, cinta-larga e suruí, dentre outros.
Meireles viveu situações de extremo perigo e empreendeu longas e arriscadas
expedições — embora tivesse limitação física, pois mancava de uma das pernas. Em en-
trevista à jornalista Eliana Lucena, Meireles disse que certa vez se viu cercado por uns
“trezentos índios armados” da etnia xavante. Ordenou que sua equipe estourasse fogos
de artifício, o que afugentou os índios. Depois arrumou um alto-falante e mandou que
se tocasse sanfona. O namoro se estendeu de janeiro de 1945 a agosto de 1946, quando
enfim “houve a confraternização” entre índios e spi.11
Por tudo que Meireles representava para a história do spi, causou surpresa ter
sido ele um dos presos em decorrência dos processos movidos a partir do Relatório Fi-
gueiredo em outubro de 1967. Meireles reagiu com indignação à prisão, atribuindo-a
sobretudo a um desafeto do spi, José Maria da Gama Malcher.12 Este não escondia sua
opinião a respeito dele. “[É] mestre em ‘químicas’, isto é, em manipulação de verbas,
adulteração e enxertos de documentos em prestações de contas.”13
As principais acusações eram falta de comprovantes de gastos e uso de verba
em programa diverso do planejado — mas não furto de dinheiro público e muito menos
maus-tratos aos índios. Meireles era descrito por seus apoiadores no spi como um ho-
mem desligado das obrigações burocráticas, de poucas posses, cujas roupas e pertences
caberiam numa única maleta. Sertanistas que o conheceram disseram que ele distri-
buía dinheiro a índios e caboclos e que usava o próprio salário para atender a emergên-
cias dos postos indígenas.
Dias depois da prisão, a comissão de Jáder reconheceu “atenuantes — pelo me-
nos de ordem moral — para o sr. Francisco Meireles”.14 O sertanista foi libertado e logo au-
torizado a organizar uma nova frente de atração lançada pelo governo. Dessa vez, incum-
bido pelo coronel Hermogêneo Encarnação, secretário-executivo da Funai, empreenderia
esforços para localizar os Cinta-Larga de Rondônia. Não se sabia até então, mas diversos
índios considerados pertencentes a essa etnia na verdade eram suruí. A confusão se dava
porque ambos costumavam usar na barriga um cinto feito de cascas de árvores.
Em sobrevoo num avião cedido pelo governo de Mato Grosso, Meireles avis-
tou 21 malocas, sendo vinte dos “Cinta-Larga” e uma dos Nambikwara. Em contato com

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o inspetor da Funai na região, soube que fazendeiros e seringalistas estavam “dispostos a
cooperar” com o pessoal do órgão indigenista, pois haviam “empregado avultadas quan-
tias na região” e estavam “sensivelmente prejudicados pelas constantes incursões dos
‘Cinta-Larga’, ferindo e matando seus trabalhadores, flechando, inclusive, gado, atacan-
do tropeiros e comboios de mercadeiros destinadas ao aviamento dos seringais”. Meireles
apoiou com entusiasmo a parceria, acrescentando que o dinheiro estava condicionado à
sua presença na região. Mais uma vez, a exemplo do spi, a Funai atuava como “amansado-
ra” de índios, de modo a abrir espaços para o empresariado. Meireles escreveu:

Estavam, portanto, os maiorais da indústria extrativa e demais fazendeiros dis-


postos a efetuarem um adiantamento financeiro para fazer face ao início de
nossos trabalhos, enquanto não fossem liberados os recursos necessários, pela
Funai, e desde que eu fosse mantido à frente dos trabalhos de atração, confian-
ça essa que muito me honra e sensibiliza.15

Meireles concordou com “a aceitação daquele oferecimento”. Em Porto Velho, obteve


ajuda do coronel Aloysio Webber, comandante do 5o Batalhão de Engenharia e Constru-
ção (bec), que providenciou comida, hospedagem e um caminhão. Em agosto de 1968, a
expedição, que incluía índios gavião, penetrou na mata pela margem direita do igarapé
conhecido como Riozinho, a 25 quilômetros da cidade de Pimenta Bueno. A região era,
segundo Meireles, a que mais registrava ataques por conter a “principal fonte de abaste-
cimento de caça, peixe e frutas silvestres dos Cinta-Larga”. A equipe caminhou por ca-
poeiras e lugarejos abandonados, outrora ocupados por seringueiros, arrancando com
as mãos mato, cipós, arbustos e árvores caídas. Após percorrer cerca de 120 quilôme-
tros em 37 dias, chegou a um igarapé e ali montou o posto de atração. Como era 7 de se-
tembro, assim foram batizados o posto e o veio de água. Para ofertar brindes aos índios,
a expedição havia levado três dúzias de machados, três dúzias de facas, duas dúzias de
foices e duas dúzias de facões. As peças foram deixadas em vertentes percorridas pelos
Cinta-Larga e em um tapiri localizado perto do posto. Os índios retribuíram, deixando
no local alimentos e “flechas, cocares, cestinhas e outros artefatos”. Para facilitar o tra-
balho da Funai, o governo interditou toda a região, depois reduzida e batizada de Parque
do Aripuanã, “área de extensão maior que o estado de São Paulo”, como comparou Mei-
reles. Queirós Campos foi em pessoa conhecer o posto Sete de Setembro. Preocupado
com o que ocorreria com os índios depois do contato, Meireles pediu “medidas eficazes”
para “evitar o esbulho e a espoliação de que tem sido vítima a maioria das tribos indíge-
nas”. “Uma vez atraídos é necessário que os atuais magnatas da propriedade da terra não
se apossem de suas glebas, como costumam fazer com a cumplicidade, ou pelo menos
com a tácita aprovação ou mesmo fria indiferença de certos governantes.”

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Meireles disse que em 1953 havia denunciado “pessoalmente ao presidente
[Getúlio] Vargas e publicamente, em entrevista ao vespertino O Globo”, que as terras xa-
vante “estavam sendo invadidas e vendidas pelo governador de Mato Grosso”, mas por
isso fora “punido com a suspensão por trinta dias e nenhuma medida foi realmente to-
mada para salvaguardar as referidas terras”. Agora ele não estava sozinho em sua luta:
tinha a companhia decisiva de seu filho.
Desde o princípio — e pela vida toda —, José Apoena Soares de Meireles esteve
ligado à questão indígena. Nasceu em uma área indígena em 1949 perto do rio das Mor-
tes, no posto Pimentel Barbosa, em Mato Grosso. O pai escolheu o nome da criança em
homenagem a um importante cacique xavante da época do contato por ele concluído nos
anos 1940. A família dizia que o nome significava “aquele que enxerga longe”.16 Apoena é
visto nas imagens antigas sempre de chapéu, magro, com um bigode fino e sem barba.
Em 1969, com apenas vinte anos, Apoena foi empossado no cargo de sertanis-
ta da Funai. Seu primeiro papel de relevo foi a operação Cinta-Larga.17 No dia do conta-
to, em junho de 1969, Francisco não estava na área. O velho sertanista depois escreveu,
cheio de orgulho, à direção da Funai:

O servidor José Apoena de Meireles, chefe substituto da expedição, foi ao en-


contro dos mesmos [índios] quando apareceram na margem oposta do igara-
pé Sete de Setembro. […] Através de gestos, pediam mais presentes, ocasião
em que, num desprendimento raro, o servidor Apoena, despido de qualquer
arma, dirigiu-se ao encontro dos temíveis “Cintas-largas”, dando ensejo à
confraternização.18

Claro que não foi tão simples assim. Dez anos depois, o próprio Francisco con-
tou que tanto Apoena quanto o cacique “estavam morrendo de medo” um do outro.19
Um dos principais documentaristas da história do indigenismo no país, Jesco
von Puttkamer, que acompanhou tanto os Meireles, dos quais foi homem de confian-
ça, quanto outros sertanistas em diversas operações de contato com etnias indígenas
dos anos 1940 aos 1970, deixou um diário de campo da época do contato em Rondônia,
mas seu acesso hoje é controlado pelo Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia
da Pontifícia Universidade Católica (puc) de Goiás. Após tentativas de acesso ao mate-
rial para este livro, o instituto informou que os cadernos e anotações de Jesco passavam
por um processo de escaneamento, trabalho que deveria demorar pelo menos até 2016.
Em 2005, contudo, um livro em homenagem a Jesco reproduziu trechos de
seus diários. No texto sobre os Suruí, a pesquisadora Ana Ligabue afirmou que o sa-
rampo chegou aos índios por volta de outubro de 1971, “propagando-se rapidamente”, o
que os levou a buscar ajuda médica de Apoena e da Funai. Ela cita “mais de quatrocen-

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tas mortes até 1973”, sem no entanto atribuir a informação diretamente aos cadernos de
Jesco. A pesquisadora informa que ele escreveu em seus diários:

É sempre o mesmo quadro: primeiro chega a estrada, depois a necessidade de


contatos amigáveis. Os índios têm contato descontrolado com os forasteiros,
pegam doenças contagiosas. […] Logo depois, colonos invadem suas terras e
o governo os transfere para algum outro local […], sempre de pior qualidade.
Os irmãos Villas Bôas costumavam dizer que os índios cedem lugar ao gado.20

Em uma reportagem sobre os Cinta-Larga, Jesco escreveu que a Funai “pro-


cura manter as doenças da civilização distantes até que os índios possam ser imuniza-
dos”.21 No posto de atração da Funai, onde ele passou meses, a malária “era uma coisa sé-
ria, e um dos nossos homens morreu disso”. Acrescentou que o pessoal da Funai ouvira
falar que uma gripe chegou aos Cinta-Larga, embora não soubesse a dimensão do pro-
blema. Havia “equipes médicas de prontidão, mas só podemos agir quando convidados”.
Antes da publicação, o texto da reportagem foi submetido em caráter confi-
dencial pela integrante da pesquisa editorial da National Geographic Magazine, de
Washington, Judith Brown, ao general Oscar Jerônimo Bandeira de Mello, então presi-
dente da Funai. Judith pediu-lhe que confirmasse a veracidade de diversos dados con-
tidos no texto. Jesco escreveu, por exemplo, que a br-364 fora aberta em 1967, ou seja,
durante o regime militar, e “atingiu as áreas de caça” dos índios. A Funai disse à revista
que a estrada “foi aberta no começo dos anos 1960” e que “não cruzou as áreas de caça
dos Cinta-Larga”. A primeira observação é correta, mas a segunda, controversa. O limi-
te ao sul de uma das áreas cinta-larga depois demarcadas pelo governo, a Roosevelt, fica
a poucos quilômetros dos limites dos municípios de Cacoal e Ji-Paraná, ligados pela ro-
dovia. A própria Funai sugeriu à revista na época: “Use a palavra ‘perto’ (atingiu perto
de seus campos…)”.22
Na versão publicada na revista, o texto termina com a seguinte frase: “Nada
[pode ser feito], exceto orar para que não seja muito tarde, que a intrusão da civilização
já não tenha condenado à extinção outro povo primitivo”. Na versão enviada por Jesco, o
trecho aparecia como: “[…] que não seja muito tarde, que por intermédio de nossa inva-
são na vida deles nós já não tenhamos condenado à extinção outro magnífico povo pri-
mitivo”. Uma sutil diferença, porém reveladora: para Jesco, o trabalho da Funai se con-
fundia com a própria desgraça dos índios.

É fora de dúvida a ocorrência de violentos surtos entre os Cinta-Larga e os Suruí de Ron-


dônia após o contato, mas a documentação produzida pelos agentes da Funai na época,

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disponível até o momento, também não é clara o suficiente sobre o tamanho do impacto
da epidemia naqueles momentos cruciais.23
Testemunhos posteriores, contudo, dão a certeza de que o contato represen-
tou um desastre impressionante para os índios. Quando parte dos diários de Apoena foi
publicada após a sua morte, em 2004, soube-se que ele escreveu em 25 de maio de 1973
sobre mortes de Suruí na região do posto Sete de Setembro. Ele fez uma penitência e
uma promessa. Parecia bem atribulado com o surto, a ponto de imaginar ser assassina-
do pelos índios.

Não posso aceitar ser o veículo de extermínio de nossos índios sem dar-lhes
chance de me destruírem, arrebentarem minha cabeça, meu interior ferido pela
cacetada de suas bordunas, e então, em meio ao meu próprio sangue ainda pedi-
rei perdão pelas vidas indígenas desaparecidas após contatá-las. Jamais esque-
cerei o surto de sarampo nos Suruí do [posto indígena] Sete de Setembro, e dese-
jo por isso que possa um dia morrer lutando ao lado dos índios ou ser morto por
eles. Para mim, não existe diferença, tudo o que fizer ainda será pouco.24

Apoena escreveu sobre uma “lembrança distante” que voltava à sua mente,
certos “temporais passados e vencidos”.

Surgem diante de mim as imagens de índios atacados de sarampo e que desapa-


reciam entre minhas mãos, escorregavam pelo meu corpo e desapareciam terra
adentro. […] Que infelicidade é um homem amar seus filhos e vê-los morrer nas
suas mãos, querendo partir com eles sem poder, pois sabe que o momento ainda
não é chegado. No fim de tudo a Funai em nota oficial disse que ainda não tinha
morrido nenhum índio! Que raiva, quanto nojo sinto por certo tipo de homens.

Apoena foi específico sobre uma operação de acobertamento de informações.


Porém, não foi claro sobre a data e o número de mortos da epidemia. De acordo com os
autores do livro com seus diários, que entrevistaram Apoena, ele “estava se lembrando
do terrível surto de sarampo que dizimou centenas de Suruís”.
O quadro mais amplo começou a surgir nos trabalhos do etnólogo francês Jean
Chiappino, membro do Grupo de Trabalho Internacional para Assuntos Indígenas (In-
ternational Work Group for Indigenous Affairs, iwgia), organização não governamental
fundada por antropólogos e ativistas de direitos humanos europeus em 1968, com sede
na Dinamarca.
Chiappino chegou à região habitada pelos Suruí Paiter em 1972, portanto de-
pois do contato — que aliás ele estabeleceu como sendo o ano de 1971, e não 1968, ao con-

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trário do que indicam alguns documentos da Funai. Na época da chegada do etnólogo,
tanto os Suruí quanto os Cinta-Larga, num total que variava de 1,5 mil a 5 mil índios, ha-
viam sido reunidos pela Funai numa região interditada que recebeu o nome de Parque
Indígena do Aripuanã, uma tentativa do governo militar de repetir a experiência, consi-
derada positiva, do Parque do Xingu.
Chiappino viveu três meses entre os Suruí. Ele recolheu informações e presen-
ciou cenas que ajudam a entender as lamentações feitas por Apoena anos depois. O fran-
cês disse que o estado dos índios era “desastroso” e que o contato fora realizado de forma
“muito rápida e sem a ajuda de qualquer assistência médica”. Contou que uma ajuda por
helicóptero chegou a ser organizada por Apoena, mas apenas “revelou a inconsistência e
a inutilidade de tal decisão”, tendo sido um “fracasso total”. Chiappino disse que dos par-
ticipantes da missão, incluindo Jesco, a quem identificou como “fotógrafo da Funai”, ele
conseguiu apenas recolher detalhes “folclóricos” e “comentários maldosos” sobre o com-
portamento dos índios. Observou também que não havia remédios na farmácia do posto
Sete de Setembro. Por sua insistência, uma nova missão foi organizada com o pessoal mé-
dico da Funai, mas tudo não passou de “um número de propaganda para impressionar”
o etnólogo. As injeções, com medicamentos inapropriados, não “eram o que a emergên-
cia exigia”. Logo a equipe saiu da região, deixando Chiappino “sozinho e com o pouco que
restava dos meus próprios remédios”. Numa ocasião, ele “teve que carregar um jovem ín-
dio nas próprias costas” até o posto. O resultado desse abandono não demorou a aparecer.
“A epidemia atingiu todas as faixas etárias, com as mortes ocorrendo dois meses depois
do aparecimento de uma tosse rouca, que se espalhava pela floresta ao final da tarde.”25
Segundo Chiappino, a doença atingiu 60% da população total, que ele calculou
entre quatrocentos e quinhentos índios. Narrou ter confirmado a morte de vinte pessoas
que conheceu “ou pelo nome ou pelo parentesco”. A média inicial era de uma morte por
semana, mas em novembro ela dobrou. “Depois eu soube que a epidemia continuou,
com 45% de mortalidade para o grupo que frequentemente visita o posto indígena Sete
de Setembro.”
O documento produzido por Chiappino tornou-se uma potente denúncia so-
bre a política indigenista brasileira, seus métodos e resultados danosos. Ele questio-
nou com firmeza a ideia das frentes de atração da Funai, esforço que a seu ver consis-
tia em distribuir “iscas” na forma de presentes, para depois abandonar os índios “sem
resistência”.

Esse trabalho de proteção é tão desagradável para certas pessoas ou significa


uma política deliberada? O silêncio em que é mantido não revela que certas
pessoas estão bem informadas sobre o que estão promovendo? E não temamos
uma palavra: isso não é genocídio?

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O etnólogo revelou que antes de entrar na área indígena teve que assinar uma
declaração apresentada pela Funai, e com o nome do presidente do órgão, segundo a
qual ele deveria reconhecer os “esforços da Funai” na área de assistência médica, mas
que os índios “ferozmente se opõem a esses esforços”. Chiappino escreveu que na reali-
dade “não observou tais fatos” — nem apoio médico da entidade nem a recusa firme dos
índios, que, para ele, podiam ser convencidos com pouco trabalho.

Sob a cobertura do nacionalismo, decreta-se uma política chamada a princípio


de “integração”, mas que no nível da realidade concreta não é nada além do que
um genocídio. Esse genocídio que o Brasil se recusa a admitir deveria ser des-
mascarado pela atual política indigenista seguida pela Funai.

Chiappino esteve entre os Suruí no ano de 1972, período em que disse terem ocorrido
pelo menos vinte mortes. Porém, duas outras testemunhas oculares do drama desses
índios chegaram a uma conta muitíssimo mais alta.
O sil foi fundado nos anos 1930 pelo missionário protestante norte-americano
William Cameron Townsend, conhecido como “Tio Cam”. Após trabalhar com povos in-
dígenas na Guatemala, ele chegou à conclusão de que poderia evangelizar os índios com
mais rapidez se conseguisse antes traduzir a Bíblia para a língua de cada grupo. O sil
passou então a gravar em áudio, transcrever e traduzir para o inglês e o português lín-
guas das diversas etnias da América Latina. Embora apresentasse uma roupagem “cien-
tífico-cultural”, a motivação do instituto era “espiritual”.26
O sil era mantido por um grupo batista apoiado pela família Rockefeller —
Nelson se tornaria vice-presidente dos Estados Unidos nos anos 1970. Uma fazenda de
417 mil hectares adquirida pela família no sul de Mato Grosso serviu de base aos pri-
meiros trabalhos do grupo no Brasil, em meados dos anos 1950, na evangelização dos
índios terena.27 Surpreendentemente, um grande apoio à instalação do sil no Brasil
partiu do principal antropólogo ligado a João Goulart, Darcy Ribeiro. Este justificou
sua posição dizendo que a missão do instituto era fundamental para compreensão e
preservação das línguas indígenas. Escreveu mais tarde que era “uma bobagem” das
“esquerdas, em sua habitual estupidez”, relacionar o sil ao trabalho da cia, a central
de inteligência do Estados Unidos. “Eles [sil] lá estão para preparar a chegada do novo
Cristo. Essa é a verdade, meio inverossímil, mas verdadeiríssima.”28
O sil entrou em terras indígenas do Brasil em 1956, mas só em 1969, durante
a ditadura, teve sua atividade regulamentada por meio de um convênio assinado com a
Funai e o Ministério do Interior. No ano de 1970, trabalhavam pelo sil no Brasil 153 pes-

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soas, todas estrangeiras, com exceção do administrador, um brasileiro. Desse total, 99
eram “linguistas ou linguistas-antropólogos”.29
Os missionários estavam espalhados por várias áreas indígenas em que a ati-
vidade da Funai era inexistente, o que os levava a atuar, na prática, como profissionais
de saúde. De maneira conveniente, essa dupla função foi referendada pelo órgão indige-
nista em 1971, que dois anos depois renovou o convênio. O sil disse à Funai ter em seus
quadros um médico e dezoito enfermeiros e auxiliares de enfermagem que iriam “cui-
dar também da assistência médica nas aldeias onde estivessem trabalhando”. A Funai
ajudaria com medicamentos “essenciais e em quantidades suficientes”.30
Havia pelo menos um problema nesse acerto. Os membros do sil tinham
como objetivo principal o estudo da língua, o que os obrigava a deixar a aldeia de tem-
pos em tempos para “aperfeiçoamento das análises” do material coletado e preparação
“de material de ensino”. Além disso, os missionários também precisavam recuperar sua
própria saúde, abalada pelas “precárias condições sanitárias nas aldeias”. Nessas ausên-
cias, a Funai deveria comparecer com suas equipes volantes de saúde. Ou seja, o atendi-
mento ao índio pelo sil era apenas um remendo incentivado pelo governo.31
Os missionários do instituto funcionavam para a Funai como fontes de in-
formação bem posicionadas em áreas inóspitas do país. Em 1971, por exemplo, o sil
informou ao órgão que “a situação do contato interétnico é extremamente grave na
área do rio Tapaua”, um afluente do rio Purus, região habitada por índios apurinã, ka-
tukina, yamamadi, paumari e deni, dentre outros. Os índios da região se viam pre-
sas do sistema de “barracão”, modalidade de trabalho escravo em que os contratatos
sempre ficam devendo aos patrões por alimentação, abrigo e roupas. “Há uma quase
total falta de autoridade nessas regiões […]. Autoridades ou funcionários tanto do spi
quanto da Funai nunca visitaram o rio Cunhua para saber como estão aqueles que vi-
vem na região.”32
A um grupo de trabalho montado pela Funai para averiguar o convênio do sil,
a direção deste não escondeu o interesse maior de sua atividade no Brasil. Segundo o
instituto, 30% das publicações usadas nos seus programas educacionais nas aldeias in-
dígenas brasileiras eram “religiosas” e 70% “não religiosas”. Os livros ensinados aos ín-
dios incluíam um Gênesis abreviado, Histórias do Velho Testamento, o Novo Testamen-
to e Livros de cantos.33

Nos anos 1970, dois dos mais ativos missionários do sil no Brasil eram o holandês Willem
Bontkes, nascido em 1933, e sua mulher, a norte-americana Carolyn Bontkes, nascida em
1940.34 O casal começou a atuar na área dos Suruí Paiter em julho de 1970. Em agosto, Wil-
lem caiu doente de malária e o casal teve que sair da região com apoio de um táxi-aéreo.
Durante um ano, entre outubro de 1970 e outubro de 1971, o casal ficou fora do Brasil, lecio-

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nando fonética e linguística em uma escola de Dakota do Norte vinculada ao sil. Nesse in-
terregno, ocorreu uma grande epidemia entre os Suruí, de acordo com os registros entre-
gues pelo casal Bontkes à Funai e guardados nos arquivos do órgão indigenista em Brasília
por mais de quarenta anos. Os missionários informaram, porém sem citar a fonte, que “vá-
rias centenas” de Suruí morreram entre julho e setembro de 1971. De volta à área suruí, o
casal testemunhou a morte de outros 65 índios de abril de 1972 a 15 de novembro de 1974 —
portanto, mais de três vezes o número parcial testemunhado por Jean Chiappino.
Os registros do casal Bontkes revelam a ausência de infraestrutura da Funai,
como aviões ou helicópteros, para reduzir ou debelar as epidemias entre os Suruí. O
único avião à disposição era o do próprio sil, usado em outras partes do país. O casal ti-
nha que caminhar por até sete dias na mata para chegar a uma aldeia e medicar os ín-
dios. No último trimestre de 1972, por exemplo, o casal anotou: “Muita doença entre os
índios. Pelo menos dez Suruí morreram nesse período. Bill foi caçar com os índios vá-
rias vezes. Escassez de comida para os índios do posto”.35
Em maio de 1974, o casal Bontkes foi procurado pelo delegado da Funai na re-
gião, que entregou aos seus cuidados, doente, uma indiazinha de catorze meses de idade
chamada Yari cujo pai havia morrido no dia 6 de fevereiro e a mãe, no dia 2 de abril. Dois
anos depois, o casal deu início ao processo de adoção de Yari no cartório de registro civil.
Para complicar o cenário, os Suruí também viviam em escaramuças com uma
tribo chamada pelos Bontkes de “cabeças secas”. Em 1974, três índios foram mortos pe-
los inimigos a apenas três horas de caminhada do posto.
Chiappino disse ter testemunhado vinte mortes. O casal Bontkes, primeiro
“várias centenas” e depois, 65. Em setembro de 1980, outro estudo sobre o caso apontou
pelo menos duzentas mortes entre 1971 e 1973 de “sarampo, gripe, tuberculose”, o que te-
ria correspondido a “um terço do grupo” de seiscentas pessoas a princípio contatadas
durante a ditadura.36
A palavra que Chiappino disse que deveria ser pronunciada sem hesitação, “ge-
nocídio”, era a última que os militares queriam ouvir. Após o relatório da comissão Já-
der, o governo foi alvo de diversas reportagens no exterior que questionavam a capaci-
dade da Funai e denunciavam o extermínio de aldeias inteiras. A maioria dos artigos
confundia uma data, sugerindo que o massacre dos índios cinta-larga no Paralelo Onze,
que havia ocorrido em 1963, fosse obra da ditadura. Mas, na essência, as matérias ex-
pressavam as principais conclusões do chamado “Relatório Figueiredo”.
Em resposta, a ditadura agiu para obter uma chancela internacional de que
tratava bem os índios brasileiros. Quando a Cruz Vermelha Internacional (cv) se ofere-
ceu para fazer uma expedição para aferir a saúde dos índios no país, a ditadura pronta-
mente aceitou. A cv veio com uma equipe de apenas três médicos, para uma viagem de
maio a julho de 1970 que passou por postos indígenas na ilha do Bananal, nos territórios

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federais de Rondônia e Amapá e nos estados de Mato Grosso, Pará e Amazonas. O traba-
lho foi bastante restrito, sem Sudeste e Sul: conheceram vinte tribos em cerca de trinta
aldeias, o que representava somente “quase um terço da população indígena da região
amazônica brasileira”.37
O roteiro foi acertado previamente com a Funai, que discutiu os detalhes com a
seção brasileira da cv.38 Um representante da Funai, um antropólogo indicado pelo órgão
e um jornalista do Ministério do Interior acompanharam a equipe da cv. A logística ficou
a cargo da fab, de orgãos econômicos regionais e do Exército, que forneceram aviões, lan-
chas e hospedagem. A cv pagaria por diárias e alimentação em hotéis, onde fosse possível.
O relatório do Comitê Internacional da Cruz Vermelha foi divulgado em Gene-
bra em outubro de 1970.39 Das setenta páginas do relatório, a ditadura pinçou e deu gran-
de destaque a dois pontos. Primeiro, o relatório disse que a cv teve “completa liberdade
de movimentos”. Depois, afirmou que “ao longo de toda a missão, em nenhum lugar foi
vista qualquer evidência de massacres ou qualquer sinal de maus-tratos físicos a tribos
ou indivíduos indígenas”. O relatório fez recomendações bastante questionáveis do pon-
to de vista antropológico e do direito dos índios, e hoje completamente superadas. Suge-
riu, por exemplo, a transferência dos índios para áreas de “menor interesse econômico”,
reservas onde a “aculturação poderia ocorrer sob condições controladas”.
O relatório completo, porém, está longe de ser um atestado de bons serviços da
ditadura. A missão encontrou epidemias de malária, conjuntivite e tuberculose em diver-
sos grupos. No posto de Pirigara, em Mato Grosso, constatou-se que a Funai “não mais as-
siste” um grupo bororo, que sofria de “anemia severa”. Sobre um grupo nambikwara, de
Serra Azul, a cv apontou que a “mortalidade infantil aparentemente é muito alta”. Em Ca-
pitão Pedro, os Nambikwara viviam “em situação realmente desesperadora e se nenhuma
assistência for providenciada no futuro próximo, a vila provavelmente vai morrer comple-
tamente”. No posto dos Pacaá-Novo, sete índios haviam morrido e outros vinte foram in-
fectados nas últimas três semanas em uma epidemia de sarampo. No Parque Nacional de
Tumucumaque, onde viviam cerca de 220 índios tirió, a cv encontrou uma epidemia de
gripe, “que já havia causado a morte de três pessoas”, sete casos de broncopneumonia e
tuberculose ativa. No Pará, no posto dos Gavião da aldeia de Mãe Maria, parecia não haver
alimento algum para os índios, com exceção de farinha de mandioca.
Ao final dos trabalhos, a cv sugeriu uma “rápida ação” com a criação de um
programa de saúde a partir de um convênio com a Funai. Porém, as duas partes passa-
ram mais de dois anos apenas na fase de estudo das bases do acordo. Quando foi assi-
nado, no início de 1974, anunciou-se que o programa atuaria somente na região dos rios
Juruá e Purus, onde viviam entre 5 mil e 10 mil índios — ou seja, de 5% a 10% da popula-
ção total no país. Os recursos do programa eram pífios, sendo estimados em 1 milhão de
dólares, levantados por meio de doações de governos e cidadãos europeus.

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6. FARDADOS

além do massacre da expedição calleri, a gestão do primeiro presidente da Fu-


nai foi marcada por outra polêmica. Queirós Campos pôs em prática uma controver-
sa Guarda Rural Indígena, a Grin. Em seguida, abriu espaço para a abertura de um “re-
formatório” indígena, um eufemismo para prisão, denominada Krenak, em Resplendor
(mg). Essas medidas foram um reflexo do episódio da rebelião dos Maxacali de Minas
Gerais, que em 1966, como vimos, atacaram propriedades rurais. O capitão da Polícia
Militar Manuel dos Santos Pinheiro, chefe da Grin, era o mesmo que havia sido enviado
pela Funai para conter os distúrbios promovidos por índios, movidos pela fome e pelo
abandono, segundo as conclusões do próprio policial. Anos depois, ele admitiu a rela-
ção entre a rebelião e a Grin:

Fui eu quem criou a Grin e idealizou Krenak. […] Tratei logo de prender os ín-
dios que lideravam o movimento [maxacali] e fui pouco a pouco restabelecen-
do a paz no local. Meu trabalho foi considerado excelente e assim fui convida-
do pela presidência da Funai para trabalhar com os índios de Minas Gerais.1

A Grin era um ambicioso projeto de Queirós Campos. Ele pretendia reunir


“mais de 3 mil índios” com o objetivo de “defender aldeamentos contra abusos e impe-
dir que os silvícolas também pratiquem desmandos”. Ou seja, era uma operação de con-
tenção dos índios, tanto nos problemas internos quanto nos ataques a “civilizados”. Em
público, o capitão Pinheiro também afirmava que uma das funções da Grin era permi-
tir aos índios “se defenderem dos ataques dos maus civilizados” que invadiam territó-
rios indígenas.2
Os índios da Grin foram treinados no Batalhão Escola da Polícia Militar de Belo
Horizonte. Os primeiros 57 alunos, índios kraô, xerente e maxacali, chegaram ao local
em novembro de 1969. Recebiam da Polícia Militar “noções de instrução militar, instru-
ção policial e instrução especializada, relacionada com ordem-unida, educação moral e

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cívica, equitação, ataque e defesa, armamento e tiro”, dentre outros tópicos. Em suma,
o índio era treinado a se tornar um “soldado branco”, como disse uma reportagem da
época.3
No ano de 2012 surgiu a evidência de que, no treinamento, os índios também
recebiam aulas de tortura física. Imagens feitas pelo documentarista Jesco von Puttka-
mer de 5 fevereiro de 19704 mostram dois índios da Grin carregando, durante uma para-
da militar, um índio pendurado em um pau de arara, tortura muito usada pela repressão
para destruir a resistência física de militantes da esquerda armada nas cidades. O des-
file ocorreu na presença do então ministro do Interior, José Costa Cavalcanti, e de Quei-
rós Campos, entre outras autoridades.5 A solenidade marcou a formatura da primeira
turma de noventa soldados da Grin. Eles marcharam e fizeram o juramento à bandeira,
com a mão direita estendida. Vestiam fardas “com calças verdes, iguais às do Exército,
camisa amarelo-laranja, boné bico de pato e botinas pretas”.6
Em janeiro de 1970, um grupo de quatro índios da Grin já atuava na região da
ilha do Bananal, na aldeia dos Karajá. No primeiro trimestre do ano, foram instalados
quatro grupos — os primeiros e únicos, aliás: xerente em Tocantínia, kraô em Craolân-
dia, karajá na ilha do Bananal e maxacali no vale do Jequitinhonha.
Não demoraram, porém, a aparecer as primeiras denúncias de “espancamen-
to, arbitrariedades e insubordinação” cometidos pela Grin. Em Goiás, um “caboclo resi-
dente nas proximidades do Araguaia” se disse alvo de “arbitrariedades”; em Minas Ge-
rais, “um vaqueiro da Funai […] reagiu à prisão e lutou contra os grins, ficando ferido
juntamente com alguns membros da guarda”.7 Mais tarde veio a informação de que o
vaqueiro fora “preso, espancado e terminou em um hospital” porque dera uma festa de
aniversário na qual um Karajá, convidado, acabou bebendo aguardente. Surgiu ainda
a denúncia de que “um velho pescador” da ilha do Bananal foi obrigado “a andar cinco
quilômetros até uma cadeia, sob bordoadas” depois que os guardas encontraram em sua
canoa uma garrafa de aguardente, para consumo próprio.8
Na terra dos Kraô, a experiência também foi um desastre. Por volta de 1967, os
índios somavam cerca de seiscentos indivíduos. Desse total, 28 foram transformados
em grins. A partir daí, a produção de alimentos foi reduzida na área, pois os guardas,
suas mulheres e familiares deixaram de se dedicar a atividades agrícolas, passando a vi-
ver dos salários da Grin. Para alimentar a guarda, a Funai instalou uma cantina na área
indígena, onde os índios podiam comprar produtos industrializados. Isso também pro-
vocou a redução da produção agrícola e as atividades de caça. Outro problema foi que a
Grin passou a controlar a saída dos índios para núcleos urbanos, tolhendo a liberdade
de todos na área. Em 1973, já se discutia a desativação da guarda.9

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Ao criar em 1969 a prisão Krenak, chamada eufemisticamente de “reformatório”, na
área do posto indígena Guido Marlière, às margens do rio Doce, no município de Res-
plendor (mg), Queirós Campos disse ter se baseado na resolução no 5484, de 1928, que
previa o recolhimento dos índios “a colônias correcionais ou estabelecimentos indus-
triais de disciplina”. A lei deixava a cargo do Estado determinar quanto tempo o índio
deveria ficar preso, desde que não passasse de cinco anos. Queirós Campos disse que o
tempo de prisão seria o necessário para que o índio fosse “capaz de entender o alcance
do ilícito praticado”. “Essa segregação tribal, com vistas à recuperação, parece-me bem
mais humana do que a execução capital ou certas penas infamantes que alguns antro-
pólogos justificam.”10
Em 1973, quando assumiu a chefia da Ajudância de Minas Gerais e Bahia, o ser-
vidor da Funai João Geraldo Itatuitim Ruas calculou que pelo menos cem índios haviam
passado pela Krenak, dos quais “80% não tinham nenhum documento nem a causa” da
punição. Documentos trazidos à tona em 2013 confirmam a prisão de índios acusados
de bebedeira e pelo menos um caso de “vício de pederastia e furtos”. Em telegrama, o
capitão Pinheiro recomendou que esse índio fosse “isolado dos demais elementos”. Em
outro episódio, o índio conhecido como João Bugre foi preso por ter ingerido bebida al-
coólica. Localizado décadas depois pelo jornalista André Campos, Bugre disse que ape-
nas “tomou uma pinga”, o que lhe custou “quase um ano, nove meses” na prisão.11

Assim como a Grin, a experiência da prisão Krenak não durou muito. Seus efeitos, con-
tudo, permaneceram por décadas na memória dos seus prisioneiros. As histórias que
eles contam não revelam apenas dramas pessoais, mas também como uma política de
Estado afetou o curso da história de grupos indígenas inteiros.
Os Krenak eram outrora um de vários grupos indígenas que habitavam uma
vasta região entre os estados de Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo e que receberam a
denominação genérica de botocudos, devido ao botoque, um pedaço de madeira em for-
ma circular que usavam nos lábios ou nas orelhas. Foi contra os botocudos, guerreiros
e temidos, que a Coroa portuguesa decretou no Brasil, por meio de uma série de cartas
régias, uma política de guerra, cativeiro e escravização no início do século xix.12 Essa de-
terminação levou à criação de sete divisões e 33 quartéis militares na região do rio Doce,
duas divisões e doze quartéis em Jequitinhonha, duas divisões e quatro quartéis em Mu-
curi, quatro quartéis em Itanhém ou Jucurucu, quatro quartéis em Prado, quatro quar-
téis em São Mateus e “outros 26 quartéis espalhados em outros rios de menor porte”.
Após muita resistência, mortes, epidemias e derrotas, incluindo o sequestro por “civili-
zados” de crianças indígenas, que eram divididas como mercadorias entre famílias po-
derosas da região, os índios passaram a viver aldeados perto das unidades militares. No

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início do século xx, o spi criou alguns postos indígenas, incluindo o Eme, onde ficaram
os Krenak.13 Mais tarde o local foi batizado como posto indígena Guido Marlière, em ho-
menagem a um militar francês enviado para a região em 1819 para continuar a política
de atração e “pacificação” dos botocudos.14

O Krenak José Alfredo nasceu em 1945 no posto Marlière. Ele diz ainda se lembrar da
primeira transferência do seu grupo determinada pelo governo, por volta de 1958, para
o posto indígena Maxacali, perto da cidade de Machacalis (mg), distante nada menos
que 450 quilômetros por rodovia. Também foi a primeira vez que os Krenak viram o
capitão Pinheiro.

Houve uma época que jogaram uma bomba na casa do chefe do posto, o nome
dele era Américo, não mataram porque ele estava em Resplendor. Aí o capitão
Pinheiro veio para cá com a [Polícia] Florestal, disse que ia descobrir quem era
[autor], aí tirou os índios daqui e levou para Maxacali. Eu estava com doze anos.
Botaram num carro e soltaram a gente lá em Maxacali.15

O motivo da bomba, segundo José Alfredo, foi a revolta dos índios contra o sis-
tema do spi de se apropriar de parte da produção deles, em café, milho e arroz. Era a fa-
mosa “renda indígena” tão denunciada na época do Relatório Figueiredo.
O novo lar era estranho e hostil. Sônia Krenak disse, anos depois, que havia
uma “baratinha” que se multiplicava no capim e “comia a gente feito cão, feito sarna”.
Vários índios não suportaram, como declarou a índia Julia Krenak em 1989: “Chegou,
adoeceu. Morreu Eugênio de Mariazinha. Que lá é frio. Morreu Chica. O filho da Chica
morreu. Morreu adulto. Dois filhos de Pedrim. Morreu a mãe, morreu a irmã”.16
Os Krenak se rebelaram e partiram para sua segunda longa viagem. Como
o spi não quis ajudá-los, foram a pé. Vinte aceitaram a caminhada de volta ao posto
Marlière, que durou cerca de 95 dias, nas contas de José Alfredo, mas alguns ficaram
entre os Maxacali ou seguiram para outras regiões. Pelo menos um grupo foi forçado
pelo órgão a se dirigir para o interior de São Paulo, para viver com os Kaingangue no
posto Vanuíre.17
Quando chegaram ao Marlière, os Krenak descobriram que as terras estavam
todas arrendadas. Passaram então a trabalhar “a meia para o tomador de conta”, segun-
do José Alfredo, ou seja, tornaram-se na prática arrendatários de fazendeiros que, por
sua vez, haviam arrendado as terras do spi. Anos depois, Pinheiro anunciou a criação
do “reformatório” Krenak. Para os índios que já habitavam o lugar, a maior surpresa foi
que eles também passaram a ser tratados conforme as regras impostas aos presos que

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vinham de outros estados. Os Krenak se tornaram, em amarga ironia, prisioneiros em
suas próprias terras. Para entrar ou sair do local, precisavam de autorização da Grin. A
mesma regra valia para a travessia do rio, de canoa. Certo dia, José Alfredo desrespeitou
a norma e, por isso, ficou dezessete dias preso. De dia era solto para trabalhar na roça,
sob a vigilância dos guardas armados, mas à noite era trancafiado. Ele presenciou es-
pancamentos e pelo menos uma tortura por afogamento.

Uma vez fugiu um índio. Quando pegaram ele, botaram dentro da água até…
Ele era urubu, a gente chamava de Vascuru. Eu vi, foi no córrego. Eles batiam
pra caramba. Afogaram ele um bocado, bateram nele e depois levaram. Nós
não sabíamos o que ele tinha feito.18

Em 1972, os Krenak foram forçados pela Funai ao seu terceiro deslocamento.


Agora iriam para um local conhecido como Fazenda Guarani, no município de Carmésia,
a cerca de 350 quilômetros por rodovia. Tratava-se de uma propriedade da Polícia Militar
de Minas. O comando da Funai decidiu pela transferência para liberar a área dos Krenak
aos fazendeiros da região. Alegou que estava fazendo uma troca de terras. Em vez de reti-
rar os fazendeiros, retirou os índios. José Alfredo viu quando seu amigo Joaquim Grande,
ao se recusar a fazer a mudança, foi algemado e jogado num carro. Os Krenak foram expul-
sos pela segunda vez. Todos os prisioneiros também foram transferidos.
Em Guarani, os Krenak descobriram que o local era habitado por vários poli-
ciais e índios de outras etnias. Parte deles não quis ficar e decidiu rumar para outras ci-
dades da região. Só sete anos depois os Krenak voltariam em definitivo para a terra em
Resplendor, também a contragosto da Funai. Um tio de José Alfredo foi para a ilha do
Bananal, um irmão ficou em Colatina (es) e outro em Conselheiro Pena (mg). “Foi um
grande atraso na vida do índio, [indo] para lá e para cá, acabou com a nossa saúde. Meu
pai adoeceu e morreu. […] Morreu depois que voltaram de Maxacali. Foi atraso e desu-
nião, porque disparou os índios para todo canto.”
Anos depois, em uma reunião de servidores da Funai, o indigenista Rafael José
Menezes Bastos fez um balanço desalentador da situação.

Os índios krenak já são praticamente extintos, estão reduzidos a dez ou quin-


ze pessoas. [Bastos] falou também que no início do século existiam 10 mil ín-
dios e agora dez ou quinze índios. Falou também do problema dos botocudos,
que o problema deles também é a terra, falta de terra, falou também de geno-
cídio e citou como exemplo os judeus e alemães, porque os alemães matavam
os judeus simplesmente por serem judeus, e o povo está matando os botocudos
simplesmente por serem botocudos.19

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As prisões de Minas Gerais impactaram outros grupos, já que índios de várias partes do
país eram transferidos pela Grin. Um deles era um Pankararu de Pernambuco. No iní-
cio dos anos 1970, segundo Cleonice Pankararu, seu avô Antônio participou de um le-
vante indígena contra proprietários rurais na região de Brejo dos Padres e por isso aca-
bou preso pela guarda. Antônio primeiro ficou na prisão Krenak e depois seguiu para a
Fazenda Guarani. Os eventos mexeram com toda a família. “Minha mãe não quis ficar
mais na aldeia, [disse] ‘eu vou atrás do meu pai’. Nessas andanças, fomos parar em Brasí-
lia, e o pessoal recomendou que ela não fosse [para Resplendor], estava com vários me-
ninos, e grávida.”20
O filho de Antônio foi contratado pela Funai. A família viveu em diferentes
áreas indígenas até que reuniu condições para ir para a Fazenda Guarani. Depois que
as duas prisões foram desativadas, Antônio foi solto. Quando tentou voltar para Per-
nambuco, no entanto, “o lugar não era mais dele. Era da família, mas pessoas já estavam
tomando conta do lugar. Nós também não voltamos mais, já não tinha mais espaço”.
Antônio, que fora preso ao brigar por terras para os Pankararu em Pernambu-
co, morreu e foi sepultado na terra dos Krenak. Outros índios da Bahia, da etnia pataxó,
chegaram à área da pm em Carmésia, que logo ficou pequena para todo mundo.

De oito famílias, passou para quinze, trinta, quarenta, foram casando e for-
mando famílias, quando chegou um momento, não tinha mais lugar para o
pessoal. […] Houve o suicídio de duas lideranças pataxó, eram parentes ligados
a nós. O pai de Baiara, que hoje tem outra aldeia, sogro de meu irmão, se suici-
dou. Acho que foi essa questão de não ter alternativa. Nós fizemos várias tenta-
tivas, e todas as vezes não dava certo. Acho que ele ficou agoniado.

Documentos guardados nos arquivos da Funai confirmam que as prisões Krenak e Gua-
rani também foram usadas para prender índios que reivindicavam posse de terras e in-
comodavam a ditadura ou os fazendeiros.
A presença dos Pataxó Hã-Hã-Hãe no sul da Bahia é documentada desde, pelo
menos, 1610. Após um longo período de extermínio dos índios durante o avanço das
frentes de expansão, em 1926 o governador baiano Francisco de Góis Calmon aldeou
os Hã-Hã-Hãe, com remanescentes da etnia baenã, numa área de 50 mil hectares. Dez
anos depois, ela foi reduzida para 36 mil hectares, após o governador Juracy Magalhães
autorizar o desmantelamento de uma suposta “célula comunista” liderada pelo chefe do
posto indígena do spi Telésforo Martins Fontes, como reflexo da caça às bruxas poste-

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rior à revolta comunista de 1935. Uma expedição formada por policiais e jagunços de fa-
zendas vizinhas atacou a reserva indígena, provocando “grande número de mortos en-
tre os índios e os nacionais”.21 Anos mais tarde, Telésforo contou a um colega da Funai
que conseguiu escapar do ataque e denunciou, em vão, a “manobra dos fazendeiros para
afastá-lo da região”. As armas encontradas em posse dos índios lhes haviam sido dadas
pelo delegado regional da polícia da Bahia para que defendessem a integridade do ter-
ritório. Mas o mesmo delegado denunciou Telésforo ao governo, alegando que as armas
eram usadas para uma revolução comunista.22
Os fazendeiros contavam outra história. Para eles, “nunca houve índio” na re-
gião até 1930, pois o clima era “inóspito, com muita chuva e grande variedade de doen-
ças”. Telésforo é que teria trazido de outras regiões índios “capturados na mata, à noite”
e obrigados a “vestirem um macacão para não fugirem”. Sobre “o plano de cunho comu-
nista”, para os fazendeiros não havia dúvida de sua existência, pois Telésforo e os índios
chegaram a render uma patrulha da polícia, o que precedeu o ataque ao posto.23 A Fu-
nai nunca aceitou essa descrição dos fatos, ao frisar que a origem do conflito foi uma de-
cisão de Telésforo de apreender instrumentos usados por “engenheiros e posseiros in-
vasores” que faziam medições em terras indígenas sem consentimento do spi. Depois
dessa apreensão é que houve a prisão, a mando de Telésforo, da patrulha policial, o que
resultou no ataque ao posto. A Funai apontou que todo o episódio era uma disputa por
terras, sem relação com comunismo.24
Após a queda de Telésforo, durante a nova demarcação da reserva, em 1936, o
spi criou um segundo posto, denominado Paraguassu. Com o passar do tempo, a pres-
são de fazendeiros vizinhos intensificou-se sobre os índios, muitas vezes “ludibriados”
em relação ao direito que tinham às terras. Houve “ameaças à segurança, muitas vezes
concretizadas em assassinatos, incêndio de casas, destruição das propriedades e bens,
invasão das roças por jagunços”. Os postos da Funai acabaram desativados, “entregando
os índios à própria sorte”.25
O ponto culminante do ataque às terras dos índios deu-se na década de 1950,
quando nada menos que a própria sede do posto Paraguassu — marco dominante da
terra indígena — foi apropriada pelo “coronel Liberato de Carvalho, […] que a transfe-
re para outro arrendatário”. Em 1957, um Pataxó é assassinado e suas “terras são toma-
das por não índios”. O outro posto, Caramuru, foi também arrendado, em 1958, embora
houvesse 32 índios nas proximidades. O número de arrendatários atingiu 780 na mesma
época.26 Em dado momento, as terras de Caramuru passaram a ser arrendadas pelo “in-
fluente deputado estadual e rico pecuarista da região, dr. Aziz Maron”.
Na ditadura, a Funai começou um cínico processo de redução, em seus con-
troles internos, do número de índios na região. A cada corte, a entidade enviava menos
recursos à ajudância da região e menos gêneros alimentícios aos índios. Por outro lado,

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menos índios contribuíam para a “renda indígena”, o que logo levaria à falência econô-
mica do posto indígena.
O então responsável pela Funai na região era o capitão Pinheiro, o mesmo que
participara da criação da Grin. Após uma visita dele à região, em janeiro de 1968, o nú-
mero de índios foi “arbitrariamente reduzido de trinta para dez, ficando, portanto, vinte
totalmente abandonados à própria sorte”. A medida forçou a partida de índios para ou-
tras partes da Bahia e levou à prostituição pelo menos quatro índias. Em agosto do mes-
mo ano, a ajudância reduziu o número de índios para cinco. No final do ano, um coronel
do spi chegou a sugerir que o órgão devolvesse de uma vez as terras ao estado da Bahia,
o que implicaria a passagem automática de todos os arrendamentos para as mãos dos
“civilizados”. Em Brasília, o spi impediu a manobra. Em 1969, por fim, a Funai demitiu
os últimos dois trabalhadores do órgão que ainda cuidavam de uma horta nas cercanias
do posto. O longo processo de tomada dos 36 mil hectares de terras indígenas fora con-
cretizado após trinta anos de omissão do Estado.27
Em 1976, a situação chegou a um ponto em que a Funai se viu forçada a “verifi-
car ‘in loco’ a existência ou não de índios na região”. Foram encontrados “311 indivíduos
e mais a indicação de 162 chefes de família, parentes próximos”.28

O Pataxó Samado vivia com a família na área do posto indígena Caramuru, no sul da
Bahia, em constante atrito com fazendeiros da região. Ele chegou à região na década
de 1920, conduzido ao posto Paraguassu29 pelo lendário etnólogo Curt Unckel ou Unkel
(1883-1945), nascido na Alemanha e naturalizado brasileiro como Curt Nimuendajú,
nome dado pelos Guarani, que significa algo como “arranjar para si um lugar”. Nimuen-
dajú, que viveu mais de quarenta anos entre os índios de inúmeras etnias no Brasil, era
um defensor veemente deles e fazia denúncias públicas contra guerras de extermínio
lançadas por “civilizados”.30 Os textos que Curt deixou são vibrantes e muitas vezes ricos
em detalhes, lembrando grandes reportagens jornalísticas.
Em 1947, as terras de Samado foram invadidas, o que o obrigou a deixar o local,
junto com sua família. Ele se instalou em outro ponto da área, mas os problemas con-
tinuaram.31 No final da década de 1950, o Ministério da Agricultura determinou ao spi,
por ofício, uma “urgente reintegração de posse ao índio Samado nas terras de sua pro-
priedade e que se acham ocupadas” por um “civilizado”.32 Em novembro de 1967, Sama-
do e seu filho Diógenes Ferreira dos Santos procuraram o Departamento de Assistência
da Funai para informar que continuavam sendo “ameaçados e pressionados por invaso-
res das suas terras”.33 Dois anos depois, Samado e o filho voltaram a procurar o departa-
mento, com a mesma queixa.34

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Em algum momento, o capitão Pinheiro voltou-se contra o Pataxó. A Funai re-
conheceu em documento interno que, após “outras expulsões de pequenas glebas”, hou-
ve “a prisão pela sua persistência em permanecer na área”.35 Outro documento oficial da
Funai é mais direto:

Em 1969, Samado foi preso no Crenak [Krenak] devido sua persistência em lu-
tar para permanecer na região do “Toucinho”. Após libertado, foi jogado para
uma gleba de 16,6 hectares conhecida por “Panelão”. Ainda sofreu séria oposi-
ção ao direito de permanecer na área, já que a terra teria sido negociada arbi-
trária e ilegalmente.36

Como reflexo de uma “política de arrendamento” estatal, em meados da déca-


da de 1970 toda a área já havia sido fracionada em “aproximadamente setecentas glebas
nas mãos de quatrocentos arrendatários”, com os quais estavam “trezentos remanes-
centes indígenas trabalhando em péssimas condições”.37 Esses arrendamentos haviam
sido autorizados pelo posto indígena do spi, mas com o Estatuto do Índio, de 1973, to-
dos se tornaram ilegais, conforme a presidência da Funai reconheceu por ofício à Polí-
cia Federal.38
Mesmo depois de ser libertado de Krenak, Samado continuou sem o apoio da
Funai. Quando o delegado regional do órgão foi visitá-lo, afirmou que ele “tem feito per-
mutas de suas terras e com as quais tem sido infeliz”. O delegado reclamou que só a Fu-
nai poderia permitir a Samado “fazer negociatas de suas terras”.39 Em algumas comu-
nicações, a 11a Delegacia usou o termo “suposto índio” em referência a Samado, o que
gerou uma pronta reação da chefe da Funai em Brasília, Laia Mattar e Rodrigues, que pe-
diu uma definição do órgão: “Quem de direito, no caso o próprio dgo [Departamento Ge-
ral de Operações] ou o dgpc [Departamento Geral de Planejamento Comunitário], tire
as aspas e o pseudo e diga quem é Samado dos Santos perante a lei de amparo ao índio”.
Essas dúvidas levaram a antropóloga Maria Hilda Baqueiro Paraíso a confir-
mar à Funai que Samado era de fato descendente de índios que viveram no Recônca-
vo Baiano até 1834 e sofreram “feroz perseguição dos ‘nacionais’”, terminando por ser
expulsos das terras. Ela contou ter estudado com atenção o caso de Samado, devido às
insistentes denúncias que fazia, e concluiu que na verdade ele foi “até bastante come-
dido na narração dos seus males”, pois não teria referido “constantes agressões que vi-
nha sofrendo por parte de familiares” da fazendeira vizinha, plantadora de cacau. Uma
das filhas dele havia sido “atropelada propositalmente por um cavalo montado por um
dos filhos desta senhora”. As ameaças ocorriam para “forçar a saída de Samado a fim de
que essas terras possam ser incorporadas definitivamente à grande fazenda de cacau” e
também para minar a “sua liderança sobre os demais remanescentes”.

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Maria Hilda também confirmou que a prisão de Samado em Krenak foi deter-
minada por funcionários do órgão indigenista e que ele só foi solto graças “à interferên-
cia” do ex-diretor do spi José Maria da Gama Malcher “junto ao delegado regional de en-
tão, o capitão Pinheiro”.40
Em uma declaração protocolada no Departamento Geral de Patrimônio Indíge-
na (dgpi) da Funai em 1972, Samado descreveu o ataque à sua filha, que teria “deslocado
a junta” da mão de Elita. No papel, ele não faz referência à prisão de Krenak, o que indica
que pode ter sido preso depois de 1972. No entanto, ele descreve uma segunda prisão. Dis-
se que estava trabalhando em uma terra com permissão da Funai, mas certo dia foi abor-
dado por três policiais, que lhe deram voz de prisão, dizendo ser uma ordem do capitão Pi-
nheiro. O índio relatou que foi acusado de ser “criminoso, ladrão, desordeiro e intrigado até
com a polícia de todo o estado” e que ficou “doze dias preso na delegacia de Santa Rosa”. Ao
sair, recebeu ordem de Pinheiro para ocupar uma segunda área, mas surgiram novas pres-
sões. Samado implorou por uma solução: “O que eu quero é uma área para morar com mi-
nha família e plantar minhas roças e ter meus animais, para que eu possa viver em paz”.41
Foi um longo processo até que os Pataxó Hã-Hã-Hãe tivessem algumas vitórias
na longa luta pela demarcação de suas terras. Anos depois, Samado declarou em públi-
co:“Eu mesmo tenho trinta anos de luta, tenho roças perdidas tomadas pelos bandidos.
[…] Desde 1947 eu venho sofrendo”.42

As investigações da antropóloga Maria Hilda na Bahia em 1976 revelaram outra prisão


de indígena ordenada pela Funai. Dessa vez, porém, o índio nunca mais foi visto após ter
sido levado para o “reformatório” em Minas Gerais. Ele se chamava Dedé e era um dos fi-
lhos da “união intertribal do pataxó Itático com a baenã Rosalina”, sendo irmão de Mil-
ton, Tiarramin e José Bute. “Dedé desapareceu durante sua prisão no Crenak [Krenak]”,
escreveu Maria Hilda em relatório enviado à Funai em Brasília.43
Na região, entre índios e “civilizados”, a suspeita era que Dedé “havia sido mor-
to na prisão, já que tinha um gênio muito violento e não aceitava a situação em que vi-
viam então os índios dentro das terras que lhes deveriam ter sido garantidas pelo spi”.
Maria Hilda disse ter ouvido do chefe da Funai na região, José Brasileiro da Sil-
va, que Dedé, “quando não estava embriagado, caracterizava-se pelo mutismo, esquivan-
ça e tristeza”. Dias antes de sua prisão, o índio passara uma “descompostura” no capitão
Pinheiro, durante uma viagem que o pm fez à região.

A cadeia da terra krenak não resistiu a uma enchente do rio Doce, ocorrida em 1979, e
hoje restam apenas escombros do teto e das paredes. Mas a cela desativada da Fazen-

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da Guarani, em Carmésia, que visitei em dezembro de 2013, resistiu ao tempo. Era um
cubículo de cerca de quatro metros quadrados, sem banheiro, nos fundos de um so-
brado que funcionava como sede do posto da Funai. No primeiro andar, os cômodos
com sete amplas janelas que dão para a rua principal da antiga vila militar eram a mo-
radia dos funcionários da Funai. No térreo funcionava o escritório do posto, que se co-
municava por rádio com a ajudância em Teófilo Otoni. Em frente ao prédio há um pe-
queno pátio de alvenaria e um púlpito com sete degraus em que, segundo os índios, na
época da ditadura era hasteada a Bandeira Nacional quase todo dia, ao som do Hino
Nacional. Com a saída dos militares, os degraus foram pintados com motivos indíge-
nas. O mastro de metal também permanece, meio torto. Mas os índios nunca mais
hastearam a bandeira.44

A derrocada da Grin ainda não havia ocorrido quando começou a primeira transição da pre-
sidência da Funai. Queirós Campos durou pouco mais de dois anos no cargo, sendo substi-
tuído durante um período de turbulências tanto no Ministério do Interior quanto na Presi-
dência da República. O ministro Albuquerque Lima, que o havia nomeado, foi substituído
em janeiro de 1969 por José Costa Cavalcanti. Em agosto do mesmo ano, Costa e Silva dei-
xou a presidência, que passou a ser ocupada em outubro pelo general Garrastazu Médici.
Pouco antes de sair, em um balanço de sua gestão, Queirós Campos disse que a
prisão Krenak só abrigava índios “aldeados, mesmo aculturados” e “quando delinquen-
tes”, com vistas a se tornarem “tratoristas, vaqueiros, peões, horticultores e lavradores”.
Segundo ele, o lugar abrigava “dois Carajá assassinos, um Fulni-ô preso sete vezes por
tráfico de maconha na Guanabara […], três Caiuás homicidas e alguns Maxacali e Kre-
nak, que promoveram distúrbios em suas aldeias”.45
Para Queirós Campos, “um dos mais graves problemas da Funai” eram as “an-
danças contínuas de índios tribalizados […] aculturados”. Eles se dirigiam às cidades,
segundo ele, por diversos motivos, dentre os quais “a vocação para mendicância” e “re-
clamação às autoridades, com entrevistas a jornais e exibições na televisão”. Por isso, a
Funai decidiu criar “casas do índio” em algumas capitais. No mesmo balanço, Queirós
Campos admitiu apenas vinte mortos de um total de 2 mil índios atingidos por cinco
“epidemias de sarampo, gripes e varíola”. Ele não explicou o contexto nem citou as et-
nias em que as mortes ocorreram.
Queirós Campos voltou a ressaltar que a Funai, passados três anos de sua cria-
ção, continuava “sem recursos” para contratar etnólogos, dispunha de apenas três an-
tropólogos e nenhum linguista. O órgão continuava com “poucos recursos para o tra-
balho”. Em 1968, gastou 4,833 milhões de cruzeiros novos, dos quais 2,7 milhões em
pessoal, contra 8,2 milhões no ano seguinte (4,5 milhões em pessoal).

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A gota d’água para a saída de Queirós Campos da Funai foi mais banal. Ele havia nomea-
do para o cargo de assistente especial da presidência do órgão sua própria irmã, a jorna-
lista Cecília, servidora da prefeitura do Distrito Federal à disposição do gabinete do pri-
meiro-secretário da Câmara dos Deputados.46 Ela foi instruída a administrar a cantina de
um entreposto comercial controlado pela Funai na ilha do Bananal, que atendia índios,
funcionários do órgão e pessoal da fab, “com poderes para adquirir as mercadorias que
se fizerem necessárias”.47 Cecília também organizava viagens do presidente, em especial
eventos para promover, junto à imprensa, a Grin e seus índios soldados. Uma denúncia,
que Queirós Campos atribuiu ao “então diretor do Departamento de Assistência da Fu-
nai”,48 surgiu na imprensa sobre, entre outros pontos, o uso de recursos fora da finalida-
de prevista. Em sua defesa, Cecília disse que as despesas questionadas “foram efetuadas
com o transporte de índios, jornalistas e convidados para os estados de Maranhão, Per-
nambuco e Goiás, sempre acompanhando os índios da Grin que naqueles lugares foram
se apresentar”.49 Acrescentou estar magoada com as cobranças, pois a Funai não reco-
nhecia que sua casa e a do irmão, em Brasília, haviam se transformado “em verdadeiras
hospedarias” de funcionários e índios em trânsito, sem que a instituição os remunerasse.
Após uma apuração que ouviu 25 servidores, o Ministério do Interior concluiu pela ino-
cência de Cecília e de Queirós Campos e ordenou o arquivamento do processo. Ela dei-
xou o cargo, a pedido, em junho de 1970. Queirós Campos saiu da Funai na mesma época.
Como última consequência de uma série de mudanças no governo, a presidên-
cia da Funai foi então assumida pelo general de divisão Oscar Jerônimo Bandeira de
Mello, em junho de 1970. Ele foi o primeiro militar a presidir a entidade.
Nascido em 1910 no Rio de Janeiro, Bandeira de Mello graduou-se em 1933 na
Escola Militar no Rio, foi instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e
chefe do Estado-Maior da 1a Região Militar. Antes do golpe de 1964, ele não tinha nenhu-
ma ligação com a questão indígena. Só em 1969 foi trabalhar no Ministério do Interior, na
função estratégica de diretor da Divisão de Segurança e Informação (dsi). Também havia
sido chefe da dsi de Minas e Energia. As dsis eram, nos ministérios, os braços do sni, ór-
gão criado e dirigido logo após o golpe pelo general Golbery do Couto e Silva. Ligadas às
dsis havia as Assessorias de Segurança e Informação (asis), a ponta do esquema de espio-
nagem montado pela ditadura. As informações produzidas pelas asis eram analisadas pe-
las dsis e seguiam para o sni. Até o fim da ditadura, esse polvo, que contava com uma asi
em pelo menos 248 órgãos federais, de ministérios a autarquias, de estatais a universida-
des, iria produzir 308 mil prontuários de pessoas e instituições, segundo dados de 2008.
A criação de uma asi na Funai, aliás, foi uma das primeiras medidas tomadas por
Bandeira de Mello à frente do órgão. As missões da assessoria eram variadas: acompanhar o

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noticiário da imprensa, emitir certificados acerca do passado de candidatos a cargos, acom-
panhar seminários sobre indigenismo, investigar possíveis desvios de conduta ou de recur-
sos na Funai e denunciar “infiltrações” comunistas nos quadros do órgão e nas aldeias.
Bandeira de Mello também tinha muita afinidade com empresas de minera-
ção. Em 1966, havia sido assessor técnico do Sindicato de Mineradoras do Estado do Rio
de Janeiro. Depois que deixou a Funai, em 1974, ele se tornou diretor vice-presidente da
Empresa de Mineração Badin Ltda., diretor-presidente da Cia. Mineradora Piracema
S.A. e diretor-presidente da Sociedade de Mineração Apolo S.A.50

No Dia da Independência de 1969, o governo divulgou um texto do general Dale Couti-


nho, comandante da 2a Região Militar, sediada em São Paulo, que tratava da “integração
da Amazônia e do Oeste”. O general lembrou que os esforços de abrir longas rodovias
amazônicas, iniciados na década de 1950 durante o governo de Getúlio Vargas, haviam
sido retomados em 1965, um ano depois do golpe. O Exército criara dois Batalhões de
Engenharia e Construção, o 5o e 6o, em Porto Velho e Boa Vista. Mas não há no longo tex-
to, que ocupou três páginas na Folha de S.Paulo, uma única menção a indígenas e o que
seria feito com eles.51 A fala de Dale Coutinho, porém, antecipou em um ano um tema
que tomaria conta do governo. Sob o comando de um general ligado à espionagem inter-
na e à mineração, a Funai estaria às voltas com o mais ambicioso projeto dos militares
na Amazônia. Bem no meio dele, os índios.

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7. COVEIRO

em junho de 1970, nos mesmos dias em que a seleção brasileira venceu no Mé-
xico a sua terceira Copa do Mundo, o flagelo da seca atingiu 1 milhão de moradores do
Nordeste, conforme um ministro do governo calculou para a imprensa na época. O de-
sastre humanitário obrigou Médici e seus ministros da Fazenda, da Agricultura, do Pla-
nejamento, dos Transportes e do Interior a visitarem a região. Numa parada em Recife,
para uma reunião do conselho deliberativo da Superintendência de Desenvolvimen-
to do Nordeste (Sudene), à qual compareceram governadores, políticos e militares, o
presidente fez um discurso contundente e emocionado. Longos trechos de sua fala fo-
ram reproduzidos pelos jornais no dia seguinte. Médici afirmou ter atravessado, em sua
viagem, regiões com “plantações perdidas” e “lugarejos mortos”, nos quais homens co-
miam apenas “feijão e farinha”. No caminho, “crianças desassistidas”. “Nada, em toda a
minha vida, me chocou assim e me fez emocionar e desafiar minha vontade.”
Médici anunciou que apoiaria a agricultura do Nordeste e fomentaria “a colo-
nização em zonas úmidas do Nordeste, do Maranhão, do sul do Pará, no Planalto Cen-
tral”. Poucos dias depois, a imprensa estampou a notícia de que 5200 homens e 520 mi-
lhões de cruzeiros seriam empenhados de imediato para aquilo que a Folha de S.Paulo
chamou em manchete da edição de “ocupação da Amazônia”. O Estado de S. Paulo tam-
bém comemorou: “Transamazônica povoará a selva”. Para abrir os primeiros 3 mil qui-
lômetros de estradas, as empreiteiras foram divididas em lotes e seriam beneficiadas
com um sistema de renúncia do Imposto de Renda. A mão de obra viria dos flagelados
da seca nordestina. Coube ao ministro da Fazenda, Antônio Delfim Netto, anunciar a
decisão sobre a obra aos empreiteiros, em um encontro em Brasília ocorrido apenas dez
dias depois do discurso de Médici no Recife.1
A Transamazônica teria nascido, assim, do gesto emotivo de um ditador. Po-
rém, essa versão da história não é a mais precisa — como tantas outras da ditadura, ela
se complica quando examinada de perto. A fome dos flagelados pode até ter comovido
Médici, mas havia muito tempo o governo militar planejava uma “estrada de penetra-

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ção” na Amazônia, que rasgaria a selva do Nordeste ao Acre. À luz de tudo o que haveria
de ocorrer com os grupos indígenas que habitavam regiões ao longo do traçado da rodo-
via, convém ressaltar que o regime teve tempo de sobra para se preparar para as obras.
Já em 1967 o governo havia criado um “Grupo de Trabalho para Integração da
Amazônia”, formado pelos principais ministérios, além do csn e do Estado-Maior das
Forças Armadas.2 O decreto que criou o grupo propugnava a “efetiva ocupação dos espa-
ços vazios pela colonização e povoamento orientado”.
Notícias específicas sobre o projeto da estrada de mais de 4 mil quilômetros ras-
gando a Amazônia de leste para oeste apareceram na imprensa um ano antes da viagem
de Médici. Em junho de 1969, o então ministro dos Transportes, Mário Andreazza, apre-
sentou, numa palestra na Escola Superior de Guerra, um plano nacional viário com ên-
fase em uma “grande vereda”, uma “grande transversal” que cortaria a Amazônia para li-
gar o Nordeste ao Acre. Citando estudos do Ministério dos Transportes, O Estado de S.
Paulo informou na mesma reportagem que a rodovia — já chamada de “transamazôni-
ca” — iria facilitar a chegada de “grandes contingentes colonizadores para a Amazônia”.3
Em março de 1970, isto é, quatro meses antes da viagem de Médici ao Nordeste,
a imprensa noticiou também com destaque a decisão do dner de tirar do papel várias
e longas rodovias no Nordeste e no Centro-Oeste. A primeira era “a denominada Tran-
samazônica, que parte de Recife ou João Pessoa e termina em Benjamin Constant [no
Amazonas], na fronteira com o Peru, numa extensão total de 5 mil quilômetros”.
Mesmo com a ideia da grande estrada em plena gestação no governo militar,
nenhum passo foi dado para responder às perguntas que de fato importavam para o des-
tino das etnias indígenas espalhadas ao longo do trajeto: elas seriam contatadas quanto
tempo antes das obras? Onde exatamente estavam os índios? Quantos seriam os médi-
cos e os medicamentos necessários para esses contatos? Quais eram os recursos, a lo-
gística e os indigenistas mobilizados pela Funai?
A Funai e o Ministério do Interior tinham plenas condições de se informar de
antemão sobre a presença de índios isolados ou semi-isolados nas vastas regiões que se-
riam cortadas pela Transamazônica. Bastaria ouvir alguns de seus mais destacados ser-
tanistas, como Francisco Meireles, que calculou, em junho de 1970, um total “de 6 [mil] a
8 mil silvícolas” vivendo no curso da rodovia. Ele citou “grupos de indígenas arredios” das
tribos Juruna, Krenakarore, Asurini, Parakanã, Rikbaktsa, Suruí, Karajá e Kayabi. Porém,
referindo-se ao aval que o marechal Cândido Rondon dera a outras rodovias, como a Ron-
cador-Xingu nos anos 1940, Meireles apostou que o pai do moderno indigenismo brasilei-
ro, se vivo fosse, não faria objeções à obra. Meireles foi citado em O Globo afirmando que “a
construção da rodovia não representa perigo nem para os índios nem para os civilizados”.4
Anos mais tarde, o Congresso Nacional jogou algumas luzes sobre a completa
ignorância em que a Funai foi deixada às vésperas da grande obra. Ao falar do desastre

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que se abateu sobre uma das etnias, o sertanista Orlando Villas Bôas asseverou:“A Tran-
samazônica foi projetada e não se consultou a ninguém [da Funai]”.5
O deputado Airton Soares, do oposicionista mdb, percebendo a gravidade da
informação, passou a atacar esse ponto.
“Vossa Senhoria está me dando um depoimento muito importante. A Transa-
mazônica foi projetada e não se consultaram os interesses indígenas da área?”
“Tenho conhecimento de que não”, respondeu Villas Bôas.
Mas quando o deputado insistiu no tema, o sertanista contemporizou, dizen-
do que o parlamentar não deveria “generalizar” e, além disso, haveria que se observar
que “os Departamentos de Estradas — vamos ser justos — não têm obrigação de saber
se lá há ou não índios”.
Soares rebateu: “Mas o governo tem”.

A demora do governo em planejar o atendimento aos índios nunca foi reconhecida pelos
militares. O general Bandeira de Mello alegou depois que a Funai “entrou em ação ante-
cipadamente”. Para ele, a missão da Funai era muito específica: “proteger os trabalhos
de construção da rodovia e evitar possíveis choques entre trabalhadores e indígenas”. O
general gostou muito do resultado final: “Graças à atuação programada, oportuna e efi-
caz da Funai, até a data do final da minha gestão, nenhuma ocorrência nefasta foi verifi-
cada entre índios e trabalhadores”.6
Em agosto de 1970, Bandeira de Mello reuniu-se em Brasília com representan-
tes das quatro empreiteiras para, segundo O Estado de S. Paulo, esclarecer o que deveria
ser feito “para impedir que as 29 tribos atrapalhem os trabalhos da região”. A priorida-
de era evitar conflitos entre índios e trabalhadores, e portanto atrasos inoportunos. A
mesma orientação foi passada pessoalmente a um grupo de funcionários da Funai por
um enviado pela direção do órgão de Brasília à região da Transamazônica. Anos depois,
um sertanista rememorou a reunião: “O que ele queria era que a gente fizesse o contato
para evitar atritos entre o pessoal da estrada, engenheiros, o pessoal das firmas que es-
tavam abrindo a estrada e os índios”.7
Nada se falava na imprensa sobre prevenção às doenças que as empreiteiras e
o próprio pessoal da Funai poderiam levar a grupos indígenas sem proteção imunológi-
ca contra doenças dos “civilizados” que pela primeira vez passariam a frequentar aque-
les lugares ermos.

A falta de discussão prévia com a Funai teve como resultado um plano feito às pressas,
que só foi elaborado a partir da reação de alguns servidores da entidade, dentre os quais

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o sertanista Antonio Cotrim Soares, que na época estava em Brasília após ter presencia-
do o desastre com os Kararaô e se recusado a trabalhar com o padre Calleri.
Pouco antes de ser anunciada, a Transamazônica foi tema de uma palestra na
Câmara feita pelo ministro do Interior, Costa Cavalcanti. Preocupado com o discurso,
Cotrim procurou um economista da Funai, Edson Ramalho. O sertanista começou a tra-
balhar com Ramalho e o cartógrafo Valdênio Lopes em um plano emergencial — nin-
guém do comando do órgão havia pedido a criação de tal grupo. Eles tiveram o apoio de-
cisivo de um civil bem colocado na Funai, Paulo Monteiro dos Santos, então diretor do
Departamento Geral de Estudos e Pesquisas (dgep). O trio foi marcando no mapa os lo-
cais onde achava que havia indígenas. Muitos eram puro chute, disse Cotrim, “mas de-
pois acabou que era aquilo mesmo”.
Costa Cavalcanti começou a ser questionado pela imprensa sobre a presença
de índios no traçado da rodovia. Segundo Cotrim, o ministro então telefonou para o ge-
neral Bandeira de Mello para saber o que responder. Quando a direção da Funai pediu
internamente algo concreto, o grupo de Cotrim apresentou o estudo.
A prioridade de contato recaía sobre os Parakanã, os Asurini e os Arara. A fren-
te da Funai tinha que se antecipar à chegada da estrada. Para tentar evitar epidemias
como as registradas no passado recente, o grupo de Cotrim estabeleceu uma lista de
necessidades, do levantamento sobre a história da área indígena ao material a ser ad-
quirido. Cada equipe de atração contaria com no mínimo dez pessoas, incluindo um
coordenador sertanista, três mateiros e um auxiliar de enfermagem. Todo o pessoal se-
lecionado seria vacinado contra sarampo, tifo, varíola, febre amarela e tétano. Os índios
recém-contatados também seriam vacinados. A Funai deveria instalar placas de proibi-
ção de circulação na área ocupada por eles e exercer um “controle rigoroso” sobre a en-
trada de “civilizados” ali, incluindo jornalistas, exigindo-lhes atestados de vacinação.8
O plano também previa a antiga prática, desde os tempos do spi, de utilizar ín-
dios como intérpretes e mão de obra das turmas de atração. Os inspetores da Funai em
vários estados foram orientados a contratá-los. A informação atraiu um jovem de cerca de
vinte anos que os índios conheciam como Bep’kororoti, mas batizado por um missioná-
rio como Paulinho Paiakan. Nascido nos anos 1950 na aldeia kayapó de Kubenkankrei, no
Pará, ele crescera ouvindo as aventuras contadas pelos mais velhos e decidiu que também
queria viver suas próprias experiências no mundo fora da aldeia. Houve uma reunião na
aldeia para discutir o pedido da Funai. A prioridade era acolher os mais velhos e o rapaz fi-
cou de escanteio. Porém, quando se soube que uma das tribos a serem contatadas “comia
gente”, faltaram candidatos. Paulinho foi contar ao pai que queria se juntar ao pessoal da
Funai. Ele hesitou, mas por fim autorizou a viagem de Paulinho, que aliás nem sabia qual
era o salário previsto pelo trabalho. “A Funai pagava e eu pegava refrigerante para beber e
balinha para chupar. Eu nem sabia o valor do dinheiro.”9

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***

Bandeira de Mello adotou o plano de Cotrim apenas em parte. Previa-se a instalação


de nove bases de atração de índios isolados no traçado da Transamazônica. Dessas,
apenas duas saíram do papel. O estudo também exigia a realização de vários sobre-
voos ao longo do traçado da rodovia para a detecção de malocas e grupos cuja presen-
ça ainda não havia sido rastreada pela Funai. Essa parte fundamental do plano tam-
bém nunca ocorreu, por alegada falta de recursos na Funai — muito embora boa parte
de suas atividades no traçado da rodovia passasse a ser custeada com recursos da po-
derosa Sudam.
Os militares haviam criado na Funai uma unidade específica para trabalhar
assuntos da Transamazônica, a Coordenação das Operações da Transamazônica (Cotz),
chefiada pelo general de exército Ismarth de Araújo Oliveira. Ela também estava subor-
dinada à recém-criada Coordenação da Amazônia (Coama), que, na prática, se transfor-
mou numa Funai paralela, também chefiada por militares.
“Os sobrevoos não ocorreram porque o dinheiro estava pulverizado. […] Era
muito dinheiro, e começaram a desviar”, contou Cotrim. Em certo dia, segundo ele, fal-
tou botijão de gás em Belém e o coronel da Funai na região fretou um avião Cessna só
para buscar o produto em outra cidade. O sertanista disse que o governo acabou criando
uma estrutura até maior que a da Funai, mas cheia de pessoas sem função.
Quando de uma “inspeção” no traçado da rodovia, Bandeira de Mello partiu
num avião turboélice junto com Cotrim e outros diretores da Funai, enquanto o minis-
tro Costa Cavalcanti seguiu em outra aeronave. Ficaram hospedados nos melhores ho-
téis da região. “Tudo corria por conta das empreiteiras, da Mendes Júnior”, contou o ser-
tanista, que condenava a gastança.
Certa noite, depois do jantar, a comitiva da Funai, incluindo seu presidente, foi
levada para uma “recepção” na granja de um deputado — na verdade, um convite à pro-
miscuidade bancado pelas empreiteiras.

Cheio de mulher de programa, que eles pegam. E os cabras todos embriagados.


[…] Eu lá olhando aquilo. Um engenheiro lá, de uma construtora, parece que da
Mendes Júnior, me disse: “Não, é sua. Está tudo pago”. […] Uma esculhamba-
ção. A corrupção, é assim que começa.

Correndo contra o tempo, a Funai montou as frentes de atração na selva, que passaram
a operar simultaneamente. Elas também podiam funcionar como “frentes de penetra-
ção”, à medida que abrissem picadas atrás dos índios isolados. Estavam subordinadas a

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bases logísticas montadas em zonas urbanas, encarregadas de fornecer material, efe-
tuar pagamentos e fazer a coordenação geral.
As quatro frentes de atração voltadas para os índios parakanã ficaram subor-
dinadas à base instalada a 67 quilômetros da cidade de Tucuruí, no Pará, numa loca-
lidade chamada Pucuruí, com cerca de mil habitantes. Com exceção da pista de avia-
ção, o único meio de ligação era a estrada de ferro Tocantins, pela qual passava apenas
um trem por semana. Para chefiar a base, a Funai designou o coronel da Aeronáutica
Clodomiro Bloise, que em Brasília ocupara o cargo de assessor adjunto da presidência
do órgão. Ele chegou à base em setembro de 1970 e seus informes eram enviados para
a Funai de Belém.10
As frentes destinadas aos índios asurini e gavião ficaram sob a coordenação de
uma base chamada Kararaô, na cidade de Altamira (pa), e chefiada pelo também coronel
Pedro da Silva Rondon, neto do marechal Rondon.11 Uma das frentes da base era desti-
nada a acompanhar a turma de topografia da empreiteira Queiroz Galvão. Outra, de Pu-
curuí, dava apoio à empreiteira Mendes Júnior.
Cada uma das quatro frentes subordinadas a Pucuruí contava com dez pes-
soas, sendo “um sertanista, dois atendentes, quatro trabalhadores braçais e três intér-
pretes” — estes, índios de outras etnias que na verdade faziam trabalho braçal como
todos os demais caboclos. Elas eram chefiadas pelos sertanistas Telésforo Martins Fon-
tes, Jayme Sena Pimentel, Mariano de Souza e João Evangelista de Carvalho. O grupo
de Fontes seguiu para o rio Repartimento, em apoio às turmas de topógrafos da obra da
rodovia. Os sertanistas Pimentel e Souza foram para as cabeceiras dos rios Andorinha
e Bacajá, por onde rodaram por 28 dias sem localizar índios. O coronel então trocou as
chefias desses dois grupos pelos sertanistas Felipe Passinho Santiago e Osmundo Antô-
nio dos Anjos. Em 12 de novembro de 1970, na região do rio Lontra, enfim um grupo da
Funai foi abordado por cerca de 150 índios “altos, alguns com cavanhaque, rosto liso, ca-
beça raspada na frente e pintada de vermelho, cabelos cortados bem baixo e completa-
mente nus, cobrindo a glande existia uma proteção de palha em formal de dedal”.12 Ao
saber do contato, o coronel Bloise determinou que as frentes lideradas pelos sertanistas
Osmundo e Carvalho reforçassem a posição de Santiago com comida, remédios, equi-
pamentos e roupas.
Dezoito dias depois, um grupo parakanã cercou duas frentes da Funai. Os in-
térpretes, ao entender que os índios disseram que iriam matar todos, tentaram fugir
correndo para a mata. Contidos por João Carvalho, foram orientados a explicar aos Pa-
rakanã que o grupo vinha em paz e trazia presentes. Por fim os Parakanã aceitaram os
brindes e foram embora.
Em 22 de dezembro, Bloise autorizou e participou de uma viagem para produ-
zir o que chamou de “grande reportagem (inédita) da pacificação” dos índios do rio Lon-

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tra — que depois foi transmitida pela tv Marajoara, de Belém. A viagem foi feita num he-
licóptero da empresa de mineração Meridional, junto com o presidente da companhia,
“Mr. [Arthur W.] Ruff ”, duas filhas dele, “etnólogas”, o cinegrafista Rubens Onetti, o jor-
nalista Mário Palmério e o delegado da Funai em Belém, major Bahia.
O aparelho pousou na clareira aberta no acampamento do sertanista Carvalho.
O grupo foi observar uma maloca e roças formadas pelos índios nas imediações. Para
dificultar a invasão da maloca, os Parakanã construíram, no acesso principal, barreiras
feitas de paus e folhas de coqueiro e também uma espécie de guarita nas copas das árvo-
res, camuflada com folhagens. As guaritas tinham aberturas para o lançamento de fle-
chas. Em seu relatório, o coronel Bloise fez uma observação que mais adiante ganharia
extrema relevância: “Não existe doença”.
Na manhã seguinte, um grupo estimado em trezentos índios cercou o acampa-
mento, com “gritos, pulos, gargalhadas, correrias”. Bloise escreveu que todos eram “for-
tes e sadios”. A três índios, o coronel ofereceu um saco de farinha, mas eles se recusa-
ram a pegar, entre gritos. Um índio intérprete socorreu o coronel, orientando-o a rasgar
e provar o conteúdo do saco. Os Parakanã desconfiavam que a comida estava envene-
nada. Depois que ele provou a farinha, os índios levaram o saco embora. Após a partida
dos índios, o minerador Ruff desobedeceu a uma ordem do coronel e mandou que qua-
tro trabalhadores ajudassem a derrubar árvores que estariam atrapalhando a pista de
pouso. Minutos depois, os índios cercaram o grupo e impediram a continuidade da der-
rubada.
No encontro seguinte, com 150 Parakanã, houve um atraso na chegada de brin-
des à frente. Frustrados, os índios chamaram o pessoal da Funai de “mentiroso”. Acaba-
ram levando tudo o que existia no acampamento, deixando a expedição sem comida e
sem redes. Osmundo pegou uma carona para pedir socorro em Pucuruí.
Em Brasília, dois pontos dos relatórios de Bloise preocuparam o antropólogo
George de Cerqueira Leite Zarur: o problema com os brindes e a participação de uma
mineradora nos contatos.

Tais fatos […] são inaceitáveis para a Funai como detentora do poder de polícia
nas áreas indígenas e, tratando-se no caso de um estrangeiro que interfere e dá
ordens que contrariam a de um representante do governo brasileiro, o fato é
inaceitável também para a segurança nacional.13

Em março de 1971, o sertanista Carvalho enviou uma carta a Bloise para narrar
um bom avanço nas relações com os Parakanã, já que dessa vez eles chegaram à base
acompanhados de várias mulheres, em sinal de confiança. Os índios dançaram e canta-
ram. Carvalho entoou “umas vinte vezes” uma canção que aprendera com os índios asu-

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rini. Após duas horas, quando entraram no mato para ir embora, os Parakanã já canta-
rolavam a mesma música.
A base de Pucuruí enfrentou diversos problemas no primeiro trimestre de
1971. O salário de dezembro e o 13o salário não haviam sido pagos, faltava efetivo e não
existia equipamento de rádio para contato com as frentes. Problemas de saúde que ha-
viam acometido o pessoal da base, como “terçã maligna, desinteria, febre e vômitos”,
já haviam passado, mas a coqueluche atacava crianças da vila de Pucuruí, onde não ha-
via vacina.
Em março de 1971, os planos da Funai sofreram um solavanco. Um grupo de ín-
dios atacou uma turma de trabalhadores da firma Cortasa Ltda., que prestava serviços
de topografia e desmatamento da Transamazônica para as empreiteiras Mendes Júnior,
eit e Queiroz Galvão. No quilômetro 64, perto do rio Anapu, cinco operários foram sur-
preendidos por cerca de trinta índios, que levaram todos os seus pertences, deixando-
-os apenas de calção. No jogo de empurra que se seguiu na Funai, concluiu-se que Bra-
sília havia autorizado a base Kararaô a retirar da região a equipe da Funai responsável
por atuar com a Mendes Júnior, sob alegação de que pesadas chuvas haviam interrom-
pido as obras da rodovia.
A Funai de Brasília enviou ao local Paulo Monteiro dos Santos, diretor do dgep.
Em relatório de abril de 1971, ele informou que eram quatrocentos os Parakanã na região
e “faz-se necessária uma grande quantidade de medicamentos específicos contra gripe
e diarreia, bem como vacinas contra coqueluche, catapora e sarampo”.14
Em julho de 1971, Bloise anunciou com orgulho ao general Bandeira de Mello
que fora concretizada a “pacificação” dos Parakanã da região do rio Lontra. Àquela al-
tura, a Funai já sabia que o líder do grupo indígena se chamava Arakitá e que estava em
guerra contra outro grupo parakanã. O coronel calculou que onze índios tinham morri-
do havia pouco, talvez devido a confrontos entre os dois grupos.
Em visita à maloca do rio Lontra, Bloise contou “123 índios aproximadamente,
em plena harmonia”. Eles cozinhavam em potes de barro, moqueavam a caça no espeto
e comiam muita batata-doce e cará cozidos. Fabricavam flechas com ponta de taboca,
de madeira e de osso, com penas de urubu e gavião. Os índios tinham orelhas furadas,
nas quais prendiam dentes de queixada. Também furavam o lábio inferior, preenchen-
do-o com pedra branca ou casca de cajá. Índios e índias tinham a cabeça pelada e as so-
brancelhas raspadas e arrancavam todo pelo no corpo assim que crescia. Dormiam em
redes e, nas noites frias, punham brasa embaixo das redes. Quando João Carvalho os en-
sinou a usar cobertores, “gostaram demasiadamente”.15
Sobre a saúde dos índios, Bloise afirmou que “são sadios e não sofrem no mo-
mento [ julho de 1971] de nenhuma doença contagiosa nem epidêmica”. No espaço de
seis meses desde o primeiro contato com a Funai, haviam morrido duas crianças com

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menos de quatro anos. Bloise pediu com urgência medicamentos para “gripe, tosse, ca-
tarro, febre, coriza e fortificantes”. Ao passar a noite com os índios, ele notou que uma
mulher índia, por quatro vezes, ao longo da noite, substituiu a brasa embaixo da rede
para aquecer os visitantes, num gesto solidário que o surpreendeu. Logo ao clarear do
dia, todos os índios, homens, mulheres e crianças, acordaram e foram para a roça, le-
vando até uma criança de cerca de seis meses de idade. O coronel ficou “alarmado com
a resistência física” de uma índia que carregava ao mesmo tempo seu filho pequeno e
“mais de trinta quilos” de maniva, o talo do pé de mandioca. Contou que o trabalho na
roça ocupou os índios até o meio-dia, sem descanso. No caminho de volta para a malo-
ca, o pajé ainda foi caçar na mata e uma índia veio colhendo cocos. Depois do almoço,
os homens foram pescar até o início da noite, quando todos passaram a cantar e dançar
até caírem no sono, exaustos.
Essas observações de um “civilizado”, ainda por cima alguém formado sob as
rígidas regras militares, ajudam a destruir a imagem de que índios são indolentes ou
pouco afeitos ao trabalho. Bloise também ficou surpreso ao descobrir que quando um
presente da Funai era distribuído com a recomendação de chegar a determinado ín-
dio ausente, a entrega era feita de maneira correta. Ele se mostrou entusiasmado com o
grau de organização da tribo, da distribuição das tarefas e da vida em coletividade. Dis-
se, em seus relatórios, que tribos isoladas eram organizações sociais com regras e no-
ções de vestuário e higiene que poderiam não agradar a todos os “civilizados” — por
exemplo, andavam todos nus e defecavam perto das malocas —, mas no fundo eram
bastante sofisticadas e fraternas. Em ofício ao presidente da Funai, Bloise pediu que fos-
se dada toda a assistência médica e social “a esses brasileiros que somente agora com-
preenderam que existe um outro mundo, civilizado, olhando-os e protegendo-os de to-
dos os males que porventura possam advir”. “A pureza e ingenuidade desses nossos
irmãos nos calam profundamente em nossos corações — merecem toda a nossa prote-
ção, pois são realmente os donos absolutos do nosso ‘Inferno Verde’.”
Mas os males, para infelicidade dos índios, chegaram bem rápido, e pelas mãos
da própria Funai, que manteve tudo em sigilo, de modo que a opinião pública não sou-
besse o que se passava no “acampamento parakanã”. Só mais de quarenta anos depois,
quando o governo federal liberou para consulta, em 2008, as caixas de documentos do
órgão, a realidade se apresentou em detalhes.
Primeiro houve denúncias internas, feitas em novembro de 1971, portanto ape-
nas cinco meses depois da “pacificação” dos Parakanã. O atendente hospitalar Francis-
co da Silva Brito apresentou à Funai suspeitas de promiscuidade sexual entre membros
da frente de atração e indígenas. O órgão indigenista abriu uma sindicância, concluiu
que tudo não passava de “disse me disse” e arquivou a apuração. Logo em seguida, po-
rém, novas denúncias foram feitas pelos irmãos Walter Sanches e Maria da Conceição

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Sanches, servidores da Funai. A entidade voltou-se contra eles, dizendo que eram inex-
perientes. Embora descredenciasse os denunciantes, e de forma contraditória, a Funai
aos poucos começou a reconhecer os problemas, ainda que de maneira indireta, e sem
informação alguma à imprensa. O coronel da reserva do Exército Antônio Augusto No-
gueira, que também havia coordenado a base Kararaô, achincalhou os denunciantes,
mas reconheceu em seu relatório conclusivo que “propaladas doenças […] infelizmen-
te ceifaram a vida de algumas crianças parakanã”, embora não explicasse o número de
mortos.16 O relatório, datado de fevereiro de 1972, foi além, ao atribuir a contaminação
diretamente a um servidor da Funai, um auxiliar de serviços que sabia ser portador de
“blenorragia”, mas não comunicara o fato ao chefe da base. Em situação idêntica ha-
via um índio contratado pelo órgão que também atuou no acampamento dos Parakanã.
O coronel concluiu que “realmente, certas medidas sanitárias e profiláticas não foram
adotadas desde os primeiros contatos com os índios parakanãs, visando o resguardo
biológico dos seus organismos indefesos”. As provas coletadas por ele confirmaram
uma omissão estarrecedora da Funai.

Quando da formação das primeiras frentes, por razões que desconhecemos,


não foi procedido e nem exigido exame de saúde de seus componentes, permi-
tindo assim que um deles, portador de ameba histolística, contaminasse toda
a aldeia e causasse aquele surto de desinteria. De igual modo, foi transmitida
a sarna, a gripe e por último, a oftalmia purulenta, doenças essas comprova-
das em laboratório.

O coronel também reproduziu uma opinião do chefe da equipe de saúde que


investigou as contaminações, Antônio Fernandes Medeiros, segundo o qual

tudo leva a crer que essa transmissão se deveu aos servidores da Funai conta-
minados (integrantes das frentes), não afastando a hipótese de outra fonte de
contaminação, uma vez que soube no acampamento que os referidos índios ti-
veram contatos com os civilizados da construtora Mendes Júnior S.A.

Esse reconhecimento expresso da culpa da Funai nunca foi tornado público.


Pelo contrário, o coronel solicitou uma punição aos servidores que haviam feito as de-
núncias. Ele pediu uma reprimenda para Brito e os irmãos Sanches, além da transferên-
cia de dois deles para uma delegacia da Funai. Por outro lado, sugeriu uma advertência
ao sertanista João de Carvalho “pela inobservância das indispensáveis medidas sanitá-
rias quando da implantação do acampamento parakanã”. Os outros dois servidores
doentes deveriam ser dispensados.

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O chefe da Cotz, general Ismarth, concordou com todas as sugestões. Pediu
ainda a adoção de “medidas sanitárias no acampamento parakanã”.17

O despacho de Ismarth é datado de março de 1972. Nessa mesma época, outro drama
se desenrolava bem perto da área dos Parakanã. O sertanista Cotrim chefiava uma das
frentes de atração da base Kararaô. Perplexo com o rumo dos acontecimentos, ele esta-
va prestes a explodir. Desde a segunda metade de 1970, estava enfronhado na mata atrás
de um contato com os índios asurini da região do rio Xingu, também na rota da Transa-
mazônica. Enquanto isso, outra frente, liderada pelos irmãos Anton e Karl Lukesch, pro-
curava os mesmos índios. Nascidos na Áustria, eles eram missionários da Igreja católica
— Anton, monsenhor, e Karl, padre. Dessa forma, a Funai reeditava parcerias com re-
ligiosos, a exemplo da expedição Calleri. Os Lukesch tinham recebido autorização pré-
via do presidente da Funai, Bandeira de Mello, e também contavam com “a assistência
valorosa e importantíssima” dos aviões da companhia de mineração Meridional, de Ar-
thur Ruff, o mesmo que havia visitado a aldeia dos Parakanã. Os irmãos argumentaram
que a abertura da Transamazônica tornava “urgentíssima a tarefa de estabelecer conta-
tos pacíficos com os índios”.18
Os missionários montaram uma base em São Félix do Xingu, onde amontoa-
ram, além de remédios e outros materiais, os 150 facões, setenta machados, cinquenta
ferros de cova, 120 facas, vinte quilos de miçangas e 25 metros de tabaco de corda que
iriam dar de presente aos índios na fase do namoro. Com um bimotor da Meridional,
conseguiram realizar sete voos de reconhecimento. Em 15 de abril de 1971, os Lukesch
enfim visualizaram primeiro pequenas roças, depois uma “ampla aldeia com muitas ca-
sas e uma grande maloca em construção”, perto do rio Ipiaçaba.19 De volta a São Félix,
partiram de barco para a região.
Depois de um longo trabalho de distribuição de presentes em locais que os ín-
dios poderiam frequentar, os Lukesch, acompanhados de quatro trabalhadores, por fim
encontraram uma picada que levava a uma aldeia asurini. A cinquenta metros da primei-
ra maloca, tiveram que parar. Um índio, com arco esticado, apareceu gritando e fazendo
sinais para que fossem embora. Sons e choros vieram da maloca. Outro índio apareceu,
forte e aparentando trinta anos. Ele também esticou o arco e fez sinal aos “civilizados”
para que retrocedessem. Usando “todas as palavras em línguas indígenas” que conhecia,
Anton tentou dizer que o grupo vinha em paz e mostrou que não estava armado. Karl or-
denou que todos da equipe deixassem no chão as mercadorias que carregavam. Os mis-
sionários então se deram conta de que estavam “completamente cercados por índios, que
se escondiam atrás de árvores e arbustos, com arcos e flechas, prontos para matar-nos”.
A cerca de dez passos de Anton, o índio sentou-se no chão. Em um gesto rápido, o monse-

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nhor correu em sua direção e sentou-se em um tronco na sua frente. Em seguida entre-
gou-lhe dois facões de presente. Então o índio começou a rir, rompendo o clima de ten-
são. Ele conduziu Anton para sua aldeia, enquanto Karl foi pegar mais presentes. Nesse
momento uma pesada chuva caiu e o cacique convidou todos da expedição a se abrigarem
sob o teto de uma maloca. Ao final do dia, os índios permitiram que a equipe passasse a
noite ali. Os irmãos disseram que eles os trataram “com um verdadeiro carinho”, de for-
ma “agradável, gentil e hospitaleira”, oferecendo várias vezes “comida, mingau, jabuti, mu-
tum e jacu cozidos ou moqueados, batata-doce, macaxeira, milho e beiju de mandioca”.20
Dias depois, os Lukesch convenceram o grupo de índios a levá-los à maloca
maior. Após uma caminhada de sete horas na mata, Anton calculou que poderiam ca-
ber mais de duzentos índios na aldeia maior. De volta à aldeia menor, os padres pediram
que os índios os acompanhassem até o acampamento que haviam montado quilômetros
antes. Mais de trinta índios os seguiram. No dia 16 de maio, Anton celebrou uma missa
dentro do barracão. Os índios “assistiram com curiosidade, mas com respeito, em pleno
silêncio”. À noite, dançaram e tocaram flautas de taquara e de taquaruçu.
Anton ficou impressionado com a rotina de atividades dos Asurini, um povo
“verdadeiramente trabalhador”. “Os homens levantam-se de madrugada para ir trabalhar,
e as mulheres cozinham e executam as suas atividades domésticas até tarde da noite.”
O grupo em contato direto com os Lukesch era de 74 pessoas, sendo trinta ho-
mens, 41 mulheres e seis crianças. O número total, porém, era muito maior, pois havia
os moradores da aldeia maior. Os irmãos deixaram registrado que o estado de saúde dos
índios “era excelente”, com exceção de alguns dentes cariados e três índios com sinto-
mas de malária. Medicados, os três se recuperaram. Na hora da despedida, os índios
“sopraram a fumaça de seus grandes charutos” em direção aos padres, “para livrar das
desgraças e tormentos que causam espíritos maus e para tornar a nossa viagem feliz”.

Com a volta dos Lukesch a São Félix, o sertanista Cotrim soube dos detalhes do contato,
incluindo a informação de que três índios haviam contraído malária. Ele comunicou-se
com a base da Funai em Altamira para alertar o coronel Pedro Rondon sobre o risco de
a situação dos índios se agravar, uma vez que já havia ocorrido até confraternização com
“civilizados”. Rondon ordenou que Cotrim fosse para a região.
O sertanista até então operava com sua equipe na região do rio Ipixuna. Em
maio de 1971, sua equipe conseguiu chegar a uma aldeia com treze malocas de índios iso-
lados e ainda não identificados. O local estava vazio. Quando Cotrim começou a percor-
rer a trilha dos índios, dois apareceram. Os intérpretes da equipe, um Xipaia e um Tembé,
tentaram comunicação, sem sucesso. O sertanista procurou o restante dos índios, cami-
nhando por dois dias na mata. Enfim um grupo de mais de quarenta índios se aproximou.

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Nesse momento, Cotrim tomou uma decisão contrária à orientação geral da Funai. Preo-
cupado com a possibilidade de uma epidemia, resolveu deixá-los em paz e não prolongar
o contato. “O projeto não era mesmo contatar, era fazer a proteção, demarcar a terra.”21
No relatório que enviou ao coronel Rondon, Cotrim confirmou sua posição: “A
intensificação de nossa presença entre eles é desaconselhável, até que tenhamos condi-
ções de diálogo. Caso nesse período surja algum surto de doença dificilmente teremos
condições de debelar ou adotar medidas preventivas entre eles”.22

No caso dos Asurini, Cotrim pouco podia fazer para evitar novos contatos. Àquela al-
tura, os índios já desciam o rio e cobravam mais brindes. Ele chegou ao grupo indígena
no dia 13 de junho de 1971, portanto um mês depois do contato dos Lukesch. Ao chegar,
mandou expulsar três “civilizados” da região “que estavam lá querendo atrair as índias
para contato sexual”.
O sertanista encontrou diversos índios com sinais de doenças. Disparou pe-
didos urgentes de medicamentos para a base de Altamira. Enviou de barco um funcio-
nário da equipe, Ricarte, junto com uma carta pessoal ao coronel Rondon. Porém, o
socorro demorou a chegar e, quando veio, era insuficiente. Rondon explicou a Cotrim
que houvera entraves burocráticos tanto em Belém quanto em Brasília. O percurso de
Altamira ao ponto de atração, segundo Cotrim, poderia ser feito em no máximo dez
dias. A viagem dos medicamentos, contudo, demorou 29 dias. Quando os pacotes fo-
ram abertos, o sertanista descobriu que correspondiam a apenas uns 10% do total so-
licitado. Ele escreveu à Funai que, se juntasse tudo o que chegou, poderia tratar corre-
tamente apenas um índio. De expectorantes, poderiam ser dadas duas colheres a cada
índio, e nada mais.
Cotrim escreveu uma carta desesperada para o coronel Rondon, na qual reve-
lava pela primeira vez o número de mortos na epidemia.

Lamentamos que vossas últimas palavras nos tenham chegado tarde; os mor-
tos nada escutam, para eles a retaguarda já não existe.
[…]
Hoje lamentamos a perda de 12 (doze) vidas humanas, amanhã, serão
dezenas, caso a retaguarda permaneça letárgica; quando despertar já não ha-
verá necessidade, pois não existirá razão de existir, já que não haverá índios.
[…]
À sua passividade [da Funai], seu conformismo diante do funesto,
aumenta em nossa consciência o sentimento de culpabilidade. Será que
realmente fomos nós os responsáveis? Decerto! Não deveremos escolher os

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padres para queimá-los como bruxas; tivemos condições de extirpar os males,
se assim não procedemos porque nos faltaram meios, os medicamentos foram
insuficientes em quantidade e ineficazes em qualidade.

Cotrim ironizou a chegada a contento de alguns de seus pedidos, miçangas e


enxadas para distribuir aos índios. Elas agora teriam outra serventia. “Ao menos os cor-
pos seriam paramentados, enfeitados como pierrots, e enxadas que facilitariam a tare-
fa do sepultamento. Triste ironia do destino, transformaram-me involuntariamente em
coveiro de índio.” Cotrim disse que só lhe restava ser “administrador de um cemitério
indígena”. “Eis o epílogo desta situação de contato; povo condenado pelo fatalismo ao
desaparecimento. Quem não estava preparado para o contato, nós ou eles?”

O segundo relatório geral sobre a situação foi enviado por Cotrim em outubro de 1971.
Ele continua a descrever um desastre.

É necessário descrever alguns acontecimentos que antecederam as nossas ati-


vidades, tendo como consequência a contaminação do grupo, grassando nesta
comunidade uma violenta epidemia de gripe e malária, resultando em 13 (tre-
ze) mortos e longo período de convalescença que atingiu indiscriminadamen-
te todo o grupo.23

Cotrim disse que “nenhuma medida preventiva foi adotada por nossos ante-
cessores”, mas também reconheceu que em sua equipe houve “um relaxamento de tais
medidas”. Acrescentou que, apesar de tardia, houve uma reação da equipe à epidemia, o
que teria reduzido seus efeitos. O número real de mortos poderia ser ainda maior, pois
vários índios doentes fugiram para a mata e podiam lá ter morrido.
Quarenta anos depois, ele tem certeza de que o número total de mortes passou
de três dezenas, o que representava quase a metade de todo o grupo, levando em conta
o cálculo de 74 pessoas feito pelos Lukesch quando do contato, em maio. “Doze, não, era
muito mais. Dá uns 36”, afirmou Cotrim.24

Na equipe do sertanista estava o jovem Paulinho Paiakan, que havia deixado sua aldeia
kayapó para conhecer os mistérios do mundo “civilizado”. Quando ele chegou à aldeia
dos Asurini, disse que foi muito bem recebido. Uma família cuidava dele “como se fos-
se um filho”. A primeira fase aguda da epidemia já havia acabado, mas ainda assim ele
presenciou mortes.

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Depois que eu estava lá, lembro que tinham morrido quatro. Eu acompanhei o en-
terro. Lá é diferente de nós [kayapó], que tem uma área separada. Lá não, dentro
da casa mesmo é enterrado. Por exemplo, se morre o marido, a esposa, a família
pode enterrar embaixo da cama e faz cama em cima, dormia em cima, numa rede.
Eles usam rede de linha de algodão, panela de barro e um banquinho de madeira.

Paiakan confirmou que Cotrim ficou “muito revoltado, ele pedia apoio para a
Funai”.

Uma vez ele disse: “Paiakan, eu tô indo para a cidade, mas talvez eu não vol-
te mais. Quero que você continue assim, fazendo amizade com esses índios,
eles estão gostando de vocês e espero que você os ajude”. Ele foi embora. O que
aconteceu? Eu também quase morri de malária junto com os Asurini. Eu não
estava lembrando mais nada, estava em coma. O Cotrim tinha me ensinado
como usar a injeção. Depois eu melhorei um pouco.25

Após escapar da malária, Paiakan também deixou o posto de atração. Naquela


altura, segundo ele, as doenças haviam cessado.

Cotrim saiu do posto e não voltou mais. Mandou uma carta para o amigo Paulo Montei-
ro, da Funai em Brasília, que havia apoiado o estudo prévio sobre os contatos com ín-
dios na Transamazônica. O sertanista se disse “deprimido” por ter testemunhado “tão
lamentáveis acontecimentos”. Pediu que a Funai agisse com profissionalismo nos con-
tatos com tribos isoladas. Antes de as frentes começarem a operar, acrescentou, a Funai
deveria comprar material e medicamentos a partir de recomendações “técnico-científi-
cas” de médicos, etnólogos, farmacólogos, dentre outros. Disse ainda que fazia o alerta
por “exigência” da sua própria consciência.

Do modo como agimos atualmente as perspectivas são pessimistas; os entra-


ves burocráticos, desperdício de recursos, desvio das atividades-fins, métodos
de trabalho empíricos e outros conduzirão essas frentes a participarem de um
desastre que a história jamais nos perdoará, tendo sempre como sua princi-
pal vítima o índio — além do drama de consciência daqueles que participa-
rem desse triste epílogo que enodoa a imagem do nosso país ante o mundo.26

Cotrim entregou à Funai de Altamira em 3 de maio de 1972 um memorando em


que anunciou seu “afastamento definitivo” do posto asurini, já batizado de Koatinemo,

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e também da base Kararaô, e que o pedido de demissão da Funai seria apresentado por
ele próprio em Brasília.27
Na conversa com um chefe substituto em Altamira, declarou que estava sain-
do da Funai por três motivos: a decisão da sindicância que havia punido Maria da Con-
ceição Sanches, uma das denunciantes das mortes entre os Parakanã; os problemas no
Parque Indígena do Aripuanã; as ameaças ao Parque do Xingu; e também “não se con-
formar com o projeto do Estatuto do Índio, ora em tramitação no Congresso Nacional”.

As primeiras denúncias de Cotrim explodiram na imprensa em 20 de maio de 1972. Ele


disse ao Jornal do Brasil que deixou a Funai porque não queria ser “coveiro de índios”.
Chamou o órgão de “blefe à opinião pública”. Declarou que uma epidemia de gripe mata-
ra dezesseis dos 76 índios “jandeavis”, outro nome pelo qual os Asurini eram conhecidos
na época, e que os medicamentos que ele pedira à Funai demoraram 48 dias para che-
gar. Denunciou ainda que quarenta Parakanã haviam morrido, além de oito terem fica-
do cegos, por “doenças venéreas transmitidas pelos próprios funcionários da fundação”.
No mesmo dia em que a reportagem foi publicada, a asi da Funai emitiu um
“Pedido de Busca” confidencial a vários setores do órgão para saber tudo a respeito das
denúncias de Cotrim. A resposta confirmou que de abril de 1971 a março de 1972 a base
Kararaô, responsável pelo atendimento aos Asurini, recebera apenas uma visita das
equipes volantes de saúde, no dia 2 de março de 1972, muito embora o pico da epidemia
tivesse se dado no segundo semestre do ano anterior.28

O segundo efeito do pedido foi uma resposta formal enviada no dia 31 de maio pelo ge-
neral Antônio Augusto Nogueira, delegado da Funai de Belém. Ele era o chefe do coronel
Rondon, que por sua vez era o chefe de Cotrim. Embora movido pela tentativa de ame-
nizar as denúncias do sertanista, o documento é uma das maiores evidências documen-
tais do desastre que abateu a etnia parakanã. O general afirma:

Quanto ao citado número de índios mortos entre os Parakanãs por doenças, é


exagerado, pois as informações do sertanista João Carvalho e do dr. Medeiros,
médico da 2a dr, ambos fazem referência a dezessete o número de falecidos.
Quanto à cegueira, apenas dois estão com a visão perdida e quatro tiveram os
olhos afetados.29

A cândida explicação do general — como se dezessete vidas perdidas não de-


vessem ser objeto de preocupação — não chegou aos jornais. A resposta recebeu carim-

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bos de “confidencial”. Nela, o delegado contemporizou com os erros da Funai e disse que
o maior contato com Cotrim não era feito por ele, mas pela base Kararaô e pela Cotz.

Há de se considerar que a Funai com a sua complexidade, seus encargos, a di-


versidade de suas atribuições aliadas à localização de suas unidades, e a varie-
dade dos grupos indígenas, é muito vulnerável àqueles que se dedicam a encon-
trar suas faltas e seus erros, particularmente no modo e trato com os indígenas.

Cotrim nunca havia lido o relatório sobre as dezessete mortes e os dois casos de ceguei-
ra, até saber de sua existência pelo autor deste livro. O papel estava arquivado na pasta
sigilosa de outro servidor, Apoena, e não na dele. “Eu não sabia que eles tinham confir-
mado. Demorou tanto tempo… Imagina isso [divulgado] na época, o que não provocaria.
Eu tinha certeza do que estava falando.”
Ao longo dos anos, surgiram evidências de que o número de Parakanã mortos
ultrapassou os quarenta noticiados por Cotrim e postos em dúvida pelo general. Os an-
tropólogos Noraldino Vieira Cruvinel, da Funai, e Antonio Carlos Magalhães Lourenço
dos Santos, coordenador do Projeto Parakanã, criado no final dos anos 1970, contratado
pela própria presidência da Funai, apontaram que o grupo parakanã inicialmente con-
tatado somava “de 180 a duzentas pessoas, conforme relatos dos sertanistas encarrega-
dos”. Ao final do primeiro ano pós-contato, porém, o número “não era maior do que 92
pessoas”, o que indicaria cerca de noventa mortes na hipótese mais otimista. No ano se-
guinte, o número de vivos baixou para 82.30 Outro estudo de Magalhães apontou um nú-
mero inferior de mortos, setenta, mas de qualquer forma altíssimo. Entre nascidos e mor-
tos, o antropólogo calculou uma população de 86 índios ao final de 1972. “Desse modo,
pode-se observar que em pouco mais de um ano de contato efetivo, os Parakanã sofreram
uma drástica redução populacional na ordem de 54%, resultante de 108 mortes.” 31
Magalhães informou ainda que

um médico de Belém ao visitá-los encontrou 35 mulheres [indígenas] e dois fun-


cionários daquele órgão contaminados com doenças venéreas. Tal situação con-
correu para que oito crianças nascessem com cegueira parcial, provocada por
conjuntivite blenorrágica, além da contaminação em duas mulheres adultas.

Segundo o antropólogo, o médico referiu que “havia um quadro de promiscuidade en-


tre índios e gente de fora”.

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Hoje é possível saber que desde maio de 1972 a Funai tinha plenas condições de saber
que pelo menos dezessete Parakanã morreram e dois ficaram cegos. Mas essas informa-
ções foram cuidadosamente ocultadas pelo general Bandeira de Mello quando compa-
receu à cpi do Congresso Nacional em 1977. O deputado Lauro Rodrigues lhe perguntou
sobre as “quarenta mortes” denunciadas por Cotrim anos antes. “Inverdade”, retrucou o
general. Ante a insistência do deputado, ele de novo despistou:

Bom, quarenta. Não houve essas mortes. Vossa Excelência pode inclusive re-
quisitar da Funai fotografias do atendimento. Quem chefiou, juntamente com
o João de Carvalho, foi o coronel Clodomiro Bloise, da Aeronáutica, que deu
todo o apoio. Essa tribo não deu o menor trabalho na questão da atração.

O sertanista responsável pelo contato com os Parakanã, João Evangelista de Carvalho,


também muito depois reconheceu óbitos após o contato. “De abril em diante, eles co-
meçaram a vir normalmente, diariamente, até vieram, mudaram o acampamento já
mais para próximo, aí pegaram uma epidemia de diarreia, morreu uma porção de crian-
ças e eu fiquei com esses índios até dezembro de 1971.”32
Carvalho não explicou o que significava “porção” em números. Ele afirmou que
“nessa época teve uma falta de recursos tremenda”. Eram “mais ou menos quatrocentos
índios” naquela época. Sobre o contágio, procurou justificar: “Sabe, todo contato nosso
a gente sempre, por mais que as pessoas estejam aparentemente sadias, nós sempre te-
mos os vírus que eles não têm anticorpos para resistir. Então o que acontece é isso, por
mais que a gente faça os cuidados […]”.
Nascido em 1922, Carvalho era um experiente sertanista, que havia trabalhado
desde os anos 1940 com inúmeras etnias. Quando, em 2005, foi procurado por um pes-
quisador do Museu do Índio para um novo depoimento, soube-se que havia morrido.33

Em 1976, os Parakanã sofreram outro impacto. Logo após a conclusão das obras da Tran-
samazônica na região, por volta de 1973, o governo começou a pôr em prática o projeto
da hidrelétrica de Tucuruí. Em 1976, houve o contato com outro grupo parakanã, perto
do rio Anapu, nas proximidades de Altamira. Eles foram transferidos para a “reserva pa-
rakanã” e também sofreram contaminação. “Segundo apuramos junto a esta comunida-
de, os índios não estavam contaminados e só posteriormente ao encontro com os fun-
cionários da Funai é que a malária foi disseminada entre eles.”34
O grupo do rio Anapu que era formado até março de 1976 por “quarenta indiví-
duos chegou ao posto indígena Pucuruí com um total de 29, o que representa 27,5% de

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perdas para o grupo”. Haviam perecido onze índios, restando cinco homens, oito mu-
lheres e dezesseis crianças menores de quinze anos. Em 1979, mais quatro índios mor-
reram de malária, em um grupo de 113 índios parakanã do antigo “grupo do Lontra”.35

Considerando o relatório da Funai de 1972, as denúncias de Cotrim e as diversas avalia-


ções posteriores, o número dos Parakanã mortos após o contato oscila de dezessete a
noventa, além de dois a oito casos de cegueira. Em relação aos Asurini, a conta também
foi elevadíssima. Cotrim calculou 36 Asurini mortos, embora os seus relatórios que re-
sistiram ao tempo apontem treze.
A antropóloga Regina Aparecida Polo Müller desenvolveu e coordenou, a par-
tir de 1978, um projeto de recuperação dos Asurini. Ela passou longos períodos com os
indígenas, revisou os dados documentais e chegou a número parecido com o maior ci-
tado por Cotrim. No ato do contato, segundo os registros verificados por Regina, foi esti-
mada pelos sertanistas uma população de cem índios.36 Quando o sertanista chegou ao
local, contou 76 índios. Logo depois, a população foi reduzida para 63 — ou seja, a mor-
te de 37 índios em relação ao grupo inicial, apenas um acima dos 36 apontados por ele.37
“As causas do violento decréscimo populacional pós-contato foi a contaminação do gru-
po, segundo a mesma fonte [Cotrim], grassando na população uma epidemia de gripe e
malária”, escreveu Regina.38 Seis anos depois, a população asurini caiu para 55. “As mor-
tes em sua maioria, se não em sua totalidade, foram provocadas por doenças transmiti-
das pelos brancos.”
Em um documento interno produzido em 1982, a Funai reconheceu que em
1971 a população dos Asurini era de “aproximadamente cem índios; em 1974 eram es-
timados em 58”.39 Ou seja, em três anos, 42% do grupo foi dizimado — um índice nada
menos que espantoso.

Anos depois, o sertanista Carvalho também reconheceu que a epidemia do que chamou
de “conjuntivite” deixou cegos índios parakanã. A doença, que o pessoal da Funai com-
bateu apenas com colírio e pomada — “a gente coloca uma vez, melhora um pouquinho,
não fica curado” —, transformava os olhos em “uma posta de sangue”. Chamou-lhe a
atenção o caso de uma Parakanã doente, idosa, que pediu à neta, de mais ou menos seis
anos, que fizesse uma ponta fina em um talo de babaçu para, com isso, tentar retirar
aquilo que a incomodava nos olhos. “Ela dizia ‘é espinho que tem nos meus olhos’. Aí le-
vou para o mato, não teve o tratamento necessário e os olhos estouraram.”40

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No início de 1972, Cotrim começou a preparar uma declaração pública à imprensa sobre
a morte dos Parakanã e Asurini. Em plena ditadura, foi o primeiro servidor da Funai a
associar as ações do órgão à mortalidade de índios no eixo da Transamazônica. Do iní-
cio de maio, quando pediu demissão, até o dia 20, ele se reuniu em Brasília com Apoena
e outros funcionários da Funai para se preparar sobre o que iria fazer.

Eu não podia esconder isso, havia índios cegos. As outras coisas que iam acu-
mulando. A estrutura da Funai não tinha condições. Com aqueles militares,
com o general Bandeira… A tendência era piorar. O próprio pessoal da Funai ia
me abastecendo de informação.41

Nesse meio-tempo, as informações sobre cegueira entre os Parakanã chega-


ram à jornalista Eliana Lucena, do jornal O Estado de S. Paulo. Durante uma entrevista
coletiva concedida em Brasília por Bandeira de Mello, Eliana indagou se era verdade que
índios “estariam cegos, atacados de doença venérea transmitida por trabalhadores que
estão na área” da Transamazônica. “Isso é uma inverdade”, rebateu o general, assegu-
rando que os operários doentes teriam sido barrados pela Funai antes de chegar à área.
Além disso, “suspeitar dos nossos sertanistas seria absurdo, pois o pessoal da Funai pas-
sa por exames médicos periódicos e, além disso, por princípio não procurariam índias
parakaman [sic]. Isso seria desumano”.
O general então ameaçou a jornalista “de ser investigada pelo sni”, por “estar
muito bem informada sobre o que se passa dentro da Funai”. O assunto foi parar na pri-
meira página do jornal de 30 de março, com o título: “Funai ameaça jornalista”.
Após a liberação dos documentos sigilosos da Funai, é possível concluir que a
reação de Bandeira de Mello representou pura desinformação. Mesmo sabendo que as
denúncias de Cotrim tinham fundo verdadeiro, o regime militar seguiu negando quais-
quer irregularidades nos contatos com os Parakanã e Asurini.
O sertanista voltou para Maceió, onde depois teve que dar explicações para a
Polícia Federal. Ele nunca mais voltou a atuar com órgãos indigenistas do Estado brasi-
leiro. Retornou ao comércio atacadista de pisos e cerâmicas, negócio que seu pai havia
fundado décadas antes.
Cotrim deixou o órgão “decepcionado e frustrado”, com a convicção de que foi
uma peça usada em planos políticos nos quais não teve poder para intervir. Quarenta
anos depois, continuou a lidar com os fantasmas do passado com uma amarga e since-
ra conclusão.

Depois que eu vi a mortandade… Eu sabia que aquela mortandade ia conti-


nuar, podia até ser pior. E eu sendo cada vez mais responsável. Eu previa na re-

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gião diversos grupos. Eu sairia dali daquele grupo asurini e voltaria a contatar
outros grupos. E os resultados seriam os mesmos: desastrosos para os índios e
muitas vezes se refletindo na minha consciência como um corresponsável dos
acontecimentos. No fim, eu era cúmplice de tudo o que estava acontecendo.
Havia cumplicidade de minha parte. Eu aceitei.42

“E hoje você faria de novo tudo o que fez?”, indaguei a Cotrim, num hotel em
Maceió em 2013.
“Eu só faria as denúncias de novo. Agora, a metodologia de trabalho, não faria
de forma nenhuma. O método correto é o que a Funai criou e adotou [anos depois], de
manter os índios afastados, isolados, criando equipes para manter a área afastada de in-
vasores.”

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8. A MARCHA

a mortandade dos asurini e parakanã em momento algum paralisou o avanço da


Transamazônica. Até meados da década de 1970, outras etnias prosseguiam despistan-
do ou recusando o contato com os “civilizados” na mesma região, enquanto as obras pas-
savam perto de aldeias antes isoladas. Os Araweté, os Arara e outros grupos de Parakanã
e Kararaô eram os próximos focos de atenção dos militares da Funai. Esse trabalho es-
tava nas mãos tanto de sertanistas mais antigos, como Afonso Cruz, como dos novatos
contratados a partir de 1970 a propósito da construção da estrada.
Um deles era Benigno Pessoa Marques, que entrou na Funai com apenas vinte
anos — e da qual só sairia após quarenta anos de serviços prestados. Assim como Afon-
so, Benigno era ligado à selva desde criança. Ele nasceu em 1949 em um seringal às mar-
gens do rio Iriri, no Pará, a cerca de duzentos quilômetros da atual cidade de Altamira.
Seu pai, Alonso, é um dos tantos anônimos que sofreram e foram moldados pelos efeitos
da Segunda Guerra Mundial sem jamais ter pisado na Europa. Em 1942, Alonso chegou
ao Iriri dentro do programa criado pelo governo para deslocar enormes contingentes
do Nordeste a fim de aumentar a produção de látex na Amazônia e suprir os Exércitos
aliados. Nordestino do Ceará, era um “soldado da borracha”, vivendo em condições ad-
versas no meio da selva amazônica, tão diferente da caatinga nordestina. Benigno, ain-
da criança, foi impactado pela tragédia, ao perder dois irmãos pequenos, com sarampo.
Outra ameaça eram os índios da região, habitada por diversas etnias. Por volta de 1957,
segundo Benigno, um grupo kayapó atacou e matou “civilizados” que viviam em um se-
ringal perto do rio Novo. Ele se recorda de quando os seringalistas subiram o rio para
exibir aos moradores da região as armas que os índios deixaram para trás, como flechas
e bordunas.
Na adolescência, nos anos 1950, Benigno presenciou reuniões que os serin-
gueiros costumavam fazer para organizar expedições com o objetivo de matar e espan-
tar os índios. Quanto maior o seringal, mais gente o seringueiro cedia para as penetra-
ções na mata. Havia seringais com setenta, oitenta “facas”, que era o apelido dado aos

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trabalhadores braçais. Quanto mais facas controlava, mais forte era o seringueiro e mais
gente ele deveria ceder para as expedições. No linguajar local, chamavam de “botar para
correr” os índios. As “correrias” poderiam durar semanas. Quando eles encontravam os
índios na mata, disse Benigno, atiravam para matar.
Quem se destacou no trabalho de selecionar e organizar as “correrias” foi um
homem chamado João Rogério. Muitos anos depois, quando já estava na Funai, Benigno
localizou Rogério e pediu que ele falasse sobre aquela época.

Eles fizeram muitos ataques. No Xingu, na turma do Baú [kayapó]. Morreu


muito índio na época. Eles brigavam com borduna e flecha, enquanto os se-
ringueiros vinham com espingarda. Naquele tempo se usava um rifle calibre
44, chamado de “papo amarelo”. Houve um massacre no “riozinho do Anfrísio”
com o povo kararaô. Os sobreviventes índios me contaram.1

Mais tarde Benigno disse ter compreendido que os ataques dos índios aos se-
ringueiros não tinham relação com a posse da terra, mas apenas com a necessidade de
sobrevivência. Havia na região grupos indígenas imensos que precisavam de roças gran-
des e muitas caçadas para se alimentar. Quando perceberam a utilidade das peças tra-
zidas pelos “civilizados”, como foices e machados, os índios passaram a aparecer nos se-
ringais para pegar tais instrumentos de corte. “Mas quando eles vinham falar com os
brancos, os brancos não entendiam e ofereciam era chumbo para o índio. A maior difi-
culdade de contato, inclusive da Funai, foi a língua. Quando os índios recebiam uma fer-
ramenta, era a maior alegria do mundo.”
Em 1961, o pai de Benigno virou garimpeiro e mandou o filho para a escola,
em Altamira. Benigno passou a trabalhar com a prelazia da igreja do Xingu. Traba-
lhou na oficina mecânica da prelazia e aprendeu a projetar filmes no pequeno cinema
que os padres haviam montado na cidade. Passaram pelas suas mãos muitas fitas de
aventura e bangue-bangue — quase como os da vida real que ele sabia existir a pou-
cos quilômetros dali.
Então veio a Transamazônica e o governo anunciou que estava contratando,
em caráter urgente, pessoal para as frentes de atração da Funai. Um parente distante no
órgão, o sertanista Julio Reinaldo de Morais, o Camiranga, convidou Benigno para a ati-
vidade de auxiliar de enfermagem, que ele também havia aprendido com os padres. Be-
nigno achou que haveria algum curso preparatório, algum treinamento, mas poucas se-
manas se passaram e ele já estava na selva atrás de índios isolados.
Na primeira expedição, Benigno foi acompanhado de Camiranga, três fun-
cionários da Funai e quatro índios, dentre os quais Kamayurá. Após dez dias de barco,
entraram a caminhar na mata atrás de índios que seriam um grupo dos Kararaô. Em

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certo ponto, Kamayurá fez um movimento brusco que acabou por enterrar sua pró-
pria faca, que estava na cintura, em uma das suas pernas. Benigno correu para estan-
car o sangue e dar injeção para evitar uma hemorragia. Montaram um acampamen-
to para descansar e Benigno foi caçar com mais dois índios. Viram rastros na mata e
vestígios de castanhas que haviam acabado de ser limpas com uma pedra. Na manhã
seguinte, um jacu, ave da região, começou a piar forte perto de um igarapé. Benigno
correu e, ao ver o animal espetado por uma flecha e as pegadas dos índios na lama, re-
solveram recuar.
No dia seguinte, o grupo retomou a caminhada até chegar a uma roça feita pe-
los índios. Na mata, estes começaram a cantar. Camiranga reconheceu o canto, que re-
petiu em voz alta. Após um momento de silêncio, os índios apareceram. Foi a música
que aproximou dois grupos humanos tão incrivelmente distintos.
Benigno contou 29 índios, entre adultos, mulheres e crianças. Todos tinham a
cabeça raspada. Uma idosa veio caminhando apoiada num pedaço de pau. Ela disse que
eram o povo kararaô. O grupo estava com ótima saúde, na avaliação de Benigno.
A Funai melhorou e ampliou a picada que ligava a aldeia até a beira do rio. Mas
o órgão logo deixou esses índios à própria sorte, cortando o canal de diálogo que havia
sido aberto. Benigno e outros foram deslocados para atuar em outra aldeia, dos Xikrin.
O fato novo é que as frentes de colonização e as obras da estrada se aproximaram do gru-
po kararaô. Poucos anos depois, Benigno voltou ao lugar. “Eles tinham adoecido, tinham
morrido, no período em que ficaram abandonados. Nosso trabalho, da nossa equipe, era
contatar e aldear os índios, e foi o que fizemos.”
Para o enfermeiro, a Funai deveria ter levado o trabalho adiante, depois do
contato, mas nada realizara em benefício dos índios. Estes, revoltados, por muito pou-
co não mataram Benigno e seu colega Afonso quando do reencontro. Por sorte, eles ha-
viam levado muitos brindes, como ferramentas e roupas, que passaram a distribuir.
Houve um racha no grupo dos índios, e a maior parte declarou não querer mais viver
ali. Reunido em Altamira, o pessoal da Funai decidiu por uma transferência deles para
perto de outro igarapé. Nesse caminho, os índios fizeram contato com “civilizados” que
traziam o vírus da gripe. “Nessa mudança morreram dois índios. Uma velha e um ín-
dio chamado Priquê. Morreram de gripe, pneumonia, algo assim. Eu fui aplicando as
injeções. Até que chegamos perto do [rio] Xingu. Fomos abrindo uma aldeia. Aí mor-
reu mais um índio.”
Benigno por fim “abriu a aldeia”, ou seja, ajudou a montar malocas, cultivar a
roça e criar uma clareira e uma pista de pouso para emergências. Para ele, o saldo de
três mortes foi alto, mas ainda assim pequeno, se comparado com o que estava prestes a
acontecer na mesma região. Tratou-se, para outro povo indígena, de uma verdadeira ca-
tástrofe, hoje quase que perdida na memória nacional.

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Até o início dos anos 1970, a Funai tinha poucas informações sobre o grupo de índios
que depois ficaria conhecido como araweté. Havia registro de que um “gateiro”, como
são chamados na região os caçadores de felinos, José Darwich, encontrara um grupo de
índios desconhecidos em 1969 e pouco mais que isso. No plano feito às pressas em 1970
por iniciativa do sertanista Cotrim, do economista Edson Ramalho e do cartógrafo Val-
dênio Lopes, há menção a 39 etnias indígenas, mas nada sobre os Araweté.2 Esse sim-
ples fato dá a dimensão da ignorância do governo militar a respeito dos habitantes da
imensa área em que operou com máquinas, operários e barcos para levar a cabo a cons-
trução da Transamazônica e outras estradas vicinais.
Por volta de agosto de 1974, Benigno e mais seis funcionários da Funai, dentre
os quais Afonso, deixaram a cidade de Altamira com o objetivo de reforçar os trabalhos
que o órgão desenvolvia na região para contatar os Araweté. A Funai havia localizado al-
gumas aldeias araweté na região de Ipixuna e montado acampamento nas imediações,
mas não conseguia estabelecer o contato. Benigno e equipe resolveram ir por terra, pela
trilha aberta pelos próprios índios. Com facões, foram ampliando e melhorando a pas-
sagem. A caminhada durou dois dias. Deram de cara com uma grande roça de bana-
na, batata e mamão. De repente, uma flecha foi lançada da mata e caiu no meio da roça,
mas a expedição seguiu adiante. Benigno calcula ter caminhado apenas 1,5 quilômetro
quando chegou a uma das aldeias, que estava vazia. A equipe deixou ali vários presen-
tes que havia levado, como machados, facões, facas, miçangas e espelhos. Montaram um
acampamento em local mais afastado e dormiram. No dia seguinte, um grupo de cerca
de vinte índios apareceu, gritando e cantando. Embora fossem guerreiros, estavam sem
armas. “Peguei um pacote cheio de facões e tentei dar para um, mas outro veio e pegou.
E aí foram escondendo no mato tudo que pegaram da gente, numa rapidez danada. Es-
condiam e voltavam, assim foi várias vezes.”
Benigno e seus colegas não entendiam nada do que os índios falavam. Os
Araweté começaram a falar perto do ouvido dos visitantes, que, claro, só podiam estar
surdos por não entender o que diziam. Um índio pegou o braço de Benigno e o convi-
dou para dar uma volta. Após atravessarem um igarapé, os dois toparam com outro gru-
po, com mulheres e crianças. Eles queriam saber o que eram os sinais de sangue que ha-
viam encontrado. O pessoal da Funai havia, dias antes, matado e charqueado uma anta
no local, então Benigno tentou imitar o animal. Os índios deram risada. Mostrando que
queriam vê-lo usar sua espingarda calibre 22, apontaram para uma arara. Na hora do
tiro, espremeram-se atrás dele, para ver o que ele tanto olhava pela mira. Com os em-
purrões, Benigno errou o disparo. A seguir chamou quatro índios e os levou até um bar-
co da Funai para darem um passeio pelo rio. Queria demonstrar que o órgão não queria

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lhes fazer mal. O contato acabou sendo muito positivo, no entender do pessoal da Funai.
Nenhum índio ficou doente.
Benigno se disse impressionado com a capacidade de trabalho dos Araweté.
Além das roças “grandes, limpas, onde tinha de tudo”, ou seja, além de serem “ótimos
agricultores”, os índios dominavam a arte da fiação, usando o algodão que eles mesmos
plantavam. Com o fio, faziam redes e roupas. Benigno não poderia prever que desenvol-
veria uma intensa relação com esse grupo, vivendo com ele nada menos que oito anos
sucessivos, aprendendo sua língua e ouvindo detalhes de toda a sua longa história na
Amazônia. Mas isso só aconteceria mais tarde. Antes, os Araweté enfrentariam a morte.
Logo após o contato, Benigno disse ter sugerido à Funai que aproveitasse o mo-
mento e “aldeasse” os Araweté, ou seja, fixasse a etnia num ponto único, a ser abasteci-
do e acompanhado pela entidade. Mas a ideia não prosperou. Aconteceu exatamente o
contrário. Como já havia feito com outras etnias, a Funai se afastou depois de contatá-
-los, largando os índios à própria sorte.
As consequências dessa ação dúbia da Funai eram muitas: expunha os índios
às doenças com “civilizados”, porém os deixava sozinhos sem os medicamentos adequa-
dos; apresentava os bons instrumentos para a agricultura, no entanto não aparecia com
novas ferramentas; por fim, criava um clima de enorme desconfiança entre os índios,
que poderiam se sentir traídos com o abandono.
No caso dos Araweté, a equipe de Benigno foi deslocada para outros afazeres. E
os índios ficaram sem contato com o órgão por cerca de dois anos. Nesse intervalo, um
grupo de índios inimigos dos Araweté, os Parakanã, desencadeou um terrível ataque.
Benigno reconstituiu o evento como

uma guerra. Os Parakanã já vinham corrido dos Kayapó, dos Xikrin do Baca-
já. E da colonização, que vinha empurrando eles também. Eles atravessaram
o Bacajá e foram à roça dos Kayapó para tirar mantimentos. Só que os Kayapó
se reuniram e mataram uns 27 Parakanã, fora os que foram morrendo por aí.
No aperreio, os Parakanã acionaram em cima dos Araweté, meteram flecha, foi
aquela confusão. Os Araweté tiveram que fugir.

Fugindo do ataque dos Parakanã, por volta de maio de 1976 os Araweté ir-
romperam na beira do rio Xingu. Segundo Benigno, eles abordaram um barco de ven-
dedores fluviais, atrás de mantimentos. Os índios tinham fome. A notícia chegou a
Altamira e a Funai foi acionada. O sertanista João Evangelista de Carvalho, que ha-
via trabalhado com os Parakanã, integrou a equipe enviada à região. Assim como Be-
nigno, Carvalho também era filho de um seringueiro da Amazônia. Nasceu em 1922
na região de Purus, habitada por índios paumari e apurinã. Aos 23 anos, aceitou um

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convite para trabalhar no spi. Ele só estudou até a quarta série primária, mas conhe-
cia bem a mata e os rios, tendo trabalhado com transporte fretado de mercadorias.
Enfrentou malária “desde que nasceu” e vários perigos na selva. Desde 1970 Carva-
lho fazia parte das turmas de atração montadas pela Funai a propósito da abertura
da Transamazônica.3
Quando Carvalho chegou à beira do Xingu, em 1976, havia 48 Araweté. Muitos
estavam doentes, com conjuntivite, malária e febre. Os índios a princípio se recusavam
a receber as injeções, chegando a subir nas árvores, com medo do atendente de enfer-
magem Antônio Lisboa Dutra, que chamavam de Mano Velho. Depois que os índios me-
lhoraram, servidores da Funai deram início a uma marcha pela selva, com o objetivo de
levá-los à região do rio Ipixuna. Benigno não estava na região nem participou da decisão
da caminhada, mas soube o que a Funai planejava. Em tese, não era má ideia. “Qual era
o nosso projeto? Voltar com eles, já tinha lavoura, mandioca, já tinha uma estrutura ali.
O projeto era esse. Achei que ia dar certo.”
A caminhada começou em julho de 1976. O sertanista Raimundo Alves, o Rai-
mundinho, e o auxiliar Francisco de Assis Monteiro foram os únicos homens da Funai a
acompanhar os índios. Raimundinho foi “autorizado e instruído pelo chefe da ajudância
da Funai em Altamira, Salomão Santos”, conforme concluiu, anos depois, o antropólogo
Eduardo Viveiros de Castro, que viveu entre os índios por cinco períodos diferentes en-
tre 1981 e 1992 e entrevistou índios e o pessoal da Funai. Ele calculou que a caminhada foi
“de mais ou menos cem quilômetros”.4 O sertanista Carvalho também foi para o Ipixuna,
mas de barco. Ele chegou mais cedo e ficou aguardando os índios. Benigno estimou que a
marcha durou longos e penosos dezessete dias na selva. Tudo deu muito errado.
Em entrevista que concedeu a Viveiros de Castro, Assis contou que, embora
houvesse casos de gripe, a doença que mais atingiu os índios foi a conjuntivite, que havia
sido contraída lá atrás, de uma família de “civilizados” na beira do Xingu. Essa doença
acarretou outro problema. “[Os índios] ficavam para trás porque não enxergavam mais,
a ‘dor d’olhos’ trancava a vista deles.”5
Assis ia puxando a fila, abrindo o caminho, e Raimundinho vinha atrás do úl-
timo índio. Os primeiros doentes apareceram logo no segundo dia da caminhada. Dias
depois, o problema se agravou.

Começou todo mundo a adoecer, aí tudo mundo já começou a ficar pra trás,
pra trás, pra trás, aí tinha vez que eu ainda conseguia voltar, chamar o que es-
tava mais melhor e continuava pra frente. Quando foi nos dez dias, aí já estava
faltando muitos. […] De cinco dias em diante que nós conseguimos viajar, já foi
ficando a metade, metade.

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“Ficar para trás” significava morrer. Os índios simplesmente começaram a pe-
recer, caindo como moscas pelo caminho. Alguns chegaram a armar suas redes, deita-
ram e não mais levantaram.6
No trecho da conversa transcrito no livro de Viveiros de Castro, Assis nada diz
sobre falta de alimentação, atribuindo as mortes às doenças. Mas Benigno se tornou
amigo do auxiliar, de quem ouviu uma explicação mais detalhada. Houve um grave pro-
blema de logística, pois a Funai não estocou nem carregou mantimentos suficientes
para todo mundo.

Conversei muito com o Assis. […] Ele me disse o seguinte. Não tinham nada
[para comer]. No primeiro dia, o rancho acabou. Eles passaram a se alimentar
de nada. E furando a mata para chegar logo. Eles sabiam que chegando lá [no
Ipixuna], tinha de tudo, tinha roça, dava para fazer farinha. Mas os índios fo-
ram já doentes da barranca do rio. Eles paravam, o Assis voltava para pegar. Ele
carregava criança no colo, porque a mãe não aguentava mais.7

“Mas por que acabou a comida, foi erro de planejamento?”, eu quis saber.
“Foi erro de planejamento e de tudo. Não era para ter tirado os índios dali [do
Xingu]. Era para ter aberto uma área e ter trabalhado com eles ali mesmo.”

A explicação que Assis deu a Benigno não desmente a narrativa feita por ele a Viveiros.
É possível que uma coisa tenha levado a outra: doentes, os índios não conseguiam mais
caçar. Sem comida, cada vez mais fracos, definharam até morrer.
Muitos anos depois, João Carvalho reconheceu a falta de mantimentos, em-
bora procurasse justificar a necessidade da caminhada. A entrevista foi concedida em
1992 ao pesquisador Carlos Alberto Ricardo, do Centro Ecumênico de Documentação e
Informação (Cedi). Ricardo disse a Carvalho ter ouvido de Raimundinho que não havia
rancho. O sertanista confirmou: “É, não tinha nada mesmo”. Porém, ele defendeu a de-
cisão de empreender a marcha, pois na beira do rio eles estavam “sujeitos a outras con-
taminações, e já que eles tinham sarado daquela, era mais viável levá-los”. Julgaram que
na mata haveria “muito jabuti” para comer.
Embora seja necessário frisar que as decisões nunca foram individuais, de
Carvalho, de Raimundinho ou de Assis, mas percorreram a burocracia da Funai e fo-
ram apoiadas pelo seu representante na região, as explicações da entidade são insus-
tentáveis. Além de ter confiado demais em uma suposta abundância de caça na mata,
a Funai deveria ter considerado que um homem doente e enfraquecido, seja índio,
seja “civilizado”, tem dificuldades tremendas para extrair da natureza o seu susten-

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to. Ao jogar com a sorte, jogou com a vida dos índios. Se estes corriam risco de morrer
de fome na beira do Xingu, a resposta mais lógica e imediata seria alimentá-los e criar
condições para que desenvolvessem suas roças. Caso fosse indispensável a transfe-
rência, ela só deveria ter sido desencadeada após um amplo planejamento que garan-
tisse comida e medicamentos suficientes ao longo de toda a retirada.

Carvalho estava no posto da Funai em Ipixuna, ao qual chegou de barco, aguardando a


chegada dos índios. Eles apareceram lá em agosto. Era um grupo “de índios doentes, ar-
rasados com conjuntivite até onde não podia mais”. Já chegaram dizendo que muitos
outros ficaram pelo caminho e aguardavam ajuda urgente. Carvalho ficou num dilema:
ou ajudava os que haviam chegado ou corria para ver os outros. Ele teve que enfrentar
sozinho esse caos. No momento dessa operação de tamanho risco, o atendente de en-
fermagem que a Funai mantinha no local simplesmente estava de folga. Carvalho optou
por ficar na aldeia, onde nada menos que 120 pessoas aguardavam atendimento.8
Depois que a situação melhorou — o que não impediu novas mortes e a ceguei-
ra de um dos olhos de três índias —, só por volta de novembro Carvalho decidiu refazer
o caminho dos Araweté para saber o que havia acontecido com os que ficaram para trás.
Carvalho mantinha um diário pessoal. Anos depois, o maço de anotações foi entregue
ao Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), embrião do Instituto So-
cioambiental (isa), que no futuro ajudaria a demarcar a terra indígena araweté. O isa es-
caneou e arquivou o diário de Carvalho. São 152 páginas manuscritas em que ele descre-
ve todos os eventos que presenciou e que julgou de algum interesse entre maio de 1976
e novembro de 1977. A leitura descortina um cenário de horror que lembra um filme —
para desgraça dos Araweté, incrivelmente verdadeiro.
A ideia de refazer a trilha surgiu por insistência de um velho Araweté, Mea-
nô. Já haviam se passado três meses desde a chegada dos índios ao posto de Ipixuna e
o pessoal da Funai continuava lidando com vários problemas de saúde entre os índios,
como malária e febre. Meanô dizia estar passando fome e, mesmo “aleijado do quadril
direito”, queria voltar para um acampamento onde teria deixado vários objetos pessoais.
Carvalho por fim concordou em fazer uma expedição. Em novembro de 1976, o sertanis-
ta reuniu Meanô, o índio Toudi, a índia Apiter e dois servidores da Funai, Assis e o ex-
-gateiro José Darwich, aquele mesmo que havia encontrado os Araweté em 1969 — a Fu-
nai depois o contratou como mateiro. Partiriam no dia 5. No final da tarde, duas índias e
uma criança de cinco anos vieram do posto para ter com Carvalho. Queriam ir também,
“para trazer maridos, pois ambas são viúvas”.
Depois de alguns dias de caminhada, o grupo confiou demais na palavra do
mateiro e acabou se perdendo. A comida dava para quatro dias, e eles já caminhavam ha-

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via uma semana. No décimo dia, encontraram o acampamento onde Meanô havia dei-
xado suas coisas, “uma mala de enfeites do velho e outros objetos dele e das filhas”. Os
cupins já haviam devorado quase tudo. O grupo decidiu voltar, mas antes passou um
dia descansando. Mataram uma queixada e moquearam a carne para a viagem de volta.
A partir daí, Carvalho começou a encontrar os vestígios da tragédia que desa-
bou sobre os Araweté. Primeiro visualizou o crânio de uma criança que os índios disse-
ram ser do menino Adjuruiatú, que durante a caminhada morrera e tivera o corpo co-
mido por uma onça. Logo adiante viu um corpo amarrado a palhas de babaçu e mais à
frente outro esqueleto. Seguindo a mesma direção, Carvalho viu outra ossada e mais
dois corpos cobertos com as palhas de tapiris que os índios haviam montado. Ele tentou
ver uma explicação para alguns corpos estarem cobertos e outros não. “Pelo jeito, quan-
do o camarada morria, os outros derrubavam o tapiri sobre o corpo e se mandavam. Os
que ficavam desenterrados, acho que ficavam sem poder andar, faziam um fogo e deixa-
vam junto ao igarapé e depois vinham a perecer, talvez de fome.”
Carvalho chegou à primeira contagem de corpos. “Para encurtar, passamos
hoje por dezesseis cadáveres, isto é esqueletos, uns cobertos, a maioria descobertos.
Acho que quando morriam não tinham nem o que urubu comer, pois os esqueletos não
foram nem puxados [mexidos].”
No dia seguinte, 18 de novembro, os achados macabros continuaram.

Hoje desde cedo começamos a encontrar ossadas e outros cobertos com as pa-
lhas do tapiri, depois em uma tapiri encontramos duas redes armadas, e os
corpos próximos. Os índios nos informaram que eram duas mulheres. Mais
adiante, dentro de um assaizal uma rede armada, a informação que era de uma
mocinha e cujo esqueleto encontrava-se nas proximidades. Mais esqueletos e
sepulturas, perfazendo um total hoje na beira do caminho de dez homens e
cinco mulheres. As crianças continuam em segundo, mas a ideia que tenho é
que o número é bem maior que dos adultos. Hoje fiquei imensamente entriste-
cido com o quadro que a cada momento vamos descobrindo.

Nos dias seguintes, Carvalho achou mais corpos de crianças, mulheres e ho-
mens. Em algum momento, ele compreendeu que índios morreram já bem próximos
do posto da Funai, a uma caminhada estimada em dez dias de ida e volta. Escreveu que
em agosto uma índia, Tapaiahí, de fato havia insistido para que ele fosse ajudar seu pai,
que segundo ela estava perto do posto. Contraditoriamente, Carvalho escreveu que não
conseguia sair do posto, mas também sugeriu que não acreditava no que a índia dizia.
Concluiu que de fato alguns índios que morreram mais perto do posto poderiam ter
sido salvos.

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Em seu diário, Carvalho anotou o impressionante número total de esqueletos
que encontrou no meio do caminho: 41, incluindo o crânio da indiazinha. Ao regressar
ao posto da Funai, parecia assombrado pelo que viu. Ele escreveu:

Agora estou me sentindo satisfeito porque não temos problemas de saúde. En-
tretanto, quando vejo todos os índios alegres e satisfeitos brincando conosco,
fico pensativo, porque do mesmo jeito poderiam estar os donos dos esqueletos,
se tivéssemos sabido do ocorrido e tivéssemos socorrido.

O Ano-Novo chegou e houve comemoração no posto da Funai. Na virada, Car-


valho e seu pessoal deram “alguns tiros de espingarda” para o alto e foram dormir às
duas da madrugada. No dia 2 de janeiro de 1977, Carvalho escreveu, em tom melancólico:

Fui à aldeia, mas em viagem encontrei quase todos os índios. Eles souberam
que cortei algumas flechas e todos queriam. Mas como não chegam a vinte,
não pude satisfazer a todos. Mas prometi de ir cortar outras. Os índios que-
riam saber quem plantou e me disseram que os Araweté já se acabaram e que o
restante serviu de comer para os urubus (Iribú-miú). Para nós, é uma tristeza
ouvir eles falarem assim. Mas a culpa não é minha.

Há uma controvérsia sobre o número correto de índios que pereceram na caminhada.


Isso se explica em parte pelo seguinte: depois que o primeiro grupo deixou a margem
do Xingu, um segundo grupo de Araweté também se deslocou para o posto da Funai no
Alto Ipixuna. Assim, não há certeza sobre o número total de índios que empreenderam
a marcha. Carvalho diz que encontrou 41 esqueletos, mas isso não quer dizer que esses
sejam todos os mortos. O próprio sertanista mencionou 48, na entrevista ao Cedi. Con-
tudo, muitos outros corpos devem ter sido levados por animais, caído em igarapés ou
simplesmente não foram vistos por ele em sua curta e complicada expedição.
Após ouvir os índios sobreviventes e consultar as fontes humanas e documen-
tais do episódio, Viveiros de Castro apontou um número de 66 mortos na marcha. So-
mando os mortos por doenças à margem do Xingu e os mortos depois do final da mar-
cha, como consequência dela, o número de mortos apontado pelo antropólogo não é
inferior a 73. Isso representou nada menos que 36,5% da população araweté na época,
estimada também por ele em duzentas pessoas. Ou seja, um terço de uma etnia intei-
ra pereceu num intervalo de poucos meses. Se o mesmo ocorresse numa cidade como
São Paulo, por exemplo, o efeito seria similar à detonação de uma bomba nuclear, com
a perda de 4,2 milhões de pessoas.9

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Se os documentos, depoimentos e relatórios do pessoal da Funai na época já não fossem


suficientes para confirmar o que se passou em julho de 1976, há a memória dos índios
que viveram a tragédia.
Encontrei um grupo de seis Araweté em fevereiro de 2014 na sede da Funai
na cidade de Altamira, no Pará, à beira do Xingu. O prédio fica no terreno comum do
campus da Universidade Federal do Pará, com pequenas e simples construções de
um pavimento. Na parede da frente, alguém pintou um mural contrário à construção
da usina hidrelétrica Belo Monte, a principal obra na região dos governos Lula e Dil-
ma Rousseff. No meio do desenho, uma mulher contorce o rosto à maneira do qua-
dro O grito, de Edvard Munch, e faz uma indagação: “E agora, o que será de nós e do
rio Xingu?”.
Os Araweté tinham saído de sua aldeia de barco para vir à cidade pedir à Funai
anzóis, gêneros alimentícios e qualquer outra ajuda. Eles armaram suas redes na varan-
da do prédio e ali já haviam dormido por cinco noites. Quando me aproximei, uma jo-
vem amamentava seu bebê, ambos ao que tudo indicava em ótimo estado de saúde, as-
sim como os outros quatro homens. Receberam-me com sorrisos e certa curiosidade
sobre um “civilizado” aparecer falando a respeito de fatos do passado que eles conhe-
ciam tão bem, pois sempre os ouviam dos mais velhos. Porém um dos quatro homens,
que os índios disseram se chamar Irabi’tô,10 não tinha apenas ouvido, também havia ca-
minhado. Ele não soube dizer quando nasceu, mas aparentava sessenta anos, o que o
deixaria, na época da marcha, com mais ou menos dezoito. Irabi’tô não entende nem
fala português, com exceção de poucas palavras. Ele contou o episódio em sua língua,
sendo traduzido pelo Araweté que disse se chamar Torotirô.
Quando indaguei sobre o número de mortos na caminhada, Irabi’tô respon-
deu, estendendo os braços para cima:
“Ih, muito, muiiiito.”
“E ele viu os índios morrerem?”, eu quis saber.
“A mulher dele morreu”, respondeu Torotirô.
“E como ela se chamava?”
“Torotihi.”
Irabi’tô contou que o pessoal da Funai deu medicação aos índios, mas “mesmo
assim morreu muito”. Para ilustrar o que aconteceu, o índio fingia uma tosse comprida.
Perguntei quem era o funcionário da Funai que socorreu com os remédios. Irabi’tô res-
pondeu, mas Torotirô não soube traduzir direito. “Manoel, Marroél, sei lá, não entendi”,
disse Torotirô.
Irabi’tô percebeu a confusão do amigo e corrigiu: “Manové!”.

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Também fiquei em dúvida, pois não tinha ouvido falar de nenhum funcioná-
rio da Funai que se chamasse Manoel na região. Essa suposta falha poderia pôr em dú-
vida a história de Irabi’tô.
Já em Brasília, quando voltei a consultar os documentos, percebi que na épo-
ca os índios chamavam exatamente de Mano Velho, ou Manoveio, o atendente de enfer-
magem Antônio Lisboa Dutra, que trabalhou com os índios no Xingu e os socorreu em
Ipixuna. Assim, a memória de Irabi’tô se mostrou excelente também nesse pormenor.
Indaguei a Irabi’tô sobre o motivo da morte de sua mulher. Torotirô traduziu:
“Foi na caminhada. Morreu de gripe, catarro.”
E quem mais morreu?
“Morreram mais de vinte pelo caminho.”
Quando a conversa acabou, fiquei sabendo que um casal parakanã estava em
uma rede a menos de cinco metros dos Araweté e ouvira tudo. O homem então se levan-
tou, veio em minha direção e confirmou a história do ataque aos Araweté, o que os levou
à beira do Xingu e, de lá, para a fatídica caminhada. Outrora ferrenhos inimigos, hoje
Parakanã e Araweté convivem pacificamente e chegam a sorrir quando se lembram das
violentas brigas do passado.

Os Araweté, segundo Benigno, eram índios pacíficos em relação aos “civilizados” e não
reagiram com violência ao contato. Mas havia outra etnia na região que não era assim.
Entre os quilômetros 70 e 110 da rodovia Transamazônica, no município de Altamira,
criou-se um foco de grande atenção da cúpula militar da Funai. Os sertanistas sabiam
que havia muitas décadas um grupo de índios vivia naquela região mantendo contatos
esporádicos com “civilizados”. Os primeiros registros datavam de 1853. Na década se-
guinte, o grupo foi estimado em 343 adultos.
Os índios conhecidos como Arara tinham estatura de média para alta — cer-
ca de 1,75 metro, em média —, andavam nus com pinturas corporais à base de jenipapo
e urucum e eram fortes e morenos claros. Usavam arco e flecha, plantavam algodão, ba-
tata, banana, mandioca, mamão, abacaxi e pés de pimenta, caçavam, pescavam e viviam
em habitações com paredes de palha, forradas com cascas de jatobá. As casas podiam
atingir 25 metros de comprimento por nove de largura. Também gostavam de fazer e to-
car flautas de madeira.11 Eles costumavam furar as orelhas, assim como o septo nasal,
por onde passavam uma vareta de madeira. Os cabelos dos homens eram mantidos cur-
tos, em forma de cuia. Usavam braçadeiras de algodão nos braços, e nos colares costu-
mavam exibir dentes de macacos.12
O relacionamento entre Arara e “civilizados” foi marcado por atos de violência
seguidos por períodos de paz. Em 1942, os índios mantinham um relacionamento ami-

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gável com um morador chamado Antônio Cassiano. Porém, depois que extratores de
óleo de copaíba atacaram e mataram dois deles, os Arara revidaram matando Cassiano.
Nos anos 1950, os índios se instalaram nas cabeceiras do rio Jaraucu. Em 1961, feriram
o cão de um morador local. Em represália, o prefeito de Altamira determinou o envio de
uma força policial para dar caça aos índios. A polícia encontrou e apreendeu objetos uti-
lizados por eles, mas não há registro oficial de mortes.13
Em 1964, um novo encontro deixou “mortos e feridos em ambas as partes”,
segundo um registro feito pela Funai, que não fornece os números envolvidos. No ano
seguinte, o então spi organizou uma expedição para localizar os Kararaô, a mesma que
resultaria na morte dos índios após uma grande epidemia. O grupo era formado por di-
versos funcionários do spi, dentre os quais o sertanista Afonso Alves da Cruz. Perto do
rio Penetecau, a equipe encontrou diversas malocas de índios arara, mas não conseguiu
o contato. Em 1967, a prefeitura de Altamira abria a picada de uma estrada quando de
novo os Arara apareceram. Um dos funcionários foi flechado e morto. Afonso foi des-
tacado para recolher o corpo e verificar as razões do conflito. Novamente o spi só en-
controu malocas abandonadas. Em 1969, deu-se o confronto mais grave de que se tinha
notícia. Gateiros “atacaram e mataram alguns índios, além de deixarem açúcar envene-
nado”, segundo um relatório de Afonso. Outro relatório da Funai é mais específico, men-
cionando o assassinato de doze índios arara a tiros de espingarda.14
Em 1970, com a Transamazônica, a Funai estabeleceu como uma das priorida-
des localizar e “pacificar” os Arara. Anos depois, em documento oficial, a entidade apon-
tou que a estrada passou a “aproximadamente três quilômetros da aldeia arara”.15 Com
isso, os índios abandonaram o local. A Funai concluiu que a situação ficou ainda mais
dramática para os índios com a chegada do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra) à região, por volta de 1973, pois a “distribuição de lotes [aos colonos] feita
pelo Incra atingiu muitas roças dos índios, inclusive vários bananais, com isso obrigando
os índios a ir mais para o interior da mata e levar uma vida ainda mais nômade”.16
Entre 1970 e 1973, Afonso e sua equipe mantiveram vários contatos fugazes
com os Arara, ao cabo dos quais os índios sempre abandonavam suas malocas e fugiam
para o mato. Com ajuda de um intérprete trazido do Xingu, o índio Anunu, Afonso en-
tendeu que os índios diziam para todos irem embora e deixá-los em paz. Em setembro
de 1973, os índios flecharam três “civilizados”, um dos quais morreu. Ao olhar as pontas
das flechas, no hospital, Afonso concluiu que eram flechas arara.17
Ao mesmo tempo que a estrada era aberta na mata, a ditadura procurava en-
contrar oportunidades de negócio para atrair empresas e mão de obra para a região de
influência da Transamazônica. Em meados dos anos 1970, os militares enviaram para a
região equipes de prospecção da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (cprm),
criada por eles em agosto de 1969 e vinculada ao Ministério das Minas e Energia, com o

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objetivo de “estimular o descobrimento e intensificar o aproveitamento dos recursos mi-
nerais e hídricos do Brasil”, além de “suplementar a iniciativa privada” na área de pesqui-
sas.18 Perto de Altamira, a cprm pesquisava a incidência de minerais de sulfeto, mas não
havia feito uma comunicação formal à Funai sobre as suas atividades.19 A empresa dizia
não operar em área demarcada, conforme depois a socorreu o comando da Funai, porém
estava em uma área de domínio dos Arara, que resistiam aos contatos com a “civilização”.
Em fevereiro de 1976, a mais ou menos dezoito quilômetros de Altamira, um
grupo de Arara atacou e matou a flechadas três funcionários da cprm.20 José Ribamar
Pereira, José Ubiraci do Egito e Benedito Ferreira da Silva trabalhavam em um acam-
pamento montado pela empresa oito quilômetros ao sul da rodovia, no trecho entre Al-
tamira e Itaituba.21 O general Ismarth alegou que o ataque ocorreu “em região não indí-
gena”.22 Com essas afirmações, o chefe da Cotz desinformava a opinião pública. Como
vimos, depois a própria Funai deixou claro que o traçado da rodovia passou a apenas
três quilômetros de uma das aldeias dos Arara. O diretor do Parque do Xingu, Olympio
Serra, por sua vez, culpou a cprm: “Essas incursões só podem ser feitas com autorização
da Funai. Normalmente, quando há autorização, um sertanista acompanha o grupo”.23
O fato é que a Funai ficou contra a parede. Segundo disse à imprensa o serta-
nista Apoena Meireles, que decerto aqui falou apenas pela ótica dos “civilizados”, aquele
“foi o primeiro incidente ocorrido na região da Transamazônica”.24
A Funai acelerou as tentativas de manter contato com os Arara. Benigno Mar-
ques foi retirado de onde estava, na área dos Asurini, para compor a nova equipe mon-
tada pelo sertanista Afonso.

Era muita pressão porque eles [do governo] estavam assentando a colonização.
Tinha estradas vicinais que para uma aldeia não dava dez, quinze quilômetros.
Naquele tempo foi um corre-corre. O cara pegava a fazenda, media os quatro
pontos e derrubava toda a mata, fazia a pista de pouso e tudo. Havia uma fazen-
da do dr. Francisco que ficava a dez quilômetros da aldeia. A pressão era que
“tinha que aldear os índios, tinha que fazer o contato”.25

A Funai montou um posto de atração com equipamento de rádio, pista de pou-


so e mantimentos. Afonso, Benigno e sua turma abriram uma picada, montaram um ta-
piri e deixaram brindes para os índios, iniciando o namoro. Como não deu certo, e com
“mais pressão da Funai”, depois de alguns dias eles decidiram caminhar até a aldeia.
Quando lá chegaram, tudo havia sido abandonado pelos índios um pouco antes. Afon-
so entrou numa maloca pequena e descobriu um túmulo. Eles decidiram cavá-lo. Acha-
ram o esqueleto de uma criança enrolado numa rede. No teto do barraco, Benigno viu
um cesto que parecia guardar objetos e o pegou. Ao abri-lo, levou um susto. Dentro ha-

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via três crânios humanos. Um estava pintado e com um pedaço de madeira enfiado na
boca. Na cavidade dos olhos, os índios haviam aplicado mel de abelha. Os índios usavam
os crânios como parte de um ritual, concluiu Benigno.
A equipe da Funai logo entendeu que as cabeças pertenciam aos funcionários
da cprm. O governo havia ocultado o detalhe, ao informar à imprensa sobre o massacre,
de que os três corpos encontrados logo depois do ataque haviam sido decapitados. E es-
tavam sem os pés também. Mas o pessoal da Funai sabia disso. Assustada com a desco-
berta, a equipe resolveu que não dormiria na aldeia e seguiu para outro acampamento
que a entidade já havia montado nas imediações. Levaram junto os crânios.
No dia seguinte, a equipe, agora com doze homens, chegou a outra aldeia ara-
ra, esta habitada. Dividiram-se em dois grupos, um com Afonso, outro com Benigno, e
combinaram que em trinta minutos ambos entrariam juntos, cada um por um lado dife-
rente da aldeia. A estratégia era pegar os índios desprevenidos, para que não reagissem.
Benigno entrou e viu “muitas mulheres” e uma criança carregando um macaco. Em se-
guida começou uma chuva de flechas. Benigno achou que dessa vez “não ia dar”. Do ou-
tro lado, o grupo de Afonso também foi recebido a flechadas. Todos da Funai correram
para se esconder atrás de árvores derrubadas. O ataque só parou quando um integrante
da equipe empunhou uma espingarda calibre 22 e deu tiros para o ar.
Os índios se espalharam pela mata para cercar o grupo de Benigno, impedin-
do-o de fugir pela trilha. Pouco depois, o grupo de Afonso conseguiu dar a volta e se unir
a ele. Agora todos procuravam um jeito de retroceder sem vítimas. Na espera, beberam
água e comeram pedaços de uma goiabada. Tinham duas opções: regressar pela mes-
ma picada da vinda ou tentar um caminho diverso, que acarretaria muitos quilômetros
a mais de caminhada até a base da Funai. A primeira saída foi a escolhida pela maioria.
O experiente servidor Milton Lucas do Nascimento, que havia trabalhado com Benigno
junto aos Kararaô, se ofereceu para puxar a fila.
Na trilha havia um espesso amontado de cipós. Para atravessá-lo, era preciso
se abaixar e às vezes engatinhar. Mas o pessoal não sabia que, do outro lado, havia quatro
índios à sua espera com arcos e flechas, que até haviam limpado o mato que atrapalhava
a visão da saída dos cipós. Quando o grupo saiu, mais uma onda de flechas. Benigno se
arrastou até um toco de madeira. Depois, eles contaram 27 flechas pelo chão.
Milton Lucas teve menos sorte. Atingido por uma flecha no peito, à direita, ele
caiu com as mãos na cabeça. Um índio o viu desabar e se aproximou com uma borduna
na mão, para um golpe que seria fatal. Benigno percebeu que o colega ia morrer e reagiu.
“Saquei o revólver e dei dois tiros para cima. Foi quando o índio correu e deixou o Milton.”
Com mais tiros para cima, os índios recuaram. A flecha que atingiu o servidor era
serrilhada, feita de osso de macaco. Quando Benigno a arrancou, Milton desmaiou de dor.
Benigno e Afonso chegaram a procurar uma vela na mochila para acender ao lado do cor-

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po, pensando que ele havia morrido. Mas ele mexeu os pés e começou a arfar. Benigno fez
um curativo e improvisou ataduras. A equipe decidiu que só retomaria a caminhada à noi-
te, o que dificultaria um novo ataque dos índios. Quando o sol se pôs, o grupo partiu, com
Milton a princípio caminhando, amparado pelos colegas, e depois carregado em uma rede.
Durante toda a noite, Benigno ouviu ao longe gritos dos índios que os acompanhavam es-
condidos na mata. A caminhada durou cerca de um dia e meio. Milton foi socorrido no hos-
pital de Altamira, mas o atendimento, segundo Benigno, cometeu um erro. “Tinham que
ter aberto o peito do Milton para tirar todo aquele sangue que estava no pulmão, mas não
fizeram. Ele ficou uma pessoa inutilizada, doente, para o resto da vida.” Milton morreu
quatro anos depois. Para Benigno, foi em consequência do ferimento mal tratado.

O ataque que feriu Milton ocorreu em setembro de 1977. O acampamento da Funai so-
freu mais dois nos meses seguintes, segundo Benigno. Em expediente, o sertanista
Afonso reconheceu a persistência dos índios: “Os índios arara são muito violentos e não
aceitam a paz facilmente”.26 A explicação para a belicosidade deles estava nas profun-
das transformações que a região começara a viver com a Transamazônica e com a che-
gada de colonos transferidos pela ditadura, invasores de terras e gateiros. Ao contrário
do que a Funai divulgou pela imprensa na época, os Arara não eram um grupo “nôma-
de”.27 Benigno testemunhou que

os Arara tinham sofrido demais. A Transamazônica entrou bem no meio da al-


deia deles. Dividiu um grupo no meio, cada um ficou para um lado da estrada.
E máquina e trator comendo. E a Funai de linha de frente em tudo. Na beira do
rio, um cara matou dois índios. A Funai foi lá, encontrou os ossos. Em 75, en-
contramos mais de vinte cápsulas no chão depois de um ataque que os índios
sofreram. Tudo isso foi se acumulando.

A invasão no domínio indígena também aparece documentada por Afonso em


relatório que seguiu para o comando da Funai, em Brasília. Ao investigar a morte de um
gateiro pelos Arara, o sertanista encontrou “os ossos, faltando a cabeça”, além de pedaços
de flechas e “trincheiras” criadas pelos índios. Ele também informou que“prosseguindo
a viagem, encontramos estrada de gateiros indicando que estavam penetrando na área
dos índios, [e] mais adiante um acampamento a dois quilômetros da estrada dos índios”.28
Para complicar a situação, a ditadura, por meio do Incra, havia cedido ter-
ras públicas e assinado um contrato com uma colonizadora sediada em Porto Alegre,
a Cooperativa Tritícola Serrana Ltda. (Cotrijuí), para assentar famílias de colonos num
prazo máximo de cinco anos numa área de 396 mil hectares abrangidos pela Transama-

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zônica. A Cotrijuí anunciou que para a zona rural de Altamira iriam cerca de 2 mil fa-
mílias. O general Ismarth correu para informar ao governo que uma parte das terras in-
cidia sobre o território dos Arara e conseguiu uma interdição provisória dos lotes, até
que os índios fossem “pacificados”. Meses após a interdição, a Cotrijuí denunciou fre-
quentes invasões nas terras loteadas para seu uso. A empresa alegou que isso prejudica-
va tanto a empresa quanto os índios, que viam seu território ser vilipendiado. Até 1978, a
Cotrijuí localizou 93 famílias invasoras numa área de 12 mil hectares.29
Assim, a pressão sobre a Funai e os Arara só aumentou. No primeiro semes-
tre de 1979, a frente no local resolveu investir mais uma vez na atração, abrindo pica-
das em direção às aldeias. Na nova investida atuaram, dentre outros, Afonso e o serta-
nista Carvalho, o mesmo que havia descoberto os esqueletos dos índios araweté. Eles
criaram um novo acampamento a três horas de viagem da base já erguida pela Funai
no quilômetro 143 da Transamazônica, a cerca de uma hora de caminhada de roçados
dos Arara e a oito quilômetros de uma aldeia. Ali o pessoal da Funai fez seu próprio
roçado e também passou a depositar, em tapiris, os brindes para os índios, em uma
nova tentativa de namoro.
Em junho, Afonso e Carvalho estavam com mais sete pessoas acampadas perto
do roçado dos Arara. Poucas semanas antes, haviam deixado num tapiri panelas, facões
e machados. Quando caminharam até o local para substituir os brindes, começou o ata-
que. “Uma flecha pegou na minha clavícula esquerda e varou nas costas, A outra pegou
nas costelas do lado direito, entrou e ficou. Outra flecha passou queimando meu olho,
eu me abaixei na hora. Ali eu pensei que ia morrer.”30
Carvalho também foi atingido. Os dois sertanistas caíram. No chão, Afonso viu
que os Arara vinham correndo com bordunas para matá-los a cacetadas. Nesse instan-
te, um índio que havia sido trazido pela Funai do Parque do Xingu para ajudar na atra-
ção empunhou uma espingarda calibre 20 e disparou três vezes para o alto, o que levou
os Arara a recuar. Outro servidor da Funai, Antônio Ferreira Barbosa, também ficou fe-
rido, mas sem gravidade.31
Afonso e Carvalho foram carregados pelos companheiros até o acampamento,
que ficava a cerca de duzentos metros do tapiri. Afonso quebrou um pedaço das flechas,
mas não conseguiu arrancá-las. Uma impressionante fotografia da época o mostra am-
parado por funcionários da Funai, caminhando com os pedaços das duas flechas no cor-
po com cerca de vinte centímetros cada um. Por rádio, o órgão indigenista foi acionado e
enviou um helicóptero. Os feridos foram levados até Altamira e de lá seguiram num avião
pequeno para Belém. Os índios permaneceram nas proximidades do acampamento, mas
não atacaram. Na manhã seguinte, todo o pessoal da Funai foi retirado por terra.32
No hospital, o tórax de Afonso foi aberto para a retirada das duas pontas de fle-
cha. Ele ficou mais de um ano afastado do trabalho. Mais tarde, chegou a conhecer o ín-

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dio que lhe acertara a flecha no peito, chamado Timim. “Ele me disse que pensava que a
gente da Funai é que ia matar eles, por isso atacaram. Disse que não sabia o que nós que-
ríamos com eles, não entendiam o que a gente estava fazendo ali.” Mas essa conversa só
ocorreu anos depois, quando os Arara por fim aceitaram o contato da Funai. Não sem
outros cadáveres, como veremos adiante.

Os Arara permaneceram, com suas trincheiras, flechas e bordunas, como a última et-
nia a resistir à passagem da Transamazônica. Outros grupos indígenas, porém, sofre-
ram impacto com a obra mesmo sem esboçar resistência. Depois de Itaituba, no Pará,
onde viviam os Arara, as obras de abertura da rodovia prosseguiram a oeste por 1094
quilômetros, entrando pelo estado do Amazonas, até a cidade de Humaitá. Esse trecho
foi inaugurado pelo general Garrastazu Médici em 30 de janeiro de 1974. O trecho ante-
rior, até Itaituba, havia sido inaugurado por ele em setembro de 1972. Não era uma rodo-
via asfaltada, mas sim “uma estrada de terra de terceira categoria, com vinte centíme-
tros de cascalho, […] centenas de pontes de madeira”. As empreiteiras tiveram que fazer
tantos aterros em alguns trechos que um jornalista associou a paisagem a “um tobogã”.33
A mais de 120 quilômetros da cidade de Humaitá, no Amazonas, e próximos
ao traçado da Transamazônica, viviam pelo menos quatro grupos indígenas, todos liga-
dos à mesma denominação de povo kawahiva. Eram três grupos de índios tenharim e
um grupo de índios jiahui. Os Tenharim viviam em três aldeias diferentes, a maior per-
to do rio Marmelos.
No passado, os Kawahiva foram também conhecidos como Parintintim, “pa-
cificados” na década de 1920 pelo etnólogo alemão Curt Nimuendajú. Ele escreveu que
a primeira notícia documentada de um ataque dos Parintintim datava de 1852, quando
um grupo matou três extratores de óleo de copaíba. O ataque ocorreu justamente no rio
Marmelos, região em que viviam os Tenharim quando da passagem da Transamazôni-
ca. Mas a violência, no século xix, não partia apenas dos índios, como frisou Nimuenda-
jú. Os “civilizados” desencadearam uma sangrenta represália.

Uma guerrilha cruel e traiçoeira começou e se arrastou durante longos decê-


nios. Nas suas correrias anuais os Parintintim derramavam o terror, a morte,
o saque e o incêndio no meio dos civilizados, e das represálias que estes cos-
tumavam tomar nenhuma melhora resultou, pois nelas os civilizados, as mais
das vezes, se comportaram pior que os seus adversários selvagens. Bradou-se
por medidas enérgicas: exigiu-se o extermínio da tribo, e os moradores do ser-
tão contribuíram o mais que foi possível para este fim, fazendo fogo sobre qual-
quer Parintintim, onde quer que ele se apresentasse.34

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Nimuendajú conseguiu a “pacificação” no ano de 1922. Mais tarde teria dito a
um pesquisador que se arrependeu, pois em seguida os Parintintim sofreram uma grave
desagregação cultural e quase foram extintos. O etnólogo teria afirmado: “Nunca mais,
disse, ajudarei a ‘pacificar’ uma tribo”.35

Em 1950, os Tenharim que viviam às margens do rio Marmelos foram localizados e con-
tatados por seringalistas, dentre os quais Delfim Bento da Silva, que resolveu viver com
os índios, tendo casado e constituído família com uma índia. Delfim passou a fazer os
índios “trabalhar para ele, coletando castanha-do-pará, produzindo farinha de mandio-
ca e sorva”, além de intermediar o comércio de “produção indígena”. Quando os tratores
da Transamazônica chegaram à região, por volta de 1971, um funcionário local da Funai
conseguiu, “com a colaboração de Delfim”, “a remoção dos Tenharim para a beira da es-
trada”. Além disso, o órgão contatou outro grupo tenharim, que vivia numa aldeia na lo-
calidade de São José, e abriu um campo de pouso, fazendo com que o contato dos Tenha-
rim com “civilizados” se tornasse frequente.36 Idêntico processo de aproximação com
“civilizados” na época da obra viveu a etnia jiahui.
Que a obra tenha cruzado território tenharim não há dúvida. Mas o que não
se divulgou à época, e que só veio à tona muitos anos depois, por meio de depoimentos
recolhidos por antropólogos e pelo Ministério Público Federal (mpf) no Amazonas, foi
que a obra passou por cima de casas, roças e até “algumas sepulturas” dos Tenharim.
Os próprios índios foram arregimentados para trabalhar com “machados e terçados pe-
quenos” no desmatamento e na abertura de uma pista de pouso, “que foi compactada
manualmente”. Pelo menos um menino tenharim, João Bosco, de “dez ou doze anos na
época”, trabalhou para preparar a alimentação das turmas. Não houve remuneração; no
final, o chefe da Paranapanema — a empresa responsável pela Transamazônica, que ao
mesmo tempo iria obter autorização do governo para desenvolver projetos de extração
mineral na região — que coordenava a turma dos índios entregou-lhes apenas “uma cai-
xa cheia de bonecas para as crianças”. Macedo Tenharim disse ao mpf que “trabalhamos
tipo escravidão”. A índia Maria Kururu’i lembrou que um aterro feito para a estrada qua-
se fez secar um trecho do rio Marmelos, e a água ficou suja de lama e óleo.37
Isso não foi tudo: o pior veio com as doenças. Em 1974, uma epidemia de saram-
po atingiu os índios. Maria Kururu’i afirmou ao mpf que viu um representante da em-
preiteira chamar um gerente da firma perto da aldeia Marmelos e lhe dizer que “os ín-
dios estão morrendo tudo, tem que avisar o governo”. Felipe Tenharim, que trabalhou
na obra, contou ter contraído sarampo, varicela e catapora. Agostinho Tenharim disse
que “quase toda a população” estava acometida por sarampo. Os índios jiahui, na época
com apenas seis famílias, também foram atingidos. Maria Madalena, cujo nome indíge-

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na é Erea’i e tinha 73 anos em 2013, declarou ao Ministério Público que a estrada está na
origem de muitas doenças também entre os Jiahui.
O impacto exato das doenças sobre o número de Tenharim e Jiahui é impreci-
so. Como eram etnias já em contato frequente com “civilizados”, a imprensa na época lhes
deu pouca ou nenhuma atenção.38 Também não havia nenhum sertanista famoso na área,
como Apoena e os irmãos Villas Bôas, que pudesse atrair os holofotes da mídia ou gerar
relatórios mais extensos e detalhados na Funai. Os Tenharim e Jiahui, que não reagiram
nem mataram “civilizados” quando da abertura da rodovia, caíram em relativo ostracismo
justamente porque não se encaixavam na figura estereotipada que se fazia do índio “arre-
dio” e “hostil”. Até 1979, a própria existência desses índios parecia desconhecida. Quan-
do a Igreja denunciou a invasão do território tenharim por serrarias, observou que nem
a prelazia de Humaitá nem o Departamento Geral de Patrimônio Indígena da Funai, em
Brasília, “possuem em seus arquivos qualquer referência aos índios tenharim”.39
O número exato de índios que viviam na região também não é explicitado em
documentos da Funai. Sabe-se que entre 1983 e 1984 havia 250 Tenharim.40 Em 1994, a
Funai contou 301 indígenas, número que subiu para 393 no ano de 2004. Mas sobre a
realidade em 1971, quando a estrada passou, não se encontrou registro específico.
Há indícios de que os problemas de saúde continuaram por toda a década. Em
29 de julho de 1980, uma equipe de O Estado de S. Paulo encontrou na aldeia dos Tenha-
rim um índio que “morria de tuberculose, cercado de silêncio e mulheres tristes”. O tu-
xaua Alexandre informou que no mês anterior haviam morrido quatro crianças, mas foi
contestado por uma funcionária da Funai.41
Resta a memória dos índios que sobreviveram às doenças. Considerando o que
ocorreu com outras etnias, com epidemias documentadas que devastaram suas popula-
ções, essa lembrança não deve ser descartada como mera imaginação — pelo contrário,
a julgar pelos antecedentes é perfeitamente veraz. Uma equipe da Igreja registrou em ví-
deo um encontro realizado na aldeia tenharim em 2013, para gerar subsídios para os tra-
balhos da Comissão Nacional da Verdade. Olhando para a câmera, Madalena Tenharim
disse que tinha cerca de oito anos quanto a Transamazônica chegou.

Quando chegou essas pessoas que botou a estrada, nunca passou pela nossa ca-
beça passar essa estrada por aqui. Nem aquele barulho, nem aquele devasta-
mento que passou. […] Nós não para de estar em luto pela morte do nosso povo.
Porque eu vi criança, recém-nascido, todos mortos pela causação dessa estrada.
E quem mandou? Governo. Governo que mandou nós guerrear. Foi ele que jogou
veneno em nós.42

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9. TRINCHEIRAS

desde que os índios panará apareceram na base da fab na serra do Cachimbo em


1967, dando início à operação militar que culminou na queda do avião turboélice C-47,
a tarefa de contatá-los surgiu como um foco de atenção da ditadura. Sucessivas expedi-
ções foram lançadas pelo governo em direção aos indígenas, com pelo menos oito anos
de insucessos. Essas expedições despertaram a imaginação dos brasileiros, convidados
por jornais e revistas a conhecer a saga dos furiosos e hostis índios “gigantes” que se re-
cusavam a dialogar. O apelido surgiu depois que os irmãos Villas Bôas encontraram, nos
anos 1950, um Panará com 2,03 metros vivendo entre os Txucarramãe no Xingu — de-
pois se concluiu que apenas alguns índios da etnia eram altos.
A existência dos índios na região do rio Iriri foi verificada pelos Villas Bôas no
final dos anos 1940, quando da construção da base de Cachimbo. Nenhum contato dire-
to foi realizado. Em 1961, esses índios teriam sido os responsáveis pelo ataque que ma-
tou o expedicionário inglês Richard Mason, que pesquisava a região do Iriri. Seu corpo
foi encontrado numa trilha para a qual Mason teria sido atraído por eles. Recebeu oito
flechadas e o crânio e as pernas foram esmagados a golpes de borduna. Anos depois, Or-
lando Villas Bôas narrou esse episódio com irritação, chamando os estrangeiros de “de-
lirantes para aventura nas selvas brasileiras”.1 Afirmou que em uma reunião prévia com
membros da expedição condenara o roteiro, por passar em “área de índios arredios”. A
versão diverge da contada pelo membro da expedição John Hemming, canadense que
tempos depois se tornaria um dos principais pesquisadores da história dos indígenas
na América Latina e ativo integrante da ong Survival International. Hemming confir-
mou o alerta de Orlando sobre áreas kayapó, mas o sertanista também teria dito que ne-
nhum índio fora visto perto da base de Cachimbo e até se oferecera para “liderar a expe-
dição, se ela fosse adiada para o ano seguinte”.2
Em 1965, a ditadura divulgou à imprensa que o contato com os índios era imi-
nente. O diretor do spi, Luís Vinhas, anunciou uma expedição com onze homens e ra-
diotransmissores, “grande quantidade de brindes e outros materiais necessários”.3 Em

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1967, o spi confirmou à imprensa confrontos entre Kayapó e Panará, com vinte mortos e
raptos de quatro crianças.4 O ataque foi reencenado em 1970 pelos próprios Kayapó com
conhecimento do sertanista Cláudio Villas Bôas para a filmagem do documentário The
Tribe that Hides from Man (1970), de Adrian Cowell.5
A expedição de 1965 não deu o resultado esperado pelo governo. O plano foi re-
tomado em 1968, após um alerta de Orlando. Em carta ao presidente da Funai, ele adver-
tiu que as turmas de operários da construção da rodovia que ligaria Cuiabá a Santarém
(pa), a br-165, passariam “a operar em áreas de índios arredios kranhacarore” e quis “lem-
brar” à presidência do órgão “a conveniência de se reiniciar os trabalhos de atração da-
queles índios”.6 Na carta, o sertanista explicou que o general Albuquerque Lima em pes-
soa lhe transferira a incumbência da “pacificação”. Em resposta, Queirós Campos disse
que Orlando estava autorizado a “iniciar a tomada de contato com os índios arredios”.7 Po-
rém, depois de cinco meses, em janeiro de 1969, a expedição foi encerrada sem sucesso.8
O plano foi mais uma vez retomado em 1972. Ao contrário da maioria das ope-
rações de contato com índios isolados lançadas até então, a organização da empreita-
da para localizar os Panará foi muito bem documentada. Um ofício, por exemplo, ajuda
a dissolver o principal argumento usado na época para justificar o contato com etnias
isoladas, o de que esses índios precisavam ser salvos de conflitos com “civilizados” ou
de doenças. No caso dos Panará, os motivos expressos por escrito pelo ministro do Inte-
rior, Costa Cavalcanti, ao presidente da República, general Garrastazu Médici, nada ti-
nham a ver com os índios, mas sim com objetivos econômicos e geopolíticos estabele-
cidos pela ditadura.

Diretrizes básicas do governo, a integração e o desenvolvimento do país fazem


com que a Fundação Nacional do Índio exerça atividades de atração de grupos
indígenas arredios da sociedade nacional, muito especialmente aqueles locali-
zados na Amazônia Legal.9

Outro ofício, assinado por Bandeira de Mello, explica que o contato era neces-
sário, tendo em vista que as obras de duas rodovias, a Cuiabá-Santarém (br-165) e a Xa-
vantina-Cachimbo (br-080), se aproximavam dos índios ao mesmo tempo. A Funai “teve
de acelerar os trabalhos”.10
Anos mais tarde, Orlando disse que a preocupação “era fazer a atração urgen-
te, correndo, do índio. Era manter o índio longe da estrada e se possível mais perto das
aldeias”. Afirmou que havia “mais de 2 mil” “civilizados” querendo entrar no rio Peixoto
de Azevedo porque ele era rico em diamantes e ouro.11
A equipe de atração da Funai trabalhava junto com as turmas de operários
das empreiteiras e dos batalhões de engenharia e construção do Exército responsáveis

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pela obra da Cuiabá-Santarém. Em junho, Orlando avisou à entidade que seu irmão
Cláudio e operários do 9o bec abriram uma clareira para receber lançamentos de pro-
dutos e pousos de helicópteros.12 Voos rasantes feitos na região por causa da obra as-
sustaram os índios, que na correria largaram “armas e cesto de alimentação espar-
ramados”. O traçado da rodovia passava muito perto da aldeia dos Panará, a apenas
quatro ou cinco quilômetros. Por isso, os índios vinham mantendo “constante vigilân-
cia” sobre a turma de topografia.
Pouco demorou para que houvesse o primeiro choque entre índios e trabalha-
dores. O operário Aureliano Bispo de Oliveira caminhava numa picada quando deu de
cara, numa curva, com “doze a quinze índios”, que o atacaram com flechas, atingindo-o
na virilha direita e abaixo de um dos braços. Em resposta, ele atirou com uma carabina
e “ouviu, em ato contínuo, um grito de índio ferido”.13
Orlando descobriu no local objetos que pareciam “destinados a presentes” e
rastros de crianças, o que segundo ele seria incomum num ataque de guerreiros, suge-
rindo que o operário podia ter atirado antes de as flechas voarem. O sertanista disse que
Bispo era “um sertanejo da classe daqueles que veem nos índios um inimigo natural e
irreconciliável”. O operário confirmou a jornalistas ter baleado um índio: “Dei mais dois
tiros, ouvi um grito e vi um índio cair. Acertei, mas não sei em que lugar”.
Os enviados especiais de O Globo que cobriam a expedição narraram a partir
daí “um clima tenso entre trabalhadores do 9o bec”. “Trincheiras foram cavadas em tor-
no das barracas. Receberam alguns rifles, munição e bombas de gás lacrimogêneo, com
ordem para usar somente em caso de extrema necessidade.”14
Em junho, o 9o bec informou a Orlando que de novo os índios se aproximaram
do acampamento da obra e mais tiros foram disparados por parte do “pessoal do 9o bec”.
Os índios fugiram, abandonando arcos, flechas e bordunas. Porém, “duas flechas posta-
das no caminho revelam possivelmente intenções pacíficas”.15 Dias depois, a assessoria
de relações públicas da Funai, em Brasília, anunciou uma “nova tática” na “pacificação”
dos Panará. Os Villas Bôas agora iriam descer o rio Peixoto na direção sul, “deste modo
ao encontro dos índios”, não mais os aguardando no acampamento montado pelo órgão
a apenas “cinco quilômetros da aldeia maior” deles.16
Assim foi Cláudio em direção aos índios, primeiro abrindo uma picada na mata
e depois descendo o rio Peixoto. O trabalho, porém, teve que ser interrompido em de-
zembro de 1972 porque um surto de gripe atingiu o acampamento da frente de atração,
contaminando um grupo estimado em quarenta índios de inúmeras etnias recrutados
pela Funai para trabalhar na expedição.
No início de 1973, a gripe foi superada e Cláudio retomou seus trabalhos. Ele
desceu de novo o rio Peixoto, até encontrar um grupo de Panará na beira do rio. Em
uma canoa com trabalhadores índios, o sertanista ia e vinha na travessia do rio, tentan-

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do obter permissão para se aproximar. Os Panará faziam gestos para que todos fossem
embora. Até que Cláudio teve a ideia de fingir que havia machucado o pé. Com essa arti-
manha, conseguiu aproximar a canoa da margem do rio.17 Os Panará enfim o receberam
bem, em meio a tentativas de diálogo e abraços. Em fevereiro de 1973, a Funai anunciou
afinal que cerca de 150 índios mantiveram contato amistoso com a turma de Cláudio.18
Os Villas Bôas então informaram aos jornalistas que aquela seria a última fren-
te de atração que tocariam na fundação. Em abril, Orlando anunciou que já pedira seu
afastamento da base de atração. Ele foi substituído por Apoena Meireles e passou a res-
ponder pela chefia do Parque Indígena do Xingu.
Apoena levou com ele sete Xavante para ajudá-lo na frente, já que os cerca de
quarenta índios recrutados pelos Villas Bôas regressaram ao Parque do Xingu logo após
a saída dos sertanistas.19 Seus modos incomodaram seu chefe mais imediato, o coronel
Olavo Duarte Mendes, então chefe da 2a Delegacia Regional da Funai. O militar recla-
mou a seus superiores por escrito que o sertanista gastava muito com voos, contratados
pela Funai, da entidade missionária sil ou do Exército, e com a compra de brindes para
os índios. Outro ponto de discórdia era o pedido de Apoena para o órgão providenciar
“quarenta homens” para construir uma pista de pouso na região. O coronel achou que a
saída era muito mais simples: bastava usar os índios como mão de obra barata.

Os próprios Kreen-Akarores poderiam ser utilizados na abertura do campo,


mediante brindes, farinha, roupas etc., após suficientemente motivados e pre-
parados pelos sertanistas. Os cinco índios xavantes, sob a direção de um dos
sertanistas, que orientaria os trabalhos, construiriam o campo.20

O uso de índios como mão de obra gratuita e fácil foi uma constante na história
do spi e da Funai, desde a época de Rondon, da abertura de picadas e frentes de atração
ao funcionamento dos postos indígenas. Na mesma época do episódio dos Panará, por
exemplo, o chefe do posto indígena Perigara, José Carlos Barbosa, informou à Funai que,
para montar uma lavoura de arroz, feijão e milho, utilizaria dez indígenas a dez cruzei-
ros por dia, “sendo deduzidos deste montante a quantia que será gasta em alimentação”.21
Nos anos 1980, mesmo depois da ditadura, o Exército e a Funai utilizaram ín-
dios yanomami para a construção de um aeródromo na região de Surucucus, em Rorai-
ma. Eles receberiam o equivalente a “meio salário mínimo”. Não em espécie. “Com rela-
ção ao pagamento dos trabalhos prestados pelos índios, está sendo feito com material
de utilidade para eles, especialmente ferramentas. No dia 5 de maio houve o primeiro
pagamento.” Nem as crianças eram poupadas, remuneradas a preço vil. “De abril a ju-
nho foram prestadas 8237 horas de trabalho pelos índios adultos, sendo que as crianças
trabalhavam apenas por uma gratificação.”22

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Logo após o fim da ditadura, em 1985, ao analisar os Grupos de Trabalho cria-
dos pela Funai para fins de demarcação, dois antropólogos apontaram que o órgão cos-
tumava usar os índios nesses trabalhos tão somente em “atividades secundárias e com-
plementares”, sempre braçais. “Os relatórios mencionam a participação dos índios na
condição de guias, caçadores, mateiros, ou mesmo trabalhadores braçais, todos eles
constituindo-se apenas em mão de obra que vem a ser utilizada pelo gt para o cumpri-
mento de suas tarefas.”23

Apoena ficou poucos meses na frente de atração dos Panará, sendo substituído por An-
tônio Campinas, que logo enfrentou problemas para alimentá-los. Na confusão que se
estabeleceu após o contato, os índios haviam abandonado suas roças, passando a se ali-
mentar “exclusivamente de peixe e caça”.24
A Funai formou duas frentes de trabalho na região. Uma, com sete pessoas, lo-
calizada na margem esquerda do rio Peixoto. Havia ali 35 Panará. A outra, com três ho-
mens, foi armada no posto Arrastão, acampamento montado pelo Batalhão de Enge-
nharia do Exército à margem da rodovia br-165 no cruzamento com a rodovia br-080.
Também chamada de “posto de vigilância”, a base tinha por objetivos “acolher e contro-
lar os índios que saem na estrada”, atuar como “intermediário” entre índios, operários
e fazendeiros e dar assistência de saúde aos índios que estavam tanto na estrada quan-
to numa aldeia recém-formada, a doze quilômetros dali. Nessa aldeia havia 38 Panará.25
Entre novembro e dezembro de 1973, portanto mais de dez meses após o con-
tato entre índios e Villas Bôas, o indigenista da Funai Ezequias Paulo Heringer Filho,
conhecido como Xará, recebeu a incumbência de atuar ao longo da Cuiabá-Santarém
“com a finalidade de impedir que novos grupos de índios afluíssem à estrada”.26 Por dia,
cerca de dez índios eram vistos na estrada, segundo o cálculo de Xará, sendo alimenta-
dos, “festejados e até escondidos pelos estradeiros, para que fujam à ação da Funai”. A
convivência entre índios, trabalhadores e militares era intensa “e essas relações se in-
tensificam na medida em que ficam mais íntimas”.
Xará manifestava preocupação com os riscos de alcoolismo, prostituição e
doenças. Em visita à aldeia perto da estrada, ele e sua equipe encontraram 35 índios
“todos gripados”. O indigenista e outro colega resolveram dormir na aldeia para acom-
panhar a evolução do tratamento de saúde. À noite, porém, as coisas se complicaram.
“Para surpresa nossa, os homens da tribo decidiram que iriam manter relações ho-
mossexuais conosco, e nisso insistiram de maneira exaltada.”27
O indigenista conseguiu conter o assédio. No dia seguinte, foi conversar com
um índio respeitado no grupo para entender o que acontecera. Falando “pausada e re-
petidamente”, o Panará pediu a Xará que, com sua espingarda, “atirasse no sr. Antônio

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Campinas”. Passados alguns dias, o mesmo Panará o procurou para dizer que “Pará”, o
apelido de Campinas, teria mantido relações sexuais com uma índia.
Em relatório aos seus superiores, Xará pediu uma investigação. No documen-
to, ele não associou Campinas diretamente ao episódio em que os índios queriam sexo e
também não o acusou de ter mantido relações sexuais com mulheres, apenas reprodu-
ziu as falas do índio. Quando o relatório foi parar na imprensa, surgiu como acusação de
que Campinas teria “levado os Kranhacarore à prática do homossexualismo”.28
Em repercussão à notícia, Orlando disse aos jornalistas que Campinas era “in-
competente para as tarefas que lhe foram confiadas”. Assegurou ainda que o homosse-
xualismo era uma “prática desconhecida pelos índios” e que, caso constatada a “perver-
são”, os índios deveriam passar por um trabalho de “catequese moral”.29
Com o escândalo estampado nos jornais, a Funai mandou abrir um inquérito.30
O auxiliar Nilo Nogueira contou que o índio Nansuri lhe disse que Campinas “havia man-
tido relações” com uma índia de doze anos e com outra, adulta. Por outro lado, disse que
“os índios têm o hábito de dormirem em uma posição determinada em que o corpo de um
‘esquenta’ o corpo do outro, não observando nenhuma ‘maldade’ neste procedimento”. Os
índios também tinham o hábito de saudar um “civilizado” balançando o pênis contra a
barriga, “não em estado de ereção, sem significar qualquer convite, mas na verdade com a
intenção de fazer barulho”. Nilo estava preocupado com o fato de “os trabalhadores da es-
trada 165 não levarem a sério as mulheres índias, numa atitude desrespeitosa”.
Outro funcionário da Funai, José Felisberto Cupodonepá, disse que Campinas
passou a ingerir bebidas alcoólicas no acampamento, “transformado que foi em bagun-
ça”. Para o radiotelegrafista Raimundo Barbosa Filho, a assistência prestada aos índios
era “deficiente” e naquele mesmo dia havia sido negada alimentação “aos índios que pe-
diam comida”. Denunciou ainda que índios xavante trazidos à região pela Funai estavam
fazendo sexo com índias panará, o que conturbava a vida nas aldeias.
No seu depoimento, Xará revelou que partiu dele a iniciativa de entregar à im-
prensa uma cópia do seu relatório, tendo em vista “a inoperosidade” da Coama em re-
solver os problemas. Ouvido no mesmo inquérito, Apoena disse que Campinas não ti-
nha condições de conduzir um posto de atração, por falta de “conhecimento, liderança
e autoridade”.
O sertanista sob suspeita, de 36 anos, negou ter mantido relações sexuais com
índias e disse que só bebia fora da área do posto, nunca em serviço. Atribuiu as denún-
cias de seus subordinados a “espírito mesquinho” e “meras conjeturas”. Também negou
ter estimulado ou presenciado homossexualismo entre os Panará. Em defesa escrita,
disse que “lamentavelmente está sendo acusado de atos que nunca praticou”.
Quatro meses depois, a comissão de inquérito concluiu que “grande parte” das
afirmações de Xará fora baseada “em deduções de indícios mal interpretados e que não

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poderiam ser tidos como conclusivos”, mas pediu a punição de Campinas por “falta de
autoridade” na chefia do posto e por ter “deixado […] que comentários e suspeitas tives-
sem curso entre os indígenas sobre suas intimidades com índias”.
A Procuradoria Jurídica da Funai manifestou todo o seu incômodo com o tra-
balho da imprensa, sugerindo que os servidores que levaram as informações aos jorna-
listas fossem “admoestados, no sentido de não denunciar mais fatos dessa natureza, por
simples ilações pessoais, […] causando prejuízos não só morais como financeiros à ad-
ministração da entidade”. Campinas foi desligado do órgão por ordem do seu presidente.

Nesse meio-tempo, o quadro de saúde dos índios só piorou. Em fevereiro de 1974, a fren-
te de atração dos Panará foi assumida pelo sertanista Fiorello Parise. A antropóloga e
irmã de Fiorello, Valéria, observou que a região era pobre em caça e que os índios ti-
nham dificuldades de alimentação, ficando quase que por completo dependentes dos
“civilizados”. O posto Arrastão se transformou num “ponto turístico, atraindo oficiais
do 9o bec e fazendeiros à Fazenda Azul, os quais chegavam com grande quantidade de
comida, peixe, farinha e frutas para conquistar a amizade, poder fazer fotografias e ob-
ter peças de artesanato”.
O mais importante nome dos índios na “aldeia nova”, Iakil, estava também
“bastante doente”. Voltando-se para Valéria, Iakil “implorou que trouxéssemos comida
para as crianças, o que nos impressionou bastante. Além disso, encontramos os índios
todos gripados”.31

Em meados de 1974, uma turma de terraplanagem com cerca de trinta homens


do bec montou um acampamento na beira do rio Peixoto. Isso atraiu uns quarenta Pana-
rá. Outro grupo seguiu vivendo numa aldeia a mais ou menos vinte quilômetros do rio.32
Ao longo de 1974, a situação dos índios atingiu contornos dramáticos. Um re-
latório de Fiorello datado de 17 de janeiro de 1975 descortina um alarmante número de
mortes no período de apenas um ano. “Desde […] que assumimos essa fa [frente de atra-
ção], registramos 23 falecimentos, dos quais seis foram por morte violenta e um por aci-
dente (afogamento). Sendo que treze óbitos ocorreram nas aldeias, sem o conhecimen-
to de nossa parte.”33 Fiorello não explica a causa de dezesseis mortes, mas indica que
teriam sido causadas por doenças, sem “a devida assistência necessária no momento,
com a qual teríamos salvo pelo menos alguns deles”. Anos mais tarde, ele confirmou:

A maioria das mortes que ocorreram lá, mesmo na minha época, a gente só
tinha conhecimento depois do acontecido. Eles iam na estrada, contraíam

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uma gripe, iam para as aldeias, morriam. E depois quando vinham para o
acampamento, [alguém dizia]: “Olha, Fulano morreu”. A gente não tinha um
controle, né.34

Em dezembro de 1974, um “grave surto de gripe” atingiu os índios na aldeia korocokó.


“Na fase final, os dois mais graves foram mortos a bordunas pelos demais.”
O grupo localizado na estrada mudou-se para o entroncamento, à espera de
um socorro por avião, em 20 de dezembro. Dois dias depois, um novo surto de “gripe
violento e diarreia” abateu os índios. Parise então solicitou ajuda ao 9o bec, que, no en-
tanto, “não pôde atender”. O motivo: “as festividades do Natal e Ano-Novo, que causaram
a debandada geral dos trabalhadores dessa unidade militar”. Parise pediu com urgência
o apoio de uma equipe volante de saúde da Funai. No dia 26, morreu um dos índios. O
surto só seria controlado em 4 de janeiro de 1975.

Restaram então vivos 82 índios panará, dos quais três foram enviados para atendimen-
to médico em Cuiabá e 79 seguiram para o Parque do Xingu. Considerando os 23 mor-
tos indicados por Parise, apenas um ano antes os Panará somavam 105 pessoas. A mor-
talidade acumulada em doze meses atingiu então o altíssimo índice de 21,9% do total
da população.
Se considerado o número na época do contato com Villas Bôas, no entanto, o ín-
dice fica ainda mais alto. Em um depoimento dado em 1995, Orlando disse que no mo-
mento do contato existiam duas centenas de Panará. “Quando nós estávamos no Xingu é
que chegou a notícia de que dos duzentos, dos qua… dos duzentos índios que nós havía-
mos atraído, estavam reduzidos a noventa, eu digo: ‘Mas então precisa socorrer essa gen-
te’.”35 Em outro depoimento, Orlando afirmou que eram 240 índios.36 Assim, a mortalidade
teria oscilado de 34% a 41% do grupo original panará — ou seja, de 117 a 157 índios mortos.
Em trabalho realizado nos anos 1980, o antropólogo Stephan Schwartzman
calculou um total de 248 mortos na região do rio Peixoto, “antes e depois do contato”. Ele
disse que recolheu os nomes dos mortos junto a três informantes panará (Pe’ti, Krem-
pi e Kyarasàr).37

A situação dos Panará era crítica. Os jornais passaram a denunciar a penúria, incluin-
do fotografias de índios pedindo esmolas aos motoristas que passavam pela rodovia.
Em meio às denúncias, o general Ismarth telefonou para Parise, como ele recordou
anos depois.

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O Ismarth falou claramente: “Você vê lá, vê se consegue tirar os índios da in-
fluência da rodovia, vê se recupera eles em termos de saúde e se você achar
que eles têm condições de permanecer lá, tudo bem, eles permanecem. Mas se
você me dá um sinal verde, de que você não tem condição de permanência, de
retirar da rodovia, eu vou começar o processo de transferência”.38

Ismarth era o coordenador da Coama para a transferência. Toda operação do gê-


nero, de acordo com o Estatuto do Índio, só poderia ocorrer mediante autorização do pre-
sidente da República. O general depois recordou ter passado por cima da ordem legal:

Eu estava vendo índio morrer em contato com a estrada, com os trabalhadores


da estrada. Eu digo: “Vou fazer um expediente burocrático de fazer uma solici-
tação ao ministro, o ministro estudar e mandar para o presidente para sair um
decreto que transfira um grupo indígena de um lugar para outro, eles vão aca-
bar com todo o resto do índio que estava lá na estrada?”. Eu digo: “Transfere”.
O Orlando transferiu e não deu problema nenhum. […] Ali era caso de emer-
gência, de necessidade, que não pode estar subordinada a uma burocracia.39

O momento da transferência dos Panará para o Xingu foi testemunhado por


um jovem indigenista que havia entrado na Funai em 1971, mas que conhecia os índios
desde criança. Odenir Pinto de Oliveira nasceu em 1948 no posto indígena do spi Si-
mões Lopes, da etnia bakairi, em Mato Grosso. Seu pai, Pedro Vanni, fora chefe do posto
e seu avô, Otaviano Calmon, fora inspetor de índios do spi e havia trabalhado ao lado do
major Estigarríbia, um dos principais auxiliares do marechal Rondon. Os pais de Ode-
nir passaram a vida inteira trabalhando com indígenas. Quando Pedro morreu, aos 53
anos, foi enterrado numa aldeia xavante em Paranatinga (mt).
Em Cuiabá, Odenir se candidatou a uma vaga como aluno de um dos primei-
ros cursos de indigenismo oferecidos pela Funai e passou. O curso, um esforço da dita-
dura para profissionalizar os seus quadros de funcionários, tinha duas diretrizes bási-
cas. Uma era fornecer conceitos mínimos de antropologia, o que pouco acrescentava a
Odenir, tendo ele nascido e crescido entre índios. A segunda parte do curso, contudo,
era mais preocupante.

A grande ideia do curso era fazer uma falação e uma doutrinação de que o pos-
to indígena deveria funcionar como uma unidade de defesa nacional, vamos
dizer assim. […] Tive muita dificuldade nessa doutrinação, porque todo indige-
nista, todo chefe de posto, deveria ser uma espécie de representação, no meio
da floresta, dos interesses da ditadura. Você era uma área de fiscalização, você

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tinha que informar sempre quem passava, quem descia o rio, quem subia, quer
dizer, era uma espécie de informante não oficial.40

A primeira missão confiada a Odenir foi chefiar o posto do rio Autazes, dos ín-
dios mura. Odenir encontrou os índios totalmente dependentes dos “regatões”, donos de
barcos que funcionavam como intermediários e cobravam valores extorsivos na venda de
produtos diversos. As terras não eram demarcadas. O chefe de Odenir era o general Antô-
nio Esteves Coutinho, da Funai em Manaus. Os dois se estranharam. Odenir considerou
“absurdas” as exigências apresentadas pelo general em relação a índices de “produtivida-
de” que a área indígena deveria ter. Era a retomada do velho conceito da “renda indígena”
que tanto escândalo gerara na época do spi. Segundo Odenir, naquela região a ditadura
adotou como tática registrar muitos nordestinos como índios, dando carteiras de identi-
dade e de trabalho. Em troca, eles recebiam a incumbência de trabalhar, nas áreas indíge-
nas, na coleta de sorva, balata e castanha, tudo sob controle da Funai.
Nessa época, lideranças xavante haviam rompido com os agentes da Funai em
São Marcos e Sangradouro, em Mato Grosso. Como Odenir era originário do estado, foi
enviado para a região para amenizar a tensão. De lá foi transferido para o trabalho com
os índios panará. Ele circulava entre a aldeia e o posto criado pelo Exército em apoio às
turmas de operários de abertura da Cuiabá-Santarém. Certo dia, ouviu dizer que um
homem da Funai de Brasília havia chegado e montado acampamento no posto. Odenir
não havia recebido nenhuma comunicação prévia, embora falasse com frequência com
a entidade em Cuiabá.
Na barraca, Odenir encontrou o sertanista enviado pela Funai. Indagou o moti-
vo da sua presença e ouviu em resposta que havia uma ordem de Brasília para transferir
os índios para o Parque do Xingu. Odenir não queria a transferência. No seu entender, o
pior já havia passado, a situação dos índios estava se normalizando.
Odenir disse ter regressado à aldeia e procurado os principais líderes panará
para alertá-los sobre o que iria ocorrer.

Os índios não acreditaram. Na cabeça deles, não cabe que alguém vai tirar você do
seu território. Esse nível de maldade eles não entendem. Eu passava a noite [dizen-
do]: “Eles não vão voltar com vocês”. E eles respondiam: “Denía, nós vamos pas-
sear, vamos conhecer [o Xingu]”. Eu dizia que não era passeio. […] Os índios conhe-
ciam o sertanista e confiaram. Eles levaram os índios dizendo que iam passear.

Na hora do embarque, nenhum índio reagiu. A Funai mobilizou dois aviões


para o transporte dos índios. “Eles [índios] me disseram que não iam levar nada para a
viagem, já que era um passeio. Deixaram tudo para trás.”

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Odenir e sua equipe ficaram por alguns dias na antiga aldeia panará, comple-
tamente vazia. Uma semana depois, foram embora. O lar dos Panará desapareceu da
noite para o dia.

O grupo de 79 Panará chegou no início de 1975 ao Xingu, cerca de 250 quilômetros ao sul
da área tradicional dos índios. A princípio eles foram colocados na aldeia dos Kayabi, a
dez quilômetros do posto de Diauarum, no norte do parque. Em fevereiro, o antropólo-
go Richard Heelas, da Universidade de Oxford, conseguiu chegar à aldeia após esperar
um mês por uma carona de barco, no posto Leonardo do Xingu. O quadro que ele en-
controu era devastador.

O estado de saúde dos ka [Kreen-Akarore] era ruim, com virtualmente todas


as pessoas sofrendo de uma combinação de malária, gripe e pneumonia. […]
Nos dois primeiros meses em sua nova aldeia, cinco índios morreram, e agora
o grupo conta com um total de 74 pessoas.41

Heelas atribuiu a crise a dois fatores: havia apenas um enfermeiro kayabi no local, “sem
os meios necessários para aplicar injeções”, e as visitas da equipe médica de São Paulo e
de outro enfermeiro da Funai, de Diauarum, não eram frequentes.
Quando chegou à aldeia uma equipe do órgão que havia atendido os Panará em
Peixoto, a situação da saúde melhorou. Mas não a da alimentação, “que se tornou críti-
ca”. A roça não era suficiente para sete dezenas de pessoas. Uma nova transferência do
grupo “era indubitavelmente necessária”.42 O novo local deveria ser amplo, com caça e
pesca abundantes, e a Funai concluiu que o novo lar dos Panará seria a aldeia Kretire,
pertencente logo aos seus terríveis inimigos, os Kayapó. “As notícias dessa transferência
chegaram como um choque adicional para os Panará, já que muitas mulheres mais ve-
lhas tinham perdido maridos ou filhos no ataque kayapó de 1967.”43
A transferência completou-se em 31 de março de 1975 — por ironia, o 11o aniver-
sário do golpe militar. Os índios chegaram num estado de “extrema depressão”, segundo
Heelas. Deu-se início a um processo de “integração [com os Kayapó] e perturbação cul-
tural”, que veio acompanhado de mais “doenças, depressão e apatia entre os Panarás”.44
Uma nova epidemia de gripe atingiu os Panará e de novo a Funai agiu para trans-
feri-los. Até outubro de 1975, quando os índios foram removidos para uma aldeia de ín-
dios suyá, mais cinco Panará já haviam morrido de doenças na aldeia Kretire. O grupo
perdeu outros sete adolescentes, que decidiram permanecer entre os Kayapó.45 Assim, do
grupo original de 79 Panará que haviam chegado ao Xingu, restaram 62. Na aldeia suyá,
as mortes cessaram e os índios começaram então um lento processo de recuperação.46

137

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***

Logo após a transferência dos Panará do Iriri, o governo militar agiu para tomar posse
do amplo território antes ocupado pelos temidos “gigantes”. Para atrair e contatar os ín-
dios, os irmãos Villas Bôas haviam solicitado a interdição de uma ampla região perto do
rio Peixoto. A ditadura concedeu a interdição em março de 1973. Os Panará foram leva-
dos ao Xingu em janeiro de 1975. Poucas semanas depois, o presidente da Funai, general
Ismarth, oficiou ao então ministro do Interior, Maurício Rangel Reis, para informar que
a interdição da área não era mais necessária. Nessa comunicação, em momento de su-
premo escárnio, o mais alto integrante do órgão indigenista chegou a culpar a “curiosi-
dade” dos índios pelas suas próprias mortes.

Evidenciou-se após referida tarefa [atração] a inconveniência da manuten-


ção daqueles índios em seu habitat original, por isso que sofre influência da
estrada br 165/Cuiabá/Santarém, cuja curiosidade dela acarretou, inclusive,
a perda de preciosas vidas uma vez que a Funai não pode controlar as dissi-
muladas visitas deles.47

Como não havia mais índios na região, disse Ismarth, o ministro estava livre
para retomar as terras para “o domínio pleno da União”. Nesse ponto, o ofício contém
uma afirmação impossível de ser comprovada. Alega o general, sem anexar nenhuma
carta, fita gravada ou outro tipo de prova, que os índios “aquiesceram” com a perda do
próprio território. O argumento não apareceu à toa. Ocorre que o artigo 21 do Estatuto
do Índio — também citado pelo general — previa que apenas as terras “espontânea e de-
finitivamente abandonadas por comunidade indígena ou grupo tribal” poderiam ser re-
vertidas ao domínio da União. Como vimos, os índios panará nem saíram espontanea-
mente e muito menos “abandonaram definitivamente” suas terras: foram dela retirados
numa operação emergencial posta em prática pela ditadura.
Mas entendimentos diversos estavam longe de preocupar a cúpula militar, que
se assenhoreou das terras antes interditadas e as reverteu para o programa de reforma
agrária. A partir de 1978, diversas firmas colonizadoras manifestaram intenção de ex-
plorar as terras. A Cooperativa Agrícola de Campos Borges Ltda., por exemplo, obteve
um aval do presidente do Incra, Lourenço Vieira da Silva, para ter acesso a 211 mil hec-
tares na região antes ocupada pelos Panará. Silva disse que “a própria Funai sugeriu o
aproveitamento da área para o reassentamento dos colonos que então ocupavam áreas
indígenas localizadas nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul”.
Um estudo feito pela assessoria do Ministério do Interior em 1976 indicou que
as terras dos Panará poderiam receber 1512 famílias de colonos, ou 8426 pessoas, a se-

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rem retiradas de áreas indígenas ocupadas de forma irregular nos estados do Sul do
país. Esses números foram obtidos a partir de um levantamento feito pelo governo nas
terras indígenas de Nonoai, Guarita, Cacique Doble, Ligeiro, Inhacorá, Carreteiro e Vo-
touro. Juntas, elas ocupariam 151 mil hectares em Mato Grosso.48
O conjunto das terras recebeu o nome de “Gleba Iriri”, escriturada em nome da
União em outubro de 1980, com superfície total de 473 mil hectares. A partir do final dos
anos 1970, cidades inteiras nasceram sobre a antiga terra indígena.

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10. CAMINHO GRANDE

na mesma época das obras que rasgaram o território panará, a ditadura esta-
va às voltas com outra artéria que julgava importante para o anunciado plano de ocupa-
ção da Amazônia. A rodovia br-174 conectaria Manaus à fronteira com a Venezuela, pas-
sando por Boa Vista, em Roraima. Ao sul, após ter a denominação mudada para br-319,
a rodovia também ligaria Manaus a Porto Velho, em Rondônia. No caminho, havia uma
intersecção com a rodovia Transamazônica. À direita, após passar por Rorainópolis, a
br-174 também se conectava com a Perimetral Norte, que vinha de leste para oeste em
paralelo à Transamazônica.
Até o final dos anos 1960, as obras da br-174 andavam a passos lentos, como re-
flexo direto do massacre da expedição Calleri, ocorrido em 1968. Cinco meses após a de-
sastrada ação, no entanto, a ditadura deu fôlego à obra por meio de dois convênios en-
tre o dner e o 6o bec do Exército, assinados por Eliseu Resende, então diretor-geral do
dner, e pelo general de brigada Ayrton Pereira Tourinho, chefe da Divisão de Vias de
Transporte do Exército. A rodovia seria feita com recursos do dner, e um dos convênios
concedeu ao batalhão responsabilidade sobre toda a obra.1 O 6o bec existia no papel des-
de 1963, mas só na ditadura recebeu uma sede física, em 1968, a princípio na cidade de
Manaus. No ano seguinte, foi transferido para Boa Vista. A missão do batalhão era abrir
um total de 1200 quilômetros de estrada.2
O Exército agiu. Até 1973, todo o trecho norte da rodovia foi completado, li-
gando Roraima à Venezuela. Em fevereiro, o general Médici e o presidente venezue-
lano, Rafael Caldera, participaram do ato de inauguração do primeiro trecho. Faltava,
contudo, a parte mais sensível, que ligaria Boa Vista ao resto do Brasil. Pelos planos do
Exército, a rodovia cortaria mais de 120 quilômetros dentro de uma área habitada pe-
los Waimiri-Atroari.
Para a nova tentativa de “pacificar” os índios, a Funai destacou o sertanista Gil-
berto Pinto Figueiredo. Ele vivia uma situação bastante delicada: precisava convencer
os índios de que os “civilizados” vinham em paz, ao mesmo tempo que os índios viam

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dezenas de máquinas e centenas de operários devastarem a mata, afugentarem a caça e
atraírem novos moradores para a região.
A Funai abriu três postos de atração, chamados de Camanaú, Santo Antônio do
Abonari e Alalaú, e dois subpostos, em Abonari e Alalaú, todos vinculados à Cotz. Par-
tindo de Manaus, as equipes da fundação podiam chegar a esses locais de barco a motor,
em viagens que variavam de vinte a 120 horas, ou de hidroavião, em viagens que duravam
de setenta minutos a duas horas e meia. Por terra, levava-se 48 horas até o posto de Abo-
nari. Para dificultar ainda mais os trabalhos, era uma região com chuvas frequentes.3
Gilberto conseguiu retomar contatos com os índios. Não raro era convidado a
visitar as malocas, onde comia peixes moqueados, beijus e bananas e trocava facas, fa-
cões e outros brindes por arcos, flechas, bordunas e artigos de cerâmica. Era autorizado
a tirar fotografias. Nelas vemos o sertanista e membros de sua equipe abraçados com os
índios, trocando presentes ou posando para fotos.
Mas as imagens eram enganosas. Esses contatos na realidade eram cercados de
tensão, conforme expressam os relatórios produzidos por Gilberto. Os índios estavam ven-
do sua mata ser devastada. Acuados, podiam mudar de humor de uma hora para outra. E
como não haviam sido “pacificados”, segundo os conceitos da Funai, a desconfiança era re-
cíproca. Em julho de 1972, por exemplo, Gilberto promovia uma troca de presentes com os
índios quando orientou um auxiliar, Paulino Rondon, a “despistadamente” fazer a guarda do
grupo, pois se deu conta de que estava a menos de trezentos metros do local da chacina da
expedição Calleri. A troca de bens era um momento fundamental na política de contatos. Se
o pessoal da Funai não soubesse atender todos os índios de forma mais ou menos equânime
ou se os presentes acabassem antes do final das trocas, o resultado poderia ser muito ruim.4
A cada três meses, Gilberto e sua equipe visitavam as aldeias mais próximas do
traçado da rodovia, procurando convencer os índios a não atacarem operários e turmas
de topografia. Ele desenvolveu boas relações com pelo menos dois líderes indígenas, os
caciques Maroaga e Pedro. Em 1972, viajou de barco ao lado do segundo.“Explicamos que
esta estrada (caminho grande) da margem direita vai para Manaus e a do outro lado vai
para o Alalaú, Jauaperi, Anuá e Rio Branco. Ele não demonstrou nenhuma admiração e
assim continuamos a viagem.”5
A falta de expressão do cacique Pedro poderia significar tudo e nada. Ele simples-
mente poderia não ter entendido o que o pessoal da Funai quisera dizer, dadas as dificulda-
des da língua. Oito relatórios produzidos por Gilberto de 1972 a 1974 demonstram um gran-
de vazio de comunicação entre índios e Funai. Trocas, viagens de barco e incursões na mata
substituíam conversas mais detalhadas sobre os impactos da estrada na vida dos índios. Em
nenhum trecho nos relatórios do sertanista existe algum sinal claro dos índios de que es-
tavam concordando com a estrada. Pelo contrário, há indicações de condenação da obra e
de que o comportamento de pelo menos um empreiteiro estava desagradando aos índios.

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Gilberto, um homem experiente no trato com os índios, detectou o proble-
ma ainda em outubro de 1972, quando visitou os três postos de atração e inaugurou um
subposto no rio Alalaú. Por acaso, ele se aproximou de uma maloca no mesmo momen-
to em que dois líderes waimiri-atroari, Maroaga e Comprido, chegavam juntos para par-
ticipar de uma festa. Maroaga convidou-o a dormir na maloca, o que foi aceito. No dia
seguinte, o pessoal da Funai distribuiu brindes. Ao final das trocas, cercado por “120 ín-
dios”, Gilberto tocou no ponto sensível da obra da estrada. “Procurei então, mais uma
vez, explicar sobre o ‘caminho grande’. […] Os mais entendidos, entre eles Comprido e
Mina, diziam sempre que Atroari marupá, isto é, ruim, e apontavam disfarçadamente
para os Atroaris presentes.”6
Após deixar a maloca, Gilberto se reuniu com um empreiteiro chamado Celso
Maia, subcontratado pelos militares do 6o bec para fornecer o rancho para as turmas de
desmatamento. Maia queria alertar a Funai a respeito de uma turma de topografia, sob
supervisão de um sargento do Exército, ter encontrado um caminho aberto pelos ín-
dios. As obras iriam atravessar a picada e o Exército estava receoso sobre como proce-
der. Gilberto contou que procurava evitar que os índios atrapalhassem o andamento das
obras, “acostumando-os com a ideia da estrada e da presença dos trabalhadores”. Antes
de seguir para o local, ele teve que resolver um surto de malária entre os servidores da
Funai, com três acamados e um cuspindo sangue.
Gilberto pediu por rádio que aviões despejassem nas cercanias das malocas
mais próximas dez pacotes com “camisas, fósforos, anzóis, linhas de pesca, arame para
anzóis e pulseiras de alumínio”. Feito isso, ele e equipe puseram-se a caminho. Foram
46 quilômetros de selva até o local em que as obras da estrada cortavam a vereda feita
pelos Waimiri-Atroari. Um sobrevoo calculou que duas grandes malocas dos índios es-
tavam apenas a três e a seis quilômetros do acampamento da turma da topografia. Ao
chegar à encruzilhada, Gilberto, em um dos tantos episódios de coragem que marcam
as sagas de sertanistas, decidiu tomar o caminho dos índios, indo direto à primeira al-
deia mais próxima, acompanhado de outro empreiteiro, André Moreira Nunes. Com um
tiro para o ar, a equipe anunciou sua aproximação. O local estava deserto, pois os índios
haviam se dirigido a outra aldeia. Para lá seguiu Gilberto em mais um dia de caminhada.
Para seu alívio, o chefe do grupo era seu amigo Maroaga, que logo mandou trazer bana-
nas e ofereceu descanso em sua maloca. Havia entre trezentos e 350 índios apenas nes-
se lugar, segundo ele.
Após dois dias de confraternizações, em que os índios até permitiram que An-
dré gravasse em áudio seus cânticos, Gilberto se disse tranquilo e aliviado com o anda-
mento dos contatos. Ele considerou ter demonstrado a André e operários que o pessoal
da Funai cultivava “uma boa amizade” com os índios e que dali em diante “tudo depen-
derá” do empreiteiro e de seus contratados.

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Dias depois, o pessoal da Funai encontrou descendo em barco pelo rio um gru-
po de nove índios wai-wai oriundos da Guiana para uma visita de cortesia aos Waimiri-
-Atroari. Acompanhados até a maloca por Gilberto e equipe, os Wai-Wai trocaram arcos
e flechas, comeram, caçaram e dormiram com os índios brasileiros. Na hora de ir em-
bora, o sertanista convidou o líder wai-wai a ir junto, mas ele respondeu que estava bem,
que os Waimiri-Atroari eram maré, ou “muito bons” na língua wai-wai, e que iriam per-
manecer na maloca para ajudar a abrir um roçado. Gilberto descobriu que era a segun-
da vez que Wai-Wai chegavam ao território waimiri-atroari. Esse episódio ajuda a afas-
tar a falsa ideia de que os Waimiri-Atroari eram homens ferozes que viviam entocados
no mato dispostos a matar qualquer um que aparecesse.
Antes de voltar a Manaus, Gilberto deu ordens expressas aos homens da Funai
na região que impedissem a entrada de Celso Maia, descrito como funcionário do em-
preiteiro André, em qualquer maloca. O sertanista contou que em julho de 1972, ao subir
o rio Alalaú, Maia encontrara um grupo de índios à beira do rio. Foi bem recebido, mas
“abusou da hospitalidade”. Os índios tinham o costume de prender o pênis com uma pa-
lha. Além de ficar nu, Maia teria feito o mesmo com seu pênis. Na hora de dançar com
as índias, “pegou nas tangas delas, tudo feito com muita malícia”. Mais adiante, com ou-
tro grupo indígena, Maia teria feito sinais “de que queria copular” e pedido aos índios
que trouxessem mulheres para ele. “Os índios ficaram desconfiados, estranhando essa
atitude tão diferente dos outros ‘cariuás’ [“civilizados”] que estão em contato com eles
há bastante tempo.” Gilberto disse que com suas “infantis atitudes e obscenos gestos”,
Maia poderia fazer com que “todo o trabalho de contato e atração vá por água abaixo”.
Na prática, o trânsito de operários, desmatadores, topógrafos e empreiteiros
na região já havia saído do controle da Funai. A orientação era que o empreiteiro que en-
contrasse dificuldades com índios deveria aguardar a chegada de uma equipe do órgão.
Como isso poderia demorar dias ou semanas, a tendência era que os empreiteiros pro-
curassem se acertar direto com os índios.
Foi o que fez o empreiteiro André, segundo recordou, mais de quarenta anos
depois, o trabalhador braçal Roberto da Silva Aguiar, o Robertinho. Nascido em 1940
na cidade de Araguaína, em Goiás, ele fixou residência no início dos anos 1970 em San-
to Antônio do Abonari, a poucos metros do começo do atual território waimiri-atroari,
onde o autor deste livro o localizou e entrevistou, no início de 2014.
Ex-garimpeiro e ex-caçador de felinos, Robertinho foi contratado por André
para trabalhar no desmatamento, a princípio feito com machados, do traçado da estra-
da. Com André trabalhavam 350 homens. Robertinho via com frequência os Waimiri-
-Atroari observando de longe os trabalhos dos operários. Certo dia, um grupo de índios
chegou ao acampamento. Um deles encontrou Robertinho cortando o cabelo de um tra-
balhador e pediu que fizesse o mesmo com ele. “Quando terminei com um, sentou o ou-

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tro. Fiquei o dia inteiro cortando cabelo de índio.”7 Dias depois, os índios voltaram ao
acampamento, agora carregando cachos de banana para oferecer aos operários.
Em outra oportunidade, disse Robertinho, os índios cercaram o acampamento
e pareceram ameaçar um ataque.

O André ligou o rádio para falar com o comandante em Boa Vista. O coronel
perguntou quantos índios havia. O André respondeu que aproximadamente “6
mil índios nos cercando”. Nós não podíamos sair do acampamento, eles toma-
ram tudo. Mas não abusaram da gente.

À noite, os índios foram embora. O empreiteiro André decidiu ir à maloca para


tentar um acordo direto com eles. Indagou aos operários quem era voluntário, quem ti-
nha “a coragem de morrer junto com ele”. “Em um deu diarreia, outro teve malária na
hora, outro parece que desmaiou. Ninguém queria ir. Eu me apresentei: ‘Seu André, eu
vou com o senhor’.”
E lá se foi o grupo com quatro pessoas lideradas por André. Quando chegaram
perto da aldeia, Robertinho percebeu que índios os seguiam e avisou o grupo.

O seu André disse assim: “Se ocês souberem de alguma coisa que ocês acredi-
tam, souberem de alguma oração para ajudar, podem usar, porque nós tamo
quase cercados pelos índios”. Aí todo mundo ficou destinado e aí eu digo: “Não,
já tamo perto, não vamo voltar, não. O senhor nos chamou para morrer junto,
então vamo morrer junto”.

Quando chegaram à maloca, viram dezenas de índios. “Tava saindo índio dessa
maloca… Tipo casa de formiga. Todo mundo armado, bem armado.”
“E eram quantos índios?”, indaguei.
“Aí, não sei. O medo era tão grande que não dava pra gente fazer nem compara-
ção com nada. Era um medo desses medos sertanejos mesmo.”
O cacique veio conversar. A equipe de André estava toda cercada, os índios
com arcos esticados, e o cacique começou a bater os pés no chão. André mandou dis-
tribuir bolachas, óculos, canetas e até as roupas que usavam. Quando acabou, a equipe
estava só de cuecas. Segundo Robertinho, o empreiteiro procurou falar aos índios sobre
os “benefícios da estrada”, gesticulando e dizendo algumas palavras indígenas que ha-
via aprendido. A equipe pediu para ir embora e os índios permitiram. Três dias depois,
para surpresa de todos, eles apareceram no acampamento levando cana-de-açúcar, ba-
nana, pupunha e cará. Os índios pediam maiá-maiás, ou facões, e limas para preparar as
pontas de flechas. Pelo barulho que produziam, os índios chamavam as limas de cri-cri.

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Em depoimento gravado muitos anos depois, André narrou uma história mui-
to semelhante à de Robertinho, acrescentando o relevante dado de que a excursão foi
aprovada, embora com receio, pelo tenente-coronel José Almeida de Oliveira, coman-
dante do 6o bec, após um pedido feito pelo próprio empreiteiro em Boa Vista. André re-
latou que, ao chegarem à maloca após dois dias de caminhada na selva, para sua surpre-
sa todos foram “muito bem recebidos pelos índios”.

Eu tinha levado comigo um aparelho de rádio a bateria e pude fazer uma grava-
ção lá de dentro da maloca dos índios chamando o quartel em Boa Vista. […] Eles
não falavam português, mas tinham uma facilidade muito grande de repetir o
que a gente dizia. Então eu dizia as palavras e eles repetiam pelo rádio. Depois de
os índios conversarem com o comandante, nós demos por encerrada a missão.8

Esses eventos que ocorreram à revelia da Funai não são citados nos relatórios
de Gilberto. Em um livro publicado no início da década de 1980,9 outro indigenista re-
ferencial na história do território waimiri-atroari confirma que os índios visitaram “vá-
rias vezes os acampamentos de trabalho”, mas não menciona a excursão de André e as
trocas de presentes.
A paz entre índios e o empreiteiro parecia consolidada, pois os primeiros teriam
“permitido” que a obra fosse retomada. No início de 1973, porém, a tensão voltou com toda
a força. Em 17 de janeiro, um grupo de vinte índios atacou o posto de Alalaú e matou os ser-
vidores da Funai Altamir Cardoso de Aguiar, Ernesto Nascimento e Rafael Fonseca Padi-
lha. O quarto membro da equipe, o Saterê Luiz Humberto Apolinário Duarte, conseguiu
escapar porque viu os índios se preparando para o ataque e trancou-se no posto. Para o
obrigarem a sair, os índios botaram fogo no telhado, mas as labaredas atingiram galões de
óleo ali estocados, causando uma fumaça espessa que permitiu ao Saterê fugir para o rio.
Ele levou onze dias para chegar a Manaus. Em depoimento à imprensa na capital, atribuiu
o ataque a uma vingança dos índios pelo comportamento de Celso Maia — o mesmo epi-
sódio descrito por Gilberto em seu relatório, meses antes do ataque.10
A acusação gerou uma surpreendente resposta do Exército. Em nota oficial pu-
blicada em jornais de Manaus, o general de brigada Otávio Ferreira Queiroz, comandan-
te do 2o Grupamento de Engenharia e Construção, ao qual o 6o bec estava vinculado, fez
a defesa pública de Maia, “em nome do bom senso, da justiça e da verdade”. A nota tam-
bém destaca o “trabalho cooperativo de Celso” e “comprova a sua lisura”.11
A defesa tinha o evidente propósito de eximir o Exército de culpa pelo massa-
cre dos servidores da Funai. O presidente do órgão, general Bandeira de Mello, reagiu
por meio de um ofício confidencial encaminhado ao ministro Costa Cavalcanti. O gene-
ral revelou que em novembro de 1972, portanto três meses antes da chacina, o delegado

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da 1a dr da Funai havia passado uma informação secreta à asi, que a repassou à dsi do
ministério, de que o empreiteiro Maia estava sob a mira dos indígenas. “É bom que se
diga que os índios, revoltados com atitude precipitada do transportador de cargas, dis-
seram que ‘iriam matá-lo’.”12
O ofício também revela que o sobrevivente Luiz Duarte informou à Funai que
no dia da chacina os índios “demonstraram desprezo e revolta” ao saberem que Maia
não estava no acampamento, indicando que ele era o alvo. O general prometeu ainda en-
caminhar fitas gravadas com outro mateiro que havia presenciado o “indecoroso com-
portamento” de Maia na presença dos índios.
Assim, sabedor de tudo isso, Bandeira de Mello se disse “surpreendido” com a
nota do 2o Grupamento favorável a Maia. O general viu uma “subversão dos princípios
da autoridade e disciplina”.

A Fundação Nacional do Índio tem participado intensamente da arrancada do


atual governo revolucionário no sentido de, com a abertura de estradas, buscar
a ocupação dos espaços vários do território brasileiro e consequentemente ge-
rar o desenvolvimento socioeconômico nacional.

A chacina não mudou nenhum plano do Exército. Em 7 de janeiro de 1974, o major do


Exército Balbino Manuel de Moraes Filho e dois militares procuraram a 1a Delegacia da
Funai para “comunicar que o 6o bec pretendia atravessar o igarapé Santo Antônio do
Abonari e, como se tratava da reserva indígena waimiri-atroari, pedia apoio e instru-
ções de como se comportar junto aos índios”.13 Enfim, a obra atingia o seu ponto crítico.
A partir daquele igarapé — e como ficou sendo após a demarcação da reserva —, os ope-
rários estariam entrando na terra propriamente dita de posse imemorial dos Waimiri-
-Atroari. O major pediu que a Funai “colocasse funcionários junto aos trabalhadores da
estrada”, mas o órgão respondeu que não tinha recursos nem pessoal suficientes, “em
vista das inúmeras e constantes desistências e substituições no quadro de funcionários
da frente de atração”, além do baixo salário “para os riscos e perigos a que estão expos-
tos”. O órgão disse que cederia apenas dois servidores para atuação direta nos acampa-
mentos do bec.
Para levantarem a ponte sobre o rio Abonari, as empreiteiras fizeram esco-
ras de madeira nas margens do rio. Os índios podem ter entendido que elas não seriam
mais retiradas, o que iria afetar a pesca na região. A Funai então recebeu informações de
que os índios iriam atacar de novo as posições do órgão no rio Alalaú.14
Na manhã de 30 de setembro, no escritório da entidade em Manaus, Gilberto
chamou por rádio, como era costume, os cinco postos e subpostos na terra indígena. No

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subposto Alalaú ii, três servidores, Faustino Cruz, Adão Vasconcelos e Odoncil Virgínio
dos Santos, informaram estar aguardando a chegada de um barco com mais três homens
da Funai: João Dionízio do Norte, Paulo Ramos e Luiz Pereira Braga. Eles haviam saído de
Alalaú i para levar ao subposto mantimentos para os colegas e brindes para os índios. No
final do dia seguinte, contudo, a equipe ainda não havia chegado. Mas apareceu um gru-
po de treze índios, junto com o tuxaua Comprido. Pelo rádio, Gilberto disse a Vasconcelos
que a demora do grupo de Dionízio era preocupante e que “tivessem bastante cuidado, fi-
cando atentos a qualquer movimento dos índios, sem despertar suspeitas”. Vasconcelos
respondeu que “tudo estava normal, inclusive os índios estão ouvindo nossa conversa”.15
Gilberto fez uma série de recomendações a Vasconcelos, incluindo o forneci-
mento de alimentação a todos os índios. O servidor da Funai explicou que naquela manhã
já tinha ido à roça cortar cana-de-açúcar junto com eles. No caminho de volta, passaram
por um barraco usado no desmatamento da br-174. Os índios disseram que ali havia “ci-
vilizados”. Vasconcelos achou no barraco duas redes e alguns objetos. Gilberto recomen-
dou-lhe que no dia seguinte voltasse ao barraco para avisar aos ocupantes que saíssem
da área. Eles combinaram de conversar de novo na manhã do dia seguinte, 2 de outubro.
Na hora combinada, porém, ninguém atendeu aos chamados de Gilberto. À
tarde, o sertanista informou ao subcoordenador da Coama, José Porfírio Fontenele de
Carvalho, que ninguém respondia ao rádio também no Alalaú i. No dia 3, o encarrega-
do do posto de Abonari informou pelo rádio que ocorrera um ataque de índios no posto
Alalaú ii. Um sobrevivente, Esmeraldo Miguel Neto, havia conseguido chegar ao acam-
pamento do empreiteiro André.
Gilberto e Carvalho foram ao comando do 6o bec para dar as notícias e, de lá,
decolaram num hidroavião rumo ao local do ataque, sem saber o que iriam encontrar.
Como disse Carvalho tempos depois, foi “a hora da verdade”. Durante o voo, os dois es-
creveram bilhetes de despedida e os deixaram com o piloto para que fossem entregues
às suas famílias, caso tudo desse errado. “Eu fiz um bilhete curto: ‘À minha família, aos
meus irmãos, ao meu pai — eu não tinha mais mãe —, aos meus amigos. A vida valeu a
pena’”, rememorou Carvalho.16

Carvalho nasceu em Granja, no Ceará, na véspera do Natal de 1946, filho de agriculto-


res. Estudou em Brasília e no Piauí, onde participou do movimento estudantil, o que
lhe valeu uma rápida detenção após o golpe de 1964. Ele se dizia desiludido com a fal-
ta de reação dos brasileiros em geral à ditadura. Na faculdade, conheceu um professor
de contabilidade que também trabalhava como auditor na recém-criada Funai e defen-
dia o governo nos debates acadêmicos. Quando a fundação anunciou um concurso para
contratar auxiliares de indigenismo, Carvalho se candidatou mas, segundo ele, apenas

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para provar ao professor que a ditadura vetaria seu ingresso no órgão por razões ideoló-
gicas. Após passar no concurso, ele informou que não iria aceitar o cargo. Para demovê-
-lo da ideia, o professor o convidou para uma viagem a uma frente de atração da Funai
em Rondônia. Ali Carvalho viu um índio pela primeira vez, um Suruí, que passou cami-
nhando nu e com arco e flecha na mão. Até então, tudo o que Carvalho sabia sobre índios
era o que via nos filmes de Hollywood. “Eu pensei: ‘Que diabo é isso?’ Eu não imaginava
que existia índio que ainda vivia assim.”
No dia seguinte, Carvalho informou ao professor que tomara a decisão de en-
trar na Funai. Largou tudo, a faculdade e um emprego numa firma de contabilidade, e
nunca mais saiu da vida de indigenista.

O hidroavião pousou no meio do rio Alalaú. Gilberto e Carvalho saltaram na água e fo-
ram nadando até a margem. Em terra, para escapar de eventuais flechas, correram em
zigue-zague, um pela direita e outro pela esquerda, até a casa do subposto. Eles temiam
que os índios estivessem lá dentro, à espera. Gilberto entrou pela frente. Carvalho foi pe-
los fundos e tomou um susto ao encontrar a cabeça decepada de Faustino no alto da por-
ta de acesso à cozinha. Sem encontrar mais sinal de vida, os sertanistas foram se abri-
gar no barranco do rio, para retomar as buscas na manhã seguinte. Ali passaram a noite,
sem conseguir dormir. Anos depois, Carvalho soube pelos índios que estes estiveram o
tempo todo na mata, observando os movimentos da dupla. Segundo Carvalho, quando
hoje em dia alguém pergunta aos índios por que não o mataram naquela noite, eles brin-
cam, dizendo: “Ainda não”.
De manhã, os dois inspecionaram as redondezas, mas não encontraram corpos.
O hidroavião veio pegá-los, junto com a cabeça de Faustino, pela manhã. Dali seguiram
para o campo de pouso do 6o bec, onde encontraram Esmeraldo. O sobrevivente contou
que na manhã do massacre tudo parecia normal, tanto que ele e o servidor Evaristo foram
caçar com três índios. Na casa do posto ficaram Faustino, Vasconcelos e Odoncil. Na mata,
Esmeraldo ouviu tiros. Ele e o amigo quiseram voltar, mas os índios lhes disseram para
prosseguir. Ao chegarem a um igarapé, Esmeraldo ouviu “estalos de arcos”, ou seja, flechas
sendo disparadas. Eles não conseguiram se proteger a tempo. Esmeraldo foi atingido em
um ombro e uma perna, enquanto Evaristo foi flechado nas costas, perto dos rins. Eles ati-
raram com as espingardas “para o alto”, mas os índios não recuaram. Esmeraldo fez men-
ção de sacar um revólver, o que teria assustado os índios, que pararam de persegui-los.
Caminharam pela mata até Evaristo dizer que não conseguia mais andar. Com-
binaram que Esmeraldo, em melhores condições, correria até o campo de pouso do
Exército para pedir ajuda. Horas depois, ele encontrou três operários na estrada e re-
gressou para resgatar o companheiro, mas não mais o encontrou. Evaristo só foi locali-

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zado, com vida, seis dias depois. Contou ter visto uma movimentação na mata e pensou
que fossem os índios — na verdade, era a equipe reunida por Esmeraldo. Evaristo em-
brenhou-se na mata e acabou se perdendo. Alimentou-se com um pedaço de charque
que encontrou abandonado num tapiri. O ferimento acabou causando sua morte sema-
nas depois, no Hospital Getúlio Vargas, em Manaus.17
Dois dias depois do ataque, outro sobrevivente, Adão Vasconcelos, chegou cami-
nhando a um acampamento dos operários da rodovia com um corte profundo no braço es-
querdo. Ele contou que, na manhã do ataque, não notou nada diferente. Atendendo a uma
orientação de Gilberto, chegou a ir com o cacique Comprido até o barraco dos trabalhado-
res para dizer que eles deveriam sair de lá. O encontro foi tranquilo, com exceção do mo-
mento em que um índio pediu uma faca a um dos trabalhadores e o homem se recusou a
dá-la, dizendo ser a única que possuía. No café da manhã, índios e o pessoal da Funai to-
maram juntos achocolatado Nescau e suco de buriti. Esmeraldo e Evaristo saíram para ca-
çar com três índios. Vasconcelos disse que iria pescar, enquanto ficariam no posto os servi-
dores Faustino e Odoncil. Antes de sair, porém, Vasconcelos resolveu costurar um pedaço
de pano para fechar um buraco na sua calça. Alguns índios, dizendo que iam trabalhar na
roça, pegaram terçados que estavam encostados na parede. Nesse momento, um dos ín-
dios passou a mão na cabeça de Vasconcelos. Com a outra, virou o terçado na direção dele,
para atingi-lo na cabeça. Vasconcelos aparou o golpe com o braço esquerdo. Vendo que o
índio preparava um segundo golpe, saiu correndo para o porto e mergulhou no rio.18
Odoncil também correu e conseguiu se jogar nas águas. Os índios saíram no
encalço deles, disparando flechas das barrancas do rio. Outro grupo de índios, que in-
cluía Comprido, pegou uma canoa, na qual “remava com fúria” e dava tiros de espingar-
da. Vasconcelos gritou para que não o matassem. A súplica funcionou. A canoa foi des-
viada em direção a Odoncil, mas Vasconcelos não conseguiu ver o desfecho. Ele saiu do
rio, se escondeu na mata e caminhou até chegar ao acampamento da obra. Às nove ho-
ras do dia seguinte, o pessoal da Funai encontrou o corpo de Odoncil boiando no rio
Alalaú, com marcas de golpes de terçado na cabeça, no olho esquerdo e no braço esquer-
do e uma flecha enterrada no lado direito do peito.
No subposto Alalaú ii tinham morrido Faustino e Odoncil. Restava saber o des-
tino dos outros três servidores que saíram do Alalaú i em direção ao subposto e lá nun-
ca chegaram. Após cinco dias de buscas, as equipes da Funai viram um grupo de urubus
voando baixo, numa curva do rio a cerca de seis quilômetros do posto. Os três corpos es-
tavam numa trilha na mata a apenas cem metros de uma antiga maloca.

Nesse meio-tempo, outra tragédia começou a se desenhar na Funai. Enquanto as buscas


continuavam, Carvalho teve que voltar a Manaus para tocar outros assuntos sob sua res-

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ponsabilidade. Um tema era a situação de Palmério Sousa Vieira Veloso,19 um jovem estu-
dante de odontologia no Maranhão que havia decidido trabalhar na entidade. Por causa
das operações da Transamazônica, a Funai fez uma seleção de pessoal e Palmério foi es-
colhido para atuar no Amazonas sob a chefia de Carvalho. O indigenista considerou que
o rapaz estava no lugar errado, pois não suportava longas e solitárias missões na selva.

Palmério era muito frágil, muito jovem, uns 23 anos. Ele tinha medo da mata,
e por isso tinha que trabalhar num local já consolidado, não numa frente de
atração. A turma até brincava, dizendo que ele era bicha, mas ele não era bicha,
não. Era uma pessoa sensível.

Carvalho foi falar com o delegado da Funai, o general Antônio Esteves Couti-
nho. “O general disse: ‘Manda logo esse feladaputa embora’.”
O sertanista procurou contemporizar, explicando que Palmério poderia ser
aproveitado em outro lugar, pois era um bom funcionário. O dinheiro que conseguia
economizar, enviava para a mãe no Maranhão. Resolveu-se que o rapaz iria tentar in-
gressar num curso de indigenista, cargo de remuneração um pouco mais alta. Antes,
porém, precisava passar por um teste psicotécnico — Carvalho emprestou o dinheiro
para o teste. Pouco depois do exame, o médico da Funai, que também fazia as vezes de
psicólogo, chamou Carvalho para conversar. “O médico me disse: ‘Ele não tem condição
de trabalhar no mato. Ele está no limiar do suicídio’.” O sertanista conversou sobre o as-
sunto com o general, mas este teria respondido que o lugar de Palmério era “na aldeia”.
Nesse momento, explodiu a notícia da chacina no Alalaú ii, que exigia a pre-
sença de Carvalho na área. Antes de viajar, o indigenista disse ao médico para “segurar”
uma eventual intenção do general de mandar Palmério de volta à selva. Ficou combina-
do que o médico em último caso daria uma licença para o rapaz, até o retorno de Car-
valho. Porém, tudo saiu dos eixos quando uma segunda emergência estourou na Funai,
uma epidemia entre índios do posto indígena Nhamundá. O médico do órgão teve que
seguir para lá. Antes, chamou Palmério e disse que ele não poderia ser deslocado para
nenhuma área indígena. Por enorme coincidência, os dois protetores do jovem tiveram
que se ausentar ao mesmo tempo.
Após a viagem do médico, o general se encontrou por acaso com Palmério
na sede da Funai. Ao vê-lo ali, e não em uma aldeia, determinou que ele seguisse no
primeiro barco para o baixo rio Amazonas, com destino a um posto indígena saterê-
-mauê. O general teria lhe revelado o resultado do teste psicotécnico, que até ali o ra-
paz desconhecia, segundo Carvalho. Após a conversa, Palmério foi visto chorando no
corredor da Funai. Ele teria comentado com uma funcionária da entidade que pensa-
va em se matar.

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Informado por rádio sobre o que ocorrera, Carvalho orientou a tripulação do
barco a impedir que Palmério fosse deixado em algum posto indígena. A recomendação
era que ele fosse e voltasse no mesmo barco. Nesse meio-tempo, o sertanista já estaria
de volta a Manaus e iria se entender com o general. Porém, ao chegar ao posto dos Sate-
rê-Mauê, Palmério disse que estava tudo bem e que iria ficar por ali, convencendo o pes-
soal da Funai a ir embora.
Após a partida do barco, Palmério deixou um bilhete para Carvalho. “Ele es-
creveu mais ou menos assim: ‘Carvalho, a vida não vale nada. A Funai me matou. Dá um
abraço na minha mãe, pede perdão a ela por mim. Eu não posso mais viver’. Era mais ou
menos assim. Escreveu num papel de embrulho, deixou em cima da mesa.”
Em seguida, Palmério pegou o tanque cheio de gasolina que havia trazido de
Manaus para o motor de popa do barco do posto, despejou sobre o próprio corpo, ateou
fogo e saiu correndo pela aldeia. Os índios tentaram apagar as chamas, mas era tarde.
Palmério morreu carbonizado.
Carvalho começou a elaborar uma denúncia interna sobre o suicídio do colega,
ao revelar o conteúdo da carta do médico que desautorizava o trabalho dele em área in-
dígena. O general, porém, não deixou barato a insubordinação. No final daquele mesmo
ano, Carvalho seria despachado para outra localidade.

Na área waimiri-atroari, a perda dos cinco servidores da Funai num único dia causou
grande tensão nos canteiros de obras da rodovia. E pouco mais de um mês após a cha-
cina, os índios voltaram a atacar. Dessa vez, mataram três funcionários sob a responsa-
bilidade do empreiteiro André, ou seja, pessoal subcontratado pelo Exército. O mara-
nhense Raimundo Pereira da Silva, nascido em 1944, era um dos operários da estrada
e foi escalado para resgatar os corpos na mata. No local, encontrou muito sangue e os
corpos “muito flechados”. Um dos mortos segurava com firmeza um facão na mão. Um
sobrevivente conseguiu chegar ao acampamento. Foi salvo por uma diarreia, lembrou
Raimundo. “Esse que escapou tinha ido no mato para fazer precisão. Quando ele viu os
índios, saiu correndo e veio parar no acampamento.” Robertinho disse que também co-
nheceu os mortos. Eles integravam um grupo vindo do Acre e costumavam dizer, segun-
do ele, que atirariam nos índios caso fossem atacados.
O ataque provocou uma reação imediata do Exército. Foi a primeira vez que
operários da rodovia, sob responsabilidade direta dos militares do 6o bec, foram mortos
pelos índios. O ataque ao acampamento ocorreu no dia 20 de novembro de 1974.20 Um
dia depois, o oficial mais graduado encarregado da obra, o general de brigada Gentil No-
gueira Paes, comandante do 2o Grupamento de Engenharia e Construção do Exército, ao
qual estava vinculado o 6o bec, reuniu-se no quilômetro 220 da rodovia br-174 com dois

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outros chefes na Funai: o delegado regional Francisco Mont’alverne Pires e o diretor da
Divisão Amazônia do órgão, major da Aeronáutica Saul Carvalho Lopes.21
Como resultado da reunião, o general Gentil assinou um ofício confidencial
pelo qual ordenou que “os trabalhos de implantação da br-174 não podem ser inter-
rompidos”. Ele orientou que as turmas de desmatamento manual passassem a ter um
mínimo de quinze pessoas, sempre acompanhadas por “elementos especializados da
Funai”. A partir de então, todas as “visitas amigáveis dos índios” deveriam ser consi-
deradas “como um aviso de futuro ataque”. Para expulsar os índios, todas as turmas
deveriam receber “foguetes e bombas do tipo ‘junina’ — para afugentar os índios, de-
vendo esses artifícios pirotécnicos ser utilizados com parcimônia, para que produ-
zam resultados”.22
O general ordenou a criação de um “Grupo de Segurança, comandado por ofi-
cial, com efetivo a critério desse comando”, cuja tarefa seria dar segurança às turmas de
trabalho e aos oficiais e sargentos chefes de turma. O grupo deveria agir em “caso de in-
dícios de agressão”, podendo “utilizar todos os meios de persuasão possíveis, só se va-
lendo do uso da força nos casos de legítima defesa própria ou de outrem”. Determinou
ainda que os acampamentos fossem protegidos por “cercas de oito fios de arame farpa-
do”. Além disso, na parte mais esdrúxula e temerária do ofício confidencial, o general
ordenou que “esse comando, caso haja visitas dos índios, realize pequenas demonstra-
ções de força, mostrando aos mesmos os efeitos de uma rajada de metralhadora, de gra-
nadas defensivas e da destruição pelo uso de dinamite”. Por escrito, o Exército deixava
registrada uma política de opressão armada sobre os índios.
Ao mesmo tempo, a relação dos militares com os dois principais servidores da
Funai de ação direta com os índios, Gilberto e Carvalho, entrou em franca deterioração.
Em relatório, Gilberto informou aos seus superiores que um dos chefes militares da re-
gião, major Balbino, perguntou se não era “melhor ter soldados armados de guarda ou
então aumentarmos o número de funcionários da Funai em operação na estrada, para
dar melhor cobertura”. Gilberto teria rechaçado a proposta. Também enviou uma carta
a um amigo em Brasília em que narrou os problemas de relacionamento entre Carvalho
e o general Coutinho, em Manaus.

Aqui está uma fofoca do Carvalho com o general e nós funcionários ficamos
entre a cruz e a espada aguardando os acontecimentos. Agora mesmo está aqui
em Manaus o presidente [da Funai] e um outro que é chefe de um setor daí. Sa-
bemos que vão acertar os passos dos dois aqui, esperamos que tudo fique na
santa paz do Senhor.23

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Quarenta anos depois, Carvalho revelou ao autor que na verdade as divergências entre
os militares e Gilberto e ele eram muito mais profundas do que o noticiário da época
ou os relatórios oficiais da época deixam vislumbrar. O indigenista contou que ele e
Gilberto haviam feito um pacto secreto para postergar ou mesmo impedir a “pacifica-
ção” dos Waimiri-Atroari. Os dois conheciam bem as epidemias e desastres que quase
haviam dizimado grupos inteiros antes e durante a ditadura.

A ordem da nação era a integração dos índios à comunhão nacional. Mas nós
— eu, Francisco Meireles e Gilberto — não pensávamos assim… Nossa ideia
era protegê-los. E como? Informar a eles que evitassem o contato com o “bran-
co”, que não tentassem sair da mata para a cidade, não tentassem criar amiza-
de com o “branco”. Nossa posição não era “pacificar” os índios. Nós fazíamos
o trabalho como se fosse [isso], mas não fazíamos isso. Nós éramos rebeldes.
Mas não demonstrávamos isso aos militares. Eles estranhavam por que nós
não trazíamos os índios para o convívio.24

Ao saber do envio de soldados armados para a área, Carvalho e Gilberto pediram uma
audiência com o general Gentil, para entregar-lhe em mãos um ofício no qual pediam
a suspensão imediata da obra até que os postos de atração da Funai “fossem recom-
postos”, já que as duas bases no rio Alalaú haviam sido dizimadas pelos índios. O re-
sultado da conversa foi muito ruim, segundo Carvalho. “Ele falou que a ordem que
tinha dado para os militares era que, se vissem o mato mexer, era para atirar. Não colo-
quei no meu livro com esse detalhe, mas estou dizendo aqui. O general me disse isso.”
No livro, escrito nos anos 1980, Carvalho disse que o general afirmou, na
presença de outros oficiais: “A estrada tem que ficar pronta, mesmo que para isto te-
nhamos que abrir fogo contra esses índios assassinos. Eles já nos desafiaram mui-
to e estão atrapalhando nossos trabalhos. Temos um compromisso de entregar esta
estrada pronta”.25
A partir daí, segundo Carvalho, houve “praticamente uma intervenção do Exér-
cito” no comando da Funai de Manaus. Chegou a notícia de que Gilberto seria afastado
do comando das frentes de atração e substituído pelo sertanista Sebastião Amâncio da
Costa. O Exército deixou de lado as medidas sanitárias preconizadas pelo órgão para in-
gresso na área waimiri-atroari. Bastava, a partir de então, uma autorização do 2o Grupa-
mento de Engenharia e Construção. Os servidores da Funai que atuassem na área pas-
sariam a receber uma complementação salarial do Exército.
Gilberto foi informado de que seu pedido de aposentadoria já havia sido
aprovado — a portaria do Gabinete do Ministro que o aposentou é datada de 17 de de-

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zembro.26 Carvalho, também como repercussão dos seus atritos com o general Cou-
tinho, estava prestes a deixar Manaus e o trabalho com os Waimiri-Atroari. Ele seria
transferido para Altamira, no Pará. No final de 1974, a dupla de servidores da Funai es-
tava se desfazendo. O ambiente de final de ano permitiu a Carvalho marcar seu casa-
mento com sua primeira e única mulher, Maria José, no dia 28 de dezembro. Gilber-
to foi seu padrinho.

Poucos dias antes, Carvalho disse ter sonhado que caminhava ao lado de Gilberto em di-
reção ao posto indígena Abonari, quando percebeu índios escondidos no mato e índias
sentadas numa esteira. Ao chegarem ao posto, Carvalho indaga a Gilberto sobre a razão
de os índios se esconderem, mas o sertanista diz que não viu nada. Em seguida, os dois
são cercados pelos índios e mortos com várias pauladas. Carvalho contou o sonho a Gil-
berto. Este ponderou que o colega ainda deveria estar traumatizado com os eventos do
Alalaú. “Ele procurou me acalmar: ‘Vamos agora pensar no seu casamento’.”
No dia 27, véspera do casamento, Gilberto foi procurado pela Funai para ir à
área waimiri-atroari, pois três funcionários da entidade no posto em Abonari pediam,
pelo rádio, a sua presença ali. Havia também informações, inclusive publicadas em jor-
nais de Manaus, de que os índios estavam insatisfeitos com algo não definido. Segun-
do Carvalho, ele retrucou dizendo que já tinha sido aposentado pelo próprio órgão. Gil-
berto havia de fato apresentado seu pedido, meses antes, mas pretendia permanecer na
frente de atração. A Funai aproveitou o pedido para anunciar que ele sairia esponta-
neamente da região.
De qualquer forma, Gilberto e Carvalho foram à sede da Funai em Manaus para
falar com o posto pelo rádio. Foram informados de que havia um grupo de índios, lidera-
do pelo cacique Maroaga, querendo muito a presença de Gilberto no local, sem dizer o
motivo. Gilberto disse que não poderia mais ir à área, pois o órgão o havia aposentado. A
conversa era acompanhada por Mont’alverne Pires, delegado regional da Funai. Segun-
do Carvalho, o chefe interveio para dizer a Gilberto que fosse lá rapidamente e voltasse.
Não adiantou ele dizer que era padrinho do casamento. O avião estaria à sua disposição
a partir do meio-dia, disse Mont’alverne.
Carvalho chamou Gilberto de lado para saber se ele iria mesmo. O sertanista
respondeu que seu plano era trazer de volta os outros três servidores da Funai, para não
deixá-los sozinhos com os índios. Virando-se para Mont’alverne, Gilberto disse que iria
sozinho e precisava de lugar no avião para mais três pessoas.
Mais tarde, a família de Gilberto descobriu que ele havia deixado para trás sua
aliança de casamento guardada no bolso do paletó no guarda-roupa — segundo um de
seus filhos, Gilmar, ele nunca tinha viajado sem ela. Antes de viajar, o sertanista procu-

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rou um médium no bairro da Matinha, em Manaus, a quem costumava visitar para ouvir
conselhos espirituais. Gilmar nunca soube o que eles conversaram.27

Localizei em Águas Claras (df), aos 87 anos, o carioca Mont’alverne Pires. Nascido no
bairro de São Cristóvão em 1927, ele entrou para a vida indigenista no final dos anos
1960, a convite de um amigo que o levou à presença do general Ismarth. Ele fora subpre-
feito de Taguatinga durante o governo João Goulart, mas os militares não fizeram obje-
ção à sua contratação. Quando da construção da Transamazônica, Mont’alverne foi de-
signado para Altamira, onde havia bases de apoio da Funai. Depois foi escolhido para
chefiar a Funai de Manaus.
No dia em que os índios reivindicaram a presença de Gilberto na área, Mont’al-
verne participou das providências para a viagem, mas negou ter dado ordens ao serta-
nista. Segundo ele, a decisão de viajar partiu do próprio Gilberto. “Não havia problema
na área. A gente não sabia que havia um choque entre os próprios índios. Eu acho que o
Gilberto também não sabia, não sentia. Sabia que uma parte dos índios estava contra-
riada com a passagem da rodovia, mas não que poderia ser contra ele.” 28
“Ele não hesitou em ir para a área?”, indaguei, mencionando a versão relatada
por Carvalho.
“Não, nunca! O Gilberto tinha confiança. Se disse ao Carvalho [que tinha essa
dúvida], ele não disse para mim.”
Mont’alverne contou que não ouviu diretamente de Gilberto e de Carvalho
uma discordância sobre a obra, mas sabia das críticas.

Bom, muitos deles eram contra a obra. Não tenha dúvida. Mas tinha que se fa-
zer a estrada. Na minha cabeça, não pode parar uma obra dessas que vai ligar
Manaus até a Venezuela. “O negócio aqui tem que sair, né.” Um país se desen-
volve com estradas, com… Então precisa. Você veja hoje como aquela estrada
é movimentada.

No dia 28 de dezembro, data do casamento de Carvalho e Maria José, não houve cerimô-
nia em igreja a pedido do casal, apenas uma reunião entre amigos. Os noivos se casaram
às seis horas da manhã, pois viajariam às dezessete horas para a lua de mel em São Luís.
Ao meio-dia, Carvalho acompanhou Gilberto até o aeroporto. Pouco antes de
embarcar, os dois amigos estavam emocionados com a separação e o fim do trabalho
com os índios. Carvalho procurou animar Gilberto, dizendo que em breve ambos vol-
tariam para a área waimiri-atroari. “Ele me respondeu assim: ‘Eu acho que não vai dar

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para nós, não’. E as lágrimas correram no rosto dele. Eu chorei também. Eu senti que ele
pressentiu algo.”
Carvalho combinou de ir à sede da Funai e, pelo rádio, conversar logo mais com
o amigo. Disse que só iria para a lua de mel quando soubesse que estava tudo certo na
área indígena. O avião partiu e pousou na pista próxima do acampamento do 6o bec em
Abonari. De lá, Gilberto chegou ao posto em um barco. À tarde, chamou Carvalho pelo
rádio para dizer que tudo estava tranquilo, não havia hostilidade. Segundo Carvalho, po-
rém, o sertanista disse que “achou estranho” um detalhe, a presença de “muito milico lá
na pista de pouso” do Abonari. Também havia um avião militar pousado na base. “Eu fi-
quei preocupado, os militares estavam fazendo alguma operação lá”, recordou Carvalho.
Mas Gilberto disse que havia mulheres e crianças entre os índios. Isso era
considerado um bom sinal, já que os índios não costumavam fazer ataques acom-
panhados da família. Pelo rádio, ele disse que regressaria a Manaus no dia seguinte.
Mont’alverne perguntou-lhe então quais eram as reivindicações dos índios, para co-
municá-las ao presidente da Funai. “O Gilberto já estava puto não só com ele, mas com
a Funai no geral e com os milicos, e disse assim: ‘Eles querem matar tudo quanto é mi-
lico que tem pela frente’.”
Carvalho entendeu que não foi um bom comentário — tinha certeza de que o
rádio da Funai estava sendo monitorado pelo Exército. Gilberto lhe disse pelo rádio que
fosse “tranquilo” para sua lua de mel.
O casal viajou e se hospedou no hotel São Francisco, em São Luís. Na noite se-
guinte, Carvalho estava saindo com a mulher para jantar quando viu, na tv, o noticiário
anunciar que os índios waimiri haviam atacado e matado Gilberto Figueiredo. Achan-
do que era um equívoco da tv, ele telefonou para a Funai em São Luís, que não confir-
mou a notícia. Tentou falar com Manaus, mas ninguém atendia às chamadas. O dia 29
de dezembro caiu num domingo. Na manhã seguinte, ele foi à Funai de São Luís, onde
enfim recebeu a mesma chocante informação transmitida pela tv. Ainda assim, Carva-
lho disse não acreditar e decidiu retornar a Manaus com a mulher no mesmo dia. Quan-
do chegou à capital do Amazonas, soube que o corpo de Gilberto já havia sido enterrado.
De Manaus, Carvalho foi para Altamira (pa) tomar posse na nova função na Fu-
nai. Ao chegar, porém, descobriu que se tratava de uma espécie de prisão domiciliar, um
exílio em terras brasileiras, pois era obrigado a se apresentar todos os dias a uma uni-
dade militar da cidade.

Além de Gilberto, os índios mataram três pessoas contratadas pela Funai: João Bosco
Aguiar, João Alves Monteiro e Oswaldo de Souza. Houve um sobrevivente da chacina, o
índio saterê-mauê Ivã ou Ivan Lima Ferreira, também funcionário da entidade. Dois dias

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depois, tendo por base o depoimento do sobrevivente, a imprensa divulgou que a cha-
cina foi comandada pelos “capitães” Maroaga e Comprido. Segundo os jornais, tudo pa-
recia tranquilo até por volta das cinco horas do domingo, dia 29, quando os índios ini-
ciaram um canto de guerra e deflagraram o ataque. Teriam matado primeiro Monteiro e
Aguiar, a flechadas, quando eles estavam nas redes. Ao perceber o ataque, Gilberto teria
saído do posto e dado dois tiros de revólver para o alto, tentando assustar os índios. Mas
foi atingido com duas flechadas nas costas e golpes de borduna. A quarta vítima, Oswal-
do, morreu logo depois, enquanto corria para chegar ao rio.29
Porém, o Saterê deu versão um pouco diferente ao indigenista Carvalho, quan-
do este lhe cobrou informações. Ferreira disse que havia dormido do outro lado do rio
Abonari por recomendação de Gilberto, para vigiar os índios. O Saterê acordou cedo e ia
pelo rio em direção ao posto quando ouviu os gritos de guerra e em seguida “notou que
Gilberto estava em pé na varanda da casa do posto, gritando e gesticulando muito”. Se-
gundo o índio, houve um barulho de “fuzilaria” e ele viu um grupo de índios correndo
em direção à mata. Sua visão foi prejudicada por uma “intensa neblina”, comum naque-
la época do ano e naquele horário.30
Os corpos foram resgatados, de novo, por uma turma de funcionários do em-
preiteiro André. Tanto Robertinho quanto Raimundo Silva disseram que estavam no
mesmo grupo. Quatro décadas mais tarde, eles acrescentam uma informação que não
apareceu nem na imprensa nem nos relatórios oficiais da época: um índio também fa-
leceu naquela manhã, talvez morto a tiros pelo piloto do avião no momento em que cor-
ria pela mata para escapar do ataque dos índios. Ouvidos em dias diferentes e distantes
mais de cem quilômetros um do outro, nas localidades de Santo Antônio do Abonari e
Presidente Figueiredo (am), Robertinho e Silva contaram ter visto o corpo do índio com
buracos de bala no abdômen. Robertinho viu três furos, Silva disse ter visto dois e esti-
mou que o índio morto tinha cerca de 25 anos.
Robertinho relatou que foi ele quem encontrou o corpo, numa picada.

Quando cheguei, vi o piloto do avião numa picada. E um índio perto dele. [O pi-
loto] tinha um revólver calibre 32, que tinha disparado as balas tudo. O piloto
tinha três flechas metidas dele. O índio morreu de tiro. As marcas tavam mais
no intestino. Parece que o piloto atirou assim em seguida pá-pá-pá.

Robertinho e Silva concordam também que o corpo do índio não foi retirado do
local. “O corpo do índio estava uns trezentos metros do posto. Deixemo o corpo lá. Não
sei [o motivo]. Eu não ia apanhar, o Exército não quis apanhar, apanhou só o corpo do ou-
tro [piloto]”, contou Silva. “Nós não levamos o corpo porque a Funai não consentiu”, dis-
se Robertinho.

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Silva contou que todos os servidores da Funai deram tiros durante o ataque,
pois os revólveres achados com os funcionários estavam com todas as cápsulas defla-
gradas. A ordem no órgão era, em casos de extrema necessidade, atirar para cima para
assustar os índios. Mas Silva acha que outras pessoas saíram feridas do confronto, pe-
los sinais que encontrou no local. “Era muito sangue, muito sangue. Aquele sangue não
era só do Gilberto e do pessoal da Funai, de jeito nenhum. E tinha caminho de sangue do
posto até as canoas, sangue pingando. Era uma cachoeira de sangue.”
Os dois trabalhadores conheciam Gilberto, que de vez em quando aparecia nos
canteiros da obra. Eles encontraram o corpo do sertanista na casa do posto, deitado de
barriga para cima e o “peito partido”, disse Robertinho. O sertanista tinha apenas 49 anos.

Casado e pai de dez filhos, dos quais oito biológicos e dois de criação, amazonense de
Autaz-Mirim, Gilberto ingressou no spi com apenas quinze anos, em janeiro de 1941. Se-
gundo a família, sua mãe, Maria, tinha origem indígena mura. Dos 34 anos que ele dedi-
cou ao trabalho indigenista, seis foram no trabalho com os Waimiri-Atroari. Pouco an-
tes de morrer, recebeu da Funai a Medalha de Mérito Indigenista, a mais alta honraria
do órgão. Também foi seu delegado.31 Portanto, Gilberto estava longe de ser um iniciante
no contato com os índios. A julgar pelas declarações atribuídas a ele e publicadas após
sua morte, ele também sabia que as condições oferecidas pela Funai para o seu trabalho
eram muito ruins, o que fazia aumentar os riscos que corria.
Em 31 de dezembro, dois dias após a chacina, O Estado de S. Paulo publicou o
que teria sido uma das últimas entrevistas concedidas por Gilberto. A conversa com o
repórter Manoel Lima ocorreu no primeiro semestre de 1973, na casa do sertanista, em
Manaus. Gilberto aparece dizendo que sofria censura da Funai, que não o deixava se ex-
pressar “abertamente” sobre os Waimiri-Atroari. Sempre que era assediado por jorna-
listas, contou, a entidade o ameaçava de demissão. De forma contraditória, disse que
não pretendia fazer críticas à Funai, mas ao mesmo tempo deixou registrada uma po-
tente denúncia sobre as condições de trabalho oferecidas pela ditadura. Ela cresce em
importância porque vem de um dos principais sertanistas do país na época:

Estou cansado de ilusões; se peço mais gente, não me dão; se peço aumento de
salário para o pessoal, também me negam. Quem é que quer ir para o mato, so-
frer, ficar longe da família para ganhar um ordenado de fome? Eu vou porque
é a minha profissão. […] Falta pessoal especializado e experimentado em lidar
com os índios. Os postos de atração não oferecem segurança nenhuma. Os ho-
mens ficam abandonados em plena mata, sem qualquer condição de reagir a
um ataque. O índio também não lhe dá chance.

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Gilberto comparou as condições de trabalho na área waimiri-atroari com as do
Parque Indígena do Xingu, onde, segundo ele, havia condições de “aculturar o índio”.“Os
índios daqui estão voltando de onde eles vêm: do primitivismo. Isso não é atrair nem pa-
cificar o índio. É torná-lo um ser revoltado, uma das razões das chacinas.”
Na mesma entrevista, ao sertanista é atribuída uma declaração premonitó-
ria.“Medo dos índios eu não tenho; confio neles. Tenho-os como meus filhos, conside-
ro-os o prolongamento da minha casa. Ando armado de revólver na floresta, mas não
atiro nos índios em caso de um ataque. Se me matarem um dia, paciência.”

A entrevista publicada também sofreu um corte do governo, que mantinha censores


na redação do jornal. No lugar do trecho extirpado, o jornal publicou a expressão “Os
lusíadas”, de Camões. O ponto retirado foi esta frase: “A política indigenista em termos
de Waimiri-Atroari é um pouco falha”.32

Um número maior de funcionários da Funai na região teria um efeito psicológico


importante sobre os índios. Depois da morte de Gilberto, a medida foi defendida às
claras por Orlando Villas Bôas, que falou da necessidade de “organizar uma expedi-
ção mais numerosa”. “O número é importante para impressioná-los e não para lu-
tar. É preciso que vejam que os sertanistas estão em igualdade com eles para que
os respeitem.”33
Anos depois, um relatório produzido pela antropóloga Hildegart Maria de
Castro Rick também acusou a Funai de ter reunido um número de servidores infe-
rior ao necessário.

Analisando os massacres ocorridos, vemos uma falha comum em todos eles:


na ocasião do massacre a área não apresentava número suficiente de funcio-
nários para “igualar forças”, ou seja, os Waimiri e Atroari sentindo-se supe-
riores e seguros de que não iam perder, como de fato ocorreu, atacaram. A
falta de material para apoio logístico e a desqualificação profissional e inte-
lectual dos nossos trabalhadores são falhas constantes e que devem ser evi-
tadas e corrigidas.34

As razões para a chacina de Gilberto e sua equipe nunca ficaram claras. Com o passar
do tempo, a família começou a acreditar num motivo surpreendente. Segundo diversos
relatos, os índios gostavam dele e alguns chegaram a passar um dia na casa do indige-

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nista, em Manaus. Esse fato, somado a informações coletadas ao longo dos anos, deu a
um dos seus filhos, Gilmar, o único que construiu uma carreira na Funai após a morte
do sertanista, por mais de três décadas, a convicção de que o pai morreu por uma sim-
ples superstição dos índios.

Como ele ia se aposentar, deve ter falado para os índios que ia embora, que não
iria mais para lá, que iriam outras pessoas. E com isso, acho que os índios —
era um ritual, cada um tem sua cultura — queriam deixar o espírito dele lá.
[…] O que me falaram é que se matassem ele, o espírito dele ficaria ali. Papai os
protegia, fazia de tudo pelos índios.35

Se a tese é verdadeira, Gilberto teria morrido pela confiança que os índios


depositavam nele, aliada ao medo do que os outros “civilizados” poderiam lhes fazer
no futuro.
Nos anos seguintes, Carvalho tocou poucas vezes no assunto com os índios.
Quando inquiridos, logo mudavam de assunto. O indigenista nunca ouviu dos índios
uma explicação detalhada sobre as razões da morte do amigo.

A chacina foi a quarta ocorrida na área waimiri-atroari num intervalo de apenas dois
anos — de janeiro de 1973 a dezembro de 1974. Dezesseis pessoas a serviço do governo
federal haviam sido mortas pelos índios, sendo três operários ligados ao 6o bec e treze
contratados da Funai. A morte de Gilberto desencadeou uma série de medidas do Exér-
cito que estão na base de todas as denúncias e dúvidas que pairam sobre o que de fato
ocorreu com os índios waimiri-atroari a partir de janeiro de 1975. Depois da chacina, ao
contrário do aconselhado por Villas Bôas, o governo não montou nenhuma expedição
em direção aos índios para tentar “pacificá-los”. O Exército preferiu recorrer à presença
armada na área indígena de uma forma maciça sem paralelo até então.
Anos mais tarde, o empreiteiro André confirmou que o Exército “achou por
bem enviar um grupamento do 1o bis” para proteger o canteiro de obras depois da mor-
te de Gilberto.36 Essa unidade militar foi fundada em Manaus em 1915 com o nome de
Batalhão de Caçadores. Na ditadura, teve sua denominação alterada em 1969 para Bata-
lhão de Infantaria de Selva (bis). Suas tropas atuaram contra as forças da Revolução de
1924 em Belém, combateram a Revolução de 1932 em São Paulo, e também participaram
“das operações no Araguaia” em 1974, em referência à guerrilha do Araguaia. Portanto,
diferentemente de uma unidade de engenharia e construção, como o 6o bec, o bis, que
agora entrava na área waimiri-atroari, era uma unidade treinada para “o combate con-
tra revoltosos e rebeldes”.37

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11. IRREVERSÍVEL

na entrevista que me concedeu em 2015, mont’alverne pires, chefe da Funai na


época das obras no território waimiri-atroari, confirmou que o Exército deslocou tropas
do bis para a região. Quando indaguei se era verdade que o Exército “entrou mais pesa-
do na área”, Mont’alverne disse:

Foi. Mas tinha que ser, né? Senão os índios fechavam a estrada. Tinha que au-
mentar [a presença militar] para dar segurança. Porque a Funai não dava mais
segurança. O homem que dava a segurança era o Gilberto, era o homem que
conversava com os tuxauas.

Ao determinar a entrada do bis na área waimiri-atroari, o Exército estava tor-


nando realidade um jogo de guerra que havia executado em novembro de 1969 no ter-
ritório de Roraima. A chamada “Operação Atroaris”, encerrada no pátio do 6o bec, foi
uma série de exercícios simulados de contraguerrilha executados pelo Centro de Ins-
trução de Guerra na Selva. O exercício mobilizou 1250 homens do Exército, 250 da fab,
“esquadrilhas de aviões B-26, bombardeiros, aviões de reconhecimento e ataque, um
avião Hercules C-130 e um helicóptero”.1 Participaram soldados do mesmo 1o bis, en-
tão em Belém. Os soldados treinaram saltos de paraquedas, abordaram e “renderam”,
como insurretos, moradores da região. Por fim, atacaram um fictício grupo de doze
guerrilheiros comandado pelo comunista Chico Boião, que, com seu parceiro Kid Ma-
conha, tinha o apoio da população local e também sequestrava jornalistas “vendidos
ao imperialismo”.
O Exército distribuiu na região um folheto intitulado “Operação Atroaris”. O
papel inclui o desenho de um homem, desarmado e caindo, prestes a ser atingido por
um índio armado com um machado de pedra. O texto, assinado pelo “Comandante do
teatro de operações”, conclamava eventuais guerrilheiros na área a se entregarem ao
Exército, delatarem e matarem seus companheiros em armas.

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Guerrilheiro
Lê com atenção esta “mensagem”
Guarda este folheto com cuidado
Ele é o teu passaporte para a vida.
Estás cercado
Teus momentos estão contados
Vê na Operação esboçada que o teu fim
Está próximo!
Teus companheiros estão morrendo
Tu mesmo podes estar ferido
Os soldados brasileiros — teus irmãos
Estão cada vez mais próximos.
A aviação bombardeia sem cessar.
Olha a bandeira de seu [sic] país
És brasileiro — lembra-te disto
Reflete, pensa bem — o verdadeiro inimigo
Pode estar a teu lado!
Repudia-o, aprisiona-o, mata-o
Irmão — rende-te
Teu passaporte: esta mensagem
E a recompensa, a vida
Teu futuro: perdão.2

Poucos anos depois da “Operação Atroaris”, no papel dos comunistas subversi-


vos agora apareciam os índios. No cenário real, Chico Boião só podia ser o índio Maroaga.

As tropas do bis já estavam na área quando, semanas depois da morte de Gilberto, um


grupo de cerca de vinte índios aproximou-se do acampamento, segundo rememorou Ro-
bertinho, o mateiro que tivera “medo sertanejo” ao chegar à maloca dos índios meses an-
tes. Eles estavam armados com arcos e flechas e carregavam bananas maduras. Pediram
que as operários as comessem, mas alguns se recusaram porque os índios amassavam o
fruto com as mãos. Nesse meio-tempo, um operário “correu escondido” para avisar uma
turma do bis, que estava acampada a cerca de vinte quilômetros. Depois Robertinho viu
chegar “um caminhão do bis cheio de soldado”. 3

Foram chegando, pulando embaixo [no chão], botando as armas em cima


deles [dos índios]. Eu achei aquilo ali muita tristeza. O pessoal todo mundo

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armado e os índios desarmados, fracos, doentes de fraqueza. Eu dizia: “Te-
nente, não faz assim, não aceita uma coisa dessas, não é possível fazer des-
se jeito”. Ele disse: “Mas por quê, você quer mandar mais do que eu?”. Eu dis-
se: “Não quero, eu quero que o senhor entenda. O senhor está armado, eles
não”. […] Os soldados cada um com um mosquefal [fuzil] com aquela baione-
ta, cutucando eles.

Segundo Robertinho, parte dos índios correu para a mata, mas um grupo de
uns doze foi cercado e colocado no caminhão do Exército. Esses índios estavam “força-
dos, chorando, se mijando de medo.”
Robertinho disse que se ofereceu para ir junto com os índios na carroceria do
caminhão. A ideia era levá-los para uma base do 6o bec, segundo o operário. Mas, no ca-
minho, eles foram pulando do caminhão para a mata sem que os soldados pudessem re-
agir. Quando o caminhão chegou ao acampamento, restavam apenas cinco índios. “Le-
varam esses para a Casa do Índio, em Manaus. [Depois] eu não vi mais eles, não sei se
trouxeram de volta, se a Funai tomou conta.”
Episódio narrado por outro operário, Raimundo Pereira da Silva, guarda seme-
lhanças com a história contada por Robertinho. Ele relembrou que por volta de 1976 tra-
balhava com seus colegas no desmatamento quando viu se aproximar do acampamen-
to um grupo de soldados do Exército escoltando cerca de quarenta índios desarmados.
“Quando nós demos fé, o bis já vinha com os índios, empurrando na boca do fal [fuzil
automático leve]. Fizeram eles subir no caminhão. […] Eles tremiam. Nós subimos no
outro caminhão e fomos para o bec.”
No acampamento, segundo Silva, os soldados deram “seiscentos tiros de fal no
mato” na frente dos índios para demonstrar seu poder de fogo. “O mato caía, caía, com
aquele fuzil automático leve. E os índios olhando. Tremendo, tremendo. Depois manda-
ram embora. Eles saíram que saíram. Desapareceram. Nós nunca mais vimos [esses ín-
dios].”
Silva disse que “todos os dias, até o final das obras”, o Exército repetia o
mesmo ritual, “com seiscentos tiros de manhã e seiscentos de tarde” no mato perto
do acampamento em que ele estava. Essa estratégia guarda total relação com a or-
dem escrita do general Paes, de que os militares deveriam fazer “pequenas demons-
trações de força, mostrando aos mesmos [índios] os efeitos de uma rajada de metra-
lhadora”.
Robertinho disse não se lembrar dos tiros de fuzil no mato e também não sou-
be da “demonstração” feita para os índios. Eles podem ter trabalhado em acampamen-
tos diferentes — vários foram instalados e removidos ao longo da estrada — e, assim, ter
lembranças de episódios diferentes.

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***

Naquela mesma época, um contato direto entre militares e indígenas voltou a ocor-
rer em outro ponto do Norte do país, no sul do Pará, onde o governo mobilizou tro-
pas para aniquilar os integrantes da Guerrilha do Araguaia. Para usá-los como guias
na mata, os militares recorreram aos índios suruí, que se autodenominavam aike-
wara, da terra indígena Sororó, no município de São João do Araguaia (pa). Eram
não mais que sete dezenas de índios, que viviam em extrema dificuldade. As terras
mais férteis estavam “na região onde há castanheiras e que foram tomadas pelos ci-
vilizados”.4
Segundo concluiu um grupo de trabalho da Funai em dezembro de 1976,5

os Suruí são paupérrimos. Vestem-se com andrajos obtidos através do que ga-
nham trabalhando para civilizados. Suas terras atuais, arenosas, pobres, ja-
zem sob o enganoso disfarce de floresta milenar, hoje escassa da abundante
fauna que a caracterizava.

Ao longo do século, os Suruí foram caçados, vandalizados e acuados, empurra-


dos sem parar de um lado a outro para liberar para fazendeiros vizinhos as áreas ricas
em castanhais. A velha índia Muru contou ao pessoal da Funai que certa feita esquen-
tava água quando levou um tiro de raspão na cabeça de “um ataque de muitos brancos”.
Em outra ocasião, viu um “civilizado” atirar na direção de uma índia que catava piolhos
de sua filha. “Acertaram na criança, que morreu ali mesmo.”
O Suruí Uareny, que calculava ter cinquenta anos de idade quando foi ouvido
pela Funai, em 1976, disse ter visto “muitos ataques” e fugido “muitas vezes”. “Os bran-
cos eram muito maus. Usavam cachorros contra nós e quando algum índio era acuado
numa árvore, eles atiravam como se fosse num macaco.”6
Em 1968, após intenso trabalho do missionário Gil Gomes, a ditadura reservou
apenas 5 mil hectares para os índios. Oito anos depois, a Funai reconheceu que a área
correta era bem maior, demarcando 26,2 mil hectares, mas ainda muito aquém da rei-
vindicação dos índios.
Por volta de 1972, os militares chegaram a Sororó de forma estrepitosa, em he-
licópteros e por terra, atrás dos guerrilheiros, causando grandes alterações na vida da
aldeia. Os relatórios produzidos pela Funai na época passíveis de consulta, porém, não
registram detalhes dessas atividades. Na documentação produzida pelas Forças Arma-
das e analisada pela Comissão Nacional da Verdade também havia “um total silêncio so-
bre a utilização dos Aikewara”.7 Mas a memória dos índios, ouvidos pela cnv, expressou
que eles trabalharam sob coação e ameaça. Os índios Tawé e Api, levados pela mata, dis-

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seram ter sido privados de água e comida durante três dias, enquanto os militares se ali-
mentavam normalmente.
Na aldeia, os soldados costumavam dar tiros no mato, o que assustava os ín-
dios, segundo a índia Teriweri, e também proibiam os Suruí de sair para caçar, dizen-
do que corriam o risco de ser mortos pelos guerrilheiros. Relatório entregue à cnv nar-
rou que o período foi

marcado pela desorganização social e cultural profundas, fome intensa e, so-


bretudo, medo da morte impostos pelas forças repressivas que se revelaram
traumáticos, com sequelas físicas e psicológicas como abortos (espontâneos),
tuberculose pulmonar, surdez, pesadelos recorrentes, insônia, entre outras.

Os militares saíram da região habitada pelos índios em 1974.8

Em Roraima, parte da imprensa passou a sugerir que havia “civilizados”, inclusive ve-
nezuelanos, instigando os índios waimiri-atroari contra os militares. Um jornal de Ma-
naus, tendo por base o depoimento de um juiz de direito, chegou a divulgar que Maroa-
ga era, na verdade, “um ex-oficial do Exército venezuelano”.9
Um militar do Exército que esteve na região na época da construção deixou re-
gistrado que também “falava-se muito” sobre

cubanos que poderiam estar assessorando Maroaga. Atribuía-se o uso de armas


de fogo aos índios — o que não era verdade. Dizia-se que Maroaga era comunis-
ta, alienígena [estrangeiro], agente da cia e tantas coisas mais. Ninguém ignora
a importância do fator psicológico dentro do contexto de qualquer contenda.10

Após a última chacina, houve muita instabilidade no comando das frentes de atração.
O sertanista que iria substituir Gilberto, Sebastião Amâncio da Costa, nascido em 1943
em Jacutinga, sul de Minas Gerais, nem chegou a desenvolver trabalho algum na área.
Pouco antes de assumir as funções, concedeu uma desastrada entrevista ao jornal O
Globo na qual afirmou que estava disposto a fazer uma “demonstração de força dos civi-
lizados”, com “dinamite, granadas, bombas de gás lacrimogêneo e rajadas de metralha-
doras”. Também cogitou “deportação dos líderes rebeldes para outras regiões do país,
porque assim eles aprenderão que não devem matar civilizados”.11 O general Ismarth de
Araújo Oliveira, que tomara posse na Funai em março de 1974, mandou investigar as de-
clarações de Amâncio.

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Aos setenta anos, recuperando-se de um derrame que lhe tirou parte dos mo-
vimentos do lado direito do corpo, Amâncio disse ao autor, em sua casa em Manaus, que
foi mal interpretado. “Era uma demonstração de força. Os índios não conhecem quem
sou eu, se eles sabem quem sou eu, eles vão evitar [atacar]. O jornalista me interpretou
mal, não sei se por maldade, e arrasou com a minha vida.”12
Amâncio foi enviado para o vale do Javari. A imprensa não divulgou na épo-
ca, mas ele apenas havia verbalizado algo que o próprio Exército já decidira na reunião
ocorrida em novembro de 1974 no quilômetro 220 da rodovia, como vimos pelas ordens
do general Gentil.
No lugar de Amâncio, entrou o sertanista Apoena. Pouco depois, em junho de
1975, ele deu um depoimento à Câmara dos Vereadores de Manaus no qual ameaçou dei-
xar os trabalhos de atração, mencionando dificuldades de logística e de pessoal. Ele não
queria que se repetisse a tragédia que vitimara Gilberto.13
Ismarth afirmou à imprensa que Apoena ficou nove meses na área, tendo sido
retirado de lá por decisão do general, para tentar contatos com os índios da etnia zoró.14
As tarefas de atração foram assumidas pelo sertanista Sebastião Firmo. Logo depois,
atuaram os sertanistas Estêvão da Silva Rodrigues e Julio Reinaldo de Morais, o Ca-
miranga. A partir de janeiro de 1976, os índios iniciaram um processo de aproximação
com o pessoal da Funai com seguidas visitas em grupos cada vez mais numerosos. Em
20 de janeiro, 35 índios liderados por Comprido apareceram num posto de atração ins-
talado pelo órgão no quilômetro 308 da br-174. Os sertanistas interpretaram o episódio
como “uma ação de espionagem, apesar da falsa aparência amigável” dos índios.15 A Fu-
nai distribuiu brindes e comida. No dia 6 de fevereiro, outros dezoito guerreiros apare-
ceram. No dia 25, mais 75 índios deram as caras — dessa vez, ficaram seis dias nas ime-
diações do posto. O indigenista Carvalho, tempos depois, interpretou as visitas como
uma decisão deliberada dos índios de “entregar as armas” e pedir a paz com os “civili-
zados”. Restou a dúvida do que ocorreu entre a morte de Gilberto e essa inesperada de-
cisão dos índios.
Em meio às trocas dos sertanistas, a atividade do 6o bec seguiu a pleno vapor.
Em janeiro de 1976, o ministro dos Transportes, general Dirceu Nogueira, inspecionou
as obras e disse que a rodovia seria aberta ao trânsito ainda naquele ano. No quilôme-
tro 380, a comitiva encontrou-se por acaso com um grupo de quarenta índios “chefiados
por Maroaga”. Carregando cestos com banana e cana-de-açúcar, “aparentemente os ín-
dios aguardavam os sertanistas da Funai para troca de presentes”. Não houve atritos e a
viagem do general seguiu em frente.16
Em 6 de abril de 1977, a estrada foi oficialmente inaugurada com a presen-
ça do vice-presidente da República, Adalberto Pereira dos Santos, que representou o
general Ernesto Geisel. Ele descerrou duas placas fixadas a uma rocha, que serviu de

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marco comemorativo, colocada no ponto de passagem da linha do equador na área
waimiri-atroari.17

A partir da liberação da estrada, a Funai passou a trabalhar para a demarcação de uma


terra indígena waimiri-atroari. Realizou sobrevoos para contar as malocas e procurou
detalhar melhor o modo de vida dos índios. Foram necessários anos para a entidade
quantificar, pela primeira vez, a população waimiri-atroari. Com base em “estatísticas
fornecidas pelo delegado da 1a dr [Delegacia Regional]” da Funai, o antropólogo Stephen
Baines mencionou que, em julho de 1985, a população total era de 323 pessoas, das quais
apenas “88 homens adultos”.18
Quando os números começaram a ser consolidados, de imediato soaram to-
dos os alarmes de que algo muito grave havia ocorrido no período 1975-6. Esse número
de pouco mais de três centenas de indígenas era muito inferior ao conhecido até então.
O número estimado de índios vivendo na área variou ao longo dos anos. Em
uma exposição de motivos enviada em 1971 pelo então presidente da Funai, Bandeira
de Mello, ao ministro Costa Cavalcanti, que por sua vez reproduziu os dados em outra
exposição de motivos enviada ao general Médici, a entidade afirmou que a área waimi-
ri-atroari registrava “uma população de 3000 (três mil) índios”.19 Em relatório de 1973,
Gilberto calculou a população de Waimiri e Atroari entre seiscentos e mil indivíduos.20
Informação idêntica foi divulgada oficialmente pela Funai em uma nota à imprensa em
30 de dezembro de 1974.21 Em ofício nesse mesmo ano, Carvalho calculou um total de
1200 índios “em estado primitivo e arredios com contatos isolados”.22 Em 1976, a im-
prensa falava em até 1600 índios.23 Um estudo realizado pelo grupo de trabalho instituí-
do pela Funai em 1981 continuou se baseando em um elevado número de índios.

Calcula-se que a população waimiri-atroari é de aproximadamente novecen-


tos indígenas, sendo quinhentos do grupo waimiri e quatrocentos do grupo
atroari, com um grande número de crianças. Mesmo nos aldeamentos exis-
tentes nas frentes de atração próximas aos pias [Postos Indígenas de Atra-
ção] é difícil dizer o número exato de indígenas devido à grande mobilidade
dos mesmos.24

Em dezembro de 2014, a Comissão Nacional da Verdade, instituída pela Pre-


sidência da República, afirmou em seu relatório final que nada menos que 2650 índios
waimiri-atroari morreram entre 1946 e 1988 por conta da incúria do Estado brasileiro. A
cnv, porém, partiu do pressuposto de que sem dúvida havia 3 mil índios em 1972. Segun-
do a comissão, eles teriam sido “recenseados pela Funai” naquele ano. Censo, porém,

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significa uma contagem individual e isso nunca ocorreu em 1972, mas somente muitos
anos depois, em 1986, em trabalho conduzido pelo indigenista Carvalho.
Os números obtidos antes da inauguração da obra, ocorrida apenas na segun-
da metade da década de 1970, na verdade decorreram de sobrevoos e estimativas a partir
de contatos esporádicos por terra com algumas malocas, trabalhos conduzidos sobretu-
do por Carvalho e Gilberto. A contagem por avião consistia em fazer estimativas de po-
pulação a partir do número de malocas existentes. Esse método, embora útil para proje-
ções de população, é muito distinto de um censo. Malocas poderiam estar desabitadas
ou comportar um número de índios bem menor do que o calculado pela Funai (o órgão
levava em conta cem índios por maloca). Conforme o dicionário Houaiss, recenseamen-
to significa a determinação do número de pessoas em uma dada região, “discriminando
sexo, idade, naturalidade, estado civil […]”. Nada disso foi feito — e nem poderia — pela
Funai antes da liberação da obra da estrada.
A fonte dos “3 mil” não é fornecida pela cnv, mas o mesmo número consta da
exposição de motivos de 1971 enviada pelo presidente da Funai ao ministro do Interior. O
número também aparece num trabalho sobre a situação dos postos indígenas da Funai
na região amazônica, atribuído ao ano de 1972, de autoria do servidor Rubens Auto da
Cruz e que hoje integra o arquivo de Egydio Schwade. Sobre o posto de Alalaú e sua po-
pulação indígena, o trabalho diz: “Calcula-se em trezentos [índios] na periferia do posto
e 3 mil em toda a área”. Não há origem identificada do cálculo.
É preciso ver esse número com extrema precaução. Na época, a Funai precisa-
va de assinatura presidencial para interditar a área por vias legais e assim fazer a “paci-
ficação” dos índios — nesse contexto, a fundação pode ter usado números elásticos para
chamar a atenção do presidente. Não se sabe como foi elaborado o número que apare-
ce na exposição.
Entretanto, há outros registros confiáveis da época totalmente diferentes. Carva-
lho se recorda de ter chegado, antes de 1974, ao número de 1,5 mil índios pela contagem aé-
rea (cem índios para cada uma das quinze malocas avistadas). Em 1973, um relatório de Gil-
berto apontava entre seiscentos e mil indígenas waimiri-atroari. Uma nota oficial divulgada
pela Funai à imprensa em 1974 indicou os mesmos números. A conclusão que se extrai de
todos esses números divergentes é que não havia uma base 100% confiável antes do final
das obras. Quando as obras da rodovia cessaram, foi possível por fim uma contagem deta-
lhada. E chegou-se a número muito inferior do que o projetado pela Funai. Carvalho, autor
do primeiro censo waimiri-atroari de fato, apontou uma população total de 374 indivíduos.
De qualquer forma, os números indicam uma bárbara mortalidade. Se a esti-
mativa mais baixa de Gilberto, de seiscentos índios, estava correta, então teriam mor-
rido quase 40% da população waimiri-atroari, cerca de 240 indígenas, um número im-
pressionante, mas muito abaixo dos 2,6 mil afirmados pela cnv.

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Como se pode perceber, o número inicial usado pela comissão era impreci-
so, o que levou a uma conclusão imprecisa. Recorrendo a aritmética semelhante (nú-
mero de índios depois da ditadura subtraído do número de antes da ditadura), a cnv
também afirmou que pereceram entre 3,5 mil e 5 mil índios cinta-larga no período
1946-88 — os dois números são apresentados sem indicação de fonte. Uma das infor-
mações mais confiáveis sobre a demografia cinta-larga aparece em um estudo do pro-
fessor João Dal Poz Neto, doutor em ciências sociais e mestre em antropologia e pro-
fundo conhecedor dessa etnia. Em sua tese de mestrado defendida na usp em 1991,
sob orientação da professora Manuela Carneiro da Cunha, ele pontuou não haver dú-
vida de que “até fins da década de 1960, sua população poderia ser estimada entre mil
e 2 mil indivíduos — os jornais e a Funai citavam, na época, uma cifra muito superior,
a meu ver esdrúxula”.
O pesquisador também fez uma correta observação que é confirmada por ou-
tros pesquisadores e autores. Antes do contato oficial com as equipes da Funai, no final
da década de 1960, os Cinta-Larga costumavam ser confundidos com índios de outras
etnias, como os Suruí e os Zoró. Isso ocorreu, explicou o professor, porque as outras et-
nias também “usavam algum tipo de cinto e construíam malocas oblongas”. Assim, nú-
meros atribuídos por pesquisadores antes dos anos 1960 sobre os Cinta-Larga poderiam
incluir, sem querer, outras etnias. Nos anos 1980, uma contagem mais específica e deta-
lhada apontou 514 índios cinta-larga.
É indubitável que eles foram alvo de várias “correrias”, ataques perpetrados por
seringueiros e garimpeiros. O mais conhecido e terrível episódio é o “Massacre do Pa-
ralelo 11”, comprovado de maneira ampla em processo judicial aberto em Mato Grosso e
pela cobertura da imprensa a partir de 1963. Também é inegável que os Cinta-Larga, as-
sim como os Suruí, sofreram surtos violentos de doenças diversas que levaram a uma
grande mortandade após o contato. Mas os números continuam fluidos e não conclusi-
vos, ao contrário da certeza expressa no relatório da cnv.

Os arquivos da Funai não guardam nenhum testemunho direto de eventuais mortes de


índios na área waimiri-atroari por mais de dois anos — da morte de Gilberto, em dezem-
bro de 1974, até a inauguração da estrada, em abril de 1977.25 O que de fato se passou nes-
se período de fricção entre índios e militares é o grande mistério que cerca o episódio
waimiri-atroari. Outro ponto de interrogação é o destino do cacique Maroaga, de quem
não se tem rastros concretos desde o ataque que massacrou Gilberto e sua equipe, em
dezembro de 1974. Ele simplesmente sumiu sem deixar traços. Seu destino não é conhe-
cido nem pelos mais experientes sertanistas que tiveram contato com os índios depois
da abertura da rodovia.

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***

Ao contrário de outras etnias, como os Kararaô e os Panará, esses índios, na época em


que o Exército assumiu para valer a obra, não contavam com um acompanhamento di-
reto e diário de sertanistas capazes de dar testemunhos em primeira mão. Porém, há di-
versos indicativos do que se passou. Como vimos acima, pelo menos dois operários da
rodovia confirmam a presença ostensiva do bis, a “rendição” dos índios sob a mira dos
fuzis e contatos físicos dos militares com os índios.
No seu livro Massacre (1996), Silvano Sabatini, amigo do padre Calleri, publicou
relato do índio Paulino Rondon Tukano. Ele disse que não presenciou o assassinato dos
índios, mas que eram frequentes os boatos entre os operários da obra sobre índios mor-
tos a “rajadas de metralhadoras” e outros mortos quando tocavam cercas eletrificadas
que o Exército teria mandado espalhar para proteger os acampamentos.
Em 1986, o coronel da reserva do Exército Altino Berthier Brasil, que acompa-
nhou a construção da estrada, escreveu um livro com uma homenagem em particular
“ao anônimo irmão waimiri atroari, cujo cadáver mal enterrado, deparamos, muitas ve-
zes, pela frente”. Em outro trecho sombrio, ele afirma:

Ocorre que o índio não chora. Mas os códigos que regulam a altivez de sua
raça não o impedem de gemer, como qualquer ser humano. E na hora do ân-
gelus e mesmo depois, em plena cegueira daquelas noites equatoriais, como-
vidos, eu cansei de ouvir gemidos pungentes e soluços anônimos — verda-
deiros clamores de misericórdia daquela gente, que me parecia condenada a
um triste e melancólico fim.

Anos depois, numa entrevista concedida a um jornal sindical, perguntou-se ao


coronel sobre como foi resolvida a relação entre os índios e os responsáveis pela obra.

Foi resolvido meio a ferro. Era uma luta desigual. O batalhão que estava traba-
lhando lá não tinha interesse nenhum de fazer morticínio. Mas levava muitos
assaltos dos índios. Os índios tinham pavor do barulho das máquinas, ataca-
vam mesmo. Tenho em minha casa flechas que caíam em frente da casa, do
carro. Aqueles índios eram muito aguerridos.26

Passadas mais de quatro décadas, o oficial do Exército que teve contato direto com a
obra da rodovia aceitou discutir os números de mortos. Ele me concedeu entrevis-
ta por telefone e depois me recebeu em seu apartamento em Porto Alegre. Com qua-

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se noventa anos, o coronel Altino Berthier Brasil exibia excelentes memória e articu-
lação de ideias e frases. Ele foi subsecretário de Segurança do Amazonas entre 1972 e
1975, na época da obra. Depois que a rodovia rasgou a mata, o governo distribuiu lo-
tes para colonos que desejassem viver ao longo da estrada. Um desses novos morado-
res foi Berthier, que a partir de 1974 ocupou um lote de quinhentos hectares, a fazen-
da Pedras Verdes. Assim, ele se tornou uma testemunha privilegiada da obra, tanto
pela função que ocupou no governo do Amazonas quanto pelo fato de ter sido um mo-
rador da região.
Berthier disse não ter testemunhado a morte de indígenas, mas recolheu di-
versas informações dos militares e presenciou a atividade do Exército na área ao longo
de anos, conversando com oficiais amigos e com outros militares que eram recolhidos
e deixados na retaguarda da obra. Também afirmou ter visto operários feridos com
flechas sendo atendidos em hospitais da região. O coronel chegou a várias conclusões.
“Quantos índios morreram durante a obra?”, indaguei.

Não tenho a estatística assim maior. Mas eu acho que no máximo uns quaren-
ta ou cinquenta. Mais ou menos o mesmo número de soldados mortos ou dos
exploradores que avançaram o rio. Foi mais ou menos equilibrado o número de
mortes de um lado e de outro. Não tenho uma estatística perfeita. Mas não foi
uma coisa exageradamente, uma “coisa de arrasar assim”, não. Foram contatos,
digamos, violentos, e ambos os lados faleceram.27

“E qual é a causa das mortes desses quarenta ou cinquenta casos?”, perguntei.


“Olha, foram mortos por encontros armados, de um lado e de outro. Acho que
para se contar essa história, [deve-se considerar] que ali no Amazonas o que houve foi
uma disputa de território.” Para o coronel, essas mortes ocorreram durante encontros
fugazes entre grupos de militares e de índios. “Eu conversava com meus amigos milita-
res e vi o sofrimento deles. E a paciência que eles tinham. De repente, surgia do mato al-
guns índios e havia confrontos esporádicos, corre-corre e tal. E assim foi.”
Os operários da linha de frente também eram atacados, segundo o coronel.

Eles estavam trabalhando com foice, com facão, lá na frente, e de repente le-
vavam uma flechada. E daí o companheiro do lado já atirava. […] Nunca houve
uma ordem assim para matar, para tomar a iniciativa de atirar e matar. Havia
reação em contatos de surpresa, que obrigava cada um a puxar a sua arma. Ja-
mais operações organizadas.

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Berthier contou que os militares eram substituídos com frequência, pois “a
coisa era apavorante” e “havia sempre um clima de medo no ar, muito medo”.
Depois de uma longa entrevista por telefone, estive com o coronel em sua casa,
no final de 2014. Ele manteve as declarações anteriores, com exceção do número de
“quarenta ou cinquenta” índios, sobre o qual passou a manifestar precaução. “Esse nú-
mero assim fechado, eu não tenho como afirmar.”

Depois das declarações de Berthier, outros militares passaram a colaborar


com informações que me levaram ao coronel Lauro Augusto Andrade Pastor Almeida,
morador de Manaus (am), que de 1976 a 1978 foi o chefe do Estado-maior do grupamento
de engenharia do general Gentil, comandante da unidade de junho de 1974 a março de
1978. O coronel disse que não se sentia à vontade para conversar pessoalmente sobre o
assunto, pois não teria muito a colaborar com a pesquisa, mas falou ao telefone. Disse
que havia uma divisão clara de trabalhos na rodovia: o grupo de engenharia — ao qual
ele pertencia — se ocupava da obra, enquanto o bis fazia a segurança do perímetro.
Tratei logo de indagar sobre as mortes dos índios em confronto. O que sabia, respondeu,
era apenas aquilo que ouviu de relatos de colegas militares na época.

“A gente sabia que tinha havido entrevero. Mas o que que acontecia? Quando
acontecia alguma coisa com um índio, imediatamente eles [índios] retiravam... Eles não
deixavam o corpo. Não tinha como contabilizar, entendeu? Não havia como contabilizar
porque o índio não abandona o corpo. Então a gente não sabia se tinha cara ferido, se
tinha cara morto.”

“Mas ocorreram mesmo disparos na mata?”, eu quis saber.

“A ordem que existia era não atirar diretamente nos índios, era atirar para
cima, para se defender. Ninguém podia atirar. O que eu soube era que o capitão [respon-
sável], na época capitão, era muito duro, era um ‘Rondon’ na vida. Ele não admitia que
se atirasse em índio.”

Eu quis saber onde estavam os documentos do período que demonstravam as


etapas da construção e, por raciocínio lógico, os embates com os indígenas. Ele me deu
uma resposta de certa forma esperada, mas mesmo assim terrível, para a recuperação
completa dos episódios.

“Vou ser absolutamente sincero com você. O que eu soube é que a documenta-
ção daquela época foi toda destruída. Porque não era só relativo [a isso]… Nós tivemos
aquele período também da ‘Revolução’. Aquilo tudo foi destruído.”

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O coronel engenheiro do Exército João Batista Fagundes, ex-representante das Forças
Armadas na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos a partir de 2003
e ex-deputado federal, foi tenente do 6o bec nos anos 1970, tendo chegado à região de-
pois da conclusão da rodovia. Durante três anos, trabalhou junto ao governo de Roraima
e ouviu diversos relatos sobre a br-174 de oficiais e militares do batalhão de engenharia.
Fagundes disse que morreram índios durante a obra, na sua opinião nas mesmas condi-
ções de confrontos casuais como os narrados pelo coronel Berthier.
“Morreu gente de ambos os lados. Não estou dizendo que só morreram solda-
dos, não. Morreu muito índio também.”28
“Quantos índios teriam morrido nesses confrontos?”, eu quis saber.
“Ah, uns vinte. É, uns vinte. Porque do nosso lado morreram quinze. A gente ti-
nha bastante recurso e mesmo assim morreu esse mundo de gente.”
Fagundes contou que os militares que morreram durante a obra foram “de tiro,
de bala, de flecha, de borduna. Esses índios eram realmente aguerridos”. Disse também
que havia muitos comentários sobre essas mortes, mas “a esta altura, viu, isso já está
mais ou menos sepultado no escaninho da história. Não se comenta muito. Mas sabe-se
que houve conflito e tal”.
Segundo relato de Fagundes, certa vez, anos após a inauguração da rodovia, ele
presenciou uma conversa entre um líder indígena e militares. Os índios haviam passa-
do uma corrente na br-174 para impedir a circulação de carros durante a noite. Os mili-
tares pediram que a corrente fosse retirada. Em troca, contudo, o índio pediu que os mi-
litares retirassem o monumento inaugurado em 1977 pelo vice-presidente da República
com os nomes de militares e civis mortos durante a abertura da estrada. “O índio disse
mais ou menos assim: ‘Tem nome de soldado, de padre, de todo mundo. Mas não tem
nenhum índio, que morreu também. Então para nós esse monumento é um ultraje’. Sob
certo aspecto, ele tinha razão.”

O monumento datado de abril de 1977, formado por duas placas fixadas a uma rocha,
trazia os nomes de quatro militares — um tenente, um sargento e dois soldados — e 28
civis que morreram durante as obras de construção da rodovia. Nenhum dos mortos
da Funai ou de índios eram lembrados. Abaixo dos nomes, a frase: “Não morreram em
vão!”. Numa placa menor, a inscrição: “Uma nação se constrói com o esforço de todos”.29
Quando percorri de carro a br-174 no início de 2014, nada encontrei no trecho
onde deveria estar o monumento. Segundo Carvalho, ele próprio retirou a pedra do lu-
gar original, a pedido dos índios.

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Logo após o final da ditadura, Egydio Schwade, do Conselho Indigenista Missionário
(Cimi), coletou depoimentos de índios waimiri-atroari que narraram aviões cuspindo
fumaça tóxica, tiros e assassinatos de índios durante a construção da rodovia. Ele con-
densou seu trabalho em um relatório entregue à cnv, e que apontou um número supe-
rior a 2 mil índios mortos no período.
No relatório “O genocídio do povo waimiri-atroari”, entregue à cnv em 2012,
Egydio contou que em 1985, ao lado de sua mulher, Doroti, iniciou um processo de alfa-
betização dos índios. Na sala de aula, os índios eram estimulados a desenhar e a falar so-
bre o passado. Eles então passaram a revelar, segundo o relatório, “o método e as armas
que os kamnã [‘civilizados’] usaram para dizimá-los: aviões, helicópteros, bombas, me-
tralhadoras, fios elétricos e estranhas doenças. Comunidades inteiras desapareceram
depois que helicópteros de soldados sobrevoaram ou pousaram em suas aldeias”. Sur-
giram indícios do uso de substâncias incendiárias despejadas de aeronaves. Segundo o
relatório, um indígena certa vez indagou a Egydio, em 1985: “O que é que ‘civilizado’ joga
de avião e queima o corpo da gente por dentro?”.
Mont’alverne Pires, chefe da Funai em Manaus na época da obra, tacha os nú-
meros de 2 mil ou 3 mil como “invencionices”. Ele disse que “nunca viu um único” índio
assassinado pelos militares e afirmou que na época não existiam nem mesmo boatos
sobre tais crimes. Porém, reconheceu que deixou o cargo em 1976, portanto um ano an-
tes da abertura da rodovia, a partir de quando foi possível fazer um balanço mais amplo
do impacto da obra. Mont’alverne também concordou que o controle efetivo da área não
era da Funai, e sim do general Gentil, com o qual pouco conversava. Segundo o ex-chefe
do órgão, o general tocou a obra

no peito e na raça. A função dele era garantir que os tratores passassem ali.
Nas raríssimas vezes em que conversamos, ele não falava nada. Eu inclusive
perguntava: “General, tá precisando de alguma coisa?”. Ele dizia: “Não, não. Tá
tudo bem”. E mesmo que ele fizesse alguma coisa errada, ele não iria contar,
né? Você acha?30

As dúvidas quanto ao número de mortos na área waimiri-atroari decorrem do evidente


descontrole, por parte do Exército, sobre o estado de saúde dos índios. Em 1985, a situa-
ção era a mesma, como constatou um grupo de pesquisadores da Universidade do Ama-
zonas, em convênio com a Funai. Após um levantamento nas quatro principais aldeias,
a equipe concluiu que simplesmente os dados de mortalidade eram inexistentes, não
havia informações sistematizadas sobre doenças e muitas fichas individuais “nunca fo-
ram preenchidas”.31 Os índios eram então atendidos pelo 6o bec e por uma mineradora;
casos mais graves eram enviados às cidades da região.

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Sebastião Amâncio, aquele que chegou a ser cotado para chefiar a frente de
atração, diz que surtos de doenças, mal combatidos e mal registrados, podem explicar a
redução da população indígena na área, e não os embates armados com militares. “Hou-
ve na primeira aldeia um surto de sarampo muito grande. Morreu muito índio, somente
jovens. A estrada passava ali. Eu sei porque chefiava a Funai em Manaus na época. Não
sei quantos foram. Pode ter sido uns dez índios.”32 Amâncio disse que surtos semelhantes
podem ter ocorrido em outras partes da área, sem controle e conhecimento da Funai,
pois “os rios eram abertos e muita gente transitava”.

Inexistem controvérsias em relação ao impacto de pelo menos um surto violento de sa-


rampo na área indígena waimiri-atroari. Em 1981, portanto apenas quatro anos após a
abertura da rodovia ao trânsito de veículos, 21 índios morreram vitimados pela doença.
Três relatórios da Funai comprovam a mortalidade,33 além de “relatórios e radiogramas
da época” localizados pelo antropólogo Stephen Baines e reunidos em um estudo que
ele concluiu em 9 de setembro de 1985.34
Em 1982, disse Baines, o indigenista Carvalho fez uma denúncia formal à pre-
sidência da Funai.

Os funcionários da Funai na área foram unânimes em afirmar que os óbitos


ocorreram por falta de cuidados administrativos da 1a dr, para quem apelaram
com pedidos de socorro e não foram atendidos a tempo. A equipe médica da
Funai em Manaus, apesar dos insistentes apelos, não acompanhou no local o
tratamento. O medicamento específico não chegou a tempo. As medidas ne-
cessárias para tentar salvar os índios enfermos não foram tomadas.

Baines citou a origem do surto, de novo um resultado do precário controle de


saúde dos indígenas. Tudo começou logo após o retorno à área de um garoto indígena
que havia sido tratado de tuberculose na Casa do Índio da Funai em Manaus.

Quando ocorreu o último massacre de trabalhadores da Funai na área waimiri-atroari


no final de 1974, sertanistas sugeriram, pela imprensa, a paralisação da obra até que os
contatos com os índios fossem concretizados dentro das melhores técnicas indigenis-
tas. O governo, porém, nunca cogitou pôr tal medida em discussão. A rodovia sairia de
qualquer forma, independentemente da situação dos índios. O general Ismarth deixou
expressa essa posição.

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Há uma coisa que é certa: a decisão do governo, que é irreversível, de continuar
a estrada. Então, as nossas soluções têm de partir dessa premissa: com a estra-
da. Evidentemente, seria muito mais fácil se pudéssemos optar, com ou sem a
estrada, e apresentar soluções para o problema. Mas uma alternativa já foi tira-
da [excluída] — a da estrada parar. O governo já definiu sua posição.35

Ismarth fez a exposição durante uma reunião do Conselho Indigenista, órgão


de assessoria da Funai, convocada um mês após a morte de Gilberto exclusivamente
para debater o caso waimiri-atroari. No encontro, ele ensaiou um mea-culpa, ainda que
tímido, porém atribuindo responsabilidade às gestões anteriores da fundação.

Talvez tenha havido erros da própria Funai com relação à estrada e a esses ín-
dios porque, quando a reserva foi criada, a estrada já estava sendo construída.
Praticamente houve uma inversão: a reserva foi implantada em cima da estra-
da, quando já se tinha conhecimento da existência daqueles índios. […] Devia
ter havido também entrosamento entre os órgãos responsáveis pela constru-
ção e a própria Funai em acertar as medidas preliminares, antes de se partir
para a construção da estrada.

O antropólogo Olympio Serra, que em 1968 havia assessorado a cpi do Índio no


Congresso, fez um paralelo entre o caso dos Waimiri-Atroari e o dos Kaingangue, que,
no início do século passado, atacaram colonos e as obras de construção da Ferrovia No-
roeste do Brasil, no interior de São Paulo. A resistência dos Kaingangue está na origem
de um episódio marcante no processo de formação da política indigenista brasileira.
Em 1907, a propósito da reação deles, o médico e professor alemão Hermann von Ihe-
ring, na época diretor do Museu Paulista, sugeriu nada menos que a dizimação dos in-
dígenas do território do estado, pois não representavam “um elemento de trabalho e de
progresso”. Ele disse que os Kaingangue “selvagens são um empecilho para a coloniza-
ção das regiões do sertão que habitam, parece que não há outro meio, de que se possa
lançar mão, senão o seu extermínio”.36 A sugestão gerou tanta reação nos meios de co-
municação e em círculos militares que acabou por ajudar a divulgar “os métodos persu-
asórios desenvolvidos por Rondon”, o que alimentou a ideia da criação do spi, concreti-
zada três anos depois.37
Agora, em plena ditadura, Olympio Serra sugeria que o país passava por situa-
ção semelhante. Na reunião do Conselho Indigenista, ele foi apoiado pelo professor Car-
los Moreira de Araújo Neto, historiador dos povos indígenas, que aconselhou a Funai a
tentar algo parecido com o que fizera Rondon.

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Se capitalizarmos esses incidentes de maneira positiva, mostrando que atrás
desse incidente lamentável, isolado, da morte desses servidores da Funai
existe um passado de traumatismo e violência e que se repete inexoravelmen-
te, nós podemos dar uma “virada” histórica como Rondon conseguiu, isto é,
impor à consciência nacional um debate do problema indígena em toda a sua
profundidade.

Araújo Neto disse que não se tratava de “pacificar os índios”, pois neutralizá-
-los “sem uma medida adicional” poderia levá-los “a processos tão graves quanto os que
aconteceram” com os índios panará. “Então, precisamos armar esses índios”, defendeu
o professor.
O antropólogo Roberto DaMatta disse que havia “um desentendimento abso-
luto” entre os diversos órgãos do Estado atuando na área. Mas a confusão seria expli-
cável, pois era “extremamente funcional para as frentes de expansão”. Ou seja, quanto
mais atrapalhado o Estado brasileiro, melhor para firmas de colonização, garimpeiros,
madeireiros.
Araújo Neto defendeu que a Funai abrisse uma discussão pública para mostrar
os motivos pelos quais os índios estavam reagindo, porque, segundo ele, “somente na
base da denúncia é que se pode sensibilizar certos órgãos”. Ele sugeriu a divulgação de
um documento oficial sobre “o preço que os índios estão pagando pelo desenvolvimen-
to regional do Amazonas”. “Nós temos escamoteado dados.” O professor fez referência
ao “desaparecimento” de indígenas ocorrido durante a ditadura, mas não disse a etnia.
Ele poderia estar se referindo aos índios panará. “Quatro ou cinco anos atrás, numa área
extremamente civilizada e tranquila desapareceram duzentos índios, e ninguém jamais
explicou o que houve.”
Essa reunião do Conselho Indigenista é notável também por diversas manifes-
tações de Ismarth que expõem os erros e problemas enfrentados pela fundação nos últi-
mos anos. Ele primeiro reconheceu que a “falta de entrosamento entre os diferentes ór-
gãos do governo” vinha causando “sérios reflexos para a Funai, particularmente na área
da Amazônia Legal”. Depois afirmou que o “problema dos Waimiri-Atroari” era “muito
mais complexo porque tem uma amplitude bem maior”.

Já ocorreu com os Krenakarores na construção da Cuiabá-Santarém e vai ocor-


rer também na construção da Perimetral Norte. A Perimetral Norte vai atra-
vessar áreas onde existem comunidades indígenas de vulto, particularmente
entre Tabatinga e Cruzeiro. Então, se não houver esse entrosamento, esse diá-
logo, entre os órgãos do governo, vão-se repetir os mesmos problemas. Nós já

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sentimos, inclusive, que [a estrada] não tem um traçado definitivo. Ainda estão
mudando. E a Funai não é consultada.

Assim, mais uma estrada, a Perimetral Norte, estava sendo aberta sem prévia
consulta à Funai. Dessa vez os planos militares de “ocupação da Amazônia” atingiriam al-
guns dos grupos isolados mais numerosos do planeta, que falavam quatro línguas diferen-
tes, preservavam seus hábitos alimentares e culturais e ocupavam uma extensa e monta-
nhosa área, com mais de 9 milhões de hectares, que se estendia do Brasil à Venezuela. Os
Yanomami estavam no caminho das máquinas que de novo rasgariam a selva para tentar
tirar do papel outra estrada, cujo traçado corria ao norte, em paralelo à Transamazônica.

No ano de 1973, o cantor e compositor de samba Martinho da Vila produziu um samba-


-enredo crítico à Transamazônica para o desfile do ano seguinte da sua escola de samba,
a Unidos de Vila Isabel, no Rio. O samba de Martinho e Rodolfo de Souza falava de uma
comunidade indígena que vivia “respeitando o céu, o ar” até que “estranhamente o ho-
mem branco chegou” e tudo mudou. O índio, dizia o samba, “não se escravizou”, mas es-
tava “sumindo da face da Terra”. A música, contudo, nunca foi cantada na avenida. Mar-
tinho explicou, em livro autobiográfico, que houve uma intervenção da ditadura.

Era tempo de opressão e a diretoria da Vila, na época presidida pela Pildes Pe-
reira, foi pressionada pela censura política e, sob ameaça, foi obrigada a cortar
o meu samba (tachado de subversivo) e mudar o desenvolvimento do enredo,
passando a fazer uma exaltação à estrada Transamazônica. Ai! Que tristeza…
nem gosto de lembrar. Desfilamos sob vaias, xingamentos e indiferença.38

A letra que afinal serviu de samba-enredo falava sobre uma “grande estrada que
passa reinante” e “leva o progresso ao irmão distante”. Na mata virgem, “o uirapuru, o sa-
biá, a fonte, as borboletas, perfumadas flores”, tudo traduzia “festa, integração e amores”.
A escola foi tão mal que correu sério risco de ser rebaixada. Martinho percebeu
o desastre e começou “a articular politicamente” ainda nos bastidores do desfile. A Vila
conseguiu uma decisão do governador nomeado pelo Planalto, Chagas Freitas, do antigo
estado da Guanabara, segundo a qual “nenhuma escola cairia” naquele ano. Com o sam-
ba chapa-branca, a Vila acabou em décimo lugar na disputa.39

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12. CICATRIZ

os planos da ditadura para integrar o território de roraima ao restante do país


eram tanto ambiciosos para o governo quanto arriscados para os índios. Após rasgar, ao
sul, por mais de uma centena de quilômetros a terra waimiri-atroari com a abertura da
rodovia br-174, que permitiu a ligação de Manaus à capital do território, Boa Vista, os mi-
litares passaram a construir outra estrada, a br-210, agora no sentido leste-oeste, para
cruzar a br-174 a fim de conectar Macapá, a capital do Amapá, ao município de Içana, no
norte do Amazonas, a poucos quilômetros da fronteira com a Colômbia. O traçado risca-
va o território de Roraima da direita para a esquerda, formando uma cruz com a br-174.
Duas frentes de trabalho entraram em ação a partir de 1973. As turmas da em-
preiteira Camargo Corrêa vieram da direita para a esquerda, do município de Caraca-
raí até a localidade de Catrimani, onde funcionava uma missão de religiosos católicos.
A outra equipe, sob o comando da empreiteira eit, saiu de São Gabriel da Cachoeira, no
Amazonas, para o interior de Roraima. O plano era que as duas frentes se encontrassem
no rio Padauari, em plena área ocupada pelos Yanomami.1
A exemplo da Transamazônica, porém, a obra jamais foi concluída. Quando
sobrevoei num avião pequeno o território yanomami em 2001, trabalhando em reporta-
gem para o jornal O Globo, a Perimetral Norte continuava sendo um risco na imensidão
da selva, ligando o nada a lugar algum. Podiam ser divisados os vestígios da estrada que
chegou a ser feita de Caracaraí até a Missão Catrimani. Dali em diante, contudo, tudo o
que era possível ver não passava de uma linha reta, formada por árvores e arbustos bem
mais baixos do que o restante, em direção ao rio Demini. Era a estrada que, aberta me-
nos de trinta anos antes, acabou engolida pela vegetação, que, por outro lado, não havia
atingido a exuberância anterior. Foi desperdiçada uma enorme quantidade de dinheiro,
tempo e sobretudo, como veremos, vidas para abrir essa estranha cicatriz que, de ma-
neira abrupta, acaba bem no meio da floresta, sem nenhum sinal de atividade humana
por perto. Para os Yanomami, a ausência de planejamento do governo custou especial-
mente caro.

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Com seus 5 mil ou 6 mil índios em meados da década de 1970,2 vivendo em 192
3
malocas, a chamada “família yanomami” era e é, em si, um verdadeiro e inestimável te-
souro cultural (dez anos depois, o número foi fixado pela Funai em 9 mil indivíduos em
território brasileiro e cerca de 11 mil na Venezuela). Até 1974, a grande maioria desses indí-
genas permanecia isolada na selva, vivendo como viviam seus antepassados séculos atrás.
Segundo o sertanista Sebastião Amâncio, os índios viviam então “em estado primitivo”,
mas tinham “índole pacífica, não tendo sido observado qualquer ato agressivo por ocasião
da invasão do seu território com a criação da rodovia Perimetral Norte”.4 Ao contrário dos
Waimiri-Atroari, os Yanomami, embora vivessem em frequentes guerras intertribais, não
derramaram sangue de nenhum operário da obra ou funcionário da Funai.
Os Yanomami eram constituídos de grupos que falavam pelo menos quatro lín-
guas, “cada uma com vários dialetos”. Os especialistas divergem sobre a grafia dessas lín-
guas, mas na década de 1980 a Funai as denominou de “sanumá, yanam, yanomamo e
yanomam” — embora distintas, elas são mutuamente compreensíveis. Ao longo dos tem-
pos, os Yanomami foram identificados de formas diversas, como Waiká, Xiriana, Guaha-
ribo, Karimé, Yanoama, Xirixana e Xamatari. Baseada em estudos anteriores, a Funai
considerava que os índios viviam ali fazia mais de 3 mil anos. Tinham baixa estatura, “ra-
ramente ultrapassando 1,60 metro e sem musculatura pronunciada”. A maioria ou vivia
nua ou usava um fio de algodão na cintura. Usavam arco e flecha, tocavam flautas de osso,
fabricavam artigos de tecelagem e muitos cestos, com pouca ou nenhuma cerâmica. Re-
cusando-se a comer os bichos de criação, viviam da caça de animais silvestres e da pesca,
além de insetos, vários tipos de coco, mandioca e banana, principalmente. Dependura-
vam seus mortos em árvores, dentro de cestos ou jiraus. Às vezes os ossos eram separados
dos corpos em decomposição, queimados e moídos até virar farinha, para ser adicionada
e consumida com mingau de banana durante as festas em memória dos antepassados.5
Até 1973, a região era pontuada pela atividade de missões religiosas da Igreja ca-
tólica e protestantes. Também havia contatos esporádicos com expedições científicas,
comissões de limites de fronteiras, membros da fab e extrativistas.6 Mas o território era
“quase que totalmente não penetrado pelos neobrasileiros da região, sendo que a ecolo-
gia da flora, da fauna e da população indígena continua em estado natural”, como descre-
veram na época os antropólogos Kenneth Iain Taylor e Alcida Rita Ramos. Em 1973, a br-
-210 representaria “a primeira entrada maciça de brancos no território dos Yanomami”.7

Surtos mortíferos de doenças, porém, não eram incomuns, e pelo menos uma grande
epidemia de sarampo atingiu a população da região do Caburi por volta de 1973, talvez
originada em um grupo indígena da Venezuela. A Funai organizou uma expedição de
emergência para socorrer os indígenas. Formada pelo indigenista Porfírio Carvalho, o

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mesmo que trabalharia no sul de Roraima com os Waimiri-Atroari, uma médica, uma
freira católica, uma enfermeira e três trabalhadores rurais, a equipe caminhou por se-
manas na mata até encontrar corpos de índios dizimados pelo sarampo numa aldeia
quase abandonada em Caburi. “Acho que eu vi mais de trinta mortos. Eram muitos. O
sarampo quase exterminou aqueles Yanomami”, rememorou Carvalho.8
Ao lado do cadáver de uma índia já em decomposição, Carvalho encontrou
uma criança de cerca de quatro anos que ainda tentava mamar nos seios da mãe morta.
Ele teve certa dificuldade para dominar a criança, que reagiu mordendo-o e arranhan-
do-o. A caminhada de retorno durou quase um mês, segundo o sertanista, que carregou
a criança nas costas, até a equipe conseguir socorro na Missão Demini. A freira deu à
criança o nome de Marcelo. Órfão e sem perspectivas de sobrevivência na aldeia devas-
tada pela doença, o pequeno Marcelo passou a ser criado por Carvalho, que depois o le-
vou para Brasília. Em Demini, Carvalho encontrou outro sobrevivente, Davi Kopenawa,
que se tornaria o principal líder yanomami nas décadas seguintes.
A região mais atingida pela obra da Perimetral foi o sul da área yanomami, em
um trecho sob responsabilidade da empreiteira Camargo Corrêa e suas subcontratadas.
Anos depois, a Funai reconheceu que as turmas de desmatamento entraram na área in-
dígena “sem qualquer controle de saúde”.9
O órgão oferecia “cobertura” aos trabalhos da Camargo Corrêa. Em novembro
de 1973, uma equipe da empreiteira, acompanhada pelo servidor da Funai Estêvão da
Silva Rodrigues, caminhou por 123 quilômetros mapeando o traçado da rodovia. O com-
binado era que receberiam alimentos despejados por um avião da empreiteira, mas “es-
tes se perdiam, por imperícia ou não, […] o fato é que todos ficaram carentes de ali-
mentos, passando as piores privações”, comendo apenas palmito e caça. Estêvão só
conseguiu retornar a Boa Vista em janeiro, “herniado, necessitando com urgência de
cuidados médicos”.10
O traçado passava perto de muitas malocas dos Yanomami, algumas já depau-
peradas por guerras internas e pelo cada vez mais frequente contato com “civilizados”
predadores, como exploradores de piaçava, uma palmeira utilizada para fabricação de
vassouras e cobertura de casas. Quando o auxiliar da frente de atração da Funai Jami-
ro Batista Arantes, acompanhado de três Yanomami que já falavam português e foram
recrutados pela entidade para ajudar a Camargo Corrêa, foi conferir a rodovia perto da
maloca do Araquém, na região da Garganta do Índio, descobriu que o traçado passava a
apenas um quilômetro de uma das principais malocas dos índios. E havia outras cinco
malocas a apenas cinco dias de caminhada na mata. O quadro tendia a se agravar com a
chegada dos desmatadores e topógrafos.
“Encontramos todos os índios doentes com gripe e malária. Os índios não que-
riam que a estrada passasse por aquele local.”11 Dois deles estavam “em estado grave”. A

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aldeia contava com sessenta indivíduos, dos quais quinze tinham menos de treze anos.
Muito diferentes do cenário de poucos anos antes, “uma aldeia muito grande e [que]
contava com inúmeros guerreiros”. Para Arantes, agora a aldeia estava “quase se extin-
guindo”. A equipe da Funai “passou quase vinte dias medicando os índios”. Para conven-
cer os Yanomami a permitir a passagem da estrada, a Camargo Corrêa “jogava de avião
brindes para serem ofertados aos índios”, contou Arantes.
Enquanto a obra avançava, a Funai organizou uma viagem à região com nove
pessoas, incluindo os antropólogos Alcida e Taylor, para fazer um levantamento mais
completo da situação. Um dos membros da comitiva era João Bezerra de Mello, chefe da
asi, o braço do sni na Funai. Ao chegar a Roraima em março de 1975, a comissão verificou
que o trabalho da entidade e do governo junto aos índios era quase inexistente. Toda a as-
sistência estava nas mãos da missão católica Consolata, ligada à prelazia de Roraima, que
cuidava da Missão Catrimani, e da Missão Evangélica da Amazônia (Meva), que coman-
dava missões em Auaris, Surucucus, Mucajaí e Anauá. Apenas no ano anterior a Funai
havia aberto uma frente de atração às margens do rio Ajarani, perto da Perimetral Norte.
As distâncias dificultavam o atendimento aos índios. Na região de Catrimani,
onde viviam cerca de 370 índios, uma das aldeias ficava a cem quilômetros da sede da
missão católica. Isso implicava caminhadas de até semanas pela mata. A área era a mais
atingida pela construção da estrada, e o traçado passava a apenas três quilômetros da
sede da missão.12 Em 1975, estava em plena atividade um processo de “aliciamento” de
índias pelos trabalhadores da subcontratada da Camargo Corrêa, como denunciaram à
Funai os responsáveis pela missão, o padre Giovanni (João) Saffírio e o irmão Carlo Zac-
quini. Os operários atraíam as índias com o pretexto de “dar-lhes presentes, mas na
realidade com a intenção de seduzi-las”.
Na frente de atração montada pela Funai na região do rio Ajarani, com um ser-
tanista, dois auxiliares e quatro ajudantes indígenas, a situação se tornou dramática
para 444 Yanomami que viviam na região. O posto foi instalado a 49 quilômetros do en-
troncamento da Perimetral com a br-174, no município de Caracaraí, com aldeias loca-
lizadas entre quatro e 104 quilômetros de distância, alcançáveis apenas por caminha-
das na mata. Havia caça abundante na região, de animais como anta, paca, jabuti e cutia,
mas os índios de uma das principais malocas, a Castanheira, agora viviam “a maior par-
te do tempo perambulando ao longo” da Perimetral. Eles eram atraídos “pelos trabalhos
da empreiteira e subempreiteiras, mantendo contato desordenado com os trabalhado-
res”. Como ficaram “fascinados pelas máquinas e pelo movimento da estrada”, pratica-
mente abandonaram “sua aldeia e deixaram de trabalhar em suas roças”. Passaram a vi-
ver “dos restos de comida que lhes dão os trabalhadores”, caçando e pescando apenas de
vez em quando. “Estão subnutridos; há casos de tuberculose e desidratação; índias co-
meçam a se prostituir com os trabalhadores das subempreiteiras.”

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Em outras partes de Roraima, onde viviam numerosos grupos indígenas, como
os Wapixana, Makuxi, Taurepang e Wai-Wai, o quadro também era preocupante, com
uma Funai quase ausente. Apenas dois postos indígenas atendiam mais de 3 mil índios.
Saltou aos olhos da comissão o trabalho abnegado de uma ex-servidora do órgão, a apo-
sentada Palmira Rodrigues Teixeira, de 72 anos, e de seu marido, identificado apenas
como “Xico”. Eles haviam criado nada menos que 61 crianças das etnias makuxi, apu-
rinã, wapixana e karipuna, índios “criados, alimentados, vestidos e educados pelo casal
Rodrigues Teixeira, sem qualquer ajuda dos poderes públicos”.13
Na região a nordeste do território ocupada por cerca de 2200 índios, que anos
depois ficaria conhecida como Raposa Serra do Sol, mais de vinte fazendeiros invaso-
res haviam provocado a diminuição da caça em toda a região. Os índios se viam forçados
a suportar a presença dos fazendeiros, pois a eles recorriam em casos de emergência,
como no transporte de doentes e de mercadorias, ocasiões em que os invasores cobra-
vam “preços escorchantes e ainda se aproveitam da situação para fazer carga contra a
Funai, tentando induzir os índios a não acreditar nas promessas da Funai”.
A presença dos invasores começou a acuar os índios. Na maloca do Boqueirão,
com 396 índios makuxi e wapixana, a caça diminuiu em toda a área. A comissão apon-
tou que um ex-delegado do interior do território de Roraima, Jacy Cruz, “expulsou todos
os índios da maloca Flexal (cerca de seis famílias)”. Perto da maloca Lago Grande, insta-
lou-se um fazendeiro, sobrinho de um ex-servidor do spi, que soltava seu gado na roça
dos índios. Próximo à maloca da Barata, nove invasores haviam aberto fazendas, uma
delas com campo de pouso para aviões, cujo dono, Raul Lima, era “bastante agressivo
com os índios”. A Funai não tinha nenhuma ação na área e toda a assistência era presta-
da pela prelazia de Roraima. Vários jovens índios passaram a prestar serviço militar no
batalhão de engenharia e construção do Exército.

O descontrole em Roraima e em especial os contatos frequentes entre operários e Yano-


mami não tardaram a ceifar vidas. A comissão verificou que, a partir da chegada das pri-
meiras turmas de trabalhadores da Perimetral à região do Catrimani, em abril de 1974,
os atendimentos médicos na missão da Consolata explodiram, de cerca de 150 a duzen-
tos atendimentos por mês para 450 a quinhentos. Em dez meses, “os índios sofreram
onze surtos de gripe, um de sarampo, e a incidência de malária vem aumentando con-
sideravelmente”. O sarampo havia matado até o primeiro trimestre de 1975 “um adulto,
duas crianças, e houve três abortos”. Em consequência da gripe, “morreram cinco adul-
tos e duas crianças” — um total, portanto, de dez mortos em menos de um ano.14 A mis-
são religiosa dizia manter boa assistência aos índios, com consultório “bem abastecido
de medicamentos” e a vinda de um médico de Boa Vista “quando há necessidade”. De

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1965 a 1973, todos os remédios foram custeados pela prelazia de Roraima, e só a partir de
1973 surgiram remédios enviados pelo governo militar.15
Mas o quadro mais completo sobre o impacto da Perimetral na saúde dos ín-
dios yanomami só começou a ser visualizado a partir de outubro de 1975 pelo casal de an-
tropólogos Alcida Rita Ramos e Kenneth Taylor. Ambos ph.D. em antropologia em 1972
e ligados ao Museu Nacional do Rio, eles fizeram trabalho de campo com o subgrupo ya-
nomami conhecido como Sanumá entre 1968 e 1970. De fevereiro a julho de 1975, Alcida
viveu na Missão Catrimani. No ano anterior, Taylor havia apresentado pela primeira vez
à Funai um plano de estudo e assistência aos índios yanomami, denominado Projeto Ya-
noama. O plano foi aprovado pelo presidente do órgão em dezembro de 1974.16
De março de 1975 a fevereiro de 1976, Taylor trabalhou para a Funai como coor-
denador do projeto. O objetivo de longo prazo era fornecer bases a um trabalho de iden-
tificação e demarcação das terras yanomami, com vistas à criação de um grande parque
nacional indígena nos mesmos moldes do Xingu.
Quando chegaram ao posto indígena da Funai instalado no quilômetro 49 da
estrada, Alcida e Taylor encontraram a chefe do órgão reclamando sem parar da total
falta de apoio da delegacia regional: “sem remédios, sem gêneros alimentícios, quase
sem comida para ela e cinco ou seis auxiliares”. Os índios perambulavam entre a estra-
da e o posto da Funai, “implorando por comida e cigarros, e não eram desencorajados
por ela ou pela sua equipe”.17
O casal Alcida-Taylor encontrou três casos de prostituição de moças índias da
região do Ajarani. Duas contraíram doenças venéreas e foram atendidas em um hospital
de Boa Vista. Mas, depois de curadas, foram removidas pelo chefe da Funai para outra
área, dos índios makuxi. Foi “um castigo”, disse o delegado regional ao casal de antropó-
logos. Ambas regressaram depois à área yanomami. Uma delas, porém, nunca conse-
guiu se restabelecer, pois era alvo de surras e ameaças do marido e recriminações dos
parentes, o que a levava a constantes fugas para o acampamento dos operários da obra.
A fotógrafa Claudia Andujar, que desde 1971 conhecia a área yanomami e se tor-
naria uma das principais defensoras da criação do parque yanomami, localizou teste-
munhas do impacto da estrada sobre a vida dos índios. No filme que realizou baseado
em suas pesquisas de campo, Povo da lua, povo de sangue, concluído em 1982 para pro-
mover a causa da criação do parque, há o depoimento de uma mulher moradora da re-
gião do Ajarani identificada apenas como “sra. Dantas”. “Quando chegou a estrada, em
1974, eles [índios] fumaram, deram até de beber, e ficavam só andando. Aí não pararam
mais, ficaram a vida toda nesse passeio deles que não tem fim.”
Ela contou que os índios foram contaminados com curuba, o nome popular da
escabiose ou sarna, uma doença de pele causada por um ácaro que provoca interminá-
veis coceiras que escarificam todo o corpo. O fato é confirmado em ofício enviado por

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Carlo Zacquini, da Missão Catrimani, à presidência da Funai. Os operários forneciam
aos índios “roupas usadas, víveres, cigarros e toda e qualquer coisa, inclusive bebidas al-
coólicas”. “Em consequência do uso de roupas usadas, os índios estão quase todos afeta-
dos por doenças de pele (micoses etc.).”18
Em 1975, na presença do presidente da Funai, o representante da Meva confir-
mou que a fome grassava entre os Yanomami: “Tenho visto crianças anêmicas, comple-
tamente magrinhas, que têm que passar por um período de dois meses sendo tratadas
com bastante cuidado”.19

Outra importante descoberta do casal Alcida-Taylor foram os altos números da mortali-


dade causada pelas doenças trazidas pelas obras da Perimetral.

Nós vimos muitos casos sérios de influenza, e três pessoas que haviam sido le-
vadas ao hospital em Boa Vista depois morreram. Do início da construção até
a nossa chegada, 22% dos índios que viviam perto do posto da Funai haviam
morrido como consequência de doenças trazidas pelo homem branco.

Com base nos levantamentos de campo, eles chegaram ao número de 22 ou 23


Yanomami mortos após o início da construção da estrada e outros dezesseis ou dezes-
sete “dispersos”. De um total de 102 Yanomami que viviam em quatro malocas antes da
rodovia, restavam vivos entre 79 e oitenta, de acordo com a contagem de agosto de 1975.
No posto de Arapishi, dentro dessa mesma conta de 22 ou 23 mortos, os antro-
pólogos relataram que dois índios yanomami do subgrupo yawarib morreram de malá-
ria, cinco de pneumonia e um de infecção estomacal. Na maloca de Castanheira, locali-
zada a apenas 45 minutos de caminhada do leito da estrada, três índios haviam morrido
de pneumonia e dois de disenteria. Alcida e o voluntário britânico Nicholas Cape pas-
saram uma semana em atendimentos na maloca, onde encontraram os índios em esta-
do depressivo. “Em termos de moral, orgulho e autoconfiança, a imagem projetada por
esses índios não poderia ser pior. […] Geralmente, o pessoal da Funai visivelmente trata
esses índios como seus subordinados.”
Alcida escreveu ter ficado “chocada” ao visitar uma ala do hospital de Boa Vis-
ta destinada aos pacientes levados pela Funai. Ela encontrou três, deitados no chão em
tapetes sujos e rasgados. Um deles, uma índia com tuberculose, era “tão magra que a
enfermeira, obviamente inexperiente, não conseguia achar uma veia para dar uma in-
jeção”. Muito fraca e sem falar nada de português, ela não conseguia nem se sentar. Os
outros dois, um casal, pediam com insistência na língua yanomami redes de dormir, ba-
nanas e tabaco. A porta do hospital estava escancarada e dezenas de pessoas se aglome-

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ravam na entrada, curiosas, para ver os índios. “Essas eram as deploráveis condições
sob as quais uma mulher com tuberculose foi colocada, em vez de sofrer uma atenção
especial, isolada de outros pacientes.”
A mulher com tuberculose depois recebeu alta do hospital, mas quando che-
gou à Missão Catrimani verificou-se que seu estado ainda era bastante contagioso. Ela
foi removida da missão para uma aldeia, da aldeia para o posto da Funai e de novo para
a missão. Alcida disse que a mulher só começou a receber tratamento adequado pelas
mãos de Cape e do antropólogo francês Bruce Albert, que naquele momento fazia tra-
balho de campo, e aos poucos se recobrou e ganhou peso. Duas filhas dela, de cinco e
seis anos, depois foram diagnosticadas com suspeita de tuberculose e levadas ao hos-
pital de Boa Vista.
Alcida frisou que essa movimentação de doentes entre a cidade e as aldeias pu-
nha em risco todos os outros índios. A solução mais simples e correta seria, para ela, a
criação de um hospital dedicado a eles em seu próprio território, devidamente equipado
e respeitando as particularidades do modo de vida yanomami. A medida nunca foi ado-
tada, e o entra e sai de índios doentes teve consequências devastadoras para pelo menos
um grupo yanomami.
Em dezembro de 1976, um garoto yanomami doente foi atendido no hospi-
tal de Boa Vista, recebeu alta e voltou ao seu grupo wakatauteri, que habitava malo-
cas perto do rio Catrimani. Mas ele trazia no corpo o vírus do sarampo. A partir de fe-
vereiro, um violento surto irrompeu tanto na região quanto em outras malocas, pois
outros grupos de Yanomami se contaminaram durante visitas à aldeia dos Wakatau-
teri. O saldo final foi de 68 mortos, o que representava 50% daquele grupo de Yanoma-
mi. Os números e a narrativa dos fatos constam de uma entrevista concedida à revista
Veja pelo padre João Saffírio, da Missão Catrimani, que disse ter testemunhado a ori-
gem do surto e a mortandade. “Nesse momento, eu gostaria de estar morando na Ter-
ra do Fogo”, disse o padre, que comparou a situação a “mãos grossas” pegando “frágeis
borboletas”.20 O mesmo número de 68 mortes já havia sido referido em reportagem
publicada pela Folha de S.Paulo em 18 de maio de 1977. Estranhamente, porém, o iní-
cio da epidemia foi então atribuído pela Funai a “caçadores de peles”, não ao retorno
inadvertido da criança doente.
Três anos depois, o total de mortos foi corroborado em documento oficial da
Funai, que culpou de maneira direta a Perimetral Norte pela epidemia.

Abrindo acesso fácil à região [de Catrimani], a Perimetral Norte é responsável


pela epidemia de sarampo que em 1977 matou 68 indivíduos em quatro aldeias
da região do Jundiá-Lobo D’Almada. Essas mortes representam exatamente
50% da população dessas aldeias.21

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No mesmo ano da epidemia, o general Ismarth fez um raro reconhecimento do
número de mortes, embora procurando se eximir de qualquer responsabilidade. Em res-
posta a uma pergunta do deputado Ubaldo Corrêa na cpi do Índio, o general confirmou:

Deputado Ubaldo, infelizmente foi verdadeiro. Morreram 67 índios naquela re-


gião, vítimas de sarampo. Parece que a ideia era responsabilizar a Funai por es-
sas mortes. […] Aquela é uma área de missão religiosa, a área da Missão Catri-
mani. A Funai não tem nenhuma outra infraestrutura naquela área. O papel da
missão não é simplesmente religioso. Ela também tem responsabilidades pe-
rante aquela comunidade, pelo menos no campo da saúde.22

Ismarth disse que, ao saber do surto, a Funai e a Secretaria de Saúde de Boa Vis-
ta mobilizaram recursos, incluindo helicóptero, para imunizar 65 índios do alto rio Ka-
trimani e 162 índios que viviam perto da missão. O general leu uma carta do padre João
Saffírio que agradecia ao órgão pela ajuda na “trágica epidemia de sarampo que vitimou
67 índios”.
Somando o número de 67 ou 68 mortos no Catrimani aos 22 ou 23 índios mor-
tos na região do Ajarani, chega-se ao total de 89 ou 91 Yanomami eliminados em decor-
rência da estrada aberta pelo governo militar. Mas o número real de vítimas foi muito
maior. Segundo Alcida, houve outra epidemia na região do rio Apiaú, no extremo leste
do território yanomami, onde “estima-se que [no Apiaú] cerca de cem índios já teriam
morrido em meados da década de 1970, restando apenas trinta sobreviventes […]. Des-
garrados, acabaram abandonando a área e juntaram-se a outras comunidades”.23
Na região do rio Pacu, 58 índios foram atraídos para a rodovia, onde passaram
“a mendigar na estrada, nos acampamentos da Camargo Corrêa e na Missão Catrimani”,
contraindo “gripe, faringites, pneumonia e tuberculose”. Um dos doentes de tubercu-
lose, “depois de vários meses de tratamento irregular, morreu em Boa Vista em 1977”.24
Em 1976, o coordenador da frente de atração da Funai era o sertanista Sebas-
tião Amâncio. Ele viveu seis meses perto da região da Missão Catrimani, num barraco li-
berado para uso do órgão pela Camargo Corrêa. Em 2014, lembrou que “havia muita inti-
midade” entre operários e Yanomami, que costumavam frequentar sobretudo a cozinha
dos acampamentos das frentes de trabalho da empreiteira. Mas ele atribui o grosso das
mortes de índios aos contatos com os garimpeiros, não com os operários. Amâncio dis-
se que “não tinha ideia” de quantos mortos eram, mas soube que “teve muita malária,
muita hepatite”.
“A região é endêmica de malária e hepatites, particularmente o rio Ajarani. Os
índios sofriam esses problemas já de origem local, de onde estavam. Esses garimpeiros
sim não tinham cuidado com questão de saúde e podem ter levado as doenças.”25

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Mais de uma década depois, no início dos anos 1990, Amâncio foi um dos
coordenadores da Operação Selva Livre, no governo Collor de Mello. Ele voltou a viver
as mesmas cenas da década de 1970. Contou que certa vez encontrou numa picada, per-
to de Ajarani, um índio doente que vinha em sentido contrário.
“Ele estava verde [de fome]. Falou que todos na maloca tinham morrido de malária.”
“E quantos seriam esses mortos?”
“Parece que teriam sido mais de vinte. Morreu tudo de malária.”

Olhando em retrospectiva, é possível ressaltar as diversas falhas cometidas pelo regime


militar na época da Perimetral Norte, dentre outras: o próprio projeto da rodovia, de ne-
cessidade bastante duvidosa, pois foi abandonado inconcluso ainda por volta de 1976; a
falta de um hospital equipado em terras indígenas, o que reduziria o trânsito dos índios
entre Boa Vista e as malocas; e a ausência de campanhas de imunização muito antes da
chegada das primeiras turmas de desmatamento.
O trabalho de Alcida-Taylor chegou a conclusão semelhante:

Durante a administração Médici, a agência oficial para a proteção dos índios, a


Funai, nada fez para prevenir ou minimizar os efeitos prejudiciais da constru-
ção da estrada. Nenhuma equipe foi enviada antes dos trabalhadores da rodo-
via para tentar uma campanha de vacinação que poderia proteger os índios de
doenças letais como sarampo, coqueluche, tuberculose e a gripe comum, antes
da chegada dos trabalhadores.26

Segundo o estudo, só depois que a estrada foi aberta por cerca de cinquenta
quilômetros e já tinha atingido três malocas na região do rio Ajarani é que “um pos-
to da Funai foi criado em agosto de 1974 perto da rodovia na margem direita do rio
Ajarani, com objetivo de ‘atrair’ os Yanomami e providenciar a eles remédios e pro-
dutos alimentícios”.
Quando foi ouvido no Congresso Nacional sobre essas falhas em 1977, Ismarth
contemporizou, simplesmente culpando o índio pelos problemas.

Ninguém consegue segurar o índio numa determinada área. O índio tem liber-
dade para se locomover. Ele burla toda e qualquer vigilância para fazer qual-
quer contato que ele queira. Isso ocorre não só em áreas da Funai como tam-
bém em áreas de missões religiosas.

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Ele escondeu dos deputados federais o que tinha revelado dois anos antes, du-
rante a reunião do Conselho Indigenista, quando afirmara haver “falta de entrosamen-
to” entre os órgãos federais.

Os problemas e as omissões da União, para infortúnio dos Yanomami, não pararam por
aí. Em 1970, os militares lançaram, a princípio com outro nome, o projeto Radambrasil,
sob o controle do Ministério de Minas e Energia e do Departamento Nacional de Pro-
dução Mineral (dnpm). O objetivo era realizar um levantamento sobre as potencialida-
des naturais “de uma área aproximada de 1,5 milhão de quilômetros quadrados, locali-
zada na área de influência da Transamazônica e da bacia sedimentar do Maranhão”. O
trabalho consistia em varrer o território nacional com aviões equipados com um siste-
ma conhecido como Side Looking Airborne Radar. O estudo resultou em 555 mosaicos,
produzidos por uma equipe de 702 profissionais, sendo 306 técnicos de nível superior,
como geólogos, geógrafos e engenheiros agrônomos.27
No primeiro bimestre de 1975, o projeto Radam detectou sinais importantes
da presença de minérios na área yanomami, perto da missão de Surucucus. Desde os
anos 1960 funcionava ali uma pista de pouso para aviões da fab, que passou a ser usada
pelo pessoal do Radam. A informação não foi tratada como secreta, pelo contrário, aca-
bou sendo trazida às claras ao público pelo próprio governo. Em 26 de fevereiro de 1975,
o Ministério de Minas e Energia divulgou uma nota para anunciar a descoberta de “im-
portantes ocorrências de anomalias radioativas” na região de Surucucus. A notícia foi
confirmada pelo chefe do dnpm, Acyr Ávila da Luz.28
Ainda em fevereiro, o governo organizou uma caravana de ministros à região,
ciceroneados pelo governador do território de Roraima, o coronel Fernando Ramos Pe-
reira. Em entrevista, o governador disse que as perspectivas de exploração do urânio
eram “ótimas” e que “acompanhando urânio há sempre ouro”. Ele acusou os índios de
atrapalharem Roraima: “Sou de opinião que uma área rica como essa não pode se dar ao
luxo de conservar meia dúzia de tribos indígenas atravancando o seu desenvolvimen-
to”.29 Como a declaração causou certa controvérsia, dias depois o governador tratou de
explicar que atuava em sintonia com a Funai. Mas não desmentiu os termos da sua pri-
meira afirmação. Em nota, procurou minimizar a presença dos índios, dizendo que não
passavam de “trezentos ou quinhentos silvícolas”.30
No final de março, o ministro do Interior Rangel Reis deu entrevista em Brasí-
lia na qual não só confirmou a existência de minérios “na serra de Surucucu” como avi-
sou que os “poucos índios” poderiam ser retirados das áreas das descobertas, em espe-
cial Surucucus, “onde o urânio foi comprovado”.31

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Poucas semanas após os primeiros anúncios estrondosos do governo, os ga-
rimpeiros começaram a penetrar nas selvas do platô de Surucucus. O estímulo de-
terminante dos anúncios públicos dos governantes para a invasão do território ya-
nomami — àquela altura completamente desprotegido do ponto de vista legal, sem
demarcação ou homologação pela União — foi reconhecido poucos anos depois em
um plano de metas do próprio presidente da Funai na época, o oficial aviador Paulo
Moreira Leal.

Um segundo impasse para esses grupos [yanomami] ocorreu com a divulga-


ção do potencial mineralógico da região, identificado pelo Projeto Radambra-
sil, que exerceu forte estímulo a nova frente de penetração indiscriminada de
não índios no território yanomami, resultando no agravamento do quadro ins-
talado poucos anos antes.32

Em 23 de março de 1975, Alcida e Taylor encontraram os primeiros seis ga-


rimpeiros em atividade. Eles haviam encontrado cassiterita, mineral que permite a
obtenção do elemento químico estanho. Os homens foram instruídos a aguardar o dia
seguinte, quando chegaria o presidente da Funai, que os alertaria sobre a infração às
leis que proibiam a entrada, sem autorização, de “civilizados” em áreas indígenas. No
dia seguinte, porém, Ismarth esteve com os garimpeiros, mas nada fez para retirá-los
do lugar. Taylor disse ter pressionado o general. “Naquele mesmo dia, quando eu ex-
pressei minha perplexidade sobre ele nada ter feito para remover aqueles garimpeiros
de Surucucu, ele se desculpou afirmando que o local ainda não era formalmente defi-
nido como uma área indígena.”33
Até outubro, cerca de duzentos garimpeiros já haviam chegado a Surucucus.34
No começo de 1976, esse número havia dobrado e eles já estavam “em contato esporá-
dico com os indígenas”.35 Em fevereiro do mesmo ano, os garimpeiros já tinham aberto
dois campos de pouso de terra batida, um com quinhentos metros de extensão e outro
com 420. A Funai contou nove grotas de garimpagem e concluiu, com base em depoi-
mentos dados por escrito pelos próprios trabalhadores, que a invasão era financiada
pela firma Mineração Além Equador Ltda. Entre eles, encontrou 35 casos de gripe e fe-
bre. Para a Funai, a empresa estava “matando de doenças e desnutrição os garimpeiros”.
Para alimentar um grupo de quinze garimpeiros por uma semana, por exemplo, havia
apenas sete quilos de arroz, sete de farinha, três de açúcar e doze latas de carne em con-
serva. Isso os levou a trocarem suas coisas, incluindo armas de fogo e roupas, por comi-
das fornecidas pelos Yanomami, aumentando o risco de epidemias.36

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Peri Yanomami era criança na região do rio Catrimani quando chegou a obra da Perime-
tral. Ele se lembra de várias reuniões do grupo para discutir as mortes causadas por
doenças. Depois ouviu as histórias de seus pais sobre grandes surtos.

Quando invadiram essa área por causa dessa estrada começou morrer mui-
to “parente”, a área inteira, sabe. Morreu de gripe, de “tubeclose”, de malária.
Quando fiquei grande, minha mãe e meu pai contavam como que os antigos
morreram. […] Depois eu ajudei os “parentes” e comecei a perguntar como foi
que chegou a doença. Eles disseram: “Peri, começou a chegar a doença da cida-
de”. A nossa doença era feito o mal espiritual, de parente pajé. Mas isso tinha
cura. Quando o “parente” enfeitiçava outro “parente”, o pajé curava. Quando a
cobra mordia o “parente”, o pajé curava também. Mas quando pipocou a “ma-
rária”, aí não teve como o pajé curar.37

Durante a obra, Peri foi entregue pelos pais a uma família de “civilizados” para
escapar das doenças. Quando completou treze anos, voltou para a área yanomami. Ali
encontrou os primeiros garimpeiros em atividade. De início acreditou na conversa de-
les, que prometiam “construir hospital, médico, funcionário” e também aposentadoria
para todos os índios. “Aí nos fomos acreditando, acreditando. O tuxaua deixava passar.
Passava quatro barcos, cinco barcos de garimpeiros.”
Mas o tempo corria e nada da sonhada aposentadoria. Peri e outros índios co-
meçaram a pressionar os garimpeiros.

Eles diziam: “Peri, não tiramos o ouro ainda”. Mentira, tudo mentira. Os ga-
rimpeiros transmitiram as doenças que a gente nem entende, herpes. Eles
“permitiam” para as meninas novas davam as comidas, perfume, bolacha. Aí
a mulher acreditava e dormia com os garimpeiros. Por todo o lugar tem filho
de garimpeiro.

Em 1976, a atividade do casal Alcida-Taylor em território yanomami começou a inco-


modar os militares da Funai. O casal estava produzindo um testemunho de grande
valor histórico sobre a mortandade provocada pela Perimetral Norte. Além disso, co-
meçou a atuar na contenção da primeira grande invasão de garimpeiros na região de
Surucucus.
O governo militar aceitou que uma firma de extração mineral, a Icomi, contro-
lada pela empresa norte-americana Bethlehem Steel Corporation,38 fizesse uma parce-
ria com o Ministério de Minas e Energia, com autorização da presidência da Funai, para

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realizar uma pesquisa geológica em Surucucus. A vacinação em massa dos Yanomami
tornou-se “de extrema urgência”. Taylor pediu duas vezes formalmente à 10a Delegacia
da Funai, em Manaus, a cessão de uma única atendente de enfermagem, “treinada na
aplicação da vacina bcg”, mas a autorização foi negada nas duas vezes.39
Taylor começou a ser procurado “constantemente por garimpeiros” querendo
permissão para entrar na área de mineração, “pilotos, representantes de firmas de tá-
xi-aéreo, homens de negócios interessados na exploração de recursos natuais na área
indígena”, enfim, o território yanomami virou de vez objeto de cobiça de todo tipo de
aventureiro e explorador. O antropólogo informou à Funai que esses grupos eram es-
timulados por declarações controversas do próprio governador do território de Ro-
raima, o coronel Fernando Ramos Pereira. Taylor ouviu de outro coronel do Exército,
“recentemente contratado como superintendente” de uma firma de mineração, que o
governador havia lhe dito dias antes que “a área em questão ‘não é área indígena’”. Em
nota oficial, o governo do território afirmou que havia tão somente “de trezentos a qui-
nhentos silvícolas na região”, em quatro ou cinco malocas. Taylor correu para o gabi-
nete do governador para lhe mostrar mapas da região e asseverar que num raio de ape-
nas cinquenta quilômetros da sede da missão evangélica Meva havia na verdade 46
malocas, com pelo menos 2,3 mil índios.40 O antropólogo também procurou a fab para
denunciar que dezesseis voos clandestinos foram feitos em apenas doze dias para a
região de Surucucus, ao que tudo indicava levando garimpeiros. A fab enfim reagiu de-
terminando a proibição de novos voos.41
Em junho de 1976, a antropóloga Isa Maria Pacheco Rogedo foi enviada pela
Funai de Brasília para fazer uma avaliação do Plano Yanoama. Em Boa Vista, ela encon-
trou três servidores do órgão, incluindo um sertanista, “completamente desorienta-
dos”, declarou-se “espantada” com a “anarquia, ineficiência, ociosidade, desinteresse,
irresponsabilidade e desonestidade” da chefia da Funai em Manaus e confirmou que
havia um sério desentendimento entre o delegado Adolpho Kilian Kesselring e Taylor.
“O primeiro absolutamente desinteressado da problemática indígena, o segundo lu-
tando sozinho contra autoridades territoriais e da Funai que viam no índio um entra-
ve ao progresso.”42
Em contrapartida, Kesselring disse à presidência da Funai que Taylor manifes-
tava “arrogância desnecessária e contraproducente” e tinha “caprichos de um estran-
geiro que se diz o dono da Funai”. Teria sido “deselegante com as autoridades locais, go-
vernador, comandante do bec, do bef”. Em suma, a convivência entre as duas principais
autoridades de assistência aos Yanomami em Boa Vista era desastrosa.43
Isa Maria manifestou sua contrariedade em relação à obra da Perimetral
Norte, àquela altura já paralisada, mas com a promessa de ser retomada em breve. Ela
se perguntava “para onde levará a estrada, que atravessa tão somente territórios indí-

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genas”. Ao verificar as condições de trabalho do posto da Funai na região, ela chegou a
conclusões que em nada ficam a dever aos piores momentos do extinto spi. Os milita-
res repetiam os mesmos erros tão condenados apenas uma década antes.

O sertanista, sr. [Francisco] Bezerra, foi jogado na área, sem nenhuma condi-
ção para subsistir. Morando em uma casa de pau a pique, que o próprio cons-
truiu, coberta com uma lona que lhe foi emprestada pelos policiais que estão
atualmente na área, sem rádio, que só foi levado conosco. Enfim, é revoltante
[ver] as condições nas quais a Funai coloca seus funcionários.

A antropóloga afirmou que seria impossível a Funai deter a escalada da inva-


são garimpeira. Assim, sugeriu convênios com duas firmas exploradoras para tentar
imprimir alguma racionalidade e controle sobre a entrada e a saída de “civilizados”. Em
troca, estes pagariam uma taxa para ser revertida ao Plano Yanoama. Por fim, concluiu
que “é necessário, é urgente, é vital para os índios” a imediata interdição “de todo o ter-
ritório yanomami”.
Em maio de 1976, Taylor já não era mais contratado pela Funai, embora se pu-
sesse à disposição para colaborar no plano Yanoama.44 A Funai de Brasília “declarou que
havia recebido ordens de autoridades superiores para interromper o trabalho” do an-
tropólogo em Roraima desde fevereiro, supostamente por ser ele um “estrangeiro numa
zona de fronteira, por definição uma ‘área de segurança nacional’”.45 Aos poucos, os ou-
tros membros do projeto foram sendo desligados ou pedindo desligamento, até a com-
pleta paralisação dos trabalhos.
Em 23 de novembro de 1976, a chefia da 10a Delegacia Regional da Funai, em
Manaus, pediu a Brasília que proibisse o ingresso de Alcida na área dos índios mayon-
gong, em Roraima, “em virtude da atuação negativa junto aos índios yanomami”. O pre-
sidente da Funai, de fato, “determinou a sua retirada da área, bem como de seu compa-
nheiro sr. Taylor”.46 Não foi descrita, porém, que “atuação negativa” teria sido essa.
As consequências da suspensão do Plano Yanoama foram imensas para os Ya-
nomami, sobre os quais desabou uma catástrofe a partir dos anos 1980. O governo mili-
tar se mostrou incapaz de proteger o território e a integridade dos índios. A área foi in-
vadida por milhares de garimpeiros.

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13. COMO SE FOSSE UM NEGATIVO

os interesses do governo na região de influência da Perimetral Norte levaram à


intensificação de contatos com outra etnia tão ou mais resistente que os Arara no caso
da Transamazônica ou que os Waimiri-Atroari no caso da br-174: os Korubo. Como reve-
lou muitos anos depois o sertanista Sebastião Amâncio, “grupos de empresários da re-
gião do Alto Solimões procuraram a 1a Delegacia Regional da Funai”, em Manaus, então
comandada pelo general Antônio Esteves Coutinho, para pedir ações que freassem “in-
cursões de índios isolados contra madeireiros e seringueiros” na região do rio Itacoaí, no
Amazonas.
Por terem matado vários “civilizados” com golpes de borduna ou porrete no
crânio, os Korubo eram conhecidos como “caceteiros”. Eles simbolizaram, durante mui-
tos anos, a resistência mais impressionante e violenta aos “civilizados” em todo o vale do
Javari. Em um estudo dos anos 1990 igualmente válido para os anos 1960, 1970 e 1980, a
Funai os definiu como “uma sociedade em guerra”.1
Fortes, de pele “morena, estatura média, dentes perfeitos, corte de cabelo meia
cuia na frente e atrás somente rebaixado”, os Korubo costumavam se pintar de vermelho
com urucum, adornavam o pênis com palha, voltado para cima, e usavam pulseiras de
seda de tucum.2 Eles defendiam suas terras com extrema persistência.
A Funai atribuiu aos Korubo a morte, em 1965, de três “civilizados” emprega-
dos do fazendeiro Flávio Azevedo perto do igarapé Marubo. O segundo conflito conhe-
cido ocorreu em 1968, na localidade de Volta do Perigo, quando eles atacaram, mata-
ram e arrancaram as carnes de um seringueiro, para assustar os moradores da região,
“deixando apenas a ossada”, além de sequestrarem uma menina “alourada”. No ano se-
guinte, os Korubo raptaram mais duas crianças, Isa Lucas e Vera Lúcia Ângulo, ambas
com nove anos. Em 1970, mataram a cacetadas outro seringueiro.3 Esses eventos, alia-
dos às pressões dos empresários e aos planos da Perimetral Norte, levaram a Funai a
se instalar na região, com a abertura de quatro frentes de atração, nos rios Ituí, Bran-
co, Itacoaí e Curuçá.4

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Em contrapartida, há diversos relatos de que os Korubo também foram víti-
mas de “civilizados” ao longo do século, o que ajuda a explicar sua belicosidade e os ata-
ques que visavam a causar pânico no entorno de sua terra tradicional. Há o registro, por
exemplo, de que nos anos 1920 um parente do comerciante Oscar Gomes e outros traba-
lhadores roubaram bananas e abacaxis de uma roça de índios isolados, possivelmente
os Korubo. Eles então vieram tomar satisfações, dando origem a um sangrento choque
que teria resultado na morte, a tiros, de “quarenta e poucos índios”. A história foi conta-
da pelo próprio Gomes aos antropólogos Delvair e Júlio Melatti.5
A Funai instalou seus postos de atração em 1972. No final desse ano, sofreu o
primeiro ataque dos índios, que feriram uma funcionária e incendiaram um tapiri. Em
agosto de 1974, os Korubo fizeram o mais grave ataque até então, matando com golpes
na cabeça o servidor da Funai Sebastião Bandeira e ferindo outro, Bernardo Müller, que
conseguiu escapar “atirando-se às águas do rio” Itacoaí.6 Na época, a imprensa e a enti-
dade chamaram os índios de “Marubo” e “Mayoruna”, outras etnias do Javari, mas de-
pois a Funai concluiu que os ataques partiram mesmo dos Korubo.7
Em 24 de novembro de 1974, um grupo de Korubo manteve um encontro amis-
toso com membros da frente de atração da Funai em Atalaia do Norte, denominada Ma-
rubo e chefiada pelo técnico indigenista Valmir de Bastos Torres, então com trinta anos.
Ao longo de todo o dia, os índios se deixaram fotografar e aceitaram brindes “com mui-
ta alegria”. Por meio de sinais, combinaram regressar ao local dali a “três luas”, ou seja,
três meses. Torres, segundo ele a contragosto, entrou de férias nesse período. Os índios
foram então recepcionados na data combinada por outro servidor, Bernardo Müller. A
Funai cometeu o desatino de escalar para a atração o mesmo indigenista que já havia es-
capado da morte, pelas mãos dos mesmos índios, no ano anterior. O encontro teve um
desenlace muito ruim. Segundo Valmir, quando os índios se aproximaram com maca-
cos e “outros brindes”, Müller “foi atacado por uma crise nervosa e passou a soltar fogue-
tes em direção” a eles, que fugiram assustados. Meses antes, Valmir disse ter descoberto
que a Funai distribuíra fogos de artifício aos servidores da frente “para que fossem deto-
nados dentro da mata”. Os servidores tinham muito medo dos Korubo.8
Na manhã de 6 de novembro de 1975, portanto nove meses depois que a Funai
afugentou os Korubo, o que lhes causou “grande confusão no espírito”, um grupo vol-
tou a aparecer nas proximidades do posto. Torres e seu colega sertanista Jayme Sena
Pimentel cruzaram o rio Itacoaí em direção aos índios. Não havia brindes no posto, por
isso Valmir levou suas coisas de uso pessoal, como “pratos, panelas, colheres, garfos, ca-
necos”. Ao chegar à margem oposta, o técnico indigenista pediu que dois funcionários fi-
cassem “na retaguarda”, enquanto ele e Pimentel caminharam em direção aos índios. Os
Korubo, porém, “em grande número”, os receberam com golpes de borduna e lança. Val-
mir conseguiu escapar e se jogou no rio, enquanto Pimentel foi cercado e massacrado.9

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O que aconteceu em seguida é uma narrativa disputada por diferentes perso-
nagens, que com versões conflituosas colaborou para produzir um dos maiores misté-
rios do indigenismo nos anos da ditadura.
No ano 2000, uma reportagem do jornal O Globo, do jornalista Amaury Ribeiro
Jr., denunciou que índios que trabalhavam com a Funai na época afirmaram que Valmir,
logo após escapar da morte, determinou que todos usassem suas armas de fogo contra
os Korubo para vingar a morte de Jayme, o que teria causado um massacre de índios à
beira do rio.10 A comissão de sindicância aberta pela Funai para apurar o caso acabou
por inocentar Valmir Torres. A procuradoria do órgão decidiu pelo arquivamento, pois
“os depoimentos colhidos, bem como os documentos juntados aos autos, não apontam
nenhum indício de que houve massacre dos índios korubo, muito menos por responsa-
bilidade do servidor acusado [Valmir]”. Em 1975, ao apurar as circunstâncias da morte
de Pimentel, a Funai também já havia absolvido Torres, que depois ocuparia cargos de
chefia na região.

Teriam sido os relatos sobre a chacina uma fantasia, um grande engano?


Os documentos e depoimentos coletados nas duas investigações, de 1975 e de
2000, guardam pelo menos uma contradição. Em relatório que escreveu em 2000, Tor-
res afirmou que, quando houve o ataque dos índios, “nada tinha nas mãos e vestia calção,
camiseta e tênis”. Mas quando prestou depoimento em 1975 disse que “ainda teve tempo
[de] efetuar disparo para cima”, ou seja, ele portava uma arma de fogo. Outro funcioná-
rio da Funai, Epitácio José Barboza Filho, que assistiu a tudo do outro lado do rio, contou
ter ouvido “cerca de oito disparos de arma de fogo (revólver) detonados por Valmir e Jay-
me, durante o ataque dos índios, […] presumindo que os disparos foram efetuados para
cima”. Outro servidor, Victor Batalha, que de cima de uma árvore no outro lado do rio viu
a morte de Pimentel, ouviu “claramente o pipocar de três tiros, não sabendo precisar se
partiram de Valmir ou de Jayme nem tampouco sabe dizer se algum índio saiu baleado”.
Mas essa contradição é ainda pequena diante de outro documento. Um relató-
rio guardado no Arquivo Nacional que não veio a público na época dos fatos nem antes
deste livro oferece uma versão impressionante sobre o episódio. Sob a inscrição “Cópia
de fita gravada”, a asi da Funai, o braço do sni no órgão, arquivou um depoimento pres-
tado pelo trabalhador braçal José Latino Tenazor no dia 14 de abril de 1976, portanto
seis meses após a morte de Pimentel. Tenazor, que tinha 27 anos, já havia sido ouvido
na investigação interna da Funai de 1975, quando foi identificado como “servidor da Fu-
nai/Coama”, atuando no posto de atração de Marubo. Na primeira ocasião, Tenazor dis-
se apenas que ouviu “diversos disparos de armas de fogo, efetuados por Valmir e Jayme”,
mas não soube dizer “se algum dos índios foi atingido”.

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Seis meses depois, porém, Tenazor contou outra história, tão diferente quanto
assustadora. Para prestar esse depoimento, ele foi localizado em sua casa em Atalaia do
Norte por um servidor da Funai de Manaus chamado Flávio Gomes Pereira, que fora en-
viado à cidade como “representante” da asi, como confirmou em ofício o então chefe da
asi de Brasília, Ary Luz Lima, a fim de cumprir “um Pedido de Busca” sobre a presença
de missionários da mntb e também “sobre a morte de um elemento pelos índios do alto
rio Ituí”. A conversa entre Flávio e Tenazor foi acompanhada por outro servidor, Nilo Pe-
reira. Tenazor começou dizendo que na manhã da morte de Pimentel estava ajudando a
fazer uma casa no posto de atração, em companhia de Victor Batalha, quando os Korubo
apareceram do outro lado do rio. De lá ele viu a travessia do grupo da Funai, o ataque dos
índios e também ouviu “oito tiros” dados por Valmir e Jayme. Em seguida, ele, Batalha
e mais três pessoas, Apuí, Epitácio e Manuel Mendes, atravessaram o rio para socorrer
Valmir, que por sua vez apareceu correndo em direção ao grupo. Valmir teria ordenado
aos companheiros que abrissem fogo contra os índios, o que foi cumprido.
Pereira observou que a versão dada antes por Tenazor era inteiramente diver-
sa e que o relatório final da sindicância “distorcia os fatos”. “Você foram coagidos para
falar somente o que a comissão dissesse?”, indagou. Tenazor reconheceu que os depoi-
mentos foram combinados e corrigidos pelo então responsável pela investigação, que
também trabalhava na Funai da região. “Eu fiz isso porque todos tinham dito por uma
boca só, eles já tinham conversado tudo […]. Quando eu fui dar o depoimento, ele disse
‘Você diz assim’, aí eu ia dizendo tudinho.”

Tanto a fita gravada quanto a transcrição não apareceram nas apurações da Funai de
2000. Também não há nenhum registro de que a fundação ou outro órgão do governo fe-
deral tenha desencadeado novas investigações ou processos a partir do relato de Tenazor.
Em março de 2015, parti em busca da testemunha-chave. A partir de informa-
ções precisas repassadas pelo chefe da Funai no vale do Javari, Bruno Pereira, encontrei
Tenazor em uma colônia de pescadores a cerca de quarenta minutos de barco da cidade
de Atalaia do Norte. Ele a princípio recebeu-me com desconfiança. Indagou se seu de-
poimento não iria lhe “trazer problemas”. Por fim, aceitou contar a sua história.
Nascido em julho de 1947 em São Paulo de Olivença (am), na região de Alto Soli-
mões, Tenazor chegou criança com os avós ao município de Atalaia, onde primeiro tra-
balhou como seringueiro. Adulto, soube de uma vaga na Funai e se tornou motorista do
órgão. Integrou a frente de atração chefiada por Valmir.
Em novembro de 1975, era um dos funcionários da Funai que, do outro lado do
rio, acompanhavam a tentativa de Jayme e Valmir de manter contato amistoso com os
Korubo. Tenazor viu ambos com revólveres e apitos. Ninguém sabia, mas os índios es-

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tavam escondidos no mato. Quando sertanistas chegaram ao tronco caído no meio da
roça, um garoto índio se aproximou. Ato contínuo, os índios saíram da mata e cercaram
os dois. Na fuga, segundo Tenazor, Valmir teria derrubado um índio com um tiro.
Em socorro a Valmir, o pessoal da Funai, incluindo Tenazor, decidiu atravessar
o rio. Eles estavam com “nove ou dez armas”. Tenazor pegou uma espingarda e uma cai-
xa de balas e começou a remar. Ao chegar à outra margem, porém, um índio da equipe
chamado Apuí pegou a espingarda e subiu o barranco, deixando-o desarmado. Valmir
então aproximou-se, armado com um revólver.
Segundo Tenazor, quando ele conseguiu galgar o barranco e chegar à roça, deu
de cara com uma cena caótica e sangrenta. O pessoal da Funai disparava suas espingar-
das e o ar estava carregado de fumaça da pólvora detonada. À sua direita, um índio com
“uma cara redonda, a cara de uma onça”, levantou seu cacete contra um funcionário, mas
outro atirou no rosto do índio, que girou, “abraçou” uma árvore e deslizou para o chão.
Metros adiante, Tenazor disse ter visualizado outro índio, “bem moreno”, com
“o cabelo bem quebrado”. Este, segundo ele, “era o mandão”, pois com um cajado e posi-
cionado em um morrinho de terra parecia ordenar as ondas de ataque dos índios contra
o pessoal da Funai. Um tiro derrubou o Korubo.

Eu não sei de onde saiu aquele tiro. O senhor sabe, os índios não gritavam, não!
Não gritavam, não! Acho que estavam drogados, um negócio até aqueles índios,
aqueles animais, ave Maria, sei lá. [Mas] esse mandão acho que era um civiliza-
do. Quando o chumbo bateu lá, ele gritou.

“O que o Valmir fazia nessa hora?”, eu quis saber de Tenazor.


“O Valmir só disse assim, quando estava aflito, lá dentro d’água: ‘Pô, mata ao
menos um que é para vingar a morte do homem’. Só disso que ele falou. Mas depois ele
revogou [a ordem]. ‘Não, pô, atira para cima’.”
“Quantos índios o senhor acha que morreram?”, indaguei.
“Caído, caído mesmo, só aquele. Agora, só que por onde eles passavam, assim
por aqueles paus, [deixaram] aquele merdeiro de sangue. Eu não podia ir mais porque
eu tinha medo. Se eu fosse mais, eles iam me bater e eu só com dois [cartuchos].”
“O senhor acredita que quantos tiros foram dados no total?”, perguntei.
“Tinha doze caixas de bala. Uma caixa tinha 25 cartuchos. Tinha doze caixas
de cartucho. Acho que não sobrou nada.”

Valmir Torres dedicou quase toda a sua vida aos índios. Até depois de sua aposentadoria
na Funai, solicitada em 2014 ao cabo de mais de 45 anos de serviços prestados: ele cos-

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tuma atender índios em sua própria casa em Tabatinga, orientando-os sobre aposenta-
doria e outros processos burocráticos. Os ex-colegas de trabalho chamam a casa de Val-
mir ironicamente de “o Anexo da Funai”. Valmir é um homem baixo, forte e ativo. Vai de
moto com frequência à terra indígena Umariaçu, a poucos quilômetros do centro da ci-
dade, muitas vezes funcionando como “indigenista do Judiciário” para casos de violên-
cia ou brigas de casais entre os índios tikuna. A droga e a bebida, adquiridas sem res-
trições em Tabatinga, são dois dos maiores combustíveis de desavenças na aldeia. Ele
costuma ser chamado às pressas para servir de apaziguador ou de intérprete. Pelo me-
nos uma vez, um juiz determinou que um índio ficasse “preso” na casa de Valmir, até se
recuperar dos efeitos da bebida.
A trajetória de Valmir se entrelaçou com a dos índios pouco tempo depois da
criação da Funai, no final dos anos 1960. Nascido em janeiro de 1945 em Barra do Ma-
ratuã, hoje Nossa Senhora dos Remédios, no Piauí, em uma família de quinze crianças,
Valmir mudou-se para Brasília por volta de 1966, onde se matriculou no Colégio Agríco-
la. Em 1968, os estudantes entraram em conflito com a ditadura. O prédio foi cercado
por policiais militares e pelo Exército, que ameaçavam uma invasão. Os alunos escolhe-
ram dois colegas para saírem às escondidas, pedir ajuda a parlamentares no Congresso
e denunciar que os alunos estavam sitiados, com energia elétrica e água cortados. Val-
mir era um deles. Após atravessarem uma mata, pegarem carona e chegarem à Câmara,
foram levados à presença do então deputado federal José Sarney. Segundo Valmir, Sar-
ney “não quis se envolver” e limitou-se a lhes dar uns trocados para comerem alguma
coisa. Valmir disse que ele e seu amigo rejeitaram o dinheiro. Mais sorte tiveram com o
deputado monsenhor Manuel Vieira, da Arena de Patos (pb). O parlamentar foi ao colé-
gio e, na volta, passou a denunciar na tribuna a ação dos militares.
Passada a crise, o deputado chamou o estudante à sua sala e o convidou a traba-
lhar como técnico agrícola em um núcleo de colonização perto da Transamazônica. An-
tes, chamou-o para uma viagem à ilha do Bananal. Lá Valmir disse ter visto índios, os Ka-
rajá, pela primeira vez na vida. Ele então disse ao deputado que, se fosse para trabalhar
no governo, queria entrar na Funai. Poucos dias depois, o deputado levou-o à presença
de Queirós Campos, que lhe deu a missão de levar assistência aos índios xavante em Nova
Xavantina (mt). A seguir Valmir participou do primeiro curso de indigenismo, em 1970, e
atuou no Amazonas com os índios saterê-mauê. Por volta de 1972, passou a trabalhar com
os índios tikuna em Tabatinga. O Exército era a presença mais forte do Estado brasileiro
na cidade. Segundo Valmir, o seu primeiro atrito com o comandante do quartel, o coro-
nel Water Berg, ocorreu quando ele resolveu dizer ao militar que suspendesse sua ordem
de mandar cortar os cabelos de todo índio tikuna que fosse preso fazendo algo errado.
Meses depois, o indigenista Porfírio Carvalho, que atuava na Coama em Ma-
naus, orientou Valmir a notificar todos os “civilizados”, cerca de sete famílias, que ocupa-

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vam sem querer a terra dos Tikuna, dando-lhes um prazo para deixarem o local. Porém,
os colonos recorreram ao coronel e nada aconteceu. Até que Valmir reuniu cerca de qua-
renta guerreiros tikuna e cercou algumas casas de invasores, dando-lhes um ultimato,
que enfim foi respeitado — eles deixaram a terra indígena. Dias depois Valmir foi levado
à presença do coronel. Segundo o servidor da Funai, o coronel disse que já tinha prepa-
rado um relatório a ser enviado ao sni, em Brasília, no qual acusaria Valmir de insuflar
os Tikuna contra o governo militar. Uma equipe da Funai foi a Tabatinga apurar a de-
núncia. Ao final de uma reunião, o coronel disse que não queria mais Valmir na região
nem mais um minuto. O sertanista pegou suas coisas no mesmo dia e deixou a cidade,
orientado pelo órgão a se dirigir ao vale do Javari, onde deveria assumir os trabalhos de
tentativa de contato com os índios korubo.
Perto do rio Itacoaí, Valmir reativou o posto indígena conhecido como Maru-
bão, que já havia sido atacado duas vezes pelos Korubo. Durante um ano, disse, fez cami-
nhadas solitárias na mata, tentando manter contato com algum Korubo e distribuindo
presentes em tapiris. Com paciência e persistência, fez “o primeiro contato pacífico da
Funai com os índios korubo”, segundo define. Quando as coisas pareciam evoluir bem,
houve as férias de Valmir e a atitude desastrosa de outros funcionários de soltarem fo-
gos perto dos índios, o que gerou um retrocesso na estratégia de atração. Os índios não
fizeram mais aproximações.
Meses depois, Valmir recebeu a visita de Jayme Pimentel, servidor da Funai
que estava de férias e apenas passava pela região em direção a Belém. O órgão havia dito
a Pimentel que logo depois do descanso fosse se unir a Valmir na frente de atração, e ele
resolveu conhecer mais a região antes de assumir a nova função. Certa manhã, ele pro-
curou Valmir para lhe dizer que deveriam cruzar o rio a fim de checar o boato de que
um Korubo havia sido visto na mata na noite anterior. Valmir disse que boatos assim
eram comuns na região, mas não vinham sendo confirmados. Pimentel, segundo Val-
mir, insistiu, e então decidiu-se que iriam de canoa à outra margem do rio, onde havia
um roçado. Ao centro, o tronco caído de uma imensa árvore. Os dois caminharam cer-
ca de oitenta metros e resolveram subir no tronco para ter uma visão melhor da área,
com Valmir à frente.
Ao centro, o tronco caído de uma árvore outrora imensa. Após caminharem
cerca de oitenta metros, os dois subiram no tronco para ter uma visão melhor da área.
Nesse instante, Valmir disse ter visto, “pelo canto do olho”, um índio levantar um porre-
te para atingi-lo. “Tenho até hoje na minha mente gravado, como se fosse um negativo,
não sai.” Ele conseguiu pular e o porrete atingiu o tronco, arrancando lascas de madeira.
Valmir olhou para a beira do rio e a viu toda tomada, “vermelhinho de índio” —
os Korubo passavam urucum no cabelo. Então decidiu correr no sentido contrário, para
dentro da mata. Ele estava de tênis, mas Jayme usava botas de cano longo, daquelas que

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vão até o joelho, para se proteger de picadas de cobras. Por isso Jayme não conseguiu dar
muitos passos, foi alcançado, derrubado e massacrado pelos caceteiros.
Valmir tentou a corrida desesperada, com índios no seu encalço. De repente
topou com três deles parados à sua frente, separando-o da mata. Ele viu que dois usa-
vam cacete e o do meio estava com uma lança. Porém, a ponta da arma estava com uma
capa protetora, feita de palha ou folhas de bananeira. No instante em que o índio come-
çou a desencapá-la, o sertanista decidiu saltar na sua direção, aproveitando os milési-
mos de segundo proporcionados pelo embaraço do Korubo. Valmir ganhou a mata. Após
conseguir uma distância segura, deu uma volta até encontrar as águas do rio, nas quais
se atirou e nadou até encontrar o apoio dos colegas da Funai.
Na versão de Valmir, ele não estava armado nem deu tiros contra os índios en-
quanto era perseguido — fugiu porque correu muito. Também não instigou ninguém a
matar índios para “vingar” a morte de Jayme. Negou ter distribuído armas aos colegas.
E afirmou que não se recorda de ter trabalhado com Tenazor, a quem, por nome, disse
não reconhecer. Acrescentou, por fim, que foi inocentado em duas ocasiões por inves-
tigações da Funai.

Na entrevista que me concedeu, Tenazor disse ter tido a impressão de que Valmir se ar-
rependeu tão logo os tiros começaram e que a matança foi ordenada como uma resposta
tresloucada, que saiu do controle, à morte de Pimentel. Tenazor disse que naquele mes-
mo dia ajudou a retirar a roça e a enterrar o corpo de Pimentel. Do outro lado do rio, os
índios também passaram a noite lamentando seus mortos.
“Era uma choradeira, foi a noite inteira. Eram 3 [mil] ou 4 mil índios. Eu não sei
onde estão esses índios, os Korubo. Hoje são tão pouquinhos.”

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14. ESTE BELO PAÍS

a cerca de 1700 quilômetros ao sul de atalaia do norte, em áreas indígenas lo-


calizadas entre o território federal de Rondônia e o estado de Mato Grosso, uma crise
de saúde explodiu na primeira metade da década de 1970. Mais uma vez a crise tinha re-
lação com a política dos militares de expansão de agricultura na Amazônia e expunha as
dificuldades do governo em lidar com o direito dos índios de permanecer em suas terras.
O governo procurava atrair grupos econômicos para a exploração de solos fér-
teis na região. Porém, ainda havia muitas dúvidas sobre os limites das terras ocupadas
pelos indígenas. O governo teve que criar um mecanismo para acalmar o agronegócio
e dar uma sensação de segurança jurídica aos projetos rurais. A Sudam baixou uma re-
solução em 1969 que vinculava a não existência de índios nas terras à liberação dos in-
centivos fiscais e financiamentos. Só o fazendeiro que tivesse essa manifestação prévia
podia reivindicar o apoio financeiro da União. A partir daí, a presidência da Funai virou
uma máquina de concessão de “certidões negativas”.
O sistema era muitíssimo frágil. Tratava-se de comparar o cadastro da Funai
de terras indígenas com a área alegada pelo empresário interessado. Ou seja, se o mapa
oferecido pelo interessado, por má-fé ou erro, fosse diferente da realidade havia grandes
chances de a entidade autorizar um empreendimento dentro de uma área indígena. A
Funai não realizava nenhuma checagem em campo para se certificar de que não havia
índios nas terras de interesse do empresário.
O próprio general Bandeira de Mello depois reconheceu a precariedade desse ins-
trumento, embora continuasse defendendo que eventuais erros poderiam ser corrigidos.

Em sã consciência, eu não posso afirmar que uma certidão negativa forneci-


da pela Funai corresponda à realidade. […] Se essa plotação for errada, será
dada a certidão negativa para uma área e na realidade a sua localização é ou-
tra, podendo inclusive, não havendo benfeitorias, se localizar dentro da área
indígena.1

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Anos depois a ditadura recuou no sistema de emissão das certidões, em
atendimento às recomendações de grupo de trabalho montado na Funai para a elabo-
ração de um Plano de Ação Imediata do órgão, aprovado pelo Ministério do Interior.
Uma das orientações era a “restrição à emissão de certidões negativas, pela Funai, as
quais somente serão concedidas para região onde as áreas indígenas estiverem efeti-
vamente demarcadas e/ou delimitadas”.2 Esse mea-culpa, porém, só ocorreu uma dé-
cada depois. Durante a presidência de Bandeira de Mello, entre 1970 e 1974, a funda-
ção emitiu nada menos que 772 certidões negativas para empreendedores diversos na
Amazônia Legal.3
Na prática, o sistema dava aos burocratas da Funai o poder de retardar ou mes-
mo impedir o acesso dos empresários a milhões de cruzeiros dos cofres públicos. As-
sim, começaram a surgir boatos e denúncias de que um verdadeiro balcão de negócios
clandestinos foi montado no governo para a emissão das certidões.
Após uma sindicância que ouviu 56 pessoas, o Incra descobriu, por exemplo,
que o coordenador da Funai na região de Barra do Garças, em Mato Grosso, Dario Cabre-
ra, havia recebido 125 mil cruzeiros de um fornecedor do órgão, o empresário de táxi-
-aéreo Orlando Corrêa Filho, “para orientar e ajudar” na “obtenção de certidões para o
desembaraço, perante a Funai, relativamente a uma área de terras”. Cabrera reconhe-
ceu o recebimento dos recursos. Em depoimento, Orlando disse que o fazendeiro, que
depois se apurou ser Henryk Zylberman, residente em São Paulo, teve boa parte de sua
fazenda de 100 mil hectares “abrangida pela reserva indígena do Xingu”. Como ele que-
ria vender o restante a terceiros, contratou Orlando por 1 milhão de cruzeiros para “pa-
gamento de honorários, despesas de viagem e outros mais que forem necessários à ob-
tenção de certidões”. Comunicada sobre os fatos em 1981, a Funai confirmou ao Incra
que Zylberman dera entrada a um pedido de certidão para 99725 hectares na região do
Xingu, mas que nenhuma certidão havia sido expedida até aquele momento.4
Uma certidão negativa emitida por Bandeira de Mello também está na origem
de um escândalo de corrupção que sumiu tão rápido do noticiário quanto entrou. Nas-
cido e reverenciado na Suécia como um de seus maiores cineastas, Arne Edvard Sucks-
dorff já havia ganhado dois prêmios em Cannes, em 1952 e 1954, e um Oscar de curta-
-metragem, em 1949, quando conheceu e se apaixonou pelo Brasil.5 Ele passou a viver
longas temporadas no país a partir de 1962, até se mudar de vez para Mato Grosso, onde
se tornaria um dos precursores da defesa do Pantanal.6 No Rio, deu cursos de cinema a
jovens realizadores, alguns dos quais ligados ao Cinema Novo, e dirigiu Meu lar é Copa-
cabana, de 1965, laureado em festivais internacionais. Em 1970, Arne e a brasileira com
quem se casou, Maria, receberam de presente de “amigos suecos influentes” uma área
de 60 mil hectares em Mato Grosso, perto do limite sul do Parque do Xingu. A ideia era
desenvolver ali uma reserva biológica.7 Os antigos proprietários da terra, segundo Arne

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deixou documentado na Funai, tinham em seu poder uma certidão negativa da presen-
ça indígena assinada por Bandeira de Mello em 12 de agosto de 1970.8
Depois o governo concluiu que um terço das terras tinha “títulos provisórios”
e o restante, “títulos definitivos”. Com a construção de uma rodovia que cortou o Parque
do Xingu, porém, a União incorporou as terras de Arne ao parque por meio de um decre-
to de 1971. Era uma forma de compensar o corte feito pela rodovia ao norte do parque, o
que feriu os direitos dos indígenas. A partir daí, Arne lutou para ou excluir suas terras do
parque ou receber uma indenização. Após inúmeras conversas na Funai, recebeu a in-
formação do procurador-geral do órgão, Getúlio Barros Barreto, de que um advogado, Ar-
mando Conceição, iria ajudá-lo, pois havia “problemas junto à Funai iguais aos de Arne”.9
Mas quando Conceição foi visitar Arne em sua casa, em Cuiabá, o cineasta,
desconfiado, gravou a conversa, com a ajuda de um auxiliar, que colocou um microfone
perto da janela. Conceição relatou que tinha um jeito de “tirar” as terras de Arne dos no-
vos limites do parque. A solução era pagar suborno a vários servidores, os quais foram
apontados nominalmente pelo advogado.
Dias depois da conversa, Arne procurou o general Ismarth e entregou fitas edi-
tadas da gravação. Em ofício confidencial, Ismarth pediu que a Polícia Federal apuras-
se o caso em sigilo, “a fim de resguardar o bom nome da atual administração da Funai”.
Ao mesmo tempo, pediu que o coronel que comandava a Polícia Federal, Moacyr Coe-
lho, apreendesse as gravações integrais na casa de Arne.10 Em 10 de maio, um delegado
da pf recebeu das mãos de Arne “quatro rolos de fitas magnéticas e duas fitas magné-
ticas tipo cassete”.11 O cineasta, precavido, deixou uma cópia do material na embaixada
da Suécia no Brasil.12
Arne também levou o embaixador sueco no Brasil para uma audiência no Ita-
maraty, a fim de informar que ele e seu auxiliar sofreram, por parte da pf, “uma violen-
tação moral que de maneira nenhuma merecíamos”.
O desenrolar dos acontecimentos revelou novo acobertamento pela Funai. Os
documentos confirmam que Arne entregou as primeiras fitas em maio de 1977. Até o fi-
nal de 1978, contudo, nada havia ocorrido: Arne não tinha sido indenizado e ninguém do
órgão fora punido. Armando Conceição foi ouvido pela pf em junho de 1977. Ele negou
ter pedido propina ou usado “o nome de servidor da Funai”. Por outro lado, confirmou
as conversas com Arne e o fato de que o irmão do procurador-geral da Funai era tam-
bém advogado e “correspondente em Brasília” do próprio escritório de Conceição, loca-
lizado em São Paulo.
Os documentos tornados públicos quase quarenta anos depois revelam que a
apuração preliminar da pf não foi aceita pela Funai como prova de irregularidades, mui-
to embora o delegado de polícia responsável tenha identificado “divergência entre o de-
clarado pelo advogado e a gravação”.13 Em ofício, Ismarth alegou que a apuração da pf

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“não obteve os resultados desejados, estando a Funai sem condições de definir as impli-
cações ou não de seus servidores”.
Cansado da briga sigilosa com a Funai, Arne então procurou a Folha de S.Pau-
lo, que em longa reportagem revelou trechos das fitas.14 O episódio, porém, logo caiu no
esquecimento e ninguém foi punido em virtude da denúncia.
Em 1980, após morar “por dez anos no Pantanal”, o casal foi a Cuiabá para
de novo tentar reaver as terras ou receber uma indenização, mas nada conseguiu. Na
mesma época, alguém deu tiros na direção de Arne enquanto ele estava parado numa
banca de jornais, segundo rememorou sua mulher anos mais tarde. Nunca ficou esta-
belecido se o atentado teve relação com a denúncia sobre a corrupção na Funai. Arne
começou a enfrentar problemas financeiros em Cuiabá. Quando o pesquisador e mes-
tre em cinema pela usp Luiz Carlos de Oliveira Borges o encontrou para o primeiro de
uma série de encontros, em 1988, o casal passava “por sérias privações” e o consumo
de álcool extrapolava “os limites da sociabilidade”. Borges atribuiu essas dificuldades
às denúncias feitas por Arne “em defesa do meio ambiente”, que “colidiam, em Mato
Grosso, com poderosos interesses econômicos”. Cinco anos depois, a organizadora de
um festival de cinema da Finlândia, Kirsi Knunem, passava pelo Brasil quando procu-
rou saber notícias de Arne. Borges levou-a até a casa do cineasta, onde Kirsi encontrou
Arne em “situação humilhante e revoltante”. Um mês depois da visita, um representan-
te do governo sueco entrou em contato com Arne e o levou de volta para a Suécia, onde
o cineasta morreu em 2001, aos 84 anos, sem jamais ter sido indenizado pelas terras
expropriadas pela ditadura.15

O sistema de distribuição das certidões negativas teve um impacto especialmente im-


portante nos grupos de índios de uma mesma etnia que viviam em condições difíceis
desde o início dos anos 1960 ao longo da rodovia br-364, que liga Cuiabá a Porto Velho.
Os Nambikwara eram constituídos por cerca de trinta “grupos independentes, que vi-
viam num raio de setecentos quilômetros quadrados” no vale do Guaporé e parte da sa-
vana do platô dos Parecis. Falavam três dialetos mutuamente compreensíveis. Cada gru-
po tinha a sua própria denominação, sendo os mais conhecidos os Mamaindé, Negaroté,
Kitaunlhú, Halotésú, Nandésú, Wasùhsú e Katditaunlhú.16
Nos anos 1960, em termos numéricos os Nambikwara já eram apenas uma
sombra do grande grupo que ao longo da primeira metade do século impusera respei-
to e medo na região, após desaparecer com sete trabalhadores “civilizados” em 1925
e massacrar seis membros de uma missão protestante nos anos 1930, depois que um
índio da tribo morreu ao receber um remédio dos missionários.17 “Milhares de Nam-
bikwara morreram como resultado do contato com a civilização ocidental, embora

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nunca tenha ocorrido uma guerra de conquista. Eles morreram de terríveis epidemias
e de novas e letais doenças que os civilizados trouxeram para a região”, concluiu o
antropólogo David Price.18
O antropólogo Claude Lévi-Strauss mencionou, em Tristes trópicos, que em
1915 o marechal Rondon calculou os Nambikwara em 20 mil pessoas, um número que
lhe pareceu “exagerado”, embora reconhecesse que os índios sofreram vários episódios
epidêmicos. Em 1929, segundo ele, uma doença que evoluiu para um tipo de edema pul-
monar matou trezentos índios em apenas 48 horas. Relatou que um grupo conhecido
como Sabané compreendia antes mais de mil pessoas, mas em 1928, quando visitou a
estação telegráfica de Campos Novos, eram apenas “127 homens, mais mulheres e crian-
ças”. Em 1938, Lévi-Strauss calculou que os Nambkiwara eram ao todo “mais de 2 mil,
sem dúvida”. O impacto do contato com os “civilizados” foi tremendo. No início dos anos
1960, segundo o censo governamental, eram apenas cerca de seiscentos sobreviventes.
Um relatório do governo concluiu que eles foram “dizimados em cerca de 90% de sua
população nos idos anos 1960”, o que indicaria um total de 6 mil Nambikwara no início
do século passado.19
Quando o autor deste livro esteve na aldeia nambikwara de Sararé, em dezem-
bro de 1996, na zona rural do município de Pontes e Lacerda (mt), ainda os encontrou
nus, com poucos falantes em português, resistindo a duras penas, com pouco mais de
setenta pessoas, a uma invasão estimada de 8 mil garimpeiros.20 Os índios caçavam com
arco e flecha, em especial porcos-do-mato. Antes de irem às caçadas, passavam cinzas
por todo o corpo, de forma a conter os odores que espantavam os animais. Dias antes,
parte dos Nambikwara, liderados pelo cacique Américo, havia sido alvo de uma embos-
cada praticada por garimpeiros, que prenderam alguns índios, incluindo um bebê, e os
espancaram. A malária grassava na região e atingia garimpeiros e índios. O clima na al-
deia era de grande tensão — o cacique chegou a dizer que, se pudesse, mataria todos
os garimpeiros, funcionários da Funai e jornalistas —, só amenizado no ano seguinte,
quando o governo desenvolveu uma operação de larga escala e expulsou os garimpeiros.

A abertura da estrada Cuiabá-Porto Velho, definida como uma “estrada de defesa e de


expansão econômica”,21 foi um golpe que poderia ter sido fatal para a etnia. Durante as
primeiras obras, realizadas em 1960 por decisão do presidente Juscelino Kubitschek, o
governo pouco levou em consideração os índios e não demarcou nenhuma terra, dei-
xando-os à mercê dos empreendimentos agropastoris que começaram a se instalar na
região. É fato que o governo militar herdou esse quadro, mas também errou no tama-
nho de uma área, impôs deslocamentos desastrosos de contingentes indígenas e falhou
no atendimento básico de saúde e alimentação, de novo colaborando para mais mortes.

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A partir dos anos 1950, os índios eram atendidos por missões religiosas, e o pa-
pel do spi era apenas lateral. Após o golpe de 1964, o cenário continuou o mesmo, com a
Funai desempenhando o papel de fiscal da atividade dos missionários. O Estado brasi-
leiro, a rigor, deu as costas aos Nambikwara. Esse vazio foi preenchido por missionários
com nítidos objetivos de catequese.
Dois grupos nambikwara, nas aldeias Camararé, com 58 índios, e wasusu, com
45, eram atendidos pela missão norte-americana evangélica South America Indian Mis-
sion (Saim), que trabalhava em Mato Grosso desde 1914. Por escrito à Funai, o represen-
tante da Saim no Brasil, David W. Snyder, reconheceu que a missão prestava assistência
médica e educacional em meio a um processo de evangelização.
O líder da Saim no Brasil disse que o general Ernesto Geisel, ao visitar uma al-
deia terena em 1977 atendida pela Igreja, elogiou “o grau de coesão e desenvolvimento”
dos índios. A Saim também fincou os pés na área xavante, depois que “uma boa parte”
dos índios “aceitou o Evangelho”. Snyder disse que um dos pontos altos da missão ocor-
reu durante a contenção, com remédios e pessoal, de uma grave epidemia de sarampo
que atingiu, no ano de 1962, diversas aldeias. Nada menos que setenta Xavante teriam
morrido apenas nessa epidemia. Em 1971, a Saim mantinha sete pastores em áreas indí-
genas nambikwara, terena, xavante e bakairi.22
A missão afirmou à Funai que seus objetivos básicos eram “facilitar a transição
do índio da época da pedra à época do espaço em termos de sucesso para o índio e para
a nação”, porém de forma “gradual”, sem uma “imposição artificial”, e “ensinar a verda-
de sobre Deus e a moralidade bíblica”.23
A Saim atuava com os Nambikwara desde 1926, mas eles se mostravam mais
resistentes à doutrinação evangélica do que os Terena. Foi um grupo da Saim o dizima-
do pelos Nambikwara nos anos 1930. A entidade rebatia as suspeitas sobre seu trabalho,
dizendo que conseguiu defender “várias vezes” a área desses índios do ataque de invaso-
res, ajudava na educação e custeava frequentes viagens para levar índios doentes ao hos-
pital de Vilhena. A missão não recebia recursos “de nenhuma repartição pública, sendo
mantida pelos próprios recursos dos missionários”.24
Em 1970, a Funai concluiu que a missão tinha como “alvo prioritário”, entre os
Nambikwara, “a evangelização dos índios e o ensino de histórias e doutrinas bíblicas,
como meio para fundar ‘uma igreja indígena’”.25 David Snyder escreveu à fundação acer-
ca de “uns pensamentos nossos sobre a possibilidade dum estudo bíblico para os Xa-
vantes”, o que seria um pedido dos próprios índios.26 O chefe da ajudância em Barra do
Garças, Odenir Pinto de Oliveira, respondeu que os Xavante de dois dos postos estavam
“retornando às suas tradições culturais exatamente pela ausência de missionários em
seu convívio comunitário”. Ele pediu que fosse vetado o estudo bíblico, sugestão acolhi-
da pela direção do órgão. No mesmo ano, com base nas advertências do pessoal da Fu-

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nai, o presidente do órgão determinou a saída dos missionários das aldeias nambikwa-
ra. Apenas dois anos depois, porém, a missão retomou suas atividades nas áreas, com a
autorização da Funai.
Apesar dos alegados esforços dos missionários, a situação dos Nambikwara era
preocupante. Com a abertura da estrada, os incentivos financeiros da Sudam e as cer-
tidões negativas, os índios ficaram cada vez mais acuados, doentes e com dificuldades
de alimentação. Pelo menos doze certidões negativas foram emitidas pela Funai para
autorizar empreendimentos rurais no vale do Guaporé. Pouco antes da emissão desses
papéis, em outubro de 1968, a presidência do órgão criou uma reserva nambikwara,
com 1 milhão de hectares, na chapada do Parecis. Os dois fatos não estavam dissociados,
muito pelo contrário. Em um ofício confidencial assinado pelo general Clodomiro For-
tes Flores, então diretor do Departamento Geral de Patrimônio Indígena, a Funai deixou
expressa a política de Estado de transferir os Nambikwara de áreas a serem ocupadas
por fazendas para uma área em que não estavam acostumados a viver. O governo juntou
grupos rivais em um mesmo espaço.
Em 6 de outubro de 1971, a primeira de três remoções dos Nambikwara come-
çou a ser articulada. Três fazendeiros, Mario Brandão, Maximiliano Gorla e Widivaldo
Combaúva, de origem paulista e vizinhos do grupo dos índios de Galera, acompanha-
dos de um dos missionários da Saim, Eduardo (Edwin) Petersen, que apoiava os índios
desde os anos 1960, procuraram o coronel Olavo Duarte Mendes, chefe da delegacia da
Funai em Cuiabá, para apresentar “uma solução para o atrito criado entre os índios” e
os funcionários da fazenda Aguapé, pertencente a Brandão e Combaúva. Um grupo de
Nambikwara estava se opondo à abertura de uma estrada que daria acesso à fazenda de
Gorla. Eles surraram um funcionário que fazia a segurança da obra.
O coronel reconheceu haver relatos de que os índios passavam fome, tendo que
comer insetos. Sugeriu então “um exame meticuloso ‘in loco’”, antes de autorizar a re-
moção. A Funai enviou para a região o sertanista Fritz Tolksdorff, que opinou pela trans-
ferência. Em junho de 1972, ele informou à entidade que os índios “da aldeia wasusu já
estão instalados em nova aldeia, dentro da reserva indígena nambiquara”.27

Informações truncadas sobre as remoções de índios no vale do Guaporé chegaram à im-


prensa. Em resposta interna às notícias, em ofício confidencial enviado à asi, a Funai re-
conheceu a operação, mas alegou que era feita “por pessoal técnico especializado e obe-
dece a critérios científicos”.28
Outras transferências ocorreram. A Funai levou para a chamada “Reserva
do Cerrado” os grupos mamaindê, negarotê, alantesu e wasusu.29 As novas condições
de vida impostas aos índios foram logo condenadas. Em janeiro de 1974, o reverendo

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Mosher, da Saim, informou à Funai que os 58 índios de Camararé “não estão bem ali-
mentados e acham pouca caça”. A missão confirmou ao órgão que “a terra não é boa,
muita areia”.30
No ano seguinte, um convênio feito entre a Funai e a Universidade Federal da
Bahia (ufba) confirmou que “os Wasusu nem roças suficientes puderam refazer; e os
Alantesu veem morrer-lhes as crianças, contaminadas ao que parece pelo gado. Os ou-
tros bandos chegaram nesse ínterim à situação que antes descrevemos e que não se
pode sustentar por mais tempo”.
No grupo alantesu, os pesquisadores da ufba viram “um aprendizado estrita-
mente mecânico”, com índios cantando hinos com letra religiosa em português e a mú-
sica “Oh, My Darling Clementine”, “sem que ninguém da aldeia fosse capaz de manter a
menor conversação na língua em que cantava”.31

O que ocorreu a partir daí foi inesperado para a burocracia da Funai. Os índios de dois
grupos, famintos em solo pobre, passaram a retornar espontaneamente para suas ter-
ras de origem. A pé ou de carona, regressaram um a um.
Esses retornos foram presenciados pelos missionários da Saim e informados
à Funai.

O grupo Galera (wasusu) foi encontrado pelos missionários desta missão em


1964 […]. O grupo estava situado nas terras que foram compradas pelos fazen-
deiros. Foi resolvido pela Funai mudar os índios até a reserva nambikwara. De-
pois de dois anos lá, os índios voltaram a seu habitat velho, devido à fraqueza
da terra da reserva que não rendeu quase nada.32

A Funai reconheceu o fracasso da operação de transferência, “depois de qua-


se um ano de tentativas”. Os desmatamentos no vale do Guaporé promovidos pelas
agropecuárias “afugentaram a caça, alimentação básica daqueles índios”, o que os le-
vou “a tal situação de subnutrição e miséria, que se levava a temer pela extinção com-
pleta daquele grupo”.33
Ciente do insucesso, a Funai contratou o antropólogo Paul David Price e o tor-
nou coordenador de um Projeto Nambikwara, ao mesmo tempo que ordenou, em se-
tembro de 1974, a interdição de outra área no vale. O órgão determinou novas remoções
de dois grupos que passavam por dificuldades, os Hahaintesu e os Waikisu, segundo do-
cumentos sobre o episódio, agora para a área interditada. Em dezembro de 1974, os
Waikisu foram transferidos por Price com apoio de outro grupo evangélico, a Missão
Cristã Brasileira (mcb). A operação levou quatro dias de voos em um avião providencia-

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do pela Funai e mais dois dias de camionete. Na madrugada do dia 31, nasceu um garo-
to “muito fraco e pequeno”, filho dos índios João e Maria. Mas ele morreu “com apenas
24 horas de idade e foi sepultado já na reserva, de acordo com o costume dos índios”.
Foi a primeira de uma série de mortes. O missionário da mcb Heinrich Berg re-
latou em carta à Funai que dois índios morreram no mato, após apresentarem sinais de
febre; uma criança “de quatro ou cinco anos de idade” morreu no posto; em seguida, seu
irmão de um mês de idade; por fim, mais um menino morreu, de apenas dois anos. Para
o missionário, a princípio os índios “se acomodaram bem” na nova área, mas ela não era
“bem do gosto deles, pois está localizada num vale apertado entre duas serras e tem mui-
tas pedras. Eles apreciam mais ficarem no campo, na beira do mato e em lugar plano”.34
O resultado foi um novo retorno às terras de origem. Em abril de 1975, David
Price encontrou os Hahaintesu “muito gripados”, divididos em dois grupos acampados
a menos de seis quilômetros da rodovia. Segundo um servidor da Funai, esses 48 índios
“voltaram a pé do Sararé pela br-364”.35
Em uma reunião do Conselho Indigenista da Funai, com a participação do ge-
neral Ismarth, Price apresentou um cenário tenebroso. De novo, não são exibidos nú-
meros precisos, mas resta pouca dúvida sobre a ocorrência de muitas mortes entre os
Nambikwara na segunda fase das transferências. Price disse que a malária “fez com que
dizimasse grande parte dessas aldeias”.
O balanço das ações da Funai no vale concluiu que houve um erro de origem.
O decreto assinado pelo presidente Costa e Silva em outubro de 1968, que criou reser-
vas para sete etnias, incluindo os Nambikwara, foi “planejado com base em informações
tão inadequadas que chega a mencionar acidentes geográficos (a ponte sobre o rio Juí-
na) não existentes”. A reserva continha “as piores terras de toda a área tradicionalmente
ocupada pelos Nambikwara” e englobava apenas duas aldeias tradicionais, com pouco
mais de 10% da etnia.36 O grosso dos Nambikwara que ficaram no vale teve que disputar
espaço com as agropecuárias que receberam as certidões negativas da Funai.
Ainda em 1975, apenas quatro anos depois da primeira transferência, a Funai
tomou conhecimento dos vários equívocos, por meio de um estudo feito pela ufba. Se-
gundo os pesquisadores da ufba, a fundação concentrou os índios nos solos “de pior
qualidade, onde nem sequer haveria condições de sobrevivência física para toda a popu-
lação”. Pelo menos desde 1953 havia literatura especializada informando a pobreza do
solo e a escassez da caça. Para corrigir o problema, disse o estudo, um sertanista sugeriu
que os índios criassem coelhos, ignorando qualquer princípio ecológico, pois a introdu-
ção desses animais “teria como consequência provável sua proliferação descontrolada e
a perturbação global do ecossistema”.

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As firmas agropecuárias avançaram sobre as terras indígenas. A Funai constatou, por
exemplo, que a Bamerindus Agropastoril, braço de um grande banco, “estava medindo
terras das quais alega ser dona dentro da reserva”. Em sua defesa, a empresa afirmou
que tinha o aval do sertanista Tolksdorff e do general Demócrito Soares de Oliveira,
coordenador da Coama. Procurado pela Funai, o militar negou ter dado tal autoriza-
ção, mas Tolksdorff “admitiu o fato ao missionário Peter Kingston” em maio de 1975.37
Não eram incomuns episódios de violência envolvendo índios e fazendas. Em
1975, o líder Axikaruçauá relatou que três Nambikwara trabalharam durante semanas
para um fazendeiro. Quando foram reclamar o pagamento, receberam ameaças. Um
funcionário da fazenda, armado de revólver, impediu que deixassem o barracão. Duran-
te a tentativa de fuga, os índios reagiram e mataram o homem com uma paulada na ca-
beça. Eles ficaram dois meses escondidos no mato.38
A saúde dos índios ficou exposta à chegada das frentes de desmatamento com
até “trezentos peões”.39 As distâncias eram enormes, impondo viagens de até 1240 qui-
lômetros de uma aldeia a outra.40 Em abril de 1976, o servidor da Funai Sílbene de Al-
meida era o chefe do posto indígena Manairissu, mas ficava circulando entre os vários
grupos nambikwara em visitas de “três ou cinco dias de aldeia em aldeia”. Sílbene tes-
temunhou o grande atrito entre índios do grupo hahai e uma agropecuária vizinha. Se-
gundo ele, o administrador da fazenda “não gostava dos índios, dava tiros assustando,
tentou envenená-los com arsênico, deu choque elétrico”. Em contrapartida, os índios
“assaltavam barracos de peões” e flechavam as vacas da fazenda, pois não encontraram
mais caça para comer.
Na primeira vez em que visitou a aldeia, Sílbene encontrou os índios em “deso-
lação, fraqueza”. Aplicou remédios e soro. Mas uma índia, Maria, “fraquíssima, desidra-
tada”, não resistiu a um mal não identificado e morreu na mesma noite. No dia seguinte,
os índios fizeram a cova, com sessenta ou setenta centímetros de profundidade, dentro
da maloca. O corpo foi colocado com as pernas encurvadas, “como na posição normal
[em] que eles dormem”.
No grupo alantesu próximo ao quilômetro 628 da br-364, acampado a menos
de cinco quilômetros da sede de uma fazenda, Sílbene encontrou índios “tristes, não
querem conversa”. A água usada por eles estava “contaminada por derrubadas e bois”.
A mortalidade infantil era “alta”. Do grupo de 25 índios, com nove casais, havia “somen-
te três crianças com menos de cinco anos e duas com menos de quinze”. Duas sema-
nas antes de Sílbene chegar, morrera uma criança.41 O servidor foi ver outro grupo,
os Waisu. Dos dezoito índios, dois estavam internados em unidades de saúde da região.
Quatro teriam morrido de malária. No final de 1975, Sílbene esteve em visita ao grupo
wasusu, quando testemunhou novas mortes. Num espaço de treze dias, morreram duas
crianças, uma de cinco anos, de diarreia, e outra, com sete meses, de “infecção na pele”.

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Sílbene concluiu que os índios atacavam o gado vizinho como uma reação às
mudanças no ecossistema. Contou que durante toda a viagem ouviu comentários dos
peões de fazenda sobre corrupção na Funai. Isso o levou a concluir, em ofício à sua che-
fia, que as fazendas do Guaporé “obtiveram certidões negativas, permitindo a todas elas
o incentivo da Sudam e todo o genocídio que está sendo cometido”.

O total de Nambikwara mortos em todo o processo — desde a expedição das primeiras


certidões negativas, em 1968 — é impreciso, pela falta de sistematização, na Funai, dos
dados sobre a saúde dos vários grupos. Um relatório detalhado e oficial da 5a Delegacia
Regional estabeleceu o número de 26 óbitos entre os Nambikwara de 1975 a março de
1980 — antes de 1975, não há documentos consolidados de fonte segura.
O episódio mais traumático pós-1975 terá sido o falecimento de onze índios em
1979 no grupo de Sararé, dentre os quais dois adultos por acidente, um adolescente epi-
léptico, três adultos “mais idosos que já tinham problemas nos brônquios”, uma mulher
e três crianças. “Este lamentável acontecimento vem ressaltar a urgência de uma enfer-
maria com atendente em cada área, continuamente.”42
No início dos anos 1980, pesquisadores da Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas (Fipe), então vinculada ao Ministério do Interior, reafirmaram que os pro-
blemas enfrentados pelos Nambikwara estavam intimamente relacionados à política
indigenista, cujos “desacertos vêm pondo em risco sua sobrevivência”.

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15. INFAMANTE

no extremo leste de mato grosso, outra crise se desatou em uma área indíge-
na na primeira metade dos anos 1970, mais uma vez envolvendo a abertura de uma
estrada. No centro da polêmica estava a “joia da coroa” do indigenismo brasileiro, o
Parque Indígena do Xingu. Dessa vez, em defesa do parque que ajudaram a criar, os
irmãos Villas Bôas, os mais conhecidos e respeitados sertanistas brasileiros da épo-
ca, entraram em rota de colisão com os militares — e também caíram na mira dos
espiões do sistema de informações montado pela Funai. A estrada criou uma cica-
triz em vários sentidos.
A história da abertura da rodovia br-080 começa em junho de 1965. O governo
anunciou com estardalhaço o início das obras, permitindo que jornalistas acompanhas-
sem a abertura da primeira picada em uma cerimônia realizada no posto de Areões, um
acampamento localizado no ponto final da br-72, atual rodovia br-158. A estrada abri-
ria cerca de oitocentos quilômetros de mata virgem para ligar a cidade de Xavantina à
base militar do Cachimbo. Prevendo encontrar aldeias pelo caminho, a ditadura mon-
tou uma intitulada Expedição Xavantina-Cachimbo, na qual os sertanistas teriam o pa-
pel de acompanhar as turmas de operários e prevenir eventuais ataques de índios. Tan-
to os irmãos Villas Bôas quanto Francisco Meireles participaram do início da expedição,
prevista para durar três anos. Comandada pelo general Osvaldo Cordeiro de Farias, um
ativo conspirador para a derrubada de Goulart, do Ministério Extraordinário para a
Coordenação dos Organismos Regionais, embrião do Ministério do Interior, a cerimô-
nia teve banda de música, hasteamento da bandeira e missa, oficiada por um padre. Os
militares levaram ao local índios xavante e kamayurá, que aliás não se mostraram nada
impressionados com o evento, permanecendo “completamente indiferentes” à missa:
“conversavam, cuspiam no chão, cochichavam entre risos e terminando por se aborre-
cer, abandonaram o local”.1
Em seu discurso, Cordeiro de Farias disse que a expedição estava incumbida
de “trazer a Amazônia para o coração do Brasil”.2 Dias depois, acrescentou que a estra-

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da “possibilitará o escoamento da produção agrária e pecuária dos vales do Araguaia e
Xingu, acelerará o povoamento e criará condições de exploração de jazidas minerais até
agora inacessíveis”.3
“Ao som do Hino Nacional, sob salva de palmas, espocar de foguetes e um sol
causticante”, partiu a expedição, que para um jornalista lembrou “o início das jornadas
dos bandeirantes”.4 Mas a marcha ainda não era para valer: metros adiante, a expedição
regressou ao acampamento. Partiria de verdade só no dia seguinte.5
A abertura da estrada seguiu lenta, porém sem maiores atropelos, até por vol-
ta de 1970, quando Orlando Villas Bôas, que não participava mais da expedição, afirmou
ter se dado conta de que o traçado havia feito uma guinada à direita e invadido o Parque
do Xingu. Muitos anos depois, um dos coordenadores da obra, Sérgio Vahia de Abreu,
escreveu que a responsabilidade pelo novo caminho foi das empresas contratadas para
a execução da obra.

Pelo nosso traçado a estrada não iria interferir no Parque Indígena do Xingu,
pois passaria primeiro muito a seu leste e, ao seu norte, pela cachoeira Von
Martius (rio Xingu). […] As empreiteiras fizeram essa estrada, hoje mt-422,
cruzando o Xingu mais ao sul, no meio do parque, perto da confluência de seu
afluente Manitsauá-Missu.6

Orlando era um homem muito respeitado dentro e fora do Brasil no indigenis-


mo. Ele tinha boas relações com a cúpula da Funai, mas quando viu o ataque ao “seu”
parque foi à imprensa denunciá-lo. Em março de 1971, disse que o primeiro impacto da
estrada no Xingu foi sobre os Txucarramãe. Com a obra, os índios começaram a vagar
pela “estrada recém-aberta, abandonando a tribo, a aldeia, deixando as famílias”. Fica-
vam “rondando pelo acampamento dos empreiteiros, curiosos, vendo máquinas e arris-
cando a pegar doenças dos brancos”. Antes fortes, agora eram “fracos e dispersos na es-
trada”. Com o tempo, disse Orlando, “poderão se extinguir”.7
O sertanista revelou que o traçado “contrariava instruções” do presidente Mé-
dici e do general Bandeira de Mello. Disse que o combinado com os generais era levar
para dentro do Xingu as etnias atingidas pela Transamazônica. “Só que com essa estra-
da, não há mais lugar para levá-los.”8 O sertanista culpou o presidente da Superinten-
dência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), Camargo Júnior, pela decisão da
guinada no traçado.
Dias depois das primeiras denúncias, ficou evidente uma divisão entre os prin-
cipais nomes do indigenismo brasileiro. O médico Noel Nutels, ex-presidente do spi,
apoiou Villas Bôas: “Orlando tem razão: a estrada liquidará o parque, sem a menor dúvi-
da, e todas as experiências nesse sentido demonstram isso”.

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Francisco Meireles foi no sentido oposto. Disse não ver motivo para impedir a
passagem da estrada, alegando que o “prejuízo” não seria maior do que o provocado por
“outras frentes pioneiras abertas em terras de índios”. Meireles deu uma estocada no
colega, ao dizer que a Expedição Roncador-Xingu, encabeçada pelos Villas Bôas e canta-
da em verso e prosa pela imprensa, também “era desbravamento”, assim como “a Tran-
samazônica, a Acre-Brasília e outras frentes”. Fez a defesa da política integracionista do
governo, pois “essas áreas difíceis têm que ser integradas”.
A Funai reagiu de duas formas às denúncias de Orlando. A primeira face, pú-
blica, foi apoiar a estrada — o que desautoriza a versão de Orlando de que Bandeira de
Mello seria contrário ao novo traçado. O próprio general disse que a estrada não pode-
ria ser mudada e “só trará benefícios aos índios”. Durante uma visita à Funai de Campo
Grande, ele foi duro com Orlando ao dizer que as críticas estavam relacionadas a uma
candidatura, ventilada pela mídia, “de alguém bem conhecido” ao Prêmio Nobel da Paz
naquele ano.
Nessa mesma viagem, poucas vezes a ditadura foi tão clara acerca de seus ob-
jetivos em relação aos índios considerados “já em estado de aculturação”. Falando sobre
as etnias da área da 9a Delegacia, terena e guarani, o general anunciou que seria “inicia-
da brevemente a instrução de silvícolas para as profissões de bombeiro-encanador, car-
pinteiro, mecânico geral e de automóveis”. A ideia era ensinar essas habilidades com o
propósito final de “afastar rapidamente o índio da região”. Ou seja, uma vez “profissio-
nalizado”, o índio abriria mão de suas terras. Que seriam então redistribuídas pelo Es-
tado brasileiro a agricultores.9
As afirmações do presidente da Funai não foram apenas um destempero ver-
bal. Dias depois, o órgão fez a defesa enérgica da obra que desfigurava o Xingu, dizendo
que a estrada “faz parte de um conjunto de ligações terrestres vitais ao desenvolvimento
e à segurança do país”. A nota falava ainda em “fixação da cultura comum” — o que de-
certo implicava a ideia de anulação de uma cultura “incomum”.10

A Funai desencadeou uma segunda reação contra os Villas Bôas, esta secreta, promovida
pelo braço do sni, a asi. Mais de quarenta anos depois, ela veio a público quando o gover-
no levantou o sigilo dos papéis produzidos pela assessoria. Os documentos demonstram
que os militares promoveram uma investigação sobre o passado da família de sertanistas.
Os papéis passaram pelas mãos de Bandeira de Mello no dia 19 de maio de 1971, isto é, pou-
cos meses após as primeiras denúncias de Orlando contra a estrada, conforme atesta um
registro por escrito na lateral de um dos papéis. Não fica claro o que os militares fizeram
com o dossiê, se é que fizeram. Mas a documentação permite averiguar a munição à dis-
posição deles. As principais peças são depoimentos prestados em 1952 a uma Comissão

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de Inquérito aberta pela Fundação Brasil Central (fbc) para investigar denúncias contra
Leonardo Villas Bôas, irmão de Orlando, que havia falecido em 1961.
Antônio Alves dos Santos, trabalhador da fbc desde 1949, contou ter ouvido de
Orlando a recomendação de que “tivesse muito respeito pelas mulheres dos índios”. Ele
foi designado em 1951 primeiro ao posto Jacaré, no Xingu, então chefiado por Leonar-
do, irmão de Orlando. De lá, partiu para o posto Kuluene. Ao chegar, disse ter ouvido de
trabalhadores da fbc e de índios que Leonardo havia “tirado” da aldeia “a mulher do ca-
cique Tamapu”, chamada Mavirá, e que os índios tentaram matar tanto a índia quanto o
sertanista, mas não conseguiram impedir a fuga, feita de noite num barco a motor. An-
tônio regressou ao posto Jacaré, onde de fato encontrou a índia Mavirá sob proteção de
Leonardo. Ele disse ter presenciado os seus colegas Ascendino, Serafim e Benedito di-
zerem a Leonardo que o haviam apanhado “em flagrante com a índia Mavirá”. Leonardo
teria respondido que “era homem”, iria se casar com a índia e os trabalhadores “não ti-
nham que ver com o acontecido”.11
Dias depois, Orlando foi visitar o posto Jacaré. Os funcionários da fbc conta-
ram tudo ao sertanista, que em resposta pediu “que ‘aguentassem a mão’, pois ele ‘iria
dar um jeito’”. Os irmãos foram para a região de Cachimbo. Cerca de vinte dias depois,
contudo, um inesperado retorno de Leonardo em um avião da fab abalou os funcioná-
rios. O sertanista ordenou que os trabalhadores arrumassem suas coisas, pois seriam
transferidos de imediato para a base do Cachimbo. Percebendo uma resistência, ele te-
ria dito que também poderiam ir “para Xavantina, recolhidos”. Antônio afirmou que “os
trabalhadores que reclamavam contra o modo de viver do sr. Leonardo eram removidos
para outros postos”.
Antônio disse ter presenciado o sertanista mantendo “relações com a índia
Mavirá, já tinha com outras”, incluindo uma que ele teria encontrado numa rede deita-
da ao lado de Leonardo. O trabalhador da fbc afirmou ter ouvido de índios e colegas da
fundação que Leonardo “manteve relações com outras índias”, fornecendo à comissão
de inquérito os nomes de mais quatro mulheres. Disse que um major da fab também fa-
zia sexo com outra índia e que viu Orlando deitado numa rede com uma índia no pos-
to Kuluene. Antônio teria indagado aos índios quem era a mulher e eles teriam respon-
dido “ser a mulher dele, Orlando; todas as vezes que vinha ao posto, a índia ia passar a
noite com ele na rede”.
Por fim, Antônio deu uma informação que poderia ser confirmada com mais
facilidade pela comissão. Mavirá teve uma criança, cujo pai os índios diziam ser Leonar-
do. A criança teria sido retirada do posto, a pedido do sertanista, “em avião da fab pilota-
do” por dois militares. Antônio declarou que “a indiazinha foi tomada violentamente do
colo da própria mãe, que até hoje ainda chora a falta da criança; […] a índia Mavirá esta-
va no Xingu e reclamava muito a criança que haviam roubado”.

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O depoimento de Antônio poderia ser recebido como devaneio ou invenção, fru-
to de uma rixa com Leonardo, não tivesse sido corroborado ponto a ponto por uma segun-
da testemunha, o também funcionário da fbc Leopoldo José da Silva, e reafirmado ao lon-
go dos anos, com maior ou menor detalhamento. Leopoldo contou a história da gravidez
de Mavirá e da retirada da criança da aldeia e disse que os índios chegaram a cercar o ran-
cho ocupado por Leonardo no posto Kuluene para matá-lo, assim como à índia, mas am-
bos escaparam “por um buraco feito na parede de trás do rancho”.12 Leopoldo afirmou que
“muitas vezes” encontrou Leonardo em sua casa “em companhia íntima com a índia Ma-
virá e outras índias”. “[…] O rancho de Leonardo estava sempre cheio de índias.”
Leopoldo disse que a filha de Mavirá era conhecida como “Arlinda” e que a reti-
rada da criança, que ele chamou de “rapto”, ocorreu em um turboélice da fab tripulado
pelos majores Leal Neto e Haroldo. O avião chegou ao Xingu no dia 1o de maio e decolou
no dia seguinte. Leopoldo afirmou ter visto o momento em que Leonardo insistiu com
Mavirá para “deixar levar a criança”. O homem teria dado à índia colares e vestidos, mas
Mavirá “sempre recusou entregar a criança”. A criança por fim teria sido tomada dos
braços dela pelo radiotelegrafista Dorival e entregue a Leonardo, que na sequência se-
guiu para o avião que o aguardava na cabeceira da pista com o motor ligado.
Os depoimentos dos funcionários à comissão da fbc ocorreram em setembro
de 1952. No final daquele mês, pedaços da história apareceram nas páginas de O Globo.
O enviado especial ao Xingu, Geraldo Farinha, descreveu “aspectos da ação prejudicial
de alguns sertanistas nos confins do Brasil Central”.13 O jornalista narrou uma alterca-
ção ocorrida entre Leonardo e o filho de um cacique kamayurá em torno de uma auto-
rização dada pelo sertanista para que “a bela Mavirá” pudesse assistir a uma dança de
índios guerreiros, o que seria vedado pela tradição dos Kamayurá. O jornalista escreveu
ainda ter ouvido do próprio presidente da fbc, Archimedes Lima: “Depositava plena
confiança neles. Entretanto, vi-me ludibriado, de boa-fé”.
Na mesma edição, O Globo cuidou de publicar uma ampla defesa de Leonardo,
que ficou a cargo de alguns dos principais antropólogos do spi, Darcy Ribeiro, Eduardo
Galvão e José Cândido Carvalho. Apesar de elogiarem muito o trabalho dos Villas Bôas,
eles não negaram o envolvimento sexual de Leonardo com Mavirá, pelo contrário, o con-
firmaram. Porém, procuraram relativizar o episódio, chamando-o eufemisticamente de
“deslize” e de “drama constitucional vivido por Leonardo”.
Darcy Ribeiro disse ao jornal que tudo começou por volta de 1950, quando Ma-
virá procurou refúgio na cabana de Leonardo para evitar uma punição que os índios
da tribo queriam aplicar. Ela ficou na companhia de Leonardo “várias semanas”. Darcy
continuou: “Contudo, a verdade é que [Leonardo] já devia estar sentindo o peso da tor-
tura que o seu isolamento lhe impunha. E, então, sobreveio o deslize. Foi, convém res-
saltar, a primeira falta de que se teve notícia. Nove meses depois, a índia teve uma filha”.

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Darcy informou que tudo foi de conhecimento do spi, pois, quando Leonardo
ficou em dúvida sobre casar ou não com a índia, “fizemos ver que, se um branco despo-
sa uma índia, os outros índios ficam em situação desvantajosa, pois não possuem as bu-
gigangas e presentes que geralmente levamos”. Ou seja, Leonardo foi orientado pelo spi
a não se casar com Mavirá.
Os antropólogos, porém, nada disseram sobre o destino da criança. Confir-
mando uma parte importante dos depoimentos dos dois funcionários da fbc, anos de-
pois ficou claro que de fato a criança foi levada de avião da aldeia e não mais foi vista pela
mãe biológica. A menina foi criada em São Paulo por uma irmã de Leonardo, Maria de
Lourdes, e recebeu o nome de Mayalu. Localizei-a no segundo semestre de 2015 — ela ti-
nha dado uma entrevista à revista Claudia em agosto de 2012 sobre o assunto. Mayalu é
casada desde os 26 anos com um colega da faculdade de matemática de São Paulo, onde
se formou e vive desde então, mãe de duas filhas, uma socióloga e uma professora de
português. Por telefone, ela confirmou que não mais viu ou conversou com a mãe bio-
lógica, não viajou mais para o Xingu. Mavirá, por outro lado, também não esteve em São
Paulo à sua procura. A vontade de reatar uma ligação também arrefeceu, passados mais
de sessenta anos de sua saída do Xingu.
Quando Leonardo morreu, em 1961, Mayalu tinha apenas dez anos. A exem-
plo de muitos sertanistas do passado, e até pelas longas distâncias, ele ficava pouco em
casa, mas quando aparecia, segundo Mayalu, “era uma pessoa muito carinhosa, atencio-
sa, me levava para passear e brincava”. É essa a imagem que ela guarda de seu pai. Quan-
do Mayalu cresceu, ouviu da tia que Mavirá era sua mãe. Ao longo dos anos, a família ex-
plicou que a criança correria riscos caso tivesse sido mantida no Xingu, por isso de lá
foi retirada.

Leonardo, ao que tudo indica, tinha motivos para acreditar que a criança Mayalu corria
mesmo risco de vida. Um estudo posterior indicou que o sertanista, ao proteger Mavi-
rá, desafiou uma regra dos Kamayurá. Rafael José de Menezes Bastos, professor do De-
partamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina, entrevistou o
índio Takumã, filho do cacique Kutamapù, então casado com uma índia de nome tradu-
zido para o português como “Pele de Reclusa”, a Mavirá. Takumã disse ter sido ameaça-
do com um revólver por Leonardo. Ele explicou que o problema começou com o affair
entre Leonardo e Pele de Reclusa. Os índios passaram a guardar na casa de Leonardo
três flautas, consideradas sagradas pelos Kamayurá. Pela tradição, nenhuma mulher in-
dígena poderia olhar tais flautas, que eram tocadas apenas pelos homens. Bastos suge-
riu que as flautas possam ter sido guardadas de propósito na casa de Leonardo, talvez a
mando do cacique Kutamapù, a fim de que Pele de Reclusa as visse sem querer. Ela não

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sabia da proibição. A partir daí, os índios passaram a pressionar por uma punição da
mulher, que seria um estupro coletivo e o banimento da aldeia. Segundo Takumã, o cli-
ma na aldeia ficou ruim, Leonardo retirou a criança da aldeia e depois foi embora.

Mas qual foi o destino de Mavirá? Com a ajuda de uma servidora da Funai, Lilian Brandt,
localizei-a, em 2015, por telefone perto da ilha do Bananal. Após perder Mayalu para
Leonardo, Mavirá conheceu um cacique karajá, por quem se apaixonou e com quem se
casou, e mudou-se para a ilha, segundo ela, há mais de trinta anos. Mavirá foi mãe de
quatro mulheres, incluindo Mayalu, e dois homens. Com mais de oitenta anos, sobrevi-
via da venda de artesanato karajá no porto de São Félix do Araguaia (mt).
Mavirá confirmou um detalhe presente nos depoimentos de 1952, o de que re-
cebeu miçangas e colares de presente para evitar que reagisse à retirada do seu bebê da
aldeia. Confirmou ter saído correndo atrás do avião e que chorou muito com a partida.
Várias vezes ela culpou Orlando, e não Leonardo, pela decisão de retirar a criança. Dis-
se que chegou a puxar os cabelos do sertanista na época. Mavirá também negou que ela
e a sua filha corressem riscos na aldeia e negou qualquer briga ou ameaça entre Leonar-
do e outros índios.
A índia também confirmou que nunca mais viu Mayalu. Há cerca de três anos,
Mavirá procurou Lilian para pedir ajuda a fim de contatar a filha de São Paulo. A fun-
cionária da Funai mandou um recado a um familiar, mas não obteve retorno — ela não
sabe se o recado chegou a Mayalu.

Envolvimentos sexuais entre indígenas e agentes do Estado brasileiro e de missões reli-


giosas são um tabu desde a época do spi, comentados entre quatro paredes e quase nun-
ca vindo a público na imprensa. Mas abusos do gênero voltaram a se repetir ao longo de
toda a ditadura. Entre 1970 e 1971, a Yanomami Esther Ramos Mendonça denunciou ter
sido assediada por um membro da Missão Maturacá, um missionário leigo da Ordem
Salesiana na região do rio Negro, nascido na Itália, formado em filosofia em Turim e na-
turalizado brasileiro.14 Segundo o depoimento que ela prestou a uma comissão de sin-
dicância da Funai, o homem “conquistou a sua confiança” ao lhe oferecer “roupas, ali-
mentação e toda a segurança que uma mulher busca junto a um homem”. Embora fosse
casada, ela “deu-se sexualmente”, mantendo “um relacionamento sexual constante”. Es-
ther ficou grávida. Depois disso, segundo ela, o missionário “desapareceu da área”. Ela
deu à luz um menino, que criou sozinha. Anos depois, o padre Carlos Galli, de Maturacá,
confirmou à Funai o romance do ex-missionário com Esther, acrescentando que “pela
prática desses atos” o homem foi excluído da Congregação Salesiana”.

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Após deixar Maturacá, em novembro de 1974, o italiano entrou para os qua-
dros da Funai, onde novamente seu comportamento com índias chamou a atenção.
Uma apuração interna concluiu que ele “manteve um ‘caso de amor’ com uma índia”
saterê-mauê de apenas treze anos, “com a qual chegou a pactuar casamento”, que, con-
tudo, não se consumou. Segundo a entidade, a garota “lhe foi prometida em casamento
por seus pais, mediante artifícios e presentes”. Os familiares disseram que depois disso
a menina se prostituiu com “civilizados”. Em 1982, segundo a apuração, o italiano tam-
bém “namorou e correspondeu-se” com outra índia de quinze anos. Em seu depoimen-
to, ele confirmou ter mantido “namoros” com as três índias, mas não reconheceu ne-
nhuma relação sexual. A comissão interna da Funai concluiu que a alegação era “risível”.
Na época em que o comportamento do italiano passou a ser investigado pela
Funai, ele era o coordenador das frentes de atração do programa waimiri-atroari. Em
contato com padres e a imprensa, ele procurava denunciar o órgão sobre irregularida-
des diversas. Ao apurar o histórico do servidor, a Funai deu o troco, deixando consig-
nado que há “um caráter infamante e criminoso” no uso pelos servidores de “meios e
artifícios fraudulentos” para conseguirem manter relações sexuais com índias, apro-
veitando-se “da fome, necessidade e ingenuidade”. O italiano foi dispensado em abril de
1983 pelo então presidente, o coronel da fab Paulo Moreira Leal.
Em 1977, a Funai pediu que um chefe de posto, Frederico de Miranda Olivei-
ra, fizesse um levantamento sobre o boato de que o chefe do posto Uaçá desde 1971 teria
sido pai de “vinte filhos” com índias diversas. Em carta manuscrita, Oliveira confirmou
os nomes de várias índias com as quais o homem teria mantido “relações amorosas”.
Com uma delas, “viveu maritalmente” por quase dez anos.
O atendente de enfermagem Francisco de Castro Correia contou à Funai que,
em 1973, ao passar por uma aldeia karipuna, descobriu que o outro servidor “passava
meses sem visitar” os índios. Na sua ausência, “os civilizados (do Oiapoque e militares
de Clevelândia do Norte) se aproveitaram para entrar na área e se satisfazer sexualmen-
te com as índias”. Como exemplo, deu o nome de três Karipuna prostituídas. Disse que
quando perguntava a ao chefe da Funai quais providências ele tomaria sobre o assunto,
ouvia como resposta que a culpa era dos pais das índias, “que não ligam para as filhas”,
ou então que “elas mesmas querem assim”. Mas que informaria os problemas à delega-
cia da Funai.
O enfermeiro disse que em setembro de 1973 foi visitar uma índia karipuna
que estava gripada com “todos os seus filhos”. Ao preencher a ficha da primeira criança,
Correia soube que seu sobrenome era semelhante ao do servidor suspeito. A índia teria
confirmado que a menina era filha do chefe do posto indígena Uaçá.
Havia mais. O enfermeiro disse que o chefe permitiu a entrada, em duas áreas
indígenas palikur, de supostos “comerciantes”, que na verdade “exploravam descarada-

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mente esses índios, além de quase destruí-los […] com bebida alcoólica, além de abusa-
rem das filhas e esposas dos índios”. Correia acrescentou que havia informação de que
militares lotados na Companhia Militar de Oiapoque exploravam índios. Soldados se sa-
tisfaziam “sexualmente com as índias das três tribos”. “Me disseram também que con-
tinua a trapaça dos civilizados em cima dos índios e que eles continuam a prostituir as
índias, tendo até havido muitos casos de doenças venéreas. O líder [indígena] deixa pois
‘são nossos amigos’”, contou Correia.
O funcionário acusado também foi ouvido pela apuração interna da Funai. Ele
negou todas as irregularidades que lhe foram atribuídas. Disse ser pai de catorze filhos,
mas todos gerados em união “com três mulheres, todas civilizadas, sendo a primeira
minha legítima esposa, da qual me desquitei, e a segunda e a terceira, amásias”. Sobre a
falta de assistência aos índios, ele admitiu que a situação era terrível e que não havia re-
cursos para visitas mais frequentes às terras indígenas, “fato que foi comprovado pes-
soalmente pelo sr. presidente da Funai, general Ismarth”.
A conclusão da Funai foi de que “procede a denúncia que pesa sobre o funcio-
nário, uma vez que todas as fontes de informação revelam o procedimento negativo “do
servidor”. Em outubro de 1977, Ismarth determinou a dispensa do homem. A demissão,
contudo, não foi “por justa causa”, mas apenas por “interesse da administração”, já que
a área administrativa da entidade concluiu que, do ponto de vista jurídico, as provas ti-
nham base “no ‘ouvi falar’ e no ‘disse me disse’”. O homem enfim foi desligado da Funai
por volta de abril de 1978.

O envolvimento sexual entre servidores da Funai e indígenas também é o pano de fun-


do do trágico destino de Victor Batalha, o auxiliar de indigenismo da entidade que em
1975 havia presenciado, de cima de uma árvore, a morte do colega Jayme Pimentel pe-
los índios korubo. Meses depois do episódio, Batalha voltou ao seu posto de origem, o
Curuçá, no município de Atalaia do Norte, no Amazonas. Na segunda metade dos anos
1960, Batalha havia se casado com a índia marubo Maria Deuzinha Reis, ou Sinauam,
com quem teve três filhos. Antes, porém, Maria havia sido procurada pelo líder marubo
João Tuchaua para “viver com um filho deste”, Mamimpa, ou “Zacarias”. Maria chegou a
se mudar para a aldeia de Mamimpa, a Maronau, mas o casamento deu errado. Segun-
do Maria, o homem “já vivia com outra mulher”, que passou a “maltratá-la”. Maria então
conheceu Batalha, por quem se apaixonou e com quem foi morar. Por volta de 1974, Ba-
talha passou a viver sob o mesmo teto com outra indígena, a irmã de Maria, Altina Co-
mapa, conhecida como Vuena. Altina contou depois que era “hábito entre seu povo um
homem ter mais de uma mulher” e que seu pai autorizou a união com Batalha.15 O servi-
dor da Funai teve três filhos com Maria e outro com Altina.

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As atividades amorosas de Batalha enfureceram os filhos do líder João Tu-
chaua, não só pela saída de Maria da aldeia Maronau, mas também porque o servidor
“vinha tendo ou tentando manter relações sexuais com outras índias, como a própria
mulher de João Tuchaua”. Os índios procuraram os missionários norte-americanos da
mntb, que atuavam na região desde 1963, e pediram que Batalha fosse retirado do posto
Curuçá e para lá nunca mais voltasse. Após uma denúncia da missão à Funai, Batalha foi
proibido de atuar ali. Ele então estabeleceu moradia, com suas duas mulheres, na região
da Boca do Veado, longe do Curuçá.16
A situação parecia sob controle até a chegada à região de um controverso per-
sonagem que se intitulava “pesquisador de etnologia”, “correspondente de imprensa” e
também “representante da vice-liderança do Senado, credenciado pelo senador Evan-
dro Carreira”, além de “bisneto de Macuxi”. Natural de Itaituba (pa), Francisco Paulo Lu-
cena Rodrigues apareceu no Javari com o respaldo expresso da presidência da Funai.
Em 21 de julho de 1975, o general Ismarth enviou um telegrama à 1a Delegacia de Manaus
para dizer que Lucena estava “autorizado a realizar pesquisas [em] áreas indígenas
[d]essa dr. Prestar o apoio necessário dentro das possibilidades”.17
Com o sinal verde de Brasília, Lucena passou a transitar pelos diversos postos in-
dígenas no Amazonas. Dizia falar em nome da presidência da Funai e, em contrapartida,
enviava longos relatórios a Ismarth descrevendo suas andanças, problemas administrati-
vos dos órgãos públicos na região e a situação de grupos indígenas. Em uma carta, contou
ter encontrado um grupo de Kanamari no Baixo Javari “em estado de extrema miséria”. Lu-
cena os descreveu como “verdadeiros restos humanos, esboçando queixumes e limitando-
-se a exibir sua imensa pobreza material como que na tentativa de despertar compaixões”.18
Lucena se tornou uma fonte de jornalistas baseados em Manaus e Brasília. De
tempos em tempos, aparecia nas páginas dos jornais anunciando de forma sensaciona-
lista a suposta localização, por ele próprio, de “tribos isoladas” e um espantoso “autoex-
termínio” de índios mayoruna, que “matam as crianças de ambos os sexos, como ‘repre-
sália às desgraças que foram causadas pelos civilizados’”.19
Lucena distribuía elogios aos militares e às atividades da estatal cprm, que
realizava “prospecção dos jazimentos carboníferos na bacia do Javari”. Em carta diri-
gida ao general Ernesto Geisel, ao pedir dinheiro para um projeto de contato com ín-
dios isolados, disse confiar no general e seu “indiscutível comportamento de autênti-
co estadista, pelo notado equilíbrio e abertura humana que tem demonstrado à frente
dos destinos nacionais”.20
O comportamento de Lucena começou a preocupar os indigenistas na região.
Em janeiro de 1976, o antropólogo João Pacheco de Oliveira Filho alertou seus superio-
res de que Lucena “não possui capacitação para isso [trabalho indigenista], seja quali-
ficação acadêmica, seja por formação ou experiência indigenista”. Pacheco contou que

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Lucena se valia da autorização dada por Brasília e de um apoio “ingenuamente dado”
por uma unidade do Exército na área.21 Pacheco pediu a revogação da autorização dada
a Lucena, mas a asi da Funai limitou-se a iniciar uma apuração preliminar sobre “as
reais intenções” de Lucena na região.22
Lucena continuou atuando como uma espécie de informante da Funai de Bra-
sília. Em fevereiro de 1976, ele enviou um telegrama “confidencial” a Ismarth para dizer
que índios tikuna estavam “hostilizando violentamente” um fazendeiro da região, de-
predando sua propriedade e matando seus animais domésticos, bois e cavalos, com lan-
ças e porretes.23
Ao tomar conhecimento do telegrama, Pacheco explicou à Funai que o infor-
me fazia “referências factuais errôneas e adota uma interpretação ingênua e unilate-
ral da situação, tomando como fatos as opiniões e racionalizações emitidas pelos ‘pa-
trões’, desconhecendo inteiramente o que é dito pelos índios”. Os Tikuna, aliás, “não
usam nem nunca usaram lanças”; naquela época usavam espingardas para caça, disse
Pacheco.24 O antropólogo voltou a pedir a retirada de Lucena da região, sem sucesso. A
omissão da Funai em Brasília revelou-se especialmente trágica para uma pessoa.
Em abril de 1976, de novo dizendo agir em nome de altos interesses de Brasília,
Lucena convocou Victor Batalha a acompanhá-lo em uma viagem para a região de Curu-
çá que teria o objetivo de “reunir todos os chefes tribais marubo para um encontro [futu-
ro] com o presidente da Funai”. As duas mulheres de Batalha pediram que ele não fosse,
pois sabiam que estava jurado de morte caso se aproximasse dos filhos do cacique João.
Porém, após muito refletir, Batalha aceitou acompanhar Lucena. Na mata, enquanto ca-
minhavam a cerca de oito quilômetros da aldeia do cacique João, Lucena ouviu um tiro
e viu Batalha tombar. Após verificarem que o colega estava morto, os membros da expe-
dição fugiram do local. Dias depois, em uma expedição para resgatar o corpo de Batalha,
Lucena e servidores da Funai encontraram-no numa cova rasa, o exumaram e o enterra-
ram de novo. Nesse momento, o grupo “julgou por bem cumprir um singelo ritual cris-
tão, ato que foi seguido por quantos se encontravam presentes”.25 Depois disso, Lucena
foi afinal proibido pela presidência da Funai de entrar em terras indígenas.

Na época em que os Villas Bôas passaram a incomodar a ditadura, uma denúncia so-
bre envolvimento sexual com índias seria potencialmente desastrosa, caso os militares
decidissem ressuscitar o caso entre Leonardo e Mavirá. Os militares coletaram e guar-
daram tais informações, mas não ficaram só nisso. Começaram a pressionar e pedir
explicações sobre declarações públicas dos Villas Bôas. Os sertanistas eram muito pro-
curados pela mídia — e começaram a ficar cada vez mais críticos a respeito do trabalho
da Funai. Em julho de 1971, O Estado de S. Paulo revelou que índios pediam esmola na ci-

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dade de São Paulo, área sob jurisdição da Ajudância de Bauru, então chefiada por Álvaro
Villas Bôas. A reportagem reproduziu afirmações de Álvaro. A Seção de Segurança e In-
formações (ssi) da Funai de Brasília, antecessora da asi, logo pediu explicações ao serta-
nista. Ele confirmou por escrito que “como se sabe, elementos da população guarani de
São Paulo — constituída de grupos esparsos, aculturados e particularmente instáveis
— costumam vir à capital com este duplo objetivo: a) vender peças do seu artesanato;
b) pedir esmolas”. Álvaro reclamou expressamente da falta de recursos para conseguir
atender a contento três postos indígenas no interior do estado e a população guarani do
litoral, onde não havia posto da Funai.
A ssi emitiu outro ofício confidencial para que Orlando desse explicações so-
bre uma notícia publicada na Folha de S.Paulo a respeito de um seminário que “debateu o
‘problema do índio’”, realizado na Faculdade de Medicina de Campinas (sp). O documen-
to pedia que Orlando explicasse se era “do seu conhecimento faltar competência aos ser-
vidores da Funai, conceder entrevistas ou discutir sobre questões de administração ou
política indígena desta fundação sem a autorização prévia do sr. presidente” do órgão.
Brasília queria enquadrar Orlando. Em carta datilografada, o sertanista rece-
beu uma “admoestação”. Ele negou que o seminário tivesse debatido a política indige-
nista da Funai, apenas examinara “a contribuição do índio — assim como do negro — na
formação da etnia brasileira”. Orlando disse não ter conhecimento de dispositivo legal
que impedisse “o estudo do índio”, uma proibição que “poderia ser tomada como uma
restrição à liberdade de pesquisa”.
O governo observou que os Villas Bôas trabalhavam para receber o Prêmio No-
bel da Paz e por isso teve interesse em acompanhar uma visita ao Xingu do antropólo-
go inglês Robin Handbury-Tenison e sua mulher, no primeiro trimestre de 1971. O casal
iria “melhor coordenar a indicação do prêmio”. A viagem foi monitorada pelo chefe da
Divisão de Desenvolvimento Comunitário em Brasília, Edson Ramalho Júnior. O casal
foi recebido no Xingu por Cláudio Villas Bôas, que fez um cáustico diagnóstico sobre
a Funai. Ele contou que não tinha apoio algum do órgão, “que nem telegramas respon-
dia”, disse haver no Xingu “uma situação calamitosa” a partir da abertura da br-080 e
falou da “falta de vivência da atual administração com a problemática indigenista”. Por
fim, disse que os “Villas Bôas se viam forçados a lutar até o fim contra essa situação e
contariam com o apoio de grandes amigos no exterior e no país, entre os quais o sr. U
Thant, secretário-geral das Nações Unidas, antropólogos, amigos na fab, jornalistas e
opinião pública”.26
Ramalho Júnior ouviu Tenison dizer que “se contava a dedo os bons elemen-
tos” da Funai. Por escrito, Ramalho Júnior fez uma advertência ao comando do órgão:
“O trabalho dos irmãos Villas Bôas é contrário à Política Indigenista. A autopromoção, o
grande objetivo dos referidos senhores, entra em choque com os interesses nacionais”.

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Depois da viagem, que durou cerca de nove semanas, Tenison divulgou um re-
latório e deu entrevistas à imprensa. Criticou a Funai e disse que “50 mil índios desa-
parecerão dentro de dois anos, se não houver ajuda financeira e técnica internacional”.
Também defendeu o Nobel para os Villas Bôas.27 Em resposta, a fundação soltou uma
nota à imprensa para dizer que atendia “70 mil índios”, mas que estava aberta à ajuda in-
ternacional, “desde que permaneça na esfera técnica e econômica”.
Os Villas Bôas nunca receberam o Nobel. A documentação secreta da Funai su-
gere que, no mínimo, o órgão não viu motivos para se empenhar na candidatura.

Nos meses seguintes, Orlando passou a mostrar à direção da Funai as consequências


desastrosas da estrada sobre a vida no Xingu. Em uma carta manuscrita despachada da
base de Diauarum a Bandeira de Mello, informou que um grupo de “civilizados” tinha se
fixado na foz do rio Auaua-Missú, perto do rio Xingu, tendo atingido a região por meio
da picada da estrada recém-aberta. Bandeira de Mello acionou o general Lucídio Arru-
da, secretário de Segurança de Mato Grosso, pedindo apoio à “retirada desse grupo de
civilizados, invasores”. Em resposta, a asi da Funai pediu que Orlando se encarregasse
de retirar os invasores. A direção do parque, porém, enviou telegrama sem assinatura no
qual se declarou “sem condições” de lidar com o problema.
A guerra surda entre os Villas Bôas e a direção da Funai teve um novo lance
em 1972. O órgão informou à base do Xingu que havia colocado um funcionário para
“verificar a aplicação de dotações” orçamentárias sob responsabilidade de Orlando. O
sertanista pôs o cargo à disposição. A Funai não aceitou a demissão, mas manteve a vi-
gilância. Em outubro, ele participou em São Paulo de uma conferência na Escola de Co-
municações e Artes (eca) da Universidade de São Paulo (usp), convidado por um aluno.
O Ministério do Interior, ao qual a fundação era subordinada, deslocou um agente da
Divisão de Segurança e Informações para monitorar a atuação de Orlando. Segundo o
agente, o professor da eca Cláudio de Cicco “mandou desligar os gravadores usados por
alguns alunos” para registrar a fala de Orlando. Este teria dito, segundo o agente: “À me-
dida que a Transamazônica ia avançando, os responsáveis iam matando os índios e, em
seu lugar, colocando bois. Não haverá, desse modo, lugar pra gente”.28
Em dezembro, o general Ismarth, então superintendente administrativo da
Funai e seu futuro presidente, presidia o ii Encontro de Delegados Regionais do órgão
quando Álvaro, chefe da Ajudância de Bauru, fez “dois protestos”. Reclamou que a dire-
ção da entidade havia transferido dinheiro proveniente da “Renda Indígena” direto para
um chefe de posto indígena, “passando por cima de sua autoridade de chefe da ajudân-
cia”, e se disse inconformado com o fato de ter sido alijado de uma reunião feita a portas
fechadas com membros da asi. Por isso, pediu permissão para se retirar do encontro.

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Um ano depois, o caldo entornou de vez. Álvaro recebeu a pena de repreensão
do presidente da Funai após ter enviado um ofício com “termos ostensivos” a seu supe-
rior na 4a Delegacia Regional, em São Paulo. Ao mesmo tempo, Orlando dava entrevistas
cada vez mais desabonadoras sobre o papel da fundação.
Enviado ao Xingu pelo Jornal do Brasil, o jornalista Edilson Martins encontrou
um cenário preocupante, com um avião parado sem manutenção, a casa de hóspedes
“apodrecendo” e falta de “uma ajuda maior” para atender os 1,7 mil índios do parque.
Ele disse que “amigos” dos Villas Bôas confidenciaram que eles estavam “profundamen-
te descontentes” e não seria surpresa se em breve parassem de trabalhar. Ao jornalista,
Orlando sugeriu estar sofrendo censura na Funai: “Não estou autorizado a falar nada,
absolutamente nada”.
A asi da Funai pediu por escrito que Orlando se explicasse sobre uma entre-
vista que concedera ao boletim Amazind, editado na Suíça e vinculado a uma organi-
zação não governamental. Na entrevista, Orlando reafirmou que pensava em deixar a
direção do Xingu. O jornalista quis saber da performance da Funai. Orlando fez um
diagnóstico arrasador.

A agência responsável é inoperante por conta de sua falta de objetividade. Para


falar a verdade, não há um único indigenista ou etnólogo qualificados entre
seus líderes e, assim, não se pode esperar que resolvam um problema cuja es-
sência ignoram. O desempenho atual da Funai não poderá conduzir a uma so-
lução favorável da problemática indígena no nosso país. A população nativa
está muito longe de ser protegida e assistida. Muito pelo contrário, seus ter-
ras são invadidas e sua cultura destruída. Como índio, ele continua a desapa-
recer, de fato morrer.29

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16. O GRITO

ao mesmo tempo que os atritos dos villas bôas com os militares anunciavam no-
vos tempos nos quadros da Funai, outro movimento começou a tomar corpo numa esfera
importante da vida brasileira, em um dos países com mais católicos no mundo. No final
dos anos 1960, já não era mais uma certeza entre muitos religiosos a visão de que o índio,
“selvagem” e “impuro”, precisava ser salvo a qualquer custo do inferno, bastando que rece-
besse a Palavra da Salvação. O frade dominicano Gil Gomes Leitão, por exemplo, que havia
feito uma expedição de contato com os índios gavião parkatejê, disse que apenas “um ou
outro missionário arrisca-se a escrever sobre missão indígena, com certa vergonha”, re-
flexo de um “um fracasso relativo”, porém “fecundo”.1 Gil apontou como problemas a “des-
truição da cultura original, a falta de respeito e das tradições e costumes legítimos dos ín-
dios, certa noção errônea da Igreja, as lacunas na preparação psicológica e científica dos
missionários”. Uma explicação era que o índio havia resistido, à sua maneira, ao processo
de evangelização. A Igreja não conseguia fincar bases sólidas nas aldeias.
A Igreja começou a despertar para a necessidade de imprimir novos rumos
à evangelização dos índios. A palavra não desaparecia dos seus discursos oficiais, mas
passaria a vir acompanhada de certos valores: assegurar a sobrevivência do índio, de-
fender a posse de suas terras e evitar o paternalismo. Toda a discussão era na verdade
um reflexo de um debate muito maior na Igreja, consolidado no Concílio Vaticano ii, que
começou em 1961 e acabou em 1965. O concílio falou sobre “condicionalismos [que] tan-
to podem depender da Igreja como dos povos, dos agrupamentos ou até dos indivíduos
a quem a ‘missão’ se dirige”.2 Falou ainda sobre “dignidade e a liberdade dos filhos de
Deus” e sobre a meta de trabalhar pelos pequenos, pobres e excluídos e a possibilidade
de salvação de seguidores de outras religiões, linhas gerais apreendidas com interesse
especial pelos missionários da América Latina.3
As premissas do concílio foram desenvolvidas à luz da realidade da América
Latina na ii Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, realizada em Medellín,
na Colômbia, entre agosto e setembro de 1968. O encontro mobilizou cerca de duas cen-

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tenas de bispos, arcebispos, cardeais, padres e leigos. O documento final ainda continha
sinais de evidente preconceito, como quando citava os “analfabetos indígenas”, estipu-
lando que a “ignorância” dos índios era “uma escravidão humana”, cuja “liberação” seria
“uma responsabilidade de todos os homens latino-americanos”. Porém, acolhia o cerne
das novidades do concílio: “A tarefa de educação destes irmãos nossos não consiste pro-
priamente em incorporá-los nas estruturas culturais que existem em torno deles, e que
podem ser também opressoras, mas sim em algo muito mais profundo”.

Os reflexos do novo pensamento da ação missionária ficaram mais claros no Brasil ape-
nas dois meses depois da criação da Funai, quando a Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (cnbb), o mais alto órgão da Igreja no país, realizou no Instituto Justiça e Paz de São
Paulo, em fevereiro de 1968, o encontro “Presença da Igreja nas Populações Indígenas”.
Um dos participantes, Egydio Schwade, havia visto com os próprios olhos a
ação opressiva da Igreja em terras indígenas. Nascido em julho de 1935, em uma família
de pequenos agricultores no município de Feliz, no Rio Grande do Sul, Egydio estudou
quase dez anos no seminário dos jesuítas de Salvador do Sul e no curso de filosofia em
São Leopoldo. Interrompeu os estudos para trabalhar com uma missão jesuíta do no-
roeste de Mato Grosso, onde conheceu índios rikbaktsa, pareci, nambikwara, apiaká,
xavante e bororo. Egydio chegou de caminhão em 1o de janeiro de 1963 ao internato jesuí-
ta chamado Utiarity e encontrou “uma realidade bastante triste”.4 Os índios rikbaktsa
chegavam quase nus ao internato, ainda de arcos e flechas, mas no outro dia já estavam
vestidos e rezando a ave-maria na igreja.
Egydio e outros religiosos, como o frei Adalberto Holanda Pereira e o padre An-
tonio Iasi Júnior, que haviam atuado juntos na frente de atração dos Tapayuna, começa-
ram a questionar os métodos e objetivos das missões indígenas. Os três estavam na reu-
nião em São Paulo. Uma das principais conclusões do encontro dava conta de uma séria
alteração em relação ao que a Igreja vinha fazendo com os índios. Pregava uma “acultu-
ração” não do índio, mas do missionário. Os métodos pedagógicos seriam desenvolvidos
“a partir da cultura e da mentalidade do índio”.
Muitas dessas alterações, na verdade, já vinham sendo postas em prática por
iniciativas isoladas. Um dos casos mais notáveis era o das Irmãzinhas de Jesus Genove-
va, Clara e Denise, que foram viver com os índios tapirapé em Mato Grosso em 1952. Em
vez de construir grandes templos e escolas, como faziam os salesianos, as irmãs decidi-
ram viver de modo simples na aldeia com cinquenta moradores. Continuava sendo cate-
quese, mas numa prática nova, revolucionária para os padrões da época.
A necessidade de mudar apareceu mais claramente a partir de um estudo de
campo conduzido pelo padre Iasi entre outubro de 1970 e fevereiro de 1971. Nascido em

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São Paulo em 1920, filho de católicos italianos, Iasi entrou para a Igreja aos quinze anos,
estudou na Companhia de Jesus em Nova Friburgo (rj), deu aulas de filosofia em Belo
Horizonte e viveu em Bogotá, na Colômbia, onde foi ordenado padre em 1954. No final
dos anos 1950, foi trabalhar em Roma. Retornou ao Brasil em 1960 por um caminho in-
comum: desembarcou nos Estados Unidos e passou por México, Peru e Bolívia, antes de
entrar pela fronteira com Mato Grosso. No caminho conheceu missões jesuítas instala-
das em áreas indígenas e se apaixonou pela causa. Quando me recebeu para falar sobre
sua vida, aos 93 anos de idade, em um lar de idosos em Belo Horizonte, Iasi exibia uma
impressionante lucidez, animando-se na cadeira de rodas ao falar de suas aventuras por
selvas perigosas. Sofreu riscos no contato com os índios tapayuna em 1967, sobreviveu
a um acidente de carro e foi contaminado por “cinco” malárias, hepatite e leishmaniose
cutânea, o que lhe deixou cicatrizes.
Em 1970, um braço da cnbb, o snam (Secretariado Nacional de Atividade Mis-
sionária), confiou a Iasi a missão de fazer um raio X da atividade dos religiosos católi-
cos na Amazônia. Após percorrer quarenta aldeias e missões na região, o padre che-
gou a uma conclusão amarga. “A maioria das prelazias deixa os índios abandonados”, e
não apenas por falta de pessoal, também por “uma opção pastoral”. Iasi testemunhou
a completa ignorância das prelazias quanto ao impacto causado por obras da ditadura,
como a Transamazônica, e a ausência de qualquer trabalho jurídico de apoio aos índios.
Por fim, ele sugeriu que a atividade missionária saísse do controle do snam para um or-
ganismo novo, a ser criado dentro da Igreja, um “ministério” voltado exclusivamente
para a questão indígena. Em breve Iasi seria ouvido.

Havia a pressão interna, mas também uma pressão externa clamando por mudanças na
Igreja católica. Um grupo de conhecidos antropólogos partiu para o ataque. Entre 25 e 30
de janeiro de 1971, eles se reuniram em Barbados, na América Central, para analisar rela-
tórios apresentados por representantes de diversos países da América Latina. O resulta-
do do encontro, a chamada “Declaração de Barbados”, foi assinada por onze estudiosos,
entre os quais Darcy Ribeiro e o argentino Miguel Alberto Bartolomé, da Universidade de
Buenos Aires. O documento denunciou o “caráter essencialmente discriminatório” das
missões religiosas e acusou-as de terem se convertido “numa grande empresa de coloni-
zação e dominação, em conivência com os interesses imperialistas dominantes”.5
Os antropólogos propuseram uma saída radical: “Em virtude desta análise
chegamos à conclusão de que o melhor para as populações indígenas e também para
preservar a integridade moral das próprias Igrejas é acabar com toda atividade missio-
nária”. A declaração também denunciou o “fracasso” dos Estados nacionais na política
indigenista adotada em seus países.

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O encontro gerou uma resposta em março de 1972. Com a participação de mis-
sionários de nove países e de três dos antropólogos que estiveram em Barbados, a Igreja
católica organizou uma “consulta missionária” em Assunção, no Paraguai. A reunião fez
a “confissão de falhas e erros nas atividades missionárias”, mas repudiou a sugestão de
que todo o trabalho fosse suspenso. Por fim, externou uma posição inovadora: “As Igre-
jas não devem temer, mas sim apoiar decididamente a formação de organizações pro-
priamente indígenas”.6 Esse foi o pulo do gato, que tanta dor de cabeça traria ao regime
militar brasileiro.

O grupo de Iasi, Egydio e outros, que começaram a externar suas ideias missionárias
sob a inspiração do Concílio Vaticano ii e da Conferência de Medellín, não era dominan-
te na Igreja. Em maio de 1970, a cnbb divulgou o documento final da Assembleia Geral
dos Bispos do Brasil realizada em Brasília. Quanto à situação política no país, defendeu
uma investigação sobre as denúncias de torturas contra militantes de esquerda, mas
também repeliu “as lamentáveis manifestações de violência, traduzidas na forma de as-
saltos, sequestros, mortes ou quaisquer outras modalidades de terror”. Para a cnbb, as
ações da esquerda eram também “uma forma de torturar o povo”.7
A entidade fez uma defesa clara da política econômica da ditadura, ressaltan-
do seus “resultados palpáveis”. O documento também reclamou de pessoas que “exacer-
bam em radicalizações” na interpretação dos documentos finais do concílio e de Me-
dellín. Era um claro recado à ala do clero mais à esquerda. A questão indígena ficou para
o final do documento. Tratou-se de uma clara defesa da imagem da ditadura e um apoio
público à política integracionista.

Em nome da Verdade e da Justiça, apoiados também no testemunho dos qua-


renta prelados missionários da região amazônica, presentes à nossa assem-
bleia, repudiamos a campanha que em outros países se promoveu contra o
Brasil, acusando-o de genocídio e etnocídio do índio.

Essa era a posição oficial do alto clero. Mas o grupo de missionários que pre-
gavam renovação não estava disposto a perder espaço e passou a ter projeção na mídia
com a divulgação de desmandos, erros e irregularidades cometidos pelo Estado brasilei-
ro contra trabalhadores rurais e grupos indígenas. Vigorava no Brasil desde 1968 o ai-5,
o pacote de medidas autoritárias baixado pelos militares para controlar quase todos os
aspectos da vida nacional, como o Congresso, a imprensa, a indústria cultural, partidos
de esquerda e movimentos sociais. Em meio ao agravamento do autoritarismo, os mis-
sionários começaram a trazer à tona notícias incômodas do Brasil profundo.

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A primeira das denúncias mais potentes veio de Mato Grosso, pelas palavras de
um espanhol radicado no Brasil, pequeno e frágil, porém irrequieto e vibrante, meio poe-
ta, meio filósofo, ousado e quixotesco. Em 10 de outubro de 1971, Pedro Maria Casaldáliga
Plá, nascido em 1928 num vilarejo perto de Barcelona, tornado bispo da prelazia de São
Félix do Araguaia (mt) no segundo semestre de 1971, emitiu uma carta pastoral até então
sem paralelo na ditadura. “Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a mar-
ginalização social” tinha mais de cem páginas e se apresentava como “um grito”.
Membro da congregação claretiana, Casaldáliga chegou a São Félix em 1968,
aos quarenta anos, e de lá nunca mais saiu. Ele defendia o engajamento pessoal dos re-
ligiosos para promover a justiça social, uma Igreja conectada com a vida dos fiéis, como
disse anos depois em um encontro interno.

A Igreja não deve optar por um partido, mas deve optar por um sistema. O cris-
tão não vai optar por qualquer partido, mas por um partido que dê um espa-
ço de atuação. A Igreja que não leva isso em consideração fica na Igreja teórica,
negando a prática cristã.8

Em 2013, Casaldáliga recebeu-me na casa simples na avenida José Fragelli, em


São Félix do Araguaia, que dividia com outros religiosos, mantida com recursos da Igre-
ja. Nos fundos da casa, uma pequena capela traz na parede um Cristo de madeira e um
mapa da África com a expressão “Crucificada”. Para se sentar, tocos de madeira. Na pa-
rede lateral à esquerda, um quadro com referências ao arcebispo de San Salvador Óscar
Romero, símbolo de defesa dos direitos humanos na América Latina, assassinado em
1980, enquanto celebrava uma missa, talvez por um esquadrão da morte. Assim como
Casaldáliga, Romero afirmou ter feito uma opção de Igreja em prol dos oprimidos e para
“proclamar a justiça”.9
Em meio à luta contra o mal de Parkinson, Casaldáliga renunciou ao seu cargo
na prelazia em 2005. Ele tem dificuldade para se locomover e falar, mas apresenta uma
memória ágil e oferece frases e pensamentos elaborados.
Em 1968, quando pisou pela primeira vez em São Félix, Casaldáliga disse ter per-
cebido que nesse caldeirão de cerca de 150 mil quilômetros quadrados abrangidos pela sua
prelazia, onde fermentavam disputas entre fazendeiros, índios e trabalhadores rurais, os
indígenas eram apenas considerados um fator de atraso ao desenvolvimento econômico.

Oficialmente, os índios não contavam. Eram um empecilho. A atitude oficial a


respeito dos índios era a atitude oficial dos quinhentos anos. Acontece que as
“marchas para o oeste” trouxeram o latifúndio e o agronegócio. Então, se opor
ao agronegócio e ao latifúndio era se opor à política oficial. E não defender a

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causa dos índios era negar o problemas deles. […] Os índios eram normalmen-
te deixados de lado. Mas, com a chegada do latifúndio financiado pelos incen-
tivos oficiais, eles passaram a ser um empecilho. E tem sido essa a batalha de
todos os séculos do colonialismo até hoje.10

Na carta pastoral de 1971, Casaldáliga denunciou que a passagem da br-080 pelo Parque
do Xingu “veio beneficiar diretamente só ao latifúndio”. Sobre os índios karajá, escreveu
que a aldeia de Santa Isabel “é um exemplo da aculturação violenta a que foram subme-
tidos. Facilmente encontra-se índios bêbados. Frequentam as casas de prostituição. Há
entre eles 29 tuberculosos”. A carta atacou a política do general Bandeira de Mello, se-
gundo a qual os índios seriam “integrados na desintegração da personalidade, na mais
marginalizada das classes sociais do país: os peões [de fazenda]”.
Setores da ditadura não aprovaram nada na carta. De acordo com o mais im-
portante órgão de inteligência do Exército, o Centro de Informações do Exército (cie),
o texto “repercutiu intimamente no âmbito nacional e internacional e agitou a área de
Santa Terezinha, município de Luciara, que é abrangido pela referida prelazia”.11 Mas o
cie comemorou o fato de a imprensa ter dado pouco destaque à carta, um “pequeno e
parcelado resumo”, com enfoque principal no trecho sobre os índios.

Estava em gestação na Igreja algo ainda maior. Iasi e diversos outros, como dom Lucia-
no Mendes de Almeida, Tomás Balduíno, Adalberto Pereira e Angelo Venturelli, come-
çaram a erigir um dispositivo católico específico para a questão indígena. Em 23 de abril
de 1972, por ocasião do iii Encontro sobre a Pastoral Indígena, realizado pela cnbb no
Instituto Anthropos, em Brasília, a Igreja anunciou a formação de um Conselho Indige-
nista Missionário, o Cimi, formado de início por sete membros, eleitos pela assembleia,
e descrito como um “órgão oficioso da cnbb”.12
Os objetivos do conselho eram promover a pastoral indígena, desenvolver a
formação teológica, antropológica e técnica dos missionários, “conscientizar o povo
brasileiro a respeito da causa indígena”, cuidar do relacionamento entre missões indí-
genas, a cnbb e os órgãos do governo federal e planejar outros encontros sobre a pastoral
indígena. E havia o sexto objetivo, o mais surpreendente de todos, cuja importância só
seria mais bem compreendida depois: assessorar juridicamente os missionários na de-
fesa das terras e patrimônios indígenas. Ou seja, os missionários se tornariam agentes
políticos e judiciais em disputas de terras e em defesa dos índios, algo bem diferente da
postura contemplativa e de não atrito da maior parte das missões religiosas.
No primeiro ano de existência, porém, o Cimi não teve o protagonismo esperado
por uma parte do clero. O principal trabalho do conselho nessa fase inicial foi participar

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dos debates sobre o novo Estatuto do Índio, produzido pela ditadura, encaminhado ao Con-
gresso e sancionado pelo ditador Médici em dezembro de 1973. Do lado do governo, pelo
menos dois nomes atuaram na confecção do texto, o jurista Temístocles Cavalcanti, indi-
cado pelo ministro Costa Cavalcanti, e Queirós Campos.13 A Funai apresentou 44 emendas
ao projeto original, que tinha 69 artigos.14 O Cimi atuou “em conjunto” com a Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara para “introduzir modificações de monta no documento”.
Em linhas gerais, o Cimi elogiou o texto final do estatuto. O padre José Vicente César, o se-
gundo presidente do Cimi, que era coordenador do Anthropos e que havia participado da
expedição da Cruz Vermelha, escreveu que dali em diante “ninguém poderá mais ofender
ou desrespeitar um índio no Brasil sem incorrer em crime de lesa-pátria e ultrajar a honra
da nação”. Afirmou ainda: “Deve-se reconhecer com alegria e muita esperança: a lei 6001
que sancionou o Estatuto do Índio constituiu grande vitória e progresso para a causa indí-
gena em nossa pátria, talvez comparável ao Alvará de dom José i em 1755”.15
Manifestações como essa mostram que no início das atividades do Cimi não era
ruim a relação do organismo com os militares. Além disso, governo e religiosos desenvol-
viam conversações secretas em reuniões no Rio. Pouca gente sabia da existência da Co-
missão Bipartite, que procurava saídas negociadas para crises que poderiam prejudicar o
relacionamento entre religiosos e governo.16 Havia sinais de que o comando da Igreja não
toleraria “radicalismos”, como expressamente mencionado no documento final do en-
contro da cnbb de 1970. Esse discurso acalmava os militares, que atribuíam os problemas
a uma minoria. Em 1967, o general José Horácio da Cunha Garcia havia escrito em memo-
rando interno que o clero esquerdista era formado por traidores da “Revolução” de 1964
que trabalhavam para “mandões comunistas russos, chineses ou cubanos”.17
Anos mais tarde, o próprio Cimi reconheceu, em documento interno, que hou-
ve uma espécie de intervenção do comando da Igreja nos rumos da nova entidade indi-
genista. Explicou que a decisão de fazer o conselho funcionar como “órgão anexo” da
cnbb, portanto sob a “responsabilidade da hierarquia da Igreja no Brasil”, não surgiu de
um desejo de organizar a pastoral indigenista, mas foi uma “consequência do mal-estar
em pessoas da Igreja e do governo face ao questionamento levantado pelo Cimi não só
das falhas estruturais da política indigenista oficial como também dos erros dos inte-
grantes do órgão de assistência ao índio”. “Propôs-se a anexação do Cimi à cnbb como
forma adequada de neutralizar sua ação”, afirmou o documento.18
O mesmo documento pontuou que, a princípio, o Cimi foi bem-vindo no seio
da Igreja, pois não passava de “uma cúpula que se reunia periodicamente”. Mas, quando
o trabalho do conselho “desceu às bases”, as coisas mudaram.

Superiores religiosos e bispos chegaram a proibir a entrada de membros do


Cimi em seus domínios. Outros evitavam até a aparência de compromisso ou

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ligação com o Cimi, especialmente diante dos órgãos do governo. […] Em cer-
tas missões, fez-se tudo para evitar a realização das assembleias de chefes in-
dígenas incentivadas pelo Cimi.19

As divergências chegaram às páginas dos jornais. O padre Vicente César revelou ter dei-
xado a presidência do Cimi, na qual atuou por poucos meses, “em virtude de divergên-
cia de métodos e de orientação doutrinária”. Ele pediu “prudência e moderação”. O bis-
po Tomás Balduíno, de Goiânia, rebateu a afirmação, sugerindo que César observava “de
camarote a grave situação do índio […] sem engajamento na causa e o despojamento em
favor de outros interesses”. Na réplica, César cutucou: “Se engajar-se na causa indígena
e com ela comprometer-se significa integrar-se em ‘apoteoses’ fúnebres e outras mani-
festações congêneres, nisto assiste a Sua Excelência [Balduíno] inteira razão”.20
O clero estava dividido a respeito do Cimi. Segundo as lembranças do padre
Iasi, o principal foco de discordância era a questão do engajamento dos missionários
nas ações políticas e judiciais e nas denúncias sobre violações de direitos em áreas in-
dígenas. “Os mais conservadores, os mais idosos, não queriam esse engajamento. Por
exemplo, o Jayme Venturelli, que acabou se demitindo. A Igreja, a princípio, não acei-
tou o Cimi.”21
Um exemplo dessas dificuldades ficou explícito para Iasi na segunda metade
dos anos 1970, quando um deputado federal aceitou a ideia apresentada pelo Cimi de
criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso sobre o índio. Mas o depu-
tado queria o aval da cnbb, pois temia que, lá adiante, a Igreja fosse a público desautori-
zar o Cimi e, por extensão, a cpi. Iasi e Egydio foram à sede da cnbb para conversar com
seu então presidente, dom Aloísio Lorscheider, e o primo deste, Ivo Lorscheiter. Após
muita conversa, nenhum apoio foi obtido. Quando chegou a noite, uma irmã veio cha-
mar os bispos para o jantar. Mas eles não convidaram os membros do Cimi para a mesa.
Um dos dois bispos, Iasi não se recorda qual, ainda teria dito que era necessário “estu-
dar essa relação entre o Cimi e a cnbb”. “Quer dizer, até essa altura o Cimi não estava
sendo tratado como um departamento. A gente tinha um trabalho ousado, não é? Eles
queriam um mais prudente.”
A virada do Cimi, ou a descida “às bases”, começou em junho de 1973, com a
criação de um secretariado executivo para gerir as ações práticas do conselho. O pri-
meiro a ocupar o cargo foi Egydio Schwade, que desde o final dos anos 1960 escrevia na
imprensa do Rio Grande do Sul artigos sobre a situação dos índios no Sul do país. As de-
núncias resultaram em uma cpi na Assembleia Legislativa gaúcha. Em 1969, Egydio aju-
dou a fundar a Operação Amazônia Nativa (Opan), em Mato Grosso, onde atuou como
coordenador. A Opan tinha apoio de uma entidade da Áustria e outra da Itália.

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Com o secretariado, o Cimi deixou de ser um conselho de especialistas para se
dedicar a viagens e observações in loco nas aldeias. Por ironia, um dos responsáveis por
essa mudança foi o mesmo dom Ivo Lorscheiter, então secretário nacional da cnbb. Foi
ele quem chamou Egydio e o nomeou primeiro-secretário do conselho, em julho de 1973.
Egydio disse ter a noção de que uma ação indigenista não poderia funcionar a
partir da cidade. Até então, os missionários percebiam que a criação do Cimi não havia
resultado em ação prática. Muitos queriam mudanças imediatas.
Uma bomba começou a ser elaborada no final de 1973 e chegou aos jornais em
maio do ano seguinte. O folheto “Y-Juca-Pirama, o índio: Aquele que deve morrer” foi
uma poderosa denúncia pública contra o regime militar. Embora não assinado pelo
Cimi ou pela cnbb, e sim identificado como “documento de urgência de bispos e mis-
sionários”, o folheto de 31 páginas tinha tudo a ver com o Cimi. Era assinado por alguns
de seus principais membros, como Iasi, Tomás Balduíno, Gil Gomes Leitão e Tomás Lis-
boa, e também pelos bispos Casaldáliga, Máximo Biennès (Cáceres, mt), Hélio Campos
(Viana, ma), Estevão Cardoso de Avellar (Marabá, pa) e Agostinho José Sartori (Palmas,
pr) e os missionários Domingos Maia Leite (Conceição do Araguaia, pa), Antônio Canuto
(São Félix, mt) e Leonildo Brustelin (Palmas, pr).22
O título do documento faz referência ao poema homônimo de Gonçalves Dias
(1823-64), um dos expoentes do chamado “indianismo”, termo usado para o conjunto de
obras românticas do século xix que procuravam idealizar o índio brasileiro. A referência
ao poema era um pouco estranha, pois o índio da obra é morto por outros índios, e não
por “civilizados”. Mas pode ser vista como uma ironia: antes, as tradições das aldeias é
que determinavam qual índio deveria morrer (no poema, um guerreiro que demonstrou
fraqueza); na ditadura, essas regras eram ditadas pelos “civilizados”.
As principais fontes referidas no documento foram jornais e revistas, o que re-
flete a importância que a imprensa conferia na época ao registro das denúncias de cri-
mes contra os índios. Mas o folheto foi além das notícias. Fez um diagnóstico sombrio
dos impactos da política desenvolvimentista, que seria puramente “economicista, so-
brepondo o produto aos produtores, a renda nacional à capacidade aquisitiva da popu-
lação, o lucro ao trabalho”. Para os religiosos, a “psicose desenvolvimentista” tinha como
consequência “a crescente marginalização do povo brasileiro” no campo e na cidade.
Avançando na interpretação desse cenário, o documento pediu uma “modificação radi-
cal de toda a política brasileira”.
Contestando os métodos empregados pelo regime militar, os religiosos anun-
ciaram o rompimento com qualquer operação de atração ou “pacificação” de índios, pois
tais ações estariam favorecendo “o avanço dos latifundiários e dos exploradores de mi-
nérios ou outras riquezas”. Pelo contrário, os missionários afirmaram que a partir dali
toda operação do gênero seria “denunciada”, “ao lado dos próprios índios”. Os religiosos

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anunciaram também que o trabalho missionário não teria mais como meta “civilizar”
os índios. Em confronto aberto com a política indigenista oficial, pregaram não acei-
tar “um tipo de ‘integração’ que venha apenas transformá-los em mão de obra barata”.
Como seria previsível, o documento caiu muito mal no governo. Em uma aná-
lise sobre o que considerou “propaganda subversiva”, o cie anunciou:

Nítida posição anti-Revolução e bastante vinculado e comprometido com a


subversão marxista-leninista. […] O grande objetivo é desmerecer o governo
da Revolução e criar na população condições de sensibilidade para uma toma-
da de posição antirrevolucionária.23

Muitos anos depois, quando entrevistei um dos subscritores do documento, dom To-
más Balduíno, morto em 2014, ele não desconversou sobre o caráter “subversivo” dos
missionários do Cimi.

De certa forma era verdade mesmo, nós fazíamos a subversão nas aldeias por-
que o índio começava a despertar para seus problemas. Quando o Cimi chegou,
foi uma transformação radical. Eles [índios] começaram a buscar a recupera-
ção de suas terras e de sua cultura.24

O fato de o documento reproduzir diversas reportagens de O Estado de S. Paulo foi des-


tacado na análise do cie, pois o jornal “reconhecidamente vem nos últimos tempos to-
mando uma tendência antigoverno, estando no momento sujeito à censura prévia”. De
fato, pelo menos oito reportagens produzidas pelo jornal que trataram do Cimi e de as-
suntos indígenas no país no ano de 1974 foram alvo de censura da ditadura.25 Foi deter-
minada pelos censores a eliminação de um trecho que falava de Casaldáliga, um tex-
to que relatava a existência de contratos de arrendamento intermediados pela Funai
na terra dos Kadiwéu, outro que tratava da invasão de Kaingangue em fazendas no Rio
Grande do Sul, um que trazia denúncias de Iasi sobre apropriação, pelo Grupo Itamara-
ty, de 226 mil hectares de índios pareci e outro que noticiava ataque de índios waimiri-
-atroari. Em todos os casos, o jornal publicou cantos de Os lusíadas, de Camões, para in-
dicar aos leitores a censura.26
A análise do cie sobre “Y-Juca-Pirama”, enviada a vários órgãos governamen-
tais, sugeriu inúmeras “medidas convenientes”. A Polícia Federal e o Ministério da Justi-
ça deveriam “interromper a impressão e divulgação” do texto, além de exercer “o contro-
le temporário de divulgação pelos órgãos de imprensa de notícias sobre irregularidades,

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violência, maus-tratos aos índios etc.”. Para isso, o governo deveria usar “força persuasi-
va da autoridade da fonte emissora da notícia”.
Os “órgãos de informações”, prosseguiu o cie, deveriam fazer o “estreito rela-
cionamento das atividades dos autores do panfleto”, ou seja, os religiosos deveriam ser
espionados. A Funai foi orientada a “interromper, quando conveniente, o fluxo ostensi-
vo de informações sobre problemas internos da Funai, rixas entres sertanistas brasilei-
ros e atritos entre as tribos e entre essas e civilizados”.
O cie também exigiu o que chamou de uma “contrapropaganda indireta”. Seria
uma “campanha informativa” voltada para “lideranças católicas, políticas e docentes uni-
versitários”. Para o público em geral, a sugestão era organizar “reportagem por uma das
principais revistas nacionais”, que deveria ser escrita por “jornalistas conceituados” e com
“discreta referência a órgãos governamentais ou a pessoa da área governamental”. Em sín-
tese, a ditadura queria que os veículos de comunicação produzissem uma versão edulco-
rada da realidade, mas sem que o leitor percebesse que, por trás, estava a mão do regime.
A ditadura procurava reagir sempre que no exterior fosse criticada a respei-
to do tratamento dado aos índios. Em outubro de 1974, um documento confidencial da
asi orientou o presidente da Funai a não responder diretamente a mais nenhuma cor-
respondência originada da Anistia Internacional. Segundo a asi, a Anistia “participa de
campanha difamatória contra o Brasil no exterior e mantém ligações” com uma supos-
ta “Frente Brasileira de Informações, fbi, órgão de difusão de infâmias e mentiras no ex-
terior contra o nosso país”.
Em 1975, quando a emissora de tv nrk, da Noruega, divulgou uma reportagem
na qual um índio peruano afirmava que “do lado brasileiro, silvícolas também estão sen-
do massacrados” e em seguida transmitiu um filme belga sobre a situação nas favelas
brasileiras, a embaixada do Brasil em Oslo protocolou no Ministério de Assuntos Es-
trangeiros da Noruega uma nota de protesto do governo brasileiro. No documento, o go-
verno repudiou o que chamou de “persistente campanha de calúnia e desinformação
contra o Brasil”.27
Uma tarefa regular das embaixadas brasileiras ao redor do mundo era locali-
zar, traduzir para o português e enviar para o Brasil notícias “negativas”, incluindo as
que tratavam da política indigenista. Havia também informes sobre atividades de jorna-
listas estrangeiros no Brasil. Em fevereiro de 1973, por exemplo, o coronel Joaquim Pes-
soa Igrejas Lopes, diretor do escritório da Sudam na Guanabara, foi entrevistado pelo
jornalista dinamarquês Haldor Sigurdsson, que trabalhava para a tv National Danisch
Broadcasting Corporation. O coronel enviou confidencialmente à asi a íntegra das per-
guntas e respostas.
“Qual é o problema com os índios?”, quis saber o dinamarquês.
“Desconheço. O senhor conhece algum?”, retrucou o militar.

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17. PERSONA NON GRATA

ao vir a público em maio de 1974, “y-juca-pirama” tornou evidente que a ala do


clero ligada à questão indígena desenvolvia voo próprio. Algumas vezes, literalmente.
Tomás Balduíno tinha um pequeno avião, que ele próprio pilotava e passou a usar para
levar missionários do Cimi ou indígenas para assembleias e encontros regionais. O apa-
relho, um teco-teco com lugar para apenas o piloto e um passageiro, foi um presente
dado a Balduíno por amigos religiosos da Itália.1
Egydio e Balduíno, entre outros, reuniram-se por várias semanas no final de
1973, no Rio, para elaborar o primeiro “programa de ação” do Cimi. Uma das prioridades
definidas foi reunir os índios entre eles mesmos, de forma que “revelassem sua realida-
de” uns para os outros. Surgiu pela primeira vez a ideia de assembleias indígenas. A ins-
piração veio de reuniões semelhantes realizadas na Colômbia.
Outra prioridade era fazer reuniões com os missionários por região, e não por
prelazia, diretamente com aqueles que faziam o trabalho indigenista.2 De março de
1974 a junho de 1975, uma equipe volante do Cimi — formada por Iasi, Ivar Luís Busat-
to, Valber Dias Barbosa, Sílvia Maria Bonotto e Egydio — percorreu 78 prelazias e dio-
ceses, das quais 55 tinham alguma área indígena sob sua abrangência. O grupo coletou
subsídios que alimentaram denúncias e reportagens na imprensa. Até agosto de 1974,
o Cimi realizou sete encontros entre seus próprios missionários, com um total de 185
participantes. De novembro de 1973 a junho de 1975, o conselho recebeu colaborações
de entidades estrangeiras para a primeira fase de mapeamento da realidade nacional:
da Adveniat, mantida por bispos da Conferência Episcopal da Amazônia, e da Aiuto
Alla Chiesa Che Soffre, uma fundação de direito pontifício sediada na Itália e fundada
por um padre holandês. O restante do dinheiro veio de inúmeras prelazias e dioceses
de todo o país.3
Vencida a primeira etapa de organização interna, o Cimi voltou-se para seu
grande desafio, o diálogo com os índios. Em seus documentos internos, o órgão orien-
tou os missionários a “procurar relacionamento pessoal com os índios, ganhando sua

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confiança”, além de “fazer com que se conscientizem de serem autores de sua história
(eles mesmos podem e devem agir)”.4
A primeira assembleia indígena, chamada eufemisticamente de “confraterni-
zação dos grupos indígenas”, ocorreu de 17 a 19 de abril de 1974 na Missão Anchieta de
Diamantino (mt). A Funai foi convidada e mandou uma observadora para o encontro, a
antropóloga Ana Maria da Paixão, da Divisão de Estudos e Pesquisas da direção do órgão
em Brasília. De religiosos compareceram Iasi, Balduíno, Tomás Lisboa, Adalberto, o ir-
mão Luís e o padre Rodolfo Lunkenbein, da Missão Salesiana de Merure, em Mato Gros-
so. Entre os índios, apareceram catorze líderes das etnias bororo, apiaká, tapirapé, xa-
vante, rikbaktsa, nambikwara, irantxe, pareci e kayabi.
Os índios foram estimulados a falar sobre seus problemas e dúvidas, alguns em
português “com dificuldades”, dois na língua nativa. Trocaram presentes entre si. Uma
parte da reunião foi fechada aos missionários. Na parte pública, os índios “criticaram a
Funai, a Missão Anchieta e a si próprios, culpando-se de alguns problemas que atual-
mente enfrentam”. O tema fundamental foi a terra.
Os Bororo informaram que passariam a “‘policiar’ suas terras contra os civiliza-
dos”, assim como os Apiaká, “a qualquer preço”. Os Pareci disseram que a reserva criada
pelo governo era grande, “mas não serve para plantar, foi feita sem ninguém se preocu-
par com o índio”. Disseram que havia Pareci trabalhando em fazendas “em regime de es-
cravo” e que iriam “bater” em um “civilizado” que fornecia bebidas alcoólicas aos índios.
Os Rikbaktsa foram mais diretos. A respeito de “civilizados” que queriam en-
trar na área indígena “para caçar e morar”, informaram que “vão matar quem entrar na
reserva sem ordem dos índios ou da Funai”. O “capitão” nambikwara Antônio relatou
que a área reconhecida pelo governo era “pobre, os índios estão na margem esquerda,
quando a melhor parte é na margem direita” e por isso pedia ajuda “porque os Nambi-
kwara estão acabando”.
O resultado da reunião foi tão bem apreciado pelos religiosos que eles passa-
ram a chamá-la de “Segunda Confederação dos Tamoios”,5 em referência à revolta lide-
rada pelos Tupinambá contra os colonizadores portugueses no litoral brasileiro no sé-
culo xvi.
Os indígenas pediram que novos encontros do gênero fossem organizados dali
em diante. Em seu relatório, a antropóloga da Funai sugeriu que o governo ficasse aten-
to a respeito desse movimento, para poder se antecipar e mesmo liderar o novo tempo
que parecia surgir entre os índios.
A ditadura não fez nada disso. Pelo contrário, como veremos adiante, passou a
perseguir e tolher as reuniões indígenas. Mas o processo deflagrado não tinha mais re-
torno. Em Goiânia, o Cimi organizou uma reunião entre os missionários, sendo uma das
metas “apoiar, incentivar e possibilitar encontros de chefes e grupos tribais”.6

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O documento falava também em “encarnação”, ou seja, tentar viver com os
índios à maneira deles, “convivendo com eles, investigando, descobrindo e valorizan-
do, adotando sua cultura e assumindo sua causa com todas as suas consequências, su-
perando as formas de etnocentrismo e colonialismo até o ponto de ser aceito como um
deles”. Ou seja, os missionários pretendiam quase que se tornar índios. Quando o pa-
dre Tomás Lisboa foi viver com os Mukus, ele passou a andar nu, segundo testemunhou
Egydio.7 As ações sugeridas pelo Cimi previam um comprometimento total com o índio,
em que o missionário poderia pôr em risco a própria vida.
O Cimi logo partiu para organizar a segunda assembleia indígena, e para isso
recebeu a ajuda inesperada da própria fab. O local escolhido para o evento foi a Missão
Cururu, no sul do Pará, fundada por irmãos franciscanos em 1911. O conselho pretendia
reunir representantes de índios xerente, tapirapé, xavante, bororo, irantxe, apiaká, kaya-
bi, kaxinawa, tiriyó, galibi, karipuna, nambikwara e munduruku, de 8 a 14 de maio de 1975.
Para solucionar a questão do transporte, Balduíno recorreu a um conhecido, o brigadeiro
João Camarão Telles Ribeiro (1916-2000), então comandante da Primeira Zona Aérea de
Belém. Balduíno pegou seu aviãozinho e rumou em direção a Camarão, junto com Egydio.
Após ouvir o plano dos missionários de uma grande reunião indígena, o brigadeiro bateu
a mão na mesa e disse que “era isso que os índios precisavam”, recordou-se Egydio.
Histórias como essa revelam que, na ponta do sistema, a relação entre missioná-
rios, indigenistas, sertanistas e militares era mais matizada. Também havia militares na-
cionalistas que viam os índios como “guardiões” da Amazônia, assim como havia os que ti-
nham interesse legítimo na preservação das culturas indígenas, como herança do marechal
Rondon, e cuja ação, no extremo da máquina estatal, muitas vezes era contrária à própria
política oficial. Para o Estado brasileiro, também havia a questão mais pragmática do custo-
-benefício. Os missionários desempenhavam nas aldeias um papel que o Estado não queria
ou era incapaz de assumir. Em meados dos anos 1970, a prelazia do Rio Negro, por exemplo,
contava com 23 padres, onze salesianos e 42 irmãs dedicados aos grupos indígenas da ex-
tensa região, o que implicava deslocamentos de até trezentos quilômetros de barco.

Em 1975, foram à assembleia de Cururu índios de Macapá, Diamantino, Guiratinga, São


Félix e Óbidos. O evento mobilizou cerca de 850 Munduruku da missão e vizinhanças,
em viagens de até quatro dias de barco. As reuniões foram acompanhadas por cerca de
sessenta chefes indígenas e nove “civilizados”, num barracão. Os índios falavam ou na
língua nativa ou em português. Havia intervalo para a merenda. No final do dia, partidas
de futebol e, à noite, cantos e danças das diferentes etnias. No terceiro dia, os índios fi-
zeram uma reunião fechada. Um grupo de três funcionários da Funai tentou entrar no
barracão, mas foi convidado a se retirar.8

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Os discursos dos índios foram anotados, traduzidos, publicados e dissemina-
dos pelo Cimi. O que se extrai da leitura dos registros é a recorrente queixa sobre a de-
mora na legalização de terras para os índios e o crescente apoio que os missionários do
Cimi passaram a ter entre eles, ligado à aprovação desse tipo de encontro.
Os depoimentos dão a perfeita noção de que a ditadura repetia a rotina do spi
de não conseguir desempenhar a contento suas atividades para solucionar as demandas
mais urgentes de várias etnias. Por mais que a ditadura tentasse apresentar uma versão
diferente à opinião pública, inúmeros grupos indígenas permaneciam à margem da as-
sistência oficial.
No Alto Solimões, por exemplo, a prelazia local informou à Funai em 1973 que
dezoito índios haviam morrido de sarampo num espaço de apenas vinte dias e o governo
não conseguira ajudar a tempo com remédios.9 No sul do país, o chefe local da Funai dis-
se ter apenas uma assistente social para vinte postos indígenas em três estados. Em abril
de 1977, o general Ismarth “reconhece as deficiências de infraestrutura” no Amazonas”.10
Admissão mais ampla consta de documento entregue pelo Ministério da Saúde ao Con-
gresso Nacional naquele mesmo ano. Apontou que “70% dos grupos tribais não apresen-
tam condições satisfatórias de saúde”. Dos 170 postos no país, apenas 110 contavam com
“atendentes de enfermagem treinados”, em apenas sessenta havia “cômodos que funcio-
nam como pequenas enfermarias”, e 19,5% da população indígena nem sequer era va-
cinada contra tuberculose. O relatório também encontrou “elevada prevalência de des-
nutrição em alguns grupos indígenas” e de doenças transmissíveis, “destacando-se, em
caráter endêmico, a tuberculose, a malária e verminoses”. Tudo isso agravado pela “fal-
ta de integração dos órgãos assistenciais” e pela “falta de laboratórios de saúde pública”.11
Quando Bandeira de Mello deixou a Funai, em 1974, criou-se a expectativa en-
tre os missionários de que o relacionamento com o órgão melhorasse. Em uma carta da-
tilografada para Casaldáliga, Egydio disse que o Cimi estava “em boas relações com a nova
direção da Funai” e que nos dois contatos com o novo presidente, o general Ismarth, hou-
vera um “diálogo franco, o que nos dá esperanças de um relacionamento mais cordial
entre as missões e o órgão federal”.12
O otimismo não durou muito. O Cimi tornou-se mais e mais fiscal das ativida-
des da Funai. Em fevereiro de 1975, Egydio fez, na condição de secretário executivo do
Cimi, uma viagem para conhecer postos indígenas no Paraná, no Rio Grande do Sul e
em Santa Catarina. No retorno a Brasília, elaborou um relatório e o enviou a Ismarth,
para sua “especial atenção”. Os Kaingangue eram “explorados como mão de obra bara-
ta em alguns postos” e por colonos e madeireiros. Os Xokleng “resistiram mais violen-
tamente à invasão de suas terras”, mas encontravam-se em situação semelhante à dos
Kaingangue. Eles “abandonaram a cultura original quase que totalmente, devido, entre
outros motivos, à atuação da Assembleia de Deus, seita bastante proselitista”.13 Entre os

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líderes indígenas, Egydio encontrou “desespero, que se extravasava nas arruaças inter-
nas, na cachaça, nas ameaças de uns contra os outros, nas frequentes prisões e espan-
camentos”. Ele identificou também

estereótipos criados pelo civilizado: índio é vadio, não produz, vive na promis-
cuidade, é selvagem, cachaceiro, um “coitado”. É persona non grata na região,
e todos esperam que desapareça de uma vez, para poderem tomar o último
torrão de terra que lhe resta.

Egydio relatou que os índios estavam “encurralados”, mas eram “levados a não
revelar a verdadeira situação do posto à polícia e à imprensa”. O índio, na maioria dos
postos do Sul, era “um peão mal assalariado da Funai”.
Até 1967, seis dos principais postos do Rio Grande do Sul estavam ligados não
ao spi, mas a um serviço estadual vinculado à Secretaria de Agricultura do governo do
estado. Segundo o secretário do Cimi, as terras demarcadas por volta de 1913 sofreram
o maior golpe em 1958, quando o governo gaúcho “se apropriou” da reserva de Serrinha,
picotou-a e distribuiu-a para colonizadores, antes transferindo os índios para a reser-
va de Nonoai. Quatro anos depois, o governo alterou as divisas das áreas. No caso de No-
noai, uma área foi retirada para colonização, onde foi erguido o município de Planalto.
No posto Inhacorá, 1737 hectares foram retirados para construir uma estação experi-
mental e 3062 hectares, para nova divisão de lotes. Na mesma época, a área de Ventara
foi extinta. Os índios foram “deportados” para a área de Votouro.
Boa parte desses ataques ao patrimônio indígena ocorreu entre 1959 e 1963,
durante a gestão de Leonel Brizola (1922-2004) como governador do Rio Grande do Sul.
As medidas anti-indígenas de Brizola eram um tema de interesse dos militares, por se
tratar de adversário ferrenho da ditadura e um dos principais apoiadores do presidente
deposto Goulart, de quem era cunhado. Depois do golpe de 1964, o então diretor do spi,
major Luís Vinhas, já dizia que uma das prioridades do governo era resolver a “usurpa-
ção das terras dos índios” provocada pelas “reformas agrárias” de Brizola e dos ex-gover-
nadores do Paraná e de Mato Grosso.14
Onze anos depois, contudo, nada havia mudado no Rio Grande do Sul. Em 1979,
Egydio concordava sobre o papel de Brizola: “Como o general Bandeira de Mello, que
lançou o mais eficiente método de extermínio dos índios, Leonel Brizola fez um proces-
so semelhante no sul do país”.15
Egydio listou diversas “firmas espoliadoras das áreas indígenas”, todas em ativi-
dade, amparadas por contratos assinados com a própria Funai. A Marquetti explorava o
palmito do posto indígena de Ibirama (sc), a Maia retirou 250 mil pinheiros do posto Gua-
rapuava (pr) e a Slaviero “apossou-se de 3,8 mil hectares do total de 9 mil hectares da área

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indígena”. O missionário estimou em “5 [mil] ou 6 mil” o número de intrusos na área do pos-
to Nonoai. Em Rio das Cobras, um ladrão de terras “profissional” era acusado pelo espanca-
mento “de mais de trinta índios”. Três “pistoleiros” “ameaçaram índios, espancaram e rou-
baram dinheiro e madeira”. O índio Augusto teve as pernas “fraturadas” e ficou paraplégico.
A resposta do governo a todos esses problemas, escreveu Egydio, era precária.
Entre os chefes dos postos havia desânimo, impotência, “pouca visão antropológica”,
quando não “cumplicidade e participação” no esbulho do patrimônio indígena. A Funai
tinha uma equipe de advogados para auxiliar os índios, mas no momento estava “omissa
ou se mostra inoperante”. A entidade fazia “projetos de gabinete”, ou seja, planos de de-
senvolvimento econômico que, na prática, não saíam do papel ou eram irreais.

O relatório demolidor do Cimi chegou ao gabinete do presidente da Funai em março


de 1975. Nessa mesma época, Ismarth manteve reuniões com a direção do Cimi, tanto
na Funai quanto na sede do conselho, em Brasília. O que fez tudo degringolar foi a per-
cepção equivocada dos militares de que poderiam comprar o silêncio do Cimi, segundo
Egydio. Quase quarenta anos depois, ele rememorou o confronto:

Ele [Ismarth] achou que a gente ia parar com as críticas, ia parar de levantar os
problemas. E como os chefes de posto não podiam fazer certos tipos de crítica,
nós tomamos as dores deles. E com isso os jornalistas tiveram constantemente
conteúdo também. […] Como continuou isso, o general proibiu, fez exatamente
o contrário. Foi a primeira repressão grande que sofremos.

Em abril, a Funai promoveu em Manaus um seminário denominado “Funai/


Missões Religiosas” — foi o segundo encontro do gênero; o primeiro, ocorrido em 1972,
em Brasília, não tinha sido bem recebido pelos missionários do Cimi, que tiveram sua
manifestação truncada. Ismarth foi à segunda reunião acompanhado de vários direto-
res de Brasília e de oficiais do Comando Militar da Amazônia. Pelo lado dos missioná-
rios, compareceram representantes de prelazias e grupos evangélicos que atuavam na
Amazônia. Foram cinco dias de debates que pretendiam estabelecer “as bases de atua-
ção conjunta” entre missionários e Funai.16
A reunião começou com o reconhecimento de Ismarth de que o seminário ante-
rior não dera “participação ativa do missionário”. Também admitiu que “muita coisa” das re-
soluções do encontro anterior “não foram levadas em consideração nem foram realizadas”.
Um sério problema nos objetivos da reunião foi levantado por dom Milton Cor-
reia, arcebispo de Manaus. Ele indagou por que nenhum índio fora convidado para o
evento. O general sugeriu simplesmente que os índios não saberiam o que dizer:

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Sendo o seminário de interesse dos indígenas amazônicos, talvez tenha sido
esquecimento de nossa parte, que esses índios aqui estivessem presentes. Mas
[para isso] eles teriam que ter plena consciência do trabalho a ser discutido e
debatido, talvez nem houvesse um resultado positivo com a presença desses
índios aqui em plenário, a não ser mesmo a presença deles.

Poucas vezes ficou tão evidente a visão negativa que o principal nome da Funai
tinha a respeito da capacidade de reflexão dos índios sobre seus próprios problemas.
Porém, enquanto o general dizia que a presença dos índios era irrelevante, as assem-
bleias conduzidas pelo Cimi fervilhavam de ideias e constatações.

Um mês depois do seminário e dois após o relatório de Egydio sobre os índios no sul do
país, a ditadura tomou a primeira medida séria para tentar impedir o trabalho do Cimi.
Em carta enviada ao presidente do conselho, Ismarth afirmou que havia “procurado adotar
uma política de abertura, leal e franca”, mas que revisava sua posição a partir dali. “Senti-
mo-nos traídos pelo procedimento que vem adotando esse conselho em relação ao órgão.”17
A suposta “traição” era uma só, Ismarth deixou claro: as reuniões com os indí-
genas. O general disse que elas ocorriam “sem que a Funai tenha sequer sido convidada”
e que ele não era informado sobre “os resultados encontrados”. Decidiu então revogar
todas as autorizações de livre trânsito em áreas indígenas concedidas pelo órgão, condi-
cionando qualquer ingresso futuro à “prévia e expressa permissão” dele próprio. Assim,
a ditadura pretendia cortar os laços entre Cimi e índios, de modo a estancar críticas e
notícias negativas na imprensa. A proibição foi ordenada por escrito por Ismarth e de-
veria ser cumprida por todos os chefes dos postos indígenas no país.

Em junho de 1975, Ismarth também proibiu, em ofício confidencial, o ingresso de Ca-


saldáliga “em qualquer área” sob jurisdição da Funai.18 Desde 1967 o cie já acompanhava
“os acontecimentos no nordeste do estado de Mato Grosso”, pois para aquela área con-
vergia “grande soma de capitais” aplicados pelas companhias de desenvolvimento com
projetos aprovados pela Sudam.19
Casaldáliga não estava sozinho. Ao seu lado havia outros padres ativos, como o
francês François (no Brasil, Francisco) Jacques Jentel e os brasileiros Antônio Canuto e
João Bosco Penido Burnier.
Jentel já atuava com os indígenas e posseiros na região do Araguaia antes da
criação do Cimi. Ele havia criado uma cooperativa agrícola que adquiria produtos dos
posseiros e de índios tapirapé. As comarcas de Barra do Garças e Luciara eram palco de

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inúmeros projetos agrários apoiados com recursos da Sudam a partir de 1967. A chega-
da dos empreendimentos implicava a tomada de posse de terras, o que atingia direitos
de pequenos produtores e lavradores que ali viviam. A Companhia de Desenvolvimen-
to do Araguaia (Codeara) adquiriu 196,8 mil hectares na zona rural de Luciara e deu iní-
cio a um projeto de urbanização do povoado de Santa Terezinha. A empresa precisava da
concordância dos posseiros para que fossem removidos para outras áreas indicadas por
ela. O governo depois reconheceu que o povoado “achava-se encravado” na gleba antes da
chegada da Codeara, assim como “inúmeros posseiros espalhados pela gleba inteira”.20
De 104 posseiros, apenas 43 assinaram o contrato. Jentel cumpriu o papel de
porta-voz das demandas dos posseiros. Além de criticar os acordos entre Codeara e pos-
seiros, o religioso também alegou que cinco lotes do povoado pertenciam à “Missão do
Tapirapé”, nome do trabalho missionário desenvolvido junto aos índios homônimos, e
passou a construir neles uma escola e um ambulatório. A Codeara primeiro quis doar
5 mil hectares para os posseiros, mas nem todos se mudaram para a nova área. Depois
tentou impedir a continuidade das obras do padre. Dias após uma discussão com Jen-
tel, um empreiteiro contratado mandou que um trator destruísse “parte dos alicerces
do prédio do ambulatório, um poço e algumas bananeiras”.21
Com o ataque, os ânimos se exaltaram e os posseiros se uniram em torno de
Jentel. Informações sobre distribuição de armas e construção de “fortificações” no po-
voado — cinco trincheiras escavadas no solo, preparadas para resistir a novas investi-
das da Codeara — chegaram ao conhecimento da Secretaria de Segurança Pública, que
mandou para lá dois capitães e cinco soldados da Polícia Militar. No dia 3 de março de
1972, os policiais tiveram a péssima ideia de chegar ao local acompanhados pelo gerente
da Codeara, José Silveira, e outros funcionários da empresa. O grupo foi recebido com
uma “saraivada de balas perdidas de todas as direções ao redor da construção” erguida
pelo padre. Os policiais responderam com tiros. Passados alguns minutos de tiroreio,
houve um cessar-fogo para socorro aos feridos, levados a hospitais da região. Nos dias
seguintes, negociações entre Jentel, a polícia e a Codeara tentaram solucionar o confli-
to. Segundo a polícia, até 283 posseiros se reuniram na praça pública para acompanhar
os encontros, “sob comando do padre”.
O número correto de vítimas do confronto é impreciso, havendo relatos não
confirmados na imprensa de até catorze mortos, enquanto um relatório do governo
apontou sete feridos. Um documento da Codeara registrou também sete feridos, com
quatro em estado “mais grave”.22
O processo contra Jentel correu rápido. Um ano depois, ele foi condenado
pela Justiça Militar a dez anos de prisão, preso e levado a um quartel de Campo Gran-
de. No julgamento, uma testemunha apresentada pelos militares, Lucia Dias de Olivei-
ra, disse ter ouvido o padre mandando atirar contra o pessoal da Codeara.23 Após ficar

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um ano preso, o padre conseguiu uma vitória no Superior Tribunal Militar. A corte re-
conheceu que seu caso deveria ter sido julgado na Justiça comum, não militar, e de-
terminou sua imediata soltura. Dias depois, Jentel embarcou para a França. No final
de 1975, ele decidiu regressar ao Brasil. Foi preso de novo e, dessa vez, expulso do país
pela ditadura.24
Jentel nunca mais pôde voltar ao trabalho indigenista. Ele morreu na França,
em janeiro de 1979, aos 57 anos, de câncer renal.25 Em nota, Casaldáliga acusou: “A Revo-
lução terá que se envergonhar de mais um crime de covardia, por ter condenado Jentel
a dez anos de prisão e finalmente ao exílio”.26

No início de 1976, o padre João Bosco Penido Burnier, vinculado à prelazia de São Félix
e amigo de Casaldáliga, passou a ser um dos principais nomes do Cimi em Mato Gros-
so, no cargo de coordenador da região norte do estado. Nascido em Juiz de Fora (mg) em
1917, Burnier foi aluno do seminário na ilha de Paquetá, no Rio, de 1928 a 1933. Estudou
em Roma, integrou-se à ordem dos jesuítas e trabalhou na formação de noviços até 1965.
No ano seguinte, chegou à prelazia de Diamantino (mt). Seu trabalho no campo indige-
nista se dava com os Xavante e os Bakairi.27
O sertanista Odenir Pinto de Oliveira conviveu com Burnier numa época em
que ambos estavam empenhados em retomar, para os Bakairi, terras ocupadas por fa-
zendeiros. Morando numa reduzida área de 6 mil hectares, eles reivindicavam 36 mil
hectares. Estavam espalhados em várias fazendas, onde foram trabalhar para o susten-
to diário. O principal trabalho de Burnier, segundo Odenir, foi reunir e incentivar os ín-
dios a persistirem na causa.
Os últimos dias de vida do padre foram destinados aos índios. Entre 4 e 6 de
outubro de 1976, ele deixou São Félix em companhia de Casaldáliga para participar de
um encontro anual com missionários indigenistas na cidade de Santa Terezinha. Encer-
rada a reunião, foi visitar a aldeia dos Tapirapé, onde conversou sobre seus problemas
e pernoitou. Na manhã do dia 11, ele e Casaldáliga foram de ônibus, o Expresso Xavan-
te, à cidade de Ribeirão Cascalheira, que, no dia, seguinte, estaria em festa pela padroei-
ra Nossa Senhora Aparecida. Pela manhã, Burnier acompanhou uma procissão até um
riacho, do qual recolheu e benzeu um pouco de água para os batismos que seriam rea-
lizados no dia seguinte.28
Por volta das dezenove horas do dia 11, os dois religiosos foram informados so-
bre torturas que três mulheres e um homem estavam sofrendo no destacamento da Po-
lícia Militar da cidade. Uma semana antes, um soldado da pm lotado ali, Félix Pereira de
Castro, havia sido assassinado quando prendia duas pessoas sob acusação de roubo. O
parente de um dos detidos tinha se aproximado e lhe dera um tiro no rosto. Armados,

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os autores do crime não permitiram, por cerca de sete horas, que alguém se aproximas-
se do corpo. No final do dia, fugiram. Um grupo de pms foi deslocado da cidade de Nova
Brasília para auxiliar nas buscas aos criminosos. A pm então prendeu quatro parentes
dos suspeitos e passou a exigir que entregassem o paradeiro deles.29
Margarida Barbosa da Silva, de 54 anos, era irmã e tia dos acusados pelo assas-
sinato. Ela disse depois ter ficado mais de 24 horas presa e sem alimentação. Por horas
a fio, os pms a obrigaram a ficar “ajoelhada numa tampa de garrafa que estava sobre uma
lata vazia de guaraná em líquido, e com os braços abertos”. Quando Margarida baixava
os braços para tentar descansá-los, os policiais lhe apontavam o revólver para que vol-
tasse à posição. Margarida foi também “torturada com agulha de costurar que foi intro-
duzida nas unhas das mãos, nos braços, no peito e no pescoço”, além de ser espancada
na cabeça com cassetetes.
Santana Rodrigues Barbosa dos Santos, de 23 anos, mulher de outro dos acu-
sados, também disse ter sido espancada no xadrez da delegacia e ameaçada pelos po-
liciais, que lhe encostaram um revólver na cabeça e outro no pescoço. José Antônio da
Silva, de 33 anos, disse ter sido espancado com “tapas violentos na região do ouvido”,
“borrachadas em cima dos rins” e “torturado com agulha de costura, no vão da unha em
seus dedos da mão”.
O exame de corpo de delito de Margarida, feito depois, confirmou “lesões
circulares em ambos os joelhos” e “edemas em ambas as mãos”. À pergunta se foram
praticados por algum meio “insidioso ou cruel”, o médico-legista anotou: “Tortura”. O
exame de José Antônio identificou lesões em dedos da mão, também produzidas por
“tortura”. Sobre o instrumento utilizado, o perito escreveu: “Agulha”. Em depoimen-
to posterior, o próprio comandante da pm local, cabo Messias Martins dos Reis, reco-
nheceu que seus soldados usaram agulhas e “tampas de garrafa de cerveja” na tortu-
ra dos presos.
Procurados por “vários moradores que davam notícias das arbitrariedades da
polícia” e das torturas,30 Burnier e Casaldáliga rumaram para a frente do destacamento
da pm, onde começaram a pedir explicações aos policiais. Nesse instante, um soldado da
pm retirava de uma camionete um porco selvagem, que pelo jeito seria usado para no-
vas torturas dentro do destacamento. O que ocorreu em seguida foi testemunhado por
várias pessoas, cujos depoimentos contêm apenas pequenas discrepâncias entre si. Os
dois religiosos se identificaram e pediram ao cabo da pm Juracy Pedro da Silva a liber-
tação imediata dos presos. O cabo respondeu que isso só ocorreria mais tarde. Burnier
exibiu um documento de identificação para provar que era padre. O soldado pm Ezi Fei-
tosa Ramalho,31 de 25 anos, deu um tapa na mão dele, derrubando ao chão a sua iden-
tificação. Em resposta, o padre deu um empurrão no soldado. Anunciou então que iria
até Brasília denunciar aos jornais as torturas e indicaria os nomes dos policiais. O cabo

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Messias tentou conter Ezi com uma mão, mas ele se esquivou, deu um passo à frente,
sacou seu revólver calibre 38, deu uma bofetada no rosto, uma coronhada e, por fim, um
tiro à queima-roupa na cabeça de Burnier. Temerosos de represálias da população, to-
dos os pms deixaram a cidade na mesma noite. Ezi se entregou ao comando da corpo-
ração três dias depois. Em depoimento, alegou que o cabo Juracy recebera do padre um
soco no rosto, o que não foi confirmado por nenhuma testemunha, e que o disparo ti-
nha sido acidental.
Com o tiro, Burnier desabou “sem dar um grito”, mas ainda vivia. Ele foi co-
locado numa camionete, levado ao hospital local e, de lá, seguiu em avião para Goiâ-
nia, onde foi internado no hospital neurológico e acabou morrendo no final da tarde
do mesmo dia, aos 58 anos. Ao longo do atendimento médico, ele trocou palavras com
Casaldáliga.

Durante as três horas de lucidez que ainda viveu o padre João Bosco, depois do
tiro, conversou bastante conosco, os que o acompanhávamos. Repetidamente
assumiu, com generosidade, o seu sofrimento e a morte, que previu, pelos ín-
dios e pelo povo. Foram três horas de meditação em voz alta. […] Lembrou-se
do Cimi, lamentou particularmente não ter tomado nota de um bate-papo [...]
que tivemos três dias na aldeia tapirapé, com os índios.32

Quase quarenta anos depois, Casaldáliga lembrou que, quando eles chegaram
ao destacamento, os policiais

nos xingaram de “padres comunistas, subversivos”. Era uma luta arriscada, o


trabalho da diocese. […] A prelazia era o inimigo público número um da repres-
são. Éramos vigiados, amaldiçoados. E o povo simples era obrigado a se calar.
Não tinha muita chance, pois a repressão caía em cima.33

No curto espaço de dois anos, Casaldáliga teve um amigo expulso, Jentel, e outro assas-
sinado, Burnier. Outra amiga do bispo foi alvo da ditadura: a irmã Mercedes Setem, nas-
cida em 1940 em Rio das Pedras (sp) e admitida na Funai em junho de 1974 na função de
enfermeira do Hospital do Índio do Parque Indígena do Araguaia, na ilha do Bananal. No
mesmo local, a fab tinha uma base de operações e pista de pouso.
Mercedes entrou na mira dos militares após a visita do general Ismarth à loca-
lidade de Santa Izabel no final de 1974. Durante a visita, o general “foi cercado pelos ín-
dios e, a par de uma série de reivindicações, foi duramente interrogado pelos mesmos”.34
Os Karajá queriam saber por que a Funai estava vendendo tantos bois na ilha. Logo de-

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pois, furtaram pedaços de carne do açougue da entidade e jogaram a culpa no funcioná-
rio que cuidava do estabelecimento.
No início de 1975, escaramuças ocorreram entre índios e militares. Seis Karajá
tentaram invadir a casa de um servidor da fab para acabar com uma festa de aniversá-
rio. Um cabo da Aeronáutica “atirou para o ar”. Dias depois, um índio embriagado agre-
diu um sargento em um bar na cidade de São Félix, acusando-o de usurpar as terras in-
dígenas, negar-se a fornecer óleo combustível aos índios e proibir a venda de álcool.
Outro índio “esbofeteou” o chefe do posto da Funai.
Os militares suspeitavam que Mercedes estava instigando os índios contra a
fab. A religiosa tinha mesmo muitas críticas aos militares. Ela denunciou a um médico
da fab que um sargento havia “espancado covardemente um índio”, que o comandante
do destacamento dera ordens para agredir índios que estivessem embriagados e que a
fab se recusava a fornecer energia elétrica para o Hospital do Índio.
Os militares iniciaram uma investigação sobre Mercedes, acusada de “ter per-
feita ligação e coincidência de pontos de vista com o bispo Casaldáliga”, e pediram a re-
tirada da irmã da ilha.35 O chefe da Funai, Joel Marcos, endossou as conclusões dos mili-
tares e pediu à direção do órgão, em Brasília, que mantivesse a religiosa “sob observação
ou mesmo que seja afastada do Hospital do Índio”.
Ismarth designou “reservadamente” para investigar Mercedes o servidor
Carlos Alberto Milhomem de Sousa, lotado em Brasília, a fim de que acompanhasse
agentes do cie e do sni em uma viagem pela região do Araguaia de 18 a 21 de março de
1975. Para que os agentes passassem despercebidos, a Funai espalhou que a finalidade
da viagem era verificar a situação de um projeto de bovinocultura do órgão. Sousa es-
creveu que os Karajá vinham “demonstrando certa hostilidade aos trabalhos da Funai”
e fazendo reivindicações “até então desconhecidas”. O servidor, contudo, reconheceu
que concorria para a situação a “ineficiência administrativa [da Funai]”. Sousa disse
que Mercedes era “bastante conceituada” entre os Karajá e que sua casa vinha sendo
frequentada por alguns índios, “o que nos causa estranheza”, pois seriam “justamen-
te os mais rebeldes”. Para Sousa, havia “um solapamento contra os poderes e de modo
geral contra a iniciativa privada”.36
Poucos dias depois, Mercedes foi sumariamente dispensada do cargo de en-
fermeira por uma portaria da presidência do órgão. A Funai perdeu uma funcioná-
ria com currículo invejável. Mercedes fora enfermeira-chefe do serviço de medicina
e instrutora de estagiários na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo entre 1968 e
1971 e professora de enfermagem ortopédica na Faculdade de Enfermagem São José.
Ela procurou o presidente da Funai para saber as razões de sua dispensa, mas “o mes-
mo se recusou a prestar qualquer informação a respeito e muito menos envolvendo o
nome da Aeronáutica”.37

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As pressões sobre Casaldáliga eram parte da rotina. A poderosa Confederação Nacional


da Agricultura (cna), que reunia os maiores proprietários rurais do país, enviou ofício ao
gabinete do general Ernesto Geisel assinado pelo presidente da entidade, Flávio da Cos-
ta Britto — em 1970 ele foi eleito senador pela governista Arena, da qual se tornou vi-
ce-líder no Senado.38 Ele afirmou que Casaldáliga era “o principal responsável pelas ati-
vidades subversivas que se desenvolvem naquela região”, numa atuação “provocadora,
anticristã e antibrasileira”. Também acusou o bispo e seus “sequazes marxistas-leninis-
tas, infiltrados na Igreja Católica”.39
O presidente da cna ainda atribuiu à prelazia a “manipulação dos indígenas”
da região. “Elementos do clero vêm provocando uma situação altamente explosiva na
colônia indígena de Merure e municípios adjacentes, área em que índios e alguns falsos
posseiros são instigados pelos próprios padres à prática de invasões.”
Merure, terra bororo em Mato Grosso, foi o epicentro da segunda grave crise a
envolver um membro do Cimi no mesmo ano de 1976.

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18. OSSOS E PENAS

em merure funcionava a missão dos padres salesianos dirigida entre 1973 e 1976
pelo padre de origem alemã Rudolf (no Brasil, Rodolfo) Lunkenbein, nascido em 1939.1
Ele conheceu o Brasil no final dos anos 1950, tendo estudado na Casa Salesiana de Cam-
po Grande e feito o noviciado em Pindamonhangaba (sp). Dois anos depois, regressou
à Alemanha, onde se ordenou padre em Benediktbeuern. Em seguida voltou ao Brasil e
aos Bororo de Merure. Sua meta, dizia aos familiares, era se dedicar à vida missionária,
atraído pelo desafio de combater a “pobreza religiosa e material”.2
O marechal Rondon fez as primeiras demarcações da terra indígena Teresa
Cristina em 1895. Sete anos depois, os salesianos criaram a missão entre os índios. Nos
anos 1950 e 1960, o território bororo sofreu diversas interferências do poder político lo-
cal, que passou a invadir e ocupar a terra indígena, com apoio do governo estadual. Com
o território cada vez menor, os Bororo foram sendo acuados, o que provocou aumen-
to explosivo de alcoolismo, mendicância e desagregação social. Após o surgimento do
Cimi, porém, padres como Lunkenbein passaram a defender a antiga reivindicação dos
Bororo de demarcação de uma área de 80 mil hectares, uma região já ocupada por fa-
zendeiros e posseiros.
Eleito para a diretoria do Cimi em 1972, Lunkenbein teve participação ativa
nas discussões e trabalhos promovidos pelo conselho desde a sua fundação.3 Em abril
de 1974, foi um dos missionários presentes à primeira assembleia dos chefes indígenas
ocorrida em Diamantino (mt), na qual também estiveram líderes bororo.4
No final de 1974, o núncio apostólico do Brasil, dom Carmine Rocco, foi a Meru-
re para celebrar uma missa. Dias depois, o então presidente do Cimi, José Vicente César,
declarou à imprensa que os Bororo tinham direito às suas terras e aconselhou posseiros
a desistirem da causa. No Natal do mesmo ano, 250 Bororo anunciaram que iriam abra-
çar “a comunidade cristã, consagrando-se a Jesus”.5
No mês seguinte, os Bororo mataram seis bois e três cavalos pertencentes ao
fazendeiro José Davi, além de lhe darem um ultimato para que deixasse a região. A notí-

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cia foi espalhada em Brasília por um representante do Cimi. Com a chegada da impren-
sa à região, os índios se deixaram fotografar com arcos e flechas.6
A presidência da Funai mandou criar um grupo de trabalho, em portaria con-
fidencial assinada por Ismarth. O presidente da equipe era Lunkenbein — também par-
ticiparam o delegado regional e um antropólogo.7
O padre salesiano Mario Bordignon, nascido na Itália em 1946, chegou ao
Brasil em 1973 e logo se integrou ao Cimi. Como o pessoal do conselho suspeitava que
cartas enviadas pelos Correios vinham sendo abertas e lidas pela ditadura, Bordig-
non fazia o papel de pombo-correio, circulando entre as diversas missões de Mato
Grosso para receber e entregar mensagens entre os missionários ou acompanhar as
viagens de inspetores salesianos. Assim ele conheceu Lunkenbein, no auge da rebe-
lião dos Bororo.8

Os fazendeiros eram acusados de estender seus domínios à força, lançando gado sobre
lavouras dos Bororo. Dois caciques enviaram cartas à Funai para protestar contra as in-
vasões. Segundo o Cimi, o delegado interino na região, Arony Ribeiro, entrou em conta-
to com a missão salesiana para dizer que o órgão não gostara da atitude dos índios e su-
geriu que Lunkenbein fosse retirado do comando da missão. O padre Iasi foi até Ribeiro
para reclamar da intromissão da Funai nos assuntos dos salesianos.9
Lunkenbein acusou fazendeiros de tentar derrubar matas em terras indíge-
nas nos anos de 1955 e 1974, citando o proprietário rural José Antônio Guedes Miguez.
Ele havia adquirido a fazenda Gameleira, de 1296 hectares, por volta de 1973, como con-
tou seu irmão depois em um livro, e havia chegado à região por volta de 1969, vindo de
Rio Verde (go). Com empréstimos tomados no Banco do Brasil, Miguez começou a cons-
truir a sede e fazer a medição dos limites da propriedade. Lunkenbein e os índios foram
à fazenda para pedir que ele deixasse a região. Como o fazendeiro não recuou, passou a
ser intimado pela Polícia Federal e pela Funai a dar explicações, o que o obrigou a fazer
viagens “de 550 quilômetros”. Miguez ouviu de um assessor do órgão que as terras da
Gameleira eram “área de perambulação dos índios bororo. Eles têm o animus de posse
daquela área toda”. A reação de Miguez teria sido abrir um sorriso.
Os índios passaram a atacar e matar o gado da Gameleira. Miguez enviou tele-
gramas a diversas autoridades, entre as quais o general Geisel. Segundo o fazendeiro, os
índios eram “insuflados” pelos padres Lunkenbein e Gonçalo Uchôa. Ele também acu-
sou Lunkenbein de andar armado, com uma “pistola calibre 3.65, marca Lignose, cano
curto, cabo plástico”.10
Os fazendeiros afirmavam que os salesianos haviam comercializado, no passa-
do, terras de indígenas. Em março de 1976, Uchôa reconheceu o comércio, mas alegou

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que a Igreja assim agira para evitar invasões da área por terceiros, ou seja, disse que a
Igreja passara a ser dona de terras dos índios para melhor controlá-las.11
A tensão na região era alarmante. Aos trancos e barrancos, a demarcação ca-
minhou. Os trabalhos ordenados pelo grupo de trabalho, chefiado por Lunkenbein, fo-
ram realizados por Bororo ao lado dos topógrafos da Funai.12 Em uma carta de 18 de
maio, o religioso escreveu a seus pais, que moravam em Dörinsgstadt. Suas palavras de-
pois adquiriram tom profético.

Dentro de um ou dois meses será efetuada a medição da reserva indígena e,


então, toda a população branca será judicialmente solicitada a deixar a região.
Poderá acontecer que nesses dias haja tiroteio. Alguns já ameaçaram. Portanto
será um ano muito agitado para nós, mas estamos sempre nas mãos de Deus e
fazendo tudo para evitar injustiças.13

A pressão dos índios e salesianos começou a fazer efeito. Em meados de 1976,


estava bem avançado o plano de retirada dos posseiros e fazendeiros, que deveria ocor-
rer logo após o fim da demarcação, cumprida por três turmas de Bororo e topógrafos.
Até que os fazendeiros reagiram.
Na manhã do dia 15 de julho, o topógrafo Sebastião Cordeiro de Paula, funcio-
nário da firma contratada pela Funai, trabalhava numa das picadas com mais quatro
índios e dois ajudantes, quando cerca de sessenta homens armados se aproximaram
em sete camionetes. Paula os reconheceu como funcionários e donos de fazendas da
região. A turma de topografia foi rendida e levada até a sede da Missão Merure. Uma
irmã salesiana, Rita, estava na cozinha quando os homens chegaram, perguntando
por Lunkenbein.
Quando o alemão apareceu, houve uma conversa amena, mas depois o fazen-
deiro João Marques de Oliveira, conhecido como João Mineiro, passou a gritar, chaman-
do Lunkenbein de “ladrão de terras”. O padre Uchôa tentou interferir e foi agredido. Um
grupo de Bororo interveio para separar Lunkenbein da confusão. Nesse momento, vá-
rios tiros foram disparados. Rita viu o padre receber um tiro na barriga e “mais cinco no
peito”. O Bororo Simão Cristino, que tentava ajudar o religioso, também foi assassinado
com um tiro. A mãe de Simão, Tereza, correu em sua direção e foi baleada. Outros qua-
tro índios, incluindo o cacique Lourenço Rondon, ficaram feridos. A imprensa registrou
que um adolescente “civilizado”, Aloísio Bispo, também morreu no conflito, em circuns-
tâncias não esclarecidas. Houve relato de que os próprios posseiros o atingiram com um
tiro, por engano, durante a confusão.14
No livro que escreveu em defesa do irmão, o advogado José Mario Guedes Mi-
guez apresentou uma versão um pouco diferente. Segundo o fazendeiro, um pouco an-

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tes dos tiros, que ele não soube dizer de onde partiram, os índios cercaram e derruba-
ram Mineiro. Miguez viu o padre aproximar-se, mas não soube dizer se era em defesa
do fazendeiro ou dos índios. Reconheceu não ter visto o padre portando arma. E disse
que, na hora dos tiros, escondeu-se atrás de uma camionete, o que prejudicou sua visão
do tiroteio.15
Lunkenbein morreu na hora. A embaixada da Alemanha reclamou seu cor-
po, mas os índios quiseram antes fazer um funeral de despedida.16 Nesse ritual, longo e
cheio de detalhes, um dos mais notáveis da cultura bororo, a princípio o corpo é enrola-
do em uma esteira de palha e enterrado numa cova rasa no centro da aldeia. Ao longo de
dias, os índios cantam, dançam e podem fazer corridas com toras de buriti. Depois de
semanas, quando se vê que a carne do corpo já se decompôs, os ossos são limpos, lava-
dos, colocados em um cesto, ornamentados com urucum e penas, postos em uma ban-
deja de palha e depois em outro cesto. As mulheres choram e se machucam com objetos
de corte. Só então há o enterro definitivo.17

As mortes de Lunkenbein e Simão estimularam o Cimi a cobrar justiça e chamar aten-


ção para a causa dos índios. Seriam “mais um sinal de que os índios do Brasil viverão
vencendo os que desejam sua extinção”. “Nenhuma força deterá a determinação de um
povo consciente e unido. Os índios estão se unindo e lutando.”18
Àquela altura da década de 1970, o comando da Funai e o Cimi estavam em ba-
talha aberta. Os jornais regionais não raro davam espaço ao padre Iasi, quando ele pas-
sava em viagem. Em 1975, em Manaus, Iasi disse ao jornal A Crítica que a entidade sofria
de “uma macrocefalia institucionalizada, e seus burocratas constituem o grupo de gen-
te inútil, mais bem remunerado do país”. A Câmara Municipal aprovou uma moção em
favor do general Ismarth e do sertanista Apoena.19 Conseguiu-se unir os dois lados do
espectro político permitido pela ditadura: a moção foi assinada tanto pelo líder do mdb,
Fábio Lucena, quanto pelo líder da Arena, Vinicius Conrado.
Ao passar por Aquidauana, no então estado de Mato Grosso, para mais um en-
contro de líderes indígenas, Iasi declarou ao jornal Diário da Serra que “o índio está
oprimido e não confia na Funai”. Em ofício confidencial enviado a Brasília, o major do
Exército Alberto Verlangieri de Castro, delegado regional da entidade, disse que levou a
notícia sobre a reunião ao conhecimento dos “chefes dos órgãos de Segurança e Infor-
mações do Estado”, Polícia Federal e agência regional do sni. Verlangieri recebeu como
resposta a informação de que os órgãos de informação enviaram “um emissário secreto
àquela cidade, para fins de observação”.20
O agente secreto depois entregou à asi da Funai uma fita cassete de uma entre-
vista concedida pelo sacerdote à imprensa no evento — o que sugere que o agente dos

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militares pode ter se passado por jornalista. Na entrevista, Iasi disse que o órgão assistia
“passivamente” à morte do índio. “E por isso eu propus lá [em Manaus] que a sigla Funai
fosse lida Funerária Nacional do Índio.”
Para quebrar o sigilo das reuniões mantidas entre Cimi e indígenas, pelo me-
nos uma vez o serviço de inteligência da Funai se valeu de informações de membros
do próprio clero que não apoiavam os missionários.21 Quando o conselho marcou um
“curso de formação de pastoral indigenista” com índios em Ijuí (rs), o bispo de Frederi-
co Westphalen, dom Bruno Maldaner, pediu autorização ao arcebispo de Porto Alegre,
dom Vicente Scherer, para enviar ao local um diácono, Antônio Rabelo Nascimento. Em
bilhete manuscrito, Scherer disse que não tinha “nada a opor” a que o diácono “preste
colaboração nessa e em outras dioceses nas atividades a favor da população indígena”.
Um ofício enviado de Curitiba a Brasília pelo delegado regional Francisco Neves Brasi-
leiro afirma que as informações sobre o encontro do Cimi foram obtidas como “fruto
dos nossos entendimentos em Porto Alegre com o representante […] de Vicente Scherer
e outras colhidas pelos chefes” da Funai.22 Em carta, o diácono Nascimento disse que o
curso foi feito “a portas fechadas, quase que secreto”, em um “clima de tensão e medo”.
Quando chegava um jornalista da região, índios e padres “escondiam-se, às vezes até de
forma ridícula, ou ocultavam o rosto ou viravam as costas quando alguém batia fotos”.
Nascimento chegou a conclusões alarmantes sobre os propósitos do Cimi. Para ele, os
religiosos queriam “concretizar seus ideais socialistas no Brasil”.

Para saber das discussões sigilosas, a ditadura também podia pressionar os índios a
entregar informações, como orientou Ismarth em carta confidencial enviada ao as-
sessor-chefe da asi da Funai em 1976. O general foi informado de que a cúpula do
Cimi estava reunida em Rio Branco em “caráter sigiloso” e com dois índios da região
do rio Purus.
Outra estratégia elaborada pela ditadura era a infiltração de militares entre os
religiosos. Em carta confidencial dirigida ao general de brigada Francisco Batista Torres
de Melo, comandante de uma brigada militar em Mato Grosso, Ismarth se disse preo-
cupado com “o recrudescimento da atuação da ala esquerdista da Igreja nas áreas indí-
genas de Mato Grosso”, citando Casaldáliga e Balduíno. Ismarth sugeriu que Melo exe-
cutasse uma operação de “infiltração de um elemento da brigada na área da Missão
Salesiana de São Marcos”. “Para não despertar suspeitas”, o agente portaria “uma car-
teira funcional de servidor da Funai”. Em resposta, Melo disse que apoiava a ideia e iria
acionar uma seção do Exército de Aragarças, em Goiás.23 Muitos anos depois, Melo dis-
se não se lembrar da troca de informações com Ismarth.24 Ele foi o comandante da Polí-
cia Militar de São Paulo entre 1974 e 1977.

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Passadas quase quatro décadas, Casaldáliga disse que ele e outros padres des-
cobriram, nos anos 1970, que na prelazia de São Félix havia um homem ligado aos mi-
litares infiltrado. Ele se apresentou como voluntário. Poucas semanas depois, porém,
levantou suspeitas pelo hábito de conversar muito com os políticos locais. Quando os
religiosos fizeram chegar a ele suas desconfianças, o homem desapareceu. Ficara ape-
nas dois meses trabalhando na prelazia. Casaldáliga disse que depois se soube que ele
“respondia ao Comando Militar da Amazônia”.
A ditadura trabalhou para acuar Iasi. Em junho de 1975, o ministro do Interior,
Maurício Rangel Reis, emitiu um aviso confidencial ao ministro da Justiça, Armando
Falcão, para pedir “providências cabíveis” sobre outra declaração do religioso, que havia
dito que o filho “do ministro do Interior” tinha interesse em área no Guaporé, perto dos
Nambikwara.25 A pf abriu inquérito e intimou Iasi. O padre disse entender que “o pro-
blema indígena não terá solução enquanto houver jogo de interesses entre os índios e os
grandes proprietários”, mas esclareceu que se referira ao ex-ministro Costa Cavalcanti,
e não a Rangel Reis. Segundo Iasi, o filho do ex-ministro tinha ligações societárias com
a Sapé Agropecuária, que havia obtido da Funai uma certidão negativa sobre a presen-
ça de índios na região. O mesmo assunto foi referido pelo antropólogo David Price, que
tinha uma larga experiência em trabalho com os Nambikwara. “De acordo com fontes
confiáveis, José Costa Cavalcanti, que na época era o ministro do Interior, tinha um in-
teresse pessoal na propriedade localizada no Vale do Guaporé”,26 da qual foram retira-
dos índios por volta de 1968. Em depoimento ao Congresso Nacional, o ex-presidente da
Funai Queirós Campos reconheceu que o órgão encontrou trinta Nambikwara na mes-
ma área da certidão negativa, mas não soube dizer se o empreendimento era ligado ao
filho do ex-ministro.27

Depois de maio de 1975, quando Ismarth decidiu revogar as autorizações de ingresso


dos missionários do Cimi nas áreas indígenas, os missionários procuraram descumprir
a ordem, entrando nas terras por meio de seus contatos com indígenas e com chefes
de postos, como lembraram Casaldáliga e Iasi. Em janeiro de 1976, Iasi tentou entrar
na área kaingangue Barão de Antonina, em São Jerônimo da Serra (pr), mas foi barrado
pelo chefe do posto da Funai, Valdir Evangelista Araújo. O padre procurou os jornais da
região.28 Voltou a ser barrado e teve sua máquina fotográfica apreendida na área de Ta-
marana pelo chefe do posto, Getúlio Couto Pereira. Iasi disse a um jornal de Londrina
(pr) que a Funai era “um monstro de enorme cabeça, mas com pés de barro”.29 Dias de-
pois, o mesmo jornal publicou uma ameaça de Ismarth. O general afirmou que iria emi-
tir “ordem de prisão” contra quem tentasse entrar em área indígena sem autorização.30
A ditadura também se voltou contra outro padre, Nello Ruffaldi, que organizou

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a primeira assembleia do Cimi com os indígenas da região do Oiapoque, no Amapá, na
aldeia do Kumarumã, em setembro de 1976. Nello nasceu na cidade de Castell’Azzara,
na Itália, em 1942. Foi ordenado padre em 1967 e três anos depois veio para o Brasil, pri-
meiro para a prelazia de Macapá, depois para a do Oiapoque.31 Com a criação do Cimi,
tornou-se o coordenador regional Norte ii, “representando os bispos do Pará-Amapá na
pastoral indígena”. Nello passou a visitar e a prestar assistência a índios de uma vasta re-
gião da Amazônia, na qual os serviços da Funai eram mínimos ou inexistentes. Na aldeia
dos Karipuna da Vila Espírito Santo, por exemplo, nem havia posto indígena; o órgão era
representado por “um alfaiate, ex-militar”. O padre encontrou as áreas indígenas “habi-
tualmente invadidas por toda sorte de pessoas: negociantes e traficantes, que além de
explorar os índios nos preços das mercadorias, introduziam cachaça em grande quan-
tidade”. Os “civilizados” entravam nas aldeias para promover festas e “se aproveitavam
das mulheres índias”. Os indígenas eram vistos “com inferioridade, quando não com
desprezo pela população envolvente” e acabavam “aceitando essa mentalidade”. Sen-
tiam-se “envergonhados das próprias tradições, da língua, da comida e até dos produtos
deles”. Para o padre, os índios procuravam imitar os “civilizados”, “achando que a única
forma de promoção era tornar-se como eles”.
Nello iniciou um trabalho de revalorização do índio, muito embora nem sou-
besse como fazer isso ao certo. Ele se disse “‘impreparado’ para enfrentar a situação”.

Eu nem sabia que existiam povos indígenas na minha paróquia. […] O que me
ajudou mais foi a vontade de ouvir e conhecer estes povos; a disposição de ser
aluno, mais do que mestre; a capacidade de olhar além das aparências e des-
cobrir que estes povos ainda tinham alma, que escondiam valores profundos
que custavam a morrer e desaparecer apesar de cinco séculos de tentativas.32

Com remédios doados pela prelazia e por italianos, além de gasolina doada
pela Colônia Militar do Oiapoque, o padre e os militares locais controlaram uma epi-
demia de coqueluche “em que dez crianças [karipuna] já haviam morrido” na aldeia do
Kumarumã. Nello criou uma cooperativa para os índios, para cortar a figura do atraves-
sador, que cobrava preços extorsivos dos índios por produtos trazidos da cidade. O capi-
tal inicial da cooperativa foi uma doação da Itália. E todos os índios adultos contribuíam
com vinte quilos de farinha por mês.
Para o padre, o povo indígena da região estava “ressuscitando”. Mas tudo
mudou quando ele organizou a primeira assembleia do Cimi, em 1976. A reunião foi
“histórica”, segundo o Karipuna Luís Soares dos Santos, pois pela primeira vez Kari-
puna, Palikur e Galib se reuniram para “discutir os problemas dos índios e tomar re-
soluções”.

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Na reunião, os índios decidiram fiscalizar por conta própria os limites da ter-
ra. Mandaram carta ao presidente da Funai com “um pedido de fundamental importân-
cia para a nossa subsistência: a demarcação da nossa reserva”. Eles estavam preocupados
com os impactos que sofreriam a partir da construção de uma rodovia na região, a br-156.
O Karipuna Álvaro Silva também enviou uma carta ao general Ismarth, dizen-
do que os índios tinham sido “completamente abandonados pelo spi”, que só aparecia
“na época das eleições para pedir nosso humilde voto que sempre fora a favor do gover-
no”. Álvaro disse que a equipe volante de saúde da Funai passava na região, habitada por
mais de quinhentos indígenas, apenas uma vez por ano, sem transporte para casos ur-
gentes, sem enfermaria e sem leito para enfermos. Por fim, agradeceu a presença do pa-
dre Nello. Desde sua chegada, disse o índio, “o povo está acordando para a realidade”.
Mas não foi assim que a atividade do Cimi foi compreendida pela cúpula mi-
litar da Funai. Ismarth enviou um ofício ao poderoso csn para pedir providências. Se-
gundo o general, o padre “interferia negativamente na área do posto indígena Galibi, jo-
gando o índio contra a Funai e contra o próprio governo federal”. Havia se tornado “uma
espécie de coordenador da comunidade indígena”.
Em maio de 1978, o chefe do posto indígena Uaçá, Raimundo do Vale, disse à
regional em Belém que Nello havia chegado ao local sem autorização da Funai e que
pretendia ali permanecer enquanto fosse permitido pelos índios. O sacerdote teria dito
ainda que a proibição “contra o Cimi é [porque a Funai] teme esclarecimentos de irregu-
laridades que vem praticando contra os índios”. Os indígenas então se insurgiram con-
tra a ordem da Funai, mantendo o padre na aldeia. O órgão em Belém escreveu para a
direção em Brasília: “Índios insuflados pelo religioso deram-lhe total apoio, não permi-
tindo sua saída. Situação mostra-se delicada”.
A Funai orientou Vale a acionar a polícia. No momento em que Nello rezava
uma missa, com batizados e casamentos, chegou uma equipe da polícia, “armada de re-
vólveres e com as cartucheiras cheias de balas”. O padre por fim deixou a aldeia no dia
seguinte. Teve que prestar declarações à pf em Macapá, onde alegou que a Funai não
havia contestado suas pregações religiosas até ocorrer a assembleia indígena. Disse que
apenas concordou com os índios que eles precisavam tomar providências para defesa
de seus territórios, constantemente invadidos por caçadores.33
Nello só conseguiu voltar a trabalhar nas áreas indígenas após uma interven-
ção da Igreja em Macapá. Três anos depois, porém, a Funai voltou a proibir sua entrada
em áreas indígenas.34

No final de 1976, o relacionamento entre a Funai e o Cimi chegou a um ponto insusten-


tável, com notícias de que Ismarth se negava a receber em audiência qualquer membro

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do conselho.35 Em dezembro, o general, em caráter confidencial, pediu ao diretor-geral
da pf que desse “um basta a essas atividades” do Cimi, tais como “os contatos feitos por
esses elementos com as comunidades indígenas”.
O Cimi reconheceu por escrito “as tensões com o órgão oficial”, mas repudiou
a suspeita de que estivesse instigando os índios contra o governo.36 Denunciou o empe-
nho de Ismarth em isolar o conselho das missões e fazer “pressões sobre missionários
para se desligarem do Cimi, caso queiram o apoio da Funai”.

Alegando não ter sido procurada para dar uma autorização, a Funai determinou a dis-
solução de uma assembleia organizada em 1977 pelo Cimi em Surumu, em Roraima,
que contava com cerca de 140 indígenas representantes de 15 mil Makuxi, Taurepang e
Wapixana.37 Na vasta região coberta pela regional sul do Cimi (São Paulo, Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul), os missionários eram proibidos de entrar nas terras in-
dígenas, os índios eram impedidos de sair sem prévia autorização da Funai e “especial-
mente” proibidos de participar de reuniões e assembleias indígenas. Os que se atreviam
a aparecer nas reuniões sofriam “repressão”, com a Funai “despedindo os que são fun-
cionários, prendendo-os, ameaçando de transferência da reserva”.38
Em 1976, o bispo dom Moacir Grechi denunciou a existência de gravadores ins-
talados no prédio onde se realizava uma assembleia da Pastoral Indigenista. Um ho-
mem foi barrado ao tentar entrar com credenciais falsificadas na ii Assembleia Indige-
nista Regional da Amazônia. Em Dourados, dom Teodardo Leitz denunciou no mesmo
ano o sequestro de “uma testemunha de irregularidades feitas contra índios” — e, por
ter feito a denúncia, Leitz chegou a ser preso. A Igreja também registrou, em 1972, a in-
vasão a uma área de posse da prelazia de São Félix, onde foi “destruído o ambulatório, o
poço d’água, árvores frutíferas, depredado o material de construção, destruída a máqui-
na fotográfica com a qual se tentava documentar o fato”.
A repressão, é claro, não estava restrita ao Cimi nos domínios da Igreja. En-
tre 1968 e 1978, ela havia atingido 122 pessoas ligadas diretamente à hierarquia da Igre-
ja, sendo nove bispos, 48 sacerdotes, treze seminaristas e irmãos e seis freiras, além de
prender outros 273 cristãos engajados no trabalho pastoral. Foram sete mortes, incluin-
do as de Burnier e Lunkenbein, nove sequestros, 21 processos, dez expulsões, como a de
Jentel, e dois banimentos.39

O trabalho do Cimi com os índios cobrou um preço dos missionários também no campo
psicólogico. Um grupo de teólogos reunido pela entidade para analisar respostas a um
questionário preenchido por 22 missionários encontrou “perguntas e inquietações” so-

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bre o impacto da “encarnação” na vida do índio, um dos pontos principais preconizados
pelo Cimi: “A encarnação na cultura tribal não trará perigos para a fé? Não será equívo-
co valorizar tanto o índio em relação à nossa cultura?”. Muitos missionários se recusa-
vam a “usar os mitos” indígenas para falar do Evangelho. A dúvida era de natureza éti-
ca: “Poderá o mito ser usado autenticamente por uma Igreja que não seja autóctone?”.
O grupo de teólogos que analisou as respostas concluiu: “Na medida em que se
coloca do lado do índio, o missionário sente-se quebrado, percebendo que, no lado dos
dominadores, perdeu as condições de testemunhar a Revelação. Percebe que o mundo
por ele representado é a negação dos valores que ele anuncia”.40
Apesar dos percalços, o Cimi anunciou que havia o que comemorar. Sua prin-
cipal missão parecia ter sido cumprida: “Os índios começam a assumir a condução de
sua luta”.

A frente principal onde se trava a luta pela sobrevivência dos povos indígenas
não está nos gabinetes dos órgãos oficiais de proteção ao índio ou nas univer-
sidades, está na batalha diária por cada palmo de terra, disputada pelos gru-
pos indígenas aos invasores, grileiros, latifundiários, servidores corruptos da
Funai e mesmo aos pequenos posseiros lançados sobre as áreas indígenas pe-
los grupos econômicos.

Essas palavras, do final dos anos 1970, ganhariam especial sentido na década
seguinte, mas também poderiam valer para o próprio seio da Funai.

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19. “OUTRO TIPO DE LUTA”

os embates entre a ditadura, o cimi e os líderes indígenas ocorreram na mesma


época em que começou uma onda de críticas à política indigenista oficial, agora formu-
ladas por integrantes do próprio órgão, como sertanistas, técnicos indigenistas e antro-
pólogos. Os interesses destes, porém, às vezes se chocaram com os do Cimi. O pessoal
da Funai desaprovava o trabalho de catequese nas aldeias. Dizia que o Cimi atrapalhava
o trabalho do órgão ao instigar o índio contra o governo. E, como o conselho organizava
as críticas dos índios contra a Funai, isso também acabava afetando esses funcionários
que estavam na ponta do sistema e tinham que lidar com as novas cobranças. Na tarefa
de coibir o Cimi nas aldeias, sertanistas críticos da fundação e a cúpula desta viveram
uma curiosa convergência. Orlando Villas Bôas disse, por exemplo: “Sou totalmente
contrário a que missionários ligados ao Cimi ou não missionários façam reuniões dessa
natureza [entre índios], sem a participação, o conhecimento e a concordância da Funai
[…]. E não leva vantagem nenhuma ao índio”.1
Em 1976, o indigenista José Porfírio Fontenele de Carvalho telegrafou de Feijó
(ac) para a Funai em Brasília para informar que “acabara de expulsar do meio indígena
três elementos estranhos que se encontravam a serviço do Cimi na área do posto indí-
gena Alto Purus”.2 Ele pediu por escrito que fossem negadas futuras autorizações para
trabalho na área.3
Comportamento semelhante teve o indigenista Odenir Pinto de Oliveira, que
testemunhara o quase extermínio dos índios panará. Como chefe do posto indígena de
Santana (mt), em 1976, ele barrou a entrada de Iasi, que estava sem autorização da Fu-
nai. Odenir alertou seu chefe de que “longe do intuito religioso, esses missionários —
particularmente Iasi — almejam nas suas visitas mentalizar o índio da necessidade de
organizar-se contra a Funai, e muito mais que isso, contra o próprio regime governa-
mental”. O sacerdote disse a Odenir que a cúpula do órgão era constituída “de almofadi-
nhas” e que o governo “vem adotando medidas odiosas, é uma ditadura militar, forma-
da por não brasileiros”. Odenir não gostou do que ouviu. “Diante de tais expressões de

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ideologia subversiva, expulsei deste posto esse elemento nocivo, sem que, infelizmente,
pudéssemos prendê-lo, porque não fez nenhuma resistência em abandonar o posto.”4
Anos depois, Odenir fez as pazes com Iasi e com o Cimi, no qual chegou a ocupar
a função de conselheiro editorial do Porantim.5 Esse jornal alternativo de circulação
mensal foi fundado em Manaus por membros do Cimi e pelo jornalista e historiador
José Ribamar Bessa Freire, que também foi seu primeiro editor, e logo se tornou um
expressivo veículo de várias denúncias contra a política indigenista da ditadura, uma
verdadeira pedra no sapato dos militares. O periódico divulgou mortes de cem índios
yanomami, por malária e tuberculose, e de outros 85 índios deni no rio Juruá. Em 1980,
passou a ser editado em Brasília.6

O sertanista Apoena Meireles tinha dado entrevistas à imprensa para reclamar da polí-
tica indigenista no início dos anos 1970. Mas, em relação ao Cimi, também cerrou filei-
ras com os militares. Em ofício confidencial ao chefe da asi, no cargo de delegado da 8a
dr, Apoena disse que “enfrentava problemas” com os membros do conselho, que junto
com “ex-funcionários da Funai, agitam e conflitam as áreas indígenas do Acre”. Um ano
depois, em telegrama confidencial, afirmou que os “elementos do Cimi vinham tumul-
tuando as áreas indígenas”, acrescentando que os missionários “de real nenhuma con-
tribuição levam aos índios”.
O sertanista acabou alvo do Cimi. Missionários bem-humorados elaboraram
uma peça de teatro denominada A grilagem do cabeça, na qual um personagem chama-
do Apoena aparecia como “enviado do presidente da Funai” para resolver determinado
problema dos Apurinã, no Amazonas.

Apoena negava haver “um genocídio” no país, mas apontava que as mortes de indígenas
eram “decorrentes de um trabalho sem organização e planificação com objetivos claros.
As falhas são tantas que permitem até o contágio de doenças que não encontram resistên-
cia orgânica por parte do índio”. Apoena defendeu a criação de um conselho integrado por
sertanistas, “com a função de traçar um plano nacional para o órgão, fiscalizando ainda to-
dos os atos e decisões da direção”. Seria “uma nova Funai”.7 Essa proposta nunca se tornou
real. Bandeira de Mello encerrou o caso, chamando o conselho de “uma ideia comunista”.
Disse que já havia estado na Rússia, o que lhe permitia conhecer a fundo o “bolchevismo”.8

Após o contato com os Cinta-Larga e os Suruí, em 1969, Apoena e seu pai, Francisco,
permaneceram responsáveis pelas atividades da Funai na área. Nessa tarefa, com cer-

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ta frequência Apoena recebia jornalistas que passavam por Rondônia. Um deles, Pos-
sidônio Cavalcanti de Bastos, marcaria a vida do sertanista por sua fugaz trajetória,
hoje praticamente esquecida nas redações da imprensa. Trata-se talvez de caso único
na ditadura em que um jornalista se apaixonou tanto pela causa indigenista que aban-
donou a segurança e o salário de um emprego prestigiado em um grande jornal para
viver entre os índios.
Possidônio nasceu no Recife, em março de 1948, e mudou-se para o Rio quan-
do completou dezoito anos. Ele passou pelos jornais Última Hora e O País.9 A jornalista
Lilian Newlands trabalhou alguns meses com Possidônio na UH.

Possidônio era meio gordinho, tinha os cabelos encaracolados e olhos claros.


Era, sim, um menino bonito. E, para bom observador, saltava aos olhos sua
paixão pelo jornalismo. Não me parecia um tipo extrovertido e eu diria que, ao
menos na minha lembrança, era uma pessoa reservada.10

Após um período de estágio, O Globo o contratou como repórter auxiliar. Pos-


sidônio se destacou ao fazer uma reportagem audaciosa e hoje em dia impensável. Para
provar que não havia policiamento de trânsito na avenida Rio Branco, uma das princi-
pais artérias do Rio, ele “saiu com uma viatura do jornal pela contramão”.11
Naquela época, era comum os jornais não assinarem todas as matérias que pu-
blicavam, de modo que não é simples hoje definir em que reportagens Possidônio tra-
balhou. Mas quando os jornais enviavam seus jornalistas para o interior, os chamados
“enviados especiais”, as assinaturas apareciam. Assim, sabe-se que Possidônio, em no-
vembro de 1969, foi cobrir a “Operação Atroaris”, exercício de guerra em Roraima. Dias
depois, ele enviou ao jornal, “por iniciativa própria”, outra reportagem sobre uma epide-
mia de gripe “que ameaçava dizimar os índios do Parque Nacional do Tumucumaque”,
denunciada por religiosos da região.12
No ano seguinte, O Globo enviou Possidônio ao posto indígena Sete de Setem-
bro, em Rondônia. Ali ele entrevistou Apoena, recém-curado de malária, para uma re-
portagem bastante crítica sobre as condições de trabalho oferecidas pela Funai. Possi-
dônio narrou que a equipe “luta com inúmeras adversidades, que vão da falta ou atraso
nas verbas às impostas pela natureza”.13 Revelou que, dos trinta trabalhadores originais
do órgão, apenas dez permaneciam no local. Os outros se tornaram garimpeiros “para
ver se ganham um pouco mais do que trabalhando com índios, pois, neste serviço, só re-
cebem o salário mínimo regional (134,40 cruzeiros)”. Possidônio também descreveu os
inclementes ataques de insetos, “em nuvens”, que assolavam o posto, localizado “em ple-
na selva”, a cerca de noventa quilômetros da rodovia br-364 e ao qual se podia chegar, na
época das chuvas, apenas a pé ou no lombo de burros.

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Em outra reportagem, Possidônio narrou seu primeiro encontro com os Cinta-
-Larga, em visita a uma aldeia localizada a 35 quilômetros da sede do posto. Relatou que
cinco índios jovens reclamaram do tratamento que “civilizados” lhes deram no povoa-
do de Riozinho. Contaram que um homem os tinha empurrado e ao que tudo indicava
dera um tiro de espingarda para o alto. Outro índio lhe mostrou uma cicatriz na perna
que teria sido provocada por um tiro. Possidônio testemunhava algumas das primeiras
consequências da chegada das frentes pioneiras de colonos incentivadas pelo governo.14
Ao retornar dessa viagem, o jornalista pareceu aos colegas de redação “totalmen-
te mudado”. Tornara-se defensor do índio, a quem chamava de “um bom”. Contou ter re-
cebido dos índios o apelido de “Apon-Karmen”, cuja tradução seria “irmão de Apoena”.15
Em 1970, Possidônio mudou-se para Brasília, onde se tornou chefe de reporta-
gem da sucursal de O Globo.16 Mas logo veio a decisão de abandonar o jornalismo, tomada
em junho do mesmo ano no posto Sete de Setembro, conforme recordou depois a jorna-
lista Yole di Capri. Possidônio informou sua resolução a Francisco e Apoena no dia do jogo
entre Brasil e Inglaterra na Copa do Mundo. À noite, escreveu Yole, Francisco levantou um
brinde com o vermute Cinzano para comemorar o jogo da Seleção e a decisão do jorna-
lista: “À nossa vitória, ao nosso novo companheiro, Possidônio! Um novo pacificador!”.17
Possidônio tinha apenas 22 anos quando, em agosto de 1970, pregou um bilhe-
te de despedida no quadro de avisos da redação de O Globo. O texto não revela um jovem
imaturo, como sua idade poderia sugerir, mas sim um homem atormentado com a si-
tuação do índio no Brasil, que o forçava a uma drástica tomada de posição.

Não mais estarei aqui com vocês no dia a dia. Sinceramente, isso me dói, mas
dor maior sentiria me considerando quase um inútil, indo à rua, voltando para
escrever. […] Não quer dizer que eu considere inútil o trabalho que vocês (eu
inclusive) desenvolvem. Apenas meu temperamento romântico, aventureiro,
inconformado, levou à opção por outro tipo de luta. Uma luta mais direta em
favor dos índios, tão explorados e incompreendidos, embora tenham mais di-
reitos que nós a habitar este solo e a viver da maneira que melhor lhes parecer.

Também escreveu, em tom profético: “Para, dentro das minhas possibilidades, defen-
der esses e outros direitos dos nossos selvagens, deixo a nossa civilização e, se for neces-
sário (talvez não leve a nada), darei a minha vida por eles”.18
Por dinheiro é que Possidônio não era movido. Ele foi admitido na Funai em 1o
de agosto de 1971 com um salário mensal de quinhentos cruzeiros (reajustado três me-
ses depois, devido à inflação, para 660 cruzeiros).19 Convertido para junho de 2014, e
considerando juros simples de 1% ao mês, esse valor representaria em 2015 algo em tor-
no de 2,9 mil reais.20

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Apoena considerava Possidônio “corajoso e muito sensível”. Na mata, gostava
de ouvir na vitrola o Concerto de Aranjuez, composição espanhola para violão.21
Em novembro de 1971, Possidônio, o radiotelegrafista Acrísio Lima e uma cozi-
nheira, índia gavião, foram deslocados para substituir o pessoal da Funai do Sete de Se-
tembro, às margens do rio Roosevelt. A equipe original de dez funcionários, incluindo
Apoena, teve que ir a outro ponto da reserva para buscar alimentos.22 No dia 22 de no-
vembro, o general Bandeira de Mello recebeu em Brasília um radiograma da 8a Delega-
cia Regional informando que o Sete de Setembro havia sido atacado por cerca de duzen-
tos índios. Em seguida duas equipes da Funai foram enviadas à região, uma a pé e em
burros, chefiada por Apoena, e outra por avião, com Francisco. A confirmação do mas-
sacre veio no dia 2 de dezembro.23
Apoena encontrou o corpo de Possidônio “preso às ramas da margem esquerda
do rio Roosevelt, a dois quilômetros do subposto”. Havia duas flechas cravadas nas costas
e “outras agressões”, inclusive tiros.24 O rosto do jornalista foi “desfigurado pelos golpes de
facão e suas mãos agarravam-se desesperadamente a um emaranhado de cipós na mar-
gem do rio”. Apoena opinou que a data da morte foi 16 de novembro. Concluiu-se depois
que Possidônio correu dos índios e tentou fugir se jogando no rio, mas não teve tempo de
se salvar. O corpo de Acrísio nunca foi encontrado, mas os índios confirmaram depois tê-
-lo matado também. A índia gavião ficou desaparecida por dias, mas depois ressurgiu com
os Cinta-Larga. No início de 1972, estes devolveram à Funai “o gravador, o caderno de ano-
tações, o revólver, a carteira de identidade e outros objetos” que pertenciam a Possidônio.25

Poucos dias depois da morte de Possidônio, O Globo publicou trechos de cartas que ele
enviara a um colega de trabalho, Ivan Curvelo.

Os índios, como as crianças, são bons. É preciso, porém, que não se grite com
eles, que não se aborreça os seus chefes. Eles recebem bem o homem bran-
co desde que, é claro, o homem branco não esteja mal-intencionado com eles.
[…] A gripe é a nossa maior preocupação. O branco foi o fundador da gripe. Por
causa de gripe é que morrem tantos índios.

Ele brincou com os colegas cariocas: “Rio Branco, Rondônia, Acre, Guaporé, Porto Ve-
lho. Avisa ao pessoal que o Brasil não acaba em Ipanema”. Em outra carta, explicou: “O
spi? Depois a gente conversa. Uma complicação total. O pessoal vem, morre e fica por
isso mesmo. Tem nego que vira nome de rua e ninguém nem sabe”.26
Por ironia, um ano depois da morte de Possidônio, o então prefeito de Reci-
fe, Augusto Lucena, sancionou uma lei aprovada pela Câmara de Vereadores que deu o

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nome do jornalista a uma nova via urbana na cidade. Hoje a avenida Jornalista Possidô-
nio Cavalcanti Bastos é localizada numa zona residencial do bairro de Iputinga, na pe-
riferia de Recife. Apesar do nome de “avenida”, tem pouco mais de 1,5 quilômetro de ex-
tensão, o que se cumpre numa caminhada de uns vinte minutos.27
Tempos depois, a jornalista Lilian Newlands encontrou em Porto Velho um
Cinta-Larga que, segundo Apoena, tinha participado da chacina. “Era um índio jovem e
inteligente. Referiu-se a Possidônio como ‘um irmão’ de quem gostara muito. E atestou
que esse ‘irmão’ tinha morrido com extrema coragem.”28

Os motivos do assassinato de Possidônio e Acrísio foram tema de muitos comentários e


teorias ao longo do tempo entre sertanistas, sem que se chegasse a um consenso. A famí-
lia do jornalista acusou “os ‘brancos’” pelo crime, pois se recusava a acreditar que os ín-
dios tivessem matado a pessoa que, em cartas, falava tão bem deles. Mas, se foram mesmo
os índios, concedeu a família, devem ter sido “instigados” pelos “brancos”, que queriam
se livrar de Possidônio e abrir espaço para a exploração das riquezas naturais da região.29
Anos depois, Apoena apresentou uma versão mais simples sobre o que ocor-
reu. Segundo ele, os Cinta-Larga viram a saída de um grupo de tropeiros do posto da Fu-
nai e entenderam que eles haviam deixado presentes que Possidônio deveria distribuir à
aldeia. Pelo visto, os tropeiros haviam entregado apenas mantimentos básicos para a so-
brevivência do grupo da Funai. Mas como Possidônio não fizera nenhuma distribuição
aos índios, eles ficaram zangados, se sentiram enganados. Possidônio teria argumentado
várias vezes que não tinha presente algum para dar, porém o mal-entendido, alimenta-
do por um índio que punha em xeque a versão de Possidônio, derivou para o massacre.30
No início dos anos 1970, contudo, Apoena apontou o dedo para uma empresa
de colonização como a causa de fundo dos assassinatos. Para o sertanista, os índios es-
tavam “revoltados com a invasão sistemática de suas reservas de caça pelos homens da
Companhia [Melhorança] Colonizadora Itaporanga”. Segundo Apoena, os índios “devem
ter julgado que o pessoal da Funai era uma espécie de quinta-coluna dos invasores”, ou
seja, que o órgão incentivava a invasão, e por isso atacaram o posto.31
As atividades da Itaporanga começaram no final dos anos 1960, depois que o
governo interditou uma área no território de Rondônia, no limite com o estado de Mato
Grosso, para a “pacificação” dos índios cinta-larga e nambikwara. Em seguida foi criado
o Parque Indígena do Aripuanã, que abrigava “de 4 [mil] a 5 mil” índios. Porém, logo de-
pois a Funai localizou, fora dos limites da reserva, outros aldeamentos de Suruí, Arara
e Gavião, com cerca de 3 mil índios. A partir daí, a fundação lutava para ampliar os limi-
tes da reserva de forma a abrigar todos os índios, concedendo, por outro lado, a libera-
ção “da parte Nordeste, onde efetivamente” não havia aldeamentos indígenas. A Itapo-

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ranga, porém, apareceu na região dos aldeamentos recém-descobertos, onde pretendia
“instalar colonos e sobre as terras invoca direitos e quer títulos de propriedades”. A Fu-
nai explicava que a situação jurídica das terras habitadas pelos indígenas, demarcadas
ou não, era a mesma, e ali “civilizados” não podiam ficar. O órgão alertou para a “promis-
cuidade” que resultaria da criação de uma cidade dentro de terras habitadas por “silví-
colas recém-pacificados”.32
Pertencente a uma família do Paraná, os Melhorança, a Itaporanga se insta-
lou em Rondônia e passou a atrair centenas de famílias de trabalhadores rurais do sul
do país com promessas de terrenos a preço baixo. Ela não estava sozinha na abertura de
novas frentes agropastoris. O território viveu um impressionante boom populacional,
que pareceu à antropóloga Betty Mindlin, que lá chegou em 1979, “um faroeste de acirra-
dos conflitos pela terra”. A população saltou de 85 mil habitantes, no ano de 1960, para
111 mil em 1970 e 490 mil em 1980.33
A Itaporanga não era a única, mas foi a mais problemática e a que mais atraiu a
atenção do governo. “Eles vendiam os lotes no sul, mas não vendiam [na realidade], ce-
diam e na demarcação que faziam apenas cobravam, como eles diziam, prestação de
serviço”, disse depois o general Bandeira de Mello.34 A firma protocolou um pedido de
cadastramento no Incra. O órgão não só o rejeitou como apresentou queixa-crime por
“colonização ilegal de terras da União”. Em 1970, a Funai reforçou a pressão do Incra e
pediu que os colonos fossem transferidos para outra região.
Em abril de 1972, poucos meses depois da morte de Possidônio, um dos donos
da Itaporanga foi ao encontro do diretor do Parque do Aripuanã para “apelar ao coração
humanitário em favor dos colonos”. O diretor respondeu que iria cumprir a Constitui-
ção, com apoio do juiz local, do 5o bec do Exército e do Incra.35
Em meio às pressões da Itaporanga, o mais alto círculo da ditadura expressou
sua pressa para pôr em prática mais assentamentos de trabalhadores rurais em Rondô-
nia. A ditadura já havia criado um projeto em 1970, o Ouro Preto, e criaria os de Ji-Pa-
raná e de Sidney Girão em 1973, o de Paulo de Assis Ribeiro em 1974 e os de Burareiro e
Marechal Dutra em 1976.36
No final de dezembro de 1971, o secretário-geral do csn, o general e futuro pre-
sidente da República João Baptista Figueiredo, oficiou confidencialmente ao ministro do
Interior, Costa Cavalcanti, para pedir que informasse logo “a caracterização das áreas ju-
risdicionadas à Funai” em Rondônia e Mato Grosso. Segundo o general, havia estudos na
sua secretaria “para avaliação da área disponível para colonização”. Ou seja, a Funai preci-
sava dizer logo o que era e o que era não área indígena. O resto seria repassado aos colonos.
A demora na definição desses limites, por um lado, e a pressa do governo em
seu programa de assentamentos, por outro, geraram um cenário de terra arrasada. Em
janeiro de 1974, a direção da Sudeco, vinculada ao Ministério do Interior, reconheceu

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que o povoado de Cacoal, com cerca de 5 mil moradores, “acha-se encravado, portan-
to, dentro dos limites da área de interdição fixada pela Funai” para localização e “paci-
ficação” de indígenas. Os índios tinham que ser localizados num prazo máximo de dois
anos, advertiu a Sudeco, para que fossem todos transferidos para dentro do Parque do
Aripuanã, “liberando-se, dessa maneira, para desinterdição, as áreas que se verificar de-
simpedidas da presença humana”.37
O general Figueiredo deu apoio à recomendação da Sudeco e pediu que a Funai
estabelecesse o prazo de dois anos em uma minuta de decreto presidencial. Disse que o
prazo atenderia ao decreto que havia criado o parque e adicionou uma informação: le-
vando em conta os limites do parque apresentados pela Funai, havia cerca de trezentos
colonos do projeto de Ji-Paraná dentro da área indígena.38
A Funai adotou o prazo máximo de dois anos e também revisou os limites da
área indígena.39 No final das contas, na comparação entre a reserva originalmente cria-
da no decreto de interdição e a área final do Parque do Aripuanã, houve uma redução de
50%, segundo escreveu o próprio Bandeira de Mello.40
Uma área final menor do que a interditada não ocorreu apenas com o Parque
do Aripuanã, na realidade foi a prática ao longo de toda a ditadura. Uma vez estipulada
pela Funai a área de demarcação, o restante era liberado para projetos de colonização.
No caso de Aripuanã, porém, toda a pressão para que isso ocorresse rápido ficou bem
documentada na troca de ofícios e relatórios que passaram pelas mãos do general João
Figueiredo. Problema maior vinha logo em seguida, em todos os casos do gênero. Como
o órgão alegava não ter recursos financeiros, em nenhum dos casos a demarcação física
ocorreu antes da liberação das terras, mas sempre depois. Assim, quando as turmas de
medição iam a campo, encontravam divisas precárias, em geral com colonos habitan-
do áreas indígenas e se recusando a deixá-las. Foi o que também ocorreu no caso de Ari-
puanã. Sem a demarcação, a Itaporanga continuou pressionando a Funai. Em 1972, a di-
reção do órgão em Brasília soube que vários invasores agrediam os índios da região e que
pessoas da colonizadora vinham atirando neles.41
Após a morte do amigo Possidônio, Apoena passou a demonstrar em públi-
co sua contrariedade com a invasão das terras indígenas. Na mesma época, o colega da
Funai Antonio Cotrim havia feito as primeiras denúncias contra o órgão. Em março de
1972, Apoena enviou ao comando da Funai em Brasília um relatório com desabafos. O
documento logo foi parar na imprensa.

Ficamos profundamente revoltados ao constatarmos que a morte de nossos


companheiros [Possidônio e Acrísio] em nada serviu para a causa indígena,
pois até agora a Funai nada fez de concreto para retirar os colonos da Cia. Ita-
poranga que invadiram o Parque Indígena do Aripuanã.42

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Apoena escreveu que já havia avisado a Funai sobre a situação de perigo no
parque e falta de condições de trabalho. No mesmo mês, retransmitiu a Brasília um te-
legrama recebido do responsável pelo subposto Sete de Setembro, Euclides Bernardo.

Pesarosamente comunico que a criança índia que estava mais doente faleceu
ontem às dezenove horas. Às 21 horas, o índio Ichara, pai da falecida, nos pediu
uma lanterna e uma lamparina, chamou três índios e conduziu o corpo para
aldeia. Ele ficou um pouco descontente porque Antonio enfermeiro não fez a
criança voltar a viver, a inocência deles é tão grande que pensam que nós te-
mos poderes para fazer viver quem já morreu. Pedimos horário às dezesseis
horas porque ontem depois da morte da índia passamos a noite mais “quente”
do Sete de Setembro. Quase não dormimos. Os índios estão quase todos des-
contentes e não dormiram a noite toda. O índio levou o corpo da filha para a
aldeia e deixou sua mulher aqui, mas de repente eles podem se revoltarem e
massacrar-nos.43

Em sigilo, a Funai preenchia na asi um volumoso dossiê a respeito de Apoena, com in-
formações de diversas fontes, inclusive militares, que manifestavam suas opiniões ne-
gativas e apontavam problemas de relacionamento com o sertanista.
Em janeiro de 1972, a Funai de Brasília enviou a Porto Velho uma comissão for-
mada por dois civis e dois generais, entre os quais Pedro de Moraes Botelho, que iria as-
sumir a função de delegado regional no lugar do pai de Apoena, e o superintendente ad-
ministrativo de Brasília, Isnard de Albuquerque Câmara. Após a cerimônia de posse,
Isnard passou a elaborar “com a maior discrição”, conforme fora orientado pelo presi-
dente da Funai, uma “sindicância” sobre Apoena.44
Dois meses depois, Ismarth, então na assessoria de uma das diretorias da Fu-
nai, informou a respeito de Apoena: “Já foi removido para a área da Transamazônica”.45
A Funai soltou uma nota oficial para informar que o sertanista estaria, a partir de março
de 1972, designado como “coordenador geral dos trabalhos de atração e pacificação das
tribos arredias ao longo da Transamazônica”.46 A imprensa interpretou de outra forma o
afastamento. Teria sido uma retaliação ao pedido de Apoena para que o órgão providen-
ciasse “o afastamento de cem famílias do território dos índios cinta-larga”.47
Assim que Apoena foi transferido, Isnard fez uma inspeção no quarto que ele
ocupava em Porto Velho. Contou que o pai do sertanista “se deu ao trabalho de lavar” as
paredes do quarto, mas antes disso “foram copiadas” diversas frases escritas por Apoe-
na.48 Além da palavra “Possi”, o apelido de Possidônio, ele escrevera de forma desconexa:
“Morrer! Soltar no último minuto da vida o brado guerreiro de guerra ou vitória. Índios

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morrerem de armas na mão ou mendigando nas suas próprias terras. A mulher deve ser
guerrilheira, amante e esposa”.
Num exemplar da revista Seleções do Reader’s Digest, estava escrito: “Apoena
de Meirelles — Acampamento Avançado ‘Che Guevara’”. No livro intitulado Para todos
namorados passearem de mãos dadas, de Roberto Seljan Braga, o general encontrou a
inscrição “Mao Tsé-tung” e a frase “Diante de tantas misérias os olhos de muitos ho-
mens somente pousam no supérfluo, de que vale a vida, a condição social ou econômi-
ca de um homem, quando em cada minuto morrem milhares de crianças no mundo?”.
Abaixo do texto, a assinatura: “Che Apoena de Meirelles”. E, na página seguinte: “Quan-
do colocarmos em julgamento todos os crimes do imperialismo, seu povo sofrerá duras
penas, não por crimes, e sim por ter aceitado um padrão de vida em detrimento dos po-
vos explorados e oprimidos. Apoena de Meirelles”.
Em plena Guerra Fria e durante o período mais repressivo da ditadura, não é difí-
cil imaginar como essas palavras foram recebidas pelo comando militar da Funai. O general
carregou nas tintas, dizendo que o comandante do 5o bec do Exército informou ter “fortes
suspeitas de que se teria processado, na área do pqia [Aripuanã] treinamento de guerrilhas”.
Isnard também escreveu que ficariam “em seu poder” duas cartas trocadas en-
tre Apoena e a jornalista Eliana Lucena, de O Estado de S. Paulo. As cartas foram copia-
das e acrescentadas ao dossiê de Apoena. Para o general, os papéis demonstravam que o
sertanista era a fonte de informações da jornalista para publicação de reportagens críti-
cas sobre a situação no Aripuanã.
Apoena deixou o parque em meados de março de 1972. No dia 29, o general
Bandeira de Mello fez a ameaça pública a Eliana, durante a entrevista coletiva, de que o
sni iria investigá-la. Os documentos mostram que na verdade a investigação já havia co-
meçado em fevereiro, incluindo a apreensão de cartas pessoais da jornalista.
As menções de Apoena a guerrilhas e a Che Guevara alimentaram teses cons-
piratórias de Bandeira de Mello. Para ele, estava-se diante de “uma célula comunista
manobrada por agentes estrangeiros”, com “atuação subterrânea”. A ditadura dizia ter
um informante dentro do grupo, mas seu nome não é revelado na documentação. Isnard
chega a reproduzir supostas frases ditas nos encontros, mas nenhuma confirma a teo-
ria da célula comunista.

Em relatório, Isnard sugeriu que outro servidor, o sertanista Sidney Ferreira Possue-
lo, estava ligado ao mesmo grupo comunista subversivo.49 Citou um telegrama enviado
pelo general Botelho, delegado da 8a Delegacia Regional da Funai, segundo o qual Pos-
suelo entrou em seu gabinete “em atitude agressiva e aos berros” para dizer que estava
sendo prejudicado por ele.

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A suspeita de Isnard soa risível nos dias de hoje. Possuelo, que viria a se tornar
um dos mais importantes sertanistas da história da Funai, suscitou controvérsia dentro
e fora do órgão, por ações vigorosas em defesa do índio e pela frequência com que era ci-
tado pela impensa, exposição criticada por alguns colegas sertanistas, mas ser tachado
de comunista era raridade. Além disso, era um crítico do pensamento indigenista dos
Meireles, dos quais divergiu algumas vezes, por estar mais ligado às concepções indige-
nistas dos irmãos Villas Bôas.
Possuelo conhecia os Villas Bôas de longa data. Eles foram suas primeiras re-
ferências na vida indigenista, que começou antes mesmo de a Funai existir. Possuelo
nasceu em 19 de abril de 1940, um dia histórico para os índios. Naquela data, na cidade
de Pátzcuaro, no México, realizou-se a primeira conferência interamericana indigenis-
ta. O evento deixou como sugestão que os governos latino-americanos adotassem a data
como o Dia do Índio, o que foi tornado lei no Brasil em 1943.
Nos anos 1930, o pai de Possuelo, José, de uma família de espanhóis que che-
garam ao Brasil no início do século passado, integrava um grupo de teatro amador em
Taubaté (sp) quando a cidade foi visitada por uma companhia mambembe de cineteatro.
Convidado a trabalhar com eles, de cidade em cidade, José foi parar em Santos Dumont,
no interior de Minas Gerais, onde conheceu e se casou com a futura mãe de Possuelo.
Ela também passou a trabalhar como atriz, viajando com a família. No interior do Espí-
rito Santo, o filho se disse impressionado ao ver um grupo de pessoas segurando flechas
imensas com penas coloridas. Foi a primeira vez que viu índios na vida. Depois de al-
guns anos, o casal se separou e Possuelo passou a ser criado por uma avó em São Paulo.
Na adolescência, Possuelo disse que gostava de ler, em especial na revista O Cru-
zeiro, histórias aventurescas sobre o marechal Rondon e os Villas Bôas. Na época os ir-
mãos trabalhavam no Parque do Xingu, vinculado à fbc. Possuelo decidiu ir atrás de Or-
lando, a fim de conhecê-lo. Descobriu que o sertanista, quando vinha a São Paulo, dormia
na casa da irmã, na rua Azaleia. Foi à casa algumas vezes, até conseguir encontrá-lo. Or-
lando deixou que Possuelo se aproximasse do seu grupo. O rapaz cumpria o papel de faz-
-tudo: comprava cigarros, ajudava na prestação de contas. Ele havia completado o segundo
grau, mas não tentou entrar em nenhuma faculdade. Nesse meio-tempo fez várias cursos
em áreas tão distantes quanto operação de máquinas operatrizes, desenho técnico, gemo-
logia, relações públicas — este, na Folha de S.Paulo — e até de parapsicologia. Possuelo ta-
teava o mundo. Mas quando chegou aos dezoito anos, no final da década de 1950, decidiu
trabalhar com os índios. Isso o levou para uma longa viagem de mais de meio século.
Em São Paulo, uma ação frequente de Orlando era visitar empresas para obter
doações para os índios, que eram enviadas ao Xingu em aviões Douglas C-47 do Correio
Aéreo Nacional pelo menos uma vez por semana. Orlando enfim autorizou a tão sonha-
da viagem de Possuelo para lá.

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O avião decolou do Campo de Marte e levou dois dias, com escalas, para che-
gar ao destino. Caía uma chuva pesada quando pousou no campo de terra do posto Ca-
pitão Vasconcelos. Perto do final da pista, o avião derrapou. A carga se soltou das amar-
ras, rolou sobre Possuelo e enterrou o bico da cabine na lama, deixando suspensa no
ar a cauda da aeronave. Ele saiu atrás de ajuda para rebocar o C-47. Quando se dirigia à
sede do posto, escorregou na lama e levou um grande tombo. Os índios que assistiam a
tudo, no mato, caíram na gargalhada. Possuelo voltou com um trator, guiado por um ra-
paz da fbc, e um cabo de aço. Ele e um sargento da fab que viera no voo tentaram atar a
traseira do avião ao trator, mas o cabo de aço era curto. Possuelo então fez um sinal com
os braços levantados para que o tratorista desse ré, a fim de conseguir mais cabo para a
amarra. A chuva ainda estava intensa, e o tratorista entendeu o sinal de forma errada e
tocou para a frente. O cabo de aço deu uma volta em um dos dedos da mão direita do sar-
gento, que ainda procurava fazer a amarra, e o decepou. O dedo voou, bateu no peito de
Possuelo e caiu na lama. O militar estancou o sangue e continuou o trabalho. Após a re-
tirada da carga, o pessoal do Correio regressou no mesmo instante para Goiás para que
o dedo do militar fosse reimplantado, o que não foi possível. Possuelo os acompanhou, e
assim terminou seu primeiro dia em uma terra indígena. Sem conseguir falar com ne-
nhum índio. “O meu batismo foi assim, com lama e com sangue.”
Ao completar dezoito anos, Possuelo teve que servir no Exército, no 5o Regi-
mento de Infantaria em Lorena (sp). Após um ano e meio, retornou aos índios, agora de
vez. Pouco tempo depois, conheceu Francisco Meireles, de quem guardou a boa lem-
brança de um homem desapegado do dinheiro e da burocracia, praticamente vertendo
tudo à sua volta para a satisfação do índio. Mas isso não impedia — embora estivessem
todos no mesmo lado da “trincheira” — que ele tivesse uma visão crítica sobre o que
Francisco e Apoena previam como o destino inexorável dos índios no Brasil: a integra-
ção à sociedade nacional. Em 1973, Meireles disse publicamente que “o índio está fadado
a desaparecer como índio. Não tem condições de sobrevivência”.50
Ao falar sobre as operações da Funai de atração e “pacificação”, algumas das
quais ele próprio liderou e realizou, Meireles fez um elogio aberto aos projetos da dita-
dura. Disse que as doenças que tanto mataram os índios eram “um tributo” pago à “civi-
lização” e que evitá-las seria impossível.

Temos que ser realistas, não podemos deter uma frente pioneira de progresso.
Não podemos contrariar uma política do governo de abertura de estradas que
ele julga necessárias para nosso desenvolvimento. Diante disso é preciso pro-
mover a confraternização dos índios com os elementos civilizados. Mas é
necessário evitar, de qualquer maneira, que sejam cometidas violências contra
os indígenas, que suas terras sejam roubadas a pretexto de desenvolvimento.

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Não temos condições, por outro lado, de evitar que o índio contraia doenças
em contato com o civilizado.

Nessa entrevista que desnuda o modo de pensar de um dos principais serta-


nistas da história do país, Meireles foi adiante. Ele justificou demonstrações de força e
intimidação contra os Waimiri-Atroari, então em guerra com os “civilizados” a propósito
da construção da br-174. Para ilustrar seu pensamento, revelou que chegou a fazer mu-
lheres e crianças de reféns ao contatar um grupo de índios.

Em determinados casos é preciso fazer demonstração de força para o índio que


está matando gente ou criando problemas. Os Atroaris estão precisando disso,
pois já mataram uma expedição nossa como a do padre Calleri. Já usei esse
processo de intimidação com os Pacaás-Novas. Durante a guerra, eles estavam
matando sistematicamente os seringueiros, enquanto o governo precisava de-
sesperadamente da borracha. Daí, entramos na aldeia, pegamos mulheres e al-
gumas crianças para explicar que fazíamos aquilo porque eles estavam matan-
do nosso pessoal. E ameaçamos voltar a qualquer momento.

À pergunta sobre se método semelhante poderia ser usado durante a constru-


ção de outra rodovia, a Perimetral Norte, Meireles argumentou:

Se alguma tribo reclamar uma medida dessas, vamos ter que tomá-la. Os Atroa-
ris são perigosos, é necessário que se monte um dispositivo de segurança para
que eles não pratiquem mais mortes. É um índio que fala português, pois já con-
viveu com seringueiros. Eles simulam uma confraternização e depois atacam.

Possuelo, Apoena e suas mulheres conviveram por um curto período, por volta de junho
de 1974, na frente de atração dos índios panará. Mas logo houve uma divergência entre
eles e a vida em comum durou pouco. Possuelo diz que ele e Apoena se tornaram “cor-
diais inimigos”. As discordâncias não o impediam de ter uma relação cordial, que ele
qualifica como amizade, com Francisco Meireles. A última vez que Possuelo viu o gran-
de sertanista foi em junho de 1973.
Em 25 do mesmo mês, aos 65 anos, Meireles deu entrada com “hipertensão ar-
terial” no Prontocor do Rio de Janeiro, mas já era tarde. Ele morreu de “infarto agudo do
miocárdio e oclusão coronariana aguda”. Deixou quatro filhos e nenhum bem.51 Como
não era casado de papel passado com a viúva, Abigail, não deixou pensão. Sete meses
depois da morte, o jornalista Edmar Morel encontrou Abigail numa região conhecida

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como “Favelinha”, em Campo Grande, no Rio. A casa “era triste”, com paredes por aca-
bar e tijolos à mostra, chão de cimento e “apenas uma vira-lata” como companhia. Abi-
gail conheceu e se casou com Meireles na região de Guajará-Mirim, em Rondônia, e se
mudou para o Rio em 1952. Com o sertanista quase sempre no mato, trabalhando com
os índios, a mulher enfrentou muitas dificuldades para criar os filhos, incluindo Apoe-
na. “O dinheiro era pouquíssimo. De vez em quando, Meireles me mandava uns troca-
dos. E o resto eu inteirava, trabalhando em casa de família e lavando roupa para fora.”52
Meses depois da morte de Francisco, quatro índios, entre eles o cacique xavan-
te Apoena, vieram ao Rio para visitar o túmulo do sertanista. Ali deixaram “um cilindro
de madeira branca, muito polida”, “uma espécie de lembrança da tribo”.53
À morte de Meireles se seguiu a confirmação de que os irmãos Villas Bôas ha-
viam pedido aposentadoria da Funai, na prática se afastando das operações de atração e
pacificação de índios no país. O deputado J. G. de Araújo Jorge (mdb-rj) pediu uma apo-
sentadoria especial para os irmãos, que trabalhavam para o governo desde 1944.54 Em
novembro de 1973, Orlando informou à imprensa que continuava discordando da polí-
tica integracionista do governo militar. “Nossa posição não é novidade para ninguém. A
cultura indígena deve ser resguardada até que o índio opte pela integração.”55
No espaço de poucos meses, a Funai perdeu três de seus míticos sertanistas:
Meireles e os dois Villas Bôas. Agora o trabalho de contato com os índios isolados esta-
va parte nas mãos dos mais jovens, como Possuelo e Apoena, e parte na dos mais anti-
gos, como Afonsinho, que aprenderam a trabalhar com os sertanistas do passado. Nesse
tempo de transição, outras pressões irromperam e assustaram os militares — que rea-
giram com mais opressão.

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20. DEPORTADOS

nos anos 1970, as lideranças indígenas que causassem preocupação aos dirigen-
tes da Funai viviam sob a ameaça de punição com uma transferência de aldeia. Em maio
de 1978, o chefe do posto indígena Cana Brava, dos índios guajajara do Maranhão, Elo-
mar Gerhardt, narrou ao seu superior no órgão que um “civilizado” do povoado Alto Ale-
gre, com irmãos, parentes e amigos, tinha plantado uma roça “em cima da linha divi-
sória” da terra indígena. Os índios alegaram que a linha fora “fabricada”, protestaram e
saquearam a lavoura. No conflito, um colono chamado Belizário morreu com um tiro de
espingarda na barriga. O desfecho do episódio, segundo Elomar, foi “triste e lamentá-
vel para os índios” da aldeia Muçum. Houve “ameaças de transferência e até de prisão”.
Para Elomar, “não se ouviu o que os índios tinham a dizer”. O índio José Galdino, acusa-
do de ser “o principal responsável” pelo confronto, foi pagar “sua pena com uma trans-
ferência” para outro posto indígena. A saída forçada de Galdino desequilibrou a comu-
nidade e expôs sua família, que agora “passava fome”. Sua mulher foi vista embriagada e
uma parente se prostituía “com os camioneiros, em busca de dinheiro para sua fome e
de seus parentes”. Havia notícia de que ela ficara grávida.1

Em Dourados, hoje Mato Grosso do Sul, vivia um índio especialmente vigoroso na de-
fesa de sua comunidade, que também sofreria com a prática da deportação. Marçal de
Souza era o nome registrado nos documentos da cidade e Tupã-I era como se chamava
entre os Guarani. Sua trajetória foi marcada por constantes deslocamentos, pela orató-
ria coerente e emocionada, com longas frases construídas de improviso em português
claro e objetivo, e pela coragem com que expressou a condição de seu povo. Darcy Ribei-
ro uma vez chamou Marçal de o “índio mais eloquente” que já conhecera.2
Talvez tenha sido o índio mais conhecido em todo o estado entre os anos 1970
e 1980, tendo percorrido inúmeras aldeias em uma bicicleta vermelha de guidão qua-
drado que diziam ser da marca alemã Göricke. É o que ficou na memória do índio gua-

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rani-kaiowá Anastácio Peralta, mais tarde um dos principais líderes indígenas no então
Mato Grosso. “Ele andava muito de bicicleta. Saía daqui da Missão Caiuá e ia para Tei-
kuê, acho que dá uns setenta ou oitenta quilômetros. […] Ia cortando esse estradão. O
Marçal organizava toda a comunidade de Mato Grosso do Sul.”3
Os Guarani viviam em dois subgrupos na região, os Ñandeva, nos quais se in-
cluía Marçal, e os Kaiowá. Após dezenas de anos em contato com os “civilizados”, perío-
do em que foram atraídos e aldeados, ou seja, instruídos a viver em determinados pon-
tos predeterminados e manobrados para trabalhar nas fazendas da região e na coleta de
erva-mate, os Kaiowá só vieram a receber o reconhecimento oficial de suas terras entre
1915 e 1935, após a criação do spi em 1910. Porém, o Estado brasileiro destinou a eles ape-
nas oito áreas pequenas, com um total de 18 mil hectares, e não considerou a existên-
cia de diversos outros grupos espalhados em propriedades rurais. As áreas tradicionais,
chamadas de tekoha, eram habitadas porém não reconhecidas como terras indígenas. A
Funai depois admitiu que no começo da década de 1980 pelo menos 2 mil índios viviam
“esparramados” em terras não demarcadas. O tamanho das tekohas demarcadas era ín-
fimo em face das necessidades e do número de índios. Em 1983, as oito terras demarca-
das somavam apenas 18 mil hectares para um total de 12315 pessoas, o que representava
cerca de 7,3 hectares para cada família ou 1,4 hectare por indígena.4 A título de compara-
ção, o lote médio do Incra no país era, em 2007, de 34 hectares.5 A demora do Estado em
reconhecer as terras guarani está na origem das disputas que se estenderam por todo o
século e chegam aos dias atuais.

A vida de Marçal foi dura desde o começo. Ele foi criado em uma casa para crianças e
adolescentes indígenas órfãos chamada Nhanderoga, fundada por missionários presbi-
terianos da Missão Evangélica Caiuá, a poucos quilômetros do centro de Dourados. Se-
gundo contou depois à sua família, Marçal nasceu na véspera do Natal de 1920 em uma
aldeia indígena guarani-ñandeva na região de Rincão de Júlio, atual município de Pon-
ta Porã, na fronteira com o Paraguai. Foi separado dos pais depois que uma cobra o pi-
cou e ele teve que se tratar em Dourados. O menino permaneceu com os missionários,
os pais voltaram para a aldeia.6 Quando tinha por volta de doze anos, Marçal perdeu os
pais, ambos acometidos por doenças, conforme depois contou às filhas.7
Quando o escritor Orígenes Lessa foi visitar a Nhanderoga, em março de 1955,
encontrou crianças, adultos e idosos guarani recebendo os cuidados da professora baia-
na Loide Bonfim de Andrade, de seu marido, o reverendo Orlando Andrade, e de outros
missionários, em meio a grandes dificuldades financeiras. Era uma “tortura agoniada”.
A alimentação básica consistia em arroz, feijão, abobrinha e mandioca, com carne e pão
“apenas uma vez por semana”. Cerca de vinte anos antes, Loide e outros missionários

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haviam encontrado um quadro dramático de doenças e mortes de índios guarani e tere-
na, o que levara à criação do orfanato. “No mato, os índios se acabavam. Famílias inteiras
desapareciam. E frequentemente, nas palhoças perdidas, eram encontradas crianças de
um ou dois anos, os pais na sepultura, chorando e morrendo de fome.”8 Lessa contou no
orfanato “cerca de cinquenta crianças, que foram salvas da morte”.
Em um domingo, o escritor compareceu a um culto na igrejinha do lugar. O
pastor pediu que alguém lesse uma oração. De costas para o orador, Lessa passou a ou-
vir uma “prece admirável, toda construída em estilo bíblico. Uma voz doce, respirando
fervor”. Falava sobre a necessidade de que Deus levasse um lenitivo às almas dos cren-
tes, iluminasse seus corações e purificasse suas vidas. Lessa virou-se para ver quem era.
“Era um indiozinho descalço, modestamente vestido, o Marçal.”
Marçal, então com 34 anos, pareceu a Lessa um “japonezinho”.

É baixo, “rinsonho”, inteligentíssimo. Tinha quinze anos quando apareceu na


missão, mordido de cobra. Era um índio como os outros. Veio quando ainda
não falava português. Trataram-no, ficou trabalhando e estudando ali. O ran-
cho em que vive reflete bem sua atual filosofia da vida. É limpo, alegre, or-
ganizado. Trabalhador, ativo, curioso, amigo dos livros, fala com incrível de-
sembaraço.9

Apoiado pela Missão Caiuá, Marçal passou temporadas de estudos em Campo


Grande, Recife e Patrocínio (mg), onde por três anos foi matriculado no Instituto Bíbli-
co Eduardo Lane, fundado em 1925 por reverendos norte-americanos para dar capaci-
tação teológica a missionários de lugares mais afastados dos maiores centros urbanos.10
Ali Marçal recebeu lições de “exegese e oratória”, conforme disse anos depois a missio-
nária Loide, além de homilética, a arte de pregar sermões religiosos. Essa formação ex-
plicaria a qualidade de sua retórica, tão elogiada pelos que o conheceram. Marçal voltou
de Patrocínio como pregador do Evangelho, professor das crianças da Nhanderoga e in-
térprete, tendo ajudado na tradução da Bíblia para o guarani. Também aprendeu a tocar
órgão e fez um curso de atendente de enfermagem.11
Assim, a princípio Marçal era mais um divulgador do Evangelho do que um lí-
der politizado. Isso mudou quando antropólogos do Rio, São Paulo e Brasília começaram a
aparecer na região de Dourados para estudar a cultura guarani. Um dos mais conhecidos
era o antropólogo catarinense Egon Schaden (1913-91), da usp, que a partir dos anos 1940
realizou um amplo trabalho de campo com os Guarani. Como Marçal dominava o portu-
guês e conhecia a fundo a cultura guarani, ele se tornou “um dos principais informantes
de Schaden”.12 Em seu Aspectos fundamentais da cultura guarani, Schaden incluiu Marçal
entre seus “numerosos amigos índios, que às vezes com grande sacrifício pessoal me au-

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xiliaram na realização das pesquisas”. Ele fez publicar no livro uma foto de Marçal, identi-
ficando-o como “catequista” evangélico e seu colaborador nas pesquisas.13
Outro pesquisador que recorreu a Marçal foi Darcy Ribeiro, que estudou os Ka-
diwéu da serra da Bodoquena. Tempos depois, Marçal disse que as conversas que man-
teve com o antropólogo nos anos 1940, quando viajavam “de aldeia em aldeia”, foram um
divisor de águas. Refletindo sobre tudo o que ouviu de Darcy, ele disse ter revivido

a glória do meu povo já muito distante, sendo levada pelos séculos, pelo tempo
e pelos anos. Descobri que nós tínhamos uma riqueza muito grande, uma ri-
queza muito preciosa, que era a nossa cultura, a nossa crença, a nossa vida de
índio, a nossa organização. Desde então nasceu um amor muito profundo pelo
meu povo indígena. Desde então propus em minha vida, viver toda a vida, vi-
ver entre os meus irmãos.

Nos anos 1950 e 1960, Marçal se distanciou da pregação evangélica e passou a


se preocupar mais com a condição terrena dos índios. “Eu devo esse abrir de olhos ao
professor Darcy Ribeiro.”14

O despertar de Marçal o tornou um estorvo para o comando militar da Funai. A docu-


mentação sigilosa da época, enfim colocada à disposição para pesquisa a partir de 2008,
mostra que em 1975 ele foi identificado como alguém “que procurou aliciar os índios
contra os seus capitães” de dois postos indígenas, em Dourados e em Panambi.15
Na época, ele era atendente de enfermagem contratado da Funai. Em relatório
confidencial, o chefe do posto em Dourados, Idevar José Sardinha, informou ao delega-
do regional que não queria mais sua presença na região. As coisas saíram do controle,
segundo o delegado, depois que o general Ismarth e o ministro do Interior, não nomina-
do, fizeram uma visita ao posto de Dourados. Na ocasião, Marçal fez um discurso “so-
bre o problema do índio, colocou-se no papel de defensor dos mesmos, sentindo-se in-
clusive superior aos capitães e ao chefe do posto, mostrando-se mesmo insubordinado
a esta chefia”.16
Por causa de “excesso de tempo ocioso”, disse Sardinha, Marçal se dedicava a
“uma atuação política contra o chefe do posto, capitães e, consequentemente, Funai,
junto aos indígenas aldeados neste posto, além de interferência em outras áreas vizi-
nhas, como já é de vosso conhecimento o caso do posto Panamby e aldeia Vila Cruz”.
Sardinha apontou dois “capitães” como alvos de críticas de Marçal: o Terena
Ramão Machado e o Kaiowá Narciso Daniel. Disse que já havia “investigado” as acusa-
ções contra ambos e as considerara infundadas, acrescentando que Marçal ocupou o

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cargo de capitão entre 1964 e 1966 e não deixou saudades. Além do mais, Marçal tam-
bém ameaçava “constantemente ir a jornais, rádio e televisão, caso nenhuma atitude
seja tomada pelo chefe do posto”.

Seu objetivo nos parece ser derrubar os capitães. Afirma ainda que não se im-
porta de ir preso por uma causa justa ou mesmo perder o emprego. Tem tra-
balhado junto a esta comunidade com fins de conscientizá-la de que a Funai
teme a imprensa falada ou escrita.17

As afirmações de Sardinha são contraditórias em pelo menos um ponto: se


Marçal foi um péssimo “capitão”, por que seria uma liderança a ser temida pela Funai?
O delegado, em suas comunicações a Brasília, também descartou um dado fundamen-
tal. As críticas de Marçal aos “capitães” tinham plena razão de existir. Com a anuência
do órgão, Ramão Machado havia montado uma milícia indígena armada e controlava
com mão de ferro o dia a dia da reserva de Dourados, um exíguo espaço de sobrevivên-
cia para milhares de Kaiowá e Terena. Essa “polícia indígena” percorria a colônia para
“tomar armas e acalmar os companheiros”.18 Era acusada de desmandos, assassinatos
e torturas. Em setembro do mesmo ano, um primo de Marçal, Nenito Cláudio, denun-
ciou que Ramão “desandou a prender o índio, pondo o índio para trabalhar na lavoura
dele”. Havia a suspeita, contou Nenito, de envolvimento do grupo de Ramão no assassi-
nato de um homem chamado Martins, que a Funai considerou ser um paraguaio, no de-
saparecimento de um garoto de dezessete anos e na eliminação do índio Xisto Daniel,
que amanheceu morto na cadeia do posto um dia após ser preso pela milícia indígena.19
O “capitão” teve pela frente uma vida conturbada, recheada de polêmica e acu-
sações. Em 1978, um grupo de índios foi à imprensa de Dourados para denunciá-lo pela
tentativa de matar o índio Dorvalino Felisberto.20 Ele seguiu no cargo. Em 1979, este-
ve no centro de uma grande crise que mobilizou centenas de índios contra e a favor da
sua permanência. Um grupo kaiowá queria matar Ramão, crime evitado por religiosos.21

Conheci Ramão Machado em 1998, quando o entrevistei em Dourados justamente sobre


as atividades da polícia indígena, que ele continuava comandando até aquele momento.
Ele era a autoridade de fato na terra indígena. Naquela época, a Funai contava com ape-
nas três funcionários para uma população indígena de 8,9 mil Guarani e Terena. Ramão
era alto e corpulento, tinha mãos imensas e o olhar disperso. Parecia muito ressabiado
com a minha presença na área, dirigindo-me várias perguntas. Ele me recebeu ao lado
de outros índios, todos usando coletes com a inscrição “agente de segurança” e o dese-
nho de um índio esticando um arco. Poucos dias antes, Ramão havia sido alvo de uma

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ordem de prisão decretada a pedido do Ministério Público Federal sob as acusações de
tentativa de homicídio, ameaça e vilipêndio aos costumes indígenas. Ele negou as impu-
tações. Disse-me que sua milícia formada por doze homens, cujas rondas só ocorriam
de dia, apenas impunha a lei e a ordem. Ele permitiu que eu acompanhasse uma dessas
rondas. Na carroceria de uma camionete, vi como os milicianos trabalhavam. Em gru-
pos de talvez meia dúzia, circulavam horas pelas diversas estradinhas de terra que cor-
tavam a reserva. Vez ou outra, quando encontravam algum índio vagando sozinho ou de
bicicleta, paravam, faziam perguntas e o revistavam. Claro que a encenação estava lon-
ge de refletir a verdade. Os milicianos eram acusados de todo tipo de abuso, violência e
coação. Foi contra isso que Marçal se insurgiu, ainda nos anos 1970.
Tal milícia não era uma exclusividade de Dourados, havendo casos semelhantes
em várias áreas guarani e terena no sul do estado. De Dourados fui até Aral Moreira (ms)
para ver a sepultura do índio Quintino Batista, de 74 anos, que dias antes fora espancado
e morto por “policiais indígenas” que atuavam na área Guasuty, e falar com sua família.
Esta deixou sobre o túmulo as duas botas velhas, desgastadas e sujas que Quintino usou
para trabalhar em uma fazenda até morrer.22 Ramão também teve um destino trágico.
Em 2008, após uma briga em um bar, foi assassinado com um tiro por um policial militar.

Mas a Funai, em 1975, deu apoio irrestrito a Ramão contra Marçal. Este, como medi-
da punitiva, foi “colocado à disposição” e transferido da casa em que vivia, na aldeia em
Dourados, para uma terra indígena em Caarapó, distante cerca de cinquenta quilôme-
tros. Poucos anos depois, Marçal contou que sofreu violenta perseguição até ser despe-
jado para Caarapó. Ele disse que em abril de 1974 um grupo de cerca de dez índios lide-
rados por Ramão, que ele chamou de “braço forte” de Sardinha, invadiu o ambulatório
em que trabalhava e passou a agredi-lo.

Me rasgaram toda a roupa e quase me deixaram nu. E me levaram fora do am-


bulatório, onde fui espancado pelos outros índios. Eu não culpo os índios, não,
o índio não tem culpa nenhuma. Eles foram subornados pelo capitão Ramão e
pelo encarregado para fazer essa injustiça contra a minha pessoa.23

Ao saberem do espancamento e da prisão, familiares de Marçal foram vê-lo no


posto indígena. A mulher, Aristídia, e as filhas Edina, Eunice e Leni o encontraram com
ferimentos por todo o corpo, “preso em um quarto da Funai”. Aos 23 anos, Edina viu o pai
ser tratado “como se fosse um bandido”. “Pedimos para soltar, mas o chefe de posto e o Ra-
mão não deixaram. Daquele jeito mesmo, ensanguentado, rasgado, levaram ele para Cam-
po Grande.”24

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Marçal tinha sete filhos biológicos e três adotados, crianças guarani que, assim
como ele na infância, não tinham um lar para viver. Segundo Edina, não era incomum
na época que famílias guarani, sem condições de criar seus filhos, os deixassem na mis-
são presbiteriana. Marçal recolhia os bebês até que surgisse outra família — três crian-
ças, porém, ele continuou criando até o fim da vida.
Antes de seguir para Caarapó, Marçal trabalhou por alguns meses na Casa do
Índio da Funai em Campo Grande, onde de novo foi “ameaçado de prisão”, segundo sua
filha Edina, por causa de críticas às condições do local. De lá foi enviado para Caarapó, o
que forçou uma divisão na família. Por causa dos estudos, as filhas mais velhas ficaram
em Dourados.

Cláudio Nenito contou a líderes indígenas reunidos pelo Cimi naquele ano que a transfe-
rência de índios era um instrumento de opressão da Funai e da ditadura. Segundo disse,
ele também fora “jogado para fora do posto” com sua família pelo próprio “chefe da Fu-
nai” e perdera toda a sua lavoura. Afirmou que espancamentos e prisões eram comuns
e que o chefe da Funai “dava castigo aos índios” desde, pelo menos, 1972. Os índios pre-
sos eram levados para a lavoura do “capitão”, o que deixava suas famílias desamparadas.
As denúncias de Nenito foram levadas ao conhecimento do Congresso Nacio-
nal pelo bispo diocesano de Bauru (sp) Cândido Padin, em depoimento que prestou à
cpi do Índio, instalada em 1977. Quando foi sua vez de falar à cpi, o general Ismarth pro-
curou desqualificar Marçal. Alegou que ele andava armado porque se “incompatibili-
zou com a comunidade, que o espancou e ameaçou matá-lo”. Segundo o general, a Fu-
nai atuou para “evitar uma tragédia” e por isso “ofereceu-lhe remoção para outra área,
o que foi aceito”. Porém, Ismarth acabou por confirmar a política de transferências, di-
zendo “não ser crime de espécie alguma” e que “às vezes” ela era adotada para “prote-
ger o próprio índio”.
Os documentos sigilosos enfim tornados públicos quase quarenta anos depois
revelam que Ismarth omitiu do Congresso que a ordem de retirar Marçal de Dourados
partiu do responsável pela Funai na região, não se tratando de uma proposta feita pelo
índio. Como vimos, o delegado escreveu e obteve o apoio de Brasília para a decisão de
enviar Marçal para Caarapó. Em vários trechos do documento, o delegado demonstra a
contrariedade com a presença do Guarani na área do posto indígena e nada fala sobre
protegê-lo de ameaças.
Além de expulso para Caarapó, Marçal na prática também ficou proibido de visi-
tar seus parentes que ficaram em Dourados, o que o levou a viagens clandestinas.25 Ele es-
tava exilado em seu próprio país. Depois voltou a denunciar Ramão, em Brasília, mas sem
resultado algum. Disse que a milícia, composta de sessenta índios, estava na origem de

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muitos suicídios. “A polícia indígena é disfarçada de Conselho Tribal e quer obrigar até os
casamentos na tribo, o que já fez muita gente, que não queria se casar, se matar.”26
Mas nenhuma das punições impostas pela Funai foi capaz de interromper sua
ascensão como líder indígena. Quando a cpi foi instalada, em 1977, Marçal entrou em
uma lista de indígenas a serem ouvidos. Sobre ele não havia “maiores referências”, mas
deputados o reconheceram como “um dos mais autênticos líderes” guarani.27 Estranha-
mente, nunca foi chamado a prestar depoimento na cpi.
O Guarani demonstrou ter plena consciência do incômodo que representava.
Em uma assembleia organizada pelo Cimi nas ruínas de São Miguel (rs), ele orientou os
índios a fazerem denúncias pelos meios de comunicação. “Não podemos mais ficar de
braços cruzados. Essa talvez seja a última oportunidade para nós erguer a voz de nossas
tribos. Lá fora tem muita gente boa, a imprensa, a televisão. […] Eu não fico quieto, não.
Eu reclamo, eu falo, eu denuncio.”28

O comando da Funai demonstrava extrema preocupação com as reuniões entre mem-


bros do Cimi e outros líderes indígenas e tomou várias medidas para coibi-las. Uma das
táticas era desacreditar os índios como representantes de suas etnias. Índios que saíam
em defesa dos padres do Cimi eram os primeiros a entrar na mira do regime.
O Karipuna Álvaro, que havia escrito uma carta ao presidente da Funai para re-
clamar da situação em sua aldeia no Amapá, atraiu a atenção do órgão. O delegado regio-
nal, Carlos Amaury Mota de Azevedo, disse que o índio estava “bastante conscientizado
pela ideologia do Cimi, de quem é representante na área”. Álvaro mostrava-se “arredio”
à Funai, e “em tudo que fala se nota um acento de revolta”. O delegado bolou um plano
para cooptá-lo.

Faz-se necessário contratá-lo como atendente de enfermagem, para desse modo


tê-lo sob controle e em segundo lugar demonstrar que a Funai pode ser tanto
quanto o padre Nello Ruffaldi. […] Uma oportunidade boa de se demonstrar
isso seria a liberação de 20 mil cruzeiros em mercadorias para ajudar na aber-
tura de uma cooperativa idealizada por ele, padre Nello e outros.29

A documentação disponível não esclarece se o plano saiu do papel.


O caso de Álvaro estava longe de ser único. Com as reuniões entre Cimi e indí-
genas cada vez mais frequentes, o sistema de informações da ditadura e o comando da
Funai também estenderam sua espionagem e seu controle sobre inúmeros indígenas. A
atenção dos militares era proporcional à importância do índio em sua tribo e também
aos potenciais problemas que ele poderia causar à Funai.

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O general Demócrito Soares de Oliveira ordenou um “levantamento biográfico
das principais lideranças indígenas brasileiras”.30 A resposta veio do Museu do Índio, no
Rio, que tratou dos nomes do passado, e de “questionários enviados por chefes de postos
e delegados regionais”. Uma relação de dezoito nomes incluía o Waimiri-Atroari Maroa-
ga, os Xavante Benedito, Zacarias, Adão e Apoena, o Xerente Raimundo, os Guarani João
Gomes e Benedito, os Kayapó Bebe Gogoti, Knhonk e Pombo, os Karajá Arutana, Malua-
ré, Maluá, Ataul e Uatau, o Urubu-Kaapor Karol e o Kanela Gregório.31
Os questionários foram acompanhados de breves comentários sobre os líde-
res. Dois refletiam preconceitos explícitos dos servidores da Funai. O Xavante Zaca-
rias, por exemplo, era “bastante inteligente; executa várias ocupações tão bem quanto
um branco; representou sua aldeia junto ao presidente da República”. O Karajá Maluá foi
elogiado por dizer que seria importante para os Karajá não “se revoltarem”, mas sim que
procurassem “a aculturação com os civilizados. Temos aqui um fator [ilegível] muito im-
portante na mentalidade de um índio”.
De modo geral, os questionários exaltavam a capacidade dos índios e histórias
de coragem e liderança que protagonizaram. Tuto Pombo “liderou estrategicamente um
ataque” contra grileiros invasores da área indígena, em 1969, “conseguindo expulsá-los
sem baixas para os Kayapó”. Maluaré foi citado “como líder absoluto”, com “espírito de
coragem e inteligência”. Certa feita, dois Xavante mataram dois jovens karajá, um dos
quais era parente de Maluaré. Ele então “saiu no encalço dos Xavante e conseguiu vin-
gar, matando mais de cinco”.
Se um índio aparecesse em algum veículo de comunicação nas cidades, logo caía
no sistema de vigilância da Funai. Em dezembro de 1975, o Xavante Benjamin e seu sogro
Apoena, da aldeia de São Marcos, participaram, na tv, do Programa Silvio Santos, no qual
apresentaram algumas “danças típicas” e pediram doações de “máquinas de costura, tra-
tores e demais utensílios para suas comunidades”. Um mês depois, o chefe de gabinete
da presidência da Funai telefonou à coordenadora da Casa do Índio, no Rio, para ordenar
que “ambos fossem impedidos de se apresentar em programas de tv, rádio etc.”. A coor-
denadora tentou saber quem custeava as despesas da dupla, mas não conseguiu desco-
brir. Nesse meio-tempo, os índios deram uma entrevista ao jornal alternativo O Pasquim,
na qual fizeram “críticas desabonadoras aos serviços desempenhados pela Funai”.32

Índios sentiram na própria pele a violência de prepostos do regime militar. Em maio


de 1977, a Polícia Federal deflagrou uma operação para reprimir a produção de maco-
nha em Barra do Corda, no Maranhão. Na manhã do dia 19, uma equipe da pf passou
na aldeia Coquinho e determinou que o Guajajara Celestino Lopes servisse como guia
e indicasse mais três índios para acompanhá-los — João Galdino, Antônio e José Leão.

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Contudo, foram todos levados a um prédio na região de Sabonete. Um policial algemou
Celestino, amarrou uma camisa em seu rosto e o levou para uma sala, onde o índio teve
a cabeça coberta por um capuz. Celestino disse ter notado a presença do tenente-coro-
nel da pm do Maranhão Armando Perfetti, delegado da Funai em São Luís. O índio disse
que o coronel o orientou a “contar o que sabe aos moços” e em seguida saiu da sala. Os
policiais deram início a uma longa sessão de tortura. Queriam saber do envolvimento de
Celestino com o plantio de maconha.
Um dos policiais o estrangulava e dizia que iria jogá-lo de um avião ou que o
transformaria num escravo em Minas Gerais. Quando a noite chegou, Celestino, ainda
encapuzado, foi levado a um descampado e algemado a um galho de árvore. Os policiais
disseram que ele iria morrer se não colaborasse. Foi espancado e chutado “na barriga,
no estômago, nas costas”. O índio então pediu a arma de um dos policiais, dizendo que
queria se matar. Foi quando eles pararam. No dia seguinte, Celestino foi levado algema-
do pelos policiais a várias aldeias, como se estivesse ajudando a polícia. Os outros índios
entenderam que Celestino havia traído a comunidade, mas ele disse que nada falou.
Um ano depois, na presença de quatro testemunhas e do chefe da Funai na re-
gião, José Porfírio Fontenele de Carvalho, Celestino narrou as torturas. Um dos homens
do órgão deixou registrado que, tanto tempo depois, a barriga do Guajajara ainda estava
inchada e seu corpo tinha uma “deformação”. Celestino explicou que isso era resultado
da pancada que a polícia lhe dera e que estava tão doente que não conseguia mais traba-
lhar. Ele reconheceu ter vendido dois quilos de maconha, mas não plantado.33
Em memorando ao tenente-coronel Perfetti, Carvalho contou que outro
Guajajara, Djalma, havia narrado torturas semelhantes sofridas de policiais federais.
Perfetti respondeu aos seus superiores na Funai em Brasília de forma vaga sobre um
ponto central da denúncia. Disse que “nunca presenciamos qualquer sevícia pratica-
da pelos agentes da Polícia Federal”. Porém, Celestino havia dito exatamente que ele
deixara a sala antes dos espancamentos. Perfetti afirmou que “não vislumbrou quais-
quer maus-tratos” contra os índios Djalma e Celestino, a quem chamou de “índio tra-
ficante”, acrescentando que a denúncia “deixa transparecer que [o índio] foi total-
mente insinuado”.34
Em ofício dirigido a Perfetti, Carvalho reiterou a denúncia e revelou que um
agente da pf, de nome Alencar, teria lhe “confessado sem que eu perguntasse que teria
estado nesta área e que ‘os índios haviam apanhado pra burro’”.35 A Funai mandou apu-
rar a denúncia. Depois que o sertanista João Fernandes Moreira confirmou que a opera-
ção da pf fora acompanhada “pelo coronel Perfetti, Domingos Nogueira Neto e um mo-
torista”, o tenente-coronel reconheceu ter presenciado a inquirição de um dos índios,
Djalma, e que soube da prisão de Celestino. Sobre o espancamento denunciado por Ce-
lestino, disse não ter autorizado nem presenciado, mas “se aconteceu condeno e deve

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ser apurada a responsabilidade de quem praticou”. No seu depoimento, Carvalho acres-
centou ter ouvido do próprio Perfetti que testemunhara a pf “bater no índio Djalma”.
Porém, se Carvalho espalhasse sua confissão, ele negaria tudo.
No relatório final, a comissão da Funai concluiu que “trata-se de depoimen-
tos que demonstram ser impossível caracterizar a denúncia, uma vez que se situam em
elementos circunstanciais”, frisando a inexistência de exame de corpo de delito. Citou
a confissão de Celestino sobre a venda de maconha e apontou que a alegada “confissão”
de Perfetti feita a Carvalho não poderia ser usada como prova. O episódio foi arquivado
sem nenhuma punição.36
Na mesma época, veio à tona um terceiro relato de tortura. O chefe do posto
da Funai, Elomar Gerhardt, contou ter acompanhado uma equipe da pf em outra opera-
ção de repressão ao plantio de maconha. A equipe parou na casa de um colono chamado
Osvaldo, que passou a ser interrogado sobre a erva. Como nada disse, recebeu três “te-
lefones”, um golpe dado com as mãos ao mesmo tempo nos dois ouvidos da vítima. Os-
valdo foi amarrado e levado para uma roça, onde os policiais lhe perguntaram em que
local estava enterrada a maconha prensada. O morador negou saber. O agente Vascon-
celos sacou seu revólver e deu um tiro “bem próximo ao ouvido de Osvaldo”, dizendo
que ele deveria “desenterrar o fumo”. “O sr. Osvaldo olhava a arma fumegando nas mãos
do agente e estava em pânico. Seus lábios não conseguiram articular nenhuma palavra
e seus olhos permaneciam vidrados na mão que sustinha a arma.”
O morador recebeu mais um “violentíssimo ‘telefone’”, tão forte que machu-
cou o polegar do policial. Osvaldo começou a cavar o chão com as mãos, até achar um
monte de gravetos e grama e oferecê-lo ao policial como “prova” de crime. Os colegas
caíram na gargalhada e desistiram de continuar a tortura, concluindo que Osvaldo era
“desmiolado”. No caminho de volta para a cidade, um dos agentes tentou convencer Elo-
mar a abandonar a Funai, segundo contou o servidor:

Esse serviço com esses fia da p.t. dos índios não leva a nada. Se você permitir,
vou descontar esse sofrimento no lombo deles. Que dá vontade, dá. Vê só em
que c. do mundo esses sacanas se metem. Esses índios não são inocentes coisa
nenhuma, são é muito vivos.

Outro agente concordou: “É, se não senta o cacete nesses índios, eles não dão
o serviço”.
No meio da operação, apareceram índios denunciando que “civilizados” dos
povoados do Alto do Coco e de São Pedro dos Cacetes estavam prestes a executar uma
invasão em massa nas áreas indígenas Urucu e Juruá. Os lavradores iam a Grajaú com
a finalidade de obter cadastramento rural do Incra, através da prefeitura, à qual paga-

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vam por lote. O chefe da equipe policial, porém, disse que sua missão era maconha, não
a questão de terras, e se recusou a intervir. Elomar lamentou que “os civilizados ficaram
sabendo que a Polícia Federal não está nem aí para garantir a posse da terra em que os
índios vivem”.

As transferências determinadas pela Funai não atingiam apenas indivíduos, mas co-
munidades inteiras, desde que fossem convenientes para a administração federal. Essa
política atingiu uma pequena e pacífica, porém resistente, comunidade no sul do então
Mato Grosso. Trata-se de uma história de dor e persistência, que também ilustra à per-
feição o papel que os missionários do Cimi passaram a desempenhar sobre a organiza-
ção e ação de grupos indígenas.
Em 1948, quando trabalhava para o spi, Darcy Ribeiro conviveu por quatro se-
manas com os Ofayé-Xavante, um grupo de dez pessoas de duas famílias que viviam per-
to dos rios Paraná e Ivinhema. Eles se vestiam como “civilizados”, cultivavam a terra e
criavam pequenos animais, além de sair para trabalhar em fazendas da região. Falavam
a língua ofayé e se identificavam como povo ofayé, além de “conservar o sentimento de
unidade tribal”, ter os lábios e orelhas furados, manter o “gosto de dormir no chão em
covas cobertas de capim” e usar de vez em quando arco e flecha. 37
O grupo com o qual Darcy conversou era o remanescente de uma outrora nu-
merosa etnia. No início do século, escreveu o antropólogo, eles somavam “um milhar
de pessoas”. A memória dos índios e os registros do etnólogo Curt Nimuendajú narram
todo o violento processo de dizimação pelo qual passaram os Ofayé, com chacinas, fugas
e enfrentamentos com “civilizados”. Numa fazenda da região, Darcy contou ter encon-
trado a lápide do fundador, com a informação de que ele e seus filhos foram “trucidados
pelos Chavantes em 19/4/1900”. O ataque motivou retaliações dantescas.

Ficou célebre, então, um mulato gaúcho que usava espada e depois de matar
muitos adultos, jogava as crianças para cima e as apanhava espetadas na espa-
da. Ao sair, encontraram duas mocinhas escondidas que conduziram consigo,
porque quase todos queriam levá-las para criar. Mas na primeira parada amar-
raram as moças em árvores e as degolaram porque elas lhes deram a entender
que não desejavam segui-los.38

Tendo passado pela região no início do século xx, Nimuendajú coletou infor-
mações sobre as chacinas cometidas por “bugreiros”, assassinos remunerados de ín-
dios, em retaliação ao mesmo ataque atribuído aos Ofayé e referido por Darcy.

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Os sertanejos seguiram, então, em perseguição dos índios, chefiados por Ma-
noel Nogueira, irmão do defunto. Descendo pelo rio Papagaio para o lado do rio
Ivinhema e encontram uma aldeia kaiowá, onde assassina oito a dez pessoas
pacíficas e inofensivas. Dizem uns que mataram os Kaiowá por engano, con-
vencidos de que eram ofaié. […] Com certeza estes bugreiros saíram conven-
cidos a matar quantos índios encontrassem, fosse qual fosse a nacionalidade.
Isto porque, depois deste “engano”, os bugreiros, ainda não satisfeitos, segui-
ram rumo leste do rio Samambaia e, encontrando uma aldeia ofaié, mataram
a todos que ali estavam.39

Anunciada por Darcy nos anos 1940, a existência dos Ofayé caiu em quase completo es-
quecimento ao longo das décadas seguintes, com raras citações, na maioria das vezes
identificados como “Xavante” da região de Brasilândia, na divisa do então Mato Grroso
com São Paulo. Até que, em plena ditadura, os Ofayé retornaram ao noticiário — embo-
ra de novo chamados apenas de Xavante. O jornalista que trabalhava em Marília para O
Estado de S. Paulo, Luiz Carlos Lopes, divulgou em agosto de 1976 que “as doenças dizi-
mam grupo xavante de Mato Grosso”. Segundo o jornalista, o sarampo, a varicela e a ca-
tapora deixavam o grupo à beira da extinção. Os duzentos índios da década de 1940, dis-
se ele, haviam baixado para apenas 24 em 1976. O jornalista denunciou o abandono da
etnia. “Naquela aldeia, ninguém jamais ouviu falar em Funai ou em qualquer outro ór-
gão de assistência aos índios.”40
Apesar da dramática notícia do jornal, nada mudou de imediato para os Ofayé.
Só no final de 1977 houve uma reação, talvez não a esperada pelo jornalista e muito me-
nos pelos índios. A Funai começou a elaborar um plano de evacuação dos índios de sua
terra tradicional.

Nascido em abril de 1957, o Ofayé Xehitâ-Ha, nome indígena de Ataíde Francisco Rodri-
gues, de cabelos e barba fartos e grisalhos, recebeu-me em sua casa na aldeia de Brasi-
lândia no final de 2013. É uma construção pequena de alvenaria caiada, cercada de ár-
vores. Ataíde se expressa com perfeição em português. Já escreveu de próprio punho
inúmeros cadernos de memórias, alguns dos quais me apresentou, com uma ponta de
orgulho. Ele disse que hoje apenas ele e mais sete Ofayé ainda falam a língua. Caso os
oito morram sem conseguir passar a língua para outros índios, a língua poderá mor-
rer junto. Os jovens não estão muito interessados, segundo Ataíde, até pela presença de
mais de cinquenta índios guarani que conheceram e se casaram com Ofayé e se muda-
ram para a terra destes nos últimos tempos.

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Ataíde testemunhou a pequena grande saga da sua etnia durante a ditadura.
Ele é a memória viva de um povo inteiro. “Como que as pessoas, para ter um direito, so-
freram bastante. Nós mesmos sofremos. Metade do meu povo morreu para a gente che-
gar onde estou hoje.”
Depois das grandes perseguições, que reduziram sua etnia para apenas duas
dezenas, os pais e avôs de Ataíde se fixaram numa área próxima da antiga fazenda Boa
Esperança, onde Ataíde nasceu, no atual município de Brasilândia. Nos anos 1970, a
irmã de uma dupla de “civilizados”, peões de fazenda de Santa Rita do Pardo, interes-
sou-se pelo irmão mais velho de Ataíde, Otacílio. A família da moça não gostou. Certo
dia, o índio desapareceu. Seu corpo, com sinais de violência, foi encontrado dias depois,
e até hoje a morte é um mistério. Na mesma época, o pai de Ataíde morreu de sarampo.
Quando a Funai foi chacoalhada para a existência dos Ofayé, entre 1976 e 1977,
Ataíde tinha pouco mais de vinte anos e disse se recordar bastante bem dos eventos.
Certo dia apareceu na aldeia um dos chefes do órgão no estado, Jamiro Batista Aran-
tes. Ele afirmou estar alarmado com a fome entre os índios e que eles deveriam sair
dali, caso contrário iriam morrer. Disse que havia uma área só para índios, com todos os
equipamentos de agricultura, onde os Ofayé poderiam produzir e viver em paz.
Para convencê-los, a Funai levou primeiro para a nova região um Ofayé chama-
do Eduardo, a fim de dar um sinal verde ao restante da aldeia. Ataíde disse que Eduar-
do não tornou a aparecer, mas, diante de tantas promessas, a aldeia toda ficou animada
para mudar de lugar. Ataíde disse que em nenhum momento ouviu do órgão uma expli-
cação mais detalhada sobre como seria a vida nessa outra terra. Naquele tempo, disse,
ele nem sabia direito “o que era a Funai”.
Os moradores de Brasilândia, a quinze quilômetros da aldeia, também se di-
ziam preocupados com a situação dos índios. Em julho de 1978, quatro deles, um dos
quais era proprietário de uma farmácia da cidade, acompanharam um motorista da Fu-
nai, Dionísio Virgínio da Silva, que foi inspecionar a aldeia para iniciar o transporte dos
índios. Os moradores escreveram agradecidos a Jamiro, na época identificado como
“chefe dos postos de vigilância de Bodoquena”:

Tivemos a grata satisfação de acompanhar o sr. Dionísio até o local onde se


encontram nove famílias de índios com quatro a cinco pessoas por família no
estado mais lamentável que se possa imaginar. Sempre procuramos dar-lhes
algum auxílio, mas sem condições de uma recuperação capaz. Sentíamos
que continuando naquele estado em breve acabariam no extermínio comple-
to, necessitando até de internamento urgente. […] Os nossos agradecimen-
tos sinceros aos membros da Funai pela atitude humana e justa que toma-

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ram, decidindo colocar assim estes nossos irmãos, brasileiros natos, para um
conforto melhor.41

Bodoquena, o destino dos Ofayé, fica no extremo oeste do estado, a mais de


650 quilômetros da aldeia original. Os índios seriam alojados na terra indígena dos Ka-
diwéu, com os quais nunca haviam tido nenhum tipo de relacionamento. Ataíde disse
que, segundo a Funai, a ideia era fazer “uma reserva do tipo do Xingu”.
Os Ofayé não sabiam, mas estavam indo para uma das áreas indígenas mais
conturbadas naquela época. Desde 1972 a Funai reconhecia que os Kadiwéu viviam
“em situação de miséria” e que a posse da terra era “não apenas um problema econô-
mico, mas também político”. Os arrendatários e fazendeiros invadiam as terras dos
índios, “soltando o gado em suas colheitas e comportando-se como conquistadores,
frente a um povo vencido (prostituindo mulheres, dando tiros etc.)”.42 O quadro era
tão preocupante que o general Ismarth solicitou por escrito, em um ofício confiden-
cial, apoio do general de divisão Tasso Villar de Aquino, comandante da 9a Região Mi-
litar, para realizar “uma manobra na área da serra da Bodoquena” a fim de impres-
sionar os invasores. Três anos depois, contudo, a manobra ainda não havia sido feita,
o que manteve na área “a situação atual de insegurança e violência”. Ismarth escre-
veu que os órgãos estaduais estavam tão depauperados que não conseguiam “sequer
coibir a destruição que se vem verificando nas matas de madeira de lei da comuni-
dade indígena”.43
Em setembro de 1977, os Kadiwéu partiram para a justiça com as próprias
mãos, aprisionando dezessete invasores. O cacique José Prícipe Silva deu um prazo
de vinte dias para eles deixarem a área, caso contrário os índios incendiariam e ata-
cariam os ranchos a tiros. Os reféns foram libertados em seguida. A Funai sabia da
existência de “grileiros que demarcam lotes de dez a cinquenta hectares para vendê-
-los a estranhos que ignoram o problema”. Cerca de 3,5 mil posseiros estariam nes-
sas condições.44
A mudança dos Ofayé foi feita no mês de julho de 1978. Os cerca de 25 Ofayé e
todos os seus pertences foram colocados num caminhão amarelo da Funai, para uma
viagem que durou vários dias. No caminho, a avó de Ataíde contraiu pneumonia e foi
atendida em um hospital de Dourados. Ao chegarem a Bodoquena, os índios ficaram
contrariados com o que encontraram. “Era pior ainda. […]. Porque era uma briga civil
entre o posseiro e os donos da terra, uma briga danada. […] Todo ano um matando o ou-
tro. Meu Deus do céu, era um absurdo”, disse Ataíde. Segundo ele, os responsáveis pela
Funai deram uma ordem aos Ofayé: deveriam atacar e expulsar as famílias de “civiliza-
dos” que ocupavam ilegalmente uma parte da reserva. Os Ofayé, porém, recusaram a
violência. “Nós não fizemos nada, nós não somos doido.”

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Os Ofayé viveram anos difíceis nas mãos dos Kadiwéu e de outros índios que
viviam na mesma região, como terena e kaiowá, e na completa omissão da Funai. Ataí-
de disse que os Kadiwéu “usavam” índias ofayé e também os agrediam “a troco de nada”.
Por um tempo os Ofayé ficaram na beira de uma estrada, vivendo de doações de mora-
dores da região. Um posseiro foi acusado de manter em cárcere privado e estuprar uma
índia ofayé de quinze anos — o que gerou uma das raras notícias divulgadas por um jor-
nal de grande circulação sobre a etnia.45
Certo dia, Ataíde viu um “civilizado” que fora preso pela polícia sob a acusação
de ter estuprado uma Kadiwéu. Embora compreendesse a gravidade do crime, disse ter
ficado contrariado com o tratamento que o preso recebeu da polícia. Ele teria sido obri-
gado a arrastar um tijolo enorme, preso aos pés, por vários quilômetros. “Quando eu vi
aquilo, eu chorei. Eu nunca tinha chorado na minha vida. A gente sentiu. Graças a Deus,
acho que as coisas mudaram muito. Mas antigamente era desse jeito.”
Um ano depois de terem chegado a Bodoquena, um avô de Ataíde começou a
sofrer por “corós que andavam nas costas dele”, mas a Funai não apareceu para ajudá-lo.
Coró é a designação popular para vários tipos de larvas. Levado pela família a um hos-
pital em Campo Grande, os médicos “o desenganaram”. O Ofayé morreu dias depois. Na
mesma época, Ataíde perdeu uma tia e o bebê que ela estava esperando. Ela teve proble-
mas na gravidez, só que, como morava a sessenta quilômetros de qualquer local de aten-
dimento médico, a ajuda demorou muito — ela morreu no meio do caminho para a ci-
dade de Miranda.

Os Ofayé não foram os únicos índios empurrados para a terra dos Kadiwéu pela Funai
nem os únicos a sofrerem nela. Dionísio, o mesmo motorista que dirigiu o caminhão na
transferência dos Ofayé, entrou em ação três meses depois para remover índios guara-
ni-kaiowá que viviam no atual município de Laguna Carapã, perto da fronteira com o Pa-
raguai. A documentação confirma o interesse direto de proprietários rurais na remoção
dos índios. Uma carta datada de setembro de 1978 assinada pelo procurador da Compa-
nhia Matte Larangeira, Sinebaldo José de Lucia, ao delegado da 9a Delegacia Regional da
Funai, Joel de Oliveira, agradeceu o empenho do órgão. A Matte Larangeira, sediada em
São Paulo, era desde o final do século xix uma enorme proprietária de terras na região
fronteiriça, detendo vastas extensões de terra cedidas pela União para incentivar a ex-
ploração da erva-mate.

Foi com satisfação que recebemos a visita de seu assistente, o sr. Dionisio Ver-
ginio da Silva, que veio em nome da Funai, delegacia de Campo Grande, para
fazer a remossão de diversas famílias indígenas para a reserva de Bodoque-

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na. […] O mesmo retirou da fazenda o total de 121 índios da tribo kaiwá, distri-
buídos em 33 homens, 38 mulheres e cinquenta crianças, sendo 25 do sexo
feminino e 25 do sexo masculino. […] O trabalho do sr. Dionisio foi perfeito, de-
monstrando um alto espírito humanitário, transportando, todos os índios sem
provocar nenhum acidente.46

O procurador também agradeceu à Funai “em nome das famílias indígenas”.

Operação semelhante foi cumprida em relação aos Kaiowá de outros dois núcleos pró-
ximos um do outro, denominados Jacaré e Guaimbé. O cacique Lídio Moraes rememo-
rou, poucos anos depois:

Levou minha gente, jogou na divisa do Paraguai. [Eu] não sabia o que fazer.
Chamou[-me] o funcionário do posto [da Funai]. Contou minha história. Con-
tou que já tinha sabido da nossa área, para sair [demarcação] aquela aldeia.
Quando fazendeiro soube desta palavra, ele falou “vou fazer política”, fazer
medo para tomar terra dele. Queimou dezoito casas. Chegou na minha casa e
falou: “Você não planta mais, três dias para desocupar”.47

Um documento oficial da Funai produzido pouco depois confirma a história


do cacique sobre as áreas de Jacaré e Guaimbé.

Perto de quatrocentas pessoas os compõem. Foram compulsoriamente trans-


feridos para o Paraguai, poucos quilômetros além de Pedro Juan Caballero. Li-
teralmente, foram despejados na beira da estrada pelo caminhão do fazendei-
ro que os transportou. A Funai os devolve ao lugar de origem e, meses depois,
os transfere para a serra da Bodoquena, perto de seiscentos quilômetros [de
distância].48

Logo após essa remoção, um Guarani-Ñandeva inquieto e comunicativo foi visitar os


Guarani na área dos Kadiwéu. Ele tinha uma missão especial. Roni Liandes nasceu em
1933 e, nos anos 1970, associou-se aos dirigentes do Cimi no sul de Mato Grosso. Com
passagens e custos de alimentação bancados pela Igreja, Roni passou a visitar inúme-
ras áreas indígenas no Paraná e em Mato Grosso. Ele ganhou “um documento” que lhe
permitia receber apoio nas prelazias em que aparecesse durante suas peregrinações.

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Fui ver os Kaingangues no Paraná, ver quem tem terra, quem não tem, quem
tá pelejando para ganhar terra. Eu fui lá orientar, como é que vai entrar, como
é que vai fazer para poder ganhar a terra. Falei para o cacique: “Tem que fazer
força, não deixa moleza. Se você dá moleza, esperando para o branco vir tra-
zer para você a solução, não ganha nunca”. Naquele tempo o Cimi estava tinin-
do, ajudando o índio.49

Também a mando do Cimi, ele foi ter com os Kaiowá em Bodoquena. Ao che-
gar, foi barrado pelos Kadiwéu, mas conseguiu entrar na área depois que inventou que
iria visitar uma irmã. Roni disse que o cacique kaiowá Morais se sentiu “enganado” pe-
las promessas de vida farta entre os Kadiwéu, “terra ‘tombada’ [limpa], boi, cafezal, por-
co assado”. Roni não encontrou nada do que foi prometido.

Estavam todos os índios chorando, não tinha nada para comer. A Funai man-
dou para eles farinha. Um feijão duro para comer. Quando me contaram assim,
fiquei muito triste. […] “Hoje janta e amanhã tem que achar alguma coisa para
comer, nós come aqui é palmito de bacuri”. […] Ele [“capitão”] disse que “arre-
pendi muito que deixei a minha terra”.

Roni participou de reuniões em Bodoquena, até que os Kaiowá decidiram regres-


sar a Jacaré. A decisão foi voltar a pé mesmo. Um grupo de Kadiwéu ainda tentou impedir
a saída, disse Roni, mas os Kaiowá “fizeram força e saíram”. Essa longa retirada lembra a
história trágica dos Araweté na Amazônia. Os Kaiowá deveriam vencer uma distância de
cerca de trezentos quilômetros. Pelo menos dois morreram no meio do caminho.
O primeiro trecho da caminhada durou cerca de uma semana, segundo Roni,
ao fim do qual o grupo chegou à região de Bonito. Hoje a cidade com esse nome e a cidade
de Bodoquena distam cerca de 75 quilômetros. Em Bonito, os Kaiowá conseguiram um
caminhão de caçamba — Roni acredita que a Igreja ajudou a custear o transporte.50 Um
documento da Funai diz que foi o órgão que “apanhou na estrada” os índios e os deixou
em Dourados. “Após quatro meses de espera”, informa o documento, os índios voltaram
a empreender a caminhada ao Rancho Jacaré e Guaimbé, onde deram início a uma lon-
ga disputa pela posse do território.51

Os Kaiowá deixaram Bodoquena, mas os Ofayé continuaram sofrendo na área até o início
da década de 1980. Nesse momento entrou em cena um persistente missionário do Cimi,
um gaúcho nascido em fevereiro de 1956, em Cacequi (rs), que chegou ao Mato Grosso do
Sul exatamente com a missão de saber o que a ditadura havia feito com os Ofayé. Carlos

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Alberto dos Santos Dutra, o Carlito, é filho de um ferroviário e de uma dona de casa de
rígida formação cristã. Deixou a casa dos pais aos catorze anos para estudar em um co-
légio agrícola. Aos dezoito, foi servir no Exército. Depois de deixar a farda, entregou-se
aos estudos e leituras cristãs que nos anos 1970 incendiavam corações e mentes da Amé-
rica Latina. Comprou e devorou uma edição em espanhol do livro fundamental Teologia
da Libertação, de 1971, do padre dominicano Gustavo Gutiérrez Merino. Estudou filoso-
fia em uma faculdade de Pelotas (rs) e teologia na puc de Porto Alegre. Na capital, Carli-
to conheceu as primeiras organizações não governamentais a favor dos índios criadas no
final da década de 1970, como a Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí), cofunda-
da por um futuro presidente da Funai, Julio Gaiger. Em 1981, quando centenas de famílias
de trabalhadores rurais sem-terra acamparam em Ronda Alta (rs), no que é considerado
o berço do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (mst), lá estava Carlito. Ele
ouvia as músicas revolucionárias da Nicarágua e consultava com frequência o livro proi-
bido Jesus Cristo libertador, uma coleção de artigos de Leonardo Boff, um dos formula-
dores da Teologia da Libertação no Brasil. Também conheceu um de seus ídolos, dom Pe-
dro Casaldáliga, a quem mostrou poesias que escrevia sobre Deus e os pobres.
Tudo indicava que Carlito passaria a atuar na Comissão Pastoral da Terra, o
equivalente agrário ao Cimi na Igreja. Mas sua vida tomou outro rumo quando ele co-
nheceu o professor de história Antônio Brand, um importante ativista do Cimi. Em uma
reunião da Anaí, Brand disse que o Cimi precisava de apoio urgente. E voluntário, sem
remuneração. Brand disse que em Mato Grosso do Sul havia índios abandonados, expul-
sos, que precisavam de um “acompanhamento”.
Carlito foi primeiro a Cuiabá, recebeu as informações da ong Opan, que sabia
da história ofayé, e depois seguiu para o Cimi em Brasília, para estudar a documentação
do caso. Retornou a Dourados e protocolou, na Funai local, um pedido de autorização
para visitar os Ofayé. Depois de uma longa e infrutífera espera de quase um ano, o Cimi
mudou de estratégia. A Igreja arrumou para Carlito uma vaga de professor em uma pa-
róquia de Morraria, nas proximidades da terra kadiwéu. Assim disfarçado, ele tentaria
entrar na área mesmo sem autorização.
Morraria ficava a cerca de quarenta quilômetros da localidade de Tarumã, onde
a Funai mantinha um posto, guardado por índios terena, que controlava o acesso à área
kadiwéu. Perto dali, havia um mercadinho que vendia bebida alcoólica. Usando uma mo-
tocicleta cedida pelo Cimi, Carlito passou a frequentar o posto para ver quem entrava e
saía e estudar uma forma de entrar como clandestino. Começou também a aparecer no
mercadinho e fazer amizade com os Terena. Segundo o missionário, a vigília durou mais
de seis meses. Em todo esse tempo, nunca viu um Ofayé — e eles estavam a apenas dez
quilômetros do portão. Carlito enfim ganhou a confiança dos vigilantes e foi autorizado

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a conhecer o interior da área. De moto, foi parar direto no local ocupado pelos Ofayé. Na
chegada, tomou um tombo e esfolou os cotovelos. Os Ofayé caíram na risada.
Dos 23 Ofayé que haviam sido removidos para Bodoquena, o missionário con-
tou dezessete — pelo menos três haviam morrido e outros foram trabalhar em fazen-
das da região. Boa parte da alimentação do grupo vinha do abate de animais como ma-
caco, tatu e porco-do-mato. A saúde dos índios era “muito ruim”, segundo o missionário.

Havia várias pessoas deitadas no chão, largadas. A noção que se tinha é que
nunca um médico havia estado lá. Quando eles precisavam de atendimento, ti-
nham que ir a Bodoquena ou Miranda, a mais de sessenta quilômetros. Não ti-
nha camionete, tinham que vir de carona. Eles estavam lá para morrer. Tanto
que uma senhora morreu a caminho do hospital. Eles diziam que a Funai nun-
ca tinha aparecido lá.52

Carlito levou um gravador para registrar as conversas e histórias do grupo.


Queria produzir provas para apresentar à Funai e defender o regresso dos índios para
uma terra própria em Brasilândia. Depois de meses nesse trabalho, teve que ir a Belém
para um encontro do Cimi. Ao voltar a Bodoquena, o missionário descobriu que todos
os Ofayé haviam ido embora por conta própria. Tinham vendido o feijão armazenado,
reunido dinheiro e comprado passagens de trem até Três Lagoas. Lá, pegaram um ôni-
bus e chegaram a Brasilândia. Haviam se passado cerca de seis anos desde que os Ofayé
entraram no caminhão da Funai.
Na cidade, Ataíde deu de cara com um dos fazendeiros que, segundo ele, havia
pedido a transferência dos Ofayé. O homem disse que pensara que todos haviam mor-
rido. A primeira reação de muitos moradores de Brasilândia sobre o retorno dos índios
foi negativa. “Eles diziam: ‘Por que vocês voltaram aqui? Não tinham ido embora não sei
para onde?’. Eu não dizia nada, não podia falar nada.” Ataíde disse ter sido interpelado
pelo filho de um fazendeiro com uma ameaça. “Ele me disse: ‘Se tomar nossa terra, vo-
cês não vão morar dentro dessa área, não’.”
A princípio os índios ficaram espalhados pela zona rural, em grupos. Em uma
das propriedades, segundo Carlito, acomodaram-se “em uma estrebaria, junto com ca-
valos e vacas”. “Eu fiquei escandalizado. Forasteiros na própria terra, e agora estão tra-
balhando para quem os explorou. E muitas vezes era a troco de cachaça, não pagavam.”
Nesse processo, Carlito criou inimizades na cidade e quase foi retirado de lá pela
Igreja, que temia pela sua segurança. Ele começou a fazer campanhas na rádio local e na
comunidade. Obteve um importante apoio do bispo Izidoro Kosinski, de Três Lagoas, que
acionou uma entidade fundada pelo Vaticano que ajuda indígenas em situação de miséria.
Os Ofayé tiveram que montar um acampamento improvisado na margem do rio Paraná.

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O Cimi também queria resgatar o amor-próprio dos índios e o respeito da co-
munidade de Brasilândia. Carlito criou uma espécie de vale, que permitia que os índios
fossem eles mesmos ao comércio e pudessem gastar com comida e roupas. O Cimi tam-
bém obteve uma linha de financiamento da Oxfam, organismo internacional sediado
em Londres.
Outra tarefa do missionário foi viajar ao Rio para obter do antropólogo Rubem
Thomaz de Almeida uma documentação sobre áreas antes ocupadas pelos índios. Tam-
bém queria receber de Darcy Ribeiro mais informações antigas acerca dos Ofayé e de-
bater um ponto polêmico de um dos maiores livros do antropólogo, Os índios e a civili-
zação, lançado em 1970 e considerado uma das principais obras já escritas sobre o índio
no Brasil. No livro, Darcy havia incluído os Ofayé em uma tabela de “etnias extintas”, re-
ferente à “situação dos grupos indígenas brasileiros em 1957”. Em um mapa dos povos
indígenas que habitavam o sul de Mato Grosso publicado na mesma obra, os Ofayé tam-
bém sumiram.53
O que Carlito queria explicar era que o mesmo Darcy que havia produzido uma
das peças mais importantes sobre os Ofayé, o texto “Notícia dos Ofaié-Chavante”, de
1951, involuntariamente acabara dando argumentos aos advogados de fazendeiros da
região, que começaram a citar o livro do antropólogo como uma evidência de que os
Ofayé não existiam, pondo em xeque a origem do grupo de Brasilândia. Outra conse-
quência de Os índios e a civilização envolvia a Funai. Segundo Carlito, com base no li-
vro o órgão tinha dificuldade para reconhecer aquele grupo como indígena e o excluía
das suas prioridades. O missionário queria saber se Darcy “tinha conhecimento” dos
índios e, se possível, extrair dele uma espécie de errata, por escrito, para usar em pro-
cessos judiciais. Já havia lhe mandado duas cartas, mas não recebera resposta. Levado
até o apartamento de Darcy pelo antropólogo Carlos Moreira Neto, Carlito foi apresen-
tado ao ex-ministro de Goulart, que o recebeu sentado e não estendeu a mão para cum-
primentá-lo. Ele negou ter recebido as cartas que Carlito disse ter enviado. O missioná-
rio queria saber por que Darcy “‘sentenciou’ os índios ofayé do estado inteiro a partir de
duas famílias”. A partir daí a conversa virou uma “disputa verbal”. “Ele me explicou mais
ou menos assim: ‘Aqueles índios lá, aquelas duas famílias, não caracterizavam a entida-
de étnica’, […] que seria um grupo que trava relações mais íntimas, tem uma experiência
tribal de religião, de dança.”
Carlito disse ter retrucado com o argumento de que o grupo que ele pesquisa-
va tinha todas essas características citadas. Darcy perguntou quantos falantes de ofayé
ainda existiam. Ele respondeu: “Dezessete ou dezenove”. Darcy manteve sua posição.
Carlito saiu de mãos abanando. “Ele não tinha o direito de escrever que os índios esta-
vam extintos, porque isso teve um impacto muito grande nas políticas públicas e na his-
tória. […] Eu queria que ele corrigisse, colocasse uma errata, fosse um pouco mais claro.”

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Na mesma época em que atuou junto aos Ofayé, Carlito foi chamado pelo Cimi a cola-
borar no trabalho com os Guarani do sul do estado, que tinham começado a invadir fa-
zendas na região, em ações que denominavam “retomadas”. Brand havia produzido um
mapa das antigas áreas tradicionais ocupadas por índios, o que, para o conselho, dava
base jurídica e histórica à ação deles. Carlito disse que o Cimi não estava na vanguarda,
mas no “resguardo”, e que “o protagonismo era sempre dos índios”. Nesse longo proces-
so de invasões e despejos, o Cimi apoiou o uso de armamentos e munição pelos índios,
um segredo guardado pelo missionário por quase três décadas. A intenção era promo-
ver a proteção deles, que passavam a ser ameaçados por fazendeiros. Segundo Carlito,
nenhuma dessas armas foi usada para matar fazendeiros.

Em alguns momentos de maior embate, eu lembro, além da enxada, da lona preta


que se fornecia, o material bélico veiculava junto. A gente fazia vistas grossas, mas
fazia parte do processo. Não ia penalizar um índio por estar armado ou estar bus-
cando munição. Então o Cimi levou assim ao extremo a dedicação, o comprome-
timento com a causa até o último momento. […] A coisa mais armada foi aqui em
Mato Grosso do Sul. Porque o Cimi de certa forma deu garantia para muita resis-
tência, e garantia efetiva, até com o fornecimento de material bélico. Isso eu par-
ticipei. […] É uma coisa complicada de falar, mas eu vivenciei isso, sim.

O missionário entrou na mira da Polícia Federal, que por duas vezes foi em seu
encalço na paróquia de Dourados. O então bispo de Dourados, dom Teodardo Leitz, apa-
receu no escritório do Cimi para avisar que Carlito precisava sumir, pois no dia seguinte
a pf iria dar uma batida atrás dele. Ele fez as malas e partiu para Brasilândia.
Carlito participou de retomadas de tekoha ao longo de muitos anos, de 1985,
quando entrou no Cimi, até 2002, ano em que deixou o conselho. Nesse meio-tempo,
ele, o Cimi e os índios enfim conseguiram uma primeira área definitiva para os Ofayé, na
zona rural de Brasilândia. A terra foi adquirida pela Companhia Energética de São Paulo
(Cesp) como uma compensação por uma usina hidrelétrica cujo lago artificial inundou
terras tradicionais dos índios.
A longa jornada dos Ofayé desde Bodoquena enfim chegou a uma pausa para
descanso. Para outro personagem, porém, a viagem durou quase trinta anos.

No final de 2013, ao chegar à área dos Ofayé, fui informado por Carlito de que os índios
estavam felizes com uma boa notícia. Desde que haviam deixado Bodoquena, por volta

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de 1986, os Ofayé não haviam recebido nenhuma informação a respeito do paradeiro de
Eduardo, aquele primeiro índio que havia sido levado na frente pela Funai para obser-
var as condições da área dos Kadiwéu e convencer os outros índios sobre a mudança. Os
Ofayé acharam que ele tinha morrido.
Em meados de 2013, porém, o Ofayé Koi recebeu informações de que Eduardo,
seu primo, que teria então mais de sessenta anos, fora localizado em uma área terena de
Sidrolândia. Em novembro desse ano, Koi enfim se reencontrou com o primo, em Cam-
po Grande, durante uma reunião com lideranças indígenas do estado. Eduardo foi trazi-
do para a aldeia dos Ofayé no mesmo dia.
Fui apresentado a um Eduardo sorridente, de boné e calça jeans, caminhan-
do descalço. Os dedos de seus pés estavam tomados por uma micose preta, que formou
uma protuberância, a exigir atendimento médico urgente. Koi disse que era uma “frieira
brava”. Mas a maior surpresa é que Eduardo é surdo e parece nada saber do português.
Para Koi e os outros Ofayé, foi esse o motivo de a Funai tê-lo escolhido em 1978.

Eles falaram: “Vamos levar esse aqui mesmo para ele não poder transmitir
para os ‘parentes’, futuramente”. Acho que foi uma estratégia bem montada.
Porque se levasse outro indígena com mais conhecimento e mais noção, com
certeza ele ia desistir e ia dizer que a gente não fosse para Bodoquena.

Os Guarani do Paraná também sofreram transferências sob o peso da ditadura — es-


tas, relativas a uma das principais obras de infraestrutura do governo militar. O ditador
do Paraguai, Alfredo Stroessner, havia tomado o poder em 1954, após um golpe contra
Federico Chávez. Em meados dos anos 1960, ele e os generais brasileiros começaram a
trabalhar um projeto em comum para aproveitamento hidrelétrico de rios da bacia do
Paraná. Em junho de 1966, os chanceleres Juracy Magalhães e Raúl Sapena Pastor as-
sinaram a Ata de Iguaçu, segundo a qual os países se comprometiam a proceder ao le-
vantamento dos recursos hidráulicos “em condomínio aos dois países, do Salto Gran-
de de Sete Quedas ou Salto de Guaíra”, na fronteira. Em 1973, Stroessner assinou com
o ditador Médici o Tratado de Itaipu, criando a binacional homônima, depois definida
como “pessoa jurídica de direito internacional, da espécie dos organismos internacio-
nais, dotada de inequívoca natureza empresarial”. O nome, em guarani, significa “pe-
dra que canta” e também batizava uma ilha. A hidrelétrica quase duplicou a geração de
energia elétrica brasileira. Os investimentos teriam atingido 16 bilhões de dólares em
valores atualizados pela própria empresa.54 Seus custos ambientais, porém, foram in-
calculáveis. Além de varrer da face do país um cartão-postal, as Sete Quedas, a usina ala-
gou um total de 1350 quilômetros quadrados nos dois países.

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O lago artificial foi criado em 1982. Dez anos antes, porém, a ditadura traba-
lhou com afinco para retirar índios e colonos das imediações. Entre 1940 e 1980, os Gua-
rani do Paraná na fronteira com o Paraguai foram pressionados pela criação do Parque
Nacional do Iguaçu, em 1939, e por ações do governo para “liberar” a área para as obras
de Itaipu. Os índios depois contabilizaram a perda de 32 tekohas, como se referem às
suas áreas tradicionais. Vários casos tiveram relação direta com o lago de Itaipu, em es-
pecial as aldeias Colônia Guarani e Oco’Y-Jacutinga. Nos dois casos, segundo os relatos
posteriores dos índios, as terras “foram invadidas entre 1971 e em 1973” por “represen-
tantes do Incra que, armados, expulsaram do local os Guarani”. Em 1971, a delegacia da
Funai em Curitiba foi alertada pelo Comando do 1o Batalhão de Fronteiras e pelo gover-
no estadual sobre “a existência de um grupo tribal e da conveniência de regularização
da área de terras por ele ocupado”, localizado em Foz do Iguaçu. Em 1976, o coordena-
dor regional do Serviço Público Federal pressionou o delegado regional Francisco Neves
Brasileiro a tomar medidas, mencionando “as constantes pressões que vem sofrendo
esta coordenadoria regional para que proceda à titulação daquela área aos seus ocu-
pantes”, faltando apenas “a liberação da área por esse órgão para a outorga dos títulos”.
Brasileiro informou ao general Ismarth que o Incra “insiste na liberação das terras des-
sa colônia, para fim de titulação das mesmas em favor dos civilizados que as invadiram
e vem ocupando”.55
A Funai por fim “permitiu que o Incra desenvolvesse dois projetos de coloniza-
ção dentro do território guarani visando assentar colonos que a partir de 1967 passaram
a ser removidos do interior do Parque Nacional do Iguaçu”. Em 1976, o órgão disse haver
apenas onze famílias indígenas no local. Depois reduziu ainda mais esse número, por
meio de um laudo controverso, para cinco famílias. Elas foram acuadas e, por fim, se es-
palharam por outras regiões e aldeias.
Logo depois da ditadura — embora menosprezando a mobilização dos índios,
dizendo que eles eram “insuflados pelas instituições”, citando “religiosas e em especial
pelo Cimi e a Comissão Pastoral da Terra” —, a Itaipu Binacional reconheceu textual-
mente que naquele período houve “a relocação dos índios”. Segundo a versão edulcorada
elaborada pela hidrelétrica, a ação ocorreu “observado rigorosamente a lei”, “a interfe-
rência da Itaipu abrangeu fração irrisória da suposta área dos índios” e as terras “per-
manecem fora da inundação, ocupadas por colonos”. A Itaipu admitiu ainda que os ín-
dios viviam, entre 1975 e 1982, numa “antiga aldeia na barra do rio Jacutinga”.

Há, sim, referências de algumas famílias nômades, ocupando a referida área,


descendentes da tribo Ava-Guarani que outrora ocupava a região em ambos os
lados do rio Paraná, com sede e origem no Paraguai. As aerofotos dos voos de
1953, 1962, 1974 e 1979 mostram que: a área ocupada pelos indígenas se mante-

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ve aproximadamente constante desde 1953; ocorreu um vertiginoso processo
de colonização, que acabou por envolver a área indígena.56

Os índios supostamente “nômades”, porém, eram mais alguns dos grupos que,
de maneira implacável, foram retirados de seus territórios originais para a passagem de
projetos da ditadura.

O modelo de trabalho feito pelo Cimi com os Guarani do Paraná e os Ofayé de Mato
Grosso do Sul — de organização, pesquisa histórica, apoio jurídico e financeiro — se re-
petiu em vários pontos do país com outras etnias. Nascido em Presidente Olegário (mg)
em 1954, em uma família católica pobre de trabalhadores rurais, Sebastião Carlos Mo-
reira foi catador de amendoim e algodão e morou em albergues e fazendas com mais
cinco irmãos pequenos em dois estados, São Paulo e Paraná. Aos sete anos, Tião já tinha
sua própria enxada para ir à roça. Em 1975, após uma geada que destruiu plantações de
café, Tião e sua família decidiram se mudar do Paraná para o município de Denise, em
Mato Grosso. Ali ele se integrou às católicas Comunidades Eclesiais de Base (cebs) e pas-
sou a dar aulas de catequese para crianças e adultos.57
Por volta dos catorze anos de idade, Tião passou por uma crise espiritual. Ele
havia aprendido que “Deus é Pai”, mas se perguntava como “Ele” poderia admitir “que
alguns de seus filhos sofressem tanto e outros, que eram os fazendeiros, explorassem
tanto”. Tião disse ter primeiro concluído que “Deus não pode ser Pai”, contudo essa ideia
também causava aflição, pois representava o inferno. Chegou então a um termo: “De
fato Deus era Pai, e o mundo era a casa dada por Deus para todos habitarem, mas os se-
res humanos criaram divisões de classe, em que um explorava o outro, e isso não era a
vontade de Deus”. Tião começou a trabalhar na perspectiva de que “ninguém está no
mundo para ser escravo de ninguém”.
Em 1977, com uns 22 anos, Tião deixou a família e a cidade para ir estudar
com jesuítas em Cuiabá. Lá, trabalhou como servente de pedreiro e vigia noturno.
Pensou em ser padre. Antes de ir para o seminário, porém, queria ter “uma experiên-
cia no meio do povo” e por isso passou a frequentar reuniões de movimentos de traba-
lhadores sem terra e famílias sem teto, em meio ao nascimento do Partido dos Traba-
lhadores (pt) e da Central Única dos Trabalhadores (cut). Acabou conhecendo padres
jesuítas que trabalhavam com povos indígenas. Tudo isso o levou para os braços do
Cimi, em 1979.
Depois de olhar o mapa das etnias indígenas em Mato Grosso, Tião pediu ao
conselho autorização para trabalhar em Juara, onde viviam, na margem esquerda do
rio dos Peixes, os Kayabi e, na direita, os Apiaká. Desde os anos 1960, por meio do pa-

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dre João Dornstauder, a Missão Anchieta atuava na região. Lá se concentraram grupos
de Kayabi que se recusaram ou não foram localizados quando da transferência realiza-
da pelos irmãos Villas Bôas, em 1966, para dentro do Xingu. Na década de 1960, grupos
de Apiaká também foram atraídos para a mesma região. Em 1974, o “capitão” apiaká Pirí
contou que muitos Apiaká eram escravos em seringais da região.

Somos quarenta e poucos. Estou fazendo força para juntar meus parentes es-
palhados. Estão colhendo seringa, espalhados, explorados. […] Fizemos via-
gem de três meses, trouxemos nove pessoas dos nossos parentes espalhados.
Não pude trazer outros porque têm muita dívida no barracão do seringueiro.58

Situação semelhante viviam os Kayabi. O “capitão” Iopareipo, o Chico, falou das


consequências da operação de transferência dos anos 1960.

Nossa gente está dividida. Eu não sei para onde meu pai foi. Pessoal chegou lá
com polícia para levar nossa gente, na marra. Eu não quis ir. Padre João esta-
va fora. Quando chegou, ralhou comigo: “Como deixou nosso povo ir embora?”.
[…] Eu quero juntar todo meu povo. Tem Kaiabi na Barra do Bugres, na cidade,
no rio Novo no Parque Xingu, no rio Peixoto. Estou com saudades do meu povo
espalhado.59

Ao chegar à região, em 1982, Tião ouviu de Chico que a Funai, ao demarcar a


terra indígena, havia cometido um erro que deixara de fora o salto Kayabi. Para os ín-
dios, era um local sagrado. Acreditavam que um antigo pajé continuava vivo no fundo do
poço do salto. Quando os pajés da aldeia queriam um conselho sobre uma decisão im-
portante, dirigiam-se ao salto para “ouvir” o pajé morto.
Os índios cobravam Tião para que pressionasse a Funai a refazer a demarcação
e incluir o salto. O missionário respondeu que, se o órgão estava demorando, e se os ín-
dios sabiam os limites corretos, então que eles mesmos fizessem a demarcação com pi-
cadas e placas. Eles responderam que havia muito jagunço armado na região e tinham
medo de morrer. Tião disse que eles precisavam ter coragem. Dias depois, os índios o
procuraram para dizer que estavam decididos a fazer a demarcação. Em um mês, fize-
ram muitos arcos e flechas e começaram a abrir a picada com facões e machados. No
caminho, encontraram um trator de esteira abrindo uma estrada de terra para a pre-
feitura de Porto dos Gaúchos. Tião explicou aos índios que, se a estrada fosse construí-
da, muitas famílias de trabalhadores rurais chegariam à região. Os Kayabi arrancaram
os marcos de medição e os jogaram no mato. Semanas depois, quando o tempo secou,
queimaram o trator. O ataque provocou comoção na região e as rádios passaram a acu-

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sar os missionários. Para Tião, os índios tinham o direito de lutar pela terra e o ataque
foi uma opção válida. “Eu achava que tinha que causar um fato que desse repercussão,
caso contrário a terra não saía. E até hoje eu acredito que às vezes é necessário criar con-
flitos para acelerar processos.”
Como os Apiaká adultos já haviam sido catequizados pela missão de Dorns-
tauder, eles pediram a Tião que desse aulas às crianças. Ele disse ter ficado surpreso
quando, ao indagar o que achavam necessário para que o povo apiaká “tivesse vida”, elas
responderam, nesta ordem, “terra, mata e água”. Os Apiaká chamaram Tião para uma
reunião. Eles iriam fazer demarcação pelas próprias mãos.
O missionário arrumou a fotografia de uma placa da Funai de outra terra in-
dígena e pediu que um laboratório em Cuiabá fizesse cópias. Levou-as a um pintor, que
confeccionou seis placas com os dizeres “Terra Indígena Apyaká-Kaiabi”. Ela passaria
de cerca dos 60 mil hectares propostos pelo órgão para um total de 109 mil. Tião e os
índios fizeram a picada e instalaram as placas. Certo dia, seis homens se aproximaram
com espingardas nos ombros, revólveres na cinta e facões. Um deles, que se disse geren-
te de uma fazenda vizinha, veio falar com o missionário para pedir que ele convencesse
os índios a parar com a demarcação. Tião disse que não podia fazer nada porque a terra
era dos índios. O trabalho continuou. Dias depois, ao visitar um casal em Juara, a cer-
ca de cinquenta quilômetros da missão, Tião soube que corria risco de morte. O mesmo
recado chegou com mais veemência dias depois. Uma missionária havia escutado um
grupo de homens na cidade falando sobre “parar com o barbudo”. Tião chamava todas
as atenções ao passar por Juara. Além da barba, usava camisetas do Cimi e com estam-
pas de Che Guevara, além de colares indígenas.
Na mesma época, o governo anunciou que iria tirar do papel um plano para
construir uma usina hidrelétrica no rio dos Peixes. A notícia caiu como uma bomba en-
tre os índios. Um padre de Juara sugeriu uma apresentação cultural deles no ginásio da
cidade, para diminuir as tensões com “civilizados”. O evento, contudo, derivou para uma
série de discursos em que os índios, ao microfone, falaram sobre a disposição de defen-
der suas terras a qualquer custo. A Centrais Elétricas Matogrossenses (Cemat) ignorou
os avisos, instalou alguns barracões e começou as obras. Em resposta, cerca de oiten-
ta índios, com bordunas e espingardas, atacaram, depredaram, queimaram máquinas e
barracões e ocuparam o canteiro de obras da Cemat.60
A tensão cresceu na região e os índios pediram que Tião fosse embora. A hi-
drelétrica nunca foi construída. Dois anos depois, a área foi registrada pela Funai nos
109 mil hectares demarcados à força pelos índios.

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21. UM MOINHO FEROZ

darcy ribeiro, o antropólogo que não se animou com os Ofayé remanescentes na


conversa com Carlito, era um vibrante e reconhecido defensor dos povos indígenas. Ha-
via sido etnólogo do spi, contratado em 1952, antes de ser reitor da UnB, ministro da
Educação (1962-3) e último chefe da Casa Civil do governo Goulart.1 Derrubado do cargo
pelo golpe de 1964, com os direitos políticos cassados por dez anos por meio de um Ato
Institucional, demitido tanto do spi quanto da UnB e sob a ameaça de prisão, Darcy par-
tiu para o exílio no Uruguai. Em 1968, decidiu regressar ao Brasil por sua conta e risco.
Passou a dar entrevistas atacando a ditadura. Um dia após o ai-5 entrar em vigor, em de-
zembro, Darcy foi preso no Rio, passou por duas cadeias e acabou trancafiado no presí-
dio da base dos fuzileiros da Marinha na ilha das Cobras, no Rio. Aos seus carcereiros,
e para surpresa deles, contou que não apenas havia sido “amigo e discípulo” do mare-
chal Rondon, mas que o herói dos militares tinha morrido “de mãos nas minhas mãos,
dizendo frases do catecismo positivista. Inclusive: ‘Amor, ordem e progresso’”. Darcy fi-
cou três meses preso, foi solto por decisão judicial e de novo partiu para o exílio, agora
na Venezuela.2
Darcy foi condenado, à revelia, a treze anos de prisão por um conselho militar
e teve ordem de prisão expedida pelo comando da Divisão Blindada do i Exército, além
de virar réu em processos judiciais “instaurados nas várias auditorias do sul do país e
de Brasília”, sob acusação de crimes contra a segurança nacional.3 Também perseguida
foi sua mulher Berta Gleizer Ribeiro, formada em geografia e história pela Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Rio. Nascida em 1922 na Romênia, Berta
foi uma profícua pesquisadora dos mais variados temas indígenas, da arte plumária dos
Urubu Kaapor ao uso do veneno curare, tendo também ajudado na elaboração do livro
fundamental de Darcy Os índios e a civilização.4
A anistia veio em 1979, mas Darcy obteve, por causa de um grave problema de
saúde, autorização para regressar antes disso ao Brasil. Ele descobriu um câncer no pul-
mão e requisitou ao governo brasileiro uma liberação para ser operado aqui, concedi-

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da em dezembro de 1974 pelo Ministério da Justiça.5 Contra os prognósticos mais som-
brios, Darcy venceu a doença. A partir daí, passou a participar da vida política do país,
surgindo em notas e notícias de jornal, mas sempre como “antropólogo”, e não como o
ex-ministro cassado pelos militares. De certa forma, ele de fato havia se despido — ou
melhor, o despiram — de sua condição de personagem da vida político-partidária para
retornar ao tema que tanto o mobilizara nos anos 1940 e 1950, os índios.
Darcy voltou à ativa num momento de atividade febril no campo indígena. O
Cimi estava em plena ação nas aldeias, com suas assembleias indígenas. Muitos serta-
nistas e indigenistas da própria Funai começavam a denunciar e questionar publica-
mente a política oficial. Os índios, por sua vez, desenvolviam suas próprias reuniões e
organizações. E muitos antropólogos, trabalhando ou não para a Funai, passaram a dar
as caras. A ditadura começou a pagar um preço por aqueles anos em que desencadeou
obras por toda a Amazônia, a ferro e fogo, sempre sem esclarecimentos prévios e mui-
to menos concordância das comunidades indígenas. Nesse momento de ebulição, Dar-
cy foi uma voz pública destemida.
Uma das suas primeiras atuações públicas após o retorno ao país noticiadas
pela imprensa foi justamente um seminário sobre o índio, realizado em Porto Alegre em
abril de 1977, no qual disse que as tribos vinham sendo submetidas a “uma ditadura bu-
rocrática que vende sua madeira e aluga suas terras”.6 Em agosto, Darcy participou da de-
legação brasileira do ii Encontro de Barbados, no Caribe, que criticou “o regime de tute-
la exercido pela Funai”, contrário à participação de índios em reuniões internacionais.7
Os militares reagiram. Em outubro, a liderança da base governista no Congres-
so operou para cancelar um convite feito a Darcy para que participasse de um debate, no
Senado, sobre a educação no Brasil. O senador governista de Alagoas Arnon de Melo, pai
do futuro presidente da República Fernando Collor (1990-2), apoiou o cancelamento do
convite, qualificando Darcy de “elemento cassado pela Revolução”.8 Arnon também havia
atacado da tribuna do Senado o colega norte-americano Edward Kennedy por ter denun-
ciado, nos Estados Unidos, o assassinato “sistemático” de índios pelo Estado brasileiro.9
O ambiente pesou de vez quando os militares trouxeram à baila uma palavra
que incendiaria o debate público. Em abril de 1978, o ministro do Interior, Rangel Reis, e o
o general Ismarth confirmaram que estava em fase de elaboração no ministério “um pro-
jeto de Emancipação do Índio”.10 Em síntese, tratava-se de estabelecer diversos critérios
pelos quais uma comunidade indígena seria considerada integrada à “civilização”. Uma
vez confirmada a integração, o índio poderia ser declarado “emancipado”. As terras indí-
genas seriam então divididas por núcleos familiares, não mais constituindo um territó-
rio uno e indivisível.11 O índio emancipado também poderia deixar de ser atendido pela
Funai e pela política indigenista oficial. O ministro confirmou que o objetivo final era
“entregar ao índio a posse e o domínio de suas terras, libertando-o da tutela do governo”.

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Segundo Reis, haveria dois tipos de emancipação: “a grupal e a individual”. No primeiro
caso, os índios seriam autorizados a negociar suas terras “após um período de dez anos”.
Na segunda hipótese, a doação da terra aos índios, pela União, “dependeria da situação
do beneficiado”, ou seja, se ele seria capaz ou não de “desenvolver atividades agrícolas”.12
As ideias de tornar terras indígenas ocupadas havia centenas de anos passí-
veis de negociação e de que os índios se tornariam pequenos produtores rurais da noi-
te para o dia causaram forte rejeição em diversos setores da vida nacional. A conclusão
mais óbvia dos antropólogos e missionários foi a seguinte: se o Estado diz que o índio
não é mais índio, então a terra pode ser retomada pela União, usada e repartida entre fa-
zendeiros. Se a ditadura conseguisse aprovar a lei, inúmeras terras indígenas no Brasil
seriam simplesmente eliminadas do mapa, vendidas a particulares. Líderes indígenas
corrompidos facilitariam as transações, comprometendo as gerações futuras. Além dis-
so, havia a hipótese de a própria Funai antecipar-se e pedir a emancipação em nome de
determinado grupo indígena.
A ideia da emancipação vinha sendo acalentada fazia muito tempo pelos mili-
tares. Em março de 1975, durante o seminário “Funai/Missões Religiosas”, Ismarth falou
abertamente sobre o tema. Na hora, porém, isso passou batido, não tendo suscitado ne-
nhum questionamento dos membros do Cimi presentes ao encontro. Falando acerca do
trabalho das missões, ele pontificou:

É importante para o índio, é importante para o governo que definiu por política
a integração do índio, e essa integração é feita por intermédio de uma emanci-
pação. E essa emancipação econômica vai constituir um fator também válido
para a integração do índio na Comunhão Nacional.13

Em janeiro, Rangel Reis havia dito em entrevista coletiva em Brasília que pre-
tendia promover a emancipação dos índios “a longo prazo, quando eles tiverem mais
consciência da necessidade de produção comercializável”.14 Em 1976, ao visitar as al-
deias de Taunay e Ipegue, em Aquidauana (mt), Ismarth “chegou à conclusão” de que os
Terena estavam “em adiantado estado de aculturação” e que “para alcançarem a eman-
cipação necessitam de projeto de desenvolvimento comunitário”.15
Propostas de emancipação chegaram a ser apresentadas pela Funai direta-
mente a grupos indígenas, como revelam documentos outrora sigilosos. Os índios tem-
bé, do posto Alto Rio Guamá, no Pará, contaram ao Cimi ter sido procurados pelo dele-
gado regional da Funai com uma estranha ideia.

Ele veio nos propor esta proposta de dar duzentos hectares de terra para cada
um de nós, demarcada, documentada, dava cercada de arame. Bom, o povo

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todo ninguém entendia nem o que era hectare, ficaram a maior parte calado.
[…] Ficou todo mundo com medo, adepois ele calmou, pediu a opinião se ele
podia dizer que nós aceitava esta proposta, aí ninguém concordou.16

O homem do Cimi indagou qual era o objetivo do delegado. O cacique detalhou


que ele lhes dissera “que nós aproveitasse a oportunidade antes que perdesse tudo, a
terra, que assim como nós podia ganhar esses duzentos hectares podia ser emancipado
a nossa reserva. […] De certeza, ele prometeu emancipação para nós aqui”.

Em abril de 1977, coube aos índios, reunidos sob a coordenação do Cimi, dar os primei-
ros gritos de guerra. Em uma declaração assinada por representantes de Xavante, Bo-
roro, Pareci, Apiaká, Guarani, Kaingangue, Kayabi, Terena e Kaiowá, os índios repudia-
ram a proposta.

Emancipação, Integração. São termos antropológicos. Que representam es-


sas palavras para o índio? Acaso foram termos criados pelo índio? […] Es-
tamos pedindo “integração e emancipação” na sociedade dos brancos? Não.
Nós queremos apenas reconhecimento e respeito à nossa integridade física
e cultural. Que nossa integração e emancipação sejam feitas dentro dos nos-
sos padrões culturais.17

Em julho de 1978, Darcy partiu para o ataque. Durante a reunião anual da So-
ciedade Brasileira para o Progresso da Ciência (sbpc), sugeriu que o projeto de eman-
cipação pretendia beneficiar arrendatários da área dos Kadiwéu em Bodoquena. Dias
depois, Rangel Reis telefonou para a sbpc para saber do discurso de Darcy, mas a ins-
tituição afirmou não tê-lo gravado. À imprensa, o ministro anunciou sua disposição de
abrir um processo contra o antropólogo.18
Darcy não recuou, pelo contrário. Convocou uma entrevista coletiva, no Rio, na
qual ampliou, em termos duros, suas objeções. Disse que o projeto de Reis era “uma ação
nefasta” e que, se pudesse, ele é que processaria o ministro “por infidelidade às nossas
tradições indigenistas”. “O ministro Rangel Reis é hoje, no Brasil, uma espécie de ‘anti-
-Rondon’. […] É, hoje em dia, sem sombra de dúvida, o inimigo público número um dos
índios do Brasil. Aliás, ele faz jus a este título há muito tempo.”19 Darcy chamou o projeto
de “cientificamente inepto e juridicamente monstruoso”. Em resposta, Reis encaminhou
uma “denúncia” ao procurador-geral da República, na qual o acusou de calúnia.
Quando Darcy participou na usp de um seminário ao lado da antropóloga Car-
men Junqueira, toda a fala de ambos foi gravada, transcrita e entregue à asi da Funai.

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Carmen fez declarações contundentes contra a política indigenista, mencionando os
impactos da Transamazônica, a mineração em Rondônia e a abertura de rodovias.

A partir de 1968 nós estamos assistindo a uma aceleração do processo de ex-


termínio dos últimos 100 mil índios que existem no Brasil. […] Um dos recur-
sos utilizados para acelerar esse processo vai ser exatamente a tentativa de se
decretar a emancipação de alguns grupos indígenas.20

Darcy voltou a condenar o projeto:

Emancipar os índios, da condição de índios, é declarar que eles não existem


como índios. Como a propriedade não é deles, é da tribo, se a tribo está dissol-
vida pelo ministro, não há terra, não há propriedade, a terra está livre para o
ministro dar a quem ele quiser. […] Se ele declarasse que não existe mais a fa-
mília Matarazzo, não há Matarazzo. Ele podia dar ao secretário dele, à coma-
dre dele, cada fábrica.

Uma pessoa da plateia abordou outro ponto crucial da política indigenista da


ditadura: os contatos com os índios isolados. Carmen respondeu que a pacificação era
“dos males o menor”, pois seria impedir que os grupos indígenas fossem “metralhados”
ao reagir à entrada dos “civilizados” em seus territórios. Darcy comparou a “civilização”
a um “moinho feroz que desfaz a gente, que cria a gente sem cara”. De um modo geral,
porém, ele defendeu a política de contato.

Em meio ao debate público, a princípio acenou em socorro da Funai e do governo, ain-


da que de forma discreta, Orlando Villas Bôas. No encerramento de um curso no Museu
do Índio, no Rio, Orlando disse à imprensa que estava sendo tomado “um cuidado ex-
tremo” na confecção do projeto. Havia falhas na política indigenista, mas ele estava de
acordo com Ismarth, pois, se já tivesse sido feito um trabalho sobre a emancipação vinte
ou trinta anos antes, “hoje nossas tribos estariam numa situação formidável”.21 Dias de-
pois, contudo, o sertanista recuou e fez declarações incisivas contra o projeto de eman-
cipação. Disse ver duas saídas, “uma ação popular [ou] a condenação, é deixar para a his-
tória e a história marcará aqueles que naquela época deram o primeiro passo que levaria
ao desaparecimento total do índio brasileiro”.22 Em Bauru (sp), Álvaro Villas Bôas tam-
bém atacou o projeto, chamando-o de “altamente suspeito e nocivo à população indíge-
na”. Não deixou, porém, de alfinetar o Cimi, classificando-o de “uma ala da Igreja cujo
único objetivo é desmoralizar a Funai”.23

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***

Os críticos da emancipação não se contentariam com nenhum julgamento histórico


tardio sobre uma medida que teria impacto direto na vida dos índios. Um grupo de trin-
ta antropólogos condenou em documento a ideia, dizendo que seria como entregar os
índios “desarmados a forças infinitamente mais poderosas, que lhes arrebatarão, em
maior ou menor prazo, as terras a vil preço, por grilagem ou por execução de dívidas, ab-
sorvendo-os como mão de obra barata”. O texto foi divulgado em entrevista coletiva pe-
las antropólogas Lux Vidal, Manuela Carneiro da Cunha, Aracy Lopes da Silva e Carmen
Junqueira.24 Anunciaram ainda que o grupo de antropólogos já havia decidido criar, em
conjunto com religiosos, educadores, juristas e índios, uma “comissão pró-índio”, que
logo se tornaria uma das principais vozes em defesa do índio no país. À reunião dos an-
tropólogos que discutiu a emancipação, Orlando compareceu.25
O movimento cresceu em todo o país, culminando, em 7 de novembro de 1978,
em um ato público na Associação Brasileira de Imprensa (abi) no Rio e, no dia seguinte,
em um grande encontro no teatro da puc de São Paulo, o Tuca, ambos organizados pela
Comissão Pró-Índio e pela Associação Nacional dos Cientistas Sociais. Ao Tuca compa-
receram Darcy, Orlando, os missionários do Cimi Iasi e Balduíno e diversos antropólo-
gos, como Eduardo Viveiros de Castro, Lux Vidal, Roberto Cardoso de Oliveira, Carmen
Junqueira e Mércio Pereira Gomes. Também compareceram líderes indígenas kaingan-
gue, pareci e terena.
Os organizadores estenderam duas faixas no palco: “Contra a Falsa Emanci-
pação!” e “Pela Demarcação das Terras Indígenas”.26 Foi lida uma carta da organização
norte-americana fundada no século xix Indian Rights Association, endereçada ao gene-
ral Ismarth. A carta fazia um paralelo entre o projeto brasileiro e a Lei Dawes, aprovada
pelo Congresso dos Estados Unidos em 1887. A medida determinou a divisão das reser-
vas indígenas naquele país “em pequenos lotes de terra, atribuindo-os individualmente
aos índios”. Após 25 anos, o governo transferia a propriedade da terra a eles, ao mesmo
tempo que lhes dava cidadania norte-americana. O resultado foi catastrófico para os ín-
dios, segundo a carta. Em 1934, quando essa política foi abandonada, “os índios tinham
perdido 90 [milhões] dos seus antigos 138 milhões de acres de terra. Hoje se reconhece
que a Lei Dawes foi extraordinariamente desastrosa para os indígenas”, na prática “des-
truindo a base agrária, que era o alicerce da vida e cultura indígenas”.27
Os protestos em São Paulo e no Rio foram um sucesso, com cobertura da im-
prensa e um público estimado entre 1,5 mil e 2 mil pessoas no Tuca, e de setecentas pes-
soas na abi.28 Nos dias seguintes, o Jornal do Brasil publicou editorial em apoio ao de-
creto de Rangel Reis, enquanto O Estado de S. Paulo condenou a proposta. No final de
novembro, Reis admitiu a possibilidade de alterações no documento. Em dezembro, a

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imprensa informou que a Presidência da República decidira, “estrategicamente, esque-
cer por algum tempo a aprovação do projeto”.29 Em março de 1979, o general Ernesto
Geisel passou a faixa presidencial ao general João Figueiredo. A proposta da emancipa-
ção foi engavetada em definitivo. Tratou-se de uma abrangente e impactante vitória de
todos quantos resolveram afrontar o regime militar em defesa dos índios.

A emancipação era a principal, mas estava longe de ser a única, divergência entre an-
tropólogos e o comando militar da Funai. Os atritos ficaram cada vez mais frequentes
por todo o país a partir da segunda metade da década de 1970. Como atestou por escri-
to o diretor do Departamento Geral de Planejamento Comunitário da Funai de Brasília.

O caso da 4a dr não passa de uma expressão do que está ocorrendo pelo Brasil
afora. De um lado, antropólogos no campo sentindo os problemas dos índios, de
outro, delegados vivendo nas capitais, sem o mínimo conhecimento da realida-
de indígena. Conflitos entre antropólogos e delegados estão ocorrendo em diver-
sas áreas onde antropólogos estão trabalhando para a Funai. Tais conflitos são
facilmente explicáveis pela própria antropologia: “resistência à mudança”. Cada
delegado em geral se situa, por sua consciência e sua posição na estrutura social,
como um “fiscal de índios”, alguém que ali está para que não criem os índios pro-
blemas reivindicando suas terras, educação, saúde e o direito de serem tratados
como seres humanos. A grande contradição, sr. superintendente, é que os ín-
dios, uma vez educados e conscientes de seus direitos e da mentalidade dos srs.
delegados, têm necessariamente que lutar por esses direitos.30

Em junho de 1976, a antropóloga lotada em Brasília Isa Maria Pacheco Rogedo


fez uma viagem às terras dos índios suruí e gavião, no Pará. Ao regressar, produziu um
relatório devastador sobre uma decisão equivocada da ditadura. “No posto indígena So-
roró tivemos a noção exata da área decretada [pela Funai] em 1968, que na realidade não
passa de um quintal de qualquer fazenda na região e que não satisfaz de forma alguma
às necessidade de um grupo de 72 pessoas, cuja população aumenta.”
Por volta de 1972, os índios foram transferidos pela Funai para outro posto in-
dígena, ficando no local de origem apenas uma família que se recusou a mudar. Isa qua-
lificou a estrutura administrativa do órgão como “arcaica, acéfala e castradora”, acusou
o órgão de prejudicar os índios no processo de extração da castanha e aventou as hipó-
teses de “incompetência administrativa”, “desvios de verbas e corrupção”.
Na mesma área, outra antropóloga, Iara Ferraz, foi acusada pelo Incra de insu-
flar índios suruí contra uma equipe de topografia que realizava serviços na região. A

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equipe teve “os cabelos cortados” e foi ameaçada “com lanças, bordunas e flechas”. Um
memorando do gabinete da presidência da Funai disse que Iara “impediu que a Eletro-
norte construísse torres de transmissão” de energia elétrica na área de Mãe Maria.
A Funai reagiu contra as duas antropólogas com a abertura de três processos
para apurar

índios “influenciados”, “insatisfeitos” com o chefe do pi Sororó, e com a demar-


cação determinada por lei, inclusive com ameaças de reação, “doutrinados” na
aldeia suruí, “incitamento” de índios caso os trabalhos prosseguissem, “inti-
mação dos índios aos membros da equipe para se dirigirem à casa do capitão
da aldeia”.

Um parecer da procuradoria interna da Funai apontou que houve “insubordi-


nação grave em serviço” e pediu uma pena de repreensão contra Isa e o rompimento do
contrato de prestação de serviços assinado com Iara. Em outubro de 1976, Ismarth assi-
nou um ato de repreensão contra Isa.
A “insubordinação” algumas vezes ganhou as páginas dos jornais. Em 1978, o
então diretor do Parque do Xingu, Olympio Serra, experiente indigenista que havia tra-
balhado na assessoria da cpi criada no Congresso em 1968 após a divulgação do Relató-
rio Figueiredo, mandou um telegrama para a direção da Funai para protestar contra as
condições da filmagem da telenovela Aritana, produzida pela tv Tupi. A novela conta-
va a história de um índio do Xingu, interpretado pelo ator Carlos Alberto Riccelli, que se
apaixona por uma médica veterinária, vivida pela atriz Bruna Lombardi, enquanto de-
fende as terras indígenas da ambição de fazendeiros. Olympio até que não reclamava
do roteiro, mas sim da falta de pagamento aos índios que trabalharam como extras em
1978. Ismarth não gostou da denúncia e mandou afastá-lo do cargo. “Eles [Funai] que-
riam apoiar uma tv que estava falindo. Eu não quis deixar que os índios fossem figuran-
tes sem qualquer cachê. O Estatuto do Índio proíbe até hoje, ‘não se pode explorar co-
mercialmente o índio’”, disse Olympio, décadas depois.31
Por ironia, o verdadeiro Aritana, um índio yawalapiti, criticou aspectos da no-
vela e defendeu a volta de Olympio ao Xingu, o que a Funai não permitiu. Quando o ser-
tanista Apoena Meireles foi enviado pela Funai ao Xingu para substituir Olympio, cerca
de “2 mil índios” impediram que ele assumisse suas funções.32

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22. A ESPINHA

os antropólogos que trabalhavam em campo no contato direto com a realida-


de do índio também passaram a presenciar práticas e omissões da Funai que passariam
despercebidas em outros tempos, devidamente ocultas em relatórios sigilosos e de cir-
culação restrita. Nascido no Rio Grande do Norte em novembro de 1950, filho de um
dentista e uma dona de casa, Mércio Pereira Gomes estudava antropologia e línguas na
Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, quando, em 1975, resolveu voltar ao Brasil
com uma bolsa de estudos fornecida pelo brasilianista Charles Wagley, que estudara os
Tapirapé. Mércio dirigiu sua atenção aos índios guajajara (ou tenetehara) do Maranhão,
tendo vivido entre eles, em várias aldeias, de junho a dezembro daquele ano. Regressou
outras vezes, num total de dezesseis meses de convívio com os índios.
Em um dos retornos aos Estados Unidos, Mércio caiu de malária — seriam oito
crises até 1980. Com a tese de doutorado pronta em 1977, ele regressou ao Brasil, vincu-
lado à Unicamp. Logo se aliou às críticas contra a emancipação indígena, tendo se tor-
nado vice-presidente da Comissão Pró-Índio paulista, e deu palestras em faculdades de
vários estados contra o projeto. De esquerda, Mércio estudou e aplicou a teoria de Karl
Marx para “entender os processos econômicos de relacionamentos das sociedades indí-
genas”, mas considerava apartidário o movimento indigenista que ganhou o país no fi-
nal da década de 1970.

O negócio do índio é uma coisa marginal, até na esquerda. Levou quarenta


anos para o Congresso Nacional ter de suportar a presença indígena, a pressão
indígena. Naquele tempo foi outra coisa, tinha uns aspectos de romantismo.
Pegava a sociedade pelo coração, não pela cabeça.1

Em 1975, ao chegar ao Maranhão com seus 24 anos, forasteiro e cabeludo, foi


abordado por um militar do Exército. Ele quis saber se Mércio era sociólogo, e ele res-
pondeu que não, que era antropólogo. Ao ouvir isso, o militar relaxou. Mércio não foi in-

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comodado. Eis uma profissão que parecia não dizer absolutamente nada naquela região.
Mércio apresentou-se ao delegado regional da Funai, sobre o qual teve uma impressão
negativa: “Foi decepcionante. Obviamente ele não se interessava por índios. Estava ali
desde fevereiro de 1975 pelo emprego que lhe fora conseguido por influência de um ir-
mão ligado ao esquema de poder dos militares do Ministério do Interior”.2
Mércio foi procurar no escritório local da Funai valiosos documentos do extin-
to spi que poderiam iluminar pontos em favor dos tenetehara no direito sobre suas ter-
ras, que vinham sendo invadidas ou que tinham seus limites questionados por fazen-
deiros da região e posseiros oriundos do Nordeste. Descobriu então, perplexo, que o
delegado havia mandado queimar todos os papéis de interesse histórico.3
A relação entre os Guajajara e os “civilizados” da região era marcada pela me-
mória de massacres ocorridos a partir de março de 1901. Uma missão dos frades capu-
chinhos vinda da Itália havia fundado um internato em 1897 para crianças indígenas, a
cerca de setenta quilômetros da cidade de Barra do Corda. Em 1900, um surto de varíola,
seguido de um de tétano, matou pelo menos 28 das 82 indiazinhas que viviam no local. A
tensão cresceu nos meses seguintes até que, na manhã de 13 de março de 1901, um grupo
formado por centenas de índios liderados por um índio chamado João Caboré, também
conhecido como Kawiré Imán ou Cauiré Imana, e por outros caciques guajajara atacou a
missão de Alto Alegre. Eles invadiram a igreja na hora da missa, matando homens, mu-
lheres e crianças. Uma versão diz que Caboré desencadeou o massacre porque fora pre-
so e agredido pelos padres; outra, porque queria proteger os índios dos abusos come-
tidos pela missão, que pretendia, na sua visão, “escravizar” os Guajajara para sempre.4
A imprensa do Maranhão noticiou mais de duzentos mortos; outros cálculos
apontaram 170.5 Entre as vítimas estavam quatro padres e sete irmãs.6 O Estado de S.
Paulo mencionou 61 mortos e citou como motivo da chacina a dúvida dos índios de que
os religiosos “pretendiam tomar-lhes as crianças” que eram direcionadas à missão.7
Em represália, o poder político local organizou uma grande expedição puniti-
va, com setenta soldados de Barra do Corda, uma tropa de Grajaú e índios canela. Na pri-
meira dessas investidas, teriam sido assassinados entre 28 e trinta Guajajara. Num ata-
que a Caboré e seu grupo, dezoito índios foram mortos, mas o cacique escapou, até ser
afinal capturado, em agosto. Em outubro, ele e outros líderes da revolta foram condena-
dos à prisão perpétua. Em novembro, Caboré amanheceu morto em sua cela na cadeia
pública de Barra do Corda, supostamente vítima de febres palustres.8 Outro relato diz
que ele morreu na cela dois anos mais tarde, com “o corpo todo inchado e as faces arro-
cheadas pelas sevícias”.9
Mais de sete décadas depois, Mércio tomou o partido dos Guajajara contra
uma fazendeira que reivindicava terras dentro da terra indígena Bacurizinho. Com ela
reuniu-se diversas vezes, ocasiões em que ela o chamava de “diabo da Funai”.

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Em 1978, Mércio concedeu uma entrevista em Campinas para denunciar a inva-
são de uma área guajajara demarcada na década de 1920 em Barra do Corda. Os invaso-
res eram mais de 5 mil “civilizados”, que formaram a vila de São Pedro dos Cacetes. Havia
grande tensão em outras regiões, também invadidas, como na terra Arariboia, onde um
conflito armado deixou mortos entre índios e “civilizados”. Segundo Mércio, a Funai agiu
e pelo menos uma grande vila de invasores foi retirada ainda na década de 1970.
Em sua passagem pela área, Mércio conheceu o indigenista José Carlos Meire-
les (sem parentesco com Francisco Meireles), que, junto com a antropóloga Valéria Pari-
se e outros, havia contatado um grupo de índios guajá por volta de 1973. Eram índios iso-
lados que viviam nus, em pequenas casas de palha e madeira, alimentando-se da caça
e de frutas. Eles estavam dispersos por toda a região, em talvez duas dezenas de grupos
independentes. A partir do contato, outros índios foram chegando ao local, muitas ve-
zes atraídos pelos próprios Guajá a pedido da Funai, com a distribuição de machados,
facões e utensílios.
Porém, algo muito grave começou a ocorrer. Em 1975, segundo as contas da Fu-
nai verificadas por Mércio, havia um total de 54 índios ligados à frente de atração gua-
já. Cinco anos depois, quando ele voltou à região para dar sequência às suas pesquisas,
havia apenas 24.

Tinham morrido 29 ou trinta nas mãos da Funai. […] Era uma época em que ainda
tinha um fluxo de pequenos lavradores vindo do Piauí e do Ceará e pressionando
a área. Eu estava com muito medo de os Guajá serem dizimados. Muitos grupi-
nhos de Guajá foram contatados porque apareciam nos pequenos vilarejos, onde
tinha gente abrindo mata e plantando, e eles entravam em contato e morriam.10

Mércio escreveu à Funai para dizer que, de 91 índios reunidos na frente de atração gua-
já no verão de 1976, restaram apenas 29 em 1980. A situação foi agravada por uma deci-
são da entidade, em 1977, que permitiu a criação de “um corredor que dividiu” a área de
Caru e a região de Turiaçu, desfazendo o que era “uma reserva só constituída por decre-
to presidencial no ano de 1961”. “À então administração da 6a dr coube a glória de aceitar
esse esbulho territorial e deve caber-lhe o peso da morte de uns cinquenta índios guajá
por causa dessa medida.”11 E além do desleixo havia também assassinatos: a Funai con-
firmou a morte de cinco Guajá por posseiros da região, e o general Ismarth disse que se-
ria investigada a hipótese de uso de arsênico misturado a açúcar.12
Em dezembro de 1979, uma equipe de saúde volante da Funai apareceu para
vacinar 33 índios. Porém, contrariando o recomendado pelo servidor local do ór-
gão, a equipe aplicou todas as vacinas de uma vez só, e não aos poucos, o que levou

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a uma debandada dos índios para a mata, relatou o antropólogo. No mato, eles “con-
traíram gripe ou mesmo talvez [por] reação das vacinas e oito deles morreram, in-
clusive uma família inteira”. Depois Mércio concluiu que na verdade nove morreram
apenas nesse episódio.
Na época, Mércio produziu um relatório e o endereçou ao então delegado re-
gional de São Luís, advertindo: “É assombroso o decréscimo populacional dos índios
guajá da região do rio Turiaçu”.13 Sobre a vacinação atabalhoada, ele pediu que se fizes-
se “uma reflexão profunda e estudada por parte dos responsáveis pela saúde na Funai,
para que incidentes dessa natureza não se repitam”.

Logo depois desse relatório, o chefe do posto indígena Caru recebeu um bilhete de um
morador do povoado de Centro dos Paulos, no município de Santa Luzia, dizendo que
próximo dali fora visto um grupo de índios guajá. A Funai montou uma equipe com um
médico, um auxiliar de indigenismo, um atendente de enfermagem e dois Guajá. Ao sa-
ber da ideia da expedição, Mércio pediu e recebeu autorização do presidente do órgão
para integrá-la.14 O plano era transferir os índios para uma terra já ocupada por outros
Guajá, a de Caru, com cerca de 172 mil hectares.
Mércio e equipe já tinham circulado bastante pela região atrás dos índios quan-
do, em 10 de abril de 1980, pararam a cerca de dois quilômetros do igarapé Timbira para
comer farinha e caju cristalizado que traziam na bagagem. Mércio pediu que os dois
Guajá, Geí e Takydiá, pegassem uma espingarda e saíssem para caçar, mas seguindo o
caminho que eles já haviam visto e que atribuíam aos Guajá que buscavam. Em meio a
uma forte chuva, ambos regressaram, porém seguidos por outros três Guajá. Um, “pare-
cido com um coreano”, falava mais seguro, o segundo tinha uma enorme marca produ-
zida pela leishmaniose no ombro esquerdo e os dentes estragados, falava mais alto e de
forma rápida, e o terceiro, com dentes perfeitos e um bigode ralo, “falava mais parcimo-
niosamente e sorria mais delicadamente”. O contato foi tranquilo.15
Os índios convidaram Mércio e os dois Guajá para uma visita à aldeia. Lá o an-
tropólogo conseguiu divisar catorze Guajá, todos, ao que tudo indicava, em bom esta-
do de saúde — outros coletavam mel ou caçavam nas redondezas. O índio Ikarawadjá
convidou-os para sua casa. Ele deitou-se na rede, Mércio sentou-se no chão e estendeu
sua camisa ao fogo, para secá-la. Apareceu uma mulher “alta e velha, já sem os dentes
da frente” e começou a falar, enquanto alisava as costas de Ikarawadjá. Mércio anotou
em seu caderno de viagem o que a idosa contou: “Quando os Guajá estavam no cocal [de
babaçu], em direção a sudeste de onde estamos, tinha uns três karaí caçando paca com
um cachorro. Este acuou uma paca, os Guajá foram ver, os karaí atiraram neles. Um de-
les ainda ficou com o rosto manchado pela pólvora”.

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O relato sobre o ataque dos “civilizados” reforçou em Mércio a necessida-
de de uma transferência para Caru. No dia seguinte, um grupo de seis Guajá apare-
ceu no acampamento da Funai. O mais velho aparentava sessenta anos e se chama-
va Pirá. De novo foi uma conversa amistosa. Os Guajá repetiram a história do ataque
dos karaí e mostraram, como prova, o lado direito do pescoço de um deles, Tiborrá,
com os sinais que seriam da pólvora. Disseram que os karaí haviam “botado roça de
arroz nas suas terras”. Eles indagaram a Mércio de onde ele tinha vindo. O antropó-
logo descreveu muito positivamente a área de Caru, tentando convencer os índios a
se mudarem. Disse que era “uma mata bonita, com muita queixada e sem karaí [‘ci-
vilizados’]”.
O grupo era composto de 27 índios, e a distância até Caru foi estimada em ses-
senta quilômetros.16 Antes de qualquer movimentação, porém, Mércio queria garantias
da Funai de que haveria medicamentos e pessoal suficientes para a operação. Em relató-
rio, qualificou experiências anteriores da entidade como “verdadeiros desastres demo-
gráficos”, citando os casos dos Panará e dos Xavante.
A Funai atendeu aos pedidos do antropólogo, que por fim voltou ao igarapé
Timbira para a longa caminhada dos 27 Guajá, iniciada em 27 de junho de 1980. Foi mon-
tada uma equipe de treze pessoas, incluindo Mércio e dois índios. O plano era andar de
forma sinuosa pela mata, fugindo de qualquer aglomeração de “civilizados”. O grupo an-
dava um pouco, parava, caçava porcos no mato, comia e dormia, voltava a andar. Faziam
acampamentos e recuperavam suas forças. Em determinado dia, porém, Mércio notou
que uma família de sete Guajá havia ficado para trás. Nesse instante, um surto de gripe
atingiu todo o grupo principal. O pessoal da Funai não poderia ir atrás da família sem
antes tratar os outros, sob pena de um desastre.

Nós passamos uma semana cuidando desses índios. […]. Eles melhoraram, aí
fomos procurar a família. Quando a gente chegou, dos sete, tinha três mortos.
Eles tinham morrido porque os dois homens tinham caído de gripe e não con-
seguiram mais caçar. E morreram nas suas redes, de inanição. Tinham morri-
do um pai, uma mãe e um garoto.17

Em uma manhã de março de 1982, um idoso Guajá dirigiu-se à mata para pegar frutos
quando, de repente, caiu e morreu, sem que a Funai apontasse a causa exata. Tratava-se
de Pirá, o velho do igarapé Timbira que havia visitado o acampamento de Mércio antes
da caminhada. Sua viúva depois procurou o antropólogo para lhe dar de presente uma
coroa feita com penas de aves raras na região. Mércio a guardava, até 2013, em sua casa
no bairro Santa Teresa, no Rio.

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Depois de Pirá, uma criança morreu, o que levou o grupo a se mudar para ou-
tro igarapé. Um surto de malária atingiu doze Guajá. Mércio recebeu informação de que
mais índios tinham morrido e, por isso, em março de 1982, em entrevista a um jornal de
São Luís, denunciou a Funai como responsável “pela morte de onze índios guajá do rio
Pindaré”. Afirmou que havia advertido o órgão para providenciar uma equipe “de pes-
soas habilitadas providas de medicamentos e serviço de rádio” a fim de atender os ín-
dios transferidos do igarapé Timbira. O antropólogo aparece na reportagem dizendo
que os funcionários da Funai “cometeram as maiores barbaridades”, que dois índios
morreram de “malária não diagnosticada” e outro de uma desidratação “consequente de
uma infecção intestinal que o enfermeiro não tratou”.18
Após a publicação da entrevista, a imprensa do Maranhão foi ouvir o major que
comandava a Funai regional, Alípio Levay. No dia seguinte, a imprensa publicou que ele
acusara o antropólogo de ter ajudado a disseminar doenças entre os índios, pois teria se
recusado a passar por exames rotineiros de saúde. Em um ofício confidencial enviado
à Funai de Brasília, contudo, o próprio Levay recuou da acusação, dizendo que apenas
se defendeu e que o repórter fora o responsável pelo “estardalhaço todo”.19 No mês se-
guinte, vários professores da Universidade Federal do Maranhão divulgaram uma nota
pública em favor de Mércio, que também foi apoiado pela Comissão Pró-Índio e pelo
Cimi.20 Eram os anos 1980, com os novos ares que anunciavam o fim da ditadura, den-
tro da abertura política. O governo militar agora era confrontado por uma série de orga-
nizações indigenistas.

Na morte dos três Guajá que ficaram para trás na caminhada, repetiu-se o velho trági-
co círculo vicioso: o índio gripado cai prostrado e não consegue mais caçar; sem caça,
ele e os que dele dependem morrem de inanição. O número de três mortos, ainda que
expressivo, porém, não se compara com o resultado de outras catástrofes, como a ca-
minhada dos Araweté, quando de quatro a seis dezenas pereceram. De certa forma, aos
trancos e barrancos, parecia que o Estado brasileiro começava a aprender a minimizar
seus erros brutais.
Antropólogos como Mércio e missionários do Cimi já haviam se decidido,
a duras penas, pela necessidade de uma mudança radical na política de contato que
vinha sendo adotada pela Funai desde sua criação e que era a prática desde o início
do spi. Passados setenta anos de acertos e desastres, muitos achavam que estava na
hora de mudar. Alguns sertanistas também caminhavam na mesma direção. Um de-
les, em especial, pelo papel que viria a desempenhar nos novos rumos da política de
contatos, teve a certeza reforçada após testemunhar uma nova tragédia, no início dos
anos 1980.

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***

Por mais de uma década a Funai conheceu a firme resistência dos índios arara. Eles ata-
caram com insistência as diversas equipes enviadas para “pacificá-los” e também mor-
reram pelas mãos de colonos, como vimos anteriormente. Decididos a dobrar os índios,
os chefes da fundação não desistiram. No começo dos anos 1980, o órgão enviou para a
região de Altamira (pa) o sertanista Sidney Possuelo. Sua primeira medida foi fazer so-
brevoos em uma área de 235 mil hectares interditada pela Funai em 1978, para mapear
a presença dos índios e dos colonos, em número cada vez maior. Ao final de uma sema-
na, Possuelo entregou um relatório à presidência da Funai no qual sugeriu a retirada de
todos os colonos e a criação de uma nova frente de atração. Ele foi orientado a retirar os
planos do papel.
Possuelo pediu ajuda ao oficial do Exército comandante do 51o Batalhão de In-
fantaria de Selva, de Altamira, que providenciou militares para acompanhar o sertanis-
ta em visitas a habitações e derrubadas de mata promovidas por colonos dentro do ter-
ritório interditado como área indígena.21
O sertanista percebeu que não conseguiria vencer a resistência dos índios se
não reduzisse a pressão que os invasores exerciam sobre as roças e rios. Os desmatado-
res se aproveitavam de várias estradas vicinais que partiam e chegavam à Transama-
zônica rumo à terra arara. Visto de cima, o conjunto lembrava uma espinha de peixe.
Possuelo colocou placas de sinalização da Funai na área e deu um prazo de algumas se-
manas para os desmatadores saírem. Quem ficasse não seria perdoado.

Eu chegava com minha equipe, dez ou quinze homens, todos armados, com
espingardas, pistolas, armas portáteis. No último dia, quem saiu, saiu. “Se
você não saiu, sai agora, tira suas esposas, seus filhos e seus bens. Você tem
meia hora para fazer isso. Daqui a meia hora vou botar fogo.” E aí eu botava
fogo mesmo.22

Possuelo ficou agradecido pelo auxílio do Exército na operação — para ele, um


dos momentos cruciais em que os militares, durante a ditadura, saíram em socorro do
índio. O sertanista escreveu: “Se os Arara soubessem, se pudessem nos falar, estariam
aqui e agora agradecendo esta ação de justiça que vem do seio do Exército Brasileiro”.23
Com a área livre de invasores, Possuelo reconstruiu um posto no mesmo lugar
em que o colega Afonso havia sido flechado, anos antes, a 120 quilômetros na Transama-
zônica a partir de Altamira e a dezoito quilômetros de uma estrada vicinal. Em novem-
bro de 1980, quando as invasões dos desmatadores já estavam contidas, o pessoal da Fu-
nai teve outro problema. A apenas três quilômetros do posto, o Incra colocou “máquinas

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de extração de madeira” na região, em apoio aos assentados e colonos da firma Cotrijuí.
Na tentativa de assustar os “civilizados”, os Arara jogavam cocos nos operadores das má-
quinas e faziam barulho na mata. A Funai pediu que as máquinas parassem de traba-
lhar, pois poderiam “originar uma ação hostil por parte dos índios”.24 Os Arara haviam
espalhado estrepes — pedaços pontiagudos de madeira, entrelaçados — nos caminhos
que davam acesso às suas aldeias, em um claro sinal de “proibido passar”.
Possuelo tomou precauções em caso de ataques dos índios ao posto. Abriu
uma clareira com um raio de cem metros em volta da casa. Ergueu postes de madeira
com holofotes no alto. Conectou-os a um motor movido à bateria, que podia ser aciona-
do por dois botões instalados em pontos diferentes dentro da casa. Assim, numa emer-
gência o motor seria ligado, gerando um grande barulho e iluminando de imediato todo
o pátio com luzes potentes. A ideia de Possuelo era assustar os índios e evitar derrama-
mento de sangue.
O dispositivo de segurança foi enfim posto em prática numa noite de 1980. En-
quanto os servidores da Funai jantavam à mesa da cozinha, iluminados apenas pela luz
de lampiões, um grupo de Arara se aproximou em silêncio, mirou com as flechas pelas
frestas das paredes de madeira e disparou. Três servidores foram atingidos: um de ras-
pão, na boca, outro no ombro e o terceiro teve uma das mãos atravessada “de lado a lado”
pela flecha, disse Possuelo. Antes que o ataque se intensificasse, um dos feridos conse-
guiu correr até um dos botões de emergência e o pressionou. A luz potente dos holofo-
tes no pátio e o barulho do motor puseram os índios para correr. Na pressa, deixaram
para trás “cinquenta, oitenta maços de flechas”.25
No dia seguinte, Possuelo encenou um desfile no pátio com todos os servidores
de armas na mão. Também chamou reforço de Altamira, duplicando o número do pes-
soal. Depois de uns vinte minutos de encenação, o sertanista reforçou os presentes aos
índios no tapiri e mandou todo mundo se recolher. Ele achava que os índios estavam as-
sistindo a tudo da mata, escondidos.

Eu queria dizer a eles: “Eu tenho força suficiente para ir atrás de você e posso
fazer bobagens contigo, mas não vou fazer isso, não é minha intenção”. Se tem
uma coisa que eles conhecem é arma de fogo, são perseguidos por armas a vida
toda. Eu mostrei força, mas também uma atitude pacifista.26

Entre o final de 1980 e o começo de 1981, os Arara circularam com regularidade nas cer-
canias no posto, mas agora em atitude pacífica, segundo relatórios de Wellington Fi-
gueiredo. Em uma tarde, eles presentearam o pessoal da Funai com “um mutum assa-
do, dois jabotis, um nhambu assado e um filhote de mutum”.27 Os índios não eram vistos

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diretamente, apenas passavam e iam embora, deixando os presentes em troca das fer-
ramentas.
Em 2 de fevereiro de 1981, eles enfim se aproximaram. Um grupo foi recebido
por dois índios a serviço da Funai, Karayvah Txicão e Manoel Wai-Wai. Depois de uns
cinquenta minutos, foram embora, dizendo que voltariam à tarde. Informado por rádio,
Wellington, às pressas, foi de camionete de Altamira ao posto, lá chegando por volta das
dezessete horas, no momento em que os Arara retornavam ao local. Eram cinco: dois
com mais de 45 anos, dois “acima de vinte” e um garoto de uns treze. Os adultos tinham
estatura mediana, poucos pelos no rosto, o “prepúcio amarrado com um pedaço de envi-
ra”, as orelhas furadas, embora só um usasse brinco, e no pescoço colares de miçangas.
Deram um “porcão assado” ao pessoal da Funai e, para beber, uma mistura de mel com
água, acondicionada em um pedaço de bambu.28
Dias depois Possuelo manteve seu primeiro contato pessoal com um Arara. Ele
estava no posto quando de repente surgiu um garoto sozinho, de oito ou nove anos, cha-
mado Aktô. Possuelo foi à porta, sorriu para o menino, que sorriu de volta. Pegou-o pela
mão e o convidou a entrar. Pediu que fosse feito um mingau de fubá e comeu com ele.
Aktô foi embora, mas depois voltou com mais “quatro ou cinco”. Daí em diante os índios
foram “chegando, chegando”.29
A notícia do primeiro contato, ocorrido nove meses depois da chegada da equi-
pe de Possuelo, se espalhou rápido na região. A ideia de que, após o primeiro contato,
a Funai iria retirar os índios da terra e “aldeá-los” provocou o aumento das invasões de
colonos na terra arara. Entretanto, o plano de Possuelo era justamente o contrário: am-
pliar e garantir a demarcação do território. Ele escreveu ao presidente do órgão “recor-
dando da garantia do território indígena como condição essencial à sobrevivência dos
Arara que, paralelamente a outras medidas, age como proteção das compulsões dos ci-
vilizados”.30
O sertanista conseguiu o apoio do Exército para retirar invasores e avisou por
rádio que não seriam toleradas invasões, mas, quando pediu ajuda ao Incra, “infeliz-
mente, apesar dos ofícios e mapas encaminhados, tudo permanece parado”.31 A situação
era pior em relação a outro grupo arara ainda não contatado, que desapareceu por qua-
tro meses após “violentas derrubadas” de mata na região.
Possuelo estava preocupado em especial com a possibilidade de uma epidemia
dizimar o grupo contatado. Já no primeiro contato, o menino Aktô apareceu com o nariz
escorrendo, um possível sinal de gripe. Em conversa com os índios, o intérprete Karay-
vah descobriu que os Arara “já conheciam a gripe”, pois mantinham contato com roupas
e utensílios de “civilizados” da região. Possuelo tomou medidas para evitar uma mortan-
dade: adquiriu geladeiras para acondicionar as vacinas, comprou medicamentos e con-
seguiu uma enfermeira transferida de outro posto.32 Também mandou fazer exames de

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tuberculose em todos os integrantes da frente de atração, vacinou-os contra sarampo,
tétano e febre amarela, afastou do lugar todo servidor que apresentou algum sintoma de
doença e vacinou também famílias de colonos da região.33 “Eu disse a mim mesmo: ‘Não
vou permitir morte nenhuma’”, recordou.34

Todo o planejamento não contava com uma atitude dos índios. Segundo Possuelo se re-
cordou tempos depois, o que é confirmado por seus relatórios da época, os Arara come-
çaram a pressionar o pessoal do posto para levá-los a conhecer Altamira — tinham vis-
to os funcionários se comunicando por rádio com a base da Funai na cidade e ficaram
curiosos para saber como seria esse lugar. As coisas fugiram ao controle quando resol-
veram sair caminhando pela Transamazônica. O motorista de um ônibus foi instado
pelo grupo de índios, pelados, a parar o veículo para que entrassem. Ele andou por al-
guns quilômetros, mas depois desligou o motor e pediu socorro à Funai. Os índios foram
trazidos de volta à aldeia, porém o episódio evidenciou que a ida à cidade seria questão
de tempo. Possuelo disse ter concluído que “não havia mais como segurar”. “A curiosi-
dade, isso é muito humano. Na impossibilidade de segurar, o que eu vou fazer? Vou or-
ganizar a ida deles até lá”, disse. O sertanista mandou lavar, desinfetar e caiar o prédio da
base em Altamira, estocou comida suficiente para três dias, comprou camisetas e cal-
ções para os homens e vestidos para as mulheres e contratou veículos para transportar
os índios e o pessoal da Funai.
A visita estava programada para o dia 11 de fevereiro de 1982, mas cinco dias an-
tes, para surpresa de Possuelo, apareceram em Altamira cinco índios “acompanhados
de dois mateiros” da Funai.35 Um grupo de 23 índios, liderados pelo cacique Toti, somou-
-se ao primeiro grupo. A notícia, espalhada pela emissora de rádio local, causou grande
impacto na cidade, que por muitos anos acompanhara os relatos sobre ataques dos Ara-
ra na zona rural, os índios mais temidos naquele trecho da Transamazônica.
A princípio Possuelo segregou os índios no prédio da base da Funai, procu-
rando mantê-los afastados de um contato direto com os moradores. “A cidade inteira”
correu para o prédio, “subiam no muro e queriam entrar” para satisfazer a curiosidade,
disse. O Exército mandou soldados fazerem a segurança do prédio. Do alto do muro, as
pessoas jogavam cédulas de dinheiro aos índios, pelo visto em sinal de paz. Os Arara,
contudo, pegavam as notas e as jogavam no chão, para espanto dos moradores. Aqueles
papéis pintados nada significavam para eles.36
Os índios estavam curiosos para conhecer as ruas de Altamira. Em um mo-
mento de descuido, um grupo conseguiu abrir o portão da garagem, nos fundos, e saiu
caminhando. Quando soube, Possuelo correu para acompanhá-los, apavorado com a
ideia de que um “civilizado” aparecesse para vingar a morte antiga de algum amigo ou

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parente. “Foi uma cena fantástica. Um grupo de índios, andando na frente, sem rou-
pa, as mulheres peladas, bebês no colo, andando, sorrindo. E caminhando atrás deze-
nas, centenas de moradores, sei lá, a cidade inteira. Aquela algazarra, a gritaria: ‘Os
índios estão aqui!’.”37 Ao contrário do que o sertanista esperava, a recepção foi exce-
lente. “Civilizados” cercaram os índios com curiosidade, alguns “choravam de emoção
ao abraçá-los”.38
A jornalista Memélia Moreira, presente à cena, observou que Possuelo tam-
bém chorou quando viu um altamirense, Italvino, carregando um bebê no colo, chorar e
abraçar um índio arara. Ela ouviu outro morador, Pedro, ex-operário da Transamazôni-
ca, saudar os índios nesses termos: “Graças a Deus vocês estão aqui. Graças a Deus vo-
cês nunca mais vão atacar, não precisamos mais brigar”. O encontro extraordinário não
era apenas entre dois mundos diferentes, mas também um sinal de esperança de uma
vida futura sem ódio e violência.
Ainda que emocionado pela boa recepção, Possuelo lamentou: “Melhor seria
se não houvesse necessidade de trazê-los para nosso convívio”.39

Três décadas depois, Possuelo fez uma descrição muito mais sombria sobre a chega-
da dos Arara a Altamira, em especial no momento em que eles foram à feira no fim de
semana e viram centenas de pessoas circulando pelas barracas. O sertanista disse que
os índios ficaram “em choque” ao perceber que os “civilizados” são muitos, centenas de
milhares, contra apenas cinquenta ou sessenta Arara, que era o total de indivíduos da-
quele grupo.

Eles jamais imaginam existir uma cidade de 70 mil, 80 mil habitantes. E que
ainda são as pequenas. Nesse momento acontece uma coisa muito impor-
tante, como nós sertanistas chamamos, a “quebra da espinha”. Aquela alti-
vez que eles têm antes do contato, antes de saber que eles não representam
força nenhuma em relação a nós, aquilo desaparece. Uma vez um índio dis-
se a um sertanista: “Vocês são muita gente, vocês podiam fazer com a gente
o que a gente faz com uma formiguinha que sobe na perna”. Então isso que-
bra a espinha dele, ele perde a altivez. Ele vê que se o branco quiser, ele mas-
sacra, tem uma quantidade infinita de gente. De repente ele descobre isso. É
um momento muito difícil para eles.

O choque foi sucedido pela tragédia. Ela começou a se desenhar logo após o retorno
dos índios ao posto da Funai na mata. No dia 23, cerca de cinquenta estavam reuni-

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dos ali e não havia sinal de doenças. Os grupos familiares então se dividiram, uns re-
tornando para suas aldeias e outros partindo para caçadas. Uns cinco ou seis índios,
porém, decidiram ficar no posto para aproveitar a comida que Possuelo havia estoca-
do. Três dias depois, esse grupo começou a manifestar os primeiros sintomas de gri-
pe, com espirros e coriza. Enquanto agia para medicar os índios, o pessoal da Funai se
deu conta de que a gripe também poderia ter atingido os que já estavam na mata. Pos-
suelo organizou três equipes com medicamentos, agulhas, seringas e equipamento de
radiocomunicação, e cada uma partiu para uma direção na mata. Tratava-se de uma
corrida contra o tempo.
O grupo liderado por Possuelo topou com índios no segundo dia de caminha-
da. Todos estavam gripados e debilitados. O sertanista aplicou os medicamentos e seu
pessoal começou a carregar os índios de volta para o posto. O Arara que ainda tivesse
forças esticava os braços para a frente e assim era levado às costas do servidor da Funai.
Os mais fracos eram transportados em uma rede atravessada por um pedaço de pau. No
posto, Possuelo fez uma transfusão de sangue direto das suas veias para um Arara. Esse
grupo inteiro se salvou, mas ainda havia duas equipes na mata atrás de doentes. O pri-
meiro também regressou carregando índios e conseguiu salvar todos. No terceiro gru-
po, porém, a gripe foi mais violenta e rápida. Quando a equipe da Funai liderada pelo
experiente indigenista Wellington o encontrou, seis Arara já estavam mortos — dois
homens, três mulheres e uma criança. O restante lutava pela sobrevivência. Uma cena
dramática ficou registrada nos arquivos do órgão em relatório de Possuelo. Ele contou
que o grupo de Wellington

escuta um choro na selva e parece ser de criança. O pessoal vai se aproxi-


mando, quando eles veem é uma criança sobre o cadáver da mãe. A mãe já
estava morta, há um ou dois dias. A criança era pequena, tenta mamar no
peito da mãe, a mãe morta. E quando o pessoal se aproxima, a criança sai
correndo com medo. Dá um trabalho terrível para eles pegarem a criança,
até que a pegam.40

Outro índio morreu depois, perfazendo o total de sete vítimas. O comando da Funai
tinha pleno conhecimento desse número desde, pelo menos, a primeira quinzena de
abril, pois Possuelo remeteu um relatório datado do dia 8 daquele mês. Mas as notícias
sobre as mortes só chegaram um mês depois às páginas dos jornais de circulação nacio-
nal. Segundo a Folha de S.Paulo, a informação foi dada por “um fotógrafo do Museu do
Índio que trabalhou durante cerca de quinze dias entre esses índios”. O jornal acrescen-
tou que “de acordo com as informações de funcionários da Funai, a notícia não foi dada

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na época por determinação do coronel Ivan Zanoni Hausen, diretor da Assessoria Geral
de Estudos e Pesquisas”.41
O fotógrafo citado era Marcos Palmeira, que viria a fazer grande sucesso
como galã de novelas de tv. Após trabalhar com o cineasta Luís Carlos Saldanha na
terra dos Arara, em um trabalho organizado pelo Museu do Índio, ele chamou a im-
prensa no Rio e fez uma denúncia sobre a situação dos índios. A denúncia obrigou a
Funai, um dia depois, a reconhecer as sete mortes. Palmeira é filho do cineasta Zeli-
to Viana, o mesmo que havia lançado, três anos antes, o documentário-denúncia Ter-
ra dos índios.42
Palmeira contou na época que a Funai autorizou a entrada da equipe do museu
na área com o objetivo de “montar uma farsa”. Sabendo que os índios estavam gripados,
enviou uma equipe de militares para aparecer nas filmagens “socorrendo-os” com um
“mini-hospital” montado às pressas. Um dia depois do término da gravação, porém, o
médico militar deixou a aldeia. “O coronel só atrapalhou o trabalho do sertanista Sidney
Possuelo, [que] sozinho e às suas custas, tentava acabar com a gripe. O coronel se dizia
médico e não entendia nada de medicina. Não levou remédios, apenas uma barraca de
náilon que gastou um dia para montar.”43
Após regressar a Brasília, a equipe de filmagem recebeu a recomendação do
coronel Hausen de “nada falar sobre a morte dos sete Arara”.

O trágico surto de gripe entre os Arara abalou Possuelo. Ele continuou, anos afora, de-
fendendo a ideia da visita a Altamira, pois para ele era apenas uma questão de tempo,
em face das pressões dos índios para conhecerem a cidade, e também porque o gesto
eliminou as tensões entre índios e “civilizados”, que não tiveram mais conflitos desde
então. Porém, naquele fevereiro de 1982 em que os cadáveres foram achados, depois que
os índios foram socorridos em meio a intensa atividade, Possuelo disse ter sentido uma
frustração muito grande, pois tinha se preparado para que nenhum índio morresse. Ao
fim do dia em que os corpos foram contados, ele foi tomar banho num igarapé que pas-
sava perto do posto e ao lado do qual o pessoal da Funai fazia fogueiras para assar comi-
da, o que deixava pequenos montes de cinzas. Possuelo sentou-se na beira do riacho e
passou a ser sacudido por “soluços convulsivos”.

Quando me dei conta, eu estava sentado com as mãos no peito e todo cheio de
carvão. Acho que eu mesmo esfreguei a cinza no peito. Na vida eu tinha visto
muitos Kayapó que quando não se veem há muito tempo, se emocionam de-
mais, pegam o facão e batem na cabeça, se cobrem todos de sangue, e passam
carvão e cinzas no corpo todo. Eu não sabia que tinha incorporado isso.

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“O que poderia ter sido feito e não foi nesse caso?”, indaguei a Possuelo.

Nada. Simplesmente, o povo indígena que está sofrendo não sabe a virulên-
cia da doença que pegou. […]. A grande frustração minha é que eu estava com
os antibióticos, eu estava com todas as coisas, absolutamente preparado, e aí
você vê como são as coisas com os povos isolados. Eu tinha tudo para ajudar,
mas não tinha a cooperação deles. Eles não sabem do perigo que estão corren-
do. […] Aquele foi um dia de profunda tristeza. Eu passei outras coisas difíceis,
mas em matéria de tristeza… Aquele foi um dia terrível.44

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23. LEVANTE

na semana do índio de 1980, em abril, diversos caciques de Mato Grosso do Sul se


reuniram no Teatro Glauce Rocha, em Campo Grande, no i Seminário Sul-Mato-Gros-
sense de Estudos Indigenistas, tendo como convidados Darcy Ribeiro e o escritor
Affonso Romano de Sant’Anna, entre outros. Eram 27 os índios da mesa diretora, dentre
os quais Marçal de Souza, o Guarani que se recusava “a ficar quieto”, e o Xavante Mário
Juruna, escolhido como coordenador do evento.1
A reunião tinha o apoio do Cimi, já com mais de seis anos de experiência nas
reuniões e assembleias indígenas nas aldeias. O governo estadual e a própria Funai
apoiaram o encontro, no que parece ter sido um tiro no pé. Segundo declarou depois o
agrônomo Áureo Brianesi, que atuava na área indígena de Dourados, a fundação preten-
dia “encampar o movimento indígena no estado para esvaziá-lo; mas os índios fizeram
oito reuniões prévias e o tiro saiu pela culatra”.2
No discurso de abertura do evento, Juruna reclamou da ausência de repre-
sentante da Funai. Um homem que estava na plateia então se apresentou como en-
viado do órgão e disse que falava em nome do delegado regional, que teria saído em
viagem. Juruna conclamou os outros índios a não se calarem: “Vamos discutir mais
verdade, não pode guardar segredo porque homem que fala verdade não pode ter medo
da Funai”.
Marçal foi interrompido por palmas algumas vezes durante seu discurso. Ele
denunciou que os índios eram muitas vezes proibidos de falar com o delegado regional
da Funai na capital ou com o órgão em Brasília.

Há cinco anos que o povo kaiowá de Dourados está suportando a lei da caceta-
da, a lei do fio elétrico, a lei do cano. […] O índio aculturado, aquele que tem um
pouco de desenvolvimento, o encarregado [da Funai] não consulta, porque ele
está vendo. Ele sabe, é ou não é?

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Marçal pediu à Funai a liberdade de fazer reuniões com caciques de todo o país
e de participar de seminários ou congressos: “Tenhamos o direito de organizar, aprovei-
tar aqueles elementos que amam os seus irmãos. […] O nosso caso jamais um branco en-
tenderá. O sofrimento moral espiritual do índio”. 3
Ao fim da reunião, foi definida uma comissão de dezesseis caciques para a fun-
dação do que se chamou a princípio de “Irmandade Indígena”.4 Ao mesmo tempo, o futu-
ro líder indígena Marcos Terena, que estudava em Brasília com outros índios de diversas
partes do país com auxílio da Funai, havia criado a União das Nações Indígenas (Unind),
cujo primeiro presidente era seu tio, o terena Domingos Veríssimo Marcos. Nascido na
aldeia Bananal, perto do posto indígena Taunay, Domingos era subtenente da reserva do
Exército. Depois de quase trinta anos na carreira militar, em 1979 ele retornou ao local
onde nasceu e passou a disputar a função de “capitão” da aldeia com o Terena Tibúrcio
Francisco, o que gerou uma divisão e grande tensão na área, com “agressões corporais e
ameaças de morte de ambas as partes”.5
O Cimi recebeu recursos para auxiliar a criação da nova entidade indígena.
Missionário leigo do Cimi de Minas Gerais desde 1977, Fábio Martins Villas acompanhou
as negociações em torno tanto da Unind quanto da “Irmandade”. Segundo ele, o secre-
tário do Cimi, Antônio Brand, ficou em dúvida sobre qual das duas deveria apoiar. O im-
passe foi resolvido em uma reunião em São Paulo, na qual Brand disse que não se podia
“ficar brigando”.6
A saída foi a unificação das entidades, sacramentada em junho de 1980. A nova
organização ficou com a sigla Unind, tendo Domingos como presidente provisório.7 O
vice-presidente era Marçal e os outros quatro secretários e tesoureiros eram todos Te-
rena. A sigla foi enfim alterada para uni, União das Nações Indígenas, em abril de 1981.
O estatuto dizia que a uni não tinha fins lucrativos “nem caráter político-partidário ou
religioso”. Entre seus quatro objetivos estavam a promoção da “inviolabilidade e demar-
cação de suas terras”, o uso “exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades ne-
las existentes” e a assessoria a indígenas e suas comunidades “no reconhecimento de
seus direitos”. A entidade previa a realização de assembleias gerais com representantes
de cada comunidade filiada.8
Nesse momento da ditadura, uma organização como a que os índios montaram
estava muito longe de não correr riscos. No mesmo Dia do Índio da reunião de Campo
Grande, por exemplo, agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) pau-
lista prenderam dezessete pessoas ligadas ao movimento grevista dos metalúrgicos da
região do abc Paulista.9
Os documentos sigilosos produzidos pela ditadura mostram que os militares
procuraram controlar e esvaziar a uni. O presidente da Funai na ocasião era o coronel
da reserva do Exército João Carlos Nobre da Veiga, que tomara posse em outubro de 1979,

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após um curto mandato de Adhemar Ribeiro da Silva, sucessor do general Ismarth.
Veiga era assistente de segurança da Docegeo, subsidiária da estatal Companhia Vale do
Rio Doce.10 Ao ser confirmado para o cargo, ele se disse surpreso com a escolha de seu
próprio nome e admitiu que de índio só conhecia “a história do índio gaúcho Sepé Tia-
raju”, líder guarani que viveu no século xviii.11 Veiga traria tantos militares da mesma pa-
tente para dentro da Funai que sua gestão depois ficaria conhecida pelos indigenistas
como “o tempo dos coronéis”.
A Procuradoria Jurídica da Funai concluiu pela “viabilidade legal” da uni, mas
desde que fosse composta “exclusivamente de comunidades indígenas e com a assistência
e sanção do órgão tutelar”. Ou seja, poderia existir desde que sob domínio da Funai. Sema-
nas depois, em Brasília, a Agência Central do sni discordou da Funai, apontando “inconve-
niência e pela inviabilidade legal da criação” da entidade. Até a Presidência da República
entrou na história, optando por não proibir diretamente, mas sim boicotar a uni. 12
Em 24 de novembro de 1980, o ministro-chefe do Gabinete Civil da Presidên-
cia, Golbery do Couto e Silva, um dos protagonistas do golpe de 1964, transmitiu ao mi-
nistro do Interior, Mário Andreazza, “de ordem do sr. presidente da República, orienta-
ção no sentido de que a Funai se abstenha de qualquer providência ou ajuda tendente a
estimular a constituição da entidade”, caso fossem constatadas “inconveniência e invia-
bilidade jurídica da projetada entidade”.13
A ditadura tinha motivos para temer o recrudescimento da organização indí-
gena, que já vinha causando grande incômodo. Na manhã de 5 de maio de 1980, os índios
xavante, fartos de ouvir falar sobre demarcação da terra Pimentel Barbosa, elaboraram
e cumpriram um plano de invasão da sede da Funai em Brasília, no coração do governo.
Um grupo de três dezenas de Xavante foi de ônibus de Barra do Garças (mt) a Goiânia
e de lá para Brasília. Na frente seguiu uma “escolta” de três deputados federais do mdb
e jornalistas, dentre os quais, em seu Fusca, Memélia Moreira, da Folha de S.Paulo, que
havia sido chamada para a missão por um grupo de servidores da própria Funai. Memé-
lia cobriu como poucos jornalistas a questão indígena durante a ditadura. Anos depois,
ela revelou que a viagem dos Xavante foi tramada na casa do antropólogo Cláudio Rome-
ro. “[Ele era] um combatente. Havia outros indigenistas e funcionários na Funai [na reu-
nião]. Conspirávamos.”14
Armados com arcos, flechas e bordunas, os índios seguiram para a sede da Fu-
nai, onde invadiram, já acompanhados de índios de outras etnias, o gabinete do coronel
Nobre da Veiga. Memélia disse ter presenciado o momento em que os Xavante, prestes a
atirar um general, Nestor, pela janela do terceiro andar, foram contidos pelo indigenista
Ezequias Heringer, o Xará. A Polícia Militar cercou o prédio com “dois camburões, duas
patrulhinhas, um caminhão com tropa de choque e uma perua”.15 A invasão, encerrada à
tarde, foi um marco, noticiada em todos os principais jornais do dia seguinte.

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***

Era grande a agitação também entre os Kayapó de Mato Grosso, como consequência,
de novo, das frentes de expansão estimuladas pela ditadura. Sobrinho de Raoni, Me-
garon Txucarramãe nasceu no início dos anos 1950 na região onde hoje se situa a cida-
de de Luciara (mt). Em 1953 houve o primeiro contato de sua etnia com os irmãos Villas
Bôas. Megaron recorda que na sequência ocorreram epidemias que mataram “muitos”
Kayapó. Após a criação do Parque do Xingu, os Villas Bôas levaram os Kayapó para a
margem esquerda do Xingu. Nos anos 1970, os sertanistas anunciaram aos índios que
haviam sido enganados pelos militares e que a estrada br-080 iria cortar o parque, ao
contrário do planejado. Quando as obras chegaram à beira do Xingu, os Kayapó se de-
ram conta de que o traçado passaria a apenas dez quilômetros de onde viviam. Segundo
Megaron, um grupo liderado por seu pai, Kopre, chegou a rumar por uma picada para
massacrar os trabalhadores, mas foi impedido pelo irmão, Raoni. Kopre morreu um ano
depois, disse Megaron, e a obra cortou o parque.16 Entre 1974 e 1975, um novo surto de
sarampo voltou a matar.

Nessa morreu um tio meu, Yamatu. A Funai removeu bastante indígena para
a aldeia do Bananal e a doença também pegou outra aldeia, do meu tio Raoni,
Cretire, onde morreu também bastante indígena. Sarampo pegou muitos e até
eu peguei. Eu não sei como eu não morri.

Em junho de 1980, os Kayapó e o comando do Parque do Xingu começaram a


advertir fazendeiros do entorno para que parassem com desmatamentos, depois que
Raoni e um funcionário da Funai encontraram catorze peões derrubando cerca de dez
hectares a apenas cinco quilômetros da beira do Xingu. Raoni e o presidente do órgão,
Nobre da Veiga, assinaram um termo pelo qual o governo “se comprometia a estudar a
possibilidade de aumentar a área indígena Jarina”.17
Em agosto, Megaron e Raoni estavam fora da aldeia Cretire quando um grupo
de Kayapó descobriu que uma fazenda da região, a São Luís, havia iniciado um desma-
tamento com uma turma de trabalhadores. Os índios cercaram os peões e passaram a
agredi-los. Segundo a versão de Megaron, a ideia inicial não era matar, mas a ação saiu
do controle. “Um guerreiro falou assim: ‘Vamos matar eles’. Ele disse que se só batessem,
os brancos iam voltar de novo. Aí mataram onze. Um índio também morreu.”
Os peões foram mortos a golpes de borduna. A chacina, noticiada pela impren-
sa, teve grande repercussão. O dono da fazenda, Luiz Carlos da Silva Lima, exibiu à im-
prensa “um documento da Funai assinado pelo ex-presidente do órgão”, Bandeira de
Mello, que atestaria que a propriedade, de 2420 hectares, “lhe pertencia desde 1968”.

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Um sobrevivente, Terto José da Cruz, disse que os trabalhadores não reagiram ao ata-
que dos índios e estavam desarmados, “principalmente porque tínhamos recebido or-
dens para não brigar com ninguém”. Para O Globo, Raoni advertiu que “guerreiros mata-
rão todos os brancos que continuarem entrando nas terras”.18
Quatro anos depois, o cacique Raoni puxou a orelha do ministro Andreazza na
frente de jornalistas, ao cobrar o cumprimento de promessas feitas aos Kayapó, incluin-
do Jarina. “Ele disse que o ministro tinha que ouvir mais os índios”, afirmou Megaron.

A violência voltou a irromper apenas um mês depois do massacre da fazenda São Luís.
Na época, Benigno Pessoa Marques, o indigenista da Funai que havia trabalhado no
contato com os Arara, trabalhava com os Kayapó de Gorotire, no sul do estado do Pará,
perto do município de Redenção. Ao chegar à região, ele encontrou intensas ativida-
des de fazendas e garimpos perto da área indígena, o que levava “os índios a baterem
de frente” com os “civilizados”. Os índios denunciaram que muitas fazendas estavam
invadindo a área que havia sido demarcada ainda na época do spi. Benigno apareceu
nesse contexto explosivo.
“Eu fui usado pela Funai. ‘O problema está lá, então manda o Benigno para lá.’
O negócio veio espoucar na minha mão, mas aquilo já tinha sido criado há muito tem-
po.”19 Benigno descobriu que, poucas semanas antes, um funcionário da entidade quase
havia sido massacrado pelos índios, que reclamavam da lentidão do órgão na solução do
problema. O indigenista pediu a Brasília que enviasse um topógrafo e um antropólogo
para produzir um laudo com vistas a uma nova demarcação que abarcasse locais reivin-
dicados pelos índios. Também fez expedições de reconhecimento em companhia dos
índios, nas quais costumava encontrar trabalhadores e mais desmatamento. Pelo me-
nos duas vezes, disse Benigno, ele conseguiu demover os índios da ideia de uma chaci-
na, salvando a vida dos trabalhadores.
Em setembro, os índios receberam a informação de que a área seria invadida
por um grupo de desmatadores. Organizaram então uma expedição para checar a his-
tória e saíram em caminhada. Benigno, que ficou no posto da Funai, disse ter recebido
a garantia dos líderes de que eles apenas iriam fazer advertências, a exemplo de episó-
dios anteriores. Após dois dias de viagem até o limite da área, os Kayapó concluíram que
o informante, um índio, havia mentido, não encontraram nenhuma invasão. Pressiona-
do, ele transferiu a responsabilidade pelo erro a um “civilizado” que morava no limite da
terra indígena. Todos foram até lá, mas o homem não foi encontrado. Depois Benigno
concluiu que o homem havia inventado a história para se passar por amigo dos índios.
Os Kayapó, contudo, ficaram furiosos com a longa e inútil caminhada.
A partir daqui, Benigno narra a versão que ouviu dos vários índios que partici-

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param da expedição. Eles decidiram seguir até a fazenda Espadilha, no limite da terra
indígena, onde trabalhava um genro daquele homem que procuravam. O gerente da Es-
padilha, novo na região, havia acabado de assumir a propriedade e seus familiares não
sabiam exatamente como se relacionar com os índios. Por outro lado, os índios tam-
bém não sabiam que a fazenda havia sido vendida. Eles tinham um bom relacionamen-
to com o proprietário anterior. Antes, quando chegavam em visita, costumavam entrar
aos gritos e sem pedir licença, onde eram recebidos até com almoço. Repetiram o ges-
to, mas dessa vez havia um homem armado com uma espingarda, que tentou impedi-
-los de entrar. Ao ver a cena, o gerente da Espadilha intercedeu e pediu que o homem
deixasse livre a entrada. Mas o clima ficou tenso. Dentro da fazenda, os índios manifes-
tavam sua contrariedade com a recepção. Disseram que iriam dar “um castigo” no se-
gurança, que seria apenas cortar os seus cabelos, gesto que para os Kayapó configura
uma humilhação. O gerente viu uma saída para descontrair o ambiente: pediu que os
índios cortassem também seu próprio cabelo, pois estava precisando mesmo. Ele sen-
tou-se e os índios começaram o trabalho. Nesse momento, uma das filhas adolescentes
do fazendeiro, que estava no quarto e não ouviu as tratativas, entrou na sala e, ao ver os
índios com facas e facões cercando seu pai, rendido numa cadeira, teria entendido que
ele estava sendo assassinado. No desespero, pegou um instrumento de corte que esta-
va à mão e investiu contra um dos índios, ferindo-o na barriga. Seguiu-se um banho de
sangue. Os índios massacraram a golpes de borduna e facão dezessete pessoas — todos
os seguranças e os membros da família que estavam na fazenda, incluindo três crian-
ças e três mulheres.20
Dias depois, os índios enfim retornaram ao posto da Funai. Benigno já havia
sido alertado por Brasília e foi cobrar satisfações do cacique Kanhú, que os “civilizados”
chamavam de “Canhoto”. “Aí ele chorou. Botou a mão na cabeça e ficava chorando, cho-
rando. Ele dizia: ‘Ninguém me ouviu. Eu fiquei para trás e o pessoal foi e fez, e ninguém
me ouviu’. Por que fizeram aquilo? Não tinha nenhuma necessidade.”

As chacinas nas fazendas São Luís e Espadilha e a invasão da Funai em Brasília, tudo
ocorrido em menos de seis meses, devem ter pesado na decisão do governo de esvaziar a
nova entidade dos índios, a uni. Sem ajuda financeira do governo, a uni teve problemas
para organizar a sua primeira assembleia geral, programada para abril de 1981 em Aqui-
dauana (ms). Para cobrir as despesas, o líder Domingos solicitou ajuda da entidade ale-
mã Misereor, obra episcopal da Igreja católica da Alemanha fundada nos anos 1950, mas
o repasse dos recursos não foi possível porque a uni, do ponto de vista legal, não existia.
O encontro teve de ser adiado, e a ditadura comemorou: “Por falta de condições legais e
de recursos, a referida sociedade tende a extinguir-se”.21

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A uni de fato começou a murchar. Mas não apenas pela falta de verbas, como
lembrou Fábio Villas, do Cimi.

Começou-se a construir pelo telhado. Faltava base. Houve uma tentativa de re-
gionalização, o Cimi organizou encontros, cursos para os índios, e começou a or-
ganizar e entregar para a uni, “Olha, agora vocês vão dar conta”, e o Cimi sempre
acompanhando. Houve um enorme seminário em Brasília, foram escolhidos re-
presentantes da uni nas várias regiões. E também foi de cima para baixo, não foi
a comunidade, o povo da região, que elegeu. Tinha esse problema de represen-
tação. As pessoas que iam para esses encontros nem sempre eram as principais
lideranças, às vezes era aquele que falava melhor o português, ou o mais saidi-
nho. E aí então tentou-se funcionar mas não deu certo, não foi para a frente. Era
representante da uni, mas o povo mesmo não reconhecia como representante.
Essa ligação entre a base, os povos, e a uni sempre foi problemática.22

Havia outro motivo para a desmobilização inicial dos índios. Entre o final dos anos 1970
e o início dos 1980, o protagonismo dos índios começou a produzir vítimas entre seus lí-
deres, fazendo crescer o grau de tensão. Em abril de 1978, o Apurinã Raimundo Pereira
da Silva foi assassinado por um cabo da Polícia Militar de Boca do Acre, no Amazonas,
ao tentar socorrer um irmão de treze anos que estava sendo agredido por policiais. Em
26 de dezembro de 1979, o cacique pankararé Ângelo Pereira Xavier foi morto a tiros em
Brejo do Burgo, na Bahia, ao resistir à invasão de terras indígenas e à “repressão policial
às manifestações culturais do povo pankararé”.23
Poucos dias depois, em janeiro de 1980, o noticiário se voltou para o cacique Ân-
gelo Kretã, da aldeia Mangueirinha, no Paraná. Ele desempenhava um papel proeminente
e destemido na organização dos índios kaingangue, além de ser vereador pelo antigo mdb.
Em 1977, um “analista” do braço do sni no Ministério do Interior foi averiguar as denún-
cias feitas por vários índios e pelo Cimi contra o delegado regional da Funai de Curitiba,
Francisco Neves Brasileiro. Kretã disse que o índio era explorado e enfrentava enorme di-
ficuldade para a produção agrícola, pois não havia combustível para as máquinas. Relatou
que o chefe de um posto da Funai vizinho o ameaçara de prisão porque “procura brigar a
respeito da minha gente aqui”. O principal problema era a frágil posse da terra, disputada
com a madeireira F. Slaviero, que segundo o Cimi havia se apossado de 3,8 mil hectares de
terra indígena em rica mata de araucária e madeira de lei. Kretã avisou:

Essa área, por direito, ela é nossa, é nossa. Eu nasci aqui e me criei aqui, é nos-
so e não adianta o Slaviero querer dizer que é dele. Inclusive eu fui tirado de lá

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e logo que eu saí, eles botaram fogo no meu rancho lá dentro da fazenda. […]
Eu venho brigando por isso, inclusive até me bateram em índio ali dentro des-
sa área porque disse que é deles. […] Deram com facão nas costas do índios, ti-
nha até sinal no lombo do índio.24

Isaac Bavaresco, o chefe do posto da Funai local, apoiou as denúncias de Kretã


e acrescentou que as três professoras que atendiam os índios eram pagas por prefeitu-
ras da região, com um “salário vexatório”, na prática um “favor para a Funai”. Dos 637 ín-
dios atendidos no posto, 192 tinham menos de cinco anos de idade.
Ouvido na mesma ocasião, o delegado regional admitiu que o apoio da Funai ao
índio estava aquém do necessário. Sobre as terras, Brasileiro informou depois por escri-
to que o órgão disputava com a madeireira F. Slaviero o domínio e a posse da gleba B da
colônia K, em Mangueirinha, por meio de duas ações judiciais, com auxílio do Incra e da
Procuradoria Regional da República.
Em fevereiro de 1978, Kretã anunciou a resistência. Ele queria repetir o feito de
dois anos antes, quando os índios expulsaram invasores da terra de Rio das Cobras. A
uma tv do Paraná, o cacique contou que sua ação começou quando reuniu dezessete ín-
dios, armados com facões e flechas, arrombou o paiol de uma fazenda e esparramou a
produção no chão. Fez o mesmo com diversos outros ranchos. Ao fim de duas semanas,
disse Kretã, os índios haviam expulsado “170 intrusos”. Em Mangueirinha, prometia ele,
a história seria a mesma.

Quem se considera dono daquilo ali é os Slaviero, mas o dono mesmo é nóis, ín-
dio aqui de Mangueirinha. Nós vamos avançar lá e vamos tomar aquilo. E como
aquilo é a nossa terra, assim como nós conseguimos ganhar aquela questão lá
do Rio das Cobra, perigosamente, nós ganhamos essa aqui muito fácil.25

Bavaresco e Kretã começaram a receber ameaças de morte.26 Em janeiro de 1980, Kre-


tã andava com a escolta de soldados da Polícia Militar — o que não impediu o pior.27 No
dia 23 daquele mês, ele sofreu um acidente de carro perto de sua aldeia e quebrou “um
braço, as pernas e várias costelas”. Morreu seis dias depois, em virtude dos ferimentos,
na Policlínica de Pato Branco, oeste do Paraná. A Comissão Pró-Índio paulista disse que
houve “um atentado” que obrigou Kretã a desviar o carro que dirigia e bater de frente
contra uma carreta.28 No dia seguinte à morte, o coronel Nobre da Veiga, da Funai, disse
ter recebido “os laudos periciais da polícia de Pato Branco” e afirmou que “até prova em
contrário”, Kretã morrera num acidente rodoviário.
A Funai divulgou que um Fusca azul ocupado por quatro homens, que Kretã re-

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conheceu como adversários dos índios na região, estava parado na pista na saída da ci-
dade no momento em que Kretã deixava Pato Branco em um Fusca vermelho, tendo ao
seu lado um soldado da pm. Ao ver o carro parado na pista, o cacique decidiu voltar para
“buscar reforço policial” e, nesse momento, foi atingido de frente por uma carreta que
tentou desviar do carro estacionado.29
Bavaresco narrou à tv Globo que conversou com o motorista da carreta logo
depois do acidente. Disse que ele contou, “na presença de várias pessoas”, que quatro
homens estavam parados ao lado do Fusca azul na estrada. Depois do acidente, eles se
aproximaram, mas recuaram ao ver um policial. “Eles então se evadiram, desceram um
barranco, tudo de revólver na mão.”
José Carlos Leal, delegado da Funai, disse haver “indícios bastante claros de
que aconteceria uma emboscada no horário em que houve o acidente”. Localizados de-
pois pela polícia, os homens do Fusca azul disseram ter estacionado o carro por proble-
mas mecânicos, mas o tenente da pm Sílvio Mozalatti informou que o carro não tinha
nenhum problema e foi trazido até o destacamento “rodando, funcionando”.30
O caso foi oficialmente encerrado pela polícia do Paraná como acidente de
trânsito. Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade afirmou em seu relatório final que
Kretã foi “assassinado”, sem, contudo, apresentar prova inequívoca que ampare essa
afirmação. Trata-se de uma conclusão precária à luz das provas, que, contudo, não re-
duz as suspeitas sobre a morte, embora vá ao encontro das conclusões da família. O
Kaingangue Romancio Kretã, que tinha sete anos quando o pai morreu, disse que a mera
presença de um veículo naquele ponto da estrada pôs em risco os motoristas e foi deter-
minante para a morte dele.

Da maneira que foi feita as coisas, como foi investigado, tudo levou para que
fosse um assassinato. E mesmo que a pessoa tivesse por acaso parado o carro
ali, ela também está cometendo um crime, porque ali era estrada federal, com
curva, tem um risco muito grande de a pessoa que está vindo bater de frente
com o outro carro. De qualquer maneira, foi um crime. Para mim, não tenho
dúvida de que foi assassinato.31

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24. A SOCIEDADE

no mesmo abril de 1980 que marcou o início da uni, um grupo de servidores da Fu-
nai esticou a cabeça para fora. Em uma entrevista publicada pelo Jornal de Brasília, o
chefe da ajudância do órgão em Barra do Corda (ma), José Porfírio Fontenele de Carva-
lho, anunciou a criação de uma certa Sociedade Brasileira de Indigenistas (sbi), com a
divulgação de seu “primeiro documento” com uma série de críticas à política indige-
nista oficial. A entidade teria sido criada em fevereiro e já contava com “oitenta sócios,
todos funcionários da Funai com experiência no campo”. Seis dias depois, a direção
da Funai cobrou explicações de Carvalho.1 A resposta foi uma provocação. O indige-
nista escreveu que, como o ofício da Funai falava no “servidor” Carvalho, ficou “preju-
dicada” a sua resposta. Explicou que tinha dado a entrevista em nome da sbi, “não era
nenhum pronunciamento de servidores da Funai”.2 Com a sbi, o numeroso grupo de
servidores da Funai recorria enfim à mesma estratégia de confrontação adotada pelo
menos sete anos antes pelo Cimi — entidade tão criticada pelos servidores na época
de sua criação.
As divergências entre indigenistas e militares eram muitas no começo da dé-
cada de 1980. Anos depois, Carvalho se disse negativamente impressionado com o com-
portamento de alguns dos principais militares que comandavam a Funai. Do general
Antônio Esteves Coutinho, chefe em Manaus, ele se recorda do autoritarismo e da “pou-
ca importância” que dava ao índio na região.3 As memórias sobre o general Bandeira
de Mello são mais extravagantes. Segundo Carvalho, de tempos em tempos, quando se
aproximava um final de semana, o general passava um radiograma com ordem de que
Carvalho reservasse dois apartamentos conjugados em hotel flutuante em Manaus, às
custas da Funai, para ele e sua secretária. Como o general trabalhava “muito durante as
noites e precisava de uma assessoria”, os quartos tinham que ter uma porta interna de
comunicação. Carvalho também era orientado a pedir ao governador do Amazonas que
pusesse uma lancha à disposição do general, pois durante o dia ele tinha que fazer “re-
conhecimentos da área”. A lancha vinha abastecida com bebidas.

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***

A Funai foi informada a respeito da criação da sbi em 2 de março de 1980,


quando uma “comissão provisória” da entidade enviou uma carta ao órgão para pedir
uma discussão mais aprofundada sobre “os critérios de abordagem do problema socio-
político que se constituiu a terra indígena”. Assinou pela comissão aquele antropólo-
go que havia tramado a invasão dos Xavante na Funai. Nascido em Piracicaba, interior
de São Paulo, Cláudio dos Santos Romero era filho de um ferroviário e de uma dona de
casa. Em 1971, passou no vestibular para a faculdade de ciências sociais de Rio Claro.
Alguns dos mais destacados antropólogos da época lá lecionavam, como Carlos Araújo
Moreira Neto, Carmen Junqueira e Fernando Altenfelder. Romero disse ter lido, duran-
te o curso, “muita coisa de marxismo, socialismo, era completamente contra a ditadura
militar e participava do movimento de jovens da Igreja católica”.4
Romero aproximou-se do professor Moreira Neto, um militante do Partido
Comunista, profundo conhecedor do tema indígena, que havia vivido entre os Kayapó
e escrito obras de referência. Os pronunciamentos do professor em defesa do índio
impressionavam Romero. Moreira Neto disse que os índios precisavam da ajuda de
pessoas como seu aluno. Romero, porém, ainda não se dizia convencido. Ele indagou
ao professor se o número de índios no país, que seria de 120 mil, não era muito pe-
queno para justificar uma dedicação de tantas aulas e horas de estudo, consideran-
do que nas cidades havia muitos operários sendo presos e torturados. Moreira Neto,
disse Romero, chamou-o de “a voz da ignorância”, deu-lhe uma longa aula sobre o ín-
dio no Brasil, que começou na faculdade e terminou em um bar, de madrugada. “Ele
falou da diversidade cultural dos índios, de tudo o que aconteceu, dos massacres, de
como a ditadura estava atropelando esses caras com essas barragens, essas estradas.
Aí o cara me interessou.”
Após formar-se em ciências sociais, Romero foi para Brasília e conseguiu uma
vaga na Funai, a partir de entrevistas e de cartas de apresentação. Entrou no órgão em
abril de 1976. No mês seguinte, foi orientado a se dirigir aos Xavante de Mato Grosso. An-
tes, porém, foi chamado à sala do general Demócrito Soares de Oliveira, coordenador da
Coama. Primeiro o militar reclamou dos cabelos compridos, da calça de barra boca de
sino e do visual desleixado de Romero — “Mais um ‘maconheiro’ que a Funai contrata”,
resmungou. Depois de saber que Romero ia para a região apenas com um revólver de
baixo calibre e cano curto, o general, dizendo-se genuinamente preocupado com a segu-
rança do rapaz, trocou a arma por uma pistola calibre 45. A Funai era capaz de produzir
tal cena: em plena ditadura, um general armando um “comunista”.
Romero viajou para São Marcos, onde funcionava a Missão Salesiana, a cerca
de 125 quilômetros de Barra do Garças (mt).5 Romero encontrou um cenário chocante.

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Numa população total de 854 índios, a taxa de mortalidade infantil era extremamente
alta. Apenas entre 1974 e 1975 haviam morrido 96 crianças com menos de um ano de ida-
de, das quais 37 por sarampo e 41 por “gripe e febre”. Nove outras haviam morrido logo
após o parto. Nos exames das fezes de 79 crianças, apenas sete deram negativo para ver-
mes como lombriga e giárdia. Romero registrou que a “alimentação básica é o arroz, fei-
jão, mandioca e milho, sendo que não notamos nem carne nem peixe na alimentação
nos dias em que permanecemos na área”.6
Depois o antropólogo conheceu todas as áreas xavante de Mato Grosso. Em São
Marcos, ouviu estarrecido a descrição sobre a consequência da epidemia que atingiu os
índios de Marãiwetsede assim que lá chegaram, transferidos em aviões da fab.

O índio Guido me contou que ele e seus irmãos, Pio e Miguel, faziam covas,
abriam e jogavam trinta, quarenta corpos de índios. De noite morriam e de ma-
nhã jogavam em valas comuns. Isso foi em setembro de 1966. Os tratores che-
gavam com as carretas com os corpos e jogavam nas covas. […] Foi uma sacana-
gem o que fizeram com esses índios.

Os Xavante já vinham tomando a iniciativa para retomar suas terras desde,


pelo menos, 1970, quando um grupo de Areões saqueou propriedades vizinhas. O líder
indígena Saamri, com 35 guerreiros, declarou na época que “queimaria as fazendas res-
tantes na área e expulsaria seus residentes”.7
A partir de 1977, Romero e o indigenista Odenir Pinto de Oliveira começaram
a trabalhar com os líderes xavante, dentre os quais Celestino Tsererob’o e Babati, para
a expulsão de fazendeiros e invasores.8 A terra indígena Parabubure foi criada assim,
sob pressão, com uma portaria presidencial assinada em 1979. Em janeiro daquele ano,
um fazendeiro vizinho da área Pimentel Barbosa foi a Brasília para denunciar Romero e
outro servidor da Funai, João Batista Nunes, como responsáveis por “insuflar os índios
contra os fazendeiros”.9
Romero concordou, mais de trinta anos depois:

Foi uma guerrilha. […] Corajoso é uma coisa que não existe. As coisas que eu
fazia era uma total falta de juízo. Eu tenho uma amiga que fala que a coragem
é a falta de noção do perigo. Naquela época eu era louco. Eu achava que estava
tudo errado e partia para cima.

Assim, por tudo que havia visto e ouvido, quando os indigenistas se reuniram em Brasí-
lia para oficialmente fundar a sbi, de 3 a 5 de abril de 1980, Romero tinha muitas críti-

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cas a fazer sobre a política indigenista oficial. Ele foi eleito secretário da entidade. Car-
valho tornou-se o presidente e Odenir Oliveira foi eleito vice-presidente. Esses e outros
nomes ligados à sbi foram de imediato repassados ao sistema de informações da Funai,
a asi, por meio de “uma degravação de fita cassete”.10
Desde o começo a sbi foi acompanhada com lupa pelo serviço de espionagem
da Funai. Um documento sigiloso revela que a reunião de abril, com 36 servidores, foi
toda acompanhada por um “informante”, identificado em documento como sendo nin-
guém menos que um dos eleitos para a diretoria da entidade, no cargo de suplente de
tesoureiro, o então diretor do Parque Indígena do Xingu Francisco de Assis da Silva. No
dia 19 de maio, Silva renunciou ao cargo na sbi.11
No encontro, os indigenistas fizeram relatos da situação da área em que cada
um atuava. Trata-se de um rico panorama produzido pelos principais servidores da Fu-
nai que viviam na ponta do sistema, em contato direto com a realidade dos índios.
Na área xerente, além da falta de demarcação de terras estava havendo “mas-
sacre de Tocantínia, que os posseiros e fazendeiros fazem aos índios”. Antônio Pereira
Neto, administrador do Parque do Araguaia, “falou que não há segurança. Ele contou
que um dia eles iam atravessando de balsa no rio Tocantins e foram baleados, balearam
a balsa e ele se arriscou, correu perigo de vida, de morrer ali naquela hora”.
José Victor Santana, do posto Andirá, no Amazonas, contou que a Petrobras,
estatal do governo federal, era o mais novo problema na região, pois “houve uma explo-
ração no rio lá e matou muitos peixes”. Ronaldo Oliveira, que atuava na área dos índios
apurinã, contou o longo processo de atrito entre posseiros e índios pela posse da terra e
que “existe uma grande pressão política em cima daqueles índios”.
Segundo Ronaldo, um grupo de índios foi abordado por uma equipe da Polícia
Federal, que, a partir de determinadas perguntas esdrúxulas — se comiam com colher
e garfo, por exemplo —, afirmou que eles “não eram mais índios” e ordenou que saíssem
de imediato da região, sob pena de prisão. Os índios resistiram. Após uma reunião em
Brasília e um acordo frustrado, dois índios apurinã tentaram retornar a Brasília para fa-
lar com a direção da Funai, mas foram “retirados do avião pela pf”. Ronaldo disse que “o
índio sabe o que quer, o índio conhece seus direitos e o índio não vai calar porque o ín-
dio não tem medo de matar e nem tem medo de morrer”.
Ao comentar a situação dos índios krenak, Cláudio Romero disse que “a cúpula
da Funai é terrível e sutil”. Certa vez, contou ele, o presidente do órgão lhe ordenou que
se dirigisse com “vinte índios” até a casa de um posseiro para receber as próprias medi-
ções das terras que ele alegava possuir. O antropólogo disse que não havia nenhum apa-
relho de medição e que a Funai teria que confiar na palavra do posseiro.
Odenir, que atuava entre os Xavante, descreveu uma intensa campanha difa-
matória na região de Barra do Garças. Os políticos andavam “pelas ruas em caminhões,

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carros com alto-falantes, metendo o pau na Funai, no índio, dizendo que a Funai quer fa-
zer daquele lugar uma reserva indígena”. Carvalho confirmou que episódios semelhan-
tes ocorriam em Barra do Corda. Ele sugeriu que a sbi desse “um basta” nos problemas,
que se dedicasse a produzir um documento para o presidente da República para “de-
nunciar a cúpula da Funai”. Franklin Roosevelt de Góes da Silva, um médico, sugeriu um
pedido de demissão em massa.
Uma servidora que trabalhava com os Yanomami contou que “há anos” pediu re-
médios para a região, mas “nada foi feito”. Assim, ela recorreu “à Dinamarca e à Noruega”,
que lhe deram “30 mil dólares para fazer vacinas”. Franklin revelou que muitos de seus
colegas médicos “raramente aparecem nos hospitais” e por isso deveriam ser demitidos.
Um participante do encontro, identificado apenas como Fernando (possivel-
mente Schiavini de Castro), contou mais um caso chocante da falta de atendimento de
saúde. Ele relatou ter ido “buscar um médico” para examinar um índio doente. O médi-
co, porém, disse que o paciente estava apenas com fome e recomendou que lhe fossem
dadas bananas. No dia seguinte, o índio morreu. “Fernando no dia seguinte pagou um
avião com seu próprio dinheiro e foi lá matar o médico, porque não entendia como é que
ele não havia atendido o índio.” Não ficou claro o desfecho do episódio.
Foram tantas as histórias registradas pelo esquema de espionagem da Funai
que uma análise isenta só poderia concluir que as razões da insatisfação dos servidores
do órgão tinham tudo a ver com a situação precária dos índios, algo muito distante de
uma armação política. Mas a ditadura carregou nas tintas contra a sbi.

A primeira séria crise enfrentada pela nova entidade teve como origem a região de di-
visa entre Acre e Amazonas. O antropólogo Terri Valle de Aquino chegou pela primeira
vez à terra onde viviam os índios kaxinawá ainda como estudante da UnB, em 1975. No
ano seguinte, Terri se aliou ao líder indígena Alfredo Sueiro e conseguiu furar o esque-
ma de atravessadores que adquiriam o látex produzido pelas comunidades indígenas da
região, o que provocava “sérios conflitos” entre índios e seringueiros. Em 1977, foi con-
tratado pela Funai como prestador de serviços e, em 1978, credenciado por uma secre-
taria do governo do Acre, ocasião em que se insurgiu contra “o encarregado do projeto
de construção de uma pista de pouso”, feita com mão de obra indígena. “A discussão gi-
rou em torno do preço da diária paga aos trabalhadores, que o antropólogo considerou
injusto.” Seringalistas pressionaram o governo local, que retirou a credencial de Terri.
Em novembro do mesmo ano, a chefia da ajudância da Funai no Acre “retirou e proibiu”
Terri de ingressar na área. No ano seguinte, o presidente da Funai mandou que ele fos-
se retirado da região.12
Documentos confidenciais da época demonstram os bastidores da persegui-

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ção a Terri. Segundo esses papéis, em 1978 o senador Altevir Leal, da governista Arena
do Acre, declarou ao indigenista José Carlos dos Reis Meirelles Júnior, chefe de um pos-
to indígena da Funai, que havia estado com o general Ismarth em Brasília, “de quem era
amigo pessoal”, e recomendado que o órgão desligasse Terri da região, sob a alegação de
que ele estava vendendo borracha dos índios, o que a Funai na região sabia ser uma in-
verdade. O chefe da Ajudância do Acre na ocasião, Antônio Pereira Neto, tentou reverter
a decisão de Ismarth com uma informação crucial: “O senador Altevir Leal é atualmente
o maior seringalista de Tarauacá”.13
O sertanista explicou que Terri e os índios haviam conseguido “furar um blo-
queio” estabelecido por seringalistas na foz do rio Jordão, o que os levou a passar qua-
se uma tonelada de borracha “a preços muito mais compensadores”. Pereira Neto disse
que Terri “jamais auferiu lucro pessoal nessa história”. Em 1977, os índios tentaram de
novo vender uma carga de borracha, mas ela foi “tomada pelos irmãos Farias”, seringa-
listas poderosos na região.14

Com pós-graduação na usp, a antropóloga Delvair Montagner Melatti trabalhou por qua-
tro anos na Funai e realizou pesquisas de campo em várias terras indígenas.15 No fi-
nal dos anos 1970, ela esteve em contato com índios que habitavam uma extensa região
nos municípios de Benjamin Constant e Atalaia do Norte, onde também atuava Terri.
As ações da antropóloga enfureceram o chefe da Ajudância do Solimões, Marcos Má-
rio Benn. Delvair foi à prefeitura de Atalaia do Norte para levantar os nomes de todos
os proprietários de terras da região e anunciou que iria “fechar os rios e igarapés, impe-
dindo a entrada de madeireiros e seringueiros”. Ela vasculhou arquivos da Funai local e
“procurou saber se existiam indígenas doentes”. Segundo a sede da entidade, Delvair fez
“comentários pouco recomendáveis com referência à política de atuação da Funai” e de-
dicou-se a “incentivar os habitantes [das áreas indígenas] a tomarem uma posição mais
agressiva” em relação ao órgão. Ao encontrar um índio no rio Ituí, motivou-o a ir até a
ajudância para “botar para quebrar”.16
O poder local se agitou. O prefeito de Atalaia do Norte, Ademir Lucena, procu-
rou um jornal de Manaus para dizer que a Funai cometia “atos arbitrários no que se re-
fere à demarcação de terras com o bloqueio dos rios”.17
Tudo somado, Terri, José Meirelles e Delvair estavam sob a mira do comando
da Funai. Em maio de 1980, a delegacia regional do órgão era chefiada pelo sertanista
Apoena Meireles. Ele enviou a Brasília um telegrama confidencial para dizer que não iria
“tolerar insubordinação de funcionários” e pediu a demissão de Terri, de Meirelles e do
auxiliar Antonio Luiz Batista de Macedo. Apoena argumentou que os três “insistem em
desmoralizar o chefe” da Ajudância do Acre, Benamour Fontes, com “provocações des-

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cabidas e gratuitas”.18 “É intenção desta dr disciplinar a Ajacre dentro das normas e di-
retrizes da Funai, afastando elementos que querem tumultuar a área”, escreveu Apoena.
Meses depois, em resposta a denúncias feitas por Terri à imprensa do Acre,
Apoena enviou uma carta a um jornal local para dizer que a Funai estava tentando im-
plantar “projetos econômicos em todos os postos” para ajudar os índios do Acre, “que por
muito tempo estiveram entregues a homens como Terri de Aquino e outros que nada fi-
zeram para mudar a situação”. Apoena escreveu ainda que a realidade do índio brasileiro
“não pode ser vista da maneira romântica e utópica como o é por alguns grupos”.19
No dia 28 de maio, o coronel Nobre da Veiga dispensou José Meirelles do em-
prego de técnico de indigenismo e da chefia do posto indígena que dirigia no Acre ha-
via quatro anos.20

Ao mesmo tempo, em Brasília, o procurador-geral da Funai, Afonso Augusto de Morais,


opinou, após analisar o estatuto da sbi, pela “incompatibilidade do servidor da Funai
integrar a sociedade”, pois estaria ferindo “princípios basilares da doutrina trabalhis-
ta”. Segundo ele, havia “um conflito de situações — os fundadores da sociedade, os seus
dirigentes são, a um só tempo, assalariados da Funai e seus críticos, seus julgadores”.21
Nobre da Veiga informou à direção da sbi que a nova entidade não teria sua
“aprovação e aceitação”, mas alegou que não pretendia obstar a criação de algo parecido,
oferecendo a Funai para ajudar a “elaborar uma minuta de estatuto”.22
O ministro do Interior era o coronel do Exército Mário Andreazza, que tinha subs-
tituído Rangel Reis no ano anterior. Andreazza havia participado da reunião que, em 1968,
decretou o ai-5. Para aprovação inicial dos indigenistas, assim que tomou posse ele confir-
mou que o governo Figueiredo não iria mais executar o plano de emancipação dos índios
tramado pelo ministro anterior.23 No episódio do sbi, porém, Andreazza voltou à mesma li-
nha dura de 1968. O coronel fez uma reunião com o ministro-chefe do sni e com o minis-
tro-chefe do Gabinete Militar, Danilo Venturini, para discutir “os problemas presentemen-
te enfrentados pela Funai”. O medo dos militares ficou patente. Andreazza anunciou que
na reunião foi bolada “uma nova postura” da fundação. O ministério e o sni iriam lançar
“um esquema de segurança a ser acionado pela Funai”, “de preferência com caráter pre-
ventivo”. O ministro anunciou ainda que o órgão iria “exercer ação disciplinadora sobre
as comunidades indígenas”. Também mandou o recado de que não aceitaria as pressões
dos índios e indigenistas que buscavam demarcar por conta própria áreas tradicionais e
expulsar invasores. Ele escreveu que o órgão honraria compromissos assumidos com de-
marcações, mas evitaria “a ampliação indiscriminada e desnecessária dessas reservas”.24

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A sbi reagiu de forma dura à punição contra José Meirelles e outros no Acre e à pres-
são da Funai. Um grupo de nove filiados dirigiu ao presidente da entidade ofícios in-
dividuais pedindo seu imediato desligamento: Romero, Odenir, Oswaldo Cid Nunes da
Cunha, Francisco de Campos Filho, Fernando Schiavini de Castro, Marta Maria Lopes,
Otacílio de Almeida Júnior, Ronaldo Lima de Oliveira e Evangelina de Figueiredo Araú-
jo. Os ofícios diziam que a demissão era “em caráter irrevogável”, por “discordar da polí-
tica indigenista da Funai e em protesto contra a demissão de ‘companheiros indigenis-
tas pertencentes à sbi’”.25
Em seu pedido de demissão, Odenir disse que a Funai vinha procurando de
maneira progressiva implantar na área xavante “um sistema de trabalho alienatório, de
difamação e de desestruturação tribal”.26 Alfinetando os militares, Romero escreveu que
a política oficial “vai contra a tradição indigenista criada por Rondon”.27
Nobre da Veiga aceitou as demissões de Romero e Otacílio em 11 de junho. No
dia seguinte, “por contestação à administração”, resolveu demitir Carvalho “por justa
causa”.28 O coronel se apoiou em novo parecer do procurador Afonso de Morais, que de-
fendeu a justa causa por “ato de indisciplina e insubordinação”. O motivo: um telegrama
que Carvalho enviou à Funai para protestar contra as demissões de Meirelles e outros,
no qual chamou a decisão de “arbitrária, descabida e desrespeitadora”.29
No meio da crise, a sbi fez mais dois ataques à ditadura. A princípio, divulgou
uma das manifestações mais enfáticas contra a Funai registradas ao longo de toda a di-
tadura, uma carta aberta intitulada “Ao povo”, em que denunciou a ação indigenista ofi-
cial como “altamente arbitrária”, em desrespeito à “tradição indigenista brasileira”.

Tal tradição vem descaradamente sendo desrespeitada pela atual cúpula di-
rigente da Funai, para a qual o índio é caso de polícia, subornável e não mere-
cedor de respeito. Responsabilizamos os atuais dirigentes da Funai por essas
práticas, assim como pelo etnocídio e genocídio que no presente executam e
programam, especificamente com os povos apurinã, xavante, guajajara, kre-
nak, nambikwara, kaingangue e yanomami. A sbi acusa os dirigentes do órgão
tutelar de não passarem de meros testas de ferro dos grandes grupos econômi-
cos, nacionais ou não.30

O golpe seguinte ocorreu em 16 de junho de 1980, com uma carta de seis pá-
ginas endereçada pela sbi ao ministro Andreazza, com cópias aos presidentes do Se-
nado e da Câmara. Trechos foram amplamente citados em reportagens da impren-
sa. A carta listou dezenove “fatos demonstrativos” de que a legislação indígena estava
sendo desrespeitada pela ditadura. Denunciou “seguidos atos de repressão policial e
ameaças de viva voz aos índios” por Nobre da Veiga; a “ocupação militar do posto in-

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dígena Boca do Acre”, no Amazonas, “por tropas da pm e do Exército, na tentativa uni-
lateral de reprimir anseios da comunidade apurinã”; o “descaso” sobre crimes come-
tidos contra índios kaingangue, guajajara, tikuna e pankararé; a falta de demarcação
de terras nambikwara; a construção de barragens que “devastarão territórios reco-
nhecidamente indígenas”; postos indígenas que nunca foram ativados; e o descum-
primento de lei em relação à demarcação das terras. Por fim, o documento pediu que
a Funai passasse a ser dirigida “por homens públicos de comprovada postura e expe-
riência indigenista” e a reintegração dos servidores “demitidos ou forçados a se de-
mitir” por relações com a sbi.
O comando da Funai respondeu à carta de duas formas. Primeiro, distribuiu
um texto em que contestou todas as dezenove acusações. Em seguida, no dia 1o de julho,
promoveu a demissão coletiva, por “justa causa”, dos 21 servidores que haviam assinado
a carta endereçada a Andreazza. A decisão foi mais uma vez apoiada por um parecer do
procurador Morais. Ele alegou que a sbi não existia nem se poderia chamar de “entidade
sindical”, o que a tornava ilegal à luz da legislação trabalhista, e que as acusações conti-
das na carta constituíam “indisciplina e insubordinação dos empregados”.31
As demissões foram o ápice da crise desencadeada em abril, atingindo então
um total de 34 desligamentos, assim divididos: três servidores “por indisciplina”, no
caso do Acre; um, Carvalho, por “contestação à administração”; nove, a pedido, “em ca-
ráter irrevogável”; além dos 21 subscritores da carta. Entre os 34 excluídos, havia cator-
ze antropólogos e onze técnicos indigenistas.32
Andreazza disse pela imprensa que apoiava as decisões do coronel Nobre da
33
Veiga. Mas a Funai ainda não estava contente e tentou ampliar o expurgo. Em agosto, o
coronel Ivan Zanoni Hausen distribuiu um expediente aos servidores do órgão para sa-
ber a opinião de cada um sobre a carta aberta da sbi. Para a diretoria da entidade, a in-
tenção do coronel era “identificar os sócios da sbi […] para persegui-los funcionalmente,
dificultando assim a consecução de um indigenismo honesto e coerente”.34
A ira da cúpula da Funai voltou-se também contra outro foco de incômodo,
um grupo de servidores do Museu do Índio, no Rio, órgão vinculado à fundação. Quan-
do estourou a polêmica sobre a emancipação do índio, dois anos antes, servidores do
museu, com alunos e professores de antropologia e pesquisadores do Museu Nacio-
nal, haviam criado a Comissão Pró-Índio do Rio, que organizou atos e palestras contra
os planos da ditadura.
O primeiro presidente da comissão foi Carlos Augusto da Rocha Freire, lotado
no museu. Ele chegara ao órgão na segunda metade dos anos 1970, a fim de ajudar, com
uma dezena de pessoas, em um trabalho de coleta e catalogação de documentos refe-
rentes à história do spi que estavam espalhados pelos prédios da Funai no país afora.
O esforço foi liderado pelo antropólogo Carlos Araújo Moreira Neto, o mesmo que havia

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inspirado Cláudio Romero a entrar na Funai. Então estudante de ciências sociais, Rocha
Freire ficou impressionado com o conteúdo dos documentos.

Levou-me a ter uma consciência dessa história como se fosse uma história
oculta do Brasil, porque eu estava tendo acesso a uma documentação primá-
ria de tudo o que ocorria com os índios e que não era usada por antropólogos
e historiadores. E que revelava uma situação de total abandono, uma desgraça
total, epidemias, conflitos, uma série de coisas, e fazia um perfil de como era a
assistência do Estado.35

Com a onda de demissões do pessoal ligado à sbi, a cúpula da Funai aproveitou


para fazer um ataque também aos quadros do museu. Em julho de 1980, os dez contra-
tos de prestação de serviço entre o órgão e o pessoal da documentação não foram reno-
vados. “Foi fechado o setor de documentação e fomos todos afastados. Cada um seguiu
um rumo, alguns voltaram a estudar, outros foram trabalhar com pesquisas avulsas. […]
Foi uma diáspora, uma debandada geral”, disse Rocha Freire.
Com medo de que a documentação histórica fosse extraviada ou destruída,
Moreira Neto correu ao museu para dirigi-lo em caráter temporário, até que a situação
política na Funai se normalizasse. O centro de documentação ficou um ano fechado.

As demissões criaram uma situação difícil para muitos dos 34 servidores da Funai. Eles
se viram impedidos de continuar realizando o trabalho com grupos indígenas com os
quais tinham convivido por anos a fio. Sentiam-se, em maior ou menor grau, corres-
ponsáveis pelo destino daquelas comunidades. Alguns quiseram voltar aos quadros da
fundação. Ao perceber essa intenção, o coronel Zanoni fez uma exigência cruel: o inte-
ressado deveria redigir uma carta “pessoal, individual, e de preferência com palavras
próprias”, na qual “necessariamente deveria haver uma declaração de arrependimen-
to pelo ato praticado”.
A exigência lembra o que a ditadura promoveu com o estudante secundarista
Massafumi Yoshinaga que, preso pela Operação Bandeirante (Oban), foi levado a divul-
gar uma carta aberta “dirigida aos jovens”, em julho de 1970, na qual elogiou os feitos do
governo e se disse arrependido de ter buscado a luta armada. Solto dias depois, Yoshi-
naga enfrentou distúrbios mentais e acabou se matando em 1976, enforcado com uma
mangueira no apartamento que dividia com pai e irmãos.36
Doze processos foram abertos na Funai para a tentativa de readmissão, mas
apenas duas antropólogas, segundo o parecer de Zanoni, deveriam ser readmitidas. Elas
“aceitaram a punição por confessarem-se culpadas”, “tiveram a coragem pública de re-

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tratarem-se por escrito […], confirmando a consciência do erro” e também “não par-
ticiparam de nenhuma carta, assembleia, reunião ou sequer encontro com os demais
demitidos”.37 A Funai confirmou depois que ambas “refletem uma atitude de arrependi-
mento e explicitam um pedido de retratação”.38

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25. A PALAVRA

muitos dos expurgados da funai na crise de 1980 foram readmitidos dois anos de-
pois, na gestão do coronel da Aeronáutica Paulo Moreira Leal. Outros, porém, não re-
gressaram à entidade. Odenir foi trabalhar como motorista de caminhão.1 Dois anos de-
pois ele se aliou a Fontenele de Carvalho para trabalhar com o primeiro parlamentar
federal indígena da história do país — e que até 2015 continuava sendo o único. A traje-
tória singular desse Xavante foi marcada pela crítica desabrida e pela cobrança direta,
por cerca de oito anos, aos principais militares que comandavam a Funai e o Ministério
do Interior em plena ditadura.
Mário Juruna Dutsé, citado em cartório de Mato Grosso como tendo nascido
em 3 de setembro de 1943,2 era sobrinho do cacique Apoena.3 Estava com dezessete anos
quando teve contato com os primeiros “civilizados”. Ao conhecer as cidades, ficou com
pena dos seus moradores.

Coitado, coitado, viu! Homem que vive na cidade não tem feliz. Não tem feliz.
É tanta coisa que a gente pensa, cheio de problema. O homem da cidade não
tem liberdade, a gente tá vivendo depende do outro. Ninguém vive para si. […]
O pior é vício, é pior que gente bate outro, falta-se respeita, gente rouba coisa
do outro, é pior que gente mata o outro, é pior que gente engana outro, tapeia
outro, enrola outro.4

Em meados dos anos 1970, Juruna vivia perto da missão salesiana de São Mar-
cos quando decidiu criar uma nova aldeia, a Namuncurá, 32 quilômetros distante da
sede construída pelos padres. Estes lhe fizeram “uma forte oposição”. Juruna disse ao
antropólogo Cláudio Romero que seu grupo havia “se cansado” de morar perto dos pa-
dres porque “eles não queriam que os índios mudassem para perto do rio das Mortes
porque lá a terra é boa e os índios vão desenvolver”. Para Juruna, a “missão tem bastan-
te coisa, mas o índio não tem nada, nem comida”. A Funai confirmou: “A situação é exa-

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tamente essa: os índios estão produzindo o suficiente para sobreviver”. A nova aldeia
contava com 119 Xavante em 1976, porém não tinha “praticamente assistência alguma”,
como constatou a própria Funai.5
Juruna começou a aparecer na imprensa do eixo Rio-São Paulo com pouco me-
nos de trinta anos, em 1974, depois que passou quinze dias em Brasília entre o Minis-
tério do Interior e a Presidência, onde pediu uma audiência com o general Geisel. Ele
queria uma garantia de que o governo iria mesmo indenizar e retirar os fazendeiros que
ocupavam áreas xavante. Juruna contou aos jornalistas que em 1973 ele havia confiado
na palavra do ministro Costa Cavalcanti, mas nenhuma providência fora tomada. Os ín-
dios então decidiram expulsar por conta própria um fazendeiro. “O fazendeiro me falou
para esperar autoridades. Eu, esperar autoridade? Quando vem o Exército me tirar, eu
saio. Se o Exército tem autoridade, eu também tenho autoridade.”6
Juruna prometeu briga. “Eu não vou parar também. Eu sempre cria bagunça
com o pessoár para poder resolver problema do índio. Eu não vou ficar quieto, não, por-
que tem generár, porque tem ministro.”7

Em janeiro de 1977, Juruna ressurgiu de repente no Planalto com a finalidade de ser re-
cebido por Geisel. Com “um gravador, um facão na cintura e fumando cigarros”, fez um
plantão das oito às dezessete horas, mas não conseguiu falar com o general. Após ser re-
cebido por um “assessor de relações públicas”, disse que a “Funai não atende o índio” e
que se sentia “um cidadão brasileiro que está sendo jogado no lixo”.8
Em fevereiro, Juruna tocou na sua aldeia uma fita que gravou de uma conversa
sua com o diretor da poderosa Diretoria Geral de Operações da Funai, Francelísio van der
Broocke. Na fita, Broocke aparece reclamando: “Estamos chegando lá para ajudar vocês
e você vem com papo de gravador aqui para conversar comigo. Você está me ofendendo”.
“Se você quiser pode proibir, mas eu não vou aceitar. […] Então tá gravando.”
“Eu brigo com você.”
“Pode brigar. Se você quiser, pode me mandar na cadeia.”9

A Funai soube que o uso do gravador por Juruna se espalhou como moda entre outros lí-
deres indígenas. Eles começaram a enviar para o órgão, em Brasília, “inúmeras mensa-
gens gravadas”. E pediam que as respostas também fossem gravadas.10
O exotismo relacionado ao uso do gravador por um índio capturou a atenção
da imprensa, que parecia pela primeira vez conceber a ideia de que “um ‘selvagem’”,
como às vezes se referia a ele, pudesse ter capacidade de cobrar promessas feitas por
autoridades.

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Na emocionante pureza do índio, em sua estrutura mental e vocabular, não
resta lugar para o conceito de mentira. Tudo é claro, nítido, definido. […] O ín-
dio, selvagem, diz e faz. O civilizado diz uma, faz outra e, provavelmente, sente
uma terceira coisa. Juruna é o Brasil verdadeiro e autêntico. Não tem nada de
tropicalista e exuberante, ao contrário, é quase ascético na sua moral.11

Se o governo estava surpreso com Juruna, o Xavante é que se dizia espantado


com a dificuldade de falar com as autoridades de Brasília, sempre presas a compromis-
sos previamente definidos.

Na minha tribo, qualquer pessoa que chega pode falar com o chefe. A pessoa
chega, encaminha e vai embora. Não tem burocracia. Lá o que vale é a palavra.
Palavra de homem é palavra de homem. […] Aqui na cidade, a gente fala com
papo furado. Então não tem palavra de homem. Eu não sou criança.12

Juruna se disse magoado com o general Ismarth, que o descreveu a jornalis-


tas como “um índio muito esperto e, quando não consegue dinheiro para fazer suas via-
gens ao Rio e a São Paulo, começa a fazer queixas pelos jornais e a falar mal da Funai”.13
Um ano depois, Ismarth indicou que os militares poderiam ser bem mais pe-
rigosos. Ele ordenou que Juruna deixasse Brasília de imediato, a fim de “cuidar de seu
povo” na aldeia. O índio disse que ia embora porque havia recebido a promessa de que
as aldeias xavante receberiam “quinhentas cabeças de gado” da Funai.14
Quando foi ouvido pela tv Cultura em São Paulo, Juruna denunciou o esquema
das certidões negativas emitidas pela Funai e mencionou o general Bandeira de Mello.

[Ele] vendeu terra do índio. O dgpi, o chefe do Patrimônio Indígena […], arru-
mava tudo documento fasso, arrumava tudo nascimento negativo para fazen-
deiro, vendeu esse nascimento negativo para fazendeiro. Então esse documen-
to foi proveitado para poder tomar a terra do índio.15

Juruna denunciou as mortes dos Panará e a decisão do governo de retirá-los


para o Xingu sem a autorização esclarecida dos índios.

Depois o Exército, o bec, 2o Batalhão, fez estrada, cortou a terra krenakore.


Morreu muito Krenakore também na estrada. […] Depois Krenakore foi le-
vado para Xingu. Não é Krenakore que quis ir mudar para Xingu. Governo
quis tirar Krenakore para Xingu, Orlando [Villas Bôas] quis tirar Krenakore
para Xingu. Krenakore não entendeu nem uma palavra de português, mas

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Krenakore foi sem saber. […] Aí parece morreu quatrocentos índios quando
chegou para Xingu.

Juruna se tornou um dos mais conhecidos indígenas no país, a ponto de tra-


balhar como garoto-propaganda do Laboratório Beta-Atalaia do produto Atalaia Juru-
beba, um elixir que prometia curar problemas de fígado — pelo trabalho ele recebeu
100 mil cruzeiros.16
Quando soube que o engenheiro do dner e um dos responsáveis pela Transa-
mazônica Adhemar Ribeiro da Silva fora escolhido para presidir a Funai em 1979, Juru-
na foi falar com ele, no Rio. Chegou um dia antes do que estava agendado, mas insistiu e
foi recebido. O Globo descreveu a reunião.17
Juruna foi direto ao ponto: pediu que Adhemar tirasse da Funai “a paneli-
nha” de funcionários que, segundo ele, só ficava nos gabinetes e “não sai para conhe-
cer os problemas dos índios”. Exibindo uma certidão negativa expedida por Bandeira
de Mello, Juruna afirmou que os Xavante foram prejudicados. A certidão dera respal-
do à presença de uma agropecuária em terra xavante. Adhemar desconversou: “Isso
tudo nós vamos olhar. Você tem que compreender que por enquanto eu sou apenas in-
dicado [para o cargo]”.
“Mas o senhor já vai entendendo. No gabinete tem gente que vai enganar o se-
nhor. Aqui já vai minha palavra e o senhor não é enganado.”
Adhemar se disse um homem calmo, que gostava de pesar os argumentos an-
tes de tomar uma decisão, de observar e de ponderar. Juruna foi bem mais direto: “Eu
sou homem de decisão, de fazer na hora. A gente resolve na hora. Existe autoridade para
isso, não é para enrolar ninguém”.

O maior embate de Juruna com a Funai até então ocorreu em novembro de 1980. O Xa-
vante teve o passaporte negado pela ditadura quando estava prestes a embarcar para
Rotterdam, na Holanda, onde deveria fazer denúncias sobre a situação dos índios no
Brasil durante o Tribunal Bertrand Russell de Assuntos Indígenas, que ocorreria de 23
a 30 daquele mês. O evento, organizado pela ong Bertrand Russell Peace Foundation,
era inspirado no corpo informal privado de investigação sobre crimes contra os direitos
humanos criado nos anos 1960 pelo filósofo britânico homônimo e pelo francês Jean-
-Paul Sartre. Encontros similares haviam denunciado torturas praticadas pela ditadura
no Chile e crimes de guerra no Vietnã. Na prática, não funcionava como “tribunal”, con-
figurando apenas uma grande denúncia pública contra determinada agressão aos direi-
tos humanos. Mas a Funai bateu pé, dizendo que pela lei detinha a tutela de Juruna e,
por isso, não o autorizava a participar do encontro. O coronel Nobre da Veiga, presiden-

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te do órgão, alegou que o Xavante não tinha capacidade de avaliar a situação de outras
etnias no Brasil. “O Juruna foi convidado para ser jurado de duas entidades indígenas,
nambikwara e yanomami, sobre as quais ele nada sabe. Uma pessoa não pode julgar o
que não conhece”, disse Veiga.18 Contraditoriamente, pouco antes a Funai havia autori-
zado o embarque para o México de dois outros índios “menos barulhentos e mais com-
portados”, como afirmou a revista Veja.
Orlando Villas Bôas também não concordou com a viagem do líder xavan-
te. “O Juruna só poderia ir ao exterior se fosse acompanhado por um funcionário da
Funai. Ou então se a Funai transferisse a tutela para o sr. Darcy Ribeiro. […] Sou con-
tra a perambulação dos índios porque eles estão sendo usados para a contestação”,
disse o sertanista.19
Seu irmão Álvaro também criticou a ideia da viagem, pois para ele “a Europa,
principalmente a Holanda, não tem moral para julgar o que o governo brasileiro tem
feito para os nossos índios”. Álvaro disse que Juruna, como índio, tinha “uma série de
restrições”, embora, por outro lado, tivesse “regalias”, como “terra, assistência governa-
mental, não paga impostos e não tem serviço militar”.20 Na ditadura, até consagrados de-
fensores dos índios às vezes podiam externar manifestações com conteúdo preconcei-
tuoso (por exemplo, considerar a terra como “uma regalia” ou dizer que a viagem de um
índio era “perambulação”). “O Brasil, no caso a Funai, não mata seus índios. Ao contrá-
rio, procura tratá-los da melhor maneira possível. Apesar dos erros da Funai, o trabalho
por ela prestado é muito importante”, defendeu Álvaro.21
Apoiado por entidades como o Cimi, Juruna recorreu ao Judiciário para obter
uma autorização de viagem. Nesse meio-tempo, dois brasileiros conseguiram embarcar
e falaram no encontro sobre o Brasil, o escritor Márcio Souza e o tukano Álvaro. Quando
o “tribunal” começou, Juruna ainda estava no Brasil. Numa jogada política, a entidade
decidiu elegê-lo presidente do evento, o que fez aumentar a pressão sobre o Brasil. Fun-
cionou. Em 27 de novembro, por quinze votos a nove, o Tribunal Federal de Recursos
concedeu um habeas corpus que permitiu o embarque de Juruna. Porém, ele só conse-
guiu chegar para o ato de encerramento do evento.22
Tempos depois, Juruna afirmou à tv Globo que enquanto esteve na Holanda a
Funai repassou um abaixo-assinado a vários líderes xavante com o objetivo de pôr em
xeque sua representatividade. Nesse momento, afirmou Juruna, é que ele teve o estalo
de entrar para a política.

Se eu saio como chefe de comunidade, o governo vai começar bater palma:


“Graças a Deus o homem chato já saiu”. Eu não quero sair fora em liderança,
mas também não vou sair fora do país. […] Eu vou escolher o meu partido, eu
vou lançar meu candidato.

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O oposicionista Leonel Brizola, líder do Partido Democrático Trabalhista
(pdt), disse na época que foi procurado pelo Xavante, por telefone, em sua casa no Rio.
Em agosto de 1982, Juruna assinou sua filiação ao pdt do Rio. A versão de Brizola exclui
Darcy Ribeiro, um dos líderes do partido, na escolha de Juruna, mas é bastante razoável
supor que o antropólogo teve uma decisiva influência — no ato da filiação, as tvs mos-
traram Darcy ao lado do Xavante. Juruna anunciou sua disposição de se candidatar a de-
putado federal pelo Rio nas eleições de novembro de 1982.23
Ele foi uma das surpresas do pleito, obtendo 31904 votos. Dos 46 eleitos pelo
estado, foi o 35o mais votado. É difícil verificar o quanto do bom humor do carioca aju-
dou na votação — em fevereiro de 1977, um bloco carnavalesco do Rio já havia lançado
Juruna “candidato à Presidência”.24
Mas a eleição cobrou um preço de Juruna. Seu apoio na mídia se reduziu à
medida que foi ficando claro que Brizola fizera uma jogada de mestre e que o Xavante
passara a funcionar como peça de um grupo político de esquerda. O regime militar ca-
minhava para o fim, porém isso não significava que todos os adversários da ditadura se-
riam recebidos efusivamente pelos meios de comunicação — a imensa maioria deles
havia apoiado o golpe de 1964 em resposta a uma suposta ameaça de guinada do país
rumo ao comunismo. Como bem notou um estudo posterior de Laura R. Graham, pro-
fessora do departamento de antropologia da Universidade de Iowa,25 a partir da eleição
de Juruna a imprensa passou a reproduzir suas falas na íntegra, com todos os seus erros
gramaticais, e também fazendo reparações, em “puxões de orelha” sobre o uso correto
da língua. Antes da eleição, entretanto, as declarações do índio costumavam ser corrigi-
das pelos jornalistas antes de serem publicadas, o que passava a impressão de um domí-
nio mais efetivo da língua. Juruna também começou a ser alvo de charges depreciativas.
A aproximação de Juruna com a esquerda era tema de interesse da Funai. Em
janeiro de 1983, a asi foi informada por Cláudio Romero, então assessor de uma das dire-
torias, de que a antropóloga Maria Antonieta Barbosa de Oliveira e o chefe da Ajudância
do Acre, Oswaldo Cid Nunes, vinham mantendo reuniões no Rio com Brizola, Darcy e
dois ex-diretores da sbi, Odenir e Carvalho. O objetivo, segundo Romero, era “desacredi-
tar a Funai” e seu presidente “junto à opinião pública nacional e às lideranças indígenas
no geral”.26 Quando ele passou a presidir o órgão, em 1993, o conteúdo desse documen-
to foi publicado pela imprensa. Romero se defendeu dizendo que os servidores citados,
junto com Juruna e Darcy, planejavam invadir a sede da Funai, daí seu alerta. Romero
disse que não queria que a presidência caísse, naquele momento, porque estava lutando
por demarcação de terras na região do Xingu e a direção o apoiava.27
Três ex-dirigentes da sbi expurgados pela Funai em 1980 foram contratados
como assessores de Juruna na Câmara dos Deputados: Odenir, Carvalho e Otacílio. O pri-
meiro conhecia Juruna desde os tempos da aldeia Namuncurá. Meses depois Juruna con-

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seguiu emplacar sua primeira proposta de peso na Câmara, uma comissão permanen-
te do índio, o que levou Odenir a sair do gabinete para trabalhar no novo órgão da Casa.
Embora com status e poder de deputado, Juruna era alvo de preconceito em
Brasília, como testemunhou Carvalho, que por muitos meses trabalhou como seu au-
xiliar mais próximo. Um dos eventos em que ele acompanhou o deputado foi um jantar
oferecido pelo Rotary Clube de Brasília perto do lago Paranoá. Carvalho tentou demover
Juruna da ideia de ir ao jantar, dizendo que ali ninguém estaria interessado em discutir
a situação do índio. Juruna insistiu. Ao chegar, Carvalho viu seu pessimismo ser confir-
mado. Achou que as pessoas estavam lá “para fazer uma gozação mesmo do índio”. De
cabelos longos, um “índio puro”, o deputado “era um brinquedo”. Antes de começar o
jantar, crianças vieram brincar com o Xavante e alguns adultos perguntaram se era ver-
dade que ele tinha muitas mulheres ou se comia muito. Um militar da Aeronáutica se
aproximou dizendo que gostava muito dos índios e até criava como filha uma índia que
ele havia trazido do alto rio Negro. Juruna indagou sobre a moça e o militar respondeu
que ela ficara em casa. Juruna retrucou dizendo que na verdade ele criava a índia como
empregada doméstica e recomendou que ela fosse devolvida à aldeia.
No discurso ao microfone, Juruna revelou que estava ali em desacordo com a
recomendação de Carvalho, que o havia advertido de que seria alvo de chacota, falou das
perguntas esdrúxulas que lhe fizeram em privado e relatou a conversa que tivera com o
militar sobre a garota indígena. Segundo Carvalho, naquele momento o militar se levan-
tou na plateia e, emocionado, prometeu devolver a índia à sua aldeia. Quanto à questão
das mulheres, Juruna disse que tinha duas, uma na aldeia e outra em Brasília, mas que
todos os homens que ali estavam “também tinham duas mulheres, mas ninguém conta
em casa”. “Por mais que eu conhecesse o Juruna, eu nunca pensei que ele tivesse aque-
le espírito crítico, de ver que as pessoas que se aproximavam dele se aproximavam para
explorar ele, a imagem, gozar, usá-lo como um palhaço”, disse Carvalho.
Durante o discurso, Juruna contou uma passagem crítica de sua vida da qual
o indigenista nunca tinha ouvido falar, ocorrida pouco antes da sua filiação ao pdt. A
narrativa confirma o que Juruna disse à tv Globo anos depois: que a Funai espalhou ca-
lúnias a seu respeito entre os líderes xavante. “Ele contou que foi expulso de sua aldeia
porque os coronéis da Funai disseram aos índios que ele estava se apropriando de dona-
tivos feitos para a aldeia. Eu não sabia de expulsão nenhuma. Ele contou que saiu a pé
da aldeia”, disse Carvalho.

Uma vez empossado no mandato de deputado federal, no começo de 1983, Juruna diri-
giu as suas baterias contra a Funai. Ao visitar a sede do órgão em Barra do Garças, pro-
meteu “demitir todo mundo”.28 Ao mesmo tempo, porém, manteve um canal de diálogo

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com a presidência do órgão, que passou a visitar “no sentido de ajudar a solucionar as
questões indígenas”.29
Juruna enviou ao ministro Andreazza uma carta com avaliação de cada um dos
principais gestores da Funai. Segundo o deputado, o presidente do órgão se recusava a
receber os líderes indígenas e, quando os recebia, admitia não ter “a capacidade e nem
meios para dar solução à questão do índio”. Quatro coronéis que assessoravam o presi-
dente eram “desconhecidos dos índios”, com exceção de um, que fora “espancado e ex-
pulso por duas vezes” de terras indígenas. O chefe da asi, um capitão de fragata, seria
“totalmente inoperante, não se antecipava aos conflitos entre índios e brancos”. A asi
era chamada de “a casa de ‘fuxico’”. Na assessoria de planejamento, escreveu Juruna,
havia treze economistas “que nunca visitaram aldeias indígenas”, acabando por fazer
investimentos em “construções e compra de máquinas que se tornam totalmente ob-
soletas e não têm serventia para os índios”. O coronel Ivan Hausen, que para Juruna foi
o mentor da ideia da emancipação do índio, um projeto “monstro”, foi expulso por um
grupo de índios da sede da Funai em 1980. A procuradoria jurídica do órgão, segundo
Juruna, tinha objetivos obscuros, já que “todas as questões a favor dos índios na Justiça,
nós perdemos. Os assassinos dos índios sempre ficam livres. Nunca são condenados”.
Outro coronel comparecia à Funai “em absoluto estado de embriaguez”, além de “con-
fessar publicamente que não gosta de índio”. O Xavante apontou que, segundo os dados
da própria Funai, aguardavam demarcação 256 áreas indígenas com um total de 40 mi-
lhões de hectares. Juruna disse ter sido informado pelo presidente do órgão de que este
dispunha de apenas 35 milhões de cruzeiros para as demarcações, quando o total ne-
cessário era de 1,5 bilhão de cruzeiros. Por fim, Juruna pediu ao ministro que afastasse
“imediatamente a direção da Funai”.30

A Funai apostava no esvaziamento do poder de Juruna junto aos Xavante. Para a área de
informações do órgão, ele era “manipulado pelos diversos setores contestatórios ao go-
verno federal”. “Na maioria das comunidades indígenas pouco se espera de Juruna na
Câmara, já que seu conceito junto aos índios não condiz com o que é apregoado pelos
antropólogos e demais setores ligados sobretudo à ala progressista do clero brasileiro.”31
O presidente da Funai na época era o coronel da Aeronáutica Paulo Moreira
Leal, que substituiu Nobre da Veiga em outubro de 1981. Com a posse de Juruna na Câ-
mara, o coronel percebeu uma “significativa mudança de comportamento de algumas
lideranças indígenas”. Ele viu um aumento das “pressões contra o presidente da Funai e
seus servidores, ao reivindicarem concessões em intensidade até então não experimen-
tadas nesta gestão”. Os líderes estavam se deslocando com frequência cada vez maior a
Brasília para, “mediante pressão, serem recebidos pelo presidente” do órgão. O coronel

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admitiu que havia “pleitos justos” e que a Funai era incapaz de atendê-los, por “não con-
tar com adequados e suficientes recursos financeiros e humanos”. A lista dos pedidos
“justos” na verdade era quase tudo, como ele admitiu: “demarcação de terras, retirada
de posseiros e invasores, prestação de assistência médica, instalação de escolas, insta-
lação e melhoria de infraestrutura já existente e a ampliação e melhoria dos meios de
subsistência das comunidades”. Em 11 de março de 1983, prosseguiu contando o coronel
Moreira Leal, um grupo de líderes xavante entrou em seu gabinete “de modo hostil” para
“impor exigências não condizentes com a política indigenista”.32

A franqueza de Juruna quase lhe custou o mandato. Na tribuna da Câmara, ele fez su-
cessivas declarações contra o governo e a Funai. No Dia do Índio de 1983, disse que a en-
tidade estava “matando o índio”, que militares estavam “contra o índio” e que quem es-
tava “estragando o Brasil é o próprio governo federal, é este presidente da República” e
o ministro Delfim Netto. Afirmou ainda que Brizola fora expulso do país à semelhança
de índios que eram expulsos de suas terras, e que daria apoio ao presidente Figueiredo
caso ele “expulsasse todo o ministério”.

O presidente não é do povo. O presidente foi eleito com empresário, presidente


foi compromisso com multinacional, com fazendeiro, com empresário e gran-
de empresário. […] E aqui gente tá morrendo. E por quê? Porque não tem presi-
dente, não tem autoridade. E toda autoridade é comprada, toda autoridade está
se vendendo, quer o dinheiro, quer ganhar dinheiro.33

Outro discurso, datilografado e escrito pela sua assessoria, foi anexado ao seu
pronunciamento. Nele, o deputado dizia que a Funai havia se convertido em “um desta-
camento militar, composto de 22 coronéis da reserva e mais de uma dezena de militares
de patentes inferiores, que, encastelados nos cargos de direção do órgão, cometem todo
tipo de desatinos e perseguem sistematicamente o índio”.
O auge das acusações de Juruna se deu em 26 de setembro. Afirmou na tri-
buna, de improviso, que “todo ministro é ladrão” e que “parece que o presidente da
República não está enxergando”.34 Acrescentou ainda que “todo ministro” é “sem-ver-
gonha” e “mau-caráter” e que “os milicos […] não estão olhando o pobrezinho, o índio
inocente”.35
Treze ministros protocolaram uma reclamação, apoiada pelo general Figuei-
redo, na Mesa da Câmara. Foi aberto um processo que poderia resultar na cassação do
mandato de Juruna. O presidente da Câmara, Flavio Marcílio, da base aliada do governo,
decidiu impedir a publicação do discurso do Xavante no Diário do Congresso. Walber

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Guimarães (mdb-rj), que presidia a Mesa, também determinou à taquigrafia da Casa para
“validar na hora da publicação” apenas o texto escrito que Juruna levara ao plenário.36
Ao final do processo, por seis votos a um, a Mesa decidiu aplicar a pena de cen-
sura escrita, pois a fala do Xavante foi considerada “imprópria, descortês e ofensiva às
autoridades constituídas da República”. Ele procurou se explicar: “A censura é normal
na Câmara, mas não cala a boca de Juruna. […] Nós dizemos ‘ladrão’ ou ‘gato’, mas falan-
do o que eu falei não quis provocar ninguém”.37
Juruna estava sendo fiel àquilo que havia defendido oito anos antes, durante
a terceira assembleia de chefes indígenas, promovida pelo Cimi na aldeia de Merure.

Deus está acima de tudo. O presidente para mim não é nada. Então a gente
quer discutir o problema do índio na cara dele. Nós não guardamos segredos.
A gente tem que falar na cara dele, porque se a gente não fala, ele não resolve
nada. Ele não resolve nada. Nunca pensa no problema do índio. Ele só pensa
na riqueza do branco.38

Em manifestações internas repassadas a diversos setores do governo, o coronel Morei-


ra Leal procurou desacreditar Juruna, chamando suas denúncias de “parte de uma ação
bem definida que vem sendo executada por entidades e pessoas diretamente ligadas aos
indígenas, utilizando o referido deputado no sentido de desencadear uma campanha di-
famatória contra a direção deste órgão”.39
A impressão não era compartilhada pelo setor de inteligência do Ministério
do Interior ligado ao sni, a dsi. Segundo informação confidencial enviada a Andreazza,
Juruna e seus assessores não tinham condições de criar ou manter “mais de quarenta
focos de conflitos em áreas indígenas”, que era o número atualizado do “quadro de ten-
são social entre índios e não índios” no país. “A responsabilidade pela presente conjun-
tura é fruto da própria fundação e também, possivelmente, reflexo das intenções, mui-
tas vezes não expressas, de seu presidente.”40
A dsi descreveu Juruna em tom depreciativo, um índio “meio aculturado”, um
“Xavante em fase de integração, sendo por vezes infantil e inconsistente”. O “infantil”
Juruna, todavia, participou de um golpe de mestre para ferir o orgulho dos militares.
Por volta das 7h30 do dia 23 de junho de 1983, um grupo de Xavante chegou à sede da
Funai, em Brasília, passou pelas salas onde funcionavam departamentos e por fim pa-
rou na da Diretoria Geral de Operações.41 Dois deles portavam bordunas. Como Morei-
ra Leal estava em viagem pelo Nordeste, o grupo foi atendido por seu chefe de gabinete,
Ivan Pinto Tancredo, que recebeu do índio Tibúrcio um documento com reivindicações
de melhorias para a terra indígena São Marcos. Ao dizer que o assunto seria avaliado,

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Tancredo foi seguro pelos braços por dois Xavante e empurrado nos corredores desde
o terceiro andar até o pátio do estacionamento. Um assessor da presidência foi “repeli-
do com empurrões pelos índios Josué, Simão e Marcel”. Dois carros chegaram à Funai
com uma comitiva de deputados, dentre os quais Juruna e Dante de Oliveira (pmdb-mt),
que meses antes havia obtido grande notoriedade ao apresentar a emenda das Diretas
Já. Índios e deputados se reuniram no gabinete do presidente. O coronel Costa Ferrei-
ra, chefe do setor de auditoria interna, protestou contra a invasão, mas também foi “em-
purrado para fora pelos Xavante”. Uma fotografia mostra um índio segurando o braço
esquerdo do militar.42
Logo depois chegou ao prédio o chefe da dsi do Ministério do Interior, coronel
Hércio Gomes. O militar “fez ver aos deputados a responsabilidade que eles assumiam
ao invadir um órgão do governo federal”. Ele foi contestado pelo deputado Arthur Virgí-
lio Neto e por Dante, que, “esmurrando fortemente a mesa”, falou acerca do “direito de ir
e vir”. Um grupo de Xavante avançou sobre Hércio, também ameaçando expulsá-lo, mas
Juruna interveio em favor do militar. A ocupação do prédio da Funai durou três horas.
Quatro dias depois, Moreira Leal escreveu a Andreazza para pedir “providên-
cias drásticas” sobre a invasão, segundo ele executada por um grupo de índios “perver-
samente manobrados por um grupelho de agitadores”. Ao mesmo tempo, pôs à disposi-
ção seu cargo e os de todos os “atuais diretores e assessores”.43 Leal também organizou
às pressas uma reunião com vários outros líderes indígenas para demonstrar que Juru-
na representava uma minoria, estava isolado. A reunião mostrou que, de fato, Juruna,
embora fosse uma voz potente, estava longe de ser um líder incontestável e muito me-
nos o único representante de interesses indígenas.
O Txucarramãe Raoni disse que não queria a substituição de Leal, que “é bom”,
mas sim “mais escola, professora, médico e enfermeira”. Ele se disse contrário a Juruna
porque suas constantes denúncias estavam prejudicando “o trabalho” da Funai. Quando
houvesse algo errado, disse Raoni, Juruna deveria buscar uma solução consensual com
outros caciques. Algo semelhante disse o Xavante Celestino, para quem as reivindica-
ções dos índios deveriam ser feitas “por escrito ao presidente”. O Terena Lísio disse que
“ninguém ali era contra Juruna”, mas que seu método de protesto fora equivocado. Mar-
cos Terena propôs mais diálogo e pediu “para não ter mais violência”. Ao final da reu-
nião, o presidente disse que “não dormia desde sexta-feira” — o encontro ocorreu numa
segunda-feira —, pediu união entre os índios e admitiu que sua “missão é extremamen-
te política, uma das mais difíceis missões que se pode confiar”.44
Moreira Leal não resistiu às intensas pressões. Ele foi substituído em julho de
1983, duas semanas após a invasão do órgão pelos Xavante. Localizei-o, por telefone, em
fevereiro de 2009. O coronel disse apenas que sua passagem pela Funai “foi uma folha
negra na vida” e não quis mais se pronunciar. Tinha na ocasião 94 anos.45

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Sexto presidente da Funai na ditadura, Moreira Leal ficou apenas um ano e dez
meses no cargo. Seu sucessor, o economista Otávio Moreira Ferreira Lima, tinha sido
assessor do coronel Nobre da Veiga e, por isso, chegou ao cargo em meio a pesadas crí-
ticas do Cimi. O cacique Raoni disse que, se ele não “desse certo”, sua comunidade “iria
brigar”.46 Lima ficou na presidência somente dez meses. Seu substituto, Jurandy Mar-
cos da Fonseca, parou apenas cinco meses na cadeira. O próximo, Nelson Marabuto, só
ficou oito meses no cargo. O final do governo Figueiredo e da ditadura foi incrivelmente
tumultuado para a política indigenista. Em um governo de cinco anos, a Funai foi admi-
nistrada por nada menos que seis pessoas diferentes.

No segundo semestre de 1984, o Congresso Nacional fervia com as eleições indiretas


para a Presidência da República entre os deputados Paulo Maluf, candidato da ditadura,
e Tancredo Neves, apoiado pela oposição. Como a emenda de Dante pelas Diretas Já fora
derrotada, a escolha do novo presidente seria feita pelo Colégio Eleitoral, que reunia to-
dos os senadores, deputados federais e certo número de deputados estaduais.
No momento em que o apoio estava sendo disputado voto a voto no Congresso,
Carvalho, o assessor de Juruna, começou a ficar alarmado com observações estranhas
que o Xavante vinha fazendo sobre a vida abastada que alguns de seus colegas parla-
mentares desfrutavam. Para Juruna, “um homem inteligente era aquele que tinha mui-
tas posses”. Ele disse a Carvalho que os deputados estavam recebendo dinheiro “ou do
Maluf ou do Tancredo”. E comentava as manchetes de jornal que diziam que determi-
nado deputado “malufou”. Um dia, segundo o assessor, o Xavante iniciou uma conversa
preocupante. “‘Eu vou falar com Tancredo, será que ele me dá dinheiro?’ Eu falava: ‘De-
putado, não faça isso, não, você é um personagem, representa os índios, pedir dinheiro
fica muito feio’. A mulher dele infernizava a cabeça dele também.”47
Em outubro, Carvalho soube pelo próprio Juruna que de fato ele chegou a pe-
dir dinheiro a Tancredo, mas o candidato “disfarçou, levou na brincadeira”. Dias depois,
Carvalho disse ter ficado assombrado ao ver um maço de dinheiro numa bolsa que
o deputado costumava levar a tiracolo. Questionado, Juruna disse que era um dinhei-
ro que lhe pertencia, sem explicar a origem. Na semana seguinte, chamou Carvalho ao
apartamento funcional que ocupava em Brasília. Após alguns rodeios, perguntou-lhe
qual era sua opinião sobre Maluf. O assessor disse que o deputado era “pessoa muito
ruim”. Juruna duvidou, pois “ele é bom, ele não dá dinheiro às pessoas?”.
Apertado por Carvalho, Juruna confirmou ter estado com gente ligada a Ma-
luf. O assessor resolveu apelar, perguntando-lhe como se chamava, na cultura xavante,
“o demônio”. Chamava-se Yurupatí, também grafado como Yuruparí. No século xix, um
professor dos Estados Unidos que estudou as lendas indígenas descreveu essa entida-

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de como “demoníaco, uma espécie de lobisomem”.48 Juruna explicou que o monstro era
tão ruim que os Xavante não gostavam nem de pronunciar seu nome. Carvalho aprovei-
tou a deixa para dizer que Maluf era “o Yurupatí na nossa cultura brasileira”. “O Juruna
mudou a cara na hora. Eu peguei pesado: ‘Deputado, se o senhor pegou alguma coisa do
Yurupatí, o senhor sabe o que acontece’…”
Juruna chamou a mulher para alertá-la de que Maluf era Yurupatí e que “nin-
guém pode ter contato com ele”. Foi então ao quarto e voltou com um saco de super-
mercado cheio de dinheiro junto com um bilhete manuscrito, segundo ele, pelo coor-
denador da campanha de Maluf, Calim Eid, com datas e números. A primeira parcela
entregue fora de 30 milhões de cruzeiros — cerca de 91 mil reais em valores atualiza-
dos49 —, mas haveria outras, mensais, num total de 370 milhões de cruzeiros.50
Carvalho logo telefonou para o comando do pdt no Rio para saber o que fazer.
Darcy Ribeiro mandou que ele e Juruna fossem naquele mesmo dia para o apartamento
de Brizola no Rio. E que levassem o dinheiro.
No apartamento, Brizola, fumando muito, segundo a lembrança de Carvalho,
indagou por que Juruna havia aceitado o suborno. O Xavante respondeu que era por ne-
cessidade, pois Brizola “não lhe dava dinheiro”. Carvalho disse que Juruna não tinha no-
ção do valor da moeda e costumava passar privações. “O salário da Câmara ele dava todo
para a comunidade, e a mulher também tomava. Se entrava um índio no gabinete, Juru-
na pegava um pacote da gaveta e dava tudo, ele não sabia contar nem quanto era aque-
le pacote de dinheiro.”
No Rio, ficou decidido que Juruna iria devolver todo o dinheiro para Calim Eid.
Uma parte, porém, ele já havia gastado — Brizola teve que completar o valor. Em 25 de ou-
tubro, o deputado deu uma entrevista coletiva no Comitê de Imprensa da Câmara para
revelar o pagamento e a proposta do coordenador da campanha de Maluf. Ele tentou fa-
zer um discurso no plenário, mas foi impedido pela Mesa, sob a alegação de que a sessão
já havia terminado.51 No dia seguinte, Juruna fez o depósito para Eid na agência do Banco
do Brasil no Congresso. Enquanto esperava a contagem das notas, admitiu aos repórteres
que havia lhe pedido 15 milhões de cruzeiros porque enfrentava dificuldades financeiras.
Agora, contudo, iria votar em Tancredo, “para o povo”.52 Ouvido na época, Eid reconheceu
ter conversado com Juruna sobre problemas financeiros, mas negou ter dado o dinheiro.53
O episódio, que não produziu nenhuma punição contra Maluf, acabou se vol-
tando em parte contra o próprio Juruna. Em editorial, o Jornal do Brasil disse que “o de-
putado já passou recibo da sua própria corrupção”.54 A revista Veja concluiu que, ao se
dirigir ao comitê de Maluf atrás de dinheiro, o Xavante “confessou sua fraqueza”.
O caso também desestimulou a equipe de seus assessores indigenistas, que
se afastaram de Juruna. Ele não conseguiu novo mandato na eleição seguinte e caiu
no ostracismo.55

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26. UM GOSTO AMARGO

muito longe dos gabinetes de brasília, outro tipo de resistência indígena mar-
cou os estertores da ditadura. Pela primeira vez desde os embates dos Waimiri-Atroari
quando da construção da br-174, índios brasileiros impediram planos do regime — que
dessa vez se viu forçado a dar um passo atrás.
Em março de 1982, os militares tiraram do papel um plano para exploração de
“lavra de petróleo e gases raros” na Amazônia. Naquele mês, a Funai, sob gestão do co-
ronel Paulo Moreira Leal, assinou convênio com a Petrobras, na época presidida pelo
ex-ministro de Minas e Energia Shigeaki Ueki, mas nenhum índio foi consultado nem
participou do acerto. O documento diz que a exploração dessas riquezas consiste em
“atividades de relevante interesse para a segurança e o desenvolvimento nacional” e que
é “política nacional a aceleração da exploração do potencial petrolífero do país”. De ma-
neira indireta, o documento reconhecia a possibilidade de “danos causados ao patrimô-
nio do índio ou da comunidade indígena”, pois previa “pagamentos de indenização” nes-
ses casos. A Funai se comprometia a “assessorar de modo permanente a Petrobras e suas
contratantes”. Em síntese, era uma repetição do papel desempenhado pelo órgão na dé-
cada anterior como assessora das empreiteiras que abriram rodovias na Amazônia.1
Localizado no Amazonas, perto da fronteira com o Peru e da divisa com o Acre,
o vale do Javari é uma imensa região rica em recursos naturais e diversos grupos indí-
genas. Demarcada nos anos 1990, a terra indígena compreende 8,5 milhões de hecta-
res, onde vivem treze etnias conhecidas e vários grupos indígenas isolados cujo número
exato é desconhecido. Trata-se de uma das regiões menos exploradas no país, um san-
tuário ecológico. Até essa época, as duas únicas localidades de relevância formadas por
não índios eram guarnições do Exército, em Estirão do Equador e Palmeiras do Javari.
Para percorrer a enorme região eram necessárias expedições de barco e a pé custosas e
longas, às vezes por semanas a fio. Mesmo com sua capilaridade, a Funai, os missioná-
rios e antropólogos tinham dificuldades para apresentar um panorama mais claro da
situação do índio na área. Foi de novo o Cimi que, em 1982, produziu os primeiros alertas.

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Em Brasília, o secretário-geral do conselho, Paulo Suess, convocou a imprensa para di-
zer que 38 índios matis haviam morrido de gripe durante o mês de junho daquele ano
em Atalaia do Norte (am). Era um número impressionante, ainda mais considerando
que o grupo tinha apenas 138 indivíduos antes da epidemia. Suess denunciou que não
existia “qualquer assistência aos índios”. A assessoria de imprensa da Funai procurou
desmenti-lo, afirmando que “só três” índios haviam morrido, em janeiro.2
Ficou então o dito pelo não dito. Contudo, quinze anos mais tarde, quando a Fu-
nai concluiu o relatório de identificação e delimitação da área indígena Vale do Javari, lá
apareceu, num diminuto quadro, a evidência da impressionante epidemia. Segundo o ór-
gão indigenista, havia 138 índios matis no Javari no ano de 1980. Dois anos depois, na épo-
ca da denúncia do Cimi, o total contabilizado foi de noventa, uma diferença de 48 índios. O
relatório apontou ainda “a devastadora epidemia de gripe ocorrida no início dos anos 1980,
quando a população matis caiu de 140 pessoas, em dezembro de 1980, para noventa, em
novembro de 1982”. Assim, entre 1980 e 1985 a etnia matis perdeu 21% de seus integrantes.3
A confirmação da Funai, tantos anos depois, é apenas um exemplo de notícias
verdadeiras que foram “desmentidas” pelo órgão oficial, mas que, se tivessem sido con-
firmadas na época, dariam origem a um escândalo internacional. Ao longo de 21 anos,
aproveitando-se das enormes distâncias e dificuldade ou falta de interesse dos meios
de comunicação, a Funai soube distribuir informações e desinformações, prejudicando
a real dimensão do tema indígena no Brasil. Tantos anos depois, essa sucessão de “des-
mentidos” serve como alerta sobre as políticas de acobertamento que um Estado auto-
ritário é capaz de pôr em prática. Muitas histórias desapareceram da memória coletiva
nacional porque não foram relatadas de forma correta na época.
Três décadas mais tarde, por exemplo, localizei no pelotão do Javari, ao qual
só se chega de barco ou de avião, o militar da reserva Raimundo Clemente Mesquita, de
53 anos, que se incorporou ao Exército no Batalhão Especial de Fronteira de Tabatinga
(am). Em meados de 1980, ele chegou como recruta ao pelotão de Vila Bittencourt. Na
época, a uma distância de quarenta minutos de barco, havia uma aldeia de índios que fa-
lavam a língua maku. Eles viviam de caça e pesca e às vezes vendiam peixes para os mili-
tares. Na segunda metade dos anos 1980, segundo Clemente, um surto de malária “qua-
se dizimou” o grupo. Clemente e outros militares correram para medicar os índios, após
um pedido de socorro do cacique Rafael.

Na época morreram mais de vinte, só nesse ataque da malária. A tribo devia


chegar a uns setenta, por aí. Só do meu conhecimento. Isso foi no ano de 1985,
1986, por aí. Até então, eles não tinham representante nenhum da Funai na
área. Depois foi que o Carlos foi para lá e começou a cuidar mais deles, dar
apoio com medicamentos. […] Eles viviam sozinhos, em uma área isolada.4

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***

Dois leigos católicos do Cimi e da Opan que viviam no vale do Javari, Araci Labiak e Lino
Neves, escreveram que a região do Médio Solimões e seus afluentes, como Juruá e Jutaí,
“está sendo retalhada por picadas para a prospecção geológica que tem como objetivo prin-
cipal o gás natural”. Em novembro de 1982, eles chegaram a uma área sob controle da Lasa
Engenharia e Prospecção, a serviço da Petrobras, e constataram que ela havia instalado vá-
rias “cargas de dinamite para posterior detonação”. O sítio da Lasa ficava a poucos metros
de uma aldeia dos índios kokama. Também operava na área a francesa Elf Acquitaine, que
já havia trabalhado no Baixo Amazonas.5 Em outro relatório, os missionários narraram
ataques de índios isolados contra as turmas de prospecção em novembro de 1983, no rio
Jandiatuba, com um trabalhador flechado, e outro no igarapé São José, em março de 1984.
Eles disseram que a Petrobras e outras empresas abriram “centenas de clareiras” na sel-
va para “testes de detonação sísmica”. Também denunciaram que bombas estavam sen-
do usadas não só para a destruição de rochas, mas também contra os próprios índios.6
A afirmação, à primeira vista exagerada, foi confirmada pelo próprio presiden-
te da Petrobras. No final de 1983, ele admitiu em uma carta ao deputado Juruna que
“funcionários da empresa realmente utilizaram cargas de explosivos para dispersar um
grupo de índios arredios” perto do rio Jandiatuba.7 “Para evitar maiores consequências,
os operários detonaram no chão da clareira, onde não havia índios, duas cargas molda-
das. Com o estampido da explosão, os índios imediatamente abandonaram o cerco ao
acampamento”, informou Ueki, singelamente.8
O convênio Funai-Petrobras deu origem a um contrato de prestação de servi-
ços da estatal petroleira com a subsidiária brasileira da empresa francesa Elf Aquitai-
ne, denominada Braselfa, que terceirizou serviços para a empresa Companhia Brasilei-
ra de Geofísica (cbg). Em abril de 1983, a cbg fez as primeiras perfurações no território
indígena Andirá Marau, habitado pelos índios saterê-mauê e munduruku. Os serviços
incluíram abertura de picadas e derrubada de árvores, causando danos à flora e à fauna
que geraram uma indenização de 25 milhões de cruzeiros.9 Mas o pior ocorreria depois
que a cbg deixou a região. De forma ataboalhada e sem nenhuma fiscalização do gover-
no, a empresa deixou para trás vários explosivos, detonados ou não.
Os índios Dacinho Michiles, Deoclides e Sebastião foram tirar castanha para
revenda quando “encontraram em uma estrada, na mata, uma bomba enterrada”. Daci-
nho a desenterrou e a levou, embaixo do braço, para a comunidade do Torrado. Ele tam-
bém passou as mãos no rosto, sujas pelo contato com o artefato. Logo começou “a sen-
tir dor de cabeça e a boca áspera”. Quando Dacinho jogou a bomba no rio, ela explodiu
a uma distância de quatro metros. O índio morreu dias depois, em meio a “enjoo, vômi-
tos, dor na cabeça”.

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Em outra aldeia, a de Santa Cruz, em dezembro de 1983 o índio Lauro Batista,
com cerca de dezoito anos, também encontrou uma bomba abandonada. Ele chamou
dois garotos, Nivaldo e Isarita, para jogá-la num igarapé. Depois que tocou o artefato,
Lauro “começou a emagrecer”, tossir e “escarrar sangue”. Descrito como um “índio for-
te”, morreu dias depois.
Na aldeia Fortaleza, os índios Cravino e Faustina recolheram uma bomba que
havia sido recolhida por um parente e a “esmigalharam num formigueiro”. Cravino foi al-
moçar, mas não lavou as mãos. Logo começou a passar mal, “com uma forte dor de cabe-
ça e um gosto amargo na boca”. Apenas “um dia e meio” depois, Cravino morreu. Faustina
foi à roça e depois a um igarapé tomar banho. Em casa, começou a passar mal, com dores
de cabeça, “um gosto amargo de sangue na boca e tonteiras”. Morreu dois dias depois.10
A denúncia sobre explosivos não detonados ao alcance dos índios chegou à
imprensa de Manaus pelo Cimi e pela organização não governamental Centro de Tra-
balho Indigenista (cti), o que obrigou o governo a fazer uma apuração. Ao ser ouvido,
o braço brasileiro da Elf Aquitaine alegou que o contato direto com o objeto represen-
tava “baixa toxicidade e somente inalação prolongada poderá acarretar algum mal-es-
tar, como náusea e dor de cabeça”. A empresa assegurou que os explosivos “remanes-
centes foram destruídos”.
Mas a Comissão de Sindicância instalada pela Funai constatou que “sem som-
bra de dúvida não houve qualquer sinceridade na resposta, posto que foge a mesma da
realidade dos fatos”. A comissão encontrou nada menos que “sessenta petardos” ativa-
dos e espalhados na área indígena Andirá Marau. Sobre as mortes, após colher diversos
depoimentos, a comissão atestou que “também já se encontra provado e comprovado
que seres humanos vieram a falecer após o contato manual direto com os já menciona-
dos explosivos”.
A comissão da Funai concluiu que “a negligência está caracterizada com o desca-
so na vigilância dos explosivos e na execução dos serviços” e que “as mortes, todas elas, o
foram em decorrência do contato direto com os explosivos achados na mata, levados para
casa, o que vem caracterizar ainda mais a irresponsabilidade com os trabalhos efetuados”.
As graves conclusões da Comissão de Sindicância foram classificadas pelo go-
verno como “confidenciais”. A imprensa noticiou que os danos à fauna e à flora e mor-
tes foram denunciados pelo cti, pelo Cimi e pela antropóloga francesa Simone Dreyfus
Gamelon.11 Em maio, a Elf Aquitaine e a cbg se comprometeram a recolher e desativar
os artefatos explosivos.12 Os indígenas, “insatisfeitos com a situação”, “exigiam a saída
da empresa Braselfa e a retirada de todas as cargas de dinamite ainda enterradas em di-
versos locais”.13
Em junho de 1984, quando tomou ciência das atividades da Petrobras, a antro-
póloga Isa Maria Rogedo condenou a presença da petroleira, dizendo que elas “levam a

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abertura de quilômetros de picadas na mata, implantação de bases de operação e inúme-
ras clareiras para heliportos, construção de torres de prospecção e detonações de bom-
bas de nitroglicerina”. “Somos de parecer que os trabalhos que estão sendo realizados
nesta área sejam imediatamente suspensos, por tempo indeterminado, de forma que
permita os trabalhos de atração desses índios sem pressões de qualquer espécie.”14 En-
curralados, disse Isa Maria, aos índios só restariam duas alternativas: “Recuar para lu-
gares mais distantes das frentes de contato ou enfrentarem os inimigos em luta direta”.
O governo não deu ouvidos a Isa Maria. Logo depois, a segunda hipótese se
tornou realidade e atingiu em cheio os interesses da poderosa Petrobras. Por volta das
quinze horas do dia 4 de setembro de 1984, um grupo de índios korubo se aproximou
do acampamento montado pela estatal e uma contratada, a cbg, na margem direita do
rio Itaquaí, em Atalaia do Norte. Ao perceberem os índios na mata, o sertanista da Funai
Lindolfo Nobre Filho e o funcionário da cbg João Praia Caldas tentaram um contato, le-
vando presentes. Os índios chegaram a dar as mãos e ensaiar passos de danças com os
dois “civilizados”. Menos de cinco minutos depois, porém, eles os massacraram a golpes
de borduna, tudo testemunhado por cerca de 150 funcionários da Petrobras.15
No dia 6, enquanto os corpos eram sepultados, a cbg e a Funai retiraram to-
dos os funcionários do local como “medida de precaução”.16 Eles nunca mais voltaram
à área. O delegado da Funai na região, Aldo Gomes da Costa, informou que também iria
desativar um núcleo que trabalhava para o contato com os Korubo. Ele informou que
aquele foi “o sexto massacre” de funcionários sob a sua chefia.17
O sertanista Sidney Possuelo foi escalado pela presidência da Funai para pes-
quisar as mortes e levantar a real atuação da Petrobras na região. Quando se deu conta
de como ocorriam os trabalhos da petroleira, ele se disse perplexo.

Você [Petrobras] está numa área que está cheia de índios isolados, estão a 3 mil
anos de distância, no passado. Aí você sai com aquelas linhas de prospecção
geológica e bum-bum-bum, explode aquelas bombas, são petardos que são co-
locados a cada tantos metros, formam linhas de quilômetros. Aquilo ali é para
fazer um bum que penetra no solo e os sismógrafos vão registrando para ver as
camadas que estão embaixo. É assim.18

Depois das explosões, a Petrobras abria grandes clareiras na mata e buracos no


solo para inserir sondas. Possuelo foi ver como as sondas funcionavam. O que primeiro
lhe chamou a atenção foi a logística envolvida na operação. Enormes barcos atracavam
perto das clareiras para dar suporte à exploração. Depois havia o trabalho da sonda pro-
priamente dito. Por um tubo, injetava-se no solo água misturada com vários elementos
químicos, incluindo soda cáustica. De volta à superfície, o líquido era escoado para uma

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piscina artificial, aberta por tratores. Possuelo foi olhar as piscinas e viu que a água con-
taminada vazava em direção aos igarapés, que desaguavam nos rios. Disse ainda que os
tubos, de várias toneladas, eram transportados de helicóptero da cidade de Eirunepé às
clareiras. Numa dessas viagens, o piloto ficou desorientado e, após circular vários minu-
tos, teve que se livrar do tubo para fazer um pouso forçado. Segundo o sertanista, o tubo
desabou perto de uma maloca indígena. Em uma reunião com pessoas da Petrobras, no
Rio, ele pediu a proibição das atividades.
Possuelo deixou por escrito a necessidade de uma “reformulação do convênio
Funai/Petrobras”, tendo em vista “a insatisfação dos grupos arredios externada nos ata-
ques de 17 de novembro de 1983 e 4 de setembro de 1984 contra as equipes da Funai e
Petrobras”.19
No final de 1984, quando a Petrobras anunciou que retomaria os trabalhos, o
então presidente do órgão, Nelson Marabuto, enviou um telegrama para protestar con-
tra a decisão, “tomada à revelia da Funai”.20 A Petrobras, por fim, recuou.

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27. PISTOLEIRO AVÁ

os anos finais da ditadura continuaram sendo, para alguns dos mais conhe-
cidos líderes indígenas, um período turbulento e trágico. Ao filmar seu documentá-
rio Terra dos índios em 1979, uma potente denúncia sobre a política indigenista da
época, o cineasta Zelito Viana havia entrevistado três dos índios mais politicamen-
te ativos do país — Ângelo Kretã, Juruna e Marçal de Souza. No ano seguinte, Kretã
morreu de forma violenta. Logo depois Juruna foi eleito deputado, mas seu mandato
foi bastante tumultuado. A uni, que ele e Marçal haviam ajudado a fundar, também
não decolou. Resta saber o destino de Marçal, que havia declarado ao documentaris-
ta, com as veias da garganta saltadas e o dedo em riste: “Creio que pelo Brasil inteiro
ou vai levantar ou já levantou índios esclarecidos como eu, que levantará sua voz em
prol da sua raça. […] Nós reclamamos a injustiça, a calúnia, a pobreza, a fome que a
civilização nos trouxe”.
No final dos anos 1970, enxotado de Dourados e depois de passar por Caara-
pó, Marçal se estabeleceu na aldeia kaiowá de Campestre, ou Cerro Marangatu, a onze
quilômetros da cidade de Antônio João e a poucos quilômetros da fronteira com o Para-
guai. Ali, viveu numa casa de chão batido, com paredes de madeira e coberta de palha,
na qual também funcionava uma pequena enfermaria do posto da Funai, onde Marçal
atendia índios.1
Marçal ficou sabendo de um grave problema que ocorria em outra terra tradi-
cional, ou tekoha, denominada Pirakuá e localizada a poucos quilômetros de Campestre.
Nesse momento, o caminho dele cruzou com o do fazendeiro Líbero Monteiro de Lima e
de seu pai, Astúrio. Para sempre essas duas trajetórias tão díspares ficaram interligadas.
Líbero nasceu em outubro de 1926 na cidade de Ponta Porã, na fronteira com o
Paraguai, e morava numa casa no centro da capital do estado, Campo Grande, com mu-
lher e quatro filhos. Frequentava um dos pontos de lazer mais badalados pela alta socie-
dade local, o Rádio Clube, ia à missa na paróquia de Santo Antônio e gostava de viajar.
Com ajuda do pai, havia estudado em 1946 em São Paulo, no colégio Rio Branco, mas pa-

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rou de estudar após ter se formado no segundo grau. Tinha duas fazendas, a São Pedro
e a Serra Brava, “carros e tratores”.2
Marçal foi pesquisar a situação em Pirakuá em 1978 e encontrou o índio Gentil,
que lhe disse ali viver desde 1947, com seus doze filhos, “todos casados ali”. Marçal esta-
va acompanhado de Antônio Brand, do Cimi. Ele concluiu que “fazendeiros estão pres-
sionando, violentamente”.3 Mas pediu resistência. “Tem que ficar firme, é o único lugar
que resta, tem mataria, peixe, caça. Não pode dar para o fazendeiro. Não sair. Lugar da
minha casa, é minha terra. Ameaça matar, mas não pode fazer isto.”
Os Kaiowá viviam em um pedaço da Serra Brava, da qual reivindicavam cerca
de 2,3 mil hectares, do total de 4 mil. Tratava-se de uma área de difícil acesso, à qual se
chegava após transpor ou o rio Apa ou o córrego Poção, ambos sem pontes. O solo era
bem drenado, com fertilidade média, e o relevo era plano e de forte ondulação, com a
presença de pedras na superfície. A maior riqueza estava numa porção de 1,5 mil hecta-
res de mata, com sua vegetação de alto porte “com partes de madeira de lei predominan-
do peroba, aroeira, cedro etc.”.4
Conforme o próprio Líbero confirmou depois em uma reunião na sede da Fu-
nai regional, originalmente as terras em questão pertenciam ao antigo governo de Mato
Grosso, sendo portanto consideradas “terras devolutas”. Mas o estado resolveu doar 10
mil hectares à prefeitura de Bela Vista, que passava por dificuldades financeiras, e que,
por sua vez, resolveu vender metade e destinar a outra parte “de reserva para os índios”.
Segundo Líbero, porém, os índios logo foram “retirados”, pois um novo prefeito deter-
minou a venda de segunda porção das terras. Os índios teriam invadido então a fazen-
da Dois de Ouro, de propriedade de um senador da República, Rachid Saldanha Derzi,
mas foram transferidos para outra área. De lá, regressaram para a terra de origem. Lí-
bero alegou, porém, que a área dos índios era outra, denominada fazenda Piracuá, não
incidindo sobre a sua propriedade. E que apenas “cinco famílias” apareceram na Serra
Brava, mas ele permitiu que ficassem porque “não se incomodou”. Líbero disse que seu
avô havia chegado à região no “tempo da Guerra do Paraguai” (1864-70).5 Mais tarde, re-
conheceu por escrito que a propriedade Serra Brava fora adquirida pela sua família no
ano de 1965, portanto havia muito pouco tempo. Os índios afirmavam que estavam lá
desde, pelo menos, os anos 1940.6

Nos anos 1990, participei de uma entrevista coletiva marcada pelo senador Derzi para
fazer diversas críticas à Funai. Ele se recordou do episódio da entrada dos Kaiowá em
sua fazenda e explicou que mandou seus funcionários expulsarem os índios. Fazendo o
gesto de apertar um gatilho, o senador narrou: “Eu mandei passar assim rá-tá-tá-tá-tá.
E bum, bum! Como chama isso?”.

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Um repórter ajudou: “Metralhadora, bomba, senador?”.
“Isso, metralhadora, bomba. Mas só foi por cima deles, ninguém morreu.”
Derzi foi membro da Arena na ditadura, eleito em um mandato e senador
biônico em outro.

Se por um lado a versão apresentada à Funai pelo fazendeiro Líbero contradiz algumas
informações dos índios, por outro corrobora por completo a versão de que a região era
um território tradicional dos Kaiowá, uma tekoha, já que a prefeitura reconhecera a “re-
serva para os índios”. Os Kaiowá, por sua vez, tinham a convicção de que suas terras in-
cidiam sobre a Serra Brava, e por ela começaram a brigar.
Em junho de 1980, o papa João Paulo ii arrastou milhões de fiéis em sua primei-
ra viagem ao Brasil. Marçal foi escolhido para ser o porta-voz dos índios brasileiros em
um discurso na sacada do palácio episcopal de Manaus. Ele discursou em frente ao papa:7

Pesamos à Sua Santidade a nossa miséria, a nossa tristeza, a nossa tristeza


pela morte de nossos líderes, assassinados friamente por aqueles que tomam
o nosso chão, que para nós representa a nossa própria vida e a nossa sobrevi-
vência nesse grande Brasil, chamado um país cristão.8

O índio fez menção aos líderes indígenas assassinados no país. “Queriam salvar a nossa
nação, trazer a redenção para o nosso povo. Mas não encontrou redenção, mas encon-
trou a morte.”9
Os movimentos de Marçal e do Cimi pressionaram a Funai a tomar alguma me-
dida. Em setembro de 1980, o órgão enviou à região o auxiliar técnico indigenista Elio de
Melo Palmeira. Mas ele não conseguiu chegar à área porque não tinha um veículo ade-
quado para a estrada de chão, em péssimo estado. A Funai, depauperada, não conseguia
nem conversar com os índios. De qualquer forma, com base em informações do órgão
agrário, o Incra, e da diocese local, Palmeira sugeriu um “processo legal” para “desapro-
priação” da fazenda Serra Brava e advertiu que “tudo precisa ser feito para assegurar a
permanência daquele povo na área”.10 O documento seguiu para o coronel da Aeronáuti-
ca Amaro Barbeitas Ferreira, chefe da Funai na capital.
Os fazendeiros reagiram rápido e fizeram as primeiras acusações contra Mar-
çal, em uma carta dirigida ao coronel. Astúrio alegou que apenas cinco índios haviam
chegado às suas terras “três anos” antes, somente para um serviço temporário de limpe-
za e de formação de pastagens, dentre outros, mas Marçal estaria atraindo outros índios
do Paraguai para a fazenda. Ele contou que havia contratado um empreiteiro, chamado
“Rômulo de Tal”, para substituir o trabalho dos índios, mas que eles, “orientados pelo ín-

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dio Marçal, [os Kaiowá] se recusaram a retirar-se da fazenda, sob a alegação de que a terra
era deles e que o mesmo Marçal estava providenciando a documentação junto à Funai”.11
O funcionário mencionado por Astúrio, Rômulo, ganharia muito destaque nos
anos seguintes. Ele se tornaria o suspeito número um de um assassinato. Em outubro
de 1980, Marçal escreveu uma carta ao coronel Amaro com uma acusação direta ao mes-
mo funcionário da família Monteiro.

Mais uma vez venho através desta fazer apelo a V. Sa no sentido de tomar enér-
gica providências a respeito da situação dos índios caiuás da aldeia Piraquá no
Apa. Pois o arrendatário paraguaio Rômulo Gamarra continua com suas amea-
ças contra nós. Agora está nos ameaçando de morte abertamente. O mesmo
prometeu eliminar os dois principais líderes da aldeia Piraquá, Gentil Barbo-
sa Pereira de Souza e Jacinto Ireno. Visa a minha pessoa e também a pessoa do
capitão Alziro.12

Em Brasília, na mesma época a direção da Funai recebeu um estudo feito por um antro-
pólogo dos seus quadros, Alceu Cotia Mariz, segundo o qual Pirakuá era área “de peram-
bulação imemorial, há vários anos de morada fixa de índios”. Ele pediu a demarcação
das terras. Porém, o órgão quedou paralisado por quase dois anos. Uma das consequên-
cias foi o acirramento do conflito.
Além da carta que enviou à Funai, Líbero fez um movimento nos subterrâneos
da ditadura que só anos depois foi descrito em detalhes pela boca do próprio fazendei-
ro. Ele procurou a Polícia Federal de Campo Grande para dar uma queixa com dois pro-
pósitos: “retirada dos índios e uma prensa nos padres”. Líbero acusava o frade francis-
cano Hugolino Becker e o membro do Cimi Antônio Brand de organizarem os índios. O
fazendeiro relatou ainda que chegou a ser aberto um inquérito na pf, “com base na Lei
de Segurança Nacional”, que no entanto acabou arquivado.13
O apoio do Cimi e de Hugolino aos Kaiowá não era nenhum segredo. Naquele
mesmo outubro de 1980, Becker havia enviado uma carta ao conselho de Brasília, que foi
parar na imprensa, na qual denunciou a tentativa de um fazendeiro de Amambai de ten-
tar corromper outro grupo kaiowá para que deixasse sua fazenda.14
Um dos fundadores do Cimi no estado, o gaúcho de Montenegro Antônio Jacob
Brand, nascido em janeiro de 1949, graduado em história e doutor pela puc do Rio Grande
do Sul, se tornou um profundo conhecedor da trajetória guarani. Brand costumava visitar
Pirakuá em uma Toyota, às vezes com Marçal, e ficava dias na região, conversando com
os índios e levando ferramentas e sementes. Um líder kaiowá ouviu-o dizer que os índios
“deveriam procurar seus direitos, […] e não podem ficar assim jogados”.15

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Mais tarde Brand declarou que a entrega de “sementes, ferramentas e ainda
uma pequena ajuda em comida” causou nos fazendeiros da região “profunda irritação”.
Segundo ele, o apoio “determinou o acesso de outros índios à área”, e por isso Líbero pas-
sou a acusá-lo de trazer outros índios para a aldeia de Pirakuá.16

O Kaiowá Argemiro Escalante recebeu-me em sua casa na terra indígena Pirakuá no fi-


nal de 2013. Em guarani, com tradução do cacique Jorge Gomes, ele disse que morava
em Pirakuá quando começou a briga pelas terras. O índio se recordou de diversas reu-
niões entre Marçal, Brand e o Kaiowá Lázaro Morel na localidade de São Pedro, onde a
diocese de Dourados mantinha uma estrutura para encontros e seminários.17 Lá, o Cimi
costumava realizar reuniões com indígenas de várias partes do estado, conforme recor-
dou um dos ex-voluntários do Cimi, Laerte Tetila.

Depois da divisão do estado, em 1977, os índios começam as retomadas de suas


áreas originais. E o Cimi começa a organizar as lideranças de várias tekoha. As
reuniões nas aldeias começam a partir de 1979, 1980, foi o período fértil. Na
Vila São Pedro, a Igreja tinha um espaço que dá cursos de formação em várias
áreas, como teologia. O Cimi se utilizava daquele espaço e as lideranças indíge-
nas de toda a região se reuniam ali. [Falavam] a respeito de legislação, para o ín-
dio ter consciência de seus direitos. O índio estudava o Estatuto do Índio. Cla-
ro, o Marçal também fazia parte.18

Segundo Escalante, também foi Brand quem conseguiu passagens de ônibus e


hospedagem para que Lázaro Morel e o índio Venâncio Ireno fossem pela primeira vez
à Funai em Brasília.
A partir de 1982, Morel assumiu a linha de frente da briga pela terra. Nesse
momento, segundo Escalante, o Kaiowá recebeu uma oferta do fazendeiro: quinhentos
hectares para ele e sua família, desde que retirasse os índios das terras. Morel recusou
o acordo.

Marçal sofreu assédio semelhante. A filha Eunice Silva Souza Gonçalves contou à Polícia
Federal que o pai sofrera “não só ameaças, como tentativas de suborno com o objetivo de
tolher as suas iniciativas em defesa da comunidade indígena”. Ela acrescentou que foi ofe-
recida a Marçal “a importância de 5 milhões de cruzeiros, para [que] fossem retirados de
uma aldeia de nome ‘Piraquá’, alguns contingentes indígenas”. Eunice contou ainda ter
ouvido do pai que uma pessoa o “advertiu da iminência de vir a sofrer alguma violência”.19

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A mulher de Marçal, Elisa, disse depois que Rômulo Gamarra ofereceu ao seu
marido “um pacote de dinheiro para que […] na condição de líder indígena, retirasse os
índios da aldeia Piraquá”.20 Já um amigo não índio de Marçal, Armando Campos, contou
ter ouvido do próprio Guarani que Rômulo lhe pediu “ajuda para retirar os índios da al-
deia Piraquá”. Marçal disse ter se recusado a “perseguir índio”.21
Marçal, em carta enviada ao coronel Amaro, afirmou que um “capitão” kaiowá
“anteriormente estava dando toda cobertura ao paraguaio [Rômulo], ele estava pegando
dinheiro do paraguaio para expulsar os índios da área Piraquá. Não conseguindo o seu
intento, agora está ameaçado também pelo paraguaio.”22

Líbero negou ter assediado Marçal, mas confirmou ter feito “um acerto com duas das
cinco famílias [indígenas], que se retiraram definitivamente, e as outras três pediram-
-lhe um prazo”.23 O acordo foi tratado exatamente por Rômulo, que “retornou dizendo
que as famílias queriam 25 mil cruzeiros cada uma para deixar o local, com o que con-
cordou [Líbero]”.24 Em outra ocasião, o fazendeiro confirmou ter pagado o valor às duas
famílias.25 Líbero reconheceu também que chegou a “manter um diálogo” com Morel,
mas “nenhum acordo foi feito”, pois o índio “não apresentou proposta viável”.26 Confir-
mou ainda que Rômulo trabalhou para ele “por dois anos”.27
O “paraguaio” Rômulo, que na verdade era um brasileiro nascido em julho de
1925 em Bela Vista (hoje ms), na fronteira Brasil-Paraguai, separado,28 confirmou ter tra-
balhado para Líbero com o objetivo de “derrubada de oitocentos alqueires de mata na
chamada aldeia Piraquá”, onde viviam, segundo ele, dezoito índios. O fazendeiro orien-
tou-o a procurar os índios para que eles saíssem da área e fossem levados para onde qui-
sessem ir, pois a fazenda tinha “dinheiro e caminhão”.
Mas o fazendeiro, passado um tempo, “não estava satisfeito” com Rômulo em
sua tarefa de “manter entendimentos com os índios, para que eles saíssem da aldeia”.
Líbero também “vivia insatisfeito com os índios”. Quando Rômulo anunciou que deixa-
ria de fazer o serviço, Líbero “ficou com raiva” do seu funcionário.29 A casa de Rômulo,
soube-se depois, ficava a apenas duzentos metros da enfermaria em que Marçal vivia.30

A Funai continuou demorando a agir. A primeira informação sobre a crise em Pirakuá


datou de setembro de 1980. Quase dois anos depois, um dos diretores do órgão, em Bra-
sília, alertou que a aldeia “precisa com urgência do apoio da Funai”.31 Em julho do mes-
mo ano, o então presidente do órgão, o coronel da Aeronáutica Paulo Moreira Leal, ins-
tituiu um grupo de trabalho para estudar o assunto.
O antropólogo Alceu Cotia Mariz chegou a Pirakuá no mesmo mês, onde en-

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controu “43 famílias de grupo kaiowá”. Sua conclusão foi de novo inequívoca: “É evi-
dente que toda aquela região é de imemorialidade indígena. Sua comprovação em si é
fácil. […] Os índios kaiowá que habitam a região do Piracuá têm razão em suas reivin-
dicações territoriais”.32
Mariz sugeriu a abertura de um processo para indenização dos fazendeiros, se
fosse o caso. E voltou a falar das ameaças e pressões de Líbero contra os índios. Estes,
narrou ainda o antropólogo, haviam mantido no passado uma boa relação com Astúrio,
chegando a trabalhar com ele, mas as coisas mudaram depois que ouviram o fazendei-
ro dizer que “estavam dentro de sua propriedade”. A partir daí, as tensões se acirraram,
assim como ameaças contra os índios.
Por casualidade, o próprio Mariz já havia conhecido Rômulo, quando esteve
na área dois anos antes. Segundo Mariz, houve “um contato intimidativo com o jagun-
ço vulgo Paraguaio, então morador de Campestre que, a partir de então, ‘moderou’ suas
ameaças ao grupo até desistir, retirando-se da área”. O antropólogo explicou por escrito
à Funai ter levado o caso ao “conhecimento das autoridades departamentais [da Funai]
da época”, que prometeram “providências oportunas”. Porém, depois Mariz descobriu
que o órgão apenas manteve os limites já existentes. “Portanto, nenhuma iniciativa fora
tomada em beneficio da regularização das áreas Pirakuá e fazenda Serrito, que […] con-
tinuam desassistidas e ignoradas oficialmente.”33
Relatos semelhantes de pressões contra os índios vindas de Líbero e de Rômu-
lo chegaram à Funai de Brasília também pela voz do líder Morel. Em uma das reuniões,
o índio alertou que os índios

atualmente vivem sob ameaças do sr. Líbero, que por diversas vezes esteve na
aldeia, oferecendo casas para os índios […]. A seguir mandou um indivíduo vul-
go Paraguaio empregado, tentar à força a retirada dos índios do local, amea-
çando levar a polícia, prometendo também matá-los, se não saíssem.34

O relatório de viagem de setembro de 1982 foi um importante passo para a demarcação


da terra. Em janeiro de 1983, a Funai concluiu o memorial descritivo da área. No mês
seguinte, foram entregues ao dgpi, o departamento do órgão responsável pela demar-
cação, um “mapa, memorial descritivo e portaria” da área para “aprovação de limites”.35
Nesse meio-tempo, uma confusão entre índios irrompeu na aldeia Campestre.
O “capitão” Alziro “andou espancando alguns exaltados que o agrediram”, segundo Mar-
çal. Acabou sobrando para Marçal, que ficou preso com Alziro por várias horas “na polí-
cia de Antônio João”. Antes, porém, ele disse ter sido agredido. “Na aldeia um policial a
paisano me espancou sem que eu tenha dado motivo para isso. Chegou a dar vários so-

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cos na altura dos rins. Estou sentindo muita dor no local. […] Há várias noites não posso
nem virar e deitar de tanta dor.”36
Marçal foi orientado a se dirigir à delegacia de polícia local. Lá, porém, pas-
sou a ser interrogado sobre “uma denúncia feita pelo fazendeiro do Piraquá, Líbero M.
Lima”, segundo a qual teria havido uma “invasão da fazenda”. Depois Morel também “foi
chamado a depor”. Marçal disse que explicou à polícia que ele e Brand só faziam “ajudar
os índios que precisam de ajuda e nada mais”. E que Morel também fora “ameaçado de
morte por um jagunço do fazendeiro”. O episódio parece guardar relação com a estraté-
gia, narrada anos depois por Líbero, de ter procurado a pf para denunciar o indígena e
Brand por estarem “instigando os índios”.

No início de novembro de 1983, o chefe do posto indígena da Funai de Amambai, Van-


delino Bravim, voltou a pedir celeridade na demarcação da área: “É o grupo indígena do
país em que pior situação se encontra em termos de terras, pois na maioria de suas re-
servas a proporção [é] de um hectare por habitante”.37
Ainda que a passos lentos, a movimentação da Funai em direção à demarcação
começou a ficar conhecida na região. No segundo semestre de 1983, o órgão ergueu uma
placa dentro da fazenda Serra Brava para anunciar os limites da área. Segundo os ín-
dios, porém, a placa foi incendiada no dia 25 de novembro, o que foi confirmado depois
em investigação da Polícia Federal.38 Trata-se de um dia memorável.

Os assassinos vieram à noite, sob uma chuva fina, um de casaco preto e com o rosto es-
condido por um chapéu de abas largas e o outro de calça branca e um cigarro na mão.
Vieram com uma falsa história, fizeram algumas perguntas estranhas, até que um sa-
cou o revólver e atirou à queima-roupa três vezes em Marçal, que estava de óculos, ca-
misa azul e calça jeans. Atingido no peito, perto da clavícula e no antebraço esquerdo,
ele tombou de lado e morreu. Eliminado o Guarani, a dupla correu para a escuridão do
mato. A poucos metros dali, um carpinteiro vizinho acordou em casa com os tiros e cor-
reu para a varanda, a tempo de ver dois vultos atravessando a “invernada”, o pasto onde
o gado se alimenta, para chegarem a um veículo que os aguardava com as luzes acesas.
Talvez fosse uma camionete, que em seguida deu um giro na rodovia e arrancou, levan-
do o grupo para a estrada escura.39

O impacto do assassinato de Marçal foi especialmente forte em uma pessoa, a Guarani


Elisa Vilharva, que se encontrava ao lado dele no momento do crime. Com 27 anos, ela

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estava grávida de nove meses. Deu à luz poucos dias depois, ajudada por uma parteira
da aldeia e com a família ainda tomada pelo medo de que os assassinos voltassem para
procurá-la.
Trinta anos depois, fui atrás de Elisa. Disseram-me que ela vivia na terra indí-
gena de Dourados, considerada a maior aldeia em zona urbana do país, com mais de 11,8
mil indígenas guarani e terena espremidos em 3,4 mil hectares, uma espécie de símbolo
e resumo maior da miséria enfrentada pelos Guarani no estado.40 Entre os anos de 2000
e 2012, nada menos que 608 índios tiraram a própria vida em Mato Grosso do Sul. As ta-
xas de suicídio entre os Guarani-Kaiowá são “aproximadamente vinte vezes superiores
à taxa nacional”. No ano de 2013 veio o recorde histórico anual de 73 suicídios, dezoito
dos quais ocorreram na área de Dourados.41 Os índios da aldeia de Dourados vivem em
casas de madeira e de alvenaria, muitos dependem de trabalhos eventuais em fazendas
da região ou do corte da cana-de-açúcar em destilarias de álcool, outros sobrevivem da
renda obtida com o plantio na aldeia e outra parte é socorrida com bolsas e cestas bási-
cas fornecidas pelo governo.
Perguntando aqui e ali, enfim encontrei Elisa na manhã do segundo dia do ano
de 2014, sentada em uma cadeira nos fundos da casa em que vive com a família. Ela é pe-
quena e magra, tem o rosto enrugado, as mãos com as veias saltadas, o pescoço vincado.
Elisa parece ter muito mais do que seus 58 anos. Ela falou pouco em português e mui-
to em guarani. Como intérprete, saiu em meu socorro um Guarani de trinta anos que,
ao lado de Elisa, tomava tereré, um mate gelado típico no estado. O índio trabalhou em
plantações de algodão e foi catador de lixo em Dourados, mas agora disse que enfrentava
sérias dificuldades para executar serviços pesados, o corpo não aguentava muito. Dis-
se ser esse o resultado de facadas que quase o mataram anos atrás, durante uma briga
de rua. Levantou a camiseta para mostrar as duas extensas cicatrizes que marcam sua
barriga. É a manhã de um dia de semana, mas Bibiano de Souza ficará em casa, não tem
onde trabalhar. O filho do líder indígena Marçal, magro e de feições que em muito lem-
bram a do pai, está desempregado há vários meses. Tal qual Marçal, Bibiano viveu sem
o pai desde muito cedo. Até antes de nascer: era ele o bebê que estava na barriga de Eli-
sa quando seu pai foi assassinado.
Elisa disse ter conhecido Marçal quatro anos antes do assassinato. Ela traba-
lhava como arrumadeira de um hotel na cidade de Antônio João quando conheceu o pe-
queno e agitado índio, que se disse apaixonado e foi pedir autorização ao pai da moça,
na aldeia, para poder levá-la para casa. O casal tinha 36 anos de diferença. Ela é nascida
em 1956, e ele, em 1920.42 Antes do casamento, Marçal quitou uma dívida que ela tinha
na aldeia, o que serviu de salvo-conduto para o casamento. Elisa foi morar com Marçal
na casa-enfermaria de Campestre. Era o segundo casamento dela. Depois do assassina-
to de Marçal, porém, ela nunca mais se casou.

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Bibiano traduziu a história contada pela mãe. Por volta das vinte horas de 25 de
novembro de 1983, dois homens chegaram à enfermaria-casa do pai com a história de que
precisavam de remédios. Marçal estava deitado ao lado de Elisa no chão da varanda sobre
panos que ali estendera. Ele começou a conversa ainda deitado, erguendo apenas a cabeça.

O meu pai falou que não tinha remédio. Aí um deles falou que “meu patrão foi
para a cidade e nós vemos aqui e nós precisamos de remédio”. Meu pai respon-
deu que “não tem remédio, acabou, não tem mais”. Disse que no dia seguin-
te iria atrás, ver se conseguia. Aí começaram a falar com voz grossa, diferente,
pediram uma cadeira que queriam sentar. Aí estava assim meio estranho já, de
como as coisas iam acontecer. Estavam com a mão pegando na arma.

Marçal estava desconfiado, “não entendia, não estava bom a coisa”, completou
Elisa. Ela disse ter intercedido: “Eu falei para eles: ‘Você não vem com boa intenção, vo-
cês vêm para matar o Marçal’. Aí ele disse: ‘Nós viemos para isso mesmo’”.
Um dos homens acendeu uma lanterna e ora mirou o rosto de Marçal, ora o de
Elisa. Quando Marçal se ergueu na esteira, os tiros começaram. Segundo Elisa,

só um atirou nele, o outro ficou esperando, encostado na parede. O que atirou


tinha um casaco preto, acho que tinha uma touca, um capuz, e uma calça ama-
rela. Estava de chapéu grande, tipo um sombrero, e capa de chuva. No escuro
não dava para ver direito o rosto. Estava chovendo bem pouquinho, garoando.

O segundo estava de calça branca e fumava. Após os tiros, Elisa disse ter ouvido em por-
tuguês: “Vamos embora”.
A poucos metros dali, a Guarani Romilda Vilharva, a irmã de Elisa, ouviu os
disparos e correu para a casa de Marçal, onde o encontrou caído. Três décadas depois,
ela vive na mesma aldeia e na mesma casa, com paredes de madeira e telhado de palha.
Só fala em guarani, com poucas palavras em português. Uma delas é fazendero.

O fazendeiro perseguiu o Marçal. Ele ajudava a gente, chegou aqui para traba-
lhar em saúde para nós. Ele era enfermeiro e ajudava na saúde, educação e de-
marcação de terra. [Morreu] por causa da terra. O fazendeiro ameaçava Marçal
porque ele estava a favor dos índios.43

O corpo de Marçal foi levado para o necrotério de Dourados e enterrado no dia seguin-
te junto com parte das roupas que guardava em casa — cinco camisas de tergal e algo-

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dão, duas calças, um par de sapatos do tipo “esportivo” e três cuecas —, um termôme-
tro clínico e estojo, uma moeda de dez cruzeiros emitida em 1980 e uma moeda de vinte
cruzeiros emitida em 1982.44 Na terra indígena de Cerro Marangatu, anos depois a pre-
feitura local construiu uma escultura azul, que lembra uma sepultura, no local em que
Marçal recebeu os tiros.45

A polícia contava com a testemunha ocular do crime, Elisa, mas ela não foi o depoimen-
to seguro necessário para aquele momento. Primeiro apontou o atirador como sendo
João Batista Gomes, conhecido como João Bugre, morador de Campestre. Depois disse
ter se equivocado, que o “apontou a esmo” e que estava “sob forte emoção” no primeiro
depoimento. Por fim, em uma sessão de reconhecimento na pf, Elisa não reconheceu
Bugre como o assassino.46
A provável origem da confusão de Elisa é que João Bugre de fato esteve atrás de
Marçal nos dias anteriores ao crime, mas, segundo ele, com o objetivo de pedir penicili-
na. Bugre disse que não sabia atirar, que se “dava bem” com Marçal e com o irmão de Eli-
sa, Severiano Vilhalva, com quem, aliás, estava pescando na noite do crime.47 Severiano
confirmou a pescaria e isentou João Bugre.48
A confusão ficou pior depois que a Casa Civil do governo estadual, num movi-
mento esdrúxulo, muito possivelmente para se livrar das suspeitas levantadas pela im-
prensa de que não providenciou proteção a Marçal, declarou publicamente que o crime
fora “passional”. Jornais de Campo Grande e de São Paulo chegaram a divulgar que a ex-
-mulher do índio teria mandado matá-lo por “ciúmes”.49
Cobrado pela pf, o governo estadual disse ter se baseado em um relatório da
Polícia Militar. Porém, a íntegra do papel, de apenas uma página e chamado de “Sindi-
cância verbal”, demonstra que a acusação era lastreada apenas em afirmações atribuí-
das ao “capitão” indígena Alziro e a Elisa — depois, à pf, ambos voltaram atrás.50

Com informações tão frágeis e contraditórias, a pf logo abandonou a tese do homicídio


“passional”, passando a correr atrás de outras pistas. No dia 1o de dezembro, apreendeu
um revólver no porta-luvas do carro de Rômulo, na cidade de Antônio João (ms). Tratava-
-se de um revólver Taurus, calibre 38, cano médio, oxidado, número de série 13073. A co-
ronha era feita de placas de osso amarelado, presas por uma fita isolante preta.51 Ques-
tionado pela polícia, Rômulo disse que “nunca deu um tiro sequer com a arma” e nunca
a emprestou a ninguém.52
No início de dezembro, o primeiro delegado a comandar o caso, Armando Ro-
drigues Coelho Neto, “tomou conhecimento” de que o autor do crime “teria sido Faus-

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to da Silva”, depois identificado como Faustino da Silva — a dica partiu de policiais civis
da região. Uma equipe da pf correu atrás e concluiu que Faustino trabalhou para a fazen-
da Serra Brava e “teria saído” no dia do crime em companhia de outro homem, Isaías da
Rosa, que “portava um revólver calibre 38”.53 Confirmou-se depois que ambos trabalha-
vam na outra fazenda de Líbero, a São Pedro.54 Um telegrama posterior do delegado de
polícia de Bela Vista (ms) informou que Fausto era “suspeito de praticar homicídio” na ci-
dade, mas não houve pedido de prisão preventiva porque “os indícios não autoriza[m]”.55
Localizado pela polícia, Isaías, de 44 anos, confirmou ter saído da fazenda
com Faustino no dia do crime em uma camionete D-10 pertencente a Líbero, mas dis-
se que no momento dos tiros estava em sua casa na cidade de Bela Vista.56 Faustino re-
petiu a história e forneceu como álibi o nome da amante, na casa de quem teria pas-
sado a noite de sexta-feira.
O capataz da fazenda Serra Brava, Aurélio Ajala, embora negando qualquer en-
volvimento no crime, forneceu informações inquietantes à pf. Ele disse que, um ano an-
tes do crime, um tenente e um cabo da Polícia Militar de Bela Vista foram chamados por
Líbero para “instigar os índios da aldeia Piraquá”. Os policiais deixaram a camionete na
sede da fazenda e seguiram a cavalo para a aldeia, acompanhados de outro funcionário
de Líbero, chamado Peruí. Na volta, Peruí contou ao capataz que os pms fizeram dispa-
ros na aldeia, mas ninguém se feriu. Peruí também disse que “Líbero iria dar uma casa
para ele em troca de um serviço”. Não revelou que serviço seria esse.57 Ajala acrescentou
que Peruí esteve em Pirakuá outras duas vezes, ao lado de Fausto, e que um funcionário
da fazenda, chamado de Gaúcho, “usa um revólver calibre 38”.
Em uma visita à aldeia, o delegado da pf soube que o índio Alexandre Arinos
tinha informações úteis. O Guarani relatou que, dois dias antes da morte de Marçal, foi
avisado pelo filho do capataz da fazenda Rancho Alegre, vizinha à Serra Brava, para que
tomasse cuidado naqueles dias porque na região “havia três pistoleiros que iam matar
um índio” — um dos quais seria chamado Fausto e outro conhecido como Gaúcho, am-
bos funcionários de Líbero.58
O filho do capataz que alertou o índio era Eraldo Almeida Duarte, de 23 anos.
Localizado pela pf, ele confirmou que “procurou orientar o índio para que tomasse cui-
dado” porque os funcionários da fazenda, para chegar ao trabalho, tinham que passar
pela propriedade de Líbero. Eraldo disse que passou a advertir os índios “recentemente
porque ultimamente andavam circulando pelas terras de Líbero Monteiro pessoas que
falam ser ‘pistoleiras’”. Nominou as pessoas de Fausto e Gaúcho. O primeiro, segundo
Eraldo, seria um “pistoleiro avá”. A polícia quis saber o que significava a expressão. Eral-
do respondeu: “Significa matador de índios”.59

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A polícia confirmou a identidade de Gaúcho: tratava-se de Paulo Ronaldo Dourado Costa,
motorista de 26 anos, nascido em Santana do Livramento (rs). Quando lhe perguntou por
que ele adotara “comportamentos suspeitos”, como “ter se evadido, haver procurado um
advogado e ter sido procurado o juiz de Ponta Porã para ser impetrado algumas medidas
em seu favor”, Gaúcho disse que agiu assim porque as pessoas que estiveram antes na mes-
ma delegacia “apanharam muito”. Ele contou que fazia diversos serviços para Líbero, como
dirigir, “fazer compras, fichar empregados” e fazer “escrita da fazenda”. Porém, negou ser
“pistoleiro” e disse que não conheceu Marçal nem sabia onde ficava a aldeia de Campestre.
Nas suas declarações à pf e nos interrogatórios judiciais, Líbero sempre negou
qualquer envolvimento no crime. Disse que nem sequer conhecia pessoalmente Marçal
e que ficou sabendo do assassinato pela televisão, acrescentando que seu nome estava
sendo “injustamente” vinculado ao crime, fato com o qual “nada tem a ver”. Reconheceu
apenas a disputa em torno das terras de Pirakuá.60 À imprensa, não negou seus desen-
tendimentos com Marçal: “Ele era um ‘bugre’ muito audacioso”.61
Em outro depoimento, Líbero adicionou um dado de interesse à investigação:
dias após o crime, os funcionários de sua fazenda Faustino, Isaías e “outros”, de cujos
nomes não se lembrava, deixaram sua propriedade, sem maiores explicações, “toman-
do rumo desconhecido”.62

A pf enfrentou dificuldades financeiras para trabalhar. O segundo delegado a comandar


o caso, Aldeir Bório Gonçalves, solicitou, por exemplo, três diárias para que dois agen-
tes viajassem para tentar localizar um índio que teria sido o autor dos disparos. A verba,
contudo, só foi liberada dezesseis dias depois — a diligência foi infrutífera.63
Em 31 de maio de 1984, Bório solicitou ao juiz do caso, por telegrama, que
decretasse a prisão preventiva de Rômulo, pois dera positivo o exame do revólver
apreendido em poder do suspeito, “comparado a um dos projéteis encontrados [no]
corpo da vítima”.64 Bório enviou para exame, no Instituto Nacional de Criminalística,
em Brasília, três revólveres (a origem dos outros dois nunca foi esclarecida) e “cinco
projéteis de arma de fogo de chumbo endurecido”.65 O projétil de número cinco, com
dez gramas e deformações “devido a posterior impacto a obstáculo resistente”, corres-
pondeu ao revólver Taurus de Rômulo. A bala tinha “características individualizado-
ras semelhantes aos projetis colhidos como padrões da arma no 2”, “sendo esta res-
ponsável por tê-lo expelido”.66
Rômulo foi preso pela pf às quinze horas do dia 31 de maio de 1984, nada me-
nos que seis meses depois da apreensão da arma em seu carro.67 Em 10 de junho, assi-
nou uma procuração e constituiu como seu defensor um dos mais caros e talentosos ad-
vogados criminalistas do estado, Renê Siufi. Tratava-se do mesmo advogado de Líbero.68

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Siufi foi ao antigo Tribunal Federal de Recursos (tfr), que, no dia 28 de agosto de 1984,
concedeu o habeas corpus por unanimidade, o que levou à soltura imediata do preso.69
Desde então, Gamarra nunca mais foi visto, com ou sem vida.
O tfr também foi o palco de uma disputa judicial que consumiu quase três
anos do processo, período em que toda a investigação sobre o crime teve que ser parali-
sada. Provocada por um procurador da República, a Justiça em Brasília levou todo esse
tempo apenas para dizer se o caso deveria tramitar na Justiça Federal ou na Justiça co-
mum do estado — venceu a segunda hipótese.
A investigação só foi retomada em 1987, quatro anos após o crime. Em 2 de de-
zembro, uma filha de criação de Rômulo, a paraguaia Ivone Chucarro, então com quin-
ze anos, fez uma declaração extraordinária à pf.

[Ela] tem absoluta certeza, na condição de filha de Rômulo Gamarra, que foi
o seu pai quem efetivamente matou o índio Marçal de Souza; não sabe quem
foi o mandante do crime, no entanto, na época do homicídio, seu pai era em-
pregado do fazendeiro Líbero. Logo após a morte do índio Marçal de Souza,
o seu pai, Rômulo Gamarra, chegou a colocar um revólver no peito da infor-
mante, a fim de intimidá-la, para que nada contasse à polícia.70

O desaparecimento de Rômulo não permitiu à polícia fazer uma acareação,


uma confrontação, sobre a história contada por Ivone. A garota também nunca foi ou-
vida em juízo.

Mesmo com a fuga de Rômulo, o processo prosseguiu em relação a Líbero. Veio à tona
um sério buraco na investigação. Para obter a prisão de Rômulo, o delegado Bório ha-
via assinado um despacho pelo qual determinara a elaboração do auto de apreensão do
revólver “assim como dos projéteis encontrados no corpo da vítima e arredores”.71 Além
disso, em telegrama enviado à Justiça, Bório reiterou que o exame dera positivo quando
se comparou “a um dos projéteis encontrado [no] corpo da vítima”.72 Porém, o laudo de
exame cadavérico nada dizia a respeito de apreensão de projéteis. O promotor de Jus-
tiça Antonio Clemente Neto percebeu que não havia projétil algum apreendido oficial-
mente nos autos nem constava no inquérito “alusão anterior” alguma sobre o fato.
Em 1989, o juiz Luiz Carlos Saldanha Rodrigues reconheceu a grave falha da in-
vestigação. Ele mandou indagar ao primeiro delegado da pf que cuidara do caso na Polí-
cia Federal, Armando, na época vivendo em São Paulo: “Quando presidiu o inquérito po-
licial, […] determinou a apreensão de projéteis de arma de fogo e, em caso positivo, onde
e em poder de quem foram apreendidos?”.73

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O delegado disse que não se recordava direito dos fatos, que “não sabe informar
sobre o destino dado aos citados projéteis”, mas poderia “presumir” que os projéteis ti-
nham sido retirados pelos médicos.74 Em outro depoimento, acrescentou que “houve
uma pressa em querer apresentar rapidamente o culpado pelo homicídio”, devido ao
crime ter provocado “uma enorme repercussão dada pela imprensa”.75
O juiz também ordenou uma inquirição dos peritos que fizeram o primeiro
exame do cadáver. Fora feita uma autópsia? Do corpo de Marçal foram retirados projé-
teis? Um dos peritos, Nivaldo de Souza Ramos, contou que eles “na ocasião não dispu-
nham de condições materiais” para realizar uma autópsia. Assim, havia sido feito ape-
nas um exame externo, “usando-se das técnicas de praxe”. Não fora retirado nenhum
projétil do corpo de Marçal.76
O médico Catarino Antonio Hernandes Moreno relatou que

não havia boa iluminação, o que não permitia uma busca nos arredores do lo-
cal. Não foi feita autópsia, nem retirados projétil ou projéteis do corpo da víti-
ma, dizendo, entretanto, que houve transfixiação do corpo da vítima por pro-
jéteis, localizados no corpo e no braço, conforme consta do auto de exame
cadavérico. Que não foram recolhidos os projéteis que transfixiaram o corpo
da vítima.77

Trinta anos depois, o delegado federal Armando Coelho revelou-me o que concorreu
para a tumultuada investigação sobre o assassinato de Marçal. Em dezembro de 1983, ele
fez sua primeira e única viagem à aldeia de Pirakuá, com um carro emprestado da Recei-
ta Federal. Ao regressar à sua casa, em Ponta Porã, soube que uma equipe da pf procura-
ra sua mulher para dizer que ele não era mais o delegado do caso e que seria transferido
da cidade nos próximos dias. Segundo Coelho, ele ficou apenas um mês e alguns dias na
presidência do inquérito. “Na época da ditadura faziam isso, transferiam as pessoas as-
sim. O carro encostava na sua casa, entregava as passagens e você estava transferido. […]
Com esse rompimento brusco da investigação, até retomar o que se estava fazendo…”78
O delegado atribuiu sua saída do caso às pressões que fez à Casa Civil do gover-
no do estado a propósito das informações que chegaram à imprensa associando o crime
a uma suposta vingança da ex-mulher de Marçal, hipótese que Coelho achava absurda,
e que teria surgido mediante tortura, como agora revelava.

Eles fizeram muita merda, se apressaram a apresentar gente que não tinha
nada a ver. Deram um pau num cara lá. […] Eu disse: “Olha, eu não vou pren-
der esse cara, que não tem nada a ver”. Ficavam fabricando culpados. Pegaram

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um Bugre, um índio Bugre. Ele foi torturado, deram um pau nele para ele falar
merda. E o que ele falou não tinha nada a ver.

Os documentos do inquérito confirmam que o último despacho assinado por


Coelho é datado de 20 de dezembro de 1983. Dois dias depois, o diretor da pf no esta-
do de Mato Grosso do Sul determinou a redistribuição dos autos a outro delegado, sem
apontar nenhum motivo para a decisão.79 Só em 13 de fevereiro é que o novo delegado do
caso passou a atuar. Assim, a investigação sobre o assassinato ficou paralisada por cerca
de cinquenta dias, e justamente na fase inicial, que costuma ser a mais sensível em uma
investigação de homicídio.80

O juiz Saldanha chegou a amargas conclusões. Ele escreveu que a polícia agiu “sem pro-
ceder ao isolamento da área [do crime], sem proceder ao exame do local e sem apreen-
der os objetos que tivessem ligação com o crime ou que viessem a facilitar a descoberta
da autoria”. Sobre a bala que não tinha origem, o juiz reconheceu: “Essa é uma das dúvi-
das que vêm dificultando o esclarecimento da verdade, enfraquecendo os indícios da au-
toria aponta [da] contra o denunciado Rômulo”.81 Assim, ele determinou a exumação do
cadáver de Marçal, numa tentativa de descobrir se os projéteis continuavam no caixão.
Na manhã do dia 19 de junho de 1991, os peritos abriram a cova número 4531 do
cemitério municipal Santo Antônio de Pádua, em Dourados. Contudo, nenhum projétil
foi encontrado perto da ossada nem na terra misturada ao caixão. Assim, havia apenas
duas possibilidades: as balas atravessaram o corpo, mas não foram localizadas, recolhi-
das nem apreendidas pela polícia no local do crime; ou as balas, uma ou todas, pararam
no corpo do índio e foram retiradas pelo exame cadavérico, mas depois sumiram.82 Em
ambas as hipóteses, porém, teria havido uma falha grosseira na investigação, o que com-
prometeu boa parte da acusação contra Rômulo e Líbero. Sem a bala para fazer a con-
frontação com o revólver apreendido em poder de Rômulo, não havia um elo material
entre o acusado e o crime.
Para complicar tudo ainda mais, simplesmente desapareceram, no fórum de
Ponta Porã, os projéteis que haviam sido levados à perícia anos antes. Também não foi
encontrado registro de que eles tenham sido enviados, em algum momento, ao Judici-
ário.83 As balas, em especial a que comprometia Rômulo, viraram fumaça. Ao saber do
fato, o juiz Saldanha concluiu que se tornava “impossível a nova balística nos projéteis”.84
Restou como um profundo mistério a origem da bala enviada à perícia que ligava Rômulo
ao assassinato de Marçal. Talvez nunca se esclareça de onde veio e para onde foi.
Para piorar o quadro, o assistente de acusação Jorge Ney Corrêa Rodrigues,
que acompanhava o caso em minúcias em nome de dois filhos de Marçal, Edina e Epitá-

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cio, sofreu um grave acidente de moto e morreu de um surto hemorrágico poucos me-
ses antes do primeiro tribunal do júri, realizado em março de 1993. Os filhos de Marçal
tiveram que substituir o advogado às pressas, nomeando pessoas do setor jurídico do
Cimi.85

Dez anos após o assassinato, em março de 1993, índios guarani de diferentes aldeias
cantaram e dançaram na frente da Câmara Municipal de Ponta Porã enquanto trans-
corria o primeiro tribunal do júri sobre as acusações contra Líbero. Como estava foragi-
do, Rômulo não foi levado a julgamento. Ele é dado como desaparecido até os dias atu-
ais. Em julho de 2015, teria completado noventa anos. Na denúncia, o Ministério Público
citou Faustino, Isaías e Paulo Ronaldo, sobre os quais “se formou fundamentadas opi-
niões de executores direto do homicídio”, mas deixou-os de lado na hora da acusação.86
Acompanhei o julgamento sob um forte calor no salão principal da Câmara, a
despeito de vários ventiladores instalados de última hora. Como não cabia todo mundo
no prédio, o juiz mandou afixar um telão na praça em frente ao fórum. No meio dos de-
bates, a questão da misteriosa bala desaparecida foi enfatizada várias vezes pelo advo-
gado de Líbero, Renê Siufi. Ele elaborou uma detalhada peça de defesa que basicamen-
te desmontou o processo pedaço por pedaço, numa exposição equilibrada e técnica.
Quando o promotor de Justiça percebeu a linha da defesa, arriscou-se em um ato ex-
tremo: arremessou várias peças do processo para o alto, indagando se “elas não valem
nada?”. Os papéis voaram para todo lado, para surpresa da plateia e incômodo do juiz,
que repreendeu o promotor.
Dois advogados ligados de São Paulo reforçaram a acusação: Luiz Eduardo
Greenhalgh, militante do pt, e sua sócia Michael Mary Nolan, uma experimentada ati-
vista dos direitos humanos. Porém, eles pouco puderam fazer. Líbero foi absolvido pe-
los jurados, que acolheram a tese da negativa da autoria.
A acusação recorreu ao Tribunal de Justiça alegando, dentre outros pontos,
que o inquérito policial tinha

um erro tão inacreditável quanto imperdoável — e que foi muito bem explora-
do pela defesa — pois foi efetuada uma perícia que determinou que certo pro-
jétil partiu da arma apreendida em poder de Rômulo Gamarra, só que não se
indica onde e como tal projétil foi apreendido.87

O Ministério Público conseguiu um novo julgamento, realizado em junho de


1998. Mas de novo Líbero foi absolvido da acusação, por cinco votos a dois.88
O assassinato de Marçal foi alçado à galeria da vergonha da impunidade no país.

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***

A morte do Guarani atraiu a atenção internacional em novembro de 1983. Poucos me-


ses depois, porém, outro índio tombou silenciosa e anonimamente à beira de um rio no
Acre, a milhares de quilômetros de Dourados. Em julho de 1984, um dos principais in-
digenistas da região, cuja perseguição pela ditadura havia sido o pivô da crise com a sbi
quatro anos antes, José Carlos dos Reis Meirelles Júnior, chegou de barco ao ponto de
encontro entre o igarapé Moa e o rio Iaco na companhia de um índio, Otávio Brasil, e seu
sogro, Antonio Figueiredo, onde montou acampamento a fim de obter “rancho [comida]
para a derrubada de nossos roçados”. Eles secaram a carne de uma anta e de alguns pei-
xes. No dia 21, Otávio saiu do acampamento de barco para pegar ovos de tracajá, enquan-
to Meirelles e Antonio arrumavam as coisas, já se preparando para deixar o local. Numa
praia, Otávio parou o barco e seguiu a pé pelo mato. Na volta, notou um grupo de garças
voando “espantadas” e escutou “dois assovios”. Ao se aproximar da praia, viu que estava
toda tomada por índios conhecidos como Masko, “índios arredios nômades”, no enten-
der de Meirelles. Eram cerca de quarenta. Quando viram Otávio, começaram a desatar
os maços de flechas que carregavam. Otávio “correu a praia toda”, sempre perseguido
pelos Masko, até chegar ao acampamento para alertar os dois amigos, que de imediato
começaram a desmontar tudo para sair dali o mais rápido possível. Porém, não foram
tão rápidos. Enquanto se dirigia à canoa, Meirelles viu as primeiras “pontas de taboca
das flechas passando pela encosta da praia”. Ele recuou. Conseguiu ver oito índios e ges-
ticulou na direção deles, tentando manter uma conversa.
“A resposta foi uma chuva de flechas. O ataque começou”, escreveu depois o in-
digenista. Antonio, que tinha cerca de setenta anos, andava devagar nas areias da praia
e logo foi alcançado por um índio. Meirelles sacou o rifle calibre 22 que carregava às cos-
tas e deu um primeiro tiro para o ar, na tentativa de assustar o Masko, mas isso foi inú-
til. O Masko, segundo Meirelles, chegou a “dez ou quinze metros de Antonio e esticou
o arco”. Meirelles atirou pela segunda vez, agora na direção do índio, que foi atingido e
tombou. Os outros continuaram gritando e soltando flechas. Cansados de fugir, Meirel-
les e Otávio deram meia-volta e passaram a correr em direção contrária, aos gritos. Otá-
vio deu outro tiro para o chão. Os índios se assustaram e recuaram, dando tempo para
a fuga do trio.
No dia seguinte, um grupo de índios jaminauá, inimigos dos Masko, retornou
ao acampamento para resgatar pertences de Meirelles que ficaram para trás. Lá, disse-
ram ter encontrado uma sepultura na praia coberta com areia e palha.

Até agora me encontro perplexo com o ocorrido. Em primeiro lugar pela sur-
presa em que fomos pegos. Em segundo, por ser obrigado a tirar a vida de um

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ser humano e por último esse ser humano ser um índio, [ao qual] bem ou com
defeitos, tenho dedicado catorze anos de minha vida. Ou era isso, ou então, te-
nho certeza, não estaria aqui escrevendo este relatório, junto de minha mulher
e filhos e nem aqui estariam meus companheiros de viagem. Feliz por estar
vivo e profundamente amargurado pelo ocorrido. O velho lema do marechal
Rondon: “Morrer se preciso for, matar nunca”… Não tive tempo nem paz para
refletir nele.89

Essa história, relatada em ofício confidencial, só veio à tona na imprensa anos depois,
quando a ditadura já não mais existia, por iniciativa de Meirelles, que passou a contá-la a
quem se dispusesse a ouvir, a fim de fazer as pazes com o passado. Ocorrida em julho de
1984, talvez tenha sido a última morte violenta documentada de um índio durante a di-
tadura. Como amarga ironia, o Masko morreu logo pelas mãos de um dos principais de-
fensores dos índios no Acre, que havia criado atritos com a ditadura e se arriscado pela
demarcação de terras indígenas.
“Todos que vão de maneira ou outra opinar e julgar minha atitude, o façam
com calma e justiça de quem vê as coisas de fora. Tive uma fração de segundo para deci-
dir. Preferi viver”, escreveu Meirelles em 1984.
O apelo do indigenista por uma interpretação mais tolerante e compreensi-
va serviria para a análise de outros eventos ocorridos na ditadura, quando funcionários
públicos, mesmo com a melhor das intenções, acabaram produzindo resultados catas-
tróficos.

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EPÍLOGO (TALVEZ UMA VITÓRIA)

desde o fim da ditadura, em 1985, o estado brasileiro nunca divulgou, de for-


ma pública e abrangente, um balanço crítico sobre suas ações em torno das populações
indígenas. Algo parecido chegou a ser ensaiado entre quatro paredes na Funai, devida-
mente longe dos holofotes da imprensa. Ainda que de forma tímida, tratou-se de uma
primeira reflexão acerca dos longos 21 anos da ditadura.
Entre os dias 1o e 6 de maio de 1985, todos os delegados regionais e técnicos de
vários departamentos do órgão reuniram-se na sede, em Brasília, para apontar “diretri-
zes voltadas para reformulação da política indigenista oficial e reestruturação da Funai”.
Da análise das atividades e do sistema de organização da fundação, quase nada se sal-
vou. No tema da demarcação das terras, o Brasil estava “muito distante” das metas esta-
belecidas no Estatuto do Índio e “a violação dos direitos dos índios” se mostrava “drás-
tica”; na educação, os currículos oferecidos aos índios ignoravam “as especificidades”
e tão somente reproduziam os “currículos tradicionais da sociedade nacional”; o orça-
mento da Funai continuava diminuto, insuficiente para prestar “uma assistência dig-
na às comunidades indígenas”; a administração do órgão priorizava “uma centralização
cada vez maior, em detrimento de seu corpo técnico e dos próprios índios”; e sua “polí-
tica empreguista” resultou na concentração de servidores nas sedes, enquanto as áreas
indígenas “apresentam-se carentes de servidores qualificados”.1
Para os mais graduados servidores da Funai, o próprio objetivo maior da polí-
tica indigenista era um tremendo equívoco. O texto parecia ter sido escrito pelo Cimi, e
não por agentes do próprio Estado. Poucos anos antes, seria facilmente tachado de sub-
versivo e agitador.

Uma política de extermínio ou de integração assimilacionista, onde os índios


e as sociedades indígenas foram encarados ou como empecilhos à plena ocu-
pação de um espaço economicamente cobiçado pela sociedade nacional — e
neste caso o extermínio foi praticado por recomendação régia e imperial — ou

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como entraves que deveriam ser reduzidos para posterior “educação”, que vi-
sava transformá-los em cidadãos produtores, sem direitos especiais. […] o fato
é que o Estado (da colônia à República) sempre tentou manobrar o destino das
populações indígenas nacionais no terreno limitado pelo extermínio puro e
simples e pela proteção física para posterior assimilação.

O Estatuto do Índio, baixado pela ditadura, teve por objetivo “reformar al-
guns princípios liberais e humanísticos já fixados na tradição brasileira sem contu-
do deixar de fixar que o destino das populações indígenas é sua ‘integração à comu-
nhão nacional’”.
Os chefes da Funai chegaram a duras conclusões sobre o papel do Estado bra-
sileiro, cuja prioridade eram “ações que visam minar a resistência dos grupos indígenas
que são capazes de oferecer maior resistência ao projeto de incorporação de terras ao pa-
trimônio nacional”. “Na verdade, o Estado brasileiro sempre atribuiu-se o direito de deci-
dir soberanamente sobre o destino das sociedades indígenas, seus bens, seus territórios.
Em nenhum momento da história do país os índios foram ouvidos sobre estas decisões.”
Os servidores encaminharam os resultados da reunião em uma carta ao en-
tão ministro do Interior, Ronaldo Costa Couto, além de uma lista tríplice para a esco-
lha do novo presidente da Funai com os nomes de Áureo Falheiros, Odenir Oliveira e
Marcos Terena.
Em outra carta, o presidente interino, Gerson Alves, alertou que a falta de re-
cursos da Funai e a indefinição quanto ao novo presidente ocasionaram “um afluxo des-
medido de índios a Brasília” buscando melhor assistência para suas aldeias. Ele calcu-
lou que trezentos índios apareciam diariamente na sede do órgão. Gerson afirmou que
havia “uma escassez de recursos” na Funai, cujo orçamento “não atende sequer as des-
pesas relativas ao primeiro semestre do ano”. Com exceção da pressão indígena em Bra-
sília, parecia ser uma cópia das cartas desesperadas enviadas pelo então diretor do spi,
Hamilton Castro, ao então Ministério da Agricultura duas décadas antes, em 1966.
As críticas apresentadas pelos servidores da Funai produziram poucos resul-
tados. Nenhum dos nomes da lista tríplice foi escolhido pelo governo Sarney. No ano se-
guinte, o órgão passou às mãos do futuro senador Romero Jucá, em uma gestão que esti-
mulava a exploração das riquezas de terras indígenas e acabou marcada por denúncias
de graves irregularidades administrativas. A ideia dos servidores de que a Funai fosse
subordinada diretamente à Presidência da República também nunca foi acolhida.

Outro balanço feito ao final da ditadura produziu resultados mais concretos. Tratou-se
de um mea-culpa sobre a política oficial de contato com índios isolados. Começou a se

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consolidar a ideia de uma política de não contato, que implicava o desaparecimento dos
processos de “atração” e “pacificação”. Ou seja, se os índios estavam vivendo bem iso-
lados na mata, que assim continuassem. Na segunda metade da década de 1970, a dire-
ção da Funai já considerava essa possibilidade, como indicou, ainda que de maneira não
muito clara, uma fala do general Ismarth:

Nós temos grupos ainda isolados, sabemos que não estão tendo qualquer com-
pulsão. Então, nós os deixamos lá, quietos. […] Estão tranquilos, vamos deixá-
-los. Quanto mais tempo ficarem nessa situação, melhor; não precisam nem da
Funai nem de ninguém, sobreviveram até agora. Mas até quando eles poderão
ficar nessa situação?2

A posição de Ismarth a rigor expressava um grande avanço em relação, por


exemplo, à do ex-ministro do Interior José Costa Cavalcanti, que havia preconizado o
oposto:

Somente o contato, somente a integração gradualista, somente a procura dessa


proteção, somente essas medidas que se tomam em relação às empresas pri-
vadas, aos trabalhos do governo, só assim se procedendo, o índio pode sobre-
viver. Do contrário, é difícil a sobrevivência dele, isolado nesses verdadeiros —
como os chamei — museus da selva.3

Nos anos 1970, o contato com os isolados era um objetivo a ser alcançado den-
tro da política geral de integração, como expressa um ofício confidencial do Departa-
mento Geral de Planejamento Comunitário.

Com a continuidade do contato, e observando a superioridade da tecnologia


dos civilizados, o indígena vai pouco a pouco abandonando os seus métodos
tradicionais de caça e pesca e adotando os artefatos e os métodos usados na
nossa sociedade. Este é o primeiro passo para a almejada integração dos indí-
genas à sociedade envolvente.4

Durante a cpi do Índio, em 1977, a discussão sobre contatar ou não os isola-


dos apareceu em alguns depoimentos. O deputado federal Dias Menezes (mdb-sp) disse
que o ideal seria “apenas deixá-los onde eles existem, nas suas áreas, sem contato com
ninguém, sem precisar serem integrados”. Mas a resposta também não era tão simples
quanto a do parlamentar, dado que muitos índios isolados podiam ter sua sobrevivência
posta em risco por ataques de “civilizados”, como madeireiros e garimpeiros, por doen-

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ças ou por guerras intertribais. Nessas condições, uma intervenção do Estado poderia
impedir o extermínio de uma etnia.

Foram tantos os equívocos, foi tão alta a mortalidade, que a Funai se viu obrigada a
dar um passo atrás. Em agosto de 1983, o sertanista Sidney Possuelo elaborou uma
série de sugestões para uma nova “política para os grupos arredios”. Após apontar “a
pressão geral” que os grandes empreendimentos, como estradas e hidrelétricas, exer-
ciam sobre os índios isolados, Possuelo defendeu a revisão de conceitos “que perma-
necem os mesmos desde o princípio do século, não mais condizentes com as circuns-
tâncias atuais”. As equipes de atração da Funai eram acionadas apenas “em situações
de emergência”, e ainda assim “de maneira desordenada”. Era necessário antecipar-se
às crises e fazer um amplo levantamento prévio sobre a localização dos grupos isola-
dos. Possuelo opinou pela criação de uma coordenadoria específica para os isolados.5
A proposta, porém, ficou estacionada por quase quatro anos nas gavetas da burocra-
cia da Funai.
Em 1984, ao menos no discurso o órgão indigenista já dizia ter incluído como
política oficial a ideia de “não propiciar a chamada ‘pacificação’ ou contato, desde que
não estejam em risco sua integridade territorial, cultural e física”.6 Mas não havia ne-
nhuma mudança real na política e na estrutura administrativa — a ditadura acabou sem
revisar esse ponto.
Muitos servidores da Funai tinham plena consciência da alta mortalidade pro-
vocada pelos contatos mal estruturados e mal planejados. Tais conclusões ficaram ób-
vias em junho de 1987, quando, sob a coordenação de Possuelo, alguns dos mais conhe-
cidos sertanistas do país se reuniram em Brasília, entre os quais Afonso Alves da Cruz,
João Evangelista de Carvalho, Fiorello Parise, Sebastião Amâncio da Silva e Julio Reinal-
do de Morais, o Camiranga, além dos indigenistas José Carlos dos Reis Meirelles Júnior
e Antônio Pereira Neto, entre outros.

Embora tenhamos consciência do heroísmo e do sacrifício de inúmeros compa-


nheiros, nunca poderemos nos esquecer de que, quando estamos em processo de
atração, estamos na verdade sendo pontas de lança de uma sociedade complexa,
fria e determinada, que não perdoa adversários com tecnologia inferior. Estamos
invadindo terras por eles habitadas, sem seu convite, sua anuência. Estamos lhes
incutindo necessidades que jamais tiveram. Estamos desordenando organizações
sociais extremamente ricas. Estamos lhes tirando o sossego. Estamos os lançando
num mundo diferente, cruel e duro. Estamos, muitas vezes, os levando à morte.7

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Os sertanistas chegaram à conclusão de que não se devia mais fazer contatos
“apenas por fazer”.

É necessário que o conceito de proteção ao índio isolado seja reformulado. […]


A Funai deveria implementar medidas de proteção aos índios isolados cujos
territórios não estejam ameaçados ou cujas ameaças possam ser contornadas.
[…] O ato do contato só deverá ocorrer quando comprovadamente aquele gru-
po isolado não tiver mais condições de suportar o cerco de fazendas, invasões
de seu território etc. Quando compulsões incontroláveis ocorrerem, aí então, o
ato de se manter contato seria uma medida essencial de proteção.

A Funai por fim baixou, em 1987, uma portaria que estabeleceu as diretrizes


para uma Coordenadoria de Índios Isolados, cujo primeiro diretor foi Possuelo. O do-
cumento estabelecia que a saúde dos isolados era “considerada prioritária”, estimulava
ações de campo para localizá-los geograficamente e obter informações sobre eles, mas
estabelecia que “a constatação da existência de isolados não determina, necessariamen-
te, a obrigatoriedade de contatá-los”.
Caso o contato fosse inevitável, havia uma série de prescrições e determinações
com os mínimos detalhes sobre a ação das equipes nele envolvidas. No âmbito da saúde,
por exemplo, a Funai iria providenciar a aquisição e o envio ao campo de medicamentos,
e não em qualquer quantidade, mas sim “suficiente para tratamento a nível de surto ou
epidemia”. Comprometia-se também a exigir a comprovação de vacina de pessoas não ín-
dias, mesmo que autorizadas a entrar na área, deveria retirar do lugar “qualquer pessoa que
apresente doença infectocontagiosa”, impediria a distribuição de roupas usadas aos índios,
entre outras medidas simples que, no passado, poderiam ter salvado muitos indígenas.
Em abril de 1988, após consultar documentos internos e entrevistar “sertanis-
tas, antropólogos, técnicos indigenistas, índios e regionais”, a nova coordenadoria apon-
tou a existência de 82 grupos de índios isolados nos estados de Amazonas, Rondônia,
Mato Grosso, Pará, Goiás, Acre, Roraima e Maranhão. O destino desses povos depende-
ria da capacidade da Funai de reconhecer os erros do passado e aplicar com rigor as no-
vas determinações.

Entretanto, não mudou a tradicional visão da região amazônica, por parte da cúpula mi-
litar, como um vazio a ser ocupado e desenvolvido, por razões de segurança nacional,
ideológicas, econômicas e logísticas. Nesse contexto, como definido em pelo menos um
documento secreto formulado em meados dos anos 1980 pelo Conselho Nacional de Se-
gurança Nacional e apreciado pelo Estado-Maior das Forças Armadas, o índio aparece

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como um entrave ao desenvolvimento da região de “imenso potencial extrativo mineral
e vegetal, agropecuário, industrial, pesqueiro, turístico, energético”.

Entretanto, sua [da Amazônia] ocupação e desenvolvimento socioeconômico


têm sido dificultados ou mesmo impedidos por problemas indígenas (com in-
gerências de ordem nacional e internacional), crescimentos desordenados em
alguns pontos, narcotráfico, problemas fundiários, exploração predatória dos
recursos naturais, deficiente infraestrutura governamental na região e confli-
tos entre posseiros e fazendeiros, garimpeiros, empresas mineradoras, organi-
zações nacionais e estrangeiras “defensoras” dos índios, do equilíbrio ecológi-
co e do “congelamento” (intocabilidade) da maior parte possível da Amazônia
“em benefício do futuro desse patrimônio da Humanidade”.8

O estudo secreto sugeriu uma “eficiente revisão do Estatuto do Índio, de


modo a conduzir eficazmente o silvícola à incorporação à sociedade envolvente, pas-
so inicial para que, junto com os demais brasileiros, possa participar do processo glo-
bal de integração nacional”.
Em outro estudo também secreto, de 1986, o csn chegou a associar os chama-
dos “problemas indígenas” a manobras com intenção “separatista”.

A crescente atuação de grupos de pressão (externos e internos) tem forte


coincidência com a ação típica de lenta e velada preparação de movimentos
indígenas separatistas, incutindo os sentimentos de identidade racial e cultu-
ral próprios e diferentes da sociedade brasileira, de direito histórico de pos-
se do solo e subsolo do seu território, com suas fronteiras reconhecidas e de-
marcadas, e de autodeterminação. A ação desses grupos tem como propósito
imediato criar uma situação de isolamento dos indígenas em relação à socie-
dade nacional.

Os militares continuaram a falar em fantasmas de “enclaves” e riscos à seguran-


ça nacional.

O processo administrativo de demarcação de terras indígenas, inclusive com o


claro respaldo constitucional, possibilita a formação de enclaves indígenas in-
terditos à sociedade brasileira elevando, em níveis inaceitáveis, o risco de per-
da de território nacional. Esse processo deve ser modificado para diminuir sua
vulnerabilidade aos grupos contestadores, evitando a formação de corpos es-
tranhos dentro do conjunto e da soberania do país.9

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Foi diverso o destino de muitos apoiadores dos índios nos anos 1960, 1970 e 1980. An-
tonio Cotrim, que abandonou a Funai para não ser coveiro de índios, tornou-se comer-
ciante em Maceió. Porfírio Carvalho escreveu um livro ainda durante a ditadura sobre
o caso waimiri-atroari, no qual reproduziu documentos sigilosos do Exército. Por isso,
disse ter sofrido ameaças e um processo com base na Lei de Segurança Nacional. Após
deixar a Funai, ele foi contratado pela Eletronorte, que havia construído a hidrelétrica
de Balbina na área indígena. Com os recursos da estatal, pôs em prática um programa
específico para os índios, bancando projetos nos setores de saúde e educação. Carvalho
controla o acesso e o trânsito na área indígena com mão de ferro e uma série de câme-
ras que mandou espalhar na região. As imagens podem ser vistas em tempo real na sede
da Eletronorte em Manaus. Essa experiência é tanto elogiada quanto criticada por indi-
genistas. Para calar os críticos, Carvalho exibe as altas taxas de natalidade entre os ín-
dios, que saíram dos cerca de quatrocentos, nos anos 1970, para mais de 1,5 mil nos dias
atuais. Outro defensor dos Waimiri-Atroari e um dos fundadores do Cimi, com muitas
divergências com Carvalho, Egydio Schwade vive em Presidente Figueiredo (am), a pou-
co mais de cem quilômetros da terra indígena. Ele prossegue em investigações sobre as
mortes dos índios durante a ditadura.
Na segunda metade dos anos 1990, o garoto yanomami órfão batizado de Mar-
celo, que em 1973 fora salvo da epidemia de sarampo por Carvalho — e que com ele e sua
família passou a viver em Brasília —, resolveu que era a hora de voltar para seu povo.
Com cerca de 25 anos, e a contragosto de seu protetor, ele rumou para a terra yanoma-
mi, trabalhando pela Funai. Meses depois, Carvalho recebeu um telefonema urgente de
Boa Vista. Marcelo havia contraído meningite na terra indígena e estava à beira da mor-
te. Carvalho chegou a tempo de vê-lo com vida no hospital. Marcelo morreu nos braços
do indigenista, que sempre o chamou de filho.10

Apoena Meireles morreu em 2004, enquanto colaborava com a Funai a respeito dos
mesmos índios que havia ajudado a contatar no final dos anos 1960. Ele fora deslocado
de Brasília para Rondônia logo após um massacre de 29 garimpeiros por Cinta-Larga.
Tendo passado tantos perigos em selvas, Apoena morreu em plena cidade, por tiros dis-
parados por um assaltante, quando retirava dinheiro em um caixa eletrônico no centro
de Porto Velho. Um colaborador seu de muitos anos na mata, José Carmo Santana, o Zé
Bel, morreu com um tiro no peito enquanto manipulava uma caneta-revólver, em 1982
— não se sabe se foi acidente ou suicídio.11
O procurador Jáder de Figueiredo, autor do relatório que colaborou para a ex-

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tinção do spi, morreu em acidente de ônibus em 1975. Para a família, o caso “nunca foi
esclarecido”.12 Outro acidente viário, este nos anos 1990 em Brasília, matou o sertanista
Ezequias Heringer, o Xará, que havia denunciado a situação dos índios panará.
O ex-deputado Juruna ficou fora de qualquer mandato eleitoral até morrer,
em 17 de julho de 2002, aos 58 anos, em consequência de diabetes. Dois anos antes,
fora encontrado morando “em um casebre”, que dividia com outras quinze pessoas,
entre filhos e netos, no qual passava “a maior parte do tempo deitado”, numa cidade-
-satélite de Brasília, vivendo com 3 mil reais mensais de salário no cargo de secretá-
rio do pdt. Ele disse que “teve uma vida infeliz” e iria “morrer infeliz”.13 Pouco antes
de morrer, a outro jornalista reconheceu ter feito pelos índios, no mandato de depu-
tado, menos do que gostaria. “Também, como é que eu ia fazer? Era o único índio no
meio de empresários, banqueiros, capitalistas, muitos corruptos que de jeito nenhum
iriam aprovar meus projetos.”14

A absoluta maioria dos militares com influência na área indigenista entre os anos 1960
e 1980 citados neste livro já havia falecido até 2015, entre os quais Bandeira de Mello, Is-
marth, Albuquerque Lima, Antônio Nogueira, Otávio Queiroz, Gentil Paes, Demócrito
de Oliveira, Pedro Botelho, Isnard Câmara, Manoel Carijó, Pedro Rondon, Olavo Men-
des e Ivan Hausen, segundo resposta a uma consulta enviada pelo autor ao Comando do
Exército, assim como Luís Vinhas (1915-92), Clodomiro Bloise (1914-90), Amaro Ferreira
(1927-88) e Saul Lopes (1923-88), conforme os dados repassados pelo Centro de Comuni-
cação Social da Aeronáutica.

A exemplo do caso Marçal de Souza, a morte do padre João Bosco Burnier permaneceu
impune. O crime ocorreu em 1976 e o Ministério Público denunciou nove policiais mili-
tares pelas torturas das mulheres socorridas pelo padre e pelo seu assassinato. Até 1990,
porém, o processo deu um passeio no Judiciário de Mato Grosso. Quando uma nova co-
marca era criada na região, o juiz se declarava incompetente para seguir no feito, enca-
minhando os autos para outra cidade. Assim, o processo começou na comarca de São
Félix do Araguaia, passou para a de Nova Xavantina e acabou na de Canarana, onde a
principal avenida recebeu o nome do padre. Em 1991, o Ministério Público notou que
não havia nos autos sequer as alegações finais do principal acusado, o soldado pm Ezi
Feitosa Ramalho. A Justiça só mandou intimá-lo três anos depois, indicando que havia
sido expulso da corporação, mas vivia solto na cidade de Barra do Garças, como eletri-
cista. Após circular por várias firmas de eletricidade da cidade, porém, o oficial de Jus-
tiça não localizou Ramalho em dezembro de 1994.

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Em agosto de 1997, o promotor de Justiça Gilberto Gomes percebeu que “la-
mentavelmente” deveria “anunciar que nada há que fazer neste processo”. O crime en-
contrava-se prescrito. A denúncia feita pelo Ministério Público contra os policiais foi
acolhida pelo Judiciário apenas dezoito dias depois do crime, mas o processo se arras-
tou incríveis vinte anos sem nenhuma “causa de interrupção” do prazo de prescrição. O
promotor pediu a extinção da ação penal, não sem antes mencionar que o crime fora “re-
pugnante”. Sem ter o que fazer, o juiz acolheu o pedido de extinção em janeiro de 1998,
encerrando amargamente mais uma típica história brasileira de crime e impunidade.15

Por outro lado, o término da ditadura por fim deu cores e dimensão a outra realidade que
demorou a ser reconhecida. Essa boa notícia foi apresentada em primeiro lugar nos cír-
culos acadêmicos pelo antropólogo Mércio Ferreira Gomes, que havia trabalhado entre
os índios guajajara e guajá, no Maranhão. Em 1977, ele encerrou sua tese de doutorado,
defendida e aprovada pelo departamento de antropologia da Universidade da Flórida,
sob a orientação do professor Charles Wagley. Ao revisar e verificar os dados que cole-
tara ao longo do trabalho, Mércio percebeu que algo impressionante ocorria entre os ín-
dios tenetehara. Nos anos 1940, eles haviam caído para 2,5 mil ou 3 mil, mas na déca-
da seguinte começaram a se recuperar numa espiral de crescimento populacional que
dava muita esperança. “Eu vi que havia uma força interna muito grande na cultura in-
dígena de viver e sobreviver. Há um desejo de autonomia e de permanecer indígena.”16
Mércio percebeu que a mesma projeção poderia ser estendida a diversas ou-
tras etnias. Em síntese, ele dizia que, apesar dos pesares, os índios vão sobreviver. A
princípio uma conclusão como essa, em um momento de embates com a ditadura, não
foi muito bem-aceita. Os principais antropólogos e indigenistas vaticinavam o contrá-
rio, que os índios brasileiros estavam destinados à assimilação e, por fim, ao extermínio.
Mércio encontrou desdém e descrença ao disseminar seu achado.
Os números, porém, demonstravam de forma clara que, contra os piores prog-
nósticos, os índios estavam vencendo a batalha pela sobrevivência. Para espanto dos
entusiastas dos prazeres e da força atrativa da “civilização”, muitas etnias demonstra-
vam um apego extraordinário à sua terra e ao seu modo de vida, dando as costas às pro-
messas das cidades. O observador mais atento poderia ter concluído algo semelhante.
Em Mato Grosso do Sul, índios kaiowá haviam regressado a pé para suas terras e passa-
vam a invadir fazendas para recuperar suas antigas posses; na Bahia, os Pataxó Hã-Hã-
-Hãe emergiram quase das cinzas; no Parque do Xingu, muitos costumes e tradições in-
dígenas permaneciam praticamente intocados; em Mato Grosso, os Xavante não abriam
mão de seu modo de vida. Os Matis, que haviam caído de 138 para noventa nos dois pri-
meiros anos da década de 1980, subiram para 155 em 1992 e 176 três anos depois.17

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Nos estertores da ditadura, a situação dos Parakanã também começou a mu-
dar. Um episódio descrito pela enfermeira Dnair de Oliveira demonstra como um socor-
ro rápido começava a salvar vidas. Em fevereiro de 1983, ela chegou a uma base com 22
homens e 22 mulheres parakanã no município de São Félix do Xingu. O chefe da fren-
te de atração, Fiorello Parise, “já prevendo um surto de gripe”, pediu ajuda à Ajudância
de Marabá. De fato, dias depois “toda a comunidade foi acometida de forte gripe”. Um
avião da Funai trouxe remédios injetáveis e em gotas, soro glicosado e solução fisioló-
gica. Crianças e mulheres primeiro rejeitaram os remédios, mas depois os aceitaram.
“O estado geral de saúde da comunidade foi se agravando, deixando-os prostra-
dos, começaram [a] aparecer alguns casos de pneumonia.” A enfermeira manteve con-
tato com o médico Roberto Madeira, que aconselhou fazer tratamento “à base de peni-
cilina cristalina, além dos medicamentos paliativos”. Após o terceiro dia de tratamento,
foi observada uma “grande melhora”. Uma semana depois, foi anotada apenas uma mor-
te, de uma mulher de cem anos que “se encontrava debilitada” em razão de um incên-
dio ocorrido dias antes.18
Em março do mesmo ano, novo surto de malária matou uma menina parakanã
de oito anos. “A estrutura do posto indígena era composta de apenas uma casa cober-
ta de palha bruta, onde funcionava a enfermaria, farmácia, sede e residência.” Em 5 de
março houve uma visita do pessoal do Cimi. Depois que a equipe foi embora, toda a co-
munidade ficou gripada. “Não fosse a grande quantidade de medicamentos” que leva-
vam, talvez houvesse óbitos, pois “dos 137 membros da aldeia, não ficou um só sem a for-
te gripe que se manifestou com falta de ar, uma espécie de asma”.19
Assim, pouco a pouco, começou a lenta recuperação dos Parakanã. Em 1983, já
somava 136 indivíduos o grupo anterior de 86 índios que havia sobrevivido na região do
rio Lontra após o contato desastrado dos anos de 1971-2.

O crescimento populacional foi reconhecido entre todas as etnias conhecidas. Em 1957,


o número total de índios no país era de 70 mil, segundo um estudo oficial da Funai apre-
sentado em 2010. No ano de 1980, esse número já havia triplicado, atingindo 210 mil.
Vinte anos depois, em 2000, o total de indígenas chegou a quase o dobro, com 400 mil
pessoas.20 A apresentação desses números contém uma polêmica, pois só em 1991 o
ibge decidiu incorporar os índios ao seu censo. Mas basta fazer os recortes demográfi-
cos por etnia para confirmar a curva inequívoca para cima.
Os Parakanã, que somavam apenas 86 após o contato, passaram a 939 no ano
de 2010.21 Os Panará, quase exterminados em virtude da construção da rodovia Cuiabá-
-Belém, saíram de 82 indivíduos para 913. Os Asurini do Xingu, cuja catástrofe levou às
denúncias do sertanista Cotrim, saíram de 63 pessoas após o contato para 146 em 2010.

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A retomada do crescimento populacional dos índios deveu-se à mudança da política ofi-


cial indigenista, mas em grande medida aos próprios índios, que resistiram, retomaram
territórios antigos e não abandonaram seu modo de vida. Deveu-se ainda à ação de orga-
nizações não governamentais, antropólogos, indigenistas e missionários que trabalha-
ram pela reorganização das entidades representativas dos indígenas e ofereceram apoio
jurídico à luta por terras não demarcadas.
A uni, uma das primeiras organizações indígenas, foi uma experiência que deu
errado. Mas ao longo dos anos 1980 e 1990 os índios criaram uma série de entidades, am-
pliando e sofisticando seus vínculos e processos de representação.
Essas articulações permitiram o retorno de alguns grupos indígenas às suas
terras tradicionais, das quais haviam sido arrancados durante a ditadura. Os Panará,
quase exterminados quando da abertura da br-163, enfim saíram do Parque do Xingu e,
com a ajuda do Núcleo de Direitos Indígenas (ndi) — que depois ajudaria a formar a or-
ganização não governamental isa —, conseguiram retornar a uma terra demarcada no
norte de Mato Grosso a partir de 1995. Os Xavante de Marãiwatsede, alvo da violenta epi-
demia nos anos 1960, também conseguiram, a partir de 2013, regressar à terra da qual
haviam sido retirados em aviões da fab. Para esses índios, foram longas viagens, que du-
raram quatro ou cinco décadas.
Muitos índios passaram a exigir compensações pelos seus próprios meios.
Como o Estado não corrigiu injustiças nem esboçou vontade, a conta acabou no bolso
dos motoristas. Os Tenharim, que tiveram suas terras cortadas pela Transamazônica,
em maio de 2007 voltaram a bloquear a rodovia, exigindo um pedágio de sessenta reais
para caminhões, vinte reais para carros e camionetes e dez para motos.22 Em 2012, as
guaritas do pedágio foram incendiadas e depredadas por moradores de Humaitá, de-
pois que três homens foram assassinados ao atravessar a terra indígena. A Polícia Fede-
ral e o Ministério Público acusaram e pediram a prisão de índios tenharim. Eles não ha-
viam sido julgados até o encerramento deste livro.
Em relação aos Yanomami, a principal reivindicação dos indigenistas e ati-
vistas de direitos humanos era a demarcação do território. Em setembro de 1976, após
pressões dos antropólogos e funcionários da Funai, o Ministério do Interior fechou os
garimpos de Surucucus e retirou os invasores. Ao longo dos anos seguintes, no entan-
to, eles continuaram vindo em ondas, penetrando e se estabelecendo no território ya-
nomami, numa prova da incapacidade do governo militar de impedir a ação ilegal. Não
estavam mais atrás apenas de cassiterita, mas também de ouro. Em maio de 1983, a Fu-
nai estimou a presença de quinhentos a 2 mil garimpeiros de ouro na região de Santa
Rosa. Os garimpeiros, “sem nenhuma assistência médica”, provocavam “o alastramento

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de doenças, principalmente de malária, que vem atingindo um alto índice em relação às
outras regiões endêmicas” de Roraima. A própria Funai reconhecia que seus dois pos-
tos na região funcionavam “com escassos recursos humanos e financeiros”, ocasionan-
do uma “assistência precária aos índios”.23
As seguidas invasões e a incapacidade do governo militar de encerrá-las deixa-
ram claro aos indigenistas e ativistas de direitos humanos que a demarcação do territó-
rio yanomami era uma medida inadiável para tentar garantir o futuro da etnia. A partir
de meados dos anos 1970, antropólogos e defensores dos direitos indígenas, como a fo-
tógrafa Claudia Andujar, organizaram a Comissão Pró-Parque Yanomami (ccpy), talvez
a mais arrojada e bem-sucedida campanha da sociedade civil pela demarcação de uma
terra indígena no Brasil. Desde 1975, a principal reivindicação dos religiosos da Missão
Catrimani apresentada à Funai era a imediata “delimitação das terras indígenas e sua
demarcação, englobando todas as aldeias do grupo”.24
As invasões e as doenças continuaram num ritmo frenético até que, entre o fi-
nal dos anos 1980 e o início dos 1990, já nos governos civis de José Sarney e Fernando
Collor, uma catástrofe atingiu os Yanomami, atraindo a atenção internacional e pondo
em xeque a sobrevivência da etnia. De 1987 a agosto de 1991, pelo menos 354 índios per-
deram a vida devido a doenças diversas (243 apenas no período 1987-9, sob o governo
Sarney). Desse total, 69,8% morreram de malária. Entre janeiro e maio de 1991, a Funai
registrou 5132 casos da doença.25
Mas a campanha de Andujar e tantos outros afinal surtiu efeito. Em maio de
1992, um decreto presidencial homologou o território yanomami, com cerca de 9,6 mi-
lhões de hectares. Por ironia, um dos coronéis que haviam apoiado o golpe de 1964 e um
de seus mais ativos representantes, Jarbas Passarinho, assinou a portaria demarcatória,
no cargo de ministro da Justiça de Collor.

Na década de 2010, os desafios dos indígenas são imensos e seus opositores, podero-
sos, como a bancada de parlamentares ligada ao agronegócio no Congresso Nacional,
que fez andar uma proposta de emenda à Constituição que incluía, com outras pala-
vras, o mesmo princípio da “emancipação” do período militar. A gestão Dilma Rous-
seff (2011-6) esvaziou a importância da Funai, deixando que interinos a governassem
por quase três anos, bateu recorde negativo de demarcações e tirou do papel obras que
atingiram os direitos indígenas, como a usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, con-
forme denúncias feitas a organismos nacionais e internacionais por dezenas de entida-
des ligadas aos indígenas e ações judiciais movidas pelo Ministério Público Federal. No
primeiro ano do governo Michel Temer (2016-7), após a sua base aliada tentar sem su-
cesso emplacar dois generais do Exército no comando da Funai, o órgão foi assumido

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por alguém indicado pelo partido de centro-direita Partido Social Cristão (psc). O Mi-
nistério da Justiça baixou uma portaria que, na prática, ameaça processos de demarca-
ção em fase mais avançada ao criar um “grupo de trabalho” não previsto na lei em vigor.
No Judiciário, uma turma de ministros do stf passou a tomar decisões que barram de-
marcações de terras já reconhecidas como indígenas pelo Executivo, sob o argumento
de que os índios deveriam estar nelas ou ter brigado judicialmente por elas quando da
promulgação da Constituição de 1988. Há ainda o preconceito mais vergonhoso, que a
internet agora permite conhecer em grande extensão. A respeito de um vídeo que mos-
trava índios cobrando pedágio em Mato Grosso, por exemplo, internautas exortaram as
pessoas a matá-los a tiros; outros disseram que passariam por cima deles com seus car-
ros. Nos comentários sobre a notícia de que um helicóptero desapareceu na Amazônia
enquanto transportava duas índias grávidas para um hospital, um internauta escreveu
que eram “grávidas de barriga postiça, cheia de drogas” e outro sugeriu que o aparelho
foi derrubado pelos próprios índios. Manifestações do gênero na internet são, longe de
configurar exceção, o que transforma os índios numa das minorias mais odiosamen-
te atacadas e criminosamente discriminadas nas redes sociais e caixas de comentários
nos portais de notícias no Brasil.
Porém, contrariando as previsões dos anos 1960 e 1970, muitas feitas de boa-
-fé, os índios não só não desapareceram como registraram altos recordes de natalidade.
A exemplo das marchas dos Guarani, dos Ofayé, dos Panará e dos Xavante, entre outros,
que regressaram às suas terras contra a vontade da ditadura, índios de diversas etnias
reafirmaram seu modo de vida e não abriram mão de sua terra tradicional. No papel, a
previsão da ditadura era clara — e de certa maneira ingênua. Segundo o regime mili-
tar, ao conhecer o modo de vida “civilizado” naturalmente os índios deixariam suas ter-
ras, abrindo espaço para o agronegócio. Porém, graças à inesperada e às vezes violen-
ta tenacidade deles, nada disso aconteceu. Pelo contrário, eles passaram a reivindicar a
posse de outros territórios não reconhecidos pela União. O trabalho de ongs, missioná-
rios e antropólogos pode explicar parte da mobilização indígena, mas ela simplesmen-
te inexistiria se os principais interessados decidissem abrir mão de suas terras e tradi-
ções, rumando para as cidades. Para muitos brasileiros, prossegue sendo um choque
ver que homens, mulheres e crianças podem ser felizes em uma sociedade completa-
mente diferente daquela em que os “civilizados” vivem, com seus prazeres, seus luxos e
seu conforto. Porém, cada um à sua maneira, com maior ou menor ênfase, milhares de
índios disseram não a outro modo de vida. Como diz “Cara de índio”, uma música grava-
da por Djavan em 1978, podem vestir uma roupa, mas continuam sendo índios em sua
língua, na sua terra e com suas tradições. Disseram vivamente que preferem viver entre
os seus, a despeito do preconceito, da marginalização e da incompreensão geral. Para
eles, essa resistência silenciosa, porém expressiva e vibrante, representou por fim um

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tipo de vitória, entre tantas derrotas. Nesse sentido, as centenas de índios que perece-
ram pela incúria, falta de profissionalismo e truculência da ditadura acabaram por im-
por ao extinto governo militar uma derrota para além daquele tempo, que se expressa a
cada dia e a cada hora em que um curumim nasce no interior de uma maloca de alguma
aldeia encravada nos confins do Brasil.

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AGRADECIMENTOS

Este livro não teria sido possível sem o incentivo da historiadora, cientista política
e professora Heloisa Starling, da Universidade Federal de Minas Gerais (ufmg), que
gentilmente me convidou a escrever sobre a relação entre a ditadura e o índio. Devo
a ela e aos editores da Companhia das Letras Otávio Marques da Costa e Flávio Mou-
ra agradecimento pelas observações, paciência e vivo interesse pelo tema. Agrade-
ço a todos os índios, sertanistas, indigenistas e antropólogos que se dispuseram a
me atender e conceder entrevistas, às vezes por mais de um dia — citados ao final
do livro. Sem a sua prestativa contribuição, teria sido impossível reconstituir vários
dos eventos aqui relatados. Faço também referência ao cacique xavante Aniceto, que
aceitou, por telefone, me receber em sua aldeia, mas faleceu antes que eu concreti-
zasse a viagem.
Na sede da Funai em Brasília, o chefe do Núcleo de Documentação do Depar-
tamento de Proteção Territorial (dpt), José Jailson de Lima Silva, ajudou-me pronta-
mente, desde a primeira visita que lhe fiz, ainda no ano de 2012. No mesmo setor, devo
agradecimentos a Marcela Jhéssica Santa Borba e Thais de Araújo Oliveira. A chefe do
Serviço de Gestão Documental (Sedoc), Maria Helena Luz Gutemberg Caldas, gentil-
mente me auxiliou em tudo o que estava ao seu alcance, assim como o agente de indige-
nismo Jorge Henrique Rodrigues Malcher Lopes e as estagiárias Ana Beatriz Rodrigues
Sampaio e Brenda Rodrigues Araújo. Os servidores da Biblioteca da Funai sempre me
atenderam de forma rápida e eficiente.
Na coordenação regional do Arquivo Nacional, em Brasília, recebi o pronto
apoio de Pablo Endrigo Franco, Paulo Augusto Ramalho (em memória), Camila França,
Raynes Adiron Castro, Vera Lúcia Duarte, Deisy Rosa Silva e Juraci Canabarro.
Em São Félix do Araguaia, Pedro Casaldáliga e José María autorizaram acesso
e cópia de arquivos da prelazia. Egydio Schwade compartilhou seu arquivo pessoal no
Amazonas. No Instituto Socioambiental (isa), contei com a ajuda de Luiz Adriano dos
Santos, Leila Maria Monteiro Silva, Maria Inês Zanchetta e Letícia Leite. No Rio, tive a

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colaboração do jornalista Sergio Antonio Campos Meireles, que me franqueou acesso a
papéis dos sertanistas Meireles. No Museu do Índio, no Rio, Carlos Augusto da Rocha
Freire, Rodrigo Piquet e Ione Couto gentilmente me franquearam acesso aos documen-
tos. No Congresso Nacional, recebi o amplo apoio de Vanderlei Batista dos Santos, chefe
da Seção de Gestão de Arquivo Intermediário (Segai) da Coordenação de Arquivos
(Coarq). Em Dourados, os professores da Universidade Federal da Grande Dourados
(ufgd) Neimar Machado de Sousa e Paulo Cimò gentilmente me enviaram arquivos da
ampla coleção de documentos sobre a história guarani na região.
Além de me conceder uma longa entrevista, o missionário do Cimi Sebastião
Carlos Moreira proporcionou-me contatos de entrevistados e me indicou personagens
fundamentais da história do conselho. Sua colaboração foi inestimável. Da mesma for-
ma, Cláudio Romero, Sidney Possuelo, Porfírio Carvalho, Odenir Pinto de Oliveira e
Mércio Gomes não se limitaram a me conceder extensos depoimentos: também indica-
ram caminhos e recuperaram episódios perdidos na memória de outros entrevistados.
Waldemar Bettio, de Minas Gerais, proporcionou-me acesso ao padre Iasi Júnior e me
enviou cópia de relatório de grande interesse para a história dos Tapayuna. Os jornalis-
tas Memélia Moreira, Lilian Newlands e Felipe Milanez me ajudaram com contatos e a
memória de certos eventos. Tomás Chiaverini, na tv Cultura, localizou e enviou-me có-
pia de programa sobre Mário Juruna.
Na Funai, inúmeras pessoas me ajudaram com conversas, dicas e sugestões, a
exemplo de Leonardo Lenin Santos, Bruno Pereira, Fabrício Amorim, Carlos Travassos,
Hugo Meireles Heringer, Clarisse Jabur, Mário Vilela, Kell Wadick e Ariovaldo José dos
Santos. A dedicação dessas pessoas aos povos indígenas demandaria outro livro. Lilian
Brandt, da Funai, ajudou-me na entrevista com Mavirá. Também ressalto a atenção do
general Theophilo Gaspar de Oliveira, ex-comandante militar da Amazônia, e de sua as-
sessora, tenente Letícia. Os setores de comunicação social do Exército e da Aeronáutica
responderam a um pedido de informações para tentar localizar uma série de militares
do período.
Agradeço a Paula Souza e a Fernanda Belo, da Companhia das Letras, e Danilo
Marques, da ufmg, pelo trabalho de busca e seleção de imagens. Agradeço também a Ju-
lia Passos, a Isabel Cury e a Silvana Sale pela leitura cuidadosa.
Agradeço em especial ao amigo Mário Magalhães pela leitura de uma versão
dos originais e pelos comentários preciosos que se mostraram todos acertados e indis-
pensáveis e a Leonêncio Nossa, que me apresentou ao projeto de Starling e da editora.
Os jornalistas e amigos Fabio Brandt, Ana Flor, João Carlos Magalhães, Tiago Ornaghi,
Joel dos Santos Guimarães, Jailton Carvalho, Amaury Ribeiro Jr., Chico Otávio, André
Borges, Matheus Leitão e Lucas Ferraz aturaram minhas conversas sobre o mesmo tema.
Evandro Eboli forneceu-me fotografias do monumento erguido pelos militares na br-174.

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Agradeço a Mérces Dias Júnior e Verônica, que também me socorreram em uma tradução
do guarani, Valdecir Hanauer e Cléo, Rui Lima e Janete, Marcos Rossi e Gabriela, Walter
Ogima e Elisa, Jeferson Calheiros e Adriana, José Lima e Ângela, Davi Ishy, Adriano Furta-
do e Dani, Catia Seabra, Mario Cesar Carvalho, Angela Kempfer, Ana Claudia, Tadeu Silva,
Yelmo Papa e Ivan Massocatto pela amizade por toda a vida. Também sou grato à Folha de
S.Paulo, que me concedeu licença de um ano para a pesquisa e primeira versão escrita
do projeto. Agradeço aos meus familiares, em especial a minha mãe, Yolanda, a minhas
irmãs Lígia e Diva, e a meus irmãos e sobrinhos. Nenhum dos citados acima, obviamen-
te, é responsável por quaisquer eventuais falhas ou omissões do livro, que devem ser credi-
tadas exclusivamente ao autor.

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ENTREVISTADOS E
LOCAIS DAS ENTREVISTAS

Afonso Alves da Cruz, Afonsinho. Altamira, pa


Altino Berthier Brasil. Porto Alegre, rs
Anastácio Peralta, Guarani. Dourados, ms
Antonio Cotrim Soares. Maceió, al
Antonio Iasi Júnior. Belo Horizonte, mg
Antonio Queirós Campos. Brasília, df, por telefone
Argemiro Escalante, Guarani. Antônio João, ms
Armando Coelho Neto. São Paulo, sp, por telefone
Arturo, Mayoruna. Aldeia de San Meireles, am
Ataíde Francisco Rodrigues, Ofayé-Xavante. Brasilândia, ms
Benigno Pessoa Marques. Altamira, pa
Bibiano Souza, Guarani. Dourados, ms
Cacique Kamayurá. Altamira, pa
Carlos Alberto Dutra. Brasilândia, ms
Carlos Augusto da Rocha Freire. Rio de Janeiro, rj
Cláudio Romero. Brasília, df
Cleonice Pankararu. Araçuaí, mg
Cleusa da Silva, Ofayé-Xavante. Brasilândia, ms
Clóvis Ambrósio, Wapixana. Brasília, df
Clóvis Brighenti. Luziânia, go
Davi Kopenawa, Yanomami. Brasília, df
Edina de Souza. Dourados, ms, por telefone
Egydio Schwade. Presidente Figueiredo, am
Eleutéria, Guarani. Antônio João, ms
Elisa Vilharva, Guarani. Dourados, ms
Erivelto, Apurinã. Brasília, df
Fábio Martins Vilas. Belo Horizonte, mg

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Fábio Titiá, Pataxó Hã-Hã-Hãe. Brasília, df
Francisco Barbosa Clodovil, Apurinã. Brasília, df
Francisco José dos Santos, Potiguara. Brasília, df
Francisco Loebens. Luziânia, go
Geralda Chaves Soares. Araçuaí, mg
Gilmar Figueiredo. Tabatinga, am
Harima, Karajá. São Félix do Araguaia, mt
João Batista da Silva, Wapixana. Brasília, df
João Batista Fagundes. Brasília, df
João Morel, Guarani. Antônio João, ms
Jorge Gomes, Guarani. Antônio João, ms, e Brasília, df
José Alfredo, Krenak. Resplendor, mg
José Latino Tenazor. Atalaia do Norte, am
José Pataxó. Brasília, df
José Porfírio Fontenele de Carvalho. Brasília, df, e Manaus, am
Júlio Goes, Yanomami. Brasília, df
Kaissuma, ou Waki, Mayoruna. Aldeia de São Meireles, am
Koi, ou José de Souza, Ofayé-Xavante. Brasilândia, ms
Laerte Tetila. Dourados, ms
Lídio Escalante, Guarani. Antônio João, ms
Luís Shoquê, Mayoruna. Aldeia de São Meireles, am
Manoel Oliveira, Pataxó. Carmésia, mg
Marcelo da Silva Lins, Ofayé-Xavante. Brasilândia, ms
Maria Lourdes, Pataxó. Carmésia, mg
Mario Bordignon. Luziânia, go
Mavirá, Kamayurá. São Félix do Araguaia, por telefone
Mayalu Villas Bôas. São Paulo, por telefone
Megaron, Txucarramãe. Brasília, df
Memélia Moreira. Estados Unidos, por Skype
Mércio Pereira Gomes. Rio de Janeiro, rj
Michael Nolan. Luziânia, go
Neimar Machado. Dourados, ms
Odenir Pinto de Oliveira. Brasília, df
Paulinho Payakan, Kayapó. Brasília, df
Pedro Casaldáliga. São Félix do Araguaia, mt
Peri, Yanomami. Brasília, df
Pio, Xavante, Brasília, df
Raimundo Clemente Mesquita. Pelotão de Fronteira Palmeiras do Javari, am

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Reginaldo Neves Gomes, Tuxá. Brasília, df
Roberto da Silva Aguiar. Santo Antônio do Abonari, am
Romancio Kretã, Kaingangue, Brasília, df
Romilda, Guarani. Antônio João, ms
Roni Liandes, Guarani. Brasilândia, ms
Rosa Lopes, Guarani. Japorã, ms
Sabino Benites, Guarani. Japorã, ms
Salvador Reynoso, Guarani. Antônio João, ms
Sandro Emanuel dos Santos, Tuxá. Brasília, df
Sebastiana Oliveira. Carmésia, mg
Sebastião Amâncio da Costa. Manaus, am
Sebastião Castilho Gomes, Kokama. Manaus, am
Sebastião Carlos Moreira. Luziânia, go
Sergio Meireles. Rio de Janeiro, rj
Sidney Possuelo. Brasília, df
Timinigui, Araweté. Altamira, pa
Tiula, Guarani. Japorã, ms
Tumin Cachispe, Mayoruna. Aldeia de São Meireles, am
Valmir Bastos Torres. Tabatinga, am
Vanderlei Bispo. Japorã, ms
Walter Firmo. Recife, pe, por telefone

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NOTAS

introdução [pp. 9-12]

1 Sobre os números. Número de 70 mil: ofício enviado pelo diretor substituto do spi,
Luiz de França Pereira de Araújo, ao diretor-geral de administração do Ministério do
Interior, Américo Santiago, 16 ago. 1967, Relatório Figueiredo (citado, daqui em dian-
te, como rf); número de 110 mil: entrevista concedida pelo major aviador Luiz Vi-
nhas Neves, diretor do spi, a O Estado de S. Paulo (São Paulo, 24 dez. 1965).
2 Anuário Estatístico do Brasil: 1964, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(ibge), que estimou 79,8 milhões de habitantes para aquele ano.
3 Postos: 105, resposta assinada pelo tenente-coronel Moacyr Ribeiro Coelho, diretor
do spi, à cpi do Índio, no Congresso Nacional, 7 maio 1963; 126: João Pacheco de Oli-
veira e Carlos Augusto da Rocha Freire, A presença indígena na formação do Brasil
(Brasília: Secad/Unesco; Laced/Museu Nacional, 2006). Número de oitocentos: de-
fesa oferecida nos autos da Comissão Jader Figueiredo pelo major da Aeronáutica
Danton Pinheiro Machado, chefe da 7a Inspetoria Regional do spi, 1965. rf.

1. urubus [pp. 13-22]

1 Entrevista ao autor em Maceió, 25 nov. 2013.


2 Entrevista concedida à jornalista Eliana Lucena, de O Estado de S. Paulo, com vários
trechos publicados pelo jornal O Popular (Goiânia, 16 set. 1979). asi-Funai. Arquivo
Nacional (citado, daqui em diante, como an).
3 Procurado pelo autor para uma entrevista, Passarinho estava incomunicável em
2013, com problemas de saúde, aos 93 anos de idade. Sua família informou que ele
não tinha mais condições de receber jornalistas para entrevistas.

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4 Expedido Arnaud e Ana Rita Alves, “A extinção dos índios Kararaô — Baixo Xingu,
Pará”. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, n. 53, 26 jun. 1974.
5 Depoimento do frei Roberto Gomes de Arruda à cpi do Congresso Nacional, 21 ago.
1963.
6 Id.
7 “Expedição do spi vai afinal pacificar os ferozes Pacaas Novas”. A Província do Pará,
Belém, 19 abr. 1961. Biblioteca da Funai, Brasília.
8 Entrevistas feitas pelo autor com diferentes sertanistas, como Sidney Possuelo e
Afonso Cruz, sobre o mesmo tópico.
9 rf, boletim interno do spi no 57, de setembro a dezembro de 1962, relatório elabora-
do pelo inspetor Meireles.
10 Entrevista ao autor em Altamira (pa), 5 fev. 2014.
11 “Vida de sertanista: A trajetória de Francisco Meirelles” (Tellus, Campo Grande, ano
8, n. 14, pp. 87-114, abr. 2008), de Carlos Augusto da Rocha Freire, doutor em antro-
pologia social e pesquisador do Museu do Índio, rj.
12 Ibid.

2. um vazio [pp. 23-33]

1 “Amazônia muda com nova política”. O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 44, 26 jul.
1965.
2 Sobre a manobra e as inspeções, Lira Neto, Castello: A marcha para a ditadura (São
Paulo: Contexto, 2004).
3 Manoel Deodoro da Fonseca, “Mensagem dirigida ao Congresso Nacional pelo pre-
sidente da República dos Estados Unidos do Brazil”, 15 jun. 1891. Rio de Janeiro: Im-
prensa Nacional; Biblioteca do Senado Federal, 1891.
4 Celso Castro, Exército e nação: Estudos sobre a história do Exército brasileiro. Rio de
Janeiro: fgv, 2012. Sobre “as cinzas”, referência de Castro a Compêndio das eras da
província do Pará (Belém: ufpa, 1969), de António Ladislau Monteiro Baena, militar
e historiador (1782-1850).
5 Golbery do Couto e Silva, Conjuntura política nacional: O Poder Executivo & geopo-
lítica do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981, pp. 43-7. Coleção Documentos
Brasileiros.
6 A Amazônia e nós (Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1971, v. 94), do major Mar-
seno Alvim Martins, que atuou no 5o Batalhão de Engenharia de Construção (bec) de
1966 a 1969.

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7 Documento transcrito em A Amazônia e nós, do major Marseno Alvim Martins, pp.
48-50.
8 Lei no 5174, de 27 out. 1966.
9 Lei no 5173, de 27 out. 1966.
10 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 6, 6 jun. 1969.
11 “Conceito estratégico nacional”, de 1969, p. 10. an.
12 Relatório de visita a Suiá-Missu pela Comissão Externa da Câmara dos Deputados,
22 nov. 2012.
13 Tabela à p. 115 de Victims of the Miracle: Development and the Indians of Brazil (Nova
York: Cambridge University Press, 1977), de Shelton Davis, diretor do Centro de Pes-
quisas Antropológicas em Cambridge, Massachusetts. Cita como fonte dos números
um documento elaborado em 1971 pelo bispo dom Pedro Casaldáliga.
14 Depoimento do ex-funcionário da fazenda Diodato Vitalino Alves no processo no
95.0000679-0, que tramita na Justiça Federal de Mato Grosso, consultado pelo autor
no Tribunal Regional Federal da 1a Região, em Brasília.
15 Autos do processo no 95.0000679-0, que tramita na Justiça Federal de Mato Grosso,
consultados pelo autor no Tribunal Regional Federal da 1a Região, em Brasília. De-
poimento de Dario Carneiro.
16 Documentário Vale dos esquecidos (Tucura Filmes, 2010), direção de Maria Raduan.
17 Autos do processo no 95.0000679-0, que tramita na Justiça Federal de Mato Grosso,
consultados pelo autor no Tribunal Regional Federal da 1a Região, em Brasília. De-
poimento de Dario Carneiro.
18 Depoimento do padre Bartolomeo Giaccaria à 5a Vara Federal de Mato Grosso, nos
autos do processo no 95.0000679-0. Autos consultados pelo autor no Tribunal Regio-
nal Federal da 1a Região, em Brasília.
19 Cópia nos autos do processo no 95.0000679-0, que tramita na Justiça Federal de
Mato Grosso. Autos consultados pelo autor no Tribunal Regional Federal da 1a Re-
gião, em Brasília.
20 Carta do senador Darcy Ribeiro ao ministro da Justiça Célio Borja, 19 jul. 1992. Ar-
quivo do Departamento de Proteção Territorial da Funai, Brasília.
21 Orlando Villas Bôas e Cláudio Villas Bôas, A marcha para o oeste. São Paulo: Globo,
1994.
22 Depoimento de Aturi Kayabi em Mariana Kawall Leal Ferreira (org.), Histórias do
Xingu: Coletânea de depoimentos dos índios Suyá, Kayabi, Juruna, Trumai, Txucar-
ramãe e Txicão. São Paulo: Fapesp; nhii (Núcleo de História Indígena e do Indigenis-
mo — usp), 1994.
23 Para esse parágrafo, o anterior e o seguinte, ibid.

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24 Texto reproduzido na dissertação de mestrado da antropóloga Elizabeth Travassos Lins,
Xamanismo e música entre os Kayabi (Rio de Janeiro: ufrj — Museu Nacional), 1984.
25 Depoimento do padre Mario Ottorino Panziera nos autos do processo no 95.0000679-
-0, que tramita na Justiça Federal de Mato Grosso. Autos consultados pelo autor no
Tribunal Regional Federal da 1a Região, em Brasília.
26 Documentário Vale dos esquecidos, op. cit.
27 Entrevista ao autor na Funai em Brasília, jul. 2015.
28 Depoimento do padre Mario Ottorino Panziera nos autos do processo no 95.0000679-
0, que tramita na Justiça Federal de Mato Grosso. Autos consultados pelo autor no
Tribunal Regional Federal da 1a Região, em Brasília.
29 Depoimento do padre Bartolomeo Giaccaria à 5a Vara Federal de Mato Grosso, nos
autos do processo no 95.0000679-0. Autos consultados pelo autor no Tribunal Regio-
nal Federal da 1a Região, em Brasília.
30 Depoimento prestado por Noel Nutels à cpi do Índio, 20 nov. 1968. Arquivo do Cen-
tro de Documentação e Informação (Cedi) da Câmara dos Deputados, em Brasília (ci-
tado, daqui em diante, como Cedi-Câmara).
31 Autos do processo no 001249/92, da presidência da Funai. Arquivo do Departamento
de Proteção Territorial, da Funai, em Brasília.
32 Iara Ferraz, Patrícia Mendonça Rodrigues e Mariano Manpieri, “Relatório de identi-
ficação da área indígena marãiwatsédé”. Brasília: Funai, 1992.
33 “Plano Nacional de Erradicação do Sarampo”, Secretaria de Saúde do Estado de São
Paulo, Coordenação dos Institutos de Pesquisa, 1999.
34 Mércio Pereira Gomes, Os índios e o Brasil. São Paulo: Contexto, 2012.
35 O Estado de S. Paulo, São Paulo, 19 jun. 1966; Luta Democrática, Rio de Janeiro, 16/17
jun. 1966.
36 “Maxacalis tocam os tambores de guerra”. O Globo, Rio de Janeiro, p. 17, 15 jun. 1966.
37 Relatório de Atividades da Ajudância Minas-Bahia do spi, assinado pelo chefe da aju-
dância, Augusto de Souza Leão, jan. 1967. Comissão de Inquérito do spi (rf).
38 Relatório do chefe do posto indígena Mariano de Oliveira, assinado por José Silveira
de Souza, agente do spi, 31 mar. 1966. Autos da Comissão de Inquérito do spi (rf).
39 Telegrama urgente do chefe da ajudância, Augusto de Souza Leão, ao diretor do spi,
Hamilton Oliveira Castro, 19 abr. 1967. Autos da Comissão de Inquérito do spi (rf).
40 Depoimento do então capitão da pm-mg Manoel dos Santos Pinheiro à Comissão de
Inquérito do spi (rf).
41 Relatório do chefe da Ajudância de Minas Gerais e Bahia, Augusto de Souza Leão, ao
diretor do spi, 17 jul. 1967. Autos da Comissão de Inquérito do spi (rf).
42 Termo de Inquirição do coronel Hamilton Castro à Comissão de Inquérito do spi
(rf), 28 ago. 1967.

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43 O Globo, Rio de Janeiro, p. 17, ed. matutina, 23 mar. 1965.
44 Ibid., p. 6, ed. matutina, 26 maio 1966.
45 Ibid., p. 6, ed. matutina, 24 maio 1966.

3. escândalo [pp. 34-46]

1 O Estado de S. Paulo, São Paulo, 1 mar. 1966.


2 Carta a Ney Braga assinada por Pedro Pedrossian, 11 jun. 1966. Autos da Comissão de
Inquérito do spi (rf).
3 Relatório assinado pelo marechal Cândido Rondon em Cuiabá, 29 dez. 1896. Autos
da Comissão de Inquérito do spi (rf).
4 “Resumo histórico da legitimidade do direito do índio sobre a Colônia ‘Tereza Cris-
tina’”, assinado pelo chefe da 6a Inspetoria do spi, Hélio Jorge Bucker, 11 jun. 1966.
5 Lei no 2630, de 3 ago. 1966, publicada no Diário Oficial do Estado de Mato Grosso,
Cuiabá, n. 14779, 4 ago. 1966.
6 Degravação feita pelo spi do noticiário de 14 set. 1967 na Rádio A Voz d’Oeste, com o
título “spi leva desassossego no vale do São Lourenço”. Autos da Comissão de Inqué-
rito do spi (rf).
7 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 42, 15 ago. 1964.
8 Ibid., p. 9, 10 mar. 1966.
9 Ibid., 18 mar. 1967.
10 Ibid., 20 abr. 1967.
11 Relatório Final da Comissão de Inquérito do spi (rf).
12 Necrológio de Jáder Correia lido na Câmara dos Deputados pelo deputado Paes de
Andrade (mdb-ce), Diário do Congresso Nacional, Brasília, nov. 1976.
13 Relatório com a íntegra dos depoimentos prestados à cpi do Índio constituída em
abril de 1968 (Diário do Congresso Nacional, Brasília, 28 abr. 1971, suplemento ao n.
15). Cedi-Câmara.
14 Id.
15 Dado como desaparecido por mais de quarenta anos, o relatório foi localizado nos
arquivos do Museu do Índio, no Rio de Janeiro, pelo pesquisador Marcelo Zelic,
coordenador do Projeto Armazém Memória, de São Paulo.
16 Ofício enviado por Jáder ao coronel Florimar Campelo, chefe do Departamento de
Polícia Federal, solicitando porte de arma, 11 out. 1967.
17 rf.
18 Ibid.
19 Ibid.

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20 O Portal Kaingang, acessado em 30 abr. 2014, refere como “Fonte: Funai”.
21 João Yunes, “Os níveis de saúde no município de São Paulo de 1961 a 1967”. Revista de
Saúde Pública, São Paulo, v. 3, n. 1, pp. 41-50, jun. 1969.
22 Considerando a população total estimada do ano de 1970, de 5,88 milhões no muni-
cípio de São Paulo. Fonte do número: “Memória das estatísticas demográficas”, Fun-
dação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados). Disponível em: <produtos.sea-
de.gov.br/produtos/500anos/>. Acesso em: abr. 2014.
23 Anexo ao Relatório Final da Comissão de Inquérito do spi (rf).
24 Carta do senador Darcy Ribeiro ao ministro da Justiça Célio Borja, datada de 19 de
julho de 1992. Arquivo do Departamento de Proteção Territorial da Funai, em Bra-
sília.
25 José D. Novais Patriota e Dimitrie Nechet, 2068: Missão e heroísmo na Amazônia.
Disponível em: <www.reservaer.com.br>. Acesso em: 17 ago. 2016. O tenente-coro-
nel Novais Patriota acompanhou os fatos na base de Jacareacanga e o major Nechet
estava de plantão em Manaus quando da tragédia ligada a Cachimbo. Eles tiveram
acesso a vários documentos da Aeronáutica sobre o acidente.
26 Notaer — O Jornal da Força Aérea Brasileira, Brasília, ano xxvi, n. 11, 2 jul. 2003. Pu-
blicação do Centro de Comunicação Social da Aeronáutica (Cecomsaer).
27 Coronel-aviador Antonio Ricieri Biasus e tenente-coronel-aviador Miguel Ânge-
lo Braga Grilo, “Força Aérea 2068: Trinta anos, missão cumprida!”. Disponível em:
<www.rudnei.cunha.nom.br/fab/br/fab2068.html>. Acesso em: 17 ago. 2016.
28 José D. Novais Patriota e Dimitrie Nechet, op. cit.
29 Ibid.
30 Item ii do artigo 2o da lei no 5371, de 5 dez. 1967, que criou a Funai. Disponível em:
<www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L5371.htm>. Acesso em: 17 ago. 2016.
31 Exposição de Motivos transcrita em Leda Maria Cardoso Naud, “Índios e indigenis-
mo: Histórico e legislação” (Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 4, n. 15/16,
pp. 235-68, jul./dez. 1967). Biblioteca Digital do Senado Federal, Brasília.
32 Depoimento de Álvaro Villas Bôas à cpi do Índio, ago. 1968. Álvaro ocupava na época
o cargo de diretor do Departamento de Assistência da Funai.
33 Id.
34 Depoimento de José de Queirós Campos à cpi do Índio, 1977.
35 O Globo, Rio de Janeiro, p. 5, 25 jun. 1956.
36 Sobre o nacionalismo, o conservadorismo e o cargo de vereador, informações do fi-
lho de José, Antonio Queirós Campos, por telefone, 27 jun. 2014.
37 Arquivo do extinto Ministério do Interior. an.
38 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 78, 13 jun. 1968.
39 Ibid., p. 5, 6 jun. 1968.

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4. a cruz [pp. 47-61]

1 Amaury Kruel, julho de 1962, então secretário do csn, à direção do spi, p. 6213 (rf).
2 Ofício de Moacyr Coelho, diretor do spi, ao ministro da Agricultura, 4 mar. 1963. Au-
tos da Comissão de Inquérito do spi (rf).
3 Entrevista de Valmir Batista Torres ao autor em Tabatinga (am) em março de 2015.
4 Silvano Sabatini, Massacre. São Paulo: Loyola; Brasília: Cimi, 1998.
5 Entrevista de Cotrim ao autor, em Maceió.
6 Documento “Seminário: Funai/Missões religiosas”, produzido pela Funai em Brasí-
lia, 1975. asi-Funai. an.
7 Relatório de João Calleri referido pelo ex-presidente da Funai José de Queirós Cam-
pos em seu livro A verdade de cada um, que não chegou a ser publicado. Cópia dati-
lografada no arquivo pessoal de Egydio Schwade em Presidente Figueiredo (am).
8 A verdade de cada um, livro do ex-presidente da Funai José de Queirós Campos,
que não chegou a ser publicado. Cópia datilografada no arquivo pessoal de Egydio
Schwade em Presidente Figueiredo (am).
9 Para o parágrafo, relatório da frente de atração Waimiri-Atroari, produzido pelo ser-
tanista da Funai Gilberto Pinto Figueiredo, 27 out. 1973. Processo Funai memo/042/
did/gdpi/81. Nudoc-dpt-Funai. Consultado e copiado pelo autor em 2012.
10 Texto postado no Blog do Peret (blogdoperet.blogspot.com.br/), 2 out. 2010. O ser-
tanista disse que a conversa ocorreu em 1966, mas depois afirma que Malcher dis-
se que a “Funai é soberana”. Mas a Funai só foi criada em 1967 e entrou em atividade
em 1968. É mais provável que a conversa tenha se dado em 1968, pois naquele mes-
mo ano o coronel Carijó fez um convênio e bancou a expedição Calleri.
11 Para essa mensagem e as seguintes, textos integrais reproduzidos em A verdade de
cada um, livro do ex-presidente da Funai José de Queirós Campos, que não chegou a
ser publicado. Cópia datilografada no arquivo pessoal de Egydio Schwade em Presi-
dente Figueiredo (am).
12 Há duas divergências sobre esse ponto. Em seu livro Waimiri Atroari: A história
que ainda não foi contada (Brasília: Edição do autor, 1982), o ex-servidor da Fu-
nai José Porfírio Fontenele de Carvalho diz que a última mensagem é do dia 26,
não 31. Os livros Massacre (op. cit.), de Silvano Sabatini, um padre amigo de Cal-
leri, e A verdade de cada um, obra não publicada do ex-presidente da Funai José
de Queirós Campos, trazem finais diferentes para a mesma e “última” mensa-
gem do dia 31. Segundo Sabatini, Calleri teria encerrado: “Hoje de madrugada,
um de nossos melhores homens abandonou a expedição. Tudo indica que se fal-
tarem orações as flechas não tardarão a voar”. Nos escritos de Campos, a mensa-
gem termina assim: “Hoje de madrugada, um dos nossos melhores abandonou a

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expedição. A realidade é muito difícil. Aqui a boa vontade, a união e a serenidade
de toda a equipe é muito maravilhosa. Saudações. Padre Calleri”. Este autor con-
sidera autêntica a mensagem do dia 31 porque dois autores a divulgaram na ínte-
gra, e um deles era o presidente da Funai na época, o que indica que teve acesso
aos papéis oficiais.
13 Relatório de Peret, 14 jan. 1969, dirigido ao presidente da Funai e anexado a A ver-
dade de cada um, livro do ex-presidente da Funai José de Queirós Campos, que não
chegou a ser publicado. Cópia datilografada no arquivo pessoal de Egydio Schwade
em Presidente Figueiredo (am).
14 Arquivo do Instituto Socioambiental (isa), em São Paulo (citado, daqui em diante,
como isa).
15 Depoimento de Orlando Villas Bôas à cpi do Índio, no Congresso Nacional, 25 maio
1977. Cedi-Câmara.
16 Entrevista ao autor, 18 fev. 2015.
17 O Globo, Rio de Janeiro, 26 set. e 14 out. 1969.
18 Relatório sobre levantamento bibliográfico e documental a respeito dos registros so-
bre índios do Xingu, realizado por Luiz Fernando Ferreira da Rosa Ribeiro, estagiá-
rio em antropologia do Departamento de Patrimônio Indígena da Funai. Processo
Funai no 3568/82. Nudoc-dpt-Funai.
19 Relatório produzido pela Assessoria Técnica da Agesp da direção da Funai, 6 abr.
1982. Processo Funai no 3568/82. Nudoc-dpt-Funai.
20 Depoimento de José de Queirós Campos à cpi do Congresso, 29 set. 1977. Cedi-Câ-
mara.
21 Memória Globo, página institucional da Rede Globo de Televisão. Disponível em:
<memoriaglobo.globo.com/perfis/talentos/hedyl-valle-jr-/trajetoria.htm>. Acesso
em: 17 ago. 2016.
22 Entrevista ao autor, 18 fev. 2015.
23 Daniela Batista de Lima, “Vamos amansar um branco para pegar as coisas: Elemen-
tos da etno-história Kajkhwakratxi-jê (Tapayuna)”. Brasília: Departamento de Antro-
pologia-UnB, 2012. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social).
24 O Estado de S. Paulo, 15 jul. 1969, p. 9, e O Globo, 16 jul. 1969, ed. matutina, Geral, p. 5.
25 Entrevista concedida a Marília Bellizzi Jaccoud e publicada em <www.velhosami-
gos.com.br/publicacao/gente-em-foco/joao-americo-peret>. Acesso em: 30 jan.
2017.
26 Ofício datado de 18 de agosto de 1969 e assinado pelo diretor Darcy Mesquita da Sil-
va. Acervo asi-Funai. Pasta João Américo Peret. an.
27 Relatório assinado pelo diretor-geral do Departamento de Administração, Wilson
de Souza Aguiar. asi-Funai. Pasta João Américo Peret. an.

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28 “Exposição de motivos”, 22 out. 1969, assinada por João Américo Peret. asi-Funai.
Pasta João Américo Peret. na.
29 “Os tupinambás e os papagaios amarelos ou as relações entre Brasil e França entre
os séculos xvi e xvii”, de Mary Del Priore. Hist. Ensino, Londrina, v. 6, pp. 11-32, out.
2000.
30 Deste trecho em diante: “Relatório da Operação Tapaiuna ou Beiço de Pau”, assinado
pelo sertanista vii da Funai Antônio de Souza Campinas, datado de Cuiabá, 18 nov.
1971. Acervo asi-Funai. Pasta Antonio de Souza Campinas. an.

5. nas suas mãos [pp. 62-72]

1 O sobrenome do sertanista é grafado em inúmeras reportagens da época como


“Meirelles”. O autor se vale da assinatura do próprio sertanista e de documentos in-
ternos da Funai para grafá-lo como “Meireles”, com apenas um “l”.
2 Sobre a filiação, Sagas sertanistas: Práticas e representações do campo indigenista no
século XX, de Carlos Augusto da Rocha Freire (Rio de Janeiro: ppgas-Museu Nacio-
nal-ufrj, 2005. Tese [Doutorado em Antropologia Social]).
3 Texto da família Meireles sobre a história de Francisco. Arquivo pessoal do jornalis-
ta Sérgio Meireles, sobrinho de Francisco, Rio de Janeiro.
4 Coleção Silo Meireles, doada pela família ao an, Brasília.
5 Texto da família Meireles sobre a história de Francisco. Arquivo pessoal do jornalis-
ta Sérgio Meireles, sobrinho de Francisco, Rio de Janeiro.
6 Id.
7 Termo de inquirição de Meireles, 22 out. 1967. rf.
8 “Vida de sertanista: A trajetória de Francisco Meirelles” (Tellus, Campo Grande, ano
8, n. 14, pp. 87-114, abr. 2008), de Carlos Augusto da Rocha Freire, doutor em antro-
pologia social e pesquisador do Museu do Índio, rj.
9 Termo de inquirição assinado por Oliveira, 10 nov. 1967. rf.
10 Certidões emitidas pelo spi em 1955, que declaram ter revisado a ficha funcional de
Meireles. Arquivos da Assessoria de Segurança e Informação (asi) da direção da Fu-
nai. an.
11 Entrevista concedida à jornalista Eliana Lucena, de O Estado de S. Paulo, com vários
trechos publicados pelo jornal O Popular (Goiânia, 16 set. 1979). asi-Funai. an.
12 Defesa protocolada por Francisco Meireles na Comissão de Inquérito do spi (rf), 6
maio 1968. Arquivo da Assessoria de Segurança e Informação (asi). an.
13 Depoimento de Gama Malcher, 14 set. 1967. rf.
14 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 7, 24 out. 1967.

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15 Sobre a indicação de Meireles, os sobrevoos e as aspas, “Relatório de Francisco Fur-
tado Soares Meirelles: Dezembro de 1968”, assinado por Meireles. Sedoc-Funai.
16 Entrevista com Apoena realizada pelo jornalista Sérgio Meireles, ago. 1994. Arquivo
pessoal de Sérgio Meireles.
17 Curriculum vitae de Apoena fornecido ao autor pela família Meireles.
18 “Relatório com fotografias do primeiro contato com os índios cinta-larga, apresen-
tado pelo inspetor Francisco Meireles”, jun. 1969. Arquivo do jornalista Sérgio Mei-
reles.
19 Entrevista de Francisco Meireles à jornalista Eliana Lucena, de O Estado de S. Paulo,
com vários trechos publicados no jornal O Popular (Goiânia, 16 set. 1979). asi-Funai. an.
20 Roberto Linsker (Org.), Os últimos dias do Éden: As imagens de W. Jesco von Puttka-
mer. São Paulo: Terra Virgem, 2005.
21 W. Jesco von Puttkamer, “Brazil Protects Her Cinta Largas”. National Geographic,
Washington, v. 140, n. 3, set. 1971. isa.
22 Carta de Judith Brown ao general Bandeira de Mello, 23 abr. 1971, com as laudas dati-
lografadas em inglês por Jesco, e resposta do diretor do Departamento Geral de Estu-
dos e Pesquisas (dgep) da Funai, Paulo Monteiro Santos, 11 maio 1971. Sedoc-Funai.
23 O documento referencial é “Relatório com fotografias do primeiro contato com os
índios cinta-larga, apresentado pelo inspetor Francisco Meireles”, jun. 1969. Arqui-
vo pessoal do jornalista Sérgio Meireles.
24 Lilian Newlands (Org.), Apoena: O homem que enxerga longe. Colab. de Aguinaldo
Araújo Ramos. Goiânia: puc de Goiás, 2007, pp. 138 e 142.
25 Jean Chiappino, “The Brazilian Indigenous Problem and Policy: The Aripuanã Park”.
Amazind/iwgia Document, n. 19, 1975.
26 Parecer no 054/84-aesp da direção da Funai, assinado pela antropóloga do órgão Isa
Maria Pacheco Rogedo , 28 set. 1984. Sedoc-Funai.
27 Die If You Must (Londres: Macmillan, 2003), do escritor e ativista dos direitos indíge-
nas John Hemming.
28 Darcy Ribeiro, Confissões. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
29 Sobre o convênio, Parecer no 054/84-aesp da direção da Funai, assinado pela antro-
póloga do órgão Isa Maria Pacheco Rogedo , 28 set. 1984. Sobre os números, levanta-
mento feito pela Funai sobre o sil nos anos de 1970 e 1971, sem data. Ambos no Sedoc-
-Funai.
30 Sobre o apoio de Bandeira de Mello e aspas, carta assinada pelo diretor do sil Inter-
nacional, Dale W. Kietzman, ao general Bandeira de Mello, 14 abr. 1971. Sedoc-Funai.
31 “Circular às equipes técnicas do sil trabalhando em tribos nas quais a Funai não
atua”, documento do “diretor do sil”. Sedoc-Funai.

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32 Relatório “Situação dos índios do rio Tapaua”, da Funai, assinado pelo missionário
Paul E. Moran, 2 jan. 1971. Sedoc-Funai.
33 Carta enviada pelo representante-geral do sil no Brasil, Paul Mullen, ao Grupo de
Trabalho da Funai sobre o sil. Sedoc-Funai.
34 Nomes e dados pessoais do casal, carta do diretor-presidente do sil no Brasil, Arlo
Lee Heinrichs, ao presidente da Funai, 27 jul. 1972. Sedoc-Funai.
35 Relatórios no Sedoc-Funai.
36 “Terra e conflito no Parque do Aripuanã”, texto de Abel de Barros Lima, Betty Min-
dlin e Carmen Junqueira, set. 1980. isa.
37 “Report of the icrc Medical Mission to the Brazilian Amazon Region”, maio-ago.
1970.
38 Ofício de 5 de maio de 1970 assinado pelo diretor de Assistência da Funai, Darcy
Mesquita da Silva. Processo fni/bsb/493/70, “Pedido de assistência a silvícolas”. asi-
-Funai. an.
39 “Report of the icrc Medical Mission to the Brazilian Amazon Region”, maio-ago. 1970.

6. fardados [pp. 73-85]

1 Jornal do Brasil (Rio de Janeiro, Primeiro Caderno, p. 30, 27 ago. 1972), citado em José
Gabriel Silveira Corrêa, “A proteção que faltava: O Reformatório Agrícola Indígena
Krenak e a administração estatal dos índios” (Arquivos do Museu Nacional, Rio de
Janeiro, v. 61, n. 2, pp. 129-46, abr./jun. 2003).
2 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 64, 16 nov. 1969.
3 Sobre o número de 3 mil, os objetivos, o número de 57 e as instruções, O Globo (Rio
de Janeiro, Geral, p. 14, ed. matutina, 18 nov. 1969).
4 Imagens localizadas pelo pesquisador Marcelo Zelic e divulgadas pela Folha de
S.Paulo em 2012.
5 Folha de S.Paulo (São Paulo, Ilustríssima, 11 nov. 2012), reportagem de Laura Capri-
glione.
6 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 32, 6 fev. 1970. As imagens de Jesco integram o
acervo da puc de Goiás/igpa.
7 Ibid., p. 70, 9 jun. 1970.
8 Sobre o aniversário e o pescador, O Estado de S. Paulo (São Paulo, p. 52, 21 out. 1973).
9 Sobre esse parágrafo, depoimento do etnólogo e antropólogo Júlio Cezar Melatti à
cpi do Índio, no Congresso Nacional, 10 ago. 1977. Cedi-Câmara.
10 Sobre basear-se na resolução e a frase de Queirós Campos, carta do presidente da
Funai publicada em O Estado de S. Paulo (São Paulo, p. 72, 3 dez. 1972).

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11 Para esse parágrafo, André Campos, “Ditadura criou cadeias para índios com tra-
balhos forçados e torturas”. Agência Pública, 24 jun. 2013. Disponível em: <apubli-
ca.org/2013/06/ditadura-criou-cadeias-para-indios-trabalhos-forcados-torturas/>.
Acesso em: 17 ago. 2016.
12 Geralda Chaves Soares, Os Borun do Watu: Os índios do rio Doce. Belo Horizonte: Ce-
defes, 1992.
13 Sobre os quartéis e o sequestro de crianças, “Os botocudos e sua trajetória histórica”,
da antropóloga Maria Hilda Barqueiro Paraíso, em História dos índios no Brasil, org.
de Manuela Carneiro da Cunha (São Paulo: Companhia das Letras, 1992). Biblioteca
da Funai, Brasília.
14 Geralda Chaves Soares, op. cit.
15 Entrevista ao autor na terra indigena Krenak, 14 dez. 2013.
16 Depoimentos de Sônia e Julia em Geralda Chaves Soares, op. cit.
17 Ibid.
18 Entrevista ao autor na terra indigena Krenak, 14 dez. 2013.
19 Documento “Resumo do que foi discutido na reunião da sbi [Sociedade Brasileira de
Indigenistas]”. Abaixo, foi datilografada a expressão: “Degravação de fita K7”. asi-Fu-
nai. AN.
20 Entrevista ao autor em Araçuaí (mg), 12 dez. 2013.
21 “Síntese do problema existente na área a ser demarcada no sul da Bahia”, relatório
da antropóloga Maria Hilda Baqueiro Paraíso, do convênio Funai-Universidade Fe-
deral da Bahia. Processo no 5935/76. Nudoc-dpt-Funai.
22 Cornélio Vieira de Oliveira, Barra Velha, o último refúgio. Londrina: Edição do autor,
1985.
23 “Discurso do presidente do sindicato [rural], Pedro Alexandre Leite (Resumo)”, du-
rante reunião realizada no sindicato dos fazendeiros de Pau Brasil, 2 jul. 1984. Pro-
cesso no 5935/76. Nudoc-dpt-Funai .
24 Informação no 024/deid/99, assinada pelo chefe do Departamento de Identificação
e Delimitação (Deid) da Funai, Brasília, Walter Coutinho Jr. Processo no 5935/76. Nu-
doc-dpt-Funai.
25 “Síntese do problema existente na área a ser demarcada no sul da Bahia”, relatório
da antropóloga Maria Hilda Baqueiro Paraíso, do convênio Funai-Universidade Fe-
deral da Bahia. Processo no 5935/76. Nudoc-dpt-Funai.
26 Informação no 024/deid/99, assinada pelo chefe do Deid-Funai, Brasília, Walter
Coutinho Jr. Processo no 5935/76. Nudoc-dpt-Funai.
27 Sobre o arrendamento a Maron e o parágrafo seguinte, “Relatório sobre a história
e situação da reserva dos postos ‘Caramuru e Catarina Paraguassu’, apresentado à

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Fundação Nacional do Índio”, de Maria Hilda Baqueiro Paraíso, Salvador, 1976. Pro-
cesso no 5935/76. Nudoc-dpt-Funai.
28 “Síntese do problema existente na área a ser demarcada no sul da Bahia”, relatório
da antropóloga Maria Hilda Baqueiro Paraíso, do convênio Funai-Universidade Fe-
deral da Bahia. Processo no 5935/76. Nudoc-dpt-Funai.
29 Sobre Curt e Samado, Informação no 25/did/dgpi, da antropóloga da Funai Maria
Auxiliadora C. S. Leão, 16 out. 1980. Processo no 5935/76. Nudoc-dpt-Funai.
30 Sobre os dados biográficos de Nimuendajú e significado do nome, “Notas sobre a
vida e a obra de Curt Nimuendajú”, do antropólogo Egon Schaden (Revista de Antro-
pologia, São Paulo, v. 15/16, 1967-8). Biblioteca Digital Curt Nimuendajú. Disponível
em: <biblio.wdfiles.com/local--files/schaden-1967-notas/schaden_1967_notas.pdf>.
Acesso em: 17 ago. 2016.
31 “Síntese do problema existente na área a ser demarcada no sul da Bahia”, relatório
da antropóloga Maria Hilda Baqueiro Paraíso, do convênio Funai-Universidade Fe-
deral da Bahia. Processo no 5935/76. Nudoc-dpt-Funai.
32 Memorando no 55, 11 jan. 1958. Processo no 5935/76. Nudoc-dpt-Funai.
33 Carta Precatória no 07/80, do Departamento de Polícia Federal em Ilhéus (ba). Pro-
cesso no 5935/76. Nudoc-dpt-Funai.
34 Memorando no 467, assinado pelo diretor do Departamento de Assistência, Darcy
Mesquita da Silva, 6 nov. 1969. Processo no 5935/76. Nudoc-dpt-Funai.
35 Informação no 25/did/dgpi, da antropóloga da Funai Maria Auxiliadora C. S. Leão, 16
out. 1980. Processo no 5935/76. Nudoc-dpt-Funai.
36 “Síntese do histórico de ocupação da área dos pis Caramuru e Paraguassu pelo gru-
po indígena pataxó”, assinado por Hildegart Maria de Castro Rick, assistente do
Departamento Geral de Patrimônio Indígena (dgpi) da Funai, Brasília. Processo no
5935/76. Nudoc-dpt-Funai.
37 Informação no 25/did/dgpi, da antropóloga da Funai Maria Auxiliadora C. S. Leão, 16
out. 1980. Processo no 5935/76. Nudoc-dpt-Funai.
38 “Respostas a quesitos objeto da carta precatória no 07/80”, assinada pela chefe da
Divisão de Identificação e Delimitação (did) da Funai, Brasília, Maria do Rosário de
Melo Oliveira. Processo no 5935/76. Nudoc-dpt-Funai.
39 Ofício do delegado substituto da 11a dr da Funai, Andrade Freitas, ao diretor do De-
partamento Geral de Operações (dgo), Brasília, 30 mar. 1978. Processo no 5935/76.
Nudoc-dpt-Funai.
40 Informação no 1149/78, carta manuscrita por Maria Hilda Baqueiro Paraíso, Salva-
dor, 2 jan. 1979. Processo no 5935/76. Nudoc-dpt-Funai.
41 “Declarações prestadas pelo índio Samado dos Santos”, 28 set. 1972. Processo no
5935/76. Nudoc-dpt-Funai.

414

Fuzis e as flechas 4A PROVA - FINAL.indd 414 27/02/17 09:34


42 Relatório dos representantes indígenas da v Assembleia Nacional do Conselho Indi-
genista Missionário (Cimi), 25-29 jul. 1983. Arquivo no B10.1.9.18 P09.11. Arquivo da
prelazia de São Félix do Araguaia (mt).
43 “Relatório sobre a história e situação da reserva dos postos ‘Caramuru e Catarina Pa-
raguassu’, apresentado à Fundação Nacional do Índio”, de Maria Hilda Baqueiro Pa-
raíso, Salvador, 1976. Processo no 5935/76. Nudoc-dpt-Funai.
44 Sobre o costume na época militar e a inutilidade do mastro, entrevista com Alexan-
dre Pataxó, uma das lideranças da terra indígena, 15 dez. 2013.
45 Conferência de Queirós Campos realizada durante jantar que lhe foi oferecido pelo
Clube da Dinamarca na sede da Associação Brasileira de Imprensa, no Rio, 24 out.
1969. Pasta Cecília de Queiroz Campos. asi-Funai. an.
46 Sobre os dados pessoais de Cecília, curriculum vitae entregue à Funai. asi-Funai. an.
47 Portaria no 212 assinada por Campos, 1 set. 1969. Pasta Cecília de Queiroz Campos.
asi-Funai. an.
48 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 72, 3 dez. 1972.
49 Ofício sem data de Cecília de Queiroz Campos. Pasta Cecília de Queiroz Campos.
asi-Funai. an.
50 Curriculum vitae entregue pelo general Oscar Jerônimo Bandeira de Mello à cpi do
Congresso Nacional quando de seu depoimento, em 1977. Arquivo do Congresso Na-
cional.
51 Folha de S.Paulo, São Paulo, pp. 38-40, 7 set. 1969.

7. coveiro [pp. 86-106]

1 Sobre a visita de Médici ao Nordeste: O Estado de S. Paulo (São Paulo, pp. 16 e 18, 7
jun. 1970), Folha de S.Paulo (São Paulo, p. 3, 7 jun. 1970) e Veja (São Paulo, n. 93, 17 jun.
1970; n. 94, 24 jun. 1970).
2 Decreto no 61.330, de 11 set. 1967.
3 O Estado de S. Paulo, São Paulo, 26 jun. 1969.
4 Entrevista de Francisco Meireles em O Globo (Rio de Janeiro, 27 jun. 1970).
5 Depoimento na cpi do Índio, no Congresso Nacional, 25 maio 1977. Cedi-Câmara.
6 Depoimento do general Bandeira de Mello à cpi do Índio, no Congresso Nacional, 4
out. 1977. Cedi-Câmara.
7 Entrevista do sertanista João Evangelista de Carvalho (spi/Funai) a Carlos Alberto
Ricardo, Centro Ecumênico de Documentação e Informação, registrada em vídeo
(câmera Murilo Santos), em Belém, 17 out. 1992. isa.
8 Relatórios do arquivo pessoal do sertanista Antonio Cotrim Soares, em Maceió.

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9 Entrevista ao autor em Brasília, 3 dez. 2013.
10 Sobre o tamanho e os dados de Pucuruí, relatório do coronel Clodomiro Bloise, 17
jan. 1971. isa.
11 Informação sobre o parentesco, entrevistas ao autor do sertanista Afonso Alves, 5 fev.
2014, e do indigenista Benigno Pessoa Marques, 6 fev. 2014, ambas em Altamira (pa).
12 Esse parágrafo e seguintes sobre as frentes de atração, relatórios de Clodomiro Bloi-
se, jan. de 1971. isa.
13 Informação de George Zarur, Processo Funai/bsb/344/71, 29 abr. 1971.
14 Relatório ao presidente da Funai de Paulo Monteiro dos Santos, diretor do dgep da
Funai. isa.
15 Relatório de Clodomiro Bloise, da base de Pucuruí, ao presidente da Funai, general
Bandeira de Mello, jul. 1971. isa.
16 Relatório do coronel Antônio Nogueira, 22 fev. 1972, localizado pelo autor na série de
“Dossiês Pessoais” da asi-Funai, na caixa relativa ao servidor José Apoena Meireles. an.
17 Despacho manuscrito pelo general Ismarth. Pasta José Apoena Meireles. asi-Funai. an.
18 Sobre a autorização da Funai, o apoio da Meridional e o motivo da atração, relatório
“Pacificação dos índios Asurini: Xingu”, de Anton e Karl Lukesch, 26 maio 1971. isa.
19 Daqui em diante, livro Bearded Indians of the Tropical Forest: The Asurini of the Ipia-
çaba Notes and Observations on the First Contact and Living Together (Graz: Akade-
mische Druck, 1976), de Anton Lukesch. Biblioteca do isa.
20 Relatório “Pacificação dos índios Asurini: Xingu”, de Anton e Karl Lukesch, 26 maio
1971. isa.
21 Entrevista de Antonio Cotrim Soares ao autor em Maceió, 25 nov. 2013.
22 Relatório de Cotrim, 11 maio 1971. Arquivo pessoal de Antonio Cotrim Soares.
23 Relatório da frente de atração asurini no rio Ipiaçaba, dirigido por Cotrim ao coronel
Pedro da Silva Rondon, 20 out. 1971 (convém destacar que no corpo do texto Cotrim
diz que o documento se refere às atividades de junho a outubro de 1972, na verdade
um erro do sertanista, pois o relatório é datado de outubro de 1971 e ele deixaria a re-
gião por volta de março de 1972). Arquivo pessoal de Antonio Cotrim Soares, em Ma-
ceió.
24 Entrevista de Antonio Cotrim Soares ao autor em Maceió, 26 nov. 2013.
25 Entrevista ao autor em Brasília, 3 dez. 2013.
26 Relatório “Epidemia gripal que assolou comunidade indígena e suas consequên-
cias”, sem data. Arquivo pessoal de Antonio Cotrim Soares.
27 Telegrama confidencial da Funai de Altamira ao chefe da Coordenação das Opera-
ções da Transamazônica (Cotz), general Ismarth Oliveira. asi-Funai. an.
28 “Resumo dos atendimentos médicos e entregas de medicação às bases da Transa-
mazônica”, documento que integra a pasta Antonio Cotrim. asi-Funai. an.

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29 Relatório produzido pela 2a Delegacia Regional da Funai em Belém. asi-Funai. an.
30 “Relatório sobre a eleição da nova área indígena parakanã”, 26 jan. 1979. asi-Funai.
an.
31 “Levantamento da situação atual dos índios parakanãs: Reserva Indígena Parakanã,
abril 1983”, do antropólogo Antonio Carlos Magalhães Lourenço dos Santos, do Mu-
seu Paraense Emilio Goeldi. isa.
32 Entrevista do sertanista João Evangelista de Carvalho (spi/Funai) a Carlos Alberto
Ricardo, Centro Ecumênico de Documentação e Informação, registrada em vídeo
(câmera Murilo Santos), em Belém, 17 out. 1992. isa.
33 Carlos Augusto da Rocha Freire, Sagas sertanistas: Práticas e representações do cam-
po indigenista no século XX. Rio de Janeiro: ppgas-Museu Nacional-ufrj, 2005. Tese
(Doutorado em Antropologia Social).
34 “Projeto Parakanã: Transferência das comunidades do Posto Indígena Pucuruí e Re-
serva Parakanã”, elaborado pelo antropólogo Antonio Carlos Magalhães Lourenço
dos Santos, em convênio com a Funai, dez. 1977. isa.
35 Relatório assinado pelo chefe do posto indígena da Funai na reserva parakanã, Fio-
rello Parise, 30 nov. 1979. isa.
36 Regina Aparecida Polo Müller, “Projeto de saúde para grupos recém-contatados: O
caso Asurini”. In: viii Conferência Nacional de Saúde, 1986, Brasília. Anais da VIII
Conferência Nacional de Saúde. Brasília: Centro de Documentação do Ministério da
Saúde, 1987. isa.
37 “Project of Health Recuperation for the ‘Asurini’ Indians of Koatinemo (Brazil)”, de
Regina Aparecida Polo Müller, Renato Delarole e Walter Labonia Filho, 1986. isa.
38 Entrevista do sertanista João Evangelista de Carvalho (spi/Funai) a Carlos Alberto
Ricardo, Centro Ecumênico de Documentação e Informação, registrada em vídeo
(câmera Murilo Santos), em Belém, 17 out. 1992. isa.
39 Informação Indígena Básica no 088/82-Agesp/Funai. Processo no 3832/78. Nudoc-
-dpt-Funai.
40 Entrevista do sertanista João Evangelista de Carvalho (spi/Funai) a Carlos Alberto
Ricardo, Centro Ecumênico de Documentação e Informação, registrada em vídeo
(câmera Murilo Santos), em Belém, 17 out. 1992. isa.
41 Entrevista de Antonio Cotrim Soares ao autor em Maceió, 26 nov. 2013.
42 Entrevista ao autor em Maceió, 26 nov. 2013.

8. a marcha [pp. 107-26]

1 Entrevista concedida por Benigno em sua casa em Altamira (pa), 6 fev. 2014.

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2 “Trabalho preliminar sobre a Funai e a Transamazônica”, do sertanista Cotrim. Ar-
quivo pessoal. Sobre a aceitação do projeto pelo comando da Funai, entrevista de Co-
trim ao autor e entrevista concedida ao antropólogo Eduardo Viveiros de Castro (Ar-
quivo isa, no ijd00045).
3 Entrevista do sertanista João Evangelista de Carvalho (spi/Funai) a Carlos Alberto
Ricardo, Centro Ecumênico de Documentação e Informação, registrada em vídeo
(câmera Murilo Santos), em Belém, 17 out. 1992. isa.
4 Eduardo Viveiros de Castro, Araweté: O povo do Ipixuna. São Paulo: Centro Ecumê-
nico de Documentação e Informação, 1992. Biblioteca da Funai, Brasília.
5 Ibid.
6 Resumo de entrevista feita pela equipe do Centro Ecumênico de Documentação e
Informação com Antônio Lisboa Dutra, atendente de enfermagem da Funai, 10 abr.
1992, publicado em Eduardo Viveiros de Castro, op. cit. Biblioteca da Funai, Brasília.
7 Entrevista de Benigno ao autor em Altamira (pa), 6 fev. 2014.
8 Sobre a chegada dos índios e o dilema de Carvalho, entrevista do sertanista João
Evangelista de Carvalho (spi/Funai) a Carlos Alberto Ricardo, Centro Ecumênico de
Documentação e Informação, registrada em vídeo (câmera Murilo Santos), em Be-
lém, 17 out. 1992. isa.
9 Considerando a estimativa do ibge para o ano de 2013, com 11,821 milhões de habi-
tantes na cidade de São Paulo.
10 O autor escreve o nome tal qual entendeu ter ouvido, não podendo confirmar se a
grafia atende às normas aceitas para a língua Arawetê.
11 Sobre a vida dos Arara, documento da Funai intitulado “Relatório de atividades da
frente de atração que atua entre os quilômetros 70 e 110 da rodovia Transamazônica
do trecho compreendido Altamira/Itaituba, no período de 04/09/1970 a 05/11/1973”,
assinado pelo sertanista Afonso Alves da Cruz, 8 nov. 1973. Doc. no ard00002. isa.
12 Relatório da frente de atração arara, assinado pelo auxiliar de indigenismo Welling-
ton Figueiredo, 4 mar. 1981. Processo no 4724/77. Nudoc-dpt-Funai.
13 Resumo histórico sobre os índios Arara, assinado pelo sertanista Sidney Ferreira
Possuelo, na frente de atração arara, out. 1980. Processo Funai Brasília no 4724. Nu-
doc-dpt-Funai.
14 Id.
15 Id.
16 “Relatório de atividades da frente de atração que atua entre os quilômetros 70 e 110
da rodovia Transamazônica do trecho compreendido Altamira/Itaituba, no perío-
do de 04/09/1970 a 05/11/1973”, assinado pelo sertanista Afonso Alves da Cruz, 8 nov.
1973. isa.
17 Sobre as tentativas de contato, as flechas e o intérprete, “Relatório de atividades da

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frente de atração que atua entre os quilômetros 70 e 110 da rodovia Transamazônica
do trecho compreendido Altamira/Itaituba, no período de 04/09/1970 a 05/11/1973”,
assinado pelo sertanista Afonso Alves da Cruz, 8 nov. 1973. isa.
18 Decreto-Lei no 764/1969.
19 O Globo, Rio de Janeiro, O País, p. 6, ed. matutina, 26 fev. 1976.
20 Folha de S.Paulo, São Paulo, 25 fev. 1976.
21 Sobre o acampamento, O Estado de S. Paulo (São Paulo, 26 fev. 1976). Sobre os nomes,
ibid. (27 fev. 1976).
22 O Globo, Rio de Janeiro, 25 fev. 1976.
23 Ibid., O País, p. 6, ed. matutina, 26 fev. 1976.
24 Ibid.
25 Entrevista de Benigno ao autor em Altamira (pa), 6 fev. 2014.
26 “Relatório da frente de atração índios arara durante o período de 27/05 a 30/06/77”,
do sertanista Afonso Alves da Cruz, 30 jun. 1977. Processo Funai no 4724/bsb. Nu-
doc-dpt-Funai.
27 Declarações atribuídas a dirigentes da Funai e publicadas nos jornais de alcance na-
cional em 25 e 26 fev. 1976.
28 “Relatório da frente de atração índios arara durante o período de 27/05 a 30/06/77”,
do sertanista Afonso Alves da Cruz, 30 jun. 1977. Processo Funai no 4724/bsb. Nu-
doc-dpt-Funai.
29 Sobre o contrato com o Incra, estimativa de colonos, interdição da área e o aviso da
Cotrijuí, processo Funai no 4724/bsb. Nudoc-dpt-Funai.
30 Entrevista de Afonso ao autor em Altamira (pa), 5 fev. 2014.
31 Sobre o ferimento em Barbosa, “Relatório do ocorrido no dia 13 de junho de 1979”,
do auxiliar de sertanista Gerson Reis de Carvalho, 22 jun. 1979. O mesmo relatório
cita nove servidores na missão (Afonso havia falado ao autor em onze) e a distância
de oito quilômetros do acampamento até a aldeia arara. Processo Funai no 4724/bsb.
Nudoc-dpt-Funai.
32 Sobre o socorro de avião e helicóptero, o cerco dos Arara e a evacuação, “Relatório do
ocorrido no dia 13 de junho de 1979”, do auxiliar de sertanista Gerson Reis de Carva-
lho, 22 jun. 1979. Processo Funai no 4724/bsb. Nudoc-dpt-Funai.
33 Sobre a extensão da rodovia, as duas inaugurações, o estado geral da estrada e o “to-
bogã”, Sergio Buarque e Marcos Magaldi, “Os estranhos caminhos da Transamazô-
nica” (O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 64, 29 jan. 1974).
34 Curt Nimuendajú, “Os índios parintintin do rio Madeira”. Journal de la Société des
Américanistes, v. 16, pp. 201-78, 1924. Disponível em: <biblio.wdfiles.com/local--fi-
les/nimuendaju-1924-parintintin/nimuendaju_1924_parintintin.pdf>. Acesso em:
17 ago. 2016.

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35 Egon Schaden, “Notas sobre a vida e a obra de Curt Nimuendajú”. Revista de Antro-
pologia, v. 15/16, 1967-8. Biblioteca Digital Curt Nimuendajú. Disponível em: <biblio.
wdfiles.com/local--files/schaden-1967-notas/schaden_1967_notas.pdf>. Acesso em:
17 ago. 2016.
36 Sobre a relação com o seringalista Delfim e a decisão de remover os índios para a
beira da estrada, “Parecer no 45”, de autoria da antropóloga Maria Antonieta Barbo-
sa de Oliveira, 4 set. 1991. Processo Funai Brasília no 5065/79. isa, São Paulo.
37 Para esse parágrafo e os seguintes que tratam dos efeitos da obra, “Ação civil públi-
ca, com pedido de liminar”, 15 jan. 2014, assinada pelo procurador da República Julio
José Araujo Junior, que se valeu de documentos e depoimentos reunidos no Inqué-
rito Civil Público no 1.13.000.000828/2013-87, que tramitou no 5o Ofício Cível da Pro-
curadoria da República do Amazonas. A ação civil pública recebeu, na 1a Vara Fede-
ral de Manaus, o número 0000243-88.2014.4.01.3200.
38 Em pesquisa nos jornais Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo e na revista
Veja, o autor não localizou nenhuma referência às duas etnias antes do ano de 1979.
39 Folha de S.Paulo, São Paulo, p. 5, 27 nov. 1979.
40 Miguel Angel Menendez, “Os Tenharim: Um grupo tupi à beira da Transamazônica”. Ter-
ra Indígena — Boletim Mensal do G. E. I. Kurumim, Araraquara. v. 3, n. 25, jun. 1984. isa.
41 O Estado de S. Paulo, São Paulo, 29 ago. 1980.
42 Vídeo Os Tenharim e a Comissão Nacional da Verdade, com edição de Osmar Mar-
coli, missionário do Cimi, 2013. Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=Kie-
thr8y_Gw>. Acesso em: 17 ago. 2016.

9. trincheiras [pp. 127-39]

1 Carta enviada por Orlando Villas Bôas ao procurador da República Marcelo Luiz
Castro Rodopiano de Oliveira, 12 fev. 1995. isa.
2 John Hemming, Die If You Must. Londres: Macmillan, 2003.
3 O Estado de S. Paulo, São Paulo, 26 mar. 1965.
4 Ibid., 12 dez. 1967.
5 No filme, o próprio Cowell descreve que os embates foram reencenados a seu pedi-
do.
6 Carta a José de Queirós Campos assinada por Villas Bôas, então administrador-geral
do Parque do Xingu, sem data. Como há dois ofícios datados de Campos na sequên-
cia, a carta do sertanista deve ser do ano de 1968. isa.
7 Ofício assinado pelo presidente José de Queirós Campos, sem data. Processo Funai
no 2710/94. Nudoc-dpt-Funai.

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8 Roberto Geraldo Baruzzi et al., “The Kren-Akorore: A Recently Contacted Indige-
nous Tribe”. In: Katherine Elliott (Org.), Ciba Foundation Symposium 49: Health and
Disease in Tribal Societies. Amsterdam: Elsevier, 1977. isa.
9 Ofício de 28 fev. 1973. Processo Funai de Brasília no 2710/94. Nudoc-dpt-Funai.
10 Ofício enviado ao ministro do Interior, assinado pelo presidente da Funai, Oscar Je-
rônimo Bandeira de Mello, 11 jan. 1973. Processo Funai no 2710/94. Nudoc-dpt-Funai.
11 Depoimento no documentário O Brasil Grande e os índios gigantes (Direção: Aurélio
Michiles. Produção: isa. São Paulo: isa, 1995. Vídeo, 47 min, color.).
12 Telegramas enviados por Villas Bôas, jun. 1972. asi-Funai. an.
13 Id.
14 O Globo, Rio de Janeiro, p. 10, 31 maio 1972.
15 Telegrama de Orlando Villas Bôas para a Funai em Brasília, 7 jun. 1972. Nudoc-dpt-
-Funai.
16 Nota da Assessoria de Relações Públicas da Funai, Brasília, jul. 1972. asi-Funai. an.
17 Depoimento de Cláudio Villas Bôas no documentário O Brasil Grande e os índios gigan-
tes (Direção: Aurélio Michiles. Produção: isa. São Paulo: isa, 1995. Vídeo, 47 min, color.).
18 Nota da Assessoria de Relações Públicas da Funai, 23 fev. 1973. asi-Funai. an.
19 Relatório reservado “da Subcoordenação da Cuiabá-Santarém correspondente ao
primeiro semestre de 1973”, assinado pelo coronel Olavo Duarte Mendes, 15 ago.
1973. Processo da Funai no 2710/94. Nudoc-dpt-Funai.
20 Id.
21 Plano de Trabalho para o Exercício de 1972, posto indígena Perigara, em Barão do
Melgaço (mt), assinado pelo chefe do posto indígena, José Carlos Barbosa, 8 out.
1971. an.
22 Sobre a obra do aeródromo e os pagamentos, relatórios do encarregado da frente de
atração da Funai em Surucucus, área yanomami, Francisco Bezerra de Lima, envia-
dos ao administrador regional da Funai em Roraima, referentes ao período de nov.
1985 a set. 1986. an.
23 João Pacheco de Oliveira e Alfredo Wagner Berno de Almeida, “Demarcação e reafir-
mação étnica: Um ensaio sobre a Funai”. In: João Pacheco de Oliveira (Org.), “Os po-
deres e as terras dos índios”. Comunicação PPGAS/Museu Nacional/UFRJ, Rio de Ja-
neiro, n. 14, pp. 13-75, 1989.
24 Relatório da “Expedição Kren Akarore”, assinado pelo sertanista-chefe Antônio
Campinas, out. 1973. isa.
25 Relatório da antropóloga Valéria Parise, 4 jan. 1974, arquivo pdz00039, isa.
26 “Relatório do técnico indigenista Ezequias Paulo Heringer Filho, lotado na frente de
atração Peixoto de Azevedo”, confidencial, dirigido ao subcoordenador da Coama
em Cuiabá, 2 jan. 1974. isa.

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27 Id.
28 O Estado de S. Paulo, São Paulo, 8 jan. 1974. O Globo, Rio de Janeiro, 12 jan. 1974. Folha
de S.Paulo, São Paulo, 14 jan. 1974.
29 O Estado de S. Paulo, São Paulo, 8 jan. 1974.
30 Para esse parágrafo e os seguintes, asi-Funai. an.
31 Id.
32 Sobre a formação dos dois grupos e as distâncias, relatório do sertanista Fiorello Pa-
rise dirigido à Coama de Cuiabá, 25 nov. 1974. Arquivo pzd00042. isa.
33 Relatório de jan. 1975. isa.
34 Depoimento no documentário O Brasil Grande e os índios gigantes (Direção: Aurélio
Michiles. Produção: isa. São Paulo: isa, 1995. Vídeo, 47 min, color.).
35 Id.
36 Depoimento de Orlando Villas Bôas em processo na 7a Vara Federal de São Paulo. isa.
37 “Os Panará do Peixoto de Azevedo e cabeceiras do Iriri: História, contato e transfe-
rência ao Parque do Xingu”, 1992. isa.
38 Depoimento no documentário O Brasil Grande e os índios gigantes (Direção: Aurélio
Michiles. Produção: isa. São Paulo: isa, 1995. Vídeo, 47 min, color.).
39 Id.
40 Entrevista ao autor em Brasília, 9 nov. 2013.
41 Carta de Heelas ao antropólogo Olympio Serra, então administrador do Parque do
Xingu, 13 abr. 1975. Processo Funai no 2710/94. Nudoc-dpt-Funai.
42 Id.
43 Richard Hosie Heelas, The Social Organisation of the Panará, a Gê Tribe of Central
Brazil. Oxford: Universidade de Oxford, 1979. 383 pp. Tese (Doutorado em Antropo-
logia). Arquivo pessoal do médico sanitarista Douglas Rodrigues.
44 Ibid.
45 Ibid.
46 Sobre o destino dos índios Panará, ver Epílogo.
47 Ofício assinado por Ismarth e enviado ao ministro Rangel Reis, 4 fev. 1975. Processo
Funai no 2710/94. Nudoc-dpt-Funai.
48 Relatório da Superintendência de Assuntos Fundiários, vinculada ao Ministério do
Interior, 6 maio 1976. Processo Funai no 2710/94. Nudoc-dpt-Funai.

10. caminho grande [pp. 140-60]

1 Boletim Interno do dner no 118, 21 maio 1970. Obtido pelo autor junto ao Departa-

422

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mento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) por meio da Lei de Acesso à
Informação.
2 Dados sobre o bec, “Síntese histórica” informada ao autor pelo Ministério do Exérci-
to, Comando Militar da Amazônia, a partir de um pedido formulado por meio da Lei
de Acesso à Informação. O documento, porém, está incompleto, interrompendo-se
justamente quando passa a narrar “problemas” enfrentados pelo batalhão na rodo-
via. O autor pediu esclarecimentos e foi informado de que as páginas faltantes não
foram localizadas nos arquivos do Exército.
3 “Relatório da frente de atração waimiri-atroari”, assinado pelo sertanista Gilberto
Pinto Figueiredo, 27 out. 1973. Processo Funai no 2625/81. Nudoc-dpt-Funai.
4 Relatório de Gilberto Pinto Figueiredo, sobre viagem realizada em julho de 1972, 30
out. 1972. Processo Funai no 3929/81. Nudoc-dpt-Funai.
5 Id.
6 Relatório de Gilberto Pinto Figueiredo, sobre viagem realizada em setembro de 1972,
30 out. 1972. Processo Funai no 3929/81. Nudoc-dpt-Funai.
7 Entrevista ao autor em Santo Antônio do Abonari (am), 13 jan. 2014.
8 Depoimento em vídeo de André Nunes, publicado no YouTube, 28 out. 2012. Dispo-
nível em: <www.youtube.com/watch?v=7hicteSfbG0>. Acesso em: 17 ago. 2016.
9 José Porfírio Fontenele de Carvalho, Waimiri Atroari: A história que ainda não foi
contada. Brasília: Edição do autor, 1982.
10 Folha de S.Paulo, São Paulo, 1 fev. 1973. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 2 fev. 1973. O
Globo, Rio de Janeiro, 2 fev. 1973.
11 A Notícia, Manaus, 15 fev. 1973. Pasta José Fontenele de Carvalho. asi-Funai. an.
12 Ofício confidencial de 8 mar. 1973. asi-Funai. an.
13 Sobre a reunião, ofício do sertanista Gilberto Figueiredo, 31 jan. 1974. Sedoc-Funai.
14 O Globo, Rio de Janeiro, 3 e 4 jan. 1974. No dia 4, reportagem intitulada “Subposto do
Alalaú em alerta: Iminente ataque dos Waimiris”.
15 Sobre esse episódio, relatório “Para a verificação das ocorrências no Posto Indígena
de Atração Alalaú ii, de 30 de setembro a 9 de outubro de 1974”, 14 pp., assinado por
Gilberto Figueiredo, 1 nov. 1974. Processo Funai no 3929/81. Nudoc-dpt-Funai.
16 Entrevista ao autor em Brasília, mar. 2014.
17 José Porfírio Fontenele de Carvalho, op. cit.
18 Relatório “Para a verificação das ocorrências no Posto Indígena de Atração Alalaú ii,
de 30 de setembro a 9 de outubro de 1974”, 14 pp., assinado por Gilberto Figueiredo,
1 nov. 1974. Processo Funai no 3929/81. Nudoc-dpt-Funai.
19 Para essa grafia, o autor se vale de notícia publicada no Jornal do Brasil (Rio de Ja-
neiro, 10 out. 1974). O autor não encontrou documentos oficiais sobre a passagem de
Palmério na Funai.

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20 Processo Funai no 2625/81, p. 146. Nudoc-dpt-Funai.
21 A reunião é referida no ofício confidencial no 042-2, assinado pelo general de briga-
da Gentil Nogueira Paes, 21 nov. 1974. Arquivo pessoal de Egydio Schwade. A mesma
reunião é citada em O Estado de S. Paulo (São Paulo, p. 22, 22 nov. 1974).
22 Id.
23 Carta endereçada ”ao amigo Azamor”, assinada por Gilberto, 21 maio 1974. asi-Funai. an.
24 Entrevista ao autor em Brasília, mar. 2014.
25 José Porfírio Fontenele de Carvalho, op. cit., p. 74.
26 Fac-símile da portaria que informa aposentadoria. asi-Funai. an.
27 Entrevista de Gilmar Joia de Figueiredo Costa ao autor, 31 mar. 2015.
28 Entrevista ao autor em Águas Claras (df), maio 2015.
29 O Globo (Rio de Janeiro, p. 3, 31 dez. 1974), O Estado de S. Paulo (São Paulo, p. 16, 31 dez.
1974) e Folha de S.Paulo (São Paulo, 31 dez. 1974). A Folha menciona a presença ape-
nas de Maroaga, não de Comprido.
30 Versão publicada em José Porfírio Fontenele de Carvalho (op. cit., p. 104).
31 Sobre os dados biográficos, Nota à Imprensa divulgada pela Assessoria de Relações
Públicas da direção da Funai em Brasília, 30 dez. 1974. asi-Funai. an. Entrevista ao
autor de um de seus filhos, Gilmar Joia de Figueiredo Costa, que corrigiu o número
de filhos da nota da Funai, de cinco para dez.
32 Em seu arquivo histórico on-line, O Estado de S. Paulo disponibiliza o fac-símile das
páginas censuradas pela ditadura militar, o que permite as comparações com o que
foi publicado.
33 O Globo, Rio de Janeiro, p. 5, 3 jan. 1975.
34 Relatório preliminar sobre a frente de atração waimiri-atroari, assinado por Hilde-
gart, 27 jun. 1977. Sedoc-Funai.
35 Entrevista de Gilmar Joia de Figueiredo Costa ao autor, 31 mar. 2015.
36 Depoimento em vídeo de André Nunes, publicado no YouTube, 28 out. 2012. Dispo-
nível em: <www.youtube.com/watch?v=7hicteSfbG0>. Acesso em: 17 ago. 2016.
37 Histórico no site do 1o bis. Disponível em: <www.1bis.eb.mil.br/index.php/histori-
co>. Acesso em: 26 maio 2014.

11. irreversível [pp. 161-78]

1 O Globo, Rio de Janeiro, Geral, p. 6, ed. matutina, 21 nov. 1969.


2 Fac-símile do folheto no arquivo pessoal de Egydio Schwade.
3 Entrevista ao autor em Santo Antônio do Abonari (am), 13 jan. 2014.
4 Relatório de convênio entre Funai e Projeto Radam produzido por grupo de trabalho
nomeado em 11 nov. 1975. Processo Funai bsb no 1778/82. Nudoc-dpt-Funai.

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5 Processo Funai bsb no 1778/82. Nudoc-dpt-Funai.
6 Os dois depoimentos são subscritos pelos índios e pelo indigenista Antônio Pereira
Neto. Processo Funai bsb no 1778/82. Nudoc-dpt-Funai.
7 Relatório final da cnv. A data de chegada dos militares em 1972 também é da cnv.
8 Relatório “O tempo da guerra: Os Aikewara e a Guerrilha do Araguaia”, escrito por
Iara Ferraz, Orlando Calheiros, Tiapé Suruí, Ywynuhu Suruí e entregue à cnv em
maio de 2014. Relatório final da cnv.
9 A Notícia, Manaus, maio 1975. Recorte no arquivo pessoal de Egydio Schwade.
10 O pajé na beira da estrada (Porto Alegre: Escola Superior de Teologia e Espiritualida-
de Franciscana, 1986), do coronel da reserva do Exército Altino Berthier Brasil.
11 O Globo, Rio de Janeiro, p. 3, 6 jan. 1975.
12 Entrevista ao autor, 10 jan. 2014.
13 A Crítica, Manaus , 14 jun. 1975.
14 O Globo, Rio de Janeiro, p. 5, 6 jul. 1976.
15 Sobre essa série de contatos, relatório das atividades na área waimiri-atroari de ja-
neiro a maio de 1976, assinado pelos sertanistas Estêvão da Silva Rodrigues e Julio
Reinaldo de Morais, da frente de atração waimiri-atroari (fawa). Arquivo pessoal de
Egydio Schwade.
16 Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Primeiro Caderno, 9 jan. 1976.
17 Folha de S.Paulo (São Paulo, 7 abr. 1977), O Estado de S. Paulo (São Paulo, 7 abr. 1977) e
O Globo (Rio de Janeiro, 7 abr. 1977).
18 Processo Funai no 2625/81. Nudoc-dpt-Funai.
19 Id.
20 “Relatório da frente de atração waimiri-atroari”, assinado pelo sertanista Gilberto
Pinto Figueiredo Costa, 27 out. 1973. Processo Funai no 2625/81. Nudoc-dpt-Funai.
21 “Nota à imprensa” divulgada pela Assessoria de Relações Públicas da direção da Fu-
nai em Brasília, 30 dez. 1974. asi-Funai. an.
22 Ofício do subcoordenador da Coama Fontenele de Carvalho ao comandante do 6o
bec, 2 jul. 1974. Arquivo pessoal de Egydio Schwade.
23 “Os Waimiris podem ir a novo massacre”. Folha de S.Paulo, São Paulo, p. 14, 7 nov. 1976.
24 “Relatório sobre a área indígena waimiri/atroari”, elaborado pelo Grupo de Trabalho
estabelecido pela direção da Funai em 27 de junho de 1981, formado pela antropólo-
ga Angela Maria Baptista, pelo engenheiro-cartógrafo Lucélio Cesar Sabe Franco e
por Gilberto Ferreira, chefe do setor de cartografia no df. Processo Funai no 2625/81.
Nudoc-dpt-Funai.
25 O autor também soliciou, por meio da Lei de Acesso à Informação, todo tipo de rela-
tório ou documento produzido pelo Exército sobre a área waimiri-atroari e a cons-

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trução da br-174. A resposta foi quase nula, com exceção de dois ofícios com regis-
tros burocráticos sobre a obra.
26 Entrevista ao jornal sindical Extra Classe, publicação do Sindicato dos Professores
do Rio Grande do Sul (Sinpro-rs), out. 1997. Disponível em: <www.oocities.org/to-
amazon/toajaestamos.htm>. Acesso em: 30 jan. 2017.
27 Entrevista ao autor, 29 maio 2014.
28 Entrevista ao autor em Brasília, 2013.
29 Fotografias do monumento feitas em 2008 pelo jornalista Evandro Éboli e cedidas ao
autor.
30 Entrevista concedida por Mont’Alverne ao autor.
31 “Relatório da Expedição Waimiri-Atroari Grupo de Saúde fua/Funai”, 10 abr. 1985.
Processo Funai no 2625/81. Nudoc-dpt-Funai.
32 Entrevista ao autor na casa de Amâncio, em Manaus, 10 jan. 2014.
33 “Sarampo na área dos Waimiri-atroari”, da atendente de enfermagem da Funai Leo-
nida Egufe, maio 1981, e “Epidemia de sarampo entre os Waimiri-atroari”, 2 jun. 1981,
citados em “1o relatório do Comitê Estadual da Verdade do Amazonas: O genocídio
do povo waimiri-atroari” (2012), do Comitê da Verdade, Memória e Justiça do Ama-
zonas, coordenadores Egydio Schwade e Wilson C. Braga Reis. Ofício enviado ao co-
ronel Paulo Moreira Leal, presidente da Funai, pelo servidor da Funai José Porfírio
Fontenele de Carvalho, 27 fev. 1982. Sedoc-Funai.
34 Relatório “Grupo de Trabalho Waimiri-Atroari”, de Stephen Grant Baines, então alu-
no de pós-graduação em antropologia, nível doutorado, da UnB.
35 Ata da 81a Sessão do Conselho Indigenista, 23 jan. 1975. an.
36 “A antropologia no estado de São Paulo”. Revista do Museu Paulista, São Paulo, v. vii,
1907. Cópia do texto disponibilizada pela Biblioteca Digital Curt Nimuendajú.
37 Darcy Ribeiro, Os índios e a civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
38 Martinho da Vila, Kizombas, andanças e festanças. Rio de Janeiro: Léo Christiano,
1992. No livro, o autor diz que os versos eram: “Pra construir/ Pra destruir”. Na ver-
são gravada anos depois, porém, aparece: “Pra construir/ Pra progredir”.
39 Ibid.

12. cicatriz [pp. 179-93]

1 Sobre a divisão e a meta dos trabalhos, ofício assinado pelo sertanista Sebastião
Amâncio da Costa, coordenador da frente de atração yanomami na Funai e endere-
çado ao delegado da 10a dr da Funai, em Manaus, 26 abr. 1976. Sedoc-Funai.
2 Id.

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3 Documento “Parque Indígena Yanomami”, mar. 1980. Processo Funai no 2192/84.
Nudoc-dpt-Funai.
4 Ofício assinado pelo sertanista Sebastião Amâncio da Costa, coordenador da frente
de atração yanomami na Funai e endereçado ao delegado da 10a dr da Funai, em Ma-
naus, 26 abr. 1976. Sedoc-Funai.
5 Sobre a questão das línguas, denominações e tempo de vida dos índios na região, do-
cumento “Parque Indígena Yanomami”, mar. 1980. Cita trabalho anterior do linguis-
ta Ernesto Migliazza (1972). Sobre as denominações dos Yanomami, “Terra Indígena
Yanomami”, 1984, do Departamento de Patrimônio Indígena (dpi) da Funai. Sobre al-
tura média, vestimenta, alimentação, artefatos e cuidado com os mortos, “Relatório
Missão Especial no 28/81”, subscrito por uma comissão da Funai, incluindo a antro-
póloga da Funai Ana Maria da Paixão. Os três documentos integram o Processo Fu-
nai no 2192/84. Nudoc-dpt-Funai.
6 Documento “Terra Indígena Yanomami”, 1984, do dpi da Funai. Processo Funai no
2192/84. Nudoc-dpt-Funai.
7 Estudo “Projeto Perimetral Yanomami”, de Kenneth Taylor e Alcida Rita Ramos, do
Departamento de Ciências Sociais da UnB, 6 jun. 1974. Sedoc-Funai.
8 Entrevista ao autor em Brasília, mar. 2014.
9 Documento “Parque Indígena Yanomami”, mar. 1980. Processo Funai no 2192/84.
Nudoc-dpt-Funai.
10 Ofício do chefe da Ajudância Autônoma da Funai de Roraima, 15 jan. 1974. Sedoc-Funai.
11 Ofício enviado pelo auxiliar da frente de atração ao coordenador da Coama. “Rela-
tório das atividades do trecho da Perimetral Norte compreendido entre Caracaraí e
Rio Padauari”, 1 out. 1974. Sedoc-Funai.
12 “Relatório do Grupo Roraima”, da Funai, assinado pelo coordenador, Rubens Auto
da Cruz Oliveira, 10 jun. 1975. isa.
13 Id.
14 “Declaração sobre a Missão Catrimani”, assinada pelo antropólogo Kenneth I. Taylor,
coordenador do Projeto Perimetral-Yanoama, da Funai, e pelo padre Giovanni Saffi-
rio, responsável pela Missão Catrimani, para esclarecer dados contidos em reporta-
gem de A Crítica, de Manaus, 26 mar. 1975. Sedoc-Funai.
15 Id.
16 “Plano Yanoama”, relatório trimestral no 001. Sedoc-Funai.
17 Relatório “The Yanoama in Brazil”, 1979, 179 pp., do Comitê para Criação do Par-
que Yanomami, assinado por Alcida e Taylor, sob responsabilidade do International
Work Group for Indigenous Affairs, de Copenhague, do Survival International, da
Inglaterra, e do Anthropology Resource Center, dos Estados Unidos.
18 Ofício de Carlo Zacquini, 29 dez. 1974. Sedoc-Funai.

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19 Documento “Seminário: Funai/Missões”, produzido em 1975 pela Funai em Brasília.
asi-Funai. an.
20 Veja, São Paulo, n. 466, pp. 71-2, 10 ago. 1977.
21 Documento “Parque Indígena Yanomami”, mar. 1980. Processo Funai no 2192/84.
Nudoc-dpt-Funai.
22 Depoimento de Ismarth na cpi, set. 1977. Cedi-Câmara.
23 Alcida Rita Ramos, “O papel político das epidemias: O caso Yanomami”. Série Antro-
pologia 153, Brasília, UnB, 1993.
24 Documento “Parque Indígena Yanomami”, mar. 1980. Processo Funai no 2192/84.
Nudoc-dpt-Funai.
25 Entrevista ao autor na casa de Amâncio, em Manaus, 10 jan. 2014.
26 Relatório “The Yanoama in Brazil”, 1979, 179 pp., do Comitê para Criação do Par-
que Yanomami, assinado por Alcida e Taylor, sob responsabilidade do International
Work Group for Indigenous Affairs, de Copenhague, do Survival International, da
Inglaterra, e do Anthropology Resource Center, dos Estados Unidos.
27 Sobre objetivos, números e pessoal envolvido, texto enviado ao autor pelo Departa-
mento Nacional de Produção Mineral (dnpm), em resposta a um pedido formulado
por meio da Lei de Acesso à Informação. O dnpm informa como fonte dos dados o
texto “Projeto Radam: Uma saga amazônica”, de Mário Ivan Cardoso de Lima (Belém:
Paka-Tatu, 2008).
28 O Globo, Rio de Janeiro, p. 17, 27 fev. 1975.
29 “Governador acusa índios de atrasarem o desenvolvimento”. O Globo, Rio de Janeiro,
p. 6, 1 mar. 1975.
30 Nota oficial do governador publicada na íntegra em O Globo (Rio de Janeiro, p. 6, 5
mar. 1975).
31 Folha de S.Paulo, São Paulo, Nacional, p. 4, 27 mar. 1975.
32 “Plano de Trabalho” da gestão do presidente da Funai, Paulo Moreira Leal, provavel-
mente realizado em 1982. asi-Funai. an.
33 Sobre os garimpeiros e a conversa com Ismarth, “Mining and The Yanoama”, no re-
latório “The Yanoama in Brazil”, 1979, 179 pp., do Comitê para Criação do Parque Ya-
nomami, assinado por Alcida e Taylor, sob responsabilidade do International Work
Group for Indigenous Affairs, de Copenhague, do Survival International, da Inglater-
ra, e do Anthropology Resource Center, dos Estados Unidos.
34 Id.
35 Relatório trimestral no 002 do Plano Yanoama, período jan./fev. 1976. Sedoc-Funai.
36 Para o parágrafo, relatório enviado pelo delegado substituto da 10a dr da Funai de
Manaus, Carlos Marinho dos Santos, ao presidente da Funai, 4 fev. 1976.
37 Entrevista ao autor em Brasília, 4 dez. 2013.

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38 Processo Funai no 2192/84. Nudoc-dpt-Funai.
39 Relatório trimestral no 002 do Plano Yanoama, período jan./fev. 1976. Sedoc- Funai.
40 Id.
41 Id.
42 “Relato da Situação Atual”, assinado pela antropóloga, 5 jun. 1976. Sedoc-Funai.
43 Ofício enviado por Kesselring ao presidente da Funai, 26 jan. 1976. Sedoc-Funai.
44 Ofício enviado por Taylor ao general Ismarth Oliveira, presidente da Funai, 4 maio
1976. Sedoc-Funai.
45 Relatório “The Yanoama in Brazil”, 1979, 179 pp., do Comitê para Criação do Par-
que Yanomami, assinado por Alcida e Taylor, sob responsabilidade do International
Work Group for Indigenous Affairs, de Copenhague, do Survival International, da
Inglaterra, e do Anthropology Resource Center, dos Estados Unidos.
46 Memorando confidencial enviado pelo chefe da asi-Funai ao diretor do dgpc da Fu-
nai, 4 nov. 1980. asi-Funai. an.

13. como se fosse um negativo [pp. 194-201]

1 Relatório de identificação e delimitação da terra indígena Vale do Javari, p. 54, pro-


duzido pela Funai e subscrito pelo antropólogo Walter Coutinho Jr., maio 1998. isa.
no Ofd00064.
2 Id., p. 57.
3 Id., p. 56, citando ofício no 04/70, do advogado da 2o dr, Raimundo Nonato Holanda,
19 set. 1970.
4 Relatório sobre índios isolados e já contatados no vale do Javari, jurisdição da admi-
nistração regional de Atalaia do Norte, Funai, subscrito pelo administrador Gilmar
Figueiredo Norte, 22 jan. 1990. isa. Arquivo no 0fd00041.
5 Informação anexada por Valmir Torres à comissão de sindicância, p. 122, instaura-
da pela portaria no 406/pres, 23 maio 2000. Processo no 00193/2000. Autos obtidos
pelo autor junto à Funai por meio da Lei de Acesso à Informação.
6 Sobre os ataques de 1972 e 1974, O Estado de S. Paulo (São Paulo, p. 14, 21 ago. 1974) e
O Globo (Rio de Janeiro, p. 5, 21 ago. 1974).
7 O Estado de S. Paulo (São Paulo, p. 14, 21 ago. 1974; p. 13, 30 ago. 1974) e O Globo (Rio de
Janeiro, p. 5, 21 ago. 1974).
8 Para esse parágrafo, depoimento de Valmir Torres, nov. 1975, na comissão de sin-
dicância, p. 122, instaurada pela portaria no 406/pres, 23 maio 2000. Processo no
00193/2000.
9 Id.

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10 Amaury Ribeiro Jr., “Administrador da Funai teria chefiado massacre”. O Globo, Rio
de Janeiro, p. 10, 16 abr. 2000.

14. este belo país [pp. 202-212]

1 Depoimento de Bandeira de Mello na cpi do Índio, 4 out. 1977. Cedi-Câmara.


2 Portaria do ministro do Interior, Mário Andreazza, aprova diretrizes gerais do Plano
de Ação Imediata da Funai, 16 fev. 1981. asi-Funai. an.
3 Memorando do diretor do Departamento Geral de Patrimônio Indígena (dgpi) da
Funai, Cláudio Pagano de Mello, ao chefe da asi-Funai, versando sobre “pasta con-
tendo a relação de todas as certidões negativas expedidas durante os anos de 1970
a 1974, época da gestão do então presidente Oscar Jerônimo Bandeira de Mello”, 18
dez. 1980. asi-Funai. an.
4 Para esse parágrafo, documentos arquivados na pasta Dario Cabrera. asi-Funai.
an.
5 Sobre os prêmios em Cannes: <www.festival-cannes.com/en/archives/artist/
id/13589.html>. Acesso em: 30 ago. 2016.
6 Sobre a data da sua chegada ao Brasil, Folha de S.Paulo (São Paulo, p. 30, 21 dez. 1974).
7 Sobre o presente e a ideia da reserva, texto “O homem está onde estão os seus so-
nhos”, de Sérgio Moriconi, curador da exposição “Arne Sucksdorff, o sueco do Cine-
ma Novo”, exibida no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, de 16 a 24 mar.
2010.
8 “Relatório sobre as terras de Maria e Arne Sucksdorff e problemas em relação às
mesmas”, assinado por Arne, dirigido à Funai, 7 maio 1977. asi-Funai. an.
9 Relatório “Corrupção na Funai”, assinado pelo delegado da Polícia Federal Elder
Afonso dos Santos, 5 dez. 1977. asi-Funai. an.
10 Ofício de Ismarth a Coelho. asi-Funai. an.
11 Declaração assinada pelo delegado Antonio José Carvalho Lima. asi-Funai. an.
12 Termo de declarações de Arne à Polícia Federal, 10 maio 1977. asi-Funai. AN.
13 Ofício do superintendente regional da Polícia Federal, Fernando Antonio Sant’Anna,
jun. 1977. asi-Funai. an.
14 Folha de S.Paulo, São Paulo, p. 8, 24 dez. 1978.
15 Para todo o parágrafo, Memória do cinema em Mato Grosso (Cuiabá: Entrelinhas,
2008), de Luiz Carlos de Oliveira Borges.
16 “The Nambiquara”, de David Price, sem data. isa.
17 Sobre os ataques, Tristes trópicos, de Claude Lévi-Strauss (São Paulo: Companhia

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das Letras, 1996). Uma carta da missão evangélica dos anos 1970 diz que o ataque
ocorreu em 1930, e não em 1933.
18 “The Nambiquara”, de David Price, sem data. isa.
19 Relatório de atividades dos anos 1983 e 1984 da Ajudância do Vale do Guaporé, Funai,
Ministério do Interior. isa.
20 “Garimpo invade reserva e levanta cidade”. Folha de S.Paulo, São Paulo, 25 dez. 1996.
21 O Globo, Rio de Janeiro, 15 fev. 1960.
22 Ofício enviado pelo diretor da Saim no Brasil a Ney Land, chefe da Divisão de Plane-
jamento da Diretoria Geral de Estudos e Pesquisas da Funai, 23 mar. 1971. Sedoc-
-Funai.
23 “A filosofia básica e obra da South America Indian Mission”, documento entregue à
direção da Funai pela direção da Saim, 27 jan. 1971. Sedoc-Funai.
24 Relatório sobre o posto indígena ou colônia “Galera”, 1974. Sedoc-Funai.
25 Ofício assinado pelo diretor do dgep da Funai, Paulo Monteiro, enviado ao general
Bandeira de Mello, 22 out. 1970. Sedoc-Funai.
26 Carta de Snyder ao diretor do dgo da Funai, Gerson Alves da Silva, 31 jul. 1978. Se-
doc-Funai.
27 Processo Funai no 3092/71, ofício assinado pelo assistente do diretor do dgep da Fu-
nai, Rubens Auto da Cruz Oliveira. Sedoc-Funai.
28 Resposta a Pedido de Busca feito pela asi-Funai, ofício assinado por Ney Land, dire-
tor substituto do dgep da Funai, 3 jul. 1972. asi-Funai. an.
29 Relatório do Centro de Trabalho Indigenista (cti), ong criada nos anos 1970 para de-
fender direitos indígenas, 10 maio 1980. isa.
30 Relatório enviado pelo reverendo Mosher à Funai, jan. 1974. Sedoc- Funai.
31 Carta enviada pelo executor do convênio Funai-ufba, Pedro Agostinho da Silva, à di-
reção da Funai, 4 dez. 1975. Sedoc-Funai.
32 Relatório sobre o posto indígena ou colônia “Galera”, 1974. Sedoc-Funai.
33 Ata da primeira sessão do Conselho Indigenista da Funai, 27/28 out. 1975. isa.
34 Relatório da aldeia indígena Wái Ki Su referente ao primeiro trimestre de 1975, assi-
nado pelo missionário Heinrich Berg. isa.
35 Relatório de Sílbene de Almeida, da Ajudância Autônoma do Vale do Guaporé, da Fu-
nai. isa.
36 Id.
37 Ata da primeira sessão do Conselho Indigenista da Funai, 27/28 out. 1975. isa.
38 Documento “ii Assembleia de Chefes Indígenas”, do Cimi, 1975. Cedi-Câmara. cpi do
Índio, 1977.
39 Relatório de Sílbene de Almeida, da Ajudância Autônoma do Vale do Guaporé, da Fu-
nai. isa.

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40 Relatório de Sílbene de Almeida, chefe do posto indígena Sararé, ao delegado da 5a
dr da Funai, em Cuiabá, 22 jun. 1975. isa.
41 Id.
42 Relatório no 01/nvg/80 do posto indígena Manairissu, do chefe Sílbene de Almeida,
mar. 1980. isa.

15. infamante [pp. 213-26]

1 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 6, 8 jun. 1965. Sobre o papel de Cordeiro de Farias
no golpe, Paulo Egydio conta: Depoimento ao CPDOC-FGV, org. de Verena Alberti, Ig-
nez Cordeiro de Farias e Dora Rocha (São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2007).
2 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 6, 8 jun. 1965.
3 Ibid., p. 7, 1 jul. 1965.
4 O Globo (Rio de Janeiro, p. 3, 8 jun. 1965), texto do enviado especial Acir Méra.
5 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 6, 8 jun. 1965.
6 Texto de Sérgio Vahia de Abreu. Disponível em: <goiania-goias.blogspot.com.br/
2007_11_01_archive.html>. Acesso em: 31 ago. 2016.
7 Declarações a O Globo (Rio de Janeiro, p. 3, 5 mar. 1971).
8 Id.
9 Sobre as declarações de Bandeira de Mello na sede da Funai em Campo Grande, O
Estado de S. Paulo (São Paulo, 22 abr. 1971).
10 Sobre a fala de Bandeira de Mello e a nota da Funai, Folha de S.Paulo (São Paulo, 10
abr. 1971).
11 Depoimento de Antônio Alves dos Santos em Xavantina (mt), tendo por testemunha
Newton do Prado Cardoso, 2 set. 1952. asi-Funai, direção da Funai em Brasília.
12 Depoimento de Leopoldo em Xavantina (mt), tendo por testemunhas Olavo de Si-
queira Cavalcanti e Sebastião Garibaldi da Fonseca, 8 set. 1952. asi-Funai, direção
geral da Funai em Brasília.
13 Três reportagens publicadas em O Globo (Rio de Janeiro, capa, Geral, pp. 1 e 6, 26 set.
1952).
14 Histórico do servidor. asi-Funai. an.
15 Termos de declarações de Maria Deuzinha Reis e Altina Comapa na Comissão de In-
quérito Administrativo da Funai instituída pela Portaria 771/P/76, 26 ago. 1976. Pasta
Francisco Paulo Lucena Rodrigues. asi-Funai. an.
16 Para o parágrafo, termo de declarações do missionário norte-americano Gerald Ray-

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mond Kennel Jr. à Comissão de Inquérito Administrativo da Funai instituída pela
portaria 771/P/76, 1 set. 1976. asi-Funai. an.
17 Telegrama de 21 jul. 1975. asi-Funai. Pasta Francisco Paulo Lucena Rodrigues. an.
18 “Primeiro relatório do Alto Solimões: Bacia do Javari”, assinado por Lucena e envia-
do a Ismarth, 29 set. 1975. asi-Funai. an.
19 O Globo, Rio de Janeiro, 21 set. 1976.
20 Carta de 11 out. 1975, de Atalaia do Norte (am). asi-Funai. an.
21 Memorando no 003, 13 jan. 1976. asi-Funai. an.
22 Ofício confidencial, 31 mar. 1976. asi-Funai. an.
23 Telegrama com protocolo de 4 fev. 1976. Ismarth despachou no papel solicitando
“medidas que poderão ser tomadas”. asi-Funai. an.
24 Ofício de 4 mar. 1976. Pasta Francisco Paulo Lucena Rodrigues. asi-Funai. an.
25 Relatório assinado por Divaldo Rodrigues de Souza, comissão de sindicância vincu-
lada à Coama, 14 maio 1976. asi-Funai. an.
26 Relatório produzido por Edson Ramalho Júnior sobre a viagem ocorrida no primei-
ro trimestre de 1971, sem data. asi-Funai. an.
27 Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 8 jul. 1971.
28 Informe da Divisão de Segurança e Informações do Minter, enviado à asi Funai, da-
tado de 19 de dezembro de 1972.
29 Boletim Amazind, outono de 1973, Genebra, Suíça. Pasta Orlando Villas Bôas. asi-Fu-
nai. an.

16. o grito [pp. 227-37]

1 Frei Gil Gomes Leitão, “Prolegômenos de uma política missionária”. In: Encontro so-
bre Presença da Igreja nas Populações Indígenas, 18 a 22 fev. 1968, São Paulo. Arqui-
vo pessoal de Egydio Schwade em Presidente Figueiredo (am), consultado pelo autor,
jan. 2014.
2 Decreto “Ad Gentes: Sobre a atividade missionária da Igreja”, assinado pelo papa
Paulo vi em Roma, 7 dez. 1965.
3 “Nos trilhos do Vaticano ii”, de Paulo Suess, missionário franciscano na prelazia de
Óbidos (pa), que se tornou um membro ativo do Cimi.
4 Entrevista ao autor em Presidente Figueiredo (am), jan. 2014.
5 “Declaração de Barbados i: Pela libertação do indígena”, assinada por Miguel Alberto
Bartolomé, Guillerme Bonfil Batalla, Victor Daniel Bonilla, Gonzalo Castillo Cárde-
nas, Miguel Chase-Sardi, Georg Grünberg, Nelly Arvelo de Jiménez, Esteban Emilio
Mosonyi, Darcy Ribeiro, Scou S. Robinson e Stefano Varese, 30 jan. 1971.

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6 Sobre os números da reunião e trechos do documento final, Benedito Prezia (Org.),
Caminhando na luta e na esperança: Retrospectiva dos últimos 60 anos da Pastoral
Indigenista e dos 30 anos do Cimi (São Paulo: Loyola, 2003).
7 O documento foi publicado na íntegra em O Estado de S. Paulo (São Paulo, 28 maio
1970).
8 “iv Assembleia Geral Ordinária do Conselho Indigenista Missionário”, em Cuiabá, 22 a
26 jul. 1981. Arquivo B10.1.7.30 P1.6. Arquivo da prelazia de São Félix do Araguaia (mt).
9 Fala de Óscar Romero reproduzida no documentário Monseñor: The Last Journey of
Óscar Romero (2011, First Run Features), direção de Ana Carrigan e Juliet Weber.
10 Entrevista ao autor em São Félix do Araguaia (mt), 28 out. 2013.
11 Informação no 856, do cie, abr. 1972. asi-Funai. an.
12 “Regimento Interno do Cimi”. Prelazia-Araguaia.
13 Conforme entrevista telefônica ao autor da filha de Queirós Campos, Maria Dulce
Vieira de Queirós Campos, jul. 2014.
14 Sobre o papel de Temístocles e as emendas da Funai, documento “Em torno do Es-
tatuto do Índio — Histórico”, assinado pelo padre José Vicente César, presidente do
Cimi, 15 jan. 1974. Prelazia-Araguaia.
15 Para os dois parágrafos, ibid.
16 Kenneth Serbin, Diálogos na sombra. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. O au-
tor escreveu que a comissão era conhecida apenas por “alguns membros privilegia-
dos da Igreja, altos oficiais militares e alguns jornalistas”.
17 Citado em Kenneth Serbin, ibid. Boletim Reservado no 6 da 1a Região Militar, acervo
fgv/cpdoc.
18 “Relatório do Secretariado do Cimi — 1975/1979”, 27 jul. 1979. Arquivo no B10.1.5.08
P12.12, p. 8. Prelazia-Araguaia.
19 Id.
20 Para o parágrafo, “Esclarecimentos ao presidente do Cimi”, texto assinado pelo pa-
dre José Vicente César, 26 out. 1976. Prelazia-Araguaia.
21 Entrevista de Iasi ao autor em Belo Horizonte, 9 dez. 2013.
22 Cópia integral de “Y-Juca-Pirama”. Pasta sobre a irmã missionária Mercedes Setem.
asi-Funai. an.
23 Informação do cie, do gabinete do ministro do Exército, 22 maio 1974. asi-Funai. an.
24 Entrevista ao autor, fev. 2009, para reportagem publicada pela Folha de S.Paulo (São
Paulo, 24 fev. 2009).
25 Levantamento realizado pelo autor no arquivo on-line de O Estado de S. Paulo.
26 “O índio e a Funai na imprensa diária”, levantamento realizado pela Assessoria de
Comunicação Social da Funai, Brasília, 1o sem. 1976. asi-Funai. an.

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27 Informação no 194-A/75, da asi-Funai, e nota de protesto da embaixada em Oslo. asi-
-Funai. an.

17. persona non grata [pp. 238-50]

1 Sobre o presente, texto divulgado no site da Comissão Pastoral da Terra (cpt), quan-
do da morte de Balduíno, em 2014. Disponível em: <www.cptnacional.org.br/index.
php/publicacoes-2/noticias-2/16-cpt/2057-o-adeus-a-dom-tomas-balduino>. Aces-
so em: 31 ago. 2016.
2 Sobre as vertentes e a reunião no Rio, entrevista com Egydio Schwade em Presiden-
te Figueiredo (am), jan. 1974.
3 Para esse parágrafo, documento “Atividades do Secretariado do Conselho Indigenis-
ta Missionário”, do Secretariado do Cimi, 18 jun. 1975. Arquivo da prelazia de São Fé-
lix do Araguaia (mt). Outras doações internacionais estão relatadas no documento no
B10.1.1.13 P3.3 do mesmo arquivo.
4 Documento “Conclusões da ii Assembleia do Cimi — Regional Sul”. Arquivo da pre-
lazia de São Félix do Araguaia (mt), documento no B10.1.2.01 P4.4.
5 Id.
6 Documento “i Assembleia Missionária Indigenista”, 27 jun. 1975. Arquivo da prelazia
de São Félix do Araguaia (mt).
7 Para o destino do padre Tomás Lisboa, ver Epílogo.
8 Sobre os dados da reunião, documento “ii Assembleia de Chefes Indígenas”, do Cimi.
Cedi-Câmara. cpi do Índio, 1977.
9 Documento “Seminário Funai/Missões”, produzido pela Funai em 1975. asi-Funai. an.
10 asi-Funai. an.
11 Roberto G. Baruzzi, “O problema de saúde das comunidades indígenas”. Escola Pau-
lista de Medicina, 12 maio 1977.
12 Carta do secretário executivo do Cimi, 29 mar. 1974. Prelazia-Araguaia.
13 asi-Funai. an.
14 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 5, 26 set. 1964.
15 Ibid., p. 13, 28 set. 1979.
16 Sobre os dados e transcrições da reunião, “Seminário: Funai/Missões”, 306 pp., do-
cumento produzido pela Funai em Brasília. asi-Funai. an.
17 Carta de Ismarth de Araújo Oliveira à presidência do Cimi, 26 maio 1975. asi-Funai.
an.
18 Pasta irmã Mercedes Setem. asi-Funai. an.

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19 Sobre a data do acompanhamento do cie, “Histórico”, documento com carimbo do
Exército, sem data. asi-Funai. an.
20 “Relatório especial de informações”, confidencial, produzido pelo major de artilha-
ria do Exército Luiz Gonzaga de Toledo Camargo, enviado pelo governo ao local, 14
mar. 1972. asi-Funai. an.
21 Sobre o histórico da Codeara e o ataque do trator, “Relatório das ações desenvolvidas
pela Secretaria de Segurança Pública [de Mato Grosso] face ao movimento armado
ocorrido no povoado de Santa Terezinha, Luciara, no dia 3 de março de 1972”, assi-
nado pelo coronel Ivo de Albuquerque, responsável pela Secretaria de Segurança de
Mato Grosso. Pasta Pedro Casaldáliga. asi-Funai. an.
22 Correio Braziliense (Brasília, p. 5, 9 mar. 1972) e Anexo “A” confidencial ao relatório
de informações da Secretaria de Segurança de Mato Grosso. asi-Funai. an.
23 O Estado de S. Paulo, São Paulo, 29 maio 1973.
24 Ibid., 16 dez. 1975.
25 Sobre a causa da morte, Folha de S.Paulo (São Paulo, p. 7, 4 jan. 1979).
26 Ibid., p. 8, 10 jan. 1979.
27 Sobre os dados biográficos: documentos do arquivo da prelazia de São Félix do Ara-
guaia (mt), documento no A10.1.06, em texto atribuído a Darcy Luiz Pivetta.
28 Sobre os últimos dias e horas de Burnier, jornal Alvorada (São Félix do Araguaia,
nov. 1976). Arquivo da prelazia de São Félix do Araguaia (mt).
29 Sobre o assassinato, investigações e depoimentos, Processo Criminal no 410/90, da
comarca de Canarana, 396 pp. Arquivo da prelazia de São Félix do Araguaia (mt).
30 Termo de declarações assinado por Pedro Casaldáliga ao inspetor da Polícia Federal
Hélio Máximo Pereira, 16 out. 1976. Arquivo da prelazia de São Félix do Araguaia (mt).
31 O autor adota essa grafia com base no Auto de Qualificação e Interrogatório e na Pla-
nilha de Identificação de Ramalho lavrados pela delegacia de Barra do Garças (mt),
17 out. 1976. Na planilha consta a assinatura legível de Ezi. Arquivo da prelazia de São
Félix do Araguaia (mt). Em 2014, o relatório final da Comissão Nacional da Verdade
grafou o nome como “Ezy Ramalho Feitosa”.
32 “A morte do padre João Bosco Burnier. Depoimento de dom Pedro Casaldáliga”, 12
out. 1976. Documento A10.1.05 P1.1. Arquivo da prelazia de São Félix do Araguaia
(mt).
33 Entrevista ao autor em São Félix do Araguaia (mt), 28 out. 2013.
34 Relatório Especial de Informações, “Situação em Santa Izabel do Morro”, produzido
pela Seção de Informações do Sexto Comando Aéreo Regional da Aeronáutica. asi-
-Funai. Pasta Mercedes Setem. asi-Funai. an.
35 Id.

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36 Relatório destinado à asi-Funai, assinado por servidor Carlos Milhomem de Sousa,
24 mar. 1975. asi-Funai. an.
37 “Dados sobre pessoa física irmã Mercedes Setem”, documento produzido pela Fu-
nai, 10 jul. 1975. asi-Funai. an.
38 <www.senado.gov.br/publicacoes/diarios/pdf/sf/1999/03/09031999.pdf>.
39 Ofício da cna, 19 nov. 1976. Dossiê sobre Casaldáliga. asi-Funai. an.

18. ossos e penas [pp. 251-60]

1 Sobre a data do nascimento e o cargo, texto assinado pelo padre Walter Bini, inspe-
tor salesiano. Missão Salesiana de Mato Grosso. Disponível em: <www.missaosale-
siana.org.br/falecidos.php?id=297>. Acesso em: 17 ago. 2016.
2 Hans Günther Röhrig, Rodolfo Lunkenbein: Uma vida em defesa dos índios. Trad. e
adapt. de José Winkler. São Paulo: Salesiana Dom Bosco, 1982.
3 Sobre a eleição ao Cimi, ibid.
4 Relatório assinado pela antropóloga Ana Maria da Paixão, 3 maio 1974. asi-Funai. an.
5 Sobre a missa, a declaração de Vicente César e as “consagrações”, Jornal do Brasil
(Rio de janeiro, 17, 28 e 26 dez. 1974). Arquivo on-line isa.
6 O Estado de S. Paulo, São Paulo, 18 jan. 1975. Sobre a foto, edição de 1 jan. 1975.
7 Portaria confidencial, 21 fev. 1975. asi-Funai. an.
8 Entrevista ao autor no centro de formação do Cimi em Luziânia (go), 4 nov. 2013.
9 Sobre os conflitos e a citação a Miguez, O Estado de S. Paulo (São Paulo, p. 7, 1 jan. 1976).
10 Sobre os dois parágrafos, A chacina do Meruri: A verdade dos fatos (São Paulo: A Ga-
zeta Maçônica, [1980?]), de José Mario Guedes Miguez, irmão do fazendeiro Miguez.
11 O Estado de S. Paulo, São Paulo, 12 mar. 1976.
12 “Declaração do Cimi”, 25 jul. 1976. asi-Funai. an.
13 Hans Günther Röhrig, op. cit.
14 Entrevistas concedidas por Sebastião e Rita aos jornalistas Henrique Gonzaga e Ana
Lagoa, publicada na Folha de S.Paulo (São Paulo, Ilustrada, 17 jul. 1976). Sobre o tiro
por engano em Bispo, O Globo (Rio de Janeiro, p. 6, 17 jul. 1976).
15 José Mario Guedes Miguez, op. cit.
16 “Bororos iniciam funerais do missionário Lunkenbein”. Folha de S.Paulo, São Paulo,
18 jul. 1976.
17 Sobre o ritual, “Funerais entre os Bororo: Imagens de refiguração do mundo” (Revis-
ta de Antropologia, São Paulo, v. 49, n. 1, 2006), da professora do Departamento de
Antropologia da usp Sylvia Caiuby Novaes. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/ra/
v49n1/v49n1a09.pdf>. Acesso em: 30 ago. 2016.

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18 “Declaração do Cimi”, 25 jul. 1976. asi-Funai. an.
19 Conforme transcrição em ata da Câmara dos Vereadores de Manaus. Pasta Antônio
Iasi. asi-Funai. an.
20 Ofício confidencial, 27 maio 1975. asi-Funai. an.
21 Sobre esse episódio, documentos do arquivo da asi-Funai, pasta do delegado da Fu-
nai em Curitiba Francisco Neves. an.
22 Ofício do delegado regional da Funai Francisco Neves Brasileiro à direção do dgo da
Funai em Brasília, 5 maio 1977. asi-Funai. an.
23 Documentos de Ismarth e Melo, ago. 1978. asi-Funai. an.
24 Entrevista ao autor para reportagem publicada na Folha de S.Paulo (São Paulo, 24
fev. 2009).
25 Aviso no 008/75, 11 jun. 1975. Pasta Antônio Iasi. asi-Funai. an.
26 David Price, “The Nambiquara”, sem data. isa.
27 Ata do Diário do Congresso Nacional, jun. 1978. Arquivo do Congresso Nacional.
28 Carta enviada por Araújo ao delegado regional da Funai no Paraná, Francisco Neves
Brasileiro. asi-Funai. an.
29 Sobre a apreensão da máquina, o problema em Tamarana e as declarações do padre,
O Panorama (Londrina, 17 jan. 1976). asi-Funai. an.
30 Ibid., 7 fev. 1976. asi-Funai. an.
31 Termo de depoimento de Nello na Polícia Federal no Amapá, 11 maio 1978. asi-Funai.
an.
32 Sobre a frase, o cargo no Cimi e as primeiras providências do padre, carta datilogra-
fada e assinada pelo padre Nello e entregue a “dom José”, possivelmente dom José
Maritano, da prelazia de Macapá. Pasta Nello Ruffaldi. asi-Funai. an.
33 Termo de depoimento de Nello na Polícia Federal no Amapá, 11 maio 1978. asi-Funai.
an.
34 Decisão do delegado 2a dr da Funai, Paulo Cezar Silva de Abreu, com autorização da
Funai de Brasília, 7 ago. 1981. Pasta Nello Ruffaldi. asi-Funai. an.
35 “Funai rompe o diálogo com padres do Cimi”. Folha de S.Paulo, São Paulo, p. 7, 10 dez.
1976.
36 “Relatório sobre as missões indígenas e o Cimi”. Documento “solicitado ao Cimi pela
cnbb para informação dos bispos por ocasião da xv Assembleia do Episcopado”, rea-
lizada de 8 a 17 fev. 1977. Doc. no B10.1.3.27. Prelazia-Araguaia.
37 “Relatório das atividades” do Cimi 1975-7. Arquivo no B10.1.3.02. Prelazia-Araguaia.
38 Relatório para a ii Assembleia Nacional do Cimi, Regional Sul, 1977. Arquivo no
B10.1.3.19. Prelazia-Araguaia.
39 Íntegra do documento divulgado pela Igreja intitulado “Repressão à Igreja no Brasil:
Reflexo de uma situação de opressão”, formulado com dados coletados pelo Centro

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Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), embrião do isa, voltado à ques-
tão indígena. A íntegra do documento foi publicada pela Folha de S.Paulo (São Paulo,
pp. 5, 6, 7 e 8, 23 jan. 1979).
40 “Leitura e comentário das primeiras respostas ao questionário do Cimi”, out. 1977.
Arquivo no B10.1.3.16. Prelazia-Araguaia.

19. “outro tipo de luta” [pp. 261-74]

1 Depoimento na cpi do Índio, 1977. Cedi-Câmara.


2 Memorando confidencial assinado pelo superintendente administrativo da Funai,
João Batista Cavalcanti de Melo. asi-Funai. an.
3 Memorando ao diretor do dgo, em Brasília, assinado por Porfírio Carvalho, 18 out.
1976. Pasta Cimi. asi-Funai. an.
4 Ofício enviado por Odenir ao delegado regional da Funai em Cuiabá, 24 dez. 1976.
Pasta Iasi. asi-Funai. an.
5 Entrevista de Odenir ao autor em Brasília, 9 nov. 2013.
6 Sobre a origem do Porantim e as denúncias, José Ribamar Bessa Freire, “A borduna
que virou jornal” (Diário do Amazonas, Manaus, 21 out. 2007). Disponível em: <www.
taquiprati.com.br/cronica.php?ident=115>. Acesso em: 30 ago. 2016.
7 Diário de Brasília (Brasília, 8 jul. 1972), recorte que integra pasta Apoena Meireles.
asi-Funai. an.
8 Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 13 jun. 1972. Biblioteca da Funai.
9 Folha de S.Paulo (São Paulo, 24 dez. 1971), que entrevistou os pais de Possidônio, o pa-
deiro Elísio ou Elídio (o nome é grafado de ambas as formas) Cavalcanti Bastos e Ma-
ria Eunice.
10 Texto enviado por Lilian ao autor por e-mail, 19 ago. 2014.
11 Dados biográficos em O Globo (Rio de Janeiro, Geral, p. 5, ed. matutina, 3 dez. 1971).
12 O Globo, Rio de Janeiro, Geral, p. 5, ed. matutina, 3 dez. 1971.
13 Ibid., p. 24, ed. vespertina, 31 ago. 1970.
14 Ibid., p. 10, ed. matutina, 26 ago. 1970.
15 Ibid., p. 5, ed. matutina, 3 dez. 1971.
16 Ibid., p. 10, ed. matutina, 4 dez. 1971.
17 Ibid., p. 13, ed. matutina, 9 dez. 1971.
18 Ibid., p. 33, ed. vespertina, 6 dez. 1971.
19 Ofício reservado enviado pelo auxiliar administrativo da Funai Rui Faial Cordeiro
Nunes ao Departamento do Pessoal da Funai, 17 fev. 1972. Pasta Apoena Meireles.
asi-Funai. an.

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20 Cálculo feito a partir de <www.profcardy.com/calculadoras/atualizacao-monetaria-
-calculada.php>.
21 Declaração de Apoena publicada em Lilian Newlands (Org.), op. cit.
22 O Globo, Rio de Janeiro, Geral, p. 5, ed. matutina, 3 dez. 1971.
23 Correio Braziliense, Brasília, 3 dez. 1971. Biblioteca da Funai.
24 Jornal do Brasil (Rio de Janeiro, 7 dez. 1971), que refere declarações do general Ban-
deira de Mello. Biblioteca da Funai.
25 Ibid., 5 maio 1972. Biblioteca da Funai.
26 O Globo, Rio de Janeiro, Geral, p. 33, ed. vespertina, 6 dez. 1971.
27 Decreto disponível em: <www.legiscidade.recife.pe.gov.br/lei/10874/original/1/>.
Acesso em: 30 ago. 2016.
28 Texto enviado por Lilian ao autor por e-mail, 19 ago. 2014.
29 Folha de S.Paulo, São Paulo, 24 dez. 1971. Biblioteca da Funai.
30 Lilian Newlands (Org.), op. cit.
31 Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 27 dez. 1971. Biblioteca da Funai.
32 Sobre o histórico da Itaporanga, ofício confidencial enviado pelo diretor do dgpi da
Funai, Clodomiro Fortes Flores, ao presidente da Funai, 21 jun. 1972. asi-Funai. an.
33 Betty Mindlin, Nós Paiter: Os Suruí de Rondônia. Petrópolis: Vozes, 1985.
34 Depoimento do ex-presidente da Funai na cpi do Índio, no Congresso Nacional, 4
out. 1977. Cedi-Câmara.
35 Telegrama reservado enviado pelo diretor ao presidente da Funai, 25 abr. 1972. Sem
assinatura, o diretor provavelmente era Apoena. asi-Funai. an.
36 Betty Mindlin, Nós Paiter: Os Suruí de Rondônia, op. cit.
37 Ofício enviado pelo superintendente da Sudeco, Nelson Jairo Ferreira Faria, ao mi-
nistro do Interior, Costa Cavalcanti, 9 jan. 1974. Processo Funai no 10003/mi/s.com/
bsb/72. Nudoc-dpt-Funai. Sobre o cargo correto de Faria, que assina o papel apenas
como “superintendente”, Folha de S.Paulo (São Paulo, 6 mar. 1974).
38 Aviso no 197/73, encaminhado por Figueiredo ao ministro Costa Cavalcanti, 24 dez.
1973. Processo Funai no 10003/mi/s.com/bsb/72. Nudoc-dpt-Funai.
39 Ofício enviado pelo diretor do dgpi, Clodomiro Fortes Flores, ao presidente da Fu-
nai, 3 jan. 1974. Processo Funai no 10003/mi/s.com/bsb/72. Nudoc-dpt-Funai.
40 Ofício no 187/dgpi, encaminhado por Bandeira de Mello ao ministro do Interior, 23
out. 1973. Processo Funai no 10003/mi/s.com/bsb/72. Nudoc-dpt-Funai.
41 Ofício do superintendente administrativo da Funai, general Isnard de Albuquerque
Câmara, ao presidente da Funai. Pasta Apoena Meireles. asi-Funai. an.
42 Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 20 mar. 1972. Biblioteca da Funai.
43 Telegrama de Apoena à Cotz, 20 mar. 1972. Pasta Apoena Meireles. asi-Funai. an.
44 “Relatório da situação administrativa, financeira, estrutural e de pessoal da 8a Dele-

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gacia Regional, Porto Velho e 1a dr em Rondônia”, confidencial, 10 fev. 1972. asi-Fu-
nai. an.
45 Parecer de Ismarth, 5 abr. 1972. asi-Funai. an.
46 Arquivo asi-Funai. Pasta Apoena Meireles. asi-Funai. an.
47 Folha de S.Paulo, São Paulo, 12 mar. 1972.
48 Carta datilografada assinada pelo general Isnard ao presidente da Funai. Documen-
to sem data, refere a transferência de Apoena. Segundo nota oficial divulgada pela
Funai em 16 mar. 1972, a transferência ocorreu nessa data. Pasta Apoena Meireles.
asi-Funai. an.
49 Carta datilografada e enviada por Isnard ao presidente da Funai, 22 maio 1972. Pasta
Antonio Cotrim. asi-Funai. an.
50 Entrevista de Meireles ao jornalista André Stumpf, em Veja (São Paulo, 23 de maio de
1973), com o título “Nosso índio não sobrevive”.
51 Sobre a causa da morte e não ter deixado bens, atestado de óbito registrado na 5a Cir-
cunscrição do Registro Civil das Pessoas Naturais da Freguesia da Lagoa e Gávea, as-
sinado pelo médico Caio Rodrigues Pereira, 8 jul. 1973.
52 Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 3 out. 1973. asi-Funai. an.
53 Ibid., 28 set. 1973.
54 O Estado de S. Paulo, São Paulo, 22 nov. 1973.
55 Ibid., 20 nov. 1973.

20. deportados [pp. 275-301]

1 Relatório encaminhado por Gerhardt ao chefe da ajudância da Funai, 17 maio 1978.


asi-Funai. an.
2 Darcy Ribeiro, Confissões, op. cit.
3 Entrevista ao autor em Dourados, 31 dez. 2013.
4 Sobre os números e o histórico guarani, “Relatório da área indígena pirakuá: Uma
panorâmica sobre o problema e a noção da terra guarani em Mato Grosso do Sul”, 71
pp., do antropólogo Rubem Ferreira Thomaz de Almeida, então assessor i da Presi-
dência da Funai, 24 jul. 1985. Processo Funai/bsb no 2092/82. Nudoc-dpt-Funai.
5 Folha de S.Paulo, São Paulo, 28 abr. 2007.
6 A história é contada em Marçal de Souza, Tupã’I: Um Guarani que não se cala (Cam-
po Grande: Ed. ufms, 1994), de José Laerte Cecílio Tetila, que entrevistou filhos de
Marçal e missionários de Dourados. Sobre a data de nascimento, o próprio Marçal
deu declarações que põem em dúvida o ano de 1920. Numa entrevista que concedeu
ao poeta e pesquisador Heitor da Pedra Azul em 10 out. 1983, por exemplo, declarou

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que tinha “59 anos” naquele ano, o que indicaria que nasceu por volta de 1924. Uni-
versidade Federal da Grande Dourados (ufgd).
7 Entrevista ao autor de sua filha, Edina Souza, 7 abr. 2015. Ela disse ter ouvido a his-
tória de seu pai.
8 Orígenes Lessa, “Oásis na mata”. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 30 abr. 1955.
Suplemento Literário. Outras edições do jornal sobre o assunto são as de n. 19041,
19046, 19049, 19561, abr. 1955. Hemeroteca Digital Brasileira. Disponível em: <me-
moria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=089842_06&pesq=Nhanderoga>.
9 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, p. 12, 16 abr. 1955.
10 Sobre a fundação e os objetivos do instituto, jornal Brasil Presbiteriano (São Paulo,
ano 55, n. 704, jul. 2013), órgão oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil, texto do pas-
tor José Carlos Piacente Júnior.
11 Sobre a frase de Loide, os estudos em Patrocínio e seu papel no retorno a Dourados,
José Laerte Cecílio Tetila, op. cit., que entrevistou filhos de Marçal e missionários de
Dourados.
12 Sobre o trabalho de Schaden e as aspas, “A etnologia de Egon Schaden”, do antropó-
logo Roque de Barros Laraia, da UnB (Revista de Antropologia, v. 56, n. 1, pp. 427-39,
2013).
13 Egon Schaden, Aspectos fundamentais da cultura guarani. São Paulo: Difusão Euro-
peia do Livro, 1962. (Coleção Corpo e Alma do Brasil, v. vi). Biblioteca do Senado, Bra-
sília.
14 Discurso no i Seminário Sul-Matogrossense de Estudos Indígenas, 1980. Texto re-
produzido na íntegra em O Progresso (Dourados, p. 3, 6 dez. 1983).
15 Ofício confidencial no 228/dgo, do diretor do Departamento Geral de Operações da
Funai ao superintendente administrativo, 29 abr. 1975. asi-Funai. Coordenação Re-
gional do Arquivo Nacional, Brasília.
16 Relatório confidencial de Sardinha ao delegado regional da Funai em Campo Gran-
de, 31 mar. 1975. asi-Funai. Pasta Marçal de Souza. an.
17 Relatório confidencial de Sardinha ao delegado regional da Funai em Campo Gran-
de, 31 mar. 1975. asi-Funai. Pasta Marçal de Souza. an.
18 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 15, 13 maio 1975.
19 iii Assembleia de Chefes Indígenas, realizada pelo Cimi em Meruri (mt), 2 a 4 set.
1975. Arquivo do Congresso Nacional, anexo ao processo da cpi do Índio, 1977.
20 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 24, 4 maio 1978.
21 Ibid., p. 19, 3 abr. 1979.
22 Folha de S.Paulo, São Paulo, p. 16, 26 abr. 1998.
23 Livro Terra dos índios (Rio de Janeiro: Embrafilme, 1979), p. 89, de Zelito Viana, que
dirigiu um documentário homônimo.

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24 Entrevista de Edina ao autor, 7 abr. 2015.
25 Entrevista ao autor do professor de geografia José Laerte Cecílio Tetila, que chegou
a Dourados em 1968 e escreveu um livro sobre Marçal de Souza.
26 Folha de S.Paulo, São Paulo, p. 10, 5 out. 1982.
27 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 14, 3 jun. 1977.
28 Depoimento de Marçal na viii Assembleia de Chefes e Representantes Indígenas,
nas Ruínas de São Miguel (rs), 18 abr. 1977. Cedi-Câmara.
29 “Relatório de viagem à região de Oiapoque”, assinado pelo delegado regional, 19 fev.
1979. asi-Funai. an.
30 Ofício assinado por Demócrito, diretor do Departamento de Planejamento Comuni-
tário da Funai, 22 mar. 1973. Sedoc-Funai.
31 O autor aqui segue a grafia desses nomes utilizada pela Funai no documento “Rela-
ção nominal das principais figuras indígenas ou líderes indígenas brasileiros vivos”.
Sedoc-Funai.
32 Relatório assinado pela chefe da oca do Rio, Eunice Alves Cariry, 10 dez. 1980. asi-
-Funai. Pasta Lideranças Indígenas. asi-Funai. an.
33 Para toda a narrativa da tortura, depoimento de Celestino Lopes, na presença de
quatro testemunhas e do chefe da ajudância da Funai na região, José Fontenele Car-
valho, 28 fev. 1978. Pasta José Porfírio Fontenele de Carvalho. asi-Funai. an.
34 Ofício do delegado da 6a dr, Orlando Perfetti, ao diretor do dgo da Funai, Gerson da
Silva Alves, 4 maio 1978. Pasta José Porfírio Fontenele de Carvalho. asi-Funai. an.
35 Ofício de Carvalho para Perfetti, 28 maio de 1978. Pasta José Porfírio Fontenele de
Carvalho. asi-Funai. an.
36 Sobre os depoimentos e o relatório da comissão, pasta José Porfírio Fontenele de
Carvalho. asi-Funai. an.
37 Darcy Ribeiro, “Notícia dos Ofaié-Chavante”. Revista do Museu Paulista, Nova Série,
v. v, 1951. Biblioteca Digital Curt Nimuendajú.
38 Ibid.
39 Texto de Curt Nimuendajú citado em Ofaié: Morte e vida de um povo, de Carlos Al-
berto dos Santos Dutra (Brasilândia: Edição do autor, 2012).
40 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 25, 6 ago. 1976.
41 Carta endereçada à Funai com os nomes de Domingos Cristóvão Ribeiro e Tomás de
Almeida, 22 jul. 1978. Pasta Dionizio Virgínio da Silva. asi-Funai. an.
42 Ofício no 247/72, com o carimbo do chefe da Divisão de Estudos da Funai de Brasília,
George de Cerqueira Leite Zarur, 20 jun. 1972. Pasta Demarcação de Terras Indíge-
nas. asi-Funai. an.
43 Ofício no 335/Presidência, assinado por Ismarth Araújo, 17 jun. 1977. Pasta Demarca-
ção de Terras Indígenas. asi-Funai. an.

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44 Pedido de Busca Confidencial no 092-L/77, produzido pela asi da Funai, 17 nov. 1977.
Pasta Demarcação de Terras Indígenas. asi-Funai. an.
45 O Globo, Rio de Janeiro, 26 maio 1983.
46 Carta enviada de Dourados (ms), 21 set. 1978. Pasta Dionizio Virgínio da Silva. asi-Fu-
nai. an.
47 Reunião da uni em Campo Grande (ms), 6 e 7 set. 1980. Relatório datilografado. ufgd.
48 “Relatório da área indígena pirakuá”, do antropólogo Rubem Ferreira Thomaz de Al-
meida. Processo Funai/bsb 2092/82. Nudoc-dpt-Funai.
49 Entrevista de Roni ao autor em Brasilândia (ms), 19 dez. 2013.
50 Há relatos de que a Funai correu para providenciar um caminhão para tentar fazer
com que os índios voltassem para Bodoquena, mas a ação teria sido rechaçada pelos
índios. A informação consta de “A luta dos índios kaiowá das terras Rancho Jacaré e
Guaimbé de Mato Grosso do Sul (1976-1979)”, de Meire Adriana da Silva, mestranda
no Programa de Pós-Graduação em História do campus de Dourados da ufms (xxiii
Simpósio Nacional de História, 2005, Londrina).
51 “Relatório da área indígena pirakuá”, do antropólogo Rubem Ferreira Thomaz de Al-
meida. Processo Funai/bsb 2092/82. Nudoc-dpt-Funai.
52 Entrevista ao autor em Brasilândia (ms), 19 dez. 2013.
53 Darcy Ribeiro, Os índios e a civilização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970.
Biblioteca do Senado Federal.
54 Sobre a ata e o tratado, site institucional da Itaipu Binacional. Disponível em: <www.
itaipu.gov.br/institucional/documentos-oficiais>. Acesso em: 30 ago, 2016. Sobre a
origem do nome, a energia gerada e o valor atualizado, seção “Nossa história”.
55 Sobre as declarações dos índios e documentos transcritos, Maria Lucia Brant de
Carvalho, Das terras dos índios aos índios sem terra — o Estado e os Guarani de Oco’Y:
Violência, silêncio e luta (São Paulo: fflch-usp, 2013. Tese [Doutorado em Geogra-
fia]). Documentos integram arquivos da Funai.
56 “Síntese dos procedimentos da Itaipu Binacional na questão dos índios ava-guarani:
Período de 1975 a 1988”, produzido pela Itaipu Binacional, 9 dez. 1988. Integra o rela-
tório “Violações dos direitos humanos e territoriais dos Guarani no oeste do Paraná
(1946-1988): Subsídios para a Comissão Nacional da Verdade”, produzido pelo cti, de
autoria do antropólogo e pesquisador Ian Packer.
57 Entrevista ao autor no centro de formação do Cimi em Luziânia (go), 4 nov. 2013.
58 Texto da i Assembleia de Chefes Indígenas, Diamantino (mt), Cimi, 1974. Anexo da
cpi do Índio, 1977. Cedi-Câmara.
59 Id.
60 O Globo, Rio de Janeiro, O País, p. 13, ed. matutina, 12 mar. 1985.

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21. um moinho feroz [pp. 302-9]

1 Sobre os dados biográficos de Darcy, ficha da pasta Darcy Ribeiro. asi-Funai. an.
2 Sobre as saudades do Brasil, as prisões e o leito de morte de Rondon, Confissões, op.
cit., livro autobiográfico de Darcy Ribeiro.
3 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 4, 23 set. 1977.
4 Sobre os dados biográficos de Berta, curriculum vitae assinado por ela, Rio de Janei-
ro, 14 mar. 1977. Pasta Darcy Ribeiro. asi-Funai. an.
5 Página censurada de O Estado de S. Paulo (São Paulo, 21 dez. 1974), disponível no ar-
quivo on-line do jornal.
6 O Estado de S. Paulo, São Paulo,, p. 18, 26 abr. 1977.
7 Ibid., p. 20, 25 ago. 1977.
8 Ibid., p. 18, 12 out. 1977.
9 “Resposta ao senador Edward Kennedy”, fala do senador Arnon de Mello no Senado,
Gazeta de Alagoas (Maceió, 1970). Biblioteca Digital do Senado Federal.
10 O Globo, O País, p. 8, ed. matutina, 26 abr. 1978.
11 Sobre a divisão em lotes, a Folha de S.Paulo (São Paulo, 4 mar. 1980) relata manifesta-
ção do líder indígena Daniel Cabixi.
12 Declarações atribuídas ao ministro Rangel Reis em O Globo (Rio de Janeiro, O País,
p. 10, ed. matutina, 10 maio 1978).
13 Transcrição da reunião, 306 pp. “Seminário: Funai/Missões”, produzido pela Funai
em Brasília. asi-Funai. an.
14 Folha de S.Paulo, São Paulo, p. 4, 28 jan. 1975.
15 Revista de Atualidade Indígena, Brasília, ano 1, n. 1, nov./dez. 1976. Editada pela As-
sessoria de Comunicação Social da Funai. isa.
16 Degravação de fita cassete obtida pela asi-Funai, enviada ao chefe do setor, João Nei-
va de Mello Távora. Pasta Nello Ruffaldi. asi-Funai. an.
17 Declaração a propósito do Dia do Índio de 1977, assinada como endereço “Ruínas de
São Miguel, Rio Grande do Sul”. Pasta Francisco Neves Brasileiro. asi-Funai. an.
18 Sobre a sbpc e a ameaça de processo, O Globo (Rio de Janeiro, p. 8, 26 jul. 1978).
19 “Um ministro agride os índios”, texto gravado de entrevista coletiva concedida por
Darcy à imprensa no Rio em 27 jul. 1978, parte integrante do livro Ensaios insólitos
(Rio de Janeiro: Ludens; Fundação Darcy Ribeiro, 2011). Biblioteca da Escola Supe-
rior do Ministério Público da União, Brasília.
20 “Notas taquigráficas” de “Seminário sobre a Questão Indígena”, 24 ago. 1978. asi-Fu-
nai. Coord. Reg. an.
21 O Globo, Rio de Janeiro, O País, p. 8, ed. matutina, 29 jul. 1978.
22 Cadernos da Comissão Pró-Índio-SP, no 1: A questão da emancipação. São Paulo: Glo-

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bal, 1979. Disponível em: <www.cpisp.org.br/indios/upload/editor/files/Cader-
nos%20da%20Comiss%C3%A3o%20Pr%C3%B3%20%C3%8Dndio%20n%C2%B01.
pdf>. Acesso em: 30 ago. 2016.
23 Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 8, 8 nov. 1971.
24 O Globo, Rio de Janeiro, O País, p. 9, ed. matutina, 29 ago. 1978.
25 Ibid., p. 18, ed. matutina, 27 ago. 1978.
26 Fotografia publicada em O Estado de S. Paulo (São Paulo, p. 24, 9 nov. 1978).
27 Carta assinada pela diretora executiva da Indian Rights Association, Sandra L.
Cadwalader, 26 out. 1978. Transcrita em Cadernos da Comissão Pró-Índio-SP, no 1:
A questão da emancipação, op. cit.
28 Para o primeiro número, O Globo (Rio de Janeiro, O País, p. 9, ed. matutina, 9 nov.
1978). Para o segundo, O Estado de S. Paulo (São Paulo, p. 24, 9 nov. 1978). Sobre o pro-
testo na abi, O Globo (Rio de Janeiro, Rio, p. 17, ed. matutina, 8 nov. 1978).
29 Cadernos da Comissão Pró-Índio-SP, no 1: A questão da emancipação, op. cit.
30 Informação da dgpc, da Funai de Brasília, em resposta ao ofício no 15/75-gab/4a dr,
que comentava “acusações” do delegado da 4a dr. asi-Funai. an.
31 Entrevista ao autor, por telefone, 28 ago. 2013.
32 O Estado de S. Paulo, São Paulo, 8 dez. 1978.

22. a espinha [pp. 310-23]

1 Entrevista ao autor na casa de Mércio, no Rio de Janeiro, 15 out. 2013.


2 Mércio Pereira Gomes, O índio na história. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 72.
3 Entrevista ao autor na casa de Mércio, no Rio de Janeiro, 15 out. 2013.
4 Sobre a chacina, os dados da missão, o surto, o castigo a Caboré e seu nome indíge-
na, O índio na história, de Mércio Pereira Gomes, op. cit., e Cauiré Imana, o cacique
rebelde (Brasília: Thesaurus, 1982), de Olímpio Martins da Cruz, que foi sertanista do
spi. A respeito da grafia “Cauiré Imana” e a data de março, e não abril, livro de Olím-
pio Cruz.
5 Para 200, Diário do Maranhão (São Luís, n. 08285, 10 abr. 1901), disponível na Heme-
roteca Digital Brasileira. Sobre os 170, Mércio Pereira Gomes, O índio na história, op.
cit., p. 270, nota de rodapé.
6 Olímpio Martins da Cruz, op. cit..
7 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 2, 22 abr. 1901.
8 Sobre as expedições e o destino de Caboré, Mércio Pereira Gomes, O índio na histó-
ria, op. cit.
9 Olímpio Martins da Cruz, op. cit.

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10 Entrevista ao autor na casa de Mércio, no Rio de Janeiro, 15 out. 2013.
11 “Relatório sobre o contato e a necessidade de transferência de 27 índios Guajá do iga-
rapé Timbira, município de Santa Luzia, para a reserva Carú”, apresentado à Delegacia
Regional da Funai por Mércio Pereira Gomes, 20 maio 1980. Arquivo gjd00003. isa.
12 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 15, 2 mar. 1979.
13 Parecer de Mércio Pereira Gomes sobre o processo Funai/bsb/5044/79, referente
aos Guajá, 9 mar. 1980. isa.
14 Ofício do delegado da 6a dr, Alípio Levay, à Funai de Brasília, 22 abr. 1982. Pasta Mér-
cio Pereira Gomes. asi-Funai. an.
15 Sobre o momento do contato, Mércio leu para o autor, em sua casa no Rio, em out.
2013, as anotações de seu caderno de campo que utilizou na viagem em 1980.
16 “Relatório sobre o contato e a necessidade de transferência de 27 índios Guajá do iga-
rapé Timbira, município de Santa Luzia, para a reserva Carú”, apresentado à Delega-
cia Regional da Funai por Mércio Pereira Gomes, 20 maio 1980. Arquivo gjd00003.
isa.
17 Entrevista ao autor na casa de Mércio, no Rio de Janeiro, 15 out. 2013.
18 Jornal de Hoje, São Luís, 25 mar. 1982. Pasta Mércio Pereira Gomes. asi-Funai. an.
19 Ofício confidencial assinado por Levay, 22 jun. 1982. Pasta Mércio Pereira Gomes.
asi-Funai. an.
20 Memorando confidencial assinado pelo chefe da asi, 11 jun. 1982. Pasta Mércio Pe-
reira Gomes. asi-Funai. an.
21 “Relatório sobre a operação conjunta da frente de atração arara e o 51o Batalhão de
Infantaria de Selva para a retirada de invasores da área indígena interditada para
a atração dos índios Arara”, assinado por Possuelo, 24 out. 1980. Processo Funai no
4724/77. Nudoc-dpt-Funai.
22 Entrevista ao autor em Brasília, 20 set. 2013.
23 Ofício no 22/80, da frente de atração arara, assinado por Possuelo e dirigido ao “co-
mandante” do batalhão de selva, 24 out. 1980. O nome desse militar não consta na
documentação e não pôde ser recuperado na memória de Possuelo durante as en-
trevistas ao autor. Processo Funai no 4724/77. Nudoc-dpt-Funai.
24 Relatório “Ocorrência”, assinado por Wellington, 23 nov. 1980. Processo Funai no
4724/77. Nudoc-dpt-Funai.
25 Entrevista de Sidney Possuelo ao autor em Brasília, 20 set. 2013.
26 Id.
27 Relatório “Ocorrência”, assinado por Wellington, 23 nov. 1980. Processo Funai no
4724/77. Nudoc-dpt-Funai.
28 Relatório de Wellington, 4 mar. 1981. Processo Funai no 4724/77. Nudoc-dpt-Funai.
29 Entrevista ao autor em Brasília, 20 set. 2013.

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30 “Frente de atração arara, relatório final de 1981”, assinado por Possuelo, 4 dez. 1981.
Nudoc-dpt-Funai.
31 Relatório i/81 da frente de atração arara, assinado por Possuelo, 19 mar. 1981. Proces-
so Funai no 4724/77. Nudoc-dpt-Funai.
32 Id. O nome do menino também aparece grafado como “Uaktô” em documentos da
Funai.
33 “Frente de atração arara, relatório referente ao surto grupal índios Arara”, assinado
por Possuelo e dirigido “ao superintendente”, 8 abr. 1982. Nudoc-dpt-Funai.
34 Entrevista ao autor em Brasília, 20 set. 2013.
35 “Frente de atração arara, relatório referente ao surto grupal índios Arara”, assinado
por Possuelo e dirigido “ao superintendente”, 8 abr. 1982. Nudoc-dpt-Funai.
36 Entrevista de Possuelo ao autor em Brasília, 20 set. 2013.
37 Id.
38 Sobre a visita no dia 11 e o choro, Jornal do Brasil (Rio de Janeiro, p. 4, 15 fev. 1982).
39 Sobre a recepção dos altamirenses, as frases de Pedro e Possuelo e o choro do serta-
nista, Folha de S.Paulo (São Paulo, p. 4, 15 fev. 1982), reportagem de Memélia Moreira.
40 Entrevista ao autor em Brasília, 27 set. 2013.
41 Folha de S.Paulo, São Paulo, p. 6, 11 maio 1982.
42 Sobre a denúncia de Palmeira, “Fotógrafo diz que Funai não socorre índios em ex-
tinção”, O Globo (Rio de Janeiro, Rio, p. 9, ed. matutina, 10 maio 1982). Sobre a confir-
mação da Funai, Jornal do Brasil (Rio de Janeiro, p. 2, 11 maio 1982).
43 O Globo, Rio de Janeiro, Rio, p. 9, ed. matutina, 10 maio 1982.
44 Entrevista ao autor em Brasília, 27 set. 2013.

23. levante [pp. 324-32]

1 Relatório datilografado sobre o seminário, 17 a 20 abr. 1980. Centro de Documenta-


ção Regional da Faculdade de Ciências Humanas da ufgd.
2 Citado em José Laerte Cecílio Tetila, op. cit., p. 35, nota de rodapé.
3 Relatório datilografado sobre o seminário, 17 a 20 abr. 1980. ufgd.
4 Sobre a comissão de dezesseis caciques e o nome provisório, relatório “União das
Nações Indígenas, origem e criação”, texto confidencial, 8 pp., inf/4C.01. asi-Funai.
an.
5 Relatório formulado pelo antropólogo da Funai Cláudio dos Santos Romero, sobre
uma entrevista concedida por Domingos ao Jornal do Brasil (Rio de Janeiro, 18 fev.
1982). Pasta Domingos Veríssimo Marcos. asi-Funai. an.
6 Entrevista ao autor na sede do Cimi em Belo Horizonte, 10 dez. 2013.

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7 Sobre a reunião em Campo Grande e a presidência provisória, “União das Nações
Indígenas: Resumo histórico”, documento produzido pela Funai, 28 abr. 1981. Pasta
Domingos Veríssimo Marcos. asi-Funai. an.
8 Sobre o cargo de Marçal e o estatuto, “União das Nações Indígenas, origem e criação”,
texto confidencial, 8 pp. mais anexos, inf/4C.01. asi-Funai. an.
9 Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 20 abr. 1980.
10 Sobre o cargo na Docegeo, Veja (São Paulo, Entrevista, n. 642, 24 dez. 1980).
11 O Globo, Rio de Janeiro, O País, p. 6, ed. matutina, 1 nov. 1979.
12 Para esse parágrafo, “União das Nações Indígenas: Resumo histórico”, documento
produzido pela Funai, 28 abr. 1981. Pasta Domingos Veríssimo Marcos. asi-Funai. an.
13 Documento do arquivo pessoal do antropólogo Cláudio Romero, fundador da sbi.
14 “Quando os coronéis tremeram...”, artigo publicado por Memélia em seu blog, maio
de 2013. Disponível em: <memeliamoreira.com/blog1/2013/05/05/quando-os-coro-
neis-tremeram/>. Acesso em: 30 ago. 2016.
15 Folha de S.Paulo, São Paulo, p. 6, 6 maio 1980.
16 Entrevista de Megaron ao autor em Brasília, 4 dez. 2013.
17 “Relatório sobre o conflito de terra dos índios Txukarramãe”, de Vanessa Lea, do Mu-
seu Nacional, no Rio de Janeiro, 24 ago. 1980. isa.
18 O Globo, Rio de Janeiro, p. 4, 13 ago. 1980.
19 Entrevista ao autor em Altamira (pa), 16 fev. 2014.
20 Sobre o número de mortos, O Liberal (Belém, 3 set. 1980).
21 “União das Nações Indígenas: Resumo histórico”, documento produzido pela Funai,
28 abr. 1981. Pasta Domingos Veríssimo Marcos. asi-Funai. an.
22 Entrevista ao autor na sede do Cimi em Belo Horizonte, 10 dez. 2013.
23 Sobre as mortes, “Campanha contra a violência no campo na área indígena”, docu-
mento produzido pelo Cimi, 27 nov. 1985. Pasta Lideranças Indígenas. asi-Funai. an.
24 Cópia de fita gravada “Viagem analista da dsi/Minter”, 4 a 8 jul. 1977. asi-Funai. an.
25 Zelito Viana, op. cit., p. 83. Parágrafo anterior, p. 66. Zelito cita imagens da tv Para-
naense, canal 12, Curitiba, nov. 1977.
26 “Lamento por um cacique”, Globo Repórter, 1980. Disponível em: <www.youtube.
com/watch?v=yByU6eJDi9s>. Acesso em: 30 ago. 2016.
27 Folha de S.Paulo, São Paulo, p. 5, 30 jan. 1980.
28 Sobre os ferimentos e a acusação, O Globo (Rio de Janeiro, p. 5, 25 jan. 1980).
29 Folha de S.Paulo, São Paulo, p. 5, 31 jan. 1980.
30 Sobre as declarações de Bavaresco, Leal e Mozalatti, “Lamento por um cacique”, Glo-
bo Repórter, 1980. Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=yByU6eJDi9s>.
Acesso em: 30 ago. 2016.
31 Entrevista ao autor em Brasília, 19 abr. 2015.

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24. a sociedade [pp. 333-43]

1 Memorando confidencial assinado pelo diretor do dgo da Funai de Brasília, José Go-
dinho Rodrigues, 18 abr. 1980. asi-Funai. an.
2 Resposta ao memorando no 009/dgo-80, assinado por Carvalho, 16 maio 1980. asi-
-Funai. an.
3 Entrevista ao autor, mar. 2014.
4 Entrevista ao autor na sede da Funai, em Brasília, 5 ago. 2013.
5 Relatório final das atividades do grupo de trabalho sobre as reservas Xavante. Pro-
cesso pe 003/dif/suaf/89. Nudoc-dpt-Funai.
6 Processo pe 003/dif/suaf/89. Nudoc-dpt-Funai.
7 Relatório da Funai citado em Seth Garfield, A luta indígena no coração do Brasil (São
Paulo: Ed. Unesp, 2007), p. 240.
8 Sobre o papel de Celestino, Babati, Odenir e Romero, Seth Garfield, ibid., p. 264 em
diante.
9 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 18, 11 jan. 1979.
10 “Degravação de fita K7”, papel sem assinatura. asi-Funai
11 Documento confidencial no 089-A/80, 50 pp., intitulado “Funai — Crises internas
— Política indigenista”, produzido pela asi-Funai em resposta ao Pedido de Busca
no 22/1218/80 da Divisão de Segurança e Informações (dsi) do Ministério do Interior,
28 ago. 1980. asi-Funai. Pasta José Carlos Meirelles Júnior. O trecho do documento
diz: “Francisco de Assis da Silva (informante), diretor do Parque Indígena do Xingu-
-pqxin”. asi-Funai. an.
12 Texto “Resumo” sobre Terri Valle de Aquino. asi-Funai. Pasta Terri Valle Júnior.
Coordenação Regional do Arquivo Nacional, Brasília.
13 Ofício confidencial no 048/78 Ajacre, assinado por Antônio Pereira Neto, 17 abr. 1978.
Pasta Terri Valle Júnior. asi-Funai. an.
14 Informação confidencial produzida pelo Comando Militar da Amazônia, 26 jul. 1977.
Pasta Terri Valle Júnior. asi-Funai. an.
15 “Curriculum vitae”. Pasta Delvair Montagner Melatti. asi-Funai. an.
16 Relatório confidencial, assinado pelo chefe da Ajudância do Solimões, Marcos Mário
Benn, 27 jun. 1980. Pasta Delvair Montagner Melatti. asi-Funai. an.
17 A Crítica, Manaus, p. 5, 7 jun. 1980. Pasta Terri Valle Júnior. asi-Funai. an.
18 Telegrama confidencial de Apoena Meireles ao dgo da Funai, Brasília, 26 maio 1980.
Pasta Terri Valle Júnior. asi-Funai. an.
19 O Rio Branco, Rio Branco, p. 1, 8 mar. 1981. Pasta Terri Valle Júnior. asi-Funai. an.
20 Portaria no 482/P, de 28 maio 1980. asi-Funai. Pasta José Carlos Meirelles Júnior.
asi-Funai. an.

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21 Parecer no 58/pj/80, 6 maio 1980. Pasta sbi. asi-Funai. an.
22 Ofício no 179/Presidência, 27 maio 1980. Pasta sbi. asi-Funai. an.
23 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 1, 20 abr. 1979.
24 Aviso Gabinete Ministro no 0338, dirigido por Andreazza a Danilo Venturini, 4 jun.
1980. asi-Funai. an.
25 Sobre os pedidos de demissão, datas e aceitação de Nobre da Veiga, documento con-
fidencial no 089-A/80, 50 pp., intitulado “Funai — Crises internas — Política indige-
nista”, produzido pela asi-Funai em resposta ao Pedido de Busca no 22/1218/80 da
dsi do Ministério do Interior, 28 ago. 1980. Pasta José Carlos Meirelles Júnior. asi-
-Funai. an.
26 Ofício s/no/80, 2 jun. 1980. sbi. asi-Funai. an.
27 Ofício de Romero em que solicita demissão, 2 jun. 1980. sbi. asi-Funai. an.
28 Sobre os pedidos de demissão, datas e aceitação de Nobre da Veiga, documento con-
fidencial no 089-A/80, 50 pp., intitulado “Funai — Crises internas — Política indige-
nista”, produzido pela asi-Funai em resposta ao Pedido de Busca no 22/1218/80 da
dsi do Ministério do Interior, 28 ago. 1980. Pasta José Carlos Meirelles Júnior. asi-
-Funai. an.
29 Parecer no 72/pj/80, 11 jun. 1980. Pasta sbi. asi-Funai. an.
30 Arquivo do antropólogo Cláudio Romero, membro fundador da sbi, Brasília.
31 Parecer no 79/pj/80, 26 jun. 1980. sbi. asi-Funai. an.
32 “Resumo dos acontecimentos que levaram à demissao de servidores”, documento
em papel timbrado do gabinete do presidente da Funai, sem data. sbi. asi-Funai. an.
33 O Estado de S. Paulo, São Paulo, 3 jul. 1980.
34 Nota da diretoria da sbi, 20 ago. 1980. sbi. asi-Funai. an.
35 Entrevista ao autor na biblioteca do Museu do Índio, no Rio, 14 out. 2013.
36 Sobre a carta, O Globo (Rio de Janeiro, Geral, p. 2, ed. matutina, 3 jul. 1970), e sobre o
suicídio, O Estado de S. Paulo (São Paulo, 9 jun. 1976).
37 Memorando no 486/80-dgpc, assinado por Zanoni, 16 out. 1980. asi-Funai. an.
38 Informação no 364/pj/80, assinada pelo procurador da Funai Afonso Augusto de Mo-
rais. asi-Funai. an.

25. a palavra [pp. 344-56]

1 Entrevista ao autor em Brasília, 9 nov. 2013.


2 Sobre a primeira grafia do nome e a data de nascimento, Edital de Proclamas do ca-
samento de Juruna no Cartório do 2o Ofício e Registro Civil de Nova Xavantina (mt),

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24 nov. 1981. Pasta Mário Juruna. asi-Funai. an. Sobre a segunda grafia do nome,
Seth Garfield, op. cit.
3 Sobre o parentesco, Folha de S.Paulo (São Paulo, 1 maio 1978).
4 Arquivo da tv Cultura, programa Vox Populi, abr. 1978.
5 Para os dados da aldeia Namuncurá, relatório do antropólogo da Funai Cláudio dos
Santos Romero, 1976. Processo Funai bsb no 1137/82. Nudoc-dpt-Funai.
6 Veja (São Paulo, n. 324, 20 nov. 1974), entrevista concedida a Álvaro Pereira e Arman-
do Rollemberg.
7 Arquivo da tv Cultura, programa Vox Populi, abr. 1978.
8 Folha de S.Paulo, p. 6, 27 jan. 1977.
9 O Globo (Rio de Janeiro, O País, p. 11, ed. matutina, 9 fev. 1977), reportagem de Anto-
nio Martins e Orlando Brito.
10 Revista de Atualidade Indígena, Brasília, ano 1, n. 4, maio/jun. 1977. Editada pela As-
sessoria de Comunicação Social da Funai. isa.
11 “Mário Juruna” (editorial). Folha de S.Paulo, São Paulo, p. 2, 1 fev. 1977.
12 Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Caderno B, capa, 29 jan. 1977.
13 Ibid.
14 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 16, 30 maio 1978.
15 Arquivo da tv Cultura, programa Vox Populi, abr. 1978.
16 Recibo assinado por Mário Juruna, 12 nov. 1980. Pasta Mário Juruna. asi-Funai. an.
17 O Globo (Rio de Janeiro, Cultura, p. 29, ed. matutina, 3 mar. 1979), reportagem de
Marcelo Beraba.
18 Veja, São Paulo, n. 642, 24 dez. 1980.
19 Sobre os índios “comportados” e as declarações de Orlando, Veja (São Paulo, n. 637,
19 nov. 1980).
20 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 12, 13 nov. 1980.
21 Ibid.
22 Sobre a votação, O Estado de S. Paulo (São Paulo, p. 10, 28 nov. 1980).
23 Sobre as entrevistas de Juruna e Brizola e a imagem da filiação, “Juruna”, programa
Globo Repórter, 29 mar. 1984. Projeto Memória Globo. Disponível em: <globotv.glo-
bo.com/rede-globo/memoria-globo/v/globo-reporter-juruna-1984/2797711/>. Aces-
so em: 2 set. 2016.
24 Veja, São Paulo, n. 441, 16 fev. 1977.
25 Laura R. Graham, “Citando Mario Juruna: Imaginário linguístico e a transformação
da voz indígena na imprensa brasileira”. Mana, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, ago. 2011.
26 Ofício assinado por Romero, 25 jan. 1983. Pasta Darcy Ribeiro. asi-Funai. an.
27 Folha de S.Paulo, São Paulo, p. 8, 4 ago. 1993.

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28 Lauda de texto lido na Rádio Manchete, 19 jan. 1983, em poder da asi-Funai. Pasta
Mário Juruna. asi-Funai. an.
29 Ofício do deputado Mário Juruna ao presidente da Funai, Paulo Moreira Leal. Pasta
Mário Juruna. asi-Funai. an.
30 Carta do deputado Juruna ao ministro, 12 abr. 1983. Pasta Mário Juruna. asi-Funai. an.
31 Ofício confidencial da asi da Funai, 3 fev. 1982. Pasta Mário Juruna. asi-Funai. an.
32 Ofício confidencial no 270, enviado pelo presidente da Funai ao secretário-geral do
Ministério do Interior, 14 mar. 1983. Pasta Mário Juruna. asi-Funai. an.
33 Notas taquigráficas do pronunciamento de Juruna em 19 abr. 1983, Câmara dos
Deputados, Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação. Pasta Mário Juruna.
asi-Funai. an.
34 Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 4, 29 set. 1983.
35 O Globo, Rio de Janeiro, O País, p. 5, ed. matutina, 29 set. 1983.
36 Sobre a reclamação dos ministros e as decisões de Marcílio e Walber, Jornal do Bra-
sil (Rio de Janeiro, p. 4, 29 set. 1983).
37 Sobre a pena e as declarações de Juruna, O Estado de S. Paulo (São Paulo, p. 4, 5 out.
1983).
38 Transcrição de discursos de líderes indígenas da iii Assembleia de Chefes Indíge-
nas, Meruri, 2 a 4 set. 1975. Anexo à cpi do Índio, 1977. Cedi-Câmara.
39 Ofício de Moreira Leal ao chefe de gabinete do Ministério do Interior, maio 1983.
Pasta Mário Juruna. asi-Funai. an.
40 Informação no 22/0782/G-3/83, 20 jun. 1983.
41 Sobre os eventos de 23 jun. 1983, relatório de Ivan Tancredo entregue ao presidente
da Funai. Pasta Mário Juruna. asi-Funai. an.
42 O Globo, Rio de Janeiro, O País, p. 5, ed. matutina, 24 jun. 1983.
43 Ofício no 678/Presidência, 27 jun. 1983. Pasta Mário Juruna. asi-Funai. an.
44 Relatório sobre reunião em 27 jun. 1983. Pasta Mário Juruna. asi-Funai. an.
45 Folha de S.Paulo, São Paulo, 24 fev. 2009.
46 Sobre as críticas do Cimi e a ameaça de Raoni, O Globo (Rio de Janeiro, O País, p. 7,
ed. matutina, 5 jul. 1983).
47 Entrevista ao autor em Brasília, mar. 2014.
48 Charles Frederick Hartt, Amazonian Tortoise Myths. Rio de Janeiro: William Scully,
1875. Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, Disponível em <www.brasiliana.
usp.br/handle/1918/00771400#page/5/mode/1up>. Acesso em: 2 set. 2016.
49 Atualizado até ago. 2014 a partir de <www.profcardy.com/calculadoras/atualizacao-
-monetaria-calculada.php>.
50 Sobre o valor total, Jornal do Brasil (Rio de Janeiro, p. 2, 26 out. 1984).

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51 Sobre a entrevista e a tentativa de discurso, O Globo (Rio de Janeiro, O País, p. 5, ed.
matutina, 26 out. 1984).
52 Sobre a transferência e as declarações, O Globo (Rio de Janeiro, O País, p. 3, ed. ma-
tutina, 27 out. 1984).
53 Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 2, 26 out. 1984.
54 Ibid., p. 10, 27 out. 1984.
55 Manchete, Rio de Janeiro, ano 48, n. 2507, p. 10, 6 maio 2000.

26. um gosto amargo [pp. 357-62]

1 Convênio assinado por Leal e Ueki, 11 mar. 1982. Arquivo da Funai.


2 Folha de S.Paulo, São Paulo, p. 6, 30 jun. 1982.
3 Relatório de identificação e delimitação da terra indígena Vale do Javari, p. 78, pro-
duzido pela Funai e subscrito pelo antropólogo Walter Coutinho Jr., maio 1998. Ar-
quivo no Ofd00064. isa.
4 Entrevista ao autor, 16 nov. 2013.
5 “Uma área pouco noticiada”. Aconteceu: Povos Indígenas no Brasil/1982, Rio de Ja-
neiro, abr. 1983. Especial 12.
6 Araci Labiak e Lino Neves, “A Petrobras e os arredios do Itacoaí e Jandiatuba”. Acon-
teceu: Povos Indígenas no Brasil/1984, jun. 1985. Especial 15.
7 Nota “Explosivo contra índios”. O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 13, 30 dez. 1983.
8 Jornal da Tarde, São Paulo, 30 dez. 1983.
9 Relatório conclusivo de 3 abr. 1984, assinado por Roberto Alexandre Alves Barbo-
sa, Paulo Rocha Filho e Raimundo Dias Mendes, da Comissão de Sindicância aberta
pela 1a Delegacia Regional da Funai, anexo ao Informe da dsi do Ministério do Inte-
rior, 11 maio 1984. Arquivo sni. ace 0432240-84. an.
10 Depoimentos reproduzidos no relatório conclusivo de 3 abr. 1984, assinado por Ro-
berto Alexandre Alves Barbosa, Paulo Rocha Filho e Raimundo Dias Mendes, da Co-
missão de Sindicância aberta pela 1a Delegacia Regional da Funai, anexo ao Informe
da dsi do Ministério do Interior, 11 maio 1984. Arquivo sni. ace 0432240-84. an.
11 Sobre Simone, O Estado de S. Paulo (São Paulo, p. 12, 13 jun. 1984).
12 Informação confidencial no 35/0266/84, da dsi do Ministério de Minas e Energia, 21
maio 1984. Arquivo sni. an.
13 Informe confidencial no 22/1602/G.3/83, da dsi do Ministério do Interior, 16 nov.
1983. Arquivo sni. an.
14 Ofício assinado por Isa Maria, 19 jun. 1984. Funai.
15 Sobre a data e os nomes, O Globo (Rio de Janeiro, p. 7, 6 set. 1984). Sobre a dança, o

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testemunho e o número de 150 funcionários, entrevista do sertanista Sidney Pos-
suelo ao autor, em Brasília, 17 out. 2013. Possuelo foi escalado pela Funai para inves-
tigar o caso. Sobre os cinco minutos de contato, o número de índios e o horário, O
Globo (Rio de Janeiro, p. 6, 7 set. 1984).
16 Folha de S.Paulo, São Paulo, p. 5, 7 set. 1984.
17 O Globo, Rio de Janeiro, p. 6, 7 set. 1984.
18 Entrevista ao autor em Brasília, 17 out. 2013.
19 Informação no 002/ass-supex, de Brasília, assinado por Possuelo, assessor ii, 10 set.
1984. Sedoc-Funai.
20 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 14, 15 dez. 1984.

27. pistoleiro avá [pp. 363-81]

1 Sobre a descrição da casa, fotos e autos da reconstituição do crime e “Maço Proces-


so Criminal Marçal de Souza ii”, item 1. ufgd.
2 Informações do “Boletim individual de vida pregressa do indiciado”, assinado por Lí-
bero, 30 jul. 1985. Inquérito da pf-ms no 108. Maço i, arquivo 7. ufgd.
3 “Reunião da União das Nações Indígenas (uni)”, 6 e 7 set. 1980, em Campo Grande
(ms), papel datilografado. ufgd.
4 “Relatório de vistoria” da Funai assinado pelo engenheiro agrônomo Lude Simioli
Filho, membro de comissão que visitou o local de 30 abr. a 3 maio 1984. Processo Fu-
nai/bsb no 2092/82. Nudoc-dpt-Funai.
5 “Relatório” do assessor da Funai de Campo Grande Chafic João Thomaz, de reunião
realizada em 5 dez. 1984 na Funai, entre Thomaz, o delegado da Funai, Délcio Viei-
ra, o antropólogo Rubem Ferreira Thomaz de Almeida, o fazendeiro Líbero Montei-
ro de Lima e seu advogado, João Atílio Mariano. Processo Funai/bsb no 2092/82. Nu-
doc-dpt-Funai.
6 Sentença da ação de reintegração de posse no 00.0004469-5, movida por Líbero con-
tra a Funai, assinada pelo juiz federal Luiz Calixto de Bastos, 28 set. 1990. Maço iv,
arquivo 6. ufgd.
7 Sobre “caído na poça de sangue”, termo de declarações de João Onofre Romero à Po-
lícia Federal em Ponta Porã (ms), 29 nov. 1983. Ele chegou ao local do crime pouco de-
pois dos tiros. ufgd.
8 Imagens do discurso ao papa reproduzidas no vídeo Marçal de Souza, Tupã’I (dire-
ção: Ednaldo Rocha, produção: Dalila Cividini e Leonardo Fernandes), Faculdades
Anhanguera. Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=XoT8LLjMQBY>. Aces-
so em: 2 set. 2016.

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9 “Diversas falas de Marçal”. ufgd.
10 Relatório de Palmeira, 26 set. 1980. Processo Funai/bsb no 2092/82. Nudoc-dpt-Funai.
11 Carta de Astúrio ao coronel Amaro, 3 out. 1980. Processo Funai/bsb no 2092/82. Nu-
doc-dpt-Funai.
12 Transcrição de carta ao delegado regional da Funai, 26 out. 1980. ufgd.
13 “Relatório” do assessor da Funai de Campo Grande Chafic João Thomaz, de reunião
realizada em 5 dez. 1984 na Funai, entre Thomaz, o delegado da Funai, Délcio Viei-
ra, o antropólogo Rubem Ferreira Thomaz de Almeida, o fazendeiro Líbero Montei-
ro de Lima e seu advogado, João Atílio Mariano. Processo Funai/bsb no 2092/82. Nu-
doc-dpt-Funai.
14 Folha de S.Paulo, São Paulo, p. 6, 3 out. 1980.
15 Depoimento do líder kaiowá Lázaro Morel na sede da Funai em Campo Grande, 11
jun. 1982. Processo Funai/bsb no 2092/82. Nudoc-dpt-Funai.
16 Sobre o local de nascimento, data e declarações de Brand, termo assinado por Antô-
nio Brand na Polícia Federal em Ponta Porã, 7 dez. 1983. ufgd.
17 Entrevista ao autor na terra indígena Pirakuá, município de Antônio João (ms), 27
dez. 2013.
18 Entrevista ao autor em sua casa, em Dourados, 28 dez. 2013.
19 Termo de declarações de Eunice à Polícia Federal em Ponta Porã, 29 nov. 1983. Maço
vi, arquivo 1. Maço ii, arquivo 2. ufgd.
20 Termo de declarações de Elisa à Polícia Federal, 30 nov. 1987. Maço i, arquivo 2.
ufgd.
21 Termo de declarações de Armando Campos à Polícia Federal em Ponta Porã, 29 nov.
1983. ufgd.
22 Transcrição de carta ao delegado regional da Funai, 26 out. 1980. ufgd.
23 “Relatório” do assessor da Funai de Campo Grande Chafic João Thomaz, de reunião rea-
lizada em 5 dez. 1984 na Funai, entre Thomaz, o delegado da Funai, Délcio Vieira, o an-
tropólogo Rubem Ferreira Thomaz de Almeida, o fazendeiro Líbero Monteiro de Lima e
seu advogado, João Atílio Mariano. Processo Funai/bsb no 2092/82. Nudoc-dpt-Funai.
24 Termo de interrogatório de Líbero no juízo da Vara Criminal de Ponta Porã (ms), 1
dez. 1988. ufgd.
25 Termo de declarações à Polícia Federal em Ponta Porã, 30 nov. 1983. ufgd.
26 Termo de declarações de Líbero à Polícia Federal em Ponta Porã, 17 nov. 1987. ufgd.
27 Termo de declarações de Líbero à Polícia Federal em Ponta Porã, 30 nov. 1983. Maço
vi, arquivo 1. ufgd.
28 Sobre os dados pessoais de Gamarra, boletim individual de vida pregressa do indi-
ciado, 31 maio 1984. Maço vi, arquivo 3. ufgd.
29 Termo de declarações de Rômulo Gamarra. Trechos também destacados em deci-

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Fuzis e as flechas 4A PROVA - FINAL.indd 456 27/02/17 09:34


são do juiz Luiz Carlos Saldanha Rodrigues nos autos da ação penal no 174/88, 18 ago.
1992. Maço iv, arquivo 3. ufgd.
30 Sobre a data de nascimento e a localização da casa de Gamarra, auto de qualificação
e interrogatório de Rômulo Gamarra. Maço iii, arquivo 4. ufgd.
31 Ofício assinado pelo diretor do dgo da Funai, Gerson da Silva Alves, ao presidente da
Funai, 9 jul. 1982. Processo Funai/bsb no 2092/82. Nudoc-dpt-Funai.
32 Relatório de viagem, 10 set. 1982. Processo Funai/bsb no 2092/82. Nudoc-dpt-Funai.
33 Ofício ao diretor do dgo da Funai, 7 jul. 1982. Processo Funai/bsb no 2092/82. Nudoc-
-dpt-Funai.
34 Depoimento assinado por Lázaro Morel na sede da Funai de Campo Grande, 11 jun.
1982. Processo Funai/bsb no 2092/82. Nudoc-dpt-Funai.
35 “Relatório da área indígena pirakuá: Uma panorâmica sobre o problema e a noção da
terra guarani em Mato Grosso do Sul”, 71 pp., do antropólogo Rubem Ferreira Tho-
maz de Almeida, então assessor i da presidência da Funai, 24 jul. 1985. Processo Fu-
nai/bsb no 2092/82. Nudoc-dpt-Funai.
36 Carta de Marçal a Antônio Brand, “cópia fiel”, 25 jan. 1983. ufgd.
37 Ofício no 17/83, encaminhado ao delegado regional da Funai em Campo Grande, 3
nov. 1983. Processo Funai/bsb no 2092/82. Nudoc-dpt-Funai.
38 Depoimento do índio Alexandre Arinos à Polícia Federal. Um relatório do delegado
da pf Armando Coelho de 14 dez. 1983 confirma que a placa foi “danificada”, sem es-
pecificar como. Maço iv, arquivo 2. ufgd.
39 Sobre a descrição das roupas dos dois homens, a garoa e as perguntas, entrevista do au-
tor com Elisa Vilharva, testemunha ocular do crime, na aldeia de Dourados, 2 jan. 2014.
Sobre o número e os locais dos tiros no corpo (três, não cinco, nem na boca, ao contrá-
rio do que consta de um laudo de reconstituição do assassinato), termos de declarações
dos médicos Nivaldo de Souza Ramos e Ricardo Zocolaro Neto, que fizeram o exame do
corpo, à Polícia Federal, 4 maio 1988. Maço i, arquivo 5. Inquérito da Polícia Federal que
apurou a morte. Sobre a roupa de Marçal, termo de declarações de Sandra Beatriz Dias
à Polícia Federal, 1 dez. 1983. Maço ii, arquivo 3. Sobre os dois vultos e o veículo, depoi-
mento de Armando Vareiro à Polícia Civil de Antônio João (ms). Maço vi, arquivo 1. Cen-
tro de Documentação Regional da Faculdade de Ciências Humanas da ufgd.
40 Sobre o tamanho da terra, Funai; sobre o número de habitantes, dados da Fundação Na-
cional de Saúde de 2008, em “De olho nas terras indígenas do Brasil”, dados on-line do isa.
41 Relatório “Violência contra os povos indígenas no Brasil”, dados de 2013, Cimi, que
informou se basear em dados fornecidos pelo Ministério da Saúde, por meio da Se-
cretaria Especial de Saúde Indígena.
42 Sobre a idade de Elisa, termo de declarações de Elisa à Polícia Federal, 30 nov. 1987.

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Sobre a idade de Marçal, atestado de óbito que aponta a idade de 63 anos da vítima
em 1983. Autos “Maço Processo Criminal Marçal de Souza ii”, item 3, p. 19, ufgd.
43 Entrevista de Romilda ao autor em Campestre, 27 dez. 2013.
44 Laudo de exame necroscópico por exumação, Instituto Médico Legal, 19 jun. 1991.
Assinado pelos legistas Raul Grigoletti e Ricardo Zocolaro. ufgd. Maço iii, arquivo 1.
45 Sobre a prefeitura ter feito a obra e o local escolhido, entrevista do autor no local,
com um dos mais antigos moradores da aldeia, Salvador Reynoso, 27 dez. 2013.
46 Auto de reconhecimento, 1 dez. 1983. Termo de declarações de Severiano à Polícia
Federal em Ponta Porã, 1 dez. 1983. Maço ii, arquivo 3. ufgd.
47 Termo de declarações de João Batista Gomes à Polícia Federal em Ponta Porã, 1 dez.
1983. Maço vi, arquivo 1. ufgd.
48 Termo de declarações de Severiano à Polícia Federal em Ponta Porã, 1 dez. 1983.
Maço vi, arquivo 1. ufgd.
49 Correio do Estado, Campo Grande, 29 nov. 1983. Maço vi, arquivo 1. ufgd. O Estado de
S. Paulo, São Paulo, p. 15, 29 nov. 1983.
50 Relatório assinado pelo segundo-tenente da pm José Rosevaldo Barbosa, 8 dez. 1983.
Maço ii, arquivo 4. ufgd.
51 Laudo do exame em armas de fogo e projéteis do Instituto Nacional de Criminalís-
tica, em Brasília, de responsabilidade dos peritos Dael Lima da Silva e Aristeu Alves
Lima. Maço vi, arquivo 2. ufgd.
52 Sobre o local da apreensão e nunca ter usado o revólver, auto de qualificação e inter-
rogatório de Rômulo Gamarra. Maço iii, arquivo 4. ufgd.
53 Relatório do agente da Polícia Federal Ramon Ajala Pereira, 6 dez. 1983. ufgd.
54 Termo de declarações de Isaías da Rosa e de Faustino da Silva à Polícia Federal, 7
dez. 1983. ufgd.
55 Telegrama de 7 dez. 1983. ufgd.
56 Termo de declarações de Isaías à Polícia Federal, 7 dez. 1983. ufgd.
57 Termo de declarações de Aurélio Ajala, 6 dez. 1983. Maço ii, arquivo 3. ufgd.
58 Termo de declarações de Alexandre Arinos à Polícia Federal, 14 dez. 1983. Maço ii,
arquivo 4. ufgd.
59 Termo de declarações de Eraldo Almeida Duarte à Polícia Federal em Ponta Porã, 16
dez. 1983. Maço ii, arquivo 4. ufgd.
60 Termo de declarações de Líbero à Polícia Federal, 30 nov. 1983. Maço vi, arquivo 1.
ufgd.
61 Veja, São Paulo, n. 796, p. 48, 7 dez. 1983.
62 Termo de declarações de 17 nov. 1987. Maço i, arquivo 2. ufgd.
63 Pedido de verba e despacho anunciando que a verba não havia sido liberada e relató-
rio de viagem dos agentes da Polícia Federal. Maço vi, arquivo 2. ufgd.

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64 Telegrama de 31 maio 1984. Inquérito 148/83. ufgd.
65 Laudo do Instituto Nacional de Criminalística, em Brasília, de responsabilidade dos
peritos Dael Lima da Silva e Aristeu Alves Lima. Maço vi, arquivo 2. ufgd.
66 Id.
67 Relatório de missão assinado pelo agente da Polícia Federal Nelson Wagner S. de Al-
meida, 3 jun. 1984. Maço vi, arquivo 2. ufgd.
68 Maço vi, arquivo 2. ufgd.
69 Jornal Porantim, do Cimi, set. 1984. Pasta Marçal de Souza. asi-Funai. an.
70 Termo de informações de Ivone Chucarro ao delegado da Polícia Federal em Ponta
Porã Isaías Padilha Guimarães. Maço i, arquivo 3. ufgd.
71 Despacho do delegado assinado em 17 maio 1984. Maço vi, arquivo 1. ufgd.
72 Telegrama de 31 maio 1984. Maço vi, arquivo 3. ufgd.
73 Despacho assinado pelo juiz de Ponta Porã, 7 ago. 1991. Maço iv, arquivo 1. ufgd.
74 Termo de declarações de Armando à Polícia Federal em São Paulo, 6 maio 1988. ufgd.
75 Testemunha do juízo, em São Paulo, 27 fev. 1992. Maço iv, arquivo 2. ufgd.
76 Testemunha do juízo, 24 set. 1991. Maço iv, arquivo 1. ufgd.
77 Termo de audiência de inquirição de testemunha, na comarca de Brusque (sc), nos
autos de carta precatória no 128/91, oriunda do Juízo de Direito da Comarca de Ponta
Porã, 19 nov. 1991. Maço iv, arquivo 1. ufgd.
78 Entrevista ao autor, 20 set. 2014.
79 Despacho assinado pelo delegado Wilton Gonçalves Ramos, 22 dez. 1983. Maço vi,
arquivo 2. ufgd.
80 Despacho de Bório, 13 fev. 1984. Maço vi, arquivo 2. ufgd.
81 Despacho convertendo em diligência, 6 maio 1991. Maço iv, arquivo 3. ufgd.
82 Laudo de exame necroscópico por exumação, Instituto Médico Legal, 19 jun. 1991.
Assinado pelos legistas Raul Grigoletti e Ricardo Zocolaro. Maço iii, arquivo 1. ufgd.
83 Certidão expedida pela escrivã Cleuracy de Lima Pinto, 26 maio 1992. Maço iv, arqui-
vo 1. ufgd.
84 Despacho de 28 maio 1992. Maço iv, arquivo 1. ufgd.
85 Petição de 31 out. 1992. Maço iv, arquivo 3. ufgd.
86 Denúncia formulada pelo promotor Antônio Clemente Neto, 15 ago. 1988. Maço vi,
arquivo 1. ufgd.
87 Parecer em apelação criminal assinado pelo procurador de Justiça João Batista da
Costa Marques, 8 set. 1993. Maço v, arquivo 1. ufgd.
88 O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 14, 9 jun. 1998.
89 Sobre a descrição do evento, relatório assinado por Meirelles. Pasta José Carlos Mei-
relles Júnior. asi-Funai. an.

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epílogo (talvez uma vitória) [pp. 382-95]

1 Ofício de 8 maio 1985. Pasta Planos de Ação da Funai. asi-Funai. an.


2 Depoimento na cpi do Índio, 1977. Cedi-Câmara.
3 Id.
4 Ofício endereçado à asi da Funai, 19 set. 1972. Pasta Planos de Ação da Funai. asi-Fu-
nai. an.
5 “Sugestões de uma política para os grupos arredios”, 19 ago. 1983. Pasta Índios Isola-
dos. asi-Funai. an.
6 Estudo da Funai “Sudam e Funai”, 1984. Pasta asi Sudam e Funai. asi-Funai. an.
7 Documento final do i Encontro de Sertanistas, 22 a 27 jun. 1987, em Brasília. Pasta
Índios Isolados. asi-Funai. an.
8 Estudo Preliminar (Secreto) no 025/3asc/86 “Desenvolvimento ordenado da Amazô-
nia Legal”, da Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional. Arquivo do Es-
tado-Maior das Forças Armadas. an.
9 Estudo (Secreto) no 009-4asc/86, “Projeto Presença”, 24 nov. 1986, arquivo do Estado-
-Maior das Forças Armadas. an.
10 Entrevista de Carvalho ao autor em Brasília, mar. 2014.
11 Sobre as mortes de Santana e Ari, Lilian Newlands (Org.), op. cit.
12 Estado de Minas (Belo Horizonte, 17 abr. 2013), reportagem de Felipe Canêdo.
13 IstoÉ Gente, São Paulo, 6 mar. 2000.
14 Manchete, Rio de Janeiro, ano 48, n. 2507, p. 10.
15 Sobre os dois parágrafos, autos do processo judicial. Prelazia-Araguaia.
16 Entrevista ao autor no Rio de Janeiro, 15 out. 2013.
17 Relatório de identificação e delimitação da terra indígena Vale do Javari, produzido
pela Funai, maio 1998. isa.
18 Relatório da enfermeira Dnair de Oliveira, de Marabá (pa), 4 abr. 1983. isa.
19 Relatório do sertanista-chefe do posto de atração João Evangelista de Carvalho, maio
1983. isa.
20 Quadro demográfico atribuído pela Funai à pesquisadora Marta Maria Azevedo,
divulgado no site da Funai. Disponível em: <www.funai.gov.br>. Acesso em: 2 set.
2016.
21 Para esse número e os seguintes, “O Brasil indígena”, estudo produzido pela Funai e
pelo ibge sobre o censo demográfico nacional de 2010.
22 O Estado de S. Paulo, São Paulo, 19 maio 2007.
23 Relatório do delegado substituto da Funai em Manaus, Francisco Aroldo dos Santos,
13 maio 1983. Sedoc-Funai.

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24 “Relatório do Grupo Roraima”, da Funai, assinado pelo coordenador Rubens Auto da
Cruz Oliveira, 10 jun. 1975. isa.
25 Nota oficial “Situação de saúde Yanomami”, dez. de 1991. Sedoc-Funai.
26 Sobre as denúncias contra hidrelétricas, “Declaração conjunta: Grandes barragens
e violações dos direitos dos povos indígenas na Amazônia brasileira”, subscrita por
24 ongs brasileiras e catorze internacionais, 14 fev. 2014. Sobre as demarcações, le-
vantamento do isa “Demarcações nos últimos seis governos”, última atualização 12
maio 2016. Disponível em: <pib.socioambiental.org/pt/c/0/1/2/demarcacoes-nos-ul-
timos-governos>. Acesso em: 2 set. 2016.

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O cacique Marçal de Souza denuncia
ao papa João Paulo ii os assassinatos
sofridos por indígenas, em 1980.

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O sertanista Francisco
Meireles, em foto de 1972.

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À beira da rodovia Cuiabá-Santarém,
índios Krenakahore pedem comida e
carona para a cidade, em março de 1974.

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Perto de Cuiabá, índios krenakahore
pedem carona para a cidade.

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Pedro Casaldáliga fala na cpi da Terra,
na Câmara dos Deputados, em junho de 1977.

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Assembleia de chefes indígenas na
aldeia xavante de São Marcos, em 1978.

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O antropólogo Darcy Ribeiro, em foto de 1978.

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Ato público realizado em São Paulo, em novembro
de 1978, analisa decreto do governo que permite a
emancipação do índio, isolado ou em comunidade.

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O cacique Mário Juruna,
chefe dos Xavante, em foto de 1980.

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Treinamento para integrar a Guarda Rural
Indígena, sob o comando da Funai, em 1968.

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O sertanista Francisco Meireles
com índio Kayapó de Kubenkrankrei,
na região do rio Iriri, no Pará, em 1957.

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Trator faz terraplenagem durante a construção da
segunda etapa da rodovia Transamazônica, em 1972.

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O sertanista Cláudio Villas Bôas, em foto de 1972.

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CRÉDITO DAS IMAGENS

p. 463: Luiz Pinto/ Agência O Globo


p. 464: Antonio Nery/ Agência O Globo
pp. 465-7: Orlando Brito/ Agência O Globo
p. 468: Marcio Arruda/ Agência O Globo
pp. 469-70: Fernando Pereira/ CPDOC JB
p. 471: Ademir Barbosa/ Folhapress
p. 472: Arquivo/ Agência O Globo
p. 473: Acervo do Museu do Índio/ Funai – Brasil
p. 474: Solano José/ Estadão Conteúdo
p. 475: Rolando de Freitas/ Estadão Conteúdo

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ÍNDICE REMISSIVO

abc Paulista, 325 Água Boa, aldeia (mg), 32


abi (Associação Brasileira de Imprensa), água contaminada, 125, 211, 361
307, 415n, 446n água potável, 27, 32, 165, 199, 301, 318
Abigail (companheira de Francisco Meire- Aguapé, fazenda (mt), 208
les), 273 Águas Claras (df), 155
Abonari, rio, 141, 146-7, 154, 156-7 Agudos (sp), 26
Abreu, Flávio de, 39-40, 43 Aguiar, Altamir Cardoso de, 145
Abreu, Sérgio Vahia de, 214, 432n Aguiar, João Bosco, 156
Acre, 25, 36, 87, 151, 215, 262, 265, 337-41, Aguiar, Roberto da Silva (Robertinho), 143-
349, 357, 380-1, 386 5, 151, 157-8, 162-3
açúcar, 13, 44, 119, 190, 312 ai-1 (Ato Institucional), 34
“aculturação” de indígenas, 72, 83, 159, 215, ai-5 (Ato Institucional), 230, 302, 339
224, 228, 232, 283, 304, 324, 353; ver Aikewara, índios, 164; ver também Suruí,
também “integração” do índio à socie- índios
dade nacional Aiuto Alla Chiesa Che Soffre (fundação
Adalgisa (índia), 41 italiana de direito pontifício), 238
Adão (índio), 283 Ajala, Aurélio, 374, 458n
Adjuruiatú (menino índio), 115 Ajarani, rio, 182, 184, 187-8
adolescentes indígenas, 60, 61, 137, 212, 276 Ajudância de Bauru, 224-5
Adveniat (entidade da Conferência Episco- Ajudância de Marabá, 391
pal da Amazônia), 238 Ajudância de Minas Gerais, 75, 405n
Aeronáutica brasileira, 29, 33, 36, 43, 91, Ajudância do Acre, 338, 349
103, 152, 249, 344, 350-1, 365, 368, 389, Ajudância do Solimões, 338
407n, 436n; ver também fab (Força Aé- Aktô (menino índio), 318
rea Brasileira) Alagoas, 303
afogamento, tortura por, 77 Alalaú i, posto indígena (am), 141, 145, 147,
Afonsinho ver Cruz, Afonso Alves da 153-4
agricultura, 14, 86, 111, 202, 288 Alalaú ii, subposto indígena (am), 141-2,
agropecuária/agronegócio, 25, 209-11, 214, 147, 149-50, 153-4, 423n
231, 347, 393-4 Alalaú, rio, 141-3, 146, 149, 153

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Alantesu, índios, 208-9, 211 Alto Solimões, região do (am), 194, 197, 241,
Albert, Bruce, 186 433n
Albuquerque Lima, Afonso Augusto de, Alvará de d. José i (1755), 233
general, 36-7, 43, 45-6, 83, 128, 389 Álvaro (índio karipuna) ver Silva, Álvaro
álcool, índios e consumo de ver bebidas Álvaro (índio tukano), 348
alcoólicas, índios e consumo de Alves, Ana Rita, 20, 403n
aldeados, índios, 9, 11, 15, 33, 42, 75, 83, 276, Alves, Gerson, 383, 431n
278 Alves, Raimundo, 112-3
aldeias indígenas, 10-1, 18, 24, 26, 28-9, Alziro (“capitão” indígena), 366, 369, 373
32, 41, 48, 56, 70-2, 83, 85, 107, 110, 120, Amado, Jorge, 14
123-4, 128, 132-4, 141, 174, 182, 186, 207-8, Amambai (ms), 366, 370
210, 213, 227, 229, 235-6, 240, 257, 261, “amansadores” de índios, 9, 24, 64
275, 284, 298, 303-4, 310, 317, 321, 324, Amapá, 14, 23, 25, 72, 179, 257, 282
346, 351, 367, 379, 383, 393; ver também Amazind (boletim suíço), 226, 411n, 433n
reservas indígenas; terras indígenas Amazonas, estado do, 24-5, 36, 72, 87, 124-
Alemanha, 80, 251, 254, 329 5, 150, 156, 171, 174, 177, 179, 194, 199, 221-
2, 241, 262, 330, 333, 336-7, 341, 357, 386
Alexandre, tuxaua, 126
Amazonas, rio, 25, 150, 359
algodão, 100, 111, 118, 180, 299, 371
Amazônia, 18, 23-5, 36, 38, 44-5, 47-8, 50,
Aliança Renovadora Nacional ver Arena
59, 85-7, 90, 107, 111, 128, 140, 152, 177-8,
“aliciamento” de índias, 182
182, 202-3, 213, 229, 231, 234, 238, 240,
alimentos/alimentação, 14-8, 20, 29, 31-2,
243, 256-7, 259, 292, 303, 357, 387, 394
42, 48, 53-5, 64, 70-2, 74, 79, 91-2, 97, 111,
amendoim, 299
113-4, 117, 120, 125, 129-30, 132-3, 137, 147,
América Central, 229
165-6, 181-2, 184, 206, 208-9, 219, 247,
América Latina, 43, 69, 127, 227, 229, 231,
257, 265-6, 276, 291, 294-5, 319, 321-2,
293
335, 344, 367, 380, 427n
“Americanas” (Machado de Assis), 5
Almeida Júnior, Otacílio de, 340, 349 americanos, índios ver norte-americanos,
Almeida, Lauro Augusto Andrade Pastor, índios
coronel, 172 Anaí (Associação Nacional de Ação Indige-
Almeida, Luciano Mendes de, bispo, 232 nista), 293
Almeida, Rubem Thomaz de, 295 analfabetismo, 62, 228
Almeida, Sílbene de, 211-2, 431-2n Anapu, rio, 93, 103
Alta Floresta (mt), 26 Anastácio Peralta (índio), 276
Altamira (pa), 14, 18-9, 21-2, 91, 97-8, 100-1, Anauá (rr), 182
103, 107-12, 117-20, 122-3, 154-6, 316-20, Andirá Marau, território indígena (am),
322, 416-9n, 449n 359-60
Altenfelder, Fernando, 334 Andirá, posto indígena (am), 336
Altina Comapa ver Vuena (índia) Andorinha, rio, 91
Alto Alegre, povoado (ma), 275, 311 Andrade, Loide Bonfim de, 276-7, 442n
Alto Boa Vista (mt), 31 Andrade, Orlando, reverendo, 276
Alto do Coco, povoado do (ma), 285 Andreazza, Mário, 87, 326, 328, 339-41, 351,
Alto Rio Guamá, posto indígena (pa), 304 353-4, 430n, 451n

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Andujar, Claudia, 184, 393 Araguaia, Parque do ver Parque Indígena
anemia, 72, 185 do Araguaia (Ilha do Bananal)
Ângulo, Vera Lúcia, 194 Araguaia, rio, 74, 214
animais silvestres, 180; ver também fauna Araguaína (go), 143
anistia (1979), 302 Arakitá (índio), 93
Anistia Internacional, 237 Aral Moreira (ms), 280
Anjos, Osmundo Antônio dos, 13-5, 19-20, Arantes, Jamiro Batista, 181-2, 288
91-2 Arapishi, posto indígena de (rr), 185
antepassados, festas yanomami em me- Araquém, maloca do (am), 181
mória dos, 180 Arara, índios, 89, 107, 118-20, 122-4, 194,
Antônio (índio guajajara), 283 266, 316-22, 328, 418-9n, 447-8n
Antônio (índio, avô de Cleonice Pankara- Arariboia, terra indígena (ma), 312
ru), 78 Araújo Jorge, J. G. de, 274
Antônio Cassiano, 119 Araújo Neto, Carlos Moreira de, 176-7
Antônio João (ms), 363, 369, 371, 373 Araújo, Evangelina de Figueiredo, 340
antropologia, 135, 169, 184, 308, 310, 341, Araújo, Valdir Evangelista, 256
Araweté, índios, 107, 110-2, 114-8, 123, 292,
349, 390, 403n, 409-10n, 426n
315, 418n
antropólogos, 10, 12, 28, 30, 31, 46, 57, 67,
araweté, língua, 117, 418n
69-70, 72, 75, 81-3, 92, 102, 104, 112, 116,
arcos e flechas, 9, 15-6, 19, 32, 49, 52, 61,
125, 131, 133-4, 137, 159, 167, 175-7, 180,
64, 92-3, 96, 107, 118-9, 121-2, 124, 129,
182, 184-6, 192-3, 195, 206, 209, 217-8,
141, 143-4, 148-9, 162, 171, 180, 206, 228,
222-4, 229-30, 239, 252, 256, 261, 267,
252, 271, 286, 300, 309, 326, 331, 380; ver
277-8, 286, 295, 302-5, 307-10, 312-5, 326,
também flechas/flechadas
328, 334-8, 341-2, 344, 349, 351, 357, 360,
Arena (Aliança Renovadora Nacional), 37,
366, 368-9, 386, 390, 392-4, 405n, 411-4n,
199, 250, 254, 338, 365
417-8n, 420-2n, 425n, 427n, 429n, 437n,
Areões, posto indígena de (mt), 213, 335
441-2n, 444n, 448-9n, 451-2n, 454-7n Arinos, Alexandre (índio), 374, 457-8n
Anunu (índio), 119 Arinos, rio, 53, 58, 61
Apa, rio, 364 Aripuanã, Parque do ver Parque Indígena
Api (índio), 164 do Aripuanã (mt-ro)
Apiacás (mt), 26 Aristídia (primeira mulher de Marçal),
Apiaká, índios, 228, 239-40, 299-301, 305 280, 373
Apiaú, rio, 187 Aritana (índio), 309
Apoena (indigenista) ver Meireles, José Aritana (telenovela), 309
Apoena Soares de armas de fogo, 9, 19, 165, 190, 196, 317, 375-6,
Apoena (índio xavante), 283 458n
Apuí (índio), 197-8 Arnaud, Expedito Coelho, 20, 403n
Apurinã, índios, 70, 111, 183, 262, 330, 336, Arquivo Nacional (Brasília), 12
340-1 Arquivo Público de Cuiabá, 12
Aquidauana (ms), 254, 304, 329 Arrastão, posto indígena (mt), 131, 133
Aquino, Tasso Villar de, 17, 289 “arredios”, índios, 9, 11, 87, 126-8, 167, 282,
Aquino, Terri Valle de, 337-9, 450n 359, 362, 380, 385, 454n, 460n

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arrendamentos/arrendatários, 31-3, 76, 79- Associação Nacional dos Cientistas So-
81, 236, 289, 305, 413n ciais, 307
arroz, 55, 76, 130, 190, 276, 314, 335 Assunção (Paraguai), 230
Arruda, Lucídio, general, 225 Asurini, índios, 87, 89, 91-2, 96-101, 104-7,
Arruda, Luiz Roberto Gomes de, padre, 120, 391, 416-7n
16-7 Ata de Iguaçu (1966), 297
arte plumária indígena, 254, 271, 302, 314 Atalaia do Norte (am), 195, 197, 202, 221,
artesanato indígena, 61, 133, 219, 224 338, 358, 361, 429n, 433n
Arutana (índio), 283 Atalaia Jurubeba (elixir), 347
Ascendino (servidor), 216 Ataul (índio), 283
asis (Assessorias de Segurança e Infor- atração de indígenas, frentes e trabalhos
mação), 84, 101, 146, 182, 196-7, 208, 215, de, 14, 19-20, 55, 62-4, 66, 68, 76, 89-91,
223-6, 237, 254-5, 262, 269, 305, 336, 94, 96, 98, 100, 103, 108, 112, 120, 123,
349, 351 128-33, 138, 141, 143, 146, 148, 150, 153-4,
Aspectos fundamentais da cultura guarani 158, 165-7, 175, 181-2, 187, 194-7, 200, 220,
(Schaden), 277 228, 235, 269, 272-4, 312, 316, 319, 361,
assassinatos de indígenas, 53, 79, 83, 119, 384-5, 391, 408n, 416n, 418-9n, 421n,
170, 174, 253, 279, 286-7, 303, 311-2, 330, 423-7n, 447-8n, 460n
332, 351, 365-6, 370-1, 377-9, 389, 457-8n; Atroari, índios, 49, 51, 142, 161-2, 166, 273;
ver também genocídio; massacres de ver também Waimiri-atroari, índios
indígenas Aturi Kayabi (índio), 28, 404n
assassinatos de não indígenas, 19, 195, 231, Auaris (rr), 182
246-8, 265-6, 280, 311, 329, 388-9, 392; Auaua-Missú, rio, 225
ver também chacinas de não indígenas Áustria, 96, 234
Assembleia de Deus, 241 Autazes, rio, 136
Assembleia de Pastoral Indígena, 259 Autaz-Mirim (am), 158
Assembleia Geral dos Bispos do Brasil “autoextermínio” de indígenas, 222
(1970), 230 autoritarismo, 230, 333
assembleia indígena, primeira (Missão Avellar, Estevão Cardoso de, bispo, 235
Anchieta — 1974), 239, 251, 257 aviões, 13, 19, 27, 29, 31, 43-4, 47, 50-1, 63, 71-
assembleia indígena, segunda (Missão 2, 90, 96, 123, 127, 134, 136, 141-2, 148, 154,
Cururu — 1975), 240 156-7, 161, 168, 174, 179, 181-3, 189, 209,
Assembleia Indigenista Regional da Ama- 216-9, 226, 238, 248, 265, 271-2, 284, 335-
zônia, 259 7, 358, 391-2, 419n
Assembleia Legislativa de Mato Grosso, 35 Axikaruçauá (índio), 211
Assembleia Legislativa do Rio Grande do Azevedo, Carlos Amaury Mota de, 282
Sul, 234 Azevedo, Flávio, 194
assembleias indígenas, 238-40, 244, 258-9,
282, 303, 324-5, 468 B-26 (aviões), 161
Assis, Machado de, 5 babaçu, 15, 104, 115, 313
Associação Brasileira de Imprensa ver abi Babati (índio), 335, 450n
Associação Nacional de Ação Indigenista Bacajá, região do (pa), 21-2, 111
ver Anaí Bacajá, rio, 91

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Bacurizinho, terra indígena (ma), 311 “barracão”, sistema de (modalidade de
Baenã, índios, 78, 82 trabalho escravo), 70, 300
Bahia, 31, 75, 78, 80, 82, 209, 330, 390 Barreto, Getúlio Barros, 204
Bahia, major (delegado da Funai), 92 Bartolomé, Miguel Alberto, 229, 433n
Baiara (índio), 78 Base Aérea de Belém, 43-4
Baines, Stephen, 167, 175, 426n Bastos, Possidônio Cavalcanti de, 263-9,
Baixo Amazonas, região do (am), 359 439n
Bakairi, índios, 135, 207, 246 Bastos, Rafael José Menezes, 77, 218
Balbina, usina hidrelétrica de (am), 388 Batalha, Victor, 196-7, 221-3
Balduíno, Tomás, bispo, 232, 234-6, 238- Batalhão de Engenharia e Construção ver
40, 255, 307, 435n bec
Baltar, Tarcísio, 54 Batalhão de Infantaria de Selva ver bis
Bamerindus Agropastoril, 211 Batalhão Escola da Polícia Militar (Belo
bananas/bananais, 49, 51-2, 110, 118-9, 141- Horizonte), 73
2, 144, 162, 166, 180, 185, 195, 337 Batalhão Especial de Fronteira, 358
“Banco Catrimani”, 49; ver também Missão batata, 49, 52, 55, 110, 118
batata-doce, 93, 97
Catrimani
Batista, Lauro (índio), 360
Banco do Brasil, 252, 356, 430n
Batista, Quintino (índio), 280
Bandeira de Mello, Oscar Jerônimo, gene-
batistas, missionários, 69; ver também sil
ral, 66, 84-5, 88-90, 93, 96, 103, 105, 128,
(Summer Institute of Linguistics)
145-6, 167, 202-4, 214-5, 225, 232, 241-2,
Bauru (sp), 224-5, 281, 306
262, 265, 267-8, 270, 327, 333, 346-7, 389,
Bavaresco, Isaac, 331-2, 449n
411n, 415-6n, 421n, 430-2n, 440n
bcg (vacina), 192
Bandeira Nacional, 74, 83, 213
Beatles, 54
Bandeira, Sebastião, 195
Bebe Gogoti (índio), 283
bandeirantes, jornadas dos, 214
bebês indígenas, 30, 49, 59, 117, 206, 219,
Barão de Antonina, área indígena (pr), 256 281, 290, 320, 371; ver também crianças
Barão do Melgaço (mt), 421n indígenas
Barata, maloca da (rr), 183 bebidas alcoólicas, índios e consumo de,
Barbados (Caribe), 229-30, 303, 433n 11, 32, 42, 75, 131-2, 185, 199, 221, 239,
Barbosa Filho, Raimundo, 132 242, 249, 251, 293, 333, 371
Barbosa, Antônio Ferreira, 123 bec (Batalhão de Engenharia e Constru-
Barbosa, José Carlos, 130, 421n ção), 64, 85, 128-9, 133-4, 140, 142, 145-8,
Barbosa, Rubens, 54 151, 156, 160-1, 163, 166, 173-4, 192, 267,
Barbosa, Valber Dias, 238 270, 346, 403n, 423n, 425n
Barboza Filho, Epitácio José, 196-7 Becker, Hugolino, frade, 366
Barcelona, 231 Begororothy Betan (índio), 43
Barra do Bugres (mt), 40, 300 “Beição” (índio), 54, 56
Barra do Corda (ma), 283, 311-2, 333, 337 “beiços-de-pau”, índios, 53; ver também
Barra do Garças (mt), 27, 203, 207, 244, 326, Tapayuna, índios
334, 336, 350, 389, 436n beijus, 51, 97, 141
Barra do Maratuã (pi), 199 Bela Vista (ms), 364, 368, 374

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Belém (pa), 13, 15, 21, 25, 43-4, 48, 90-2, 98, Bodoquena (ms), 288-90, 292, 294, 296-7,
101-2, 123, 160-1, 200, 240, 258, 294, 391 305, 444n
belicosidade indígena, explicações para, Bodoquena, serra da, 278, 289, 291
122, 195 Boff, Leonardo, 293
Belizário (colono), 275 Bogotá, 229
Belo Horizonte, 32, 73, 229 bolchevismo, 262
Belo Monte, usina hidrelétrica (pa), 117, 393 Bolívia, 43, 229
Benediktbeuern (Alemanha), 251 “Bom Pai” (índio), 54, 56
Benedito (índio guarani), 283 bomba nuclear, 116
Benedito (índio xavante), 283 bombas, 129, 152, 165, 359-61
Benedito (servidor), 216 Bonito (ms), 292
Benjamin (índio), 283 Bonotto, Sílvia Maria, 238
Benjamin Constant (am), 87, 338 Bontkes, Carolyn, 70-1
Bep’kororoti/Paulinho Paiakan (índio), 89, Bontkes, Willem, 70-1
99 Boqueirão, maloca do (rr), 183
Berg, Heinrich, 210, 431n Borai (índio), 19
Berg, Water, coronel, 199 Bordignon, Mario, padre, 252
Bernardino (seringueiro), 29 bordunas, 9, 15, 52, 67, 107-8, 121, 123-4, 127,
Bernardo, Euclides, 269 129, 134, 141, 157, 173, 194-5, 301, 309, 326-
Berthier Brasil, Altino, coronel, 170-3, 425n 7, 329, 353, 361, 439n
Bertrand Russell Peace Foundation (ong), Borges, Luiz Carlos de Oliveira, 205, 430n
347 Bororo, índios, 34-5, 39-41, 72, 228, 239-40,
Bethlehem Steel Corporation, 191 250-4, 305, 437n
Bezerra, Francisco, 193, 421n borracha/látex, produção de, 107, 273, 337-8
Bíblia, 69, 207, 277 Botelho, Pedro de Moraes, general, 269-70,
bicicletas, 11, 275-6, 280 389
Biennès, Máximo, bispo, 235 botocudos, índios, 24, 75-7, 413n
bis (Batalhão de Infantaria de Selva), 160-3, br-080, rodovia, 128, 131, 213, 224, 232, 327
170, 316, 424n, 447n br-156, rodovia, 258
Bispo, Aloísio, 253 br-158, rodovia, 213
bispos católicos, 16, 30, 228, 231, 233-5, br-163, rodovia, 392
238, 248-50, 255, 257, 259, 281, 294, 296, br-165, rodovia, 128-9, 131, 465
404n, 438n br-174, rodovia, 50, 140, 147, 151-2, 166, 173,
blenorragia, 95 179, 182, 194, 273, 357, 426n
Bloch, editora, 54 br-210, rodovia, 179-80
Bloise, Clodomiro, coronel, 91-4, 103, 389, br-29, rodovia, 36
416n br-364, rodovia, 66, 205, 210-1, 263
Boa Esperança, fazenda (ms), 288 br-72, rodovia, 213
Boa Vista, 48, 85, 140, 144-5, 179, 181, 183-8, Braga, Luiz Pereira, 147
192, 388 Braga, Ney, 34-5, 406n
Boca do Acre (am), 330, 341 Braga, Roberto Seljan, 270
Boca do Veado, região da, 222 Branco, rio, 194

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Brand, Antônio Jacob, 293, 296, 325, 364, caatinga nordestina, 107
366-7, 370, 456-7n “cabeças secas”, índios, 71
Brandão, Mario, 208 caboclos, 38, 63, 74, 91
Brandt, Lilian, 219 Caboré (índio) ver Kawiré Imán/João
Braselfa (subsidiária da Elf Aquitaine), Caboré
359-60 Cabrera, Dario, 203
Brasilândia (ms), 287-8, 294-6, 443-4n Caburi, região do (am), 180-1
Brasileiro, Francisco Neves, 255, 298, 330, caça, 44, 49, 64, 66, 74, 78, 93, 113, 119, 131,
438n 133, 137, 141, 180-3, 209-11, 223, 266, 312,
Brasília, 10, 12-3, 28-30, 35-7, 43, 45, 58, 71, 315, 358, 364, 384
78, 80-2, 84, 86, 88, 89, 91-3, 98, 100-1, caçadores de animais, 9, 18, 53, 110, 131, 143,
105, 118, 122, 126, 129, 136, 147, 152, 181, 160, 186, 258
189, 192-3, 197, 199-200, 204, 215, 222-4, cacau, 81
230, 232, 239, 241, 243, 247, 249, 252, 254- Cacequi (rs), 292
5, 258, 261-2, 264-5, 268-9, 277, 279, 281, Cáceres (mt), 235
284, 293, 302, 304, 308, 315, 322, 324-6, “caceteiros”, índios, 194; ver também Koru-
328-30, 333-6, 338-9, 345-6, 350-1, 353,
bo, índios
355, 357-8, 366-9, 375-6, 382-3, 385, 388-9
cachaça, 17, 242, 257, 294
Bravim, Vandelino, 370
Cachimbo, base militar do (pa), 43-5, 127,
Brejo do Burgo (ba), 330
213, 216, 407n
Brejo dos Padres, região de (pe), 78
Cachimbo, serra do, 43-4, 127
Brianesi, Áureo, 324
Cacique Doble, posto indígena (mt), 41, 139
brindes aos índios ver presentes/brindes
caciques, 28, 30, 41, 44, 50, 52, 65, 97, 141,
aos índios
144, 149, 154, 169, 206, 216-9, 223, 252-3,
Brito, Francisco da Silva, 94-5
274, 289, 291-2, 305, 311, 319, 324-5, 328-
Britto, Flávio da Costa, 250
32, 344, 354-5, 358, 367, 446n, 448-9n,
Brizola, Leonel, 242, 349, 352, 356, 452n
broncopneumonia, 72; ver também pneu- 463, 471; ver também tuxauas
monia Cacoal (ro), 66, 268
Broocke, Francelísio van der, 345 café, 44, 76, 149, 299
Brown, Judith, 66, 411n Cajabi (índia), 39
Brustelin, Leonildo, padre, 235 caju, 313
“bugreiros” (assassinos remunerados de Caldas, João Praia, 361
índios), 286 Caldera, Rafael, 140
“bugres”, 24 Calleri, Giovanni, padre, 48-53, 59, 73, 89,
buriti, 149, 254 96, 140-1, 170, 273, 408-9n
Burnier, João Bosco Penido, padre, 244, Calmon, Otaviano, 135
246-8, 259, 389, 436n Camanaú, posto indígena de (am), 141
burocracia, 113, 135, 209, 272, 346, 385 Câmara dos Deputados, 46, 84, 233, 340,
Busatto, Ivar Luís, 238 349-53, 356, 404-6n, 453n, 467
Câmara dos Vereadores de Manaus, 166
C-47 (avião turboélice), 43, 127, 271-2 Câmara dos Vereadores de Recife, 265
Caarapó (ms), 280-1, 363 Câmara Municipal de Manaus, 254

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Câmara, Isnard de Albuquerque, general, “Cara de índio” (Djavan), 394
269-70, 389, 440n carabinas, 53, 129
Câmara, Ronaldo, 54 Caracaraí (rr), 49, 179, 182, 427n
Camararé, aldeia de (mt), 207, 209 Caramuru, posto indígena (ba), 79-80, 413-
Camargo Corrêa (empreiteira), 179, 181-2, 5n
187 Cardoso, Fernando Henrique, 10
Camargo Júnior (presidente da Sudeco), Caribe, 303
214 Carijó, Manoel, coronel, 50, 389, 408n
Camiranga ver Morais, Julio Reinaldo de cariuás (“civilizados”), 143
Camões, Luís de, 159, 236 Carlito ver Dutra, Carlos Alberto dos
Campestre/Cerro Marangatu, aldeia de Santos
(ms), 363, 369, 371, 373, 375 Carmésia (mg), 77-8, 83
Campinas (sp), 224, 312 Carmo, Aurélio do, 14
Campinas, Antônio de Souza, 61, 131-3, Carnaval do Rio de Janeiro, 349
410n, 421n Carneiro, Dario, 27-31, 404n
Campo de Marte (São Paulo), 272 Carreira, Evandro, 222
Campo Grande, 215, 245, 251, 274, 277, 280- Carreteiro (rs), 139
1, 290, 297, 324-5, 363, 366, 373 cartas régias, política de guerra e escravi-
Campos Filho, Francisco de, 340 zação de indígenas em, 24, 75, 382
Campos Novos, estação telegráfica de (mt), Caru, área indígena de (ma), 312-4, 447n
206 Carvalho, João Evangelista de, 91, 93, 95,
Campos, André, 75, 413n 101, 103, 111, 113-6, 123, 385, 415n, 417-8n,
Campos, Armando, 368 460n
Campos, Cecília de Queirós, 84 Carvalho, José Cândido, 217
Campos, José de Queirós, 45-6, 49-50, 53, Carvalho, José Porfírio Fontenele de, 147-
57, 64, 73-5, 83-4, 128, 199, 233, 256, 407- 57, 160, 166-8, 173, 175, 180-1, 199, 261,
9n, 420n 284, 333, 336-7, 340-1, 344, 349-50, 355-
Campos, Wilson de Queirós, 46 6, 388, 408n, 423-4n, 426n
Cana Brava, posto indígena (ma), 275 Carvalho, Liberato de, coronel, 79
cana-de-açúcar, 49, 144, 147, 166, 371 Carvalho, Maria José de, 154-5
Canarana (mt), 389, 436n carvão, 15, 322
Candelária, praça da (Rio de Janeiro), 61 Casa Civil, 37, 302, 373, 377
Canísio Kayabi (índio), 29 “casas do índio” criadas pela Funai, 83
Cannes, Festival de, 203, 430n Casa do Índio de Campo Grande, 281
canoas, 19, 49-51, 74, 77, 129-30, 149, 158, Casa do Índio de Manaus, 163, 175
200, 380 Casa do Índio do Rio de Janeiro, 283
cânticos indígenas, 92-4, 109-10, 157, 240, Casa Salesiana (Campo Grande), 251
254, 379 Casaldáliga Plá, Pedro Maria, bispo, 30,
Canuto, Antônio, padre, 235, 244 231-2, 235-6, 241, 244, 246-50, 255-6,
Cape, Nicholas, 185-6 293, 404n, 436-7n, 467
Capitão Pedro, posto indígena (mt), 72 cassiterita, 190, 392
Capri, Yole di, 264 castanhas, 49, 109, 125, 136, 164, 308, 359
cará, 52, 93, 144 Castanheira, maloca de (rr), 182, 185

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Castell’Azzara (Itália), 257 Centro de Trabalho Indigenista ver cti
Castello Branco, Humberto de Alencar, Centro dos Paulos, povoado de (ma), 313
general, 23, 25, 36 Centro Ecumênico de Documentação e
Castro, Alberto Verlangieri de, major, 254 Informação ver Cedi
Castro, Eduardo Viveiros de, 112-3, 116, 307, Centro-Oeste do Brasil, 25, 87, 214
418n cerâmica indígena, 141, 180
Castro, Félix Pereira de, 246 cercas eletrificadas, 170
Castro, Fernando Schiavini de, 337, 340 Cerro Marangatu, aldeia de (ms) ver Cam-
Castro, Hamilton de Oliveira, coronel, 36 pestre
Castro, Hamilton, coronel, 32, 42, 383, cerveja, 17
405n César, José Vicente, padre, 233-4, 251, 434n
catapora, 93, 125, 287 Cesp (Companhia Energética de São Pau-
catequese de indígenas, 23, 132, 207, 228, lo), 296
261, 278, 299 Cessna, avião, 90
Catrimani (rr), 179, 182-3, 186-7, 427n; ver cestos indígenas, 64, 120, 129, 166, 180, 254
também Missão Catrimani chacina da expedição Calleri por indíge-
Catrimani, rio, 186, 191 nas, 51-3, 73, 140, 141, 273
Cavalcanti, José Costa, 26, 59, 74, 83, 89- chacinas de servidores por indígenas, 121,
90, 128, 145, 167, 233, 256, 267, 345, 384, 145, 148-51, 156-60, 165, 175, 195-8, 201,
440n 265-6, 361, 454n
Cavalcanti, Temístocles, 233 Chapada do Parecis (mt), 205, 208
cbg (Companhia Brasileira de Geofísica), Chávez, Federico, 297
359-61 Chiappino, Jean, 67-9, 71, 411n
ccpy (Comissão Pró-Parque Yanomami), Chico (“capitão” Iopareipo), 300
393 Chile, 347
Ceará, 37, 107, 147, 312 Chucarro, Ivone, 376, 459n
cebs (Comunidades Eclesiais de Base), 299 cia (Central Intelligence Agency), 69, 165
Cedi (Centro Ecumênico de Documenta- Cia. Mineradora Piracema s.a., 85
ção e Informação), 113-4, 116, 405n, 439n “Cicatriz” (índio), 55
Celestino Tsererob’o (índio), 335 cie (Centro de Informações do Exército),
Cemat (Centrais Elétricas Matogrossen- 232, 236-7, 244, 249, 434n, 436n
ses), 301 Cimi (Conselho Indigenista Missionário),
censos populacionais, 167-8, 206, 391, 460n 174, 176-7, 189, 232-6, 238-44, 246, 248,
censura, 158-9, 178, 226, 236, 353 250-2, 254-62, 281-2, 286, 291-6, 298-9,
Centrais Elétricas Matogrossenses ver 301, 303-7, 315, 324-5, 330, 333, 348, 353,
Cemat 355, 357-60, 364-7, 379, 382, 388, 391
Centro de Comunicação Social da Aero- Cinema Novo, 203, 430n
náutica, 389 Cinta-larga, índios, 33, 62-6, 68, 169, 262,
Centro de Informações do Exército ver cie 264-6, 269, 388, 411n
Centro de Instrução de Guerra na Selva, cinto de cascas de árvores (usado pelos
161 cinta-larga e suruí), 63
Centro de Pesquisas Antropológicas (Cam- Clara, irmã, 228
bridge, Massachusetts), 30, 404n Claro, rio, 54

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Claudia (revista), 218 Comissão Pró-Índio, 307, 310, 315, 331, 341,
Clemente Neto, Antonio, 376 445-6n
Cleonice Pankararu (índios), 78 Comissão Pró-Parque Yanomami ver ccpy
Clevelândia do Norte (ap), 220 Comissão Rondon, 24
cna (Confederação Nacional da Agricultu- Comitê de Imprensa da Câmara dos Depu-
ra), 250, 437n tados, 356
cnbb (Conferência Nacional dos Bispos do Comitê Internacional da Cruz Vermelha,
Brasil), 228-30, 232-5 72
cnpq (Conselho Nacional de Pesquisas), 20 Companhia Brasileira de Geofísica ver cbg
cnv (Comissão Nacional da Verdade), 10, Companhia de Desenvolvimento do Ara-
126, 164-9, 174, 332, 420n, 425n, 436n, guaia ver Codeara
444n Companhia de Jesus, 229; ver também
Coama (Coordenação da Amazônia), 90, jesuítas
132, 135, 147, 196, 199, 211, 334, 421-2n, Companhia de Pesquisa de Recursos Mi-
425n, 427n, 433n nerais ver cprm
cocares, 64 Companhia Energética de São Paulo ver
cocos, 94, 180, 317 Cesp
Codeara (Companhia de Desenvolvimento Companhia Militar de Oiapoque, 221
do Araguaia), 245, 436n Comprido, tuxaua, 142, 147, 149, 157, 166,
Coelho Neto, Armando Rodrigues, 373, 424n
376-8 Comunidades Eclesiais de Base ver cebs
Coelho, Moacyr Ribeiro, coronel, 17-8, 33, comunismo/comunistas, 62-3, 78-9, 85,
46-7, 204, 402n, 408n 161-2, 165, 233, 248, 262, 270-1, 334, 349
Cojiba (índio), 39 Conceição do Araguaia (pa), 235
Colatina (es), 77 Conceição, Armando, 204
Colégio Agrícola (Brasília), 199 Conceito Estratégico Nacional, 26
Colégio Eleitoral, 355 Concerto de Aranjuez (composição espa-
Colégio Rio Branco (sp), 363 nhola para violão), 265
Collor, Fernando, 10, 188, 303, 393 Concílio Vaticano ii (1961-5), 227, 230
Colômbia, 48, 179, 227, 229, 238 Confederação dos Tamoios (séc. xvi), 239
Colônia Militar do Oiapoque, 257 Confederação Nacional da Agricultura ver
Comando Militar da Amazônia, 243, 256, cna
423n, 450n Conferência Geral do Episcopado Latino-
Combaúva, Widivaldo, 208 -Americano (Medellín — 1968), 227, 230
comida ver alimentos/alimentação conferência interamericana indigenista,
Comissão Bipartite, 233 primeira (Pátzcuaro — 1940), 271
Comissão de Anistia, 10 Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
Comissão de Sindicância da Funai, 196, ver cnbb
219, 360 “confraternizações” entre índios e “civili-
Comissão Especial Sobre Mortos e Desa- zados”, 63, 65, 97, 239, 272-3
parecidos Políticos, 173 Congresso dos Estados Unidos, 307
Comissão Nacional da Verdade ver cnv Congresso Nacional, 17, 23, 30, 34, 36, 87,
Comissão Pastoral da Terra, 293, 298, 435n 101, 103, 188, 199, 233-4, 241, 256, 281,

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303, 309-10, 355, 393, 402-3n, 406n, “correrias” (caçadas humanas nas matas),
409n, 412n, 415n, 438n, 440n, 442n 9, 92, 108, 169
conjuntivite, 72, 102, 104, 112, 114 corrupção na Funai, 90, 203, 205, 212, 260,
Conrado, Vinicius, 254 308, 430n
Conselheiro Pena (mg), 77 corrupção na política, 355-6, 389
Conselho de Segurança Nacional ver csn Cortasa Ltda., 93
Conselho Indigenista Missionário ver Costa e Silva, Arthur da, general, 34, 36, 45,
Cimi 83, 210
Conselho Nacional de Proteção ao Índio, Costa, Aldo Gomes da, 361
45 Costa, Gilmar Joia de Figueiredo, 154, 160,
Consolata (missão católica) ver Missão 424n
Consolata Costa, Paulo Ronaldo Dourado (Gaúcho),
Constituição brasileira, 267, 394 374-5, 379
contatos com indígenas, política de, 141, Costa, Sebastião Amâncio da, 153, 165, 175,
306, 315 180, 187, 194, 426-7n
Cooperativa Agrícola de Campos Borges Cotrijuí (Cooperativa Tritícola Serrana
Ltda., 138 Ltda.), 122-3, 317, 419n
Cooperativa Tritícola Serrana Ltda. ver Cotrim ver Soares, Antonio Cotrim
Cotrijuí Cotz (Coordenação das Operações da
Coordenação da Amazônia ver Coama Transamazônica), 90, 96, 102, 120, 141,
Coordenação das Operações da Transa- 416n, 440n
mazônica ver Cotz Coutinho, Antônio Esteves, general, 136,
Coordenação Regional do Arquivo Nacio- 150, 152, 154, 194, 333
nal (Brasília), 12 Coutinho, Dale, general, 85
Coordenadoria de Índios Isolados da Fu- Couto de Magalhães, posto indígena (mt),
nai, 386 40-1
Copa do Mundo (1970), 86, 264 Couto e Silva, Golbery do, general, 25, 84,
copaíba, 119, 124 326, 403n
coqueluche, 42, 93, 188, 257 Couto, Ronaldo Costa, 383
Coquinho, aldeia (ma), 283 Cowell, Adrian, 128
Cordeiro de Farias, Osvaldo, general, 213, cpi do Índio (1963), 34, 36, 402n
432n cpi do Índio (1968), 38, 176, 405-7n
Coroa portuguesa, 75 cpi do Índio (1977), 103, 187, 281-2, 384,
Corrêa Filho, Orlando, 203 407n, 409n, 412n, 415n, 430-1n, 435n,
Corrêa, Ubaldo, 187 440n, 442n, 444n, 453n
Correia, Francisco de Castro, 220 cprm (Companhia de Pesquisa de Recur-
Correia, Jáder de Figueiredo, 37-9, 41-3, sos Minerais), 119-21, 222
45-6, 63, 71, 388, 406n; ver também Re- Craolândia (to), 74
latório Figueiredo Cravero, Giuseppe, 219, 220
Correia, João Batista, 40 Cravino (índio), 360
Correia, Joaquim, 37 crianças indígenas, 16, 29-31, 40-1, 55-6, 58-
Correia, Milton, arcebispo, 243 9, 65, 75, 86, 93-5, 97, 102-4, 107, 109-10,
Correio Aéreo Nacional, 271 113-5, 120-1, 125-6, 128-30, 133, 135, 156,

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164, 167, 181, 183, 185-6, 191, 194, 197-9, cut (Central Única dos Trabalhadores),
206, 209-12, 216-20, 222, 257, 265, 269, 299
273, 276-7, 281, 286, 291, 299, 301, 311, cv (Cruz Vermelha Internacional), 71-2,
315, 318, 321, 329, 335, 346, 350, 391, 394, 233
413n
Cristo ver Jesus Cristo Dacinho Michiles (índio), 359
Crítica, A (jornal), 254, 425n, 427n, 450n Dakota do Norte (eua), 71
Cruvinel, Noraldino Vieira, 102 Dal Poz Neto, João, 169
Cruz Vermelha Internacional ver cv DaMatta, Roberto, 177
Cruz, Afonso Alves da (Afonsinho), 14, Damião Paridzané, cacique, 30
16, 18-21, 107, 109, 119-23, 274, 316, 385, danças indígenas, 92, 94, 97, 143, 217, 240,
403n, 418-9n 254, 295, 361, 379, 454n
Cruz, Faustino, 147-9 Dantas, sra., 184
Cruz, Jacy, 183 Darwich, José, 110, 114
Cruz, José da (líder da Irmandade da Davis, Shelton H., 10, 30, 404n
Cruz), 48 “Declaração de Barbados” (1971), 229, 433n
Cruz, José Fernando da, 17 Dedé (índio), 82
Cruz, Terto José da, 328 Delfim Netto, Antônio, 86, 352
Cruzada de Evangelização Mundial, 47 demarcação de terras indígenas, 9, 12, 27,
Cruzeiro, O (revista), 54, 56, 271 35, 66, 79, 82, 120, 131, 136, 146, 167, 184,
csn (Conselho de Segurança Nacional), 26, 190, 203, 206, 242, 251, 253, 258, 267-8,
47, 87, 258, 267, 386-7, 408n, 460n 276, 291, 300-1, 304, 307, 309, 312, 318,
cti (Centro de Trabalho Indigenista), 360, 325-6, 328, 336, 338-9, 341, 349, 351-2,
431n, 444n 357, 366, 369-70, 372, 381-2, 387, 392-4,
Cuiabá, 12, 31, 39, 56-7, 128-9, 131, 134-6, 138, 461n
177, 204-6, 208, 293, 299, 301, 391 Demini, rio, 179
Cuiabá-Santarém, rodovia ver br-165, demográficos, dados ver população brasi-
rodovia leira; populações indígenas
cultura indígena, 240, 274, 307, 334, 390 Denise (mt), 299
Cunha, Manuela Carneiro da, 169, 307, Denise, irmã, 228
413n Deoclides (índio), 359
Cunha, Oswaldo Cid Nunes da, 340, 349 Departamento de Assistência da Funai,
Cunha, Rubens Berardo Carneiro da, 13 60, 80, 84, 407n, 414n
Cunhua, rio, 70 Departamento de Correios e Telégrafos, 33
cupins, 115 Departamento de Estradas de Rodagem
curare (veneno indígena), 302 ver der
Curitiba, 255, 298, 330 Departamento de Proteção dos Índios do
Curuá, rio, 15 Estado da Guanabara, 60
curuba (escabiose ou sarna), 184; ver tam- Departamento Geral de Operações ver
bém sarna dgo
Curuçá, rio, 194, 221-3 Departamento Geral de Patrimônio Indí-
Curvelo, Ivan, 265 gena ver dgpi

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Departamento Geral de Planejamento Diário Oficial do Estado de Mato Grosso, 35,
Comunitário ver dgpc 406n
Departamento Nacional de Estradas de diarreia, 93, 103, 134, 144, 151, 211
Rodagem ver dner Dias, Gonçalves, 235
Departamento Nacional de Obras Contra Diauarum, posto indígena de (Xingu), 137,
a Seca, 37 225
Departamento Nacional de Produção Mi- Die If You Must (Hemming), 10, 411n, 420n
neral ver dnpm Dinamarca, 67, 337
deportações/transferências de grupos in- dinamite, 152, 165, 359-60
dígenas, 27-9, 31, 33, 37, 66, 72, 76-8, 103, dinheiro, 13-5, 17, 20, 38, 40, 49, 59, 63-4, 89,
109, 114, 135-8, 208-10, 242, 259, 268, 90, 150, 179, 199, 222, 225, 238, 243, 264,
275-301, 308, 313-5, 335, 364, 417n, 447n 272, 274-5, 294, 319, 337, 346, 352, 355-6,
depressão entre indígenas, 137, 185, 211 368, 388
der (Departamento de Estradas de Roda- Direito à memória e à verdade (Secretaria
gem), 49-50, 52 Especial dos Direitos Humanos da Pre-
Derzi, Rachid Saldanha, 364-5 sidência da República), 10
direitos humanos, 67, 231, 347, 379, 392-3,
desaparecidos políticos, 10
444n
desmatadores, 9, 143, 181, 316, 328
direitos indígenas, 10, 35, 45, 50, 72, 202,
desmatamentos, 9, 26, 93, 125, 141-3, 147,
382, 393, 411n, 431n
152, 163, 181, 188, 209, 211, 316, 327-8
Diretas-Já, emenda constitucional das,
desnutrição entre indígenas, 11, 241
354-5
dgep (Departamento Geral de Estudos e
Diretoria de Assuntos Fundiários da
Pesquisas), 89, 93, 411n, 416n, 431n
Funai, 30
dgo (Departamento Geral de Operações),
disenteria, 185
81, 345, 414n, 431n, 438-9n, 442-3n,
Distrito Federal ver Brasília
450n, 457n
ditadura militar (1964-85), 10-2, 14, 16, 21,
dgpc (Departamento Geral de Planeja- 26-8, 34, 37, 59, 69, 71-2, 78-9, 83-4, 86,
mento Comunitário), 81, 308, 384, 429n, 105, 119, 122, 127-8, 130-1, 135-6, 138, 140,
446n, 451n 147-8, 153, 158, 160, 164, 169, 174, 176-9,
dgpi (Departamento Geral de Patrimônio 196, 199, 203, 205, 213, 215, 219, 223,
Indígena), 82, 126, 208, 346, 369, 414n, 229-33, 235-7, 239, 241-2, 244, 246, 248,
430n, 440n 252, 254-6, 261-3, 267-8, 270, 272, 281-2,
Dia do Índio, 271, 325, 352, 445n 287-8, 292, 297-9, 302-4, 306, 308, 315-6,
diamantes, 128 325-7, 329, 334, 337, 340-2, 344, 347-9,
Diamantino (mt), 53, 58, 239-40, 246, 251, 355, 357, 363, 365-6, 377, 380-3, 385, 388,
444n 390-2, 394-5, 413n, 424n; ver também
Diário da Serra, 254 governo militar
diário de Apoena Meireles, 65-7 Divisão de Desenvolvimento Comunitário
diário de João Carvalho, 114, 116 (Brasília), 224
Diário do Congresso Nacional, 36, 352, Divisão de Estudos e Pesquisas da Funai,
406n, 438n 239
Diário Oficial da União, 50 Divisão de Segurança e Informação ver dsi

491

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Divisão de Vias de Transporte do Exército, Eduardo (índio), 288, 297
140 Egito, José Ubiraci do, 120
Djalma (índio), 284-5 Eid, Calim, 356
Djavan (cantor), 394 Eirunepé (am), 362
dner (Departamento Nacional de Estradas eit (empreiteira), 93, 179
de Rodagem), 49, 87, 140, 347, 422n eleições indiretas (1984), 355
dnpm (Departamento Nacional de Produ- Eletronorte, 309, 388
ção Mineral), 189, 428n Elf Acquitaine (empresa francesa), 359-60
Doce, rio, 75, 82 Elisa (mulher de Marçal) ver Vilharva,
Docegeo (subsidiária da Vale do Rio Doce), Elisa
326, 449n Elita (índia), 82
doenças e epidemias, 9, 16-7, 19-21, 27-8, emancipação de indígenas, 303-8, 310, 339,
30-1, 34, 38, 40, 42, 54-6, 58-61, 66-8, 71- 341, 351, 470
2, 75, 79, 83, 88-9, 95, 98-104, 111, 113, 116, Eme, posto indígena ver Guido Marlière,
119, 125-6, 128, 131, 133, 137, 150, 153, 169, posto indígena (mg)
174-5, 180, 184-8, 190-1, 206-7, 214, 221, Empresa de Mineração Badin Ltda., 85
241, 257, 262-3, 272-3, 276-7, 287, 315, empresários, 25-6, 194, 203, 389
318, 321, 327, 335, 342, 358, 384, 386, 388, Encarnação, Hermogêneo, coronel, 63
392-3, 428n “encarnação” (não indígenas vivendo como
Dois de Ouro, Fazenda (ms), 364 índios), 240, 260
Dops (Departamento de Ordem Política e enfermeiros/auxiliar de enfermagem, 16,
Social), 325 22, 41-3, 60, 70, 89, 108-9, 137, 181, 185,
Dörinsgstadt (Alemanha), 253 220, 248-9, 269, 315, 318, 354, 372, 391,
Dornstauder, João, padre, 300-1 460n
Dorvalino Felisberto (índio), 279 epidemias ver doenças e epidemias
Dourados (ms), 11, 12, 259, 275-81, 289, epilepsia, 212
292-3, 296, 324, 363, 367, 371-2, 378, 380, Equador, linha do, 167
441-4n, 456-7n Erea’i/Maria Madalena (índia), 125-6
dpt (Departamento de Proteção Territo- Erebê’uá, cacique, 30
rial), 12 erva-mate, 276, 290
dsi (Divisão de Segurança e Informação), escabiose, 184
84, 146, 353-4, 449-51n, 454n Escalante, Argemiro (índio), 367
Duarte, Eraldo Almeida, 374 Escola de Comunicações e Artes (eca—
Duarte, Luiz Humberto Apolinário (Sa- usp), 225
terê), 145-6 Escola Militar do Realengo, 62
Dutra, Antônio Lisboa (Mano Velho), 112, Escola Superior de Guerra, 25-6, 87
118, 418n escravidão indígena, 24, 70, 125, 239, 284,
Dutra, Carlos Alberto dos Santos (Carlito), 300
293-6, 302, 443n esmolas, índios pedindo, 11, 134, 223-4
Espadilha, Fazenda (mt), 329
ecologia, 180, 210, 357, 387 espancamento de indígenas, 40-1, 74, 77,
ecossistema, 210, 212 206, 242-3, 249, 280-1, 284, 369
Edina (filha de Marçal), 280-1, 378, 442-3n espingardas, 52, 108, 110, 116, 119, 121, 123,

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131, 148-9, 198, 223, 264, 275, 301, 313, Exército brasileiro, 23-4, 32-3, 36, 44-5, 51,
316, 329 62, 72, 74, 84-5, 95, 128, 130-1, 136, 140,
Espírito Santo, 75, 271 142, 145-6, 148, 151-3, 156-7, 160-1, 163,
esqueletos/ossadas de indígenas, 58, 115-6, 165-6, 170-1, 173-4, 183, 192, 199, 223, 232,
120, 123 254-5, 267, 270, 272, 293, 302, 310, 316,
esquerda política, 13, 69, 74, 230, 233, 255, 318-9, 325, 339, 341, 345-6, 357-8, 388-9,
310, 349 393, 403n, 423n, 425n, 434n, 436n
Estado brasileiro, 11-2, 53, 56, 105, 167, 177, Exércitos aliados (Segunda Guerra Mun-
199, 207, 215, 219, 230, 240, 276, 303, 315, dial), 107
382-3 Expedição Roncador-Xingu, 215
Estado de S. Paulo, O, 86-8, 105, 126, 158, Expedição Xavantina-Cachimbo, 213
223, 236, 270, 287, 307, 311, 402-3n, Expresso Xavante (ônibus), 246
405-7n, 409-12n, 415n, 419-20n, 422-5n, extinção de grupos indígenas, 12, 28, 66,
429n, 432n, 434-7n, 441-3n, 445-7n, 450- 77, 125, 182, 209, 214, 254, 287, 295, 329,
5n, 458-60n 403n, 448n
Estado-Maior das Forças Armadas, 87, 386, extrativas, indústrias, 64, 125, 191, 308, 317
460n
Estados Unidos, 30, 47, 69, 229, 303, 307, fab (Força Aérea Brasileira), 29, 33, 43, 51,
310, 355, 427-9n 72, 84, 127, 161, 180, 189, 192, 216-7, 220,
estanho, 190 224, 240, 248-9, 272, 335, 392
Estatuto do Índio, 81, 101, 135, 138, 233, 309, facas, 49, 64, 96, 110, 141, 329
367, 382-3, 387, 434n “facas” (trabalhadores braçais nos serin-
Estêvão (cunhado de Afonsinho), 18 gais), 107; ver também seringueiros
Estigarríbia, major, 135 facões, 19, 45, 64, 96-7, 110, 123, 141, 144,
Estirão do Equador (am), 357 300, 301, 312, 329, 331
Estrada de Ferro Leopoldina, 36 Faculdade de Enfermagem São José (São
etnias indígenas, 10, 28, 47, 62, 65, 69, 77, Paulo), 249
80, 83, 87-8, 91, 103, 107, 110-1, 126, 128-9, Fagundes, João Batista, coronel, 173
169-70, 183, 195, 210, 214-5, 239-41, 282, Falcão, Armando, 256
295, 299, 326, 348, 357, 390-1, 394, 420n Falheiros, Áureo, 383
etnocídio, 12, 230, 340; ver também geno- faringite, 187
cídio farinha de mandioca, 40, 72, 125
etnologia, 222, 442n Farinha, Geraldo, 217
etnólogos, 67-9, 80, 83, 100, 124-5, 226, 286, farmácias, 17, 68, 288, 391
302, 412n Fatos e Fotos (revista), 54, 56-7
Eunice (filha de Marçal) ver Gonçalves, fauna, 164, 180, 359-60
Eunice Silva Souza Faustina (índia), 360
Europa, 61, 107, 348 favelas, 237
evangélicas, missões, 47-8, 69, 180, 182, “Favelinha”, região da (Campo Grande), 274
192, 205, 207, 209, 227, 241, 243, 276, Fazenda Azul (mt), 133
278, 431n fazendas, 13, 23, 26-31, 38, 39, 69, 79, 81, 120,
Evaristo (servidor), 148-9 183, 203, 208, 211-2, 232, 236, 239, 246,
Executivo, Poder, 394 252-3, 276, 280, 286, 288, 291, 294, 296,

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Fuzis e as flechas 4A PROVA - FINAL.indd 493 27/02/17 09:34


299, 301, 308, 327-9, 331, 335, 364-6, 368- 116, 119-21, 123-4, 127, 129, 148-9, 151, 157,
71, 374-5, 386, 390, 404n 170-1, 265, 316-7, 359, 380, 409n, 418n;
fazendeiros, 9, 28, 31, 34-5, 64, 76-80, 131, ver também arcos e flechas
133, 164, 183, 194, 203, 208-9, 211, 223, Flexal, maloca (rr), 183
231, 246, 251-4, 289, 291, 294-6, 299, 304, flora, 180, 359-60
309, 311, 327, 329, 335-6, 345-6, 352, 363- Flores, Clodomiro Fortes, general, 208,
70, 372, 376, 387 440n
fbc (Fundação Brasil Central), 216-8, 271-2 fogos de artifício (para afugentar indíge-
febre amarela, 18, 89, 319 nas), 63, 152, 195
febres palustres, 311 foices, 64, 108
Federação do Comércio de Pernambuco, Folha de S.Paulo, 85-6, 186, 205, 224, 271,
46 321, 326, 412n, 415n, 419-20n, 422-5n,
feijão, 86, 130, 276, 292, 294, 335 428n, 430-2n, 434n, 436-43n, 445n, 448-
Feijó (ac), 261 9n, 452-6n
felinos, 110, 143 fome, 9, 16, 18, 29, 32-3, 42, 59, 73, 86, 111,
Feliz (rs), 228 114-5, 158, 165, 185, 188, 208, 220, 275,
Ferraz, Iara, 30, 308, 405n, 425n 277, 288, 337, 363
Ferreira Filho, José Baptista, 39, 40 Fonseca, Deodoro da, marechal, 23, 403n
Ferreira, Amaro Barbeitas, coronel, 365-6, Fonseca, Jurandy Marcos da, 355
368, 389 Fontes, Benamour, 338
Ferreira, Costa, coronel, 354 Fontes, Telésforo Martins, 13-5, 78-9, 91
Ferreira, Ivan Lima (índio), 156 Força Aérea Brasileira ver fab
Ferreira, Juracy, 39-1 Fortaleza, aldeia (am), 360
Ferreira, Manoel Mariano, 53 Foz do Iguaçu (pa), 298
fiação, índios dominando a arte da, 111 França, 61, 246, 410n
Figueiredo, Antonio, 380 Francisco Nélson, 54
Figueiredo, Gilberto Pinto, 50, 140-3, 145- Franco, Itamar, 10
9, 152-62, 165-9, 176, 408n, 423n, 425n Fraternidade Indígena, posto (mt), 40
Figueiredo, Jáder de ver Correia, Jáder de Frederico Westphalen (rs), 255
Figueiredo freiras, 181, 259
Figueiredo, João Baptista, general, 267-8, Freire, Carlos Augusto da Rocha, 341-2,
308, 339, 352, 355 402-3n, 410n, 417n
Figueiredo, Wellington, 317, 321, 418n Freire, José Ribamar Bessa, 262, 439n
figurantes de telenovela, índios como, 309 Freitas, Chagas, 178
fim da ditadura militar, 27, 84, 131, 315, 355, fubá, mingau de, 318
382-3 Fulni-ô, índios, 83
Finlândia, 205 Funai (Fundação Nacional do Índio), 9, 12,
Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas 14, 17-21, 30, 38, 45, 47-75, 77-85, 87-98,
Econômicas), 212 100-26, 128-38, 140-3, 145-61, 163-9, 173-
Firmo, Sebastião, 166 8, 180-215, 219-28, 233, 236-7, 239-44,
Firmo, Walter, 54-5, 57 248-9, 252-72, 274-6, 278-95, 297-8, 300-
flautas indígenas, 49, 97, 118, 180, 218 1, 303-6, 308-22, 324-55, 357-70, 382-6,
flechas/flechadas, 18, 33, 43, 50-2, 109-10, 388, 391-3, 472

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Fuzis e as flechas 4A PROVA - FINAL.indd 494 27/02/17 09:34


“Funai/Missões Religiosas” (seminários), Geisel, Ernesto, general, 166, 207, 222, 250,
243, 304 252, 308, 345
funcionários públicos ver servidores pú- Genebra, 72, 433n
blicos Gênesis abreviado (publicação do sil), 70
Fundação Brasil Central ver fbc genocídio, 9, 46, 68-9, 71, 77, 212, 230, 262,
Fundação Instituto de Pesquisas Econô- 340, 426n; ver também etnocídio; mas-
micas ver Fipe sacres de indígenas
futebol, 86, 240, 264 “Genocídio do povo waimiri-atroari, O”
fuzis, 163, 170 (relatório de 2012), 174
genocídio , 9
Gabinete Civil da Presidência da Repúbli- Genoveva, irmã, 228
ca, 326 Gentil (índio), 364
gado, 26, 31-2, 64, 66, 183, 209, 212, 252, Geopolítica do Brasil (Couto e Silva), 25,
289, 346, 370 403n
Gaiger, Julio, 293 Gerhardt, Elomar, 275, 285, 441n
Galdino, João (índio), 283 Giaccaria, Bartolomeo, padre, 27, 30, 404-
Galdino, José (índio), 275 5n
Galera, índios, 208-9 “gigantes”, índios, 43, 127, 138
Galibi, índios, 240, 257 “Gleba Iriri” (rs), 139
Galibi, posto indígena (ap), 258 Globo, O (jornal), 31, 46, 56, 65, 87, 129, 165,
Galli, Carlos, padre, 219 179, 196, 217, 263-5, 328, 347, 405-7n,
Galvão, Eduardo, 217 409n, 412n, 415n, 419-25n, 428-33n,
Gama e Silva, Luís Antônio da, 46 437n, 439-40n, 444-6n, 448-9n, 451-5n
Gamarra, Rômulo (“Paraguaio”), 366, 368- Goiânia, 234, 239, 248, 326
9, 373, 375-6, 378-9 Goiás, 24-5, 38, 65, 74, 84, 143, 255, 272, 386
Gameleira (pe), 62 golpe militar (1964), 9-11, 13, 18, 20, 23, 25,
Gameleira, Fazenda (mt), 252 33-4, 36-7, 46-7, 84-5, 137, 147, 207, 233,
Gamelon, Simone Dreyfus, 360 242, 302, 326, 349, 393, 432n
Garcia, José Horácio da Cunha, general, Gomes, Eduardo, brigadeiro, 29
233 Gomes, Gilberto, 390
Garganta do Índio, região da (am), 181 Gomes, Hércio, coronel, 354
garimpos/garimpeiros, 9, 28, 143, 169, 177, Gomes, João (índio guarani), 283
187, 190-3, 206, 263, 328, 384, 387-8, 392, Gomes, João Batista (João Bugre), 373
428n Gomes, Jorge, cacique, 367
gás lacrimogêneo, bombas de, 129, 165 Gomes, Mércio, 31
gás natural, 357, 359 Gomes, Mércio Pereira, 31, 307, 310-5, 390,
“gateiros” (caçadores de felinos), 110, 114, 405n, 446-7n
119, 122 Gomes, Oscar, 195
“Gaúcho” (funcionário de Líbero) ver Cos- Gomes, Severo, 42
ta, Paulo Ronaldo Dourado Gonçalves, Aldeir Bório, 375-6
Gavião, índios, 64, 72, 91, 227, 265-6, 308 Gonçalves, Eunice Silva Souza (filha de
gaviões, 93 Marçal), 280, 367
Geí (índio), 313 Göricke, bicicleta, 275

495

Fuzis e as flechas 4A PROVA - FINAL.indd 495 27/02/17 09:34


Gorla, Maximiliano, 208 Guajará, rio, 15
Gorotire, índios, 15, 328 Guajará-Mirim (ro), 16-7, 34, 63, 274
Goulart, João, 9, 13, 17, 25, 34, 46-7, 69, 155, Guanabara, antigo estado da, 60, 83, 178, 237
213, 242, 295, 302 Guarani, Fazenda (prisão indígena em
governo militar, 9-10, 13, 15, 23, 31, 34-5, 39, Carmésia, mg), 77-8, 82-3
50, 66, 68, 86-7, 105, 110, 138, 184, 187-8, guarani, idioma, 297, 367, 371-2
191, 193, 200, 206, 230, 235, 274, 283, 297, Guarani, índios, 11, 42, 80, 215, 224, 275-7,
308, 315, 349, 392-5; ver também ditadu- 279-83, 287, 291, 296-9, 305, 324, 326,
ra militar (1964-85) 366, 368, 370-2, 374, 379-80, 394, 441-2n,
Graham, Laura R., 349, 452n 444n, 457n
Grajaú (ma), 285, 311 Guarani-kaiowá, índios, 276, 290, 371; ver
granadas, 152, 165 também Kaiowá, índios
“Grande Lago Amazônico”, projeto militar Guarani-ñandeva, índios, 276, 291
do, 25 Guarda Rural Indígena ver Grin
Granja (ce), 147 Guarita, posto indígena (rs), 42, 139
Grechi, Moacir, bispo, 259 Guasuty, área indígena (ms), 280
Greenhalgh, Luiz Eduardo, 379 Guatemala, 69
Gregório (índio), 283 Guerra do Paraguai, 364
greve dos metalúrgicos (abc Paulista), 325 Guerra Fria, 270
Grilagem do cabeça, A (peça de teatro), 262 guerras intertribais, 180, 385
grilagem/grileiros, 260, 283, 289, 307 guerreiros, índios, 17-8, 32, 75, 110, 129, 166,
Grin (Guarda Rural Indígena), 73-5, 77-8, 182, 200, 217, 328, 335
80, 83-4, 472 guerrilha do Araguaia, 160, 164
grins, índios transformados em, 74 guerrilhas, 13, 43, 270
gripe, 15-7, 19, 21, 32, 42, 54-60, 66, 71-2, 83, guerrilheiros, 13, 43, 161, 164-5
93-5, 99, 101, 104, 109, 112, 118, 129, 131, Guevara, Che, 43-4, 270, 301
133-4, 137, 181, 183, 187-8, 190-1, 210, 220, Guiana, 143
263, 265, 313-5, 318, 321-2, 335, 358, 391 Guido (índio), 335
Grito, O (quadro de Munch), 117 Guido Marlière, posto indígena (mg), 75-6
Grünewald, Augusto Rademaker, vice-al- Guimarães, Walber, 352-3
mirante, 34 Guiratinga (mt), 240
Grupo de Trabalho Internacional para Gutiérrez Merino, Gustavo, padre, 293
Assuntos Indígenas ver iwgia
Grupo de Trabalho para Integração da Hã-hã-hãe, índios, 78, 390; ver também
Amazônia, 87 Pataxó, índios
Grupos de Trabalho da Funai, 131 Hahaintesu, índios, 209-10
Guaharibo, índios, 180; ver também Yano- Halotésú, índios, 205
mami, índios Handbury-Tenison, Robin, 224
Guaimbé, área indígena de (ms), 291-2, Hausen, Ivan Zanoni, coronel, 322, 341-2,
444n 351, 389
Guajá, índios, 312-5, 390, 447n Heelas, Richard, 137, 422n
Guajajara, índios, 275, 283-4, 310-2, 340-1, helicópteros, 44, 50, 51, 68, 71, 92, 123, 129,
390 161, 164, 187, 362, 394, 419n

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Hemming, John, 10, 127, 411n, 420n Ikpeng, índios, 28, 33, 37
hepatites, 187, 229 ilha das Cobras, presídio de (Rio de Janei-
Hercules C-130 (aviões), 161 ro), 302
Heringer Filho, Ezequias Paulo (Xará), 131- Ilha do Bananal (to), 71, 74, 77, 84, 199, 219,
2, 326, 389 248
herpes, 191 imperialismo, 161, 229, 270
hidrelétricas, usinas, 103, 117, 296-8, 301, Imposto de Renda, 25, 86
385, 388, 393, 461n imprensa, 23, 33, 42, 46, 50, 53, 59-60, 84-9,
Hino Nacional, 83, 214 95, 101, 105, 120-2, 126-7, 132-3, 145, 157,
Histórias do Velho Testamento (publicação 165-9, 175, 195, 208, 214-5, 219-20, 222,
do sil), 70 225, 230, 232, 234-6, 238, 242, 244-5,
Holanda, 347-8 251-4, 262-3, 268-9, 274, 279, 282, 303,
homossexualismo, indígenas e, 75, 131-2 305-7, 311, 315, 322, 327, 339-41, 345, 349,
Hospital do Índio do Parque Indígena do 358, 360, 366, 373, 375, 377, 381-2, 425n,
Araguaia, 248-9 434n, 445n, 452n; ver também mídia
Hospital Getúlio Vargas (Manaus), 149 inanição, mortes de indígenas por, 40,
Hotel Rex (Teófilo Otoni), 32 314-5
Humaitá (am), 124, 126, 392 “incapazes”, índios como legalmente, 11
incentivos fiscais, 26, 202
Iaco, rio, 380 Incra (Instituto Nacional de Colonização e
Iakil (índio), 133 Reforma Agrária), 119, 122, 138, 203, 267,
Iasi Júnior, Antônio, padre, 58-9, 228-30, 276, 285, 298, 308, 316, 318, 331, 365, 419n
232, 234-6, 238-9, 252, 254-6, 261-2, 307, Indian Rights Association (organização
434n norte-americana), 307, 446n
ibge (Instituto Brasileiro de Geografia e “indianismo” romântico, 235
Estatística), 10, 391, 402n, 418n, 460n indigenismo, 65, 85, 87, 135, 147, 196, 199,
Ibirama, posto indígena de (sc), 242 213-4, 221, 313, 339, 341, 418n
Içana (am), 179 indigenistas, 10, 12, 21, 27, 31, 45, 55, 64,
Ichara (índio), 269 70-1, 77, 82, 87, 94, 105, 123, 131, 135, 138,
Icomi (firma de extração mineral), 191 145, 148, 150, 153, 155, 157-60, 166, 168,
idosos indígenas, 55, 58, 104, 109, 114, 212, 175, 180, 195, 199, 222, 224, 226, 233, 235,
276, 313-4, 391 238, 240, 246, 255, 261, 263, 271, 303,
igarapés, 51, 64-5, 109-10, 115-6, 146, 148, 305, 309-10, 312, 315, 321, 326, 328, 333,
194, 313-5, 322, 338, 359-60, 362, 380, 335-6, 338-41, 350, 356, 358, 365, 380-1,
447n 385-6, 388-90, 392-3, 416-7n, 421n, 425n
Igreja Católica, 29, 34, 48, 96, 108, 126, 180, Índios e a civilização, Os (Darcy Ribeiro),
207, 227-34, 250, 253, 255, 258-60, 291-4, 295, 302, 426n, 444n
306, 311, 329, 334, 367, 433-4n, 438n “indolentes”, falsa imagem de índios como,
Igreja Presbiteriana ver presbiterianos, 94
missionários infecção estomacal, 185
Ihering, Hermann von, 176 Inglaterra, 264, 427-9n
Ijuí (rs), 255 Inhacorá (rs), 139, 242
Ikarawadjá (índio), 313 Instituto Anthropos (Brasília), 232-3

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Instituto Bíblico Eduardo Lane (Patrocí- Itanhém (ba), 75
nio), 277 Itaporanga, Companhia Melhorança Colo-
Instituto de Educação do Ceará, 37 nizadora, 266-8, 440n
Instituto Goiano de Pré-História e Antro- Itaquaí, rio, 361
pologia (puc de Goiás), 65 Itático (índio), 82
Instituto Justiça e Paz (São Paulo), 228 Ituí, rio, 194, 197, 338
Instituto Nacional de Criminalística (Bra- Ivã (índio) ver Ferreira, Ivan Lima
sília), 375, 458-9n iwgia (International Work Group for Indi-
Instituto Socioambiental ver isa genous Affairs), 67, 411n
instrumentos musicais indígenas, 49; ver
também música indígena jabuti, 97, 113, 182, 317
“integração” do índio à sociedade nacio- Jacaré, posto/área indígena de (ms), 216,
nal, 9, 11, 38, 47, 69, 128, 137, 153, 178, 232, 291-2, 444n
236, 272, 274, 303-5, 353, 382-4, 387; ver Jacareacanga (pa), 43-4, 407n
também “aculturação” de indígenas jacarés, 52
International Work Group for Indigenous Jacinto Ireno (índio), 366
Affairs ver iwgia
Jacutinga (mg), 165, 298
internet, discriminação de indígenas na,
Jacutinga, rio, 298
394
Jaminauá, índios, 380
ipecacuanha (raiz-do-brasil), 40
“Jandeavis”, índios, 101; ver também Asuri-
Ipegue, aldeia de (atual ms), 304
ni, índios
Ipiaçaba, rio, 96, 416n
Jandiatuba, rio, 359, 454n
Ipixuna, rio, 97, 110, 112-4, 116, 118, 418n
Jaraucu, rio, 119
ipms (Inquéritos Policiais Militares), 34
Jarina, área indígena (mt), 327-8
Irabi’tô (índio), 117-8
jatobá, 118
Irantxe, índios, 239-40
Jatobá, rio, 28
Ire’Pa, aldeia (mt), 28
Iriri, rio, 15, 18, 44, 107, 127, 138, 422n, 473 Jauaperi, rio, 49
Irmandade da Cruz, 48 Javari, rio, 195, 222, 358; ver também Vale
Irmãzinhas de Jesus, Fraternidade das, 228 do Javari (am)
isa (Instituto Socioambiental), 12, 114, 392 jenipapo, 15, 118
Isarita (menino índia), 360 Jentel, François Jacques, padre, 244-6,
isolados, índios, 38, 43, 45, 87, 90, 97, 108, 248, 259
128, 194-5, 222, 274, 306, 312, 359, 361, Jequitinhonha (mg), 75
383-6, 429n jesuítas, 228-9, 246, 299
Itacoaí, rio, 194-5, 200, 454n Jesus Cristo, 69, 231, 251
Itaipu Binacional, usina hidrelétrica (Bra- Jesus Cristo libertador (Boff ), 293
sil — Paraguai), 297-8, 444n Jiahui, índios, 124-6
Itaituba (pa), 120, 124, 222, 418-9n Ji-Paraná (ro), 66, 267-8
Itakaiúna (índio), 14-5 jiraus, 180
Itália, 48, 219, 234, 238, 252, 257, 311 João (índio), 210
Italvino (altamirense), 320 João Bosco (menino índio), 125
Itamaraty, 204, 236 João Bugre (índio detido no Krenak), 75

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João Bugre (morador de Campestre) ver Kadiwéu, índios, 236, 278, 289-92, 297, 305
Gomes, João Batista Kadiwéu, terra/“fazenda” (mt), 38, 293
João Caboré ver Kawiré Imán Kaingangue, índios, 41-2, 76, 176, 236, 241,
João Paulo ii, papa, 365, 463 256, 292, 305, 307, 330, 332, 340-1
João Pessoa, 87 Kaiowá, índios, 83, 276, 279, 287, 291-2,
João Rogério (organizador de “correrias”), 305, 364-7, 369, 390, 444n; ver também
108 Guarani-kaiowá, índios
João Tuchaua (índio), 221-2 Kairá (índio adolescente), 60-1
João vi, d., 24 Kajkwakratxi, índios, 53; ver também Ta-
Joaquim Grande (índio), 77 payuna, índios
Joel Marcos, 249 Kamayurá, índios, 108-9, 213, 217-8
Jornal do Brasil, 54, 56-7, 101, 226, 307, 356, Kanamari, índio, 222
412n, 423n, 425n, 433n, 437n, 439-41n, Kanela, índios, 283
446n, 448-9n, 452-4n Kanhú/“Canhoto”, cacique, 329
jornalistas, 11, 45-6, 54-8, 60-1, 63, 72, 75, Karaí, índios, 313-4
84, 89, 92, 105, 124, 129-30, 132-3, 158, Karajá, índios, 59, 74, 83, 87, 199, 219, 232,
161, 166, 196, 206, 213-4, 217, 222, 224, 248-9, 283
226, 237, 243, 255, 262-6, 270, 273, 287, Kararaô, índios, 14-6, 18-21, 37, 44, 56, 63,
320, 326, 328, 345-6, 349, 389, 402n, 410- 89, 91, 93, 95-6, 101-2, 107-9, 119, 121, 170,
1n, 426n, 434n, 437n, 441n 403n
José Alfredo (índio), 76-7 Karayvah Txicão (índio), 318
José Bute (índio), 82 Karimé, índios, 180; ver também Yanoma-
José Davi (fazendeiro), 251 mi, índios
José i, d., 233 Karipuna, índios, 183, 220, 240, 257-8, 282
Josué (índio), 354 Karol (índio), 283
Juara (mt), 299, 301 Katditaunlhú, índios, 205
Jubará (pa), 44 Katrimaui, rio, 187
Jucurucu (ba), 75 Kawahiva, índios, 124
judeus, 77 kawêrêtxikô, aldeia (Xingu), 58
Judiciário, Poder, 199, 348, 378, 389-90, 394 Kawiré Imán/João Caboré (índio), 311
Juína, rio, 210 Kaxinawa, índios, 240, 337
Juiz de Fora (mg), 246 Kayabi, índios, 28-9, 33, 37, 87, 137, 239-40,
Julião, Francisco, 13 299-300, 305, 404-5n
Jundiá (rr), 186 Kayapó, índios, 14-5, 18-21, 43, 63, 89, 99-
Junqueira, Carmen, 305, 307, 334, 412n 100, 107-8, 111, 127-8, 137, 283, 322, 327-9,
Juruá, área indígena de (ma), 285 334, 473
Juruá, rio, 72, 262, 359 Kennedy, Edward, 303, 445n
Juruena, rio, 53 Kesselring, Adolpho Kilian, 192
Juruna, índios, 87 Khôkhôtxi (índia), 58
Juruna, Mário, 324, 344-56, 359, 363, 389, Kingston, Peter, 211
451-2n, 471 Kitaunlhú, índios, 205
Jutaí, rio, 359 Knhonk (índio), 283
Knunem, Kirsi, 205

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Koatinemo, posto indígena (pa), 100, 417n Lei de Acesso à Informação, 422-3n, 425n,
Koi (índio), 297 428-9n
Kokama, índios, 359 Lei de Segurança Nacional, 366, 388
Kopenawa, Davi (índio), 181 leishmaniose, 229, 313
Kopre (índio), 327 Leitão, Gil Gomes, frei, 164, 227, 235, 433n
Korocokó, aldeia (mt), 134 Leite, Domingos Maia, padre, 235
Korubo, índios, 194-8, 200-1, 221, 361 Leitz, Teodardo, d., 259, 296
Kosinski, Izidoro, bispo, 294 lendas indígenas ver mitos e lendas indí-
Kraô, índios, 73-4 genas
Krempi (índio), 134 Leni (filha de Marçal), 280
Krenak, “reformatório” indígena (Resplen- Leonardo Villas Bôas, posto indígena (Xin-
dor, mg), 73, 75, 78, 81-3, 412n gu), 137
Krenak, índios, 32, 75-8, 82-3, 336, 340 Lessa, Orígenes, 276-7, 442n
Krenakarore, índios, 43, 87, 130, 137, 346, Levay, Alípio, 315, 447n
465, 466 Lévi-Strauss, Claude, 206, 430n
Kretã, Ângelo, cacique, 330-2, 363 Liandes, Roni (índio), 291-2
Ligas Camponesas, 13
Kretã, Romancio (filho de Ângelo), 332
Ligeiro (rs), 139
Kretire, aldeia (mt), 137, 327
Lignose, pistola, 252
Kruel, Amaury, general, 47, 408n
Lima, Acrísio, 265-6
Kubenkankrei, aldeia de (pa), 89, 473
Lima, Archimedes, 217
Kubitschek, Juscelino, 206
Lima, Ary Luz, 197
Kuluene, posto indígena (mt), 216-7
Lima, Astúrio de, 363, 365-6, 369, 456n
Kumarumã, aldeia do (ap), 257
Lima, Daniela Batista de, 58, 409n
Kutamapù, cacique, 218
Lima, Líbero Monteiro de, 363-70, 374-6,
Kyarasàr (índio), 134
378-9, 455-6n
Lima, Manoel, 158
Labiak, Araci, 359, 454n Lima, Otávio Moreira Ferreira, 355
Laboratório Beta-Atalaia, 347 Lima, Raul, 183
lago de Itaipu, 297-8 limas (ferramentas), 144
Lago Grande, maloca (rr), 183 línguas indígenas, 27, 52, 61, 69-70, 96, 108,
Laguna Carapã (ms), 290 111, 117, 141, 143, 178, 180, 185, 209, 239,
Lalico (menino índio), 40 240, 257, 286-7, 358, 394, 418n, 427n
Lasa Engenharia e Prospecção, 359 linguistas, 47, 70, 83, 427n; ver também sil
látex, produção de ver borracha/látex, (Summer Institute of Linguistics)
produção de linhas telegráficas, 24, 206
latifúndios/latifundiários, 231-2, 235, 260 Lisboa, 46
Leal, Altevir, 338 Lisboa, Tomás, padre, 235, 239, 240, 435n
Leal, José Carlos, 332 Lísio (índio), 354
Leal, Paulo Moreira, coronel, 190, 220, 344, Livros de cantos (publicação do sil), 70
351-5, 357, 368, 426n, 428n, 453n Lobo D’Almada (rr), 186
Leão, José (índio), 283 Lombardi, Bruna, 309
Lei Dawes (eua — 1887), 307 Londres, 295

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Londrina (pr), 256 Magalhães, Juracy, 78, 297
Lontra, rio, 91-3, 391 Maharishi Mahesh Yogi, guru, 54
Lopes, Celestino (índio), 283-5, 443n “Maharishi” (índio), 54
Lopes, Joaquim Pessoa Igrejas, coronel, Maia (madeireira), 242
237 Maia, Celso, 142-3, 145-6
Lopes, Luiz Carlos, 287 maku, língua, 358
Lopes, Marta Maria, 340 Makuxi, índios, 183-4, 259
Lopes, Saul Carvalho, major, 152, 389 malária, 18, 66, 70, 72, 97, 99-100, 103-4, 112,
Lopes, Valdênio, 89, 110 114, 137, 142, 144, 181, 183, 185, 187-8, 191,
Lorena (sp), 272 206, 210-1, 229, 241, 262-3, 310, 315, 358,
Lorscheider, Aloísio, bispo, 234 391, 393
Lorscheiter, Ivo, bispo, 234-5 Malcher, José Maria da Gama, 50, 63, 82,
Lua, pouso do homem na, 54 408n, 410n
Lucas, Isa, 194 Maldaner, Bruno, bispo, 255
Lucena, Augusto, 265 malocas, 14, 17-9, 49-52, 56, 58, 63, 90, 92-4,
Lucena, Eliana, 63, 105, 270, 402n, 410-1n 96-7, 109, 119-20, 141-5, 149, 162, 167-9,
Lucena, Fábio, 254
180-3, 185-6, 188, 192, 211, 362, 395
Lucia, Sinebaldo José de, 290
Maluá (índio), 283
Luciara (mt), 232, 244-5, 327, 436n
Maluaré (índio), 283
Luís xiii, rei da França, 61
Maluf, Paulo, 355-6
Lukesch, Anton, monsenhor, 96-9, 416n
Mamaindé, índios, 205, 208
Lukesch, Karl, padre, 96-9, 416n
mamão, 40, 110, 118
Lula ver Silva, Luiz Inácio Lula da
Mamimpa/“Zacarias” (índio), 221
Lunkenbein, Rudolf, padre, 239, 251-4, 259,
Manairissu, posto indígena (mt), 211
437n
Manaus, 23, 25, 48-51, 136, 140-1, 143, 145-6,
Lusíadas, Os (Camões), 159, 236
149, 151-6, 158, 160, 163, 165-6, 172, 174-5,
Luz, Acyr Ávila da, 189
179, 192-4, 197, 199, 222, 243, 254-5, 262,
macacos, 52, 118, 121, 164, 195, 294 333, 338, 360, 365, 388
Macapá, 179, 240, 257-8 Manaus-Boa Vista, rodovia ver br-174,
Macapá-Içana, rodovia ver br-210, rodovia rodovia
Macedo, Antonio Luiz Batista de, 338 mandioca, 11, 49, 52, 94, 97, 112, 118, 180,
Maceió, 13, 15, 105-6, 388 276, 335
Machacalis (mg), 76 Mangueirinha, aldeia (pr), 330-1
Machado, Ramão (índio), 278-81 Manitsauá-Missu, rio, 214
machados, 19, 45, 64, 96, 108, 110, 123, 125, maniva (talo do pé de mandioca), 94
143, 300, 312 Mano Velho ver Dutra, Antônio Lisboa
maconha, 83, 283-6 Manoel Wai-Wai (índio), 318
Macuxi, índios, 222 mantimentos ver alimentos/alimentação
Madalena Tenharim (índia), 126 Mao Tsé-tung, 270
madeireiros, 9, 177, 194, 241, 330-1, 338, 384 Marabá (pa), 235, 391, 460n
Mãe Maria, aldeia de (pa), 72, 309 Marabuto, Nelson, 355, 362
Mafra, Abelardo Alvarenga, 17 maracá, 49

501

Fuzis e as flechas 4A PROVA - FINAL.indd 501 27/02/17 09:34


Marãiwetsede, aldeia de (mt), 26, 29-31, 33, Massacre (Sabatini), 170
37, 335, 392 massacres de indígenas, 9, 16, 24, 33, 49,
Maranhão, 84, 86, 150, 189, 275, 283, 310-1, 54, 71-2, 108, 124, 196, 334, 336; ver tam-
315, 386, 390 bém genocídio
Marçal (índio) ver Souza, Marçal de (Tupã- Matarazzo, família, 306
-I) mateiros, 52, 89, 114, 131, 146, 162, 319
Marçal de Souza, Tupã’I (vídeo), 455n Matis, índios, 390
Marçal de Souza, Tupã’I: Um Guarani que Mato Grosso, 11-2, 23-7, 34-5, 38-9, 53-4,
não se cala (Tetila), 441n 63, 65, 69, 72, 135-6, 139, 169, 202-3, 205,
Marcel (índio), 354 207, 213, 225, 228-9, 231, 234, 239, 242,
Marcelo (menino índio), 181, 388 244, 246, 250, 252, 254-5, 266-7, 276,
Marcos, Domingos Veríssimo, 325 286-7, 291, 295, 299, 327, 334-5, 344, 364,
Maria (índia nambikwara), 211 386, 389, 392, 394
Maria (índia waikisu), 210 Mato Grosso do Sul, 11, 275-6, 292-3, 296,
Maria (mãe de Gilberto Figueiredo), 158 299, 324, 371, 378, 390, 441n, 444n, 457n
Maria Kururu’i (índia), 125 Matte Larangeira, Companhia, 290
Maria Madalena (índia) ver Erea’i Maturacá (am), 219-20
Mariano de Oliveira, posto indígena (mg), Mavirá (índia), 216-9, 223
32, 405n Maxacali, índios, 31-3, 73-4, 76-7, 83
Marília (sp), 287 Mayalu (filha de Mavirá e Leonardo Villas
Marinha brasileira, 302 Bôas), 216, 218-9
Mariz, Alceu Cotia, 366, 368-9 Mayongong, índios, 193
Marlière, Guido, 76 Mayoruna, índios, 195, 222
Marmelos, aldeia (am), 125 mcb (Missão Cristã Brasileira), 209-10
Marmelos, rio, 124-5 mdb (Movimento Democrático Brasileiro),
Maroaga, cacique (tuxaua), 52, 141-2, 154, 37, 88, 254, 274, 326, 330, 353, 384, 406n
157, 162, 165-6, 169, 283, 424n Meanô (índio), 114-5
Maronau, aldeia (am), 221-2 Medalha de Mérito Indigenista da Funai,
Marques, Alonso, 107 158
Marques, Benigno Pessoa, 107-13, 118, 120- Medeiros, Antônio Fernandes, 95
2, 328-9, 416-9n Medeiros, Guilhermina Borges de, 42
Marquetti (firma de palmito), 242 medicamentos, 15-7, 20, 22, 31, 42, 58, 61,
Martinho da Vila, 178, 426n 68, 70, 87, 91, 93-4, 96, 98-101, 111, 114, 117,
Martins (paraguaio), 279 175, 183-4, 188, 207, 211, 241, 257, 314-5,
Martins, Edilson, 10, 226 318, 321-2, 337, 358, 372, 386, 391
Martins, João Geraldo Gouveia, 53 Médici, Emílio Garrastazu, general, 26, 36,
Marubão, posto indígena (am), 200 83, 86-7, 124, 128, 140, 167, 188, 214, 233,
Marubo, frente de atração (am), 195-6 297, 415n
Marubo, igarapé, 194 médicos, 16, 28, 30, 40, 43, 55-6, 60, 68-71,
Marubo, índios, 195, 221, 223 87, 100-2, 105, 134, 150-1, 176, 181, 183, 191,
marxismo, 236, 250, 334 214, 247-9, 290, 294, 297, 313, 322, 337,
Masko, índios, 380-1 354, 377, 391, 416n, 422n, 441n, 457n
Mason, Richard, 43, 127 Megaron Txucarramãe (índio), 327-8, 449n

502

Fuzis e as flechas 4A PROVA - FINAL.indd 502 27/02/17 09:34


Meireles, Francisco Furtado Soares de, 14, miçangas, 19, 96, 99, 110, 219, 318
18-21, 50, 53, 62-5, 87, 153, 213, 215, 264-5, micoses, 185
269, 272-4, 312, 410-1n, 415n, 464, 473 mídia, 126, 215, 223, 230, 349; ver também
Meireles, Ivo, 62 imprensa
Meireles, José Apoena Soares de, 20, 65, Miguel (índio), 335
67-8, 102, 105, 120, 126, 130-2, 166, 254, Miguel Neto, Esmeraldo, 147-9
262-6, 268-70, 272-4, 283, 309, 338, 339, Miguez, José Antônio Guedes (proprietá-
344, 388, 411n, 416n, 440-1n, 450n rio rural), 252
Meireles, José Carlos, 312 Miguez, José Mario Guedes (advogado),
Meireles, Rosa, 62 253, 437n
Meireles, Silo, 62 milho, 11, 18, 40, 76, 97, 130, 335
Meirelles Júnior, José Carlos dos Reis, 338, milícias indígenas, 279-81
380-1, 385 Milton (índio), 82
Meirelles, Francisco Ribeiro Soares de (pai Mimoso (mt), 24
de Francisco Meireles), 62 Mina (índio), 142
Melatti, Delvair Montagner, 195, 338 Minas Gerais, 24, 31-2, 46, 73-5, 78, 82, 165,
Melatti, Júlio Cezar, 195, 412n 271, 284, 325
Mello, Francisco de Assis Correia de, te- Mindlin, Betty, 267, 412n, 440n
nente-brigadeiro, 34 Mineração Além Equador Ltda., 190
Mello, Jayme Portella de, general, 26 mineração/mineradoras, 85, 92, 96, 174,
Mello, João Bezerra de, 182 192, 306, 387
Melo, Arnon de, 303 mingau de banana, 180
Melo, Francisco Batista Torres de, general, Ministério da Agricultura, 11, 24, 34, 36, 80,
255 383
Mendes Júnior (empreiteira), 90-1, 93, 95 Ministério da Justiça, 10, 236, 303, 394
Mendes, Manuel, 197 Ministério da Saúde, 241, 417n, 457n
Mendes, Olavo Duarte, coronel, 130, 208, Ministério de Assuntos Estrangeiros da
389, 421n Noruega, 237
mendicância de indígenas, 83, 187, 251 Ministério de Minas e Energia, 119, 189, 191,
Mendonça, Esther Ramos (índia), 219 454n
Meneses, Benjamin Ribeiro, 53 Ministério do Interior, 36-7, 69, 72, 83-4, 87,
Menezes, Dias, 384 138, 203, 212-3, 225, 267, 311, 330, 344-5,
Menget, Patrick, 57 353-4, 392, 402n, 407n, 422n, 431n, 450-
Meridional (empresa de mineração), 92, 1n, 453-4n
96, 416n Ministério dos Transportes, 87
Merure, aldeia de (mt), 239, 250-1, 353 Ministério Extraordinário para a Coorde-
Mesa da Câmara dos Deputados, 352, 356 nação dos Organismos Regionais, 213
Mesquita, Raimundo Clemente, 358 Ministério Público, 10, 125-6, 280, 379, 389-
metralhadoras, 44, 152, 163, 165, 170, 365 90, 392-3, 445n
Meu lar é Copacabana (filme), 203 Misereor (entidade católica alemã), 329
Meva (Missão Evangélica da Amazônia), Missão Anchieta, 239, 300
182, 185, 192 Missão Catrimani, 49, 179, 182, 184-7, 393,
México, 46, 86, 229, 271, 348 427n

503

Fuzis e as flechas 4A PROVA - FINAL.indd 503 27/02/17 09:34


Missão Consolata, 48, 182-3 mortalidade indígena, taxas de, 27, 37, 40,
Missão Cristã Brasileira ver mcb 42, 68, 72, 105, 134, 168, 174-5, 185, 211,
Missão Cururu, 240 335, 385
Missão Demini, 181 mortalidade infantil, 40, 72, 211, 335
Missão do Tapirapé, 245 Mortes, rio das, 63, 65, 344
Missão Evangélica Caiuá, 276-7 Mosher, reverendo, 209
Missão Evangélica da Amazônia ver Meva Moura, vilarejo (am), 49
Missão Maturacá, 219 Movimento Comunista, 62
Missão Novas Tribos do Brasil ver mntb Movimento Democrático Brasileiro ver
Missão Salesiana de Merure, 239, 250-1, mdb
253 movimento tenentista (1922), 62
Missão Salesiana de São Marcos, 27, 255, Mozalatti, Sílvio, tenente, 332, 449n
334, 344; ver também São Marcos, al- mst (Movimento dos Trabalhadores Ru-
deia de (mt) rais Sem Terra), 293
missas católicas entre indígenas, 97, 213, Mucajaí (rr), 182
311 Muçum, aldeia (ma), 275
missionários, 12, 47-8, 69-70, 89, 96, 164, Mucuri (ba), 75
197, 205, 207-11, 219, 222, 227-8, 230, 232, Mukus, padre, 240
234-6, 238-41, 243, 245-6, 251-2, 255-6, mulheres indígenas, 14, 29-30, 39-40, 55,
259-62, 276-7, 286, 292-6, 300-1, 304, 58, 76, 80, 92-4, 97-8, 102, 104-5, 109-10,
307, 315, 357, 359, 392, 394, 412n, 420n, 114-5, 117, 121, 125-6, 132-3, 137, 143, 154,
431-3n, 437n, 441-2n 156, 164-5, 181-2, 184-5, 206, 211, 216-23,
mitos e lendas indígenas, 59, 260, 355 246, 254, 257, 273, 289-91, 311, 319-21,
mntb (Missão Novas Tribos do Brasil), 47, 329, 350, 386, 389, 391, 394
197, 222 Müller, Bernardo, 195
Moa, igarapé, 380 Müller, Regina Aparecida Polo, 104, 417n
Monteiro, Francisco de Assis, 112 Munch, Edvard, 117
Monteiro, João Alves, 156 Munduruku, índios, 240, 359
Montenegro (rs), 366 Mura, índios, 136, 158
Moraes Filho, Balbino Manuel de, major, Muru (índia), 164
146, 152 Museu do Índio (Rio de Janeiro), 12, 103,
Moraes, Lídio, cacique, 291-2 283, 306, 321-2, 341, 406n
Morais, Afonso Augusto de, 339-40, 451n Museu Goeldi (Belém), 20-1, 48
Morais, Julio Reinaldo de (Camiranga), Museu Nacional (Rio de Janeiro), 184, 341
108-9, 166, 385, 425n Museu Paulista, 176, 426n, 443n
Moreira Neto, Carlos Araújo, 295, 334, 341- música indígena, 93, 109, 209; ver também
2 cânticos indígenas; danças indígenas;
Moreira, João Fernandes, 284 instrumentos musicais indígenas
Moreira, Memélia, 320, 326, 448-9n mutum, 97, 317
Moreira, Sebastião Carlos (Tião), 299-301
Morel, Edmar, 273 “Na terra onde o tempo não para” (reporta-
Morel, Lázaro (índio), 367-70, 456-7n gem de O Cruzeiro), 54
Moreno, Catarino Antonio Hernandes, 377 Nações Unidas, 224

504

Fuzis e as flechas 4A PROVA - FINAL.indd 504 27/02/17 09:34


Nambikwara, índios, 11, 63, 72, 205-12, 228, Nordeste do Brasil, 25, 86-7, 107, 311, 353,
239-40, 256, 266, 340-1, 348 415n
Namuncurá, aldeia (mt), 344, 349, 452n Norte do Brasil, 26, 36, 164, 257
Nandésú, índios, 205 Norte, João Dionízio do, 147
Ñandeva, índios, 276, 291 norte-americanos, índios, 307
Nansuri (índio), 132 Noruega, 237, 337
Narciso Daniel (índio), 278 Nossa Senhora Aparecida, festa de (Ribei-
Narcizinho (índio), 41 rão Cascalheira), 246
narcotráfico ver tráfico de drogas Nossa Senhora dos Remédios (pi), 199
Nascimento, Alcindo (índio), 41 Nossos índios, nossos mortos (Martins), 10
Nascimento, Antônio Rabelo, 255 “Notícia dos Ofaié-chavante” (Darcy Ribei-
Nascimento, Ernesto, 145 ro), 295, 443n
Nascimento, Manoel, 53 Nova Friburgo (rj), 229
Nascimento, Milton Lucas do, 121-2 Nova Xavantina (mt), 199, 389, 451n
natalidade indígena, taxas de, 388, 394 Novo Testamento, 70
National Geographic Magazine, 66, 411n Novo, rio, 107, 300
Naviraí (mt), 26 Núcleo de Direitos Indígenas ver ndi
ndi (Núcleo de Direitos Indígenas), 392 Nudoc (Núcleo de Documentação), 12
Negaroté, índios, 205, 208 Nunes, André Moreira, 142-5, 147, 151, 157,
Negro, rio, 49, 219, 240, 350 160
Nenito, Cláudio, 279, 281 Nunes, João Batista, 335
Nescau (achocolatado), 149 Nutels, Noel, 30, 214, 405n
Neves, Lino, 359, 454n
Neves, Luís Vinhas, major, 36, 46, 127, 242, Oban (Operação Bandeirante), 342
389 Óbidos (pa), 240, 433n
Neves, Tancredo, 355-6 Ocaia, rio, 17
Newlands, Lilian, 263, 266, 411n, 440n, Ofayé, índios, 286-90, 292-7, 299, 302, 394
460n ofayé, língua, 286
Ngejwotxi (índia), 58-9 oficiais militares, 9, 11, 434n
Nhanderoga, orfanato (ms), 276-7, 442n oftalmia, 95
Nicarágua, 293 Oiapoque (ap), 220-1, 257, 443n
Nimuendajú, Curt (Unckel), 80, 124-5, 286, oit (Organização Internacional do Traba-
414n, 419-20n, 426n, 443n lho), 46
Niterói, 62 óleo de babaçu, 15
Nivaldo (menino índio), 360 óleo de copaíba, 119, 124
Nobre Filho, Lindolfo, 361 oligarquias regionais, 62
Nogueira Neto, Domingos, 284 Oliveira Filho, João Pacheco de, 222
Nogueira, Antônio Augusto, coronel, 95, Oliveira, Aragão Rodrigues de, 53
101, 389 Oliveira, Aureliano Bispo de, 129
Nogueira, Manoel, 287 Oliveira, Dante de, 354-5
Nogueira, Nilo, 132 Oliveira, Demócrito Soares de, general, 211,
Nolan, Michael Mary, 379 283, 334, 389
Nonoai (rs), 41, 139, 242-3 Oliveira, Dnair de, 391, 460n

505

Fuzis e as flechas 4A PROVA - FINAL.indd 505 27/02/17 09:34


Oliveira, Eduardo Francisco de, 53 Organização Internacional do Trabalho
Oliveira, Frederico de Miranda, 220 ver oit
Oliveira, Ismarth de Araújo, general, 90, organizações não governamentais ver
96, 120, 123, 134-5, 138, 155, 165-6, 175-7, ongs
187-8, 190, 204, 210, 221-3, 225, 241, 243- Oslo, 237, 435n
4, 248-9, 252, 254-6, 258-9, 269, 278, ossadas de indígenas ver esqueletos/ossa-
281, 289, 298, 303-4, 306-7, 309, 312, 326, das de indígenas
338, 346, 384, 389, 416n, 422n, 428-30n, osso, flautas de, 180
433n, 435n, 438n, 441n, 443n Osvaldo (colono), 285
Oliveira, João Lopes Veloso de, 62-3 Otacílio (índio), 288
Oliveira, João Marques de (João Mineiro), Otaviano Aiepa (índio), 39
253-4 Otávio Brasil (índio), 380
Oliveira, Joel de, 290 ouro, 128, 189, 191, 392
Oliveira, José Almeida de, tenente-coro- Oxfam (organismo internacional), 295
nel, 145
Oliveira, Maria Antonieta Barbosa de, 349, Pacaá-novo, índios, 16-8, 34, 63, 273
420n Pacaá-novo, posto dos (mt), 72
Oliveira, Odenir Pinto de, 135-7, 207, 246, “pacificação” de índios, processo de, 14,
261-2, 335-6, 340, 344, 349-50, 383, 17, 21, 49, 54, 59, 63, 76, 91, 93-4, 119, 125,
439n, 450n 128-9, 140, 153, 159, 168, 177, 235, 266,
Oliveira, Roberto Cardoso de, 307 268-9, 272, 274, 306, 316, 384-5, 403n
Oliveira, Ronaldo Lima de, 336, 340 “pacificados”, índios, 9, 14, 123-4, 141, 267
Olivença (am), 197 Padauari, rio, 179, 427n
Ometto (grupo empresarial), 26-7 Padilha, Rafael Fonseca, 145
Ometto, Hermínio, 29 Padin, Cândido, bispo, 281
onça, 115, 198 padres, 16-7, 27, 29-31, 48-52, 58-9, 89, 96-7,
Onetti, Rubens, 92 99, 108, 170, 173, 182, 186-7, 213, 219-20,
ongs (organizações não governamentais), 228-9, 233-4, 238-40, 244-8, 250-8, 273,
10, 67, 127, 226, 293, 347, 360, 392, 394, 282, 293, 299-301, 311, 344, 366, 389,
431n, 461n 404-5n, 408n, 427n, 434-8n
Opan (Operação Amazônia), 234, 293, 359 Paes, Gentil Nogueira, general, 151-3, 163,
Operação Amazônia (organização indige- 166, 172, 174, 389, 424n
nista) ver Opan País, O (jornal), 263, 419n, 444-6n, 449n,
“Operação Amazônia” (operação militar de 452-4n
povoamento da região), 25, 50 Paixão, Ana Maria da, 239, 427n, 437n
“Operação Atroaris” (exercícios simulados pajés, 58, 94, 191, 300, 425n
de contraguerrilha), 161-2, 263 palácio episcopal de Manaus, 365
“Operação Atroaris” (folheto do Exército), Palikur, índios, 220, 257
161-2 Palmas (pr), 235
Operação Bandeirante ver Oban Palmeira, Elio de Melo, 365
Operação Selva Livre, 188 Palmeira, Marcos, 322
opinião pública, 23, 60, 94, 101, 120, 224, Palmeiras do Javari (am), 357
241, 349 Palmério, Mário, 92

506

Fuzis e as flechas 4A PROVA - FINAL.indd 506 27/02/17 09:34


palmito, 181, 242, 292 Parque Indígena do Araguaia (Ilha do Ba-
Panamby, posto (ms), 278 nanal), 248, 336
Panará, índios, 43, 45, 63, 127-38, 140, 170, Parque Indígena do Aripuanã (mt-ro), 64,
177, 261, 273, 314, 346, 389, 391-2, 394, 68, 101, 266-8, 270, 412n
422n Parque Indígena do Xingu (mt), 19, 28-9,
Pankararé, índios, 330, 341 33, 37, 45, 57-8, 68, 101, 108, 112-4, 116-20,
Pankararu, índios, 78 123, 127, 130, 134-8, 159, 184, 203-4, 213-8,
Pantanal Mato-Grossense, 203, 205 224-6, 232, 271, 289, 300, 309, 327, 336,
Panziera, Mario Ottorino, padre, 29-30, 346, 349, 390-2, 409n, 420n, 422n, 450n
405n Parque Nacional de Tumucumaque (ap),
Papagaio, rio, 287 72, 263
papagaios, 52 Parque Nacional do Iguaçu (pa), 298
Paquetá, ilha de (Rio de Janeiro), 246 Partido Comunista, 13, 334
Pará, 10, 13-4, 17-8, 20, 25, 38, 43, 55, 72, 86, Partido Democrático Trabalhista ver pdt
89, 91, 107, 117, 124, 154, 164, 240, 257, Partido dos Trabalhadores ver pt
304, 308, 328, 386, 393 Pasquim, O (jornal alternativo), 283
Passarinho, Jarbas, tenente-coronel, 14,
Para todos namorados passearem de mãos
19, 46, 393, 402n
dadas (Braga), 270
pastoral indígena, 232, 257
Parabubure, terra indígena (mt), 335
Pataxó, índios, 32, 78-82, 390, 414-5n
Paraguai, 230, 276, 290, 291, 297-8, 363-5,
Pato Branco (pr), 331-2
368
Patos (pb), 199
“Paraguaio” (jagunço) ver Gamarra, Rô-
Patrocínio (mg), 277
mulo
Pátzcuaro (México), 271
Paraguassu, posto indígena (ba), 79-80
pau de arara, 74
Paraíso, Maria Hilda Baqueiro, 81-2, 413-5n
Paula, Eneu, 62
Parakanã, índios, 87, 89, 91-6, 101-5, 107, 111,
Paula, Sebastião Cordeiro de, 253
118, 391, 417n Paulinho Paiakan (índio) ver Bep’kororoti
Paralelo Onze, 71 Paulino de Almeida, posto indígena de
Paraná, estado do, 34, 36, 138, 241-2, 259, (rs), 38
267, 291-2, 297-9, 330-2 pdt (Partido Democrático Trabalhista),
Paraná, rio, 286, 294, 297-8 349-50, 356, 389
Paranaíta (mt), 26 Pe’ti (índio), 134
Paranapanema (empresa responsável pela Pedras Verdes, Fazenda (am), 171
Transamazônica), 125 Pedro Frazão M. Lima, major-brigadeiro,
Paranatinga (mt), 135 44
Paranoá, lago, 350 Pedro Juan Caballero (Paraguai), 291
Pareci, índios, 228, 236, 239, 307 Pedro, cacique, 141
Parintintim, índios, 124-5; ver também Pedrossian, Pedro, 34-5, 406n
Kawahiva, índios Peixes, rio dos, 29, 299, 301
Paris, 61 Peixoto, rio, 128-9, 131, 133-4, 138, 300
Parise, Fiorello, 133-4, 385, 391, 417n, 422n “Pele de Reclusa” (índia) ver Mavirá
Parise, Valéria, 133, 312, 421n peles, caçadores de, 186

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Pelotas (rs), 293 Pinheiro, Manuel dos Santos, capitão, 32,
penas, arte indígena com ver arte plumá- 73, 75-6, 80-2, 405n
ria indígena Pio (filho do cacique Erebê’uá), 30
Penetecau, rio, 119 Pio (índio de Marãiwetsede), 335
penicilina, 373, 391 Pirá (índio), 314-5
Pereira Neto, Antônio, 336, 338, 385, 425n, Piracicaba (sp), 334
450n Pirakuá, tekoha de (ms), 363-4, 366-70, 374-
Pereira, Adalberto Holanda, frei, 228, 232, 5, 377, 456n
239 Pires, Mont’alverne, 152, 154-6, 161, 174
Pereira, Fernando Ramos, coronel, 189, 192 Pirigara, posto indígena de (mt), 72
Pereira, Flávio Gomes, 197 pistolas, 252, 316, 334
Pereira, Getúlio Couto, 256 pistoleiros, 243, 374-5, 455n
Pereira, José Ribamar, 120 Planalto (rs), 242
Pereira, Pildes, 178 Planalto Central, 86
Peret, João Américo, 50, 52, 54, 56-7, 59-61, Planalto, palácio do, 10, 178, 345
408-10n Plano de Ação Imediata da Funai, 203,
Perfetti, Armando, tenente-coronel, 284-5 430n
Peri Yanomami (índio), 191 plano nacional viário (1969), 87
Périé, Jean, 54 pneumonia, 17, 42, 109, 137, 185, 187, 289,
Perigara, posto indígena (mt), 130, 421n 391
Perimetral Norte, rodovia, 140, 177-86, 188, Poção, córrego, 364
191-2, 194, 273, 427n Polícia Civil, 457n
período militar ver ditadura militar (1964- Polícia Federal, 43, 46, 81, 105, 204, 236,
85); governo militar 252, 254, 283-4, 286, 296, 336, 366-7,
Pernambuco, 46, 62, 78, 84 370, 376, 392, 406n, 414n, 430n, 436n,
Peru, 13, 48, 87, 229, 357 438n, 455-9n
“Peruí” (funcionário de Líbero), 374 Polícia Florestal, 76
pesca/peixes, 44, 49, 137, 141-2, 146, 180, Polícia Militar, 32, 36, 73, 77, 245-6, 255,
336, 358, 380, 384 280, 326, 330-1, 373-4
Petersen, Edwin, 208 Policlínica de Pato Branco (pr), 331
Petrobras, 336-7, 359-2, 454n política indigenista, 68-9, 159, 176, 212, 224,
petróleo, 357 229, 233, 236-7, 261-2, 303, 306, 333, 336,
piaçava, exploradores de, 181 340, 352, 355, 363, 382, 392, 450-1n
Piacente Júnior, José Carlos, pastor, 442n pólvora, 198, 313-4
pias (Postos Indígenas de Atração), 167 Pombo (índio), 283
Piauí, 147, 199, 312 Ponta Porã (ms), 276, 363, 375, 377-9, 455-
Piemonte (Itália), 219 6n, 458-9n
Pimenta Bueno (ro), 64 Pontes e Lacerda (mt), 206
Pimentel Barbosa, posto indígena (mt), 65, Pontifícia Universidade Católica ver puc
326, 335 população brasileira, 10, 72, 235, 253, 407n
Pimentel, Jayme Sena, 91, 195-7, 200-1, 221 populações indígenas, 10, 30, 42, 57, 68, 72,
Pindamonhangaba (sp), 251 102, 104, 116, 125, 134, 167-9, 175, 180, 186,

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206, 224, 241, 255, 267, 279, 306, 308, 128, 135, 166-7, 173, 267, 283, 303, 308,
335, 358, 390-2, 407n 326, 337, 345, 352, 355, 383, 403n
Porantim (jornal alternativo), 262, 439n, Presidente Figueiredo (am), 157, 388, 408-
459n 9n, 433n, 435n
porcos-do-mato, 61, 206, 294, 314 Presidente Olegário (mg), 299
Porto Alegre, 122, 170, 255, 293, 303 Price, David, 206, 209-10, 256
Porto de Moz (pa), 13, 18-21, 23 Primeira Zona Aérea de Belém, 240
Porto dos Gaúchos (mt), 300 Priquê (índio), 109
Porto Sobrinho, ministro, 45 prisão Guarani ver Guarani, Fazenda (pri-
Porto Velho, 17, 62-4, 85, 140, 205-6, 265-6, são indígena em Carmésia, mg)
269, 388 prisão Krenak ver Krenak, “reformatório”
português, idioma, 15, 27-8, 69, 117, 145, 181, indígena (Resplendor, mg)
185, 206, 209, 218, 237, 239-40, 273, 275, prisões de indígenas, 41, 75-6, 82, 275, 280-
277, 287, 297, 330, 346, 349, 371-2 1, 284, 311, 330, 336, 392
positivismo, 24 Procuradoria Jurídica da Funai, 133, 326,
Possuelo, José, 271 351
Procuradoria Regional da República, 331
Possuelo, Sidney Ferreira, 270-4, 316, 317-
Programa Sílvio Santos (programa de tv),
23, 361-2, 385-6, 403n, 418n, 447-8n,
283
455n
Projeto Nambikwara, 209
Posto da Mata, vila de (mt), 31
Projeto Yanoama, 184, 192-3
postos indígenas, 11, 32, 35, 42-3, 63, 71, 76,
promiscuidade sexual (entre servidores da
130, 183, 222, 224, 241, 244, 278, 341
Funai), 90, 94, 102, 216-7, 219-24
Povo da lua, povo de sangue (filme), 184
prostituição, indígenas e, 39, 42, 80, 131,
Pradinho, aldeia do (mg), 32
182, 184, 220-1, 232, 275, 289
Prado (ba), 75
protestantes, missões ver evangélicas,
Praia Vermelha (Rio de Janeiro), 62
missões
prelazias católicas, 12, 16-7, 30, 53, 58, 108, psc (Partido Social Cristão), 394
126, 182-4, 229, 231-2, 238, 240-1, 243, pt (Partido dos Trabalhadores), 299, 379
246, 248, 250, 256-7, 259, 291, 415n, 433- puc de Goiás, 65
6n, 438-9n, 460n puc de Porto Alegre, 293
Prêmio Nobel da Paz, 215, 224-5 puc de São Paulo, 307
Prepori (índio), 29 Pucuruí, vila e posto indígena de (pa), 91-3,
presbiterianos, missionários, 276, 281, 103, 416-7n
442n pupunha, 144
“Presença da Igreja nas Populações Indí- Purus, rio, 70, 72, 111, 255, 261
genas”, encontro (Instituto Justiça e Puttkamer, Jesco von, 65-6, 68, 74, 411-2n
Paz — 1968), 228
presentes/brindes aos índios, 14, 19, 45, 51, Quadros, Jânio, 16, 17
64-5, 68, 91-2, 96-8, 109-10, 120, 123, 127, Queiroz Galvão (empreiteira), 91, 93
129-30, 141-2, 145, 147, 166, 182, 195, 200, Queiroz, Otávio Ferreira, general, 145, 389
218, 220, 223, 239, 264, 266, 317, 361 queixada, 93, 115, 314
Presidência da República, 10, 23, 26, 83,

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Rabelo, Manoel, 62 268, 279-80, 289-90, 305, 307, 312, 337,
Radambrasil, projeto, 189-90 339, 364-5, 370; ver também aldeias in-
Rádio Clube (Campo Grande), 363 dígenas; terras indígenas
Rafael, cacique, 358 resistência indígena, 31, 75, 124, 176, 194,
Raimundinho ver Alves, Raimundo 262, 316, 331, 357, 383, 394
Raimundo (índio), 283 Resplendor (mg), 73, 75-8
Ramalho Júnior, Edson, 224 Revolução Comunista (Recife — 1935), 62
Ramalho, Edson, 89, 110, 433n Revolução de 1930, 62
Ramalho, Ezi Feitosa, 247, 389 Revolução de 1932 (São Paulo), 160
Ramos, Alcida Rita, 180, 182, 184-8, 190-1, revólveres, 29, 38, 53, 121, 148, 157-9, 196-8,
193, 427-8n 211, 218, 247-8, 258, 265, 285, 301, 332,
Ramos, Nivaldo de Souza, 377, 457n 334, 370, 373-6, 378, 388, 458n
Ramos, Paulo, 147 Rey, Francisco Xavier, bispo, 16
Rancho Alegre, fazenda (ms), 374 Ribeirão Cascalheira (mt), 246
Raoni, cacique, 44-5, 327-8, 354-5, 453n ribeirinhos, 9
Raposa Serra do Sol, região de (rr), 183 Ribeiro Jr., Amaury, 196, 430n
Receita Federal, 377 Ribeiro, Arony, 252
recém-nascidos, índios, 40, 126 Ribeiro, Berta Gleizer, 302
Recife, 62, 86-7, 263, 265, 277 Ribeiro, Darcy, 28, 69, 217-8, 229, 275, 278,
Recôncavo baiano, 81 286-7, 295, 302-3, 305-7, 324, 348-9, 356,
recursos naturais, exploração de, 26, 120, 404n, 411n, 426n, 433n, 441n, 443-5n,
192, 235, 357, 387 469
Rede Ferroviária Federal, 36 Ribeiro, João Camarão Telles, brigadeiro,
Rede Globo ver tv Globo 240
Redenção (pa), 328 Ricardo, Carlos Alberto, 113, 415n, 417-8n
redes de dormir, 51, 92-4, 100, 111, 113, 115, Ricarte (funcionário), 98
117-8, 120, 122, 147, 157, 185, 216, 313-4, 321 Riccelli, Carlos Alberto, 309
reforma agrária, 13, 138, 242 Rick, Hildegart Maria de Castro, 159, 414n
Regimento Interno da Câmara, 36 rifles, 108, 129, 380
Reis, Maria Deuzinha ver Sinauam (índia) Rikbaktsa, índios, 87, 228, 239
Reis, Maurício Rangel, 138, 189, 256, 303-5, Rincão de Júlio, região de (ms), 276
307, 339, 422n, 445n Rio Branco (ac), 59, 141, 255, 265
Reis, Messias Martins dos, cabo, 247-8 Rio Claro (sp), 334
Relatório Figueiredo, 38, 63, 71, 76, 309, Rio das Cobras (pr), 243, 331
402n Rio das Pedras (sp), 248
religião indígena, 295 Rio de Janeiro, 12, 24, 29, 46, 50-1, 55, 59-
remédios ver medicamentos 62, 84-5, 178, 184, 203, 233, 238, 246, 263,
renda indígena, 37, 76, 80, 136, 225 273-4, 277, 283, 295, 302, 305-7, 314, 322,
Repartimento, rio, 91 341, 345-7, 349, 356, 362, 406n
República Velha, 62 Rio Grande do Norte, 310
Reserva do Cerrado, 208 Rio Grande do Sul, 41, 138, 228, 234, 236,
reservas indígenas, 72, 79, 103, 146, 176, 241-2, 259, 366
203, 208-11, 239, 242, 253, 258-9, 265-6, Rio Verde (go), 252

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Riozinho, igarapé, 64, 264 Roraima, 25, 48-9, 130, 140, 161, 165, 173, 179,
Riozinho, região do (ro), 33 181-3, 189, 192-3, 259, 263, 386, 393
Rita, irmã, 253 Rosa (índia), 39, 41
Riva, Ariosto da, 26 Rosa, Isaías da, 374-5, 379, 458n
Robertinho ver Aguiar, Roberto da Silva Rosalina (índia), 82
roças indígenas, 28, 49, 79, 82, 92, 96, 108- Rotary Clube de Brasília, 350
11, 113-4, 119, 123, 125, 131, 137, 143, 149, Rotterdam (Holanda), 347
182-3, 195, 198, 200, 209, 285, 316, 380 Rousseff, Dilma, 10, 117, 393
Rocco, Carmine, d., 251 Ruas, João Geraldo Itatuitim, 75
Rockefeller, família, 69 Ruff, Arthur W., 92, 96
Rockefeller, Nelson, 69 Ruffaldi, Nello, padre, 256-8, 282, 438n
Rodrigues, Ataíde Francisco (Xehitâ-ha), Russell, Bertrand, 347
287-90, 294 Rússia, 262
Rodrigues, Estêvão da Silva, 166, 181, 425n
Rodrigues, Francisco Paulo Lucena, 222-3 Saamri (índio), 335
Rodrigues, Jorge Ney Corrêa, 378 Sabané, índios, 206
Rodrigues, Laia Mattar e, 81 Sabatini, Silvano, padre, 51, 170, 408n
Rodrigues, Luiz Carlos Saldanha, 376, 378, Sabino Kayabi (índio), 28-9
457n Sabonete, região de (ma), 284
Rodrigues, Patrícia de Mendonça, 30 Saffírio, Giovanni, padre, 182, 186-7
Rogedo, Isa Maria Pacheco, 30, 192, 308, Saim (South America Indian Mission),
360, 411n 207-9, 431n
Roma, 229, 246, 433n Saldanha, Luís Carlos, 322
romantismo indianista, 235 salesianos, padres, 27, 29, 35, 62, 219, 228,
Romênia, 302 240, 251-3, 437n
Romero, Cláudio dos Santos, 326, 334-6, Salles, Maria Mercedes, 53
340, 342, 344, 349, 448-9n, 451-2n Salto Grande de Sete Quedas/Salto de
Romero, Óscar, arcebispo, 231, 434n Guaíra, cachoeiras de (Brasil — Para-
Roncador, serra do, 27 guai), 297
Roncador-Xingu, rodovia, 87 Salto Kayabi (mt), 300
Ronda Alta (rs), 293 Salvador do Sul (rs), 228
Rondon Tukano, Paulino (índio), 141, 170 samba, 178
Rondon, Cândido, marechal, 14, 24, 35, 53, San Salvador, 231
87, 91, 97-8, 130, 135, 172, 176-7, 206, 240, Sanches, Maria da Conceição, 94-5, 101
251, 271, 302, 305, 340, 381, 406n, 445n Sanches, Walter, 94-5
Rondon, Lourenço, cacique, 253 Sangue, rio do, 53
Rondon, Pedro da Silva, coronel, 91, 97-8, Sant’Anna, Affonso Romano de, 324
101, 389, 416n Santa Casa de Misericórdia (São Paulo),
Rondônia, 16, 25, 33-4, 63, 65-6, 72, 140, 148, 249
202, 263, 265-7, 274, 306, 386, 388 Santa Catarina, 138, 218, 241, 259
Rondonópolis (mt), 35 Santa Cruz, aldeia de (am), 360
Roosevelt, reserva indígena (ro), 66 Santa Izabel, aldeia de (Ilha do Bananal),
Roosevelt, rio, 265 248

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Fuzis e as flechas 4A PROVA - FINAL.indd 511 27/02/17 09:34


Santa Luzia (ma), 313, 447n São Gabriel da Cachoeira (am), 179
Santa Rita do Pardo, fazenda de (ms), 288 São Jerônimo da Serra (pr), 256
Santa Rosa, colégio salesiano de (Niterói), São João do Araguaia (pa), 164
62 São José (am), 125
Santa Rosa, região de (rr), 392 São José, igarapé, 359
Santa Terezinha, área de (mt), 232, 245-6, São Leopoldo (rs), 228
436n São Luís (ma), 155-6, 284, 313, 315
Santa Terezinha, fazenda (mt), 39 São Luís, fazenda (mt), 327-9
Santana do Livramento (rs), 375 São Marcos, aldeia de (mt), 27, 29-31, 136,
Santana, José Carmo (Zé Bel), 388 283, 334-5, 353, 468
Santana, José Victor, 336 São Mateus (es), 75
Santana, posto indígena de (mt), 261 São Miguel, ruínas de (rs), 282
Santarém (pa), 25, 128-9, 131, 136, 138, 177, São Paulo, 11-2, 24, 28, 42, 51, 64, 76, 85, 116,
421n 137, 160, 176, 197, 203-4, 218-9, 224-6,
Santiago, Felipe Passinho, 91 228-9, 249, 255, 259, 271, 277, 287, 290,
Santo Antônio de Pádua, cemitério muni- 296, 299, 307, 325, 334, 345-6, 363, 373,
cipal (Dourados), 378 376, 379, 470
Santo Antônio do Abonari (am), 50, 143, São Pedro dos Cacetes, povoado de (ma),
157, 423-4n 285, 312
Santo Antônio do Abonari, igarapé, 146 São Pedro, fazenda (ms), 364, 374
Santo Antônio do Abonari, posto indígena São Pedro, vila de (ms), 367
de (am), 141 Sapé Agropecuária, 256
Santo Antônio, paróquia de (Campo Gran- Sapena Pastor, Raúl, 297
de), 363 sarampo, 19, 28, 30-1, 42, 59, 65, 67, 71-2, 83,
Santos Dumont (mg), 271 89, 93, 107, 125, 175, 180, 183, 186-8, 207,
Santos, Adalberto Pereira dos, 166 241, 287-8, 319, 327, 335, 388, 426n
Santos, Antônio Alves dos, 216-7, 432n Sararé, aldeia de (mt), 206, 210, 212
Santos, Antonio Carlos Magalhães Louren- Sardinha, Idevar José, 278-80
ço dos, 102, 417n sarna, 76, 95, 184
Santos, Diógenes Ferreira dos, 80 Sarney, José, 10, 199, 383, 393
Santos, Luís Soares dos (índio), 257 Sartori, Agostinho José, bispo, 235
Santos, Odoncil Virgínio dos, 147-9 Sartre, Jean-Paul, 347
Santos, Paulo Monteiro dos, 89, 93, 416n Saterê-mauê, índios, 145, 150-1, 156, 199,
Santos, Salomão, 112 220, 359
Santos, Samado dos (índio), 80-2, 414n saúde de indígenas, dados sobre condições
Santos, Santana Rodrigues Barbosa dos, de, 241
247 Sbardelotto, Pedro, padre, 27
Santos, Sílvio, 283 sbi (Sociedade Brasileira de Indigenistas),
Sanumá, índios, 184 333-7, 339-42, 349, 380, 413n, 449n, 451n
sanumá, língua, 180 sbpc (Sociedade Brasileira para o Progres-
São Félix do Araguaia (mt), 12, 23, 26, 30, so da Ciência), 305, 445n
219, 231, 246, 249, 256, 259, 389 Schaden, Egon, 46, 277, 414n, 420n, 442n
São Félix do Xingu (pa), 18, 96-7, 391 Scherer, Vicente, arcebispo, 255

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Fuzis e as flechas 4A PROVA - FINAL.indd 512 27/02/17 09:34


Schwade, Egydio, 174, 228, 230, 234-5, 238, Serviço Nacional de Informações ver sni
240-4, 388, 408-9n, 424-6n, 432-3n, Serviço Público Federal, 298
435n servidores públicos, 9, 11-2, 21, 32, 37-40,
Schwartzman, Stephan, 134 43, 77, 84, 88, 95, 112, 114, 133, 142, 145-
Seabra (vizinho de Flávio de Abreu), 39, 41 7, 149, 151-4, 158-9, 177, 192, 195, 204-5,
Sebastião (índio), 359 220-1, 223-4, 260, 279, 283, 317, 326, 333,
seca no Nordeste (1970), 86 336-7, 341-2, 349, 351, 381-3, 385, 419n,
Secretaria de Saúde de Boa Vista, 187 451n
Secretaria Especial dos Direitos Humanos Sete de Setembro, posto indígena (ro), 64-
da Presidência da República, 10 5, 67-8, 263-5, 269
Secretariado Nacional de Atividade Mis- Setem, Mercedes, irmã, 248-9, 437n
sionária ver snam Sfaier, Maria Paula, 220
Secretaria-Geral do Conselho de Seguran- Sfair, Djalma Limeira, 220-1
ça Nacional, 26, 460n Side Looking Airborne Radar, sistema, 189
seda de tucum, 194 Sidrolândia (ms), 297
Sedoc (Serviço de Gestão Documental), 12 Sigurdsson, Haldor, 237
Segunda Guerra Mundial, 107 sil (Summer Institute of Linguistics), 47,
Seleção Brasileira de Futebol, 86, 264 69-71, 130, 411-2n
Seleções do Reader’s Digest (revista), 270 Silva, Adhemar Ribeiro da, 326, 347
selva amazônica, 49, 107 Silva, Afonso Alves da, 43
Semana do Índio de 1980, 324 Silva, Álvaro (índio), 258, 282
Seminário Sul-mato-grossense de Estudos Silva, Álvaro Paulo da, 52
Indigenistas (1980), 324 Silva, Aracy Lopes da, 307
sem-terra, trabalhadores rurais, 293 Silva, Benedito Ferreira da, 120
Senado, 222, 250, 303, 340, 442n, 444-5n Silva, Darcy Mesquita da, 60, 409n, 412n,
Sepé Tiaraju (índio), 326 414n
Serafim (servidor), 216 Silva, Delfim Bento da, 125
seringueiros, 14-7, 21, 28-9, 64, 107-8, 111, Silva, Dionísio Virgínio da, 288, 290
125, 169, 194, 197, 273, 300, 337-8, 420n Silva, Faustino da, 374-5, 379, 458n
Serra Azul, aldeia de (mt), 72 Silva, Francisco de Assis da, 336, 450n
Serra Brava, fazenda (ms), 364-5, 370, 374 Silva, Franklin Roosevelt de Góes da, 337
Serra, Olympio, 120, 176, 309, 422n Silva, José Antônio da, 247
sertanistas, 12-21, 28-9, 44, 48, 50, 52-4, Silva, José Brasileiro da, 82
56-7, 59-63, 65, 87-92, 95-105, 107-8, 110- Silva, José Prícipe, cacique, 289
4, 116, 118-20, 122-3, 126-30, 132-3, 136, Silva, Juracy Pedro da, cabo, 247-8
140-3, 147-8, 150-1, 153-6, 158-60, 165-6, Silva, Leopoldo José da, 217
169-70, 175, 180-2, 187, 192-5, 198, 200-1, Silva, Lourenço Vieira da, 138
208, 210-1, 213-9, 223-5, 237, 240, 246, Silva, Luiz Inácio Lula da, 10, 117
254, 261-3, 266, 269-71, 273-4, 284, 303, Silva, Margarida Barbosa da, 247
306, 309, 315-22, 327, 338, 348, 361-2, Silva, Marina Pinto da, 53
385-6, 389, 391, 403n, 408n, 410n, 415- Silva, Raimundo Pereira da, 151, 157, 163,
23n, 425-7n, 446n, 448n, 455n, 460n 330
Serviço de Proteção aos Índios ver spi Silveira, José, 245, 405n

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Fuzis e as flechas 4A PROVA - FINAL.indd 513 27/02/17 09:34


Simão (índio), 354 spvea (Superintendência do Plano de Va-
Simão Cristino (índio), 253-4 lorização Econômica da Amazônia), 25
Simões Lopes, posto indígena (mt), 135 stf (Supremo Tribunal Federal), 394
Sinauam/Maria Deuzinha Reis (índia), 221, Stroessner, Alfredo, 297
432n suborno de Mário Juruna, 355-6
Siufi, Renê, 375-6, 379 Sucksdorff, Arne Edvard, 203-5, 430n
Slaviero (madeireira), 242, 330-1 Sucksdorff, Maria, 203, 205, 430n
snam (Secretariado Nacional de Atividade suco de buriti, 149
Missionária), 229 Sudam (Superintendência do Desenvolvi-
sni (Serviço Nacional de Informações), 12, mento da Amazônia), 25-6, 72, 90, 202,
25-6, 37, 84, 105, 182, 196, 200, 215, 249, 208, 212, 237, 244-5, 460n
254, 270, 326, 330, 339, 353 Sudeco (Superintendência de Desenvolvi-
Snyder, David W., 207, 431n mento do Centro-Oeste), 72, 214, 267-8,
Soares, Antonio Cotrim, 13-6, 18-21, 44-5, 440n
48, 89-90, 96-106, 110, 268, 388, 391, Sudene (Superintendência de Desenvolvi-
408n, 415-8n mento do Nordeste), 86
socialismo, 334 Sudeste do Brasil, 26, 72
Sociedade Brasileira de Indigenistas ver sbi Suécia, 203-5
Sociedade Brasileira para o Progresso da Sueiro, Alfredo, 337
Ciência ver sbpc Suess, Paulo, 358, 433n
Sociedade de Mineração Apolo s.a., 85 Suiá-Missu, fazenda (mt), 26-7, 29-31, 404n
Solimões, rio, 359 Suíça, 226, 433n
solos férteis, exploração de, 202 suicídios de indígenas, 78, 282, 371
Sônia Krenak (índia), 76 suicídios de não indígenas, 150-1, 388
Sororó, posto indígena (pa), 164, 308-9 Sul do Brasil, 25-6, 72, 139, 234, 242
Sousa, Carlos Alberto Milhomem de, 249 sulfeto, minerais de, 120
South America Indian Mission ver Saim Summer Institute of Linguistics ver sil
Souza, Bibiano de (filho de Marçal), 371-2 Superintendência de Desenvolvimento do
Souza, Epitácio de (filho de Marçal), 378 Centro-Oeste ver Sudeco
Souza, Gentil Barbosa Pereira de (índio), Superior Tribunal Militar, 246
366 superstições indígenas, 16, 160
Souza, Marçal de (Tupã-I), 275-82, 324-5, Surucucus, região de (rr), 130, 182, 189-92,
363-79, 389, 441-3n, 449n, 455-8n, 463 392, 421n
Souza, Marcela Coelho de, 58 Suruí, índios, 10, 63, 65-71, 87, 148, 164-5,
Souza, Mariano de, 91 169, 262, 266, 308-9, 425n, 440n
Souza, Oswaldo de, 156 Surumu (rr), 259
Souza, Rodolfo de, 178 Survival International (ong), 127, 427-9n
spi (Serviço de Proteção aos Índios), 9, 11, Suyá, índios, 137
13-4, 16-21, 24, 27-8, 31-50, 59, 62-4, 70,
76, 78-82, 89, 112, 119, 127-8, 130, 135-6, tabaco, 96, 185
158, 176, 183, 193, 207, 214, 217-9, 241-2, Tabatinga (am), 48, 177, 199-200, 358
258, 265, 276, 286, 302, 311, 315, 328, 341, tacapes, 32
383, 389 Taguatinga (df), 155

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Fuzis e as flechas 4A PROVA - FINAL.indd 514 27/02/17 09:34


“Tahati” (padre), 58 Tenharim, índios, 124-6, 392, 420n
Takumã (índio), 218-9 Teófilo Otoni (mg), 32, 83
Takydiá (índio), 313 Teologia da Libertação, 293
Tamapu, cacique, 216 Teologia da Libertação (Gutiérrez Merino),
Tamarana, área indígena de (pr), 256, 438n 293
Tancredo, Ivan Pinto, 353 terçados, 49, 125, 149
Tapaiahí (menina índia), 115 Terena, índios, 11, 69, 207, 215, 277-80, 290,
Tapajós, região de (pa), 393 293, 297, 304-5, 307, 325, 354, 371
Tapajós, rio, 15 Terena, Marcos, 325, 354, 383
Tapaua, rio, 70, 412n tereré (mate gelado), 371
Tapayuna, índios, 53-9, 61, 228-9, 409n Teresa Cristina, Colônia (mt), 34-5, 251
tapayuna, língua, 61 Tereza (índio), 253
Tapirapé, índios, 11, 228, 239-40, 244-6, Teriweri (índia), 165
248, 310 Terra dos índios (documentário), 322, 363
Tapirapé, rio, 27 terraplenagem, 133, 474
tapiris, 64, 115, 120, 123, 149, 195, 200, 317 terras indígenas, 11-2, 31, 35, 50, 59, 69, 79-
taquara e taquaruçu, flautas de, 97 80, 114, 139, 146, 164, 167, 188, 199-200,
Tariri (índio), 61 202, 211, 221, 223, 228, 249, 251-2, 259,
Tarumã, posto índigena de (mt), 293 268, 272, 275-6, 279-80, 289, 300, 301,
tatu, 294 303-4, 309, 311, 328-30, 334-5, 338, 351,
Taubaté (sp), 271 353, 357, 367, 371, 373, 381, 383, 387-8,
Taunay, aldeia de (atual ms), 304, 325 392-4, 415n, 429n, 454n, 457n, 460n;
Taurepang, índios, 183, 259 ver também aldeias indígenas; reservas
Taurus, revólver, 38, 373, 375 indígenas
Távora, Virgílio, 37 tétano, 89, 311, 319
Tawé (índio), 164 Tetila, José Laerte Cecílio, 441-3n, 448n
Taylor, Kenneth Iain, 180, 182, 184-5, 188, Tetila, Laerte, 367
190-3, 427n Tião ver Moreira, Sebastião Carlos
teatro da puc de São Paulo ver Tuca Tiarramin (índio), 82
Teatro Glauce Rocha (Campo Grande), 324 Tiborrá (índio), 314
tecelagem yanomami, 180 Tibúrcio (índio), 353
Teikuê (ms), 276 Tibúrcio Francisco (índio), 325
Teixeira, “Xico”, 183 Tibúrcio, cacique, 28
Teixeira, Eber, coronel, 39 tifo, 89
Teixeira, Palmira Rodrigues, 183 Tikuna, índios, 48, 199-200, 223, 341
Teixeira, Pedro, 24 Timbira, igarapé, 313-5, 447n
tekohas (áreas tradicionais indígenas), 276, Timim (índio), 124
296, 298, 363, 365, 367 Tiriyó, índios, 72, 240
Tembé, índios, 97, 304 Tocantínia (to), 74, 336
Temer, Michel, 393 Tocantins, estrada de ferro, 91
Tenazor, José Latino, 196-8, 201 Tocantins, rio, 336
Tenente Portela (rs), 42 Tocantins, Violeta Ribeiro, 41
Tenetehara, índios, 310-1, 390 Tolksdorff, Fritz, 208, 211

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Fuzis e as flechas 4A PROVA - FINAL.indd 515 27/02/17 09:34


topografia, serviços de, 91, 93, 129, 141-2, Tuca (teatro da puc de São Paulo), 307
253, 308 Tucuruí (pa), 91, 103
Torino (Itália), 219 Tucuruí, usina hidrelétrica de, 103
Torotihi (índia), 117 Tukano, índios, 141, 170, 348
Torotirô (índio), 117-8 Tupã-I ver Souza, Marçal de
Torrado, comunidade índigena do (am), Tupinambá, índios, 24, 61, 239, 410n
359 Turiaçu (ma), 312
Torres, Valmir de Bastos, 195-201, 429n Turiaçu, rio, 313
tortura de indígenas, 41, 74, 77, 279, 284-5, tutela governamental, índios sob, 11, 303,
377-8, 443n 347-8
tortura de militantes da esquerda, 74, 230 tuxauas, 52, 126, 147, 161, 191; ver também
torturas de não indígenas, 246-7 caciques
Toti, cacique, 319 tv Cultura, 346, 452n
Tourinho, Ayrton Pereira, general, 140 tv Globo, 57, 332, 348, 350, 409n
Townsend, William Cameron, 69 tv Marajoara (Belém), 92
trabalhadores braçais, 23, 91, 108, 131, 143, tv National Danisch Broadcasting Corpo-
196
ration (Dinamarca), 237
trabalhadores rurais, 13, 26, 181, 230-1, 267,
tv nrk (Noruega), 237
293, 299-300
tv Tupi, 309
tracajá, 380
Txicão, índios, 28, 318
tráfico de drogas, 83, 284, 387
Txucarramãe, índios, 44, 127, 214, 327
tráfico humano, 39
“Traidor” (índio), 55
U Thant (secretário-geral das Nações
Transamazônica, rodovia, 86-90, 93, 96,
Unidas), 224
100, 103, 105, 107-8, 110, 112, 118-20, 122-
Uaçá, posto indígena (ap), 220, 258
6, 140, 150, 155, 178-9, 189, 194, 199, 214-
Uareny (índio), 164
5, 225, 229, 269, 306, 316, 319-20, 347,
392, 416n, 418-20n, 474 Uatau (índio), 283
transferências de grupos indígenas ver Uatumã, rio, 51, 53
deportações/transferências de grupos ubás (canoas), 49-50
indígenas Uchôa, Gonçalo, padre, 252
Tratado de Itaipu (1973), 297 udn (União Democrática Nacional), 37, 46
Três Lagoas (ms), 294 Ueki, Shigeaki, 357, 359, 454n
Tribe That Hides from Man, The (docu- Última Hora (jornal), 263
mentário), 128 Umutina, índios, 40
Tribuna de Santos, 46 Unckel, Curt ver Nimuendajú, Curt
Tribunal Bertrand Russell de Assuntos (Unckel)
Indígenas (Rotterdam), 347-8 União Democrática Nacional ver udn
Tribunal de Contas da União, 35 Unidos de Vila Isabel (escola de samba),
Tribunal Federal de Recursos, 348, 376 178
Tristes trópicos (Lévi-Strauss), 206, 430n Unind/uni (União das Nações Indígenas),
tuberculose, 16, 40, 42, 71-2, 126, 165, 175, 325-6, 329-30, 333, 363, 392
182, 185-8, 232, 241, 262, 319 Universidade da Flórida, 310, 390

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Universidade de Brasília (UnB), 58, 302, varíola, 83, 89, 311
337, 426-7n, 442n varjões, 27-8
Universidade de Buenos Aires, 229 Vasconcelos, Adão, 147-9, 285
Universidade de Campinhas (Unicamp), Vaticano, 227, 230, 294, 433n
310 Veiga, João Carlos Nobre da, coronel, 325-7,
Universidade de Iowa, 349 331, 339-41, 347, 351, 355, 451n
Universidade de Oxford, 137 Veja (revista), 186, 348, 356, 420n
Universidade de São Paulo (usp), 28, 169, velhos indígenas ver idosos indígenas
205, 225, 277, 305, 338 Vellozo, Nilo Oliveira, 28, 33, 39
Universidade do Amazonas, 174 Veloso, Palmério Sousa Vieira, 150-1, 423n
Universidade Federal da Bahia (ufba), 209- Venâncio Ireno (índio), 367
10, 431n venéreas, doenças, 40, 101-2, 184, 221
Universidade Federal da Grande Doura- Venezuela, 140, 155, 178, 180, 302
dos, 12, 442n Ventara (rs), 242
Universidade Federal de Santa Catarina, Venturelli, Angelo Jayme, 232, 234
218 Venturini, Danilo, 339, 451n
Universidade Federal do Maranhão, 315 Viana (ma), 235
Universidade Federal do Pará, 117 Viana, Zelito, 322, 363, 442n, 449n
urânio, 189 Vidal, Lux, 307
Urubu, rio, 49 Vieira, Manuel, monsenhor, 199
Urubu-kaapor, índios, 283, 302 Vietnã, Guerra do, 347
urubus, 19, 44, 93, 115-6, 149 Vila Bittencourt (am), 358
Urucu, área indígena (ma), 285 Vila Cruz, aldeia (ms), 278
urucum, 15, 118, 194, 200, 254 Vila Espírito Santo (ap), 257
Uruguai, 302 Vilhalva, Severiano, 373
Utiarity, internato jesuíta (mt), 228 Vilharva, Elisa (índia, mulher de Marçal),
368, 370-3
vacinação de indígenas, 30-1, 55, 89, 93, Vilhena, região de (ro), 33, 207
188, 192, 241, 312-3, 318, 337, 386 Villas Bôas, Álvaro, 224-5, 306, 348, 407n
Vale do Guaporé (mt), 205, 208-9, 212, 256, Villas Bôas, Cláudio, 20, 28-9, 66, 126-30,
431n 138, 213, 215, 217, 223-7, 271, 274, 300, 327,
Vale do Javari (am), 166, 194, 197, 200, 357-9, 404n, 421n, 475
429n, 454n, 460n Villas Bôas, Leonardo, 20, 29, 66, 126-30,
Vale do Jequitinhonha (mg), 74 138, 213, 215-9, 223, 224-7, 271, 274, 300,
Vale do Rio Doce, Companhia, 326 327
Vale do São Lourenço (mt), 35, 406n Villas Bôas, Maria de Lourdes, 218
Vale, Dióscoro Gonçalves, general, 32 Villas Bôas, Orlando, 19-21, 28-9, 53, 55, 66,
Vale, Raimundo do, 258 88, 126-31, 134, 138, 159-60, 213-7, 219,
Valle Jr., Hedyl, 54-7 223-7, 261, 271, 274, 300, 306, 327, 346,
Vanni, Pedro, 135 348, 404n, 409n, 420-2n
Vanuíre, posto indígena (sp), 76 Villas, Fábio Martins, 325, 330
Vargas, Getúlio, 65, 85 Virgílio Neto, Arthur, 354
varicela, 125, 287 Vítimas do milagre (Davis), 10

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Volta do Perigo (am), 194 Xehitâ-há ver Rodrigues, Ataíde Francisco
Von Martius, cachoeira, 214 Xerente, índios, 73-4, 240, 283, 336
Votouro (rs), 139, 242 Xikrin, índios, 14, 16, 21, 109, 111
Voz D’Oeste, A (rádio), 35, 406n Xingu ver Parque Indígena do Xingu (mt)
Vuena/Altina Comapa (índia), 221, 432n Xingu, rio, 14-5, 96, 109, 111, 117, 214, 225
Xipaia, índios, 97
Wagley, Charles, 310, 390 Xiriana/Xirixana, índios, 180; ver também
Waiká, índios, 180; ver também Yanomami, Yanomami, índios
índios Xisto Daniel (índio), 279
Waikisu, índios, 209 Xokleng, índios, 241
Waimiri-atroari, índios, 48-50, 52-3, 140,
142-3, 145-6, 151, 153-6, 158-61, 165, 167- yanam, língua, 180
70, 174-7, 179-81, 194, 220, 236, 273, 283, Yanoama, índios, 180; ver também Projeto
357, 388, 408n, 423-6n Yanoama; Yanomami, índios
waimiri-atroari, língua, 52 yanomam, língua, 180
Waisu, índios, 211 Yanomami, índios, 11, 49, 130, 178,-93, 219,
Wai-wai, índios, 143, 183, 318 262, 337, 340, 348, 388, 392-3, 421n, 426-
wai-wai, língua, 143 9n, 461n
wajanga (pajés tapayuna), 58 yanomami, língua, 185
Wakatauteri, índios, 186 yanomamo, língua, 180
Wapixana, índios, 183, 259 Yari (índia bebê), 71
Wari, índios, 16, 18 Yawalapiti, índios, 309
Washington, d.c., 66 Yawarib, índios, 185
Wasusu, índios, 205, 207-9, 211 “Y-Juca-Pirama, o índio: Aquele que deve
Webber, Aloysio, coronel, 64 morrer” (folheto de 1973), 235-6, 238
“Y-Juca-Pirama” (Gonçalves Dias), 235
Xamatari, índios, 180; ver também Yano- Yoshinaga, Massafumi, 342
mami, índios Yurupatí/Yuruparí (“o demônio” na cultu-
Xará ver Heringer Filho, Ezequias Paulo ra xavante), 355-6
Xavante, índios, 11, 23, 26-31, 33, 37, 56, 63,
65, 130, 132, 135-6, 199, 207, 213, 228, 239- Zacarias (índio xavante), 283
40, 246, 274, 283, 286-7, 305, 314, 324, Zacarias (índio marubo) ver Mamimpa
326, 334-6, 340, 344-56, 390, 392, 394, Zacquini, Carlo, 182, 185, 427n
450n, 468, 471 Zarur, George de Cerqueira Leite, 92, 416n,
xavante, língua, 27 443n
Xavantina (mt), 128, 213, 216, 432n zonas rurais, 123, 206, 245, 294, 296, 319
Xavantina-Cachimbo, rodovia ver br-080, zonas urbanas, 91, 371
rodovia Zoró, índios, 169
Xavier, Ângelo Pereira, cacique, 330 Zylberman, Henryk, 203

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celulose para a editora schwarcz em março de 2017

A marca FSC® é a garantia de que a madeira utilizada na fabricação do


papel deste livro provém de florestas que foram gerenciadas de maneira
ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável,
além de outras fontes de origem controlada.

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