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Resenha: Sobre a Técnica

SIMONDON, G. Sobre la Técnica. Tradução de Margarita Matínez e Pablo Rodriguez. 2ª ed.


Buenos Aires: Editorial Cactus, Serie Clases, vol. 1, 2017.
O autor do texto aqui resenhado é um filósofo francês que viveu entre 1924 e 1989, e cuja obra
teve sua relevância destacada dentro das comunidades acadêmicas francesas desde o
lançamento de seus principais escritos, a saber: sua tese principal de doutoramento, intitulada
Individuação à Luz das Noções de Forma e Informação (1989. Do original: Individuation à la
Lumière des Notions de Forme et Information, abreviadamente, ILFI) e a parte complementar
da referida tese, a saber, Modo de Existência dos Objetos Técnicos (1958. Du Mode d’existence
des Objets Techniques. Comumente representada com a sigla MEOT). A partir de tais
produções, já se discutia nos meios acadêmicos e não acadêmicos tanto a sistematicidade quanto
a possibilidade de aplicação conceitual que as ideias de Simondon poderiam conter. Contudo,
a amplificação de suas reflexões para além de seu país natal se deu propriamente a partir de um
certo resgate, por parte de autores italianos (como....) e norte-americanos, entre as décadas de
80 e fim dos 90. Assim, talvez a partir de uma certa busca por conceitos que permitissem
abordar as realidades tecnológicas emergentes da industrialização e globalização, as ideias
simondonianas se espalharam e influenciaram diversos autores (como Deleuze), chegando até
à América Latina, mais especificamente na Argentina, e mais recentemente, no Brasil1.
Sobre a Técnica (2017) abrange diversas inferências que orbitam entorno do conceito de
técnica; mais especificamente, sobre o especial lugar que este conceito ocupa na filosofia de
Gilbert Simondon, apresentado de modo coerente, e, por vezes, polimórfico2. Finalmente, no
tocante à obra (primeira edição em castelhano), anteriormente ao texto propriamente dito, há
três textos introdutórios, a saber: uma nota editorial, uma apresentação e uma epígrafe sobre a
[...] impressão da realidade humana. Resumidamente, a primeira, escrita pela sua descendente
Nathalie Simondon, mostra brevemente a correlação, (e até mesmo certa continuidade) entre os
textos desta obra com as teses (ILFI e MEOT) de Simondon. Assim, por um lado há o estudo
da individuação que supõe serem explicáveis segundo um “pensamento transdutivo”, ou seja,
analisar, por meio da analogia, diferentes domínios da realidade, como a física, a biológica, a
psicossocial e a técnica; enquanto por outro é denotado como o fenômeno da técnica, por

1
Atualmente, editoras argentinas disponibilizam diversas obras de Simondon, a saber, a editora Cactus e a .....
nquanto para o português, apenas a tese principtal tem uma edição para o português, feita pela editora 34.
2
Isso significa que Simondon busca a concepção de técnica de acordo com a própria dinamicidade que nela está
pressuposta, ou seja, enxergando na pluralidade de formas através das quais ela se manifesta, uma capacidade de
produzir objetos dotados de tecnicidade, e assim, mediadores do homem para com o mundo.
pertencer à instância do que é humano, está “suscetível de ser mal conhecida, mal estimada, e
às vezes produzida sob “espécies mentirosas” [...]” (2017, p. 10). Ou seja, existem crenças
alienadas a respeito da própria realidade técnica, porém não deixa de existir a possibilidade de
que tais crenças falsas possam ser superadas. A segunda, redigida por Jean-Yves Chateau,
apresenta um apanhado geral com tópicos que visam dar um norte para as discussões que a obra
apresenta. Por fim, sua epígrafe trata-se de um breve texto apresentado em um estilo bem livre,
quase poético, e parece evocar, sob a inspiração de filósofos pré-socráticos, reflexões acerca da
contemporaneidade, do indivíduo e a tekné
Feitas tais introduções, seguem-se as diversas produções que compõem o livro. Elas elucidam
como a discussão deste autor acerca da realidade do ob.t. e da técnica chega a diversos
domínios, como a ética, a estética e psicossociologia, e apresenta diversas especificidades sobre
os mesmos. O conjunto de textos está organizado em 4 partes: i) Cursos, ii) artigos e
conferências, iii) fragmentos e notas e iv) entrevistas. Considerando a especificidade de cada
texto, todos serão analisados de modo geral a partir das principais ideias divididas, na maior
das vezes em suas respectivas seções.
A primeira parte inicia com o curso realizado entre 1960 e 1961 intitulado Psicosociologia da
tecnicidade. Por sua vez, a primeira parte deste, intitulada Aspectos psicossociais da Gênese do
Objeto de Uso, explora a intrínseca relação entre as instâncias psíquica e social e o
desenvolvimento dos ob.t., sobretudo a partir da visão sobre a utilidade que deles advém. Em
outros termos, visa-se destacar os principais elementos que constituem o ob.t. sob a ótica de
certos elementos centrais de uma análise psicossocial3. Assim, na seção Progresso por meio da
saturação e por meio da reconstituição: ciência e técnica, o primeiro movimento de Simondon
é o de se voltar para sua tese MEOT, a fim de trazer à tona o tipo de realidade à qual pertence
o ob.t.. Isto é, ele sobre a forma de progresso que envolve o ob.t. ser possível de ocorrer tanto
por meio de um processo de saturação (tal como satura uma axiomática), como por meio de
reconstituição (onde entra a figura da invenção como responsável por tal esquemática); tendo
duas figuras como centrais: a ciência e a técnica. Estas, se relacionam fortemente uma com a
outra no nível da reconstituição para que um progresso seja possível.
Em seguida, na seção Cultura e civilização, ele explica de que forma as técnicas se adequam à
cultura quando se modificam em um grau menor, ou seja, mais lentamente. Tudo aquilo pelo
qual a cultura está constituída organicamente (instituições jurídicas, linguagem, costumes, ritos
religiosos) têm uma evolução menos veloz de modo geral, o que provoca uma certa adequação

3
Referência de Chateau sobre a relativa novidade da discussão do psicossocial na França
em relação às técnicas. De tal modo que se produz uma “oposição estereotipada” (2017, p.43)
entre o que é produzido pela cultura e as técnicas, sendo a primeira vista como propriamente a
cultura e a segunda aquilo que define uma civilização. Assim, Simondon entende que há uma
cultura composta por aquilo que acredita ser cultura segundo senso comum, e a Cultura, que
abrange também o que comumente é excluído: a técnica. Em A cultura empurra ao ostracismo
ao objeto técnico novo ele explica as implicações da seção anterior, ou seja, o fenômeno de
ostracismo (analogia com o funcionamento de uma cidade ou polis, em relação ao
distanciamento da reflexão pública) ao qual o ob.t. pode ser submetido na sociedade
contemporânea, implicando até mesmo em uma alienação. Já em Reação de defesa contra o
ostracismo ele apresenta, com o exemplo do automóvel, a uma explicação mais detalhada do
fenômeno de ostracismo antes apresentado, por meio de três conceitos: desdobramento
(culturalizar um objeto por meio de outro, ex: o motor e o capô de um automóvel),
criptotecnicidade (certo velamento apreciado pela cultura) e a fanerotecnicidade (vistos como
positivos devido a sua utilidade).
Na seção Ritualização e tecnofania Simondon dá continuidade ao raciocínio, que ainda é
complementado diretamente pela seção Tecnofania, neotenia, amateurismo e objeto
arquetípico, uma vez que ambas apresentam tipos de ritualização do ser técnico envolvendo a
tecnofanía e possibilidade de uma readequação da técnica à unidade cultural. É nesse sentido
que há um intercambio entre cultura e tecnicidade, sendo a tecnofania uma forma de mediação
de uma para com a outra. Por fim, nas últimas três seções, a saber, O objeto técnico e a criança:
tecnologia genética. O objeto técnico e a mulher. O objeto técnico e o grupo rural. O objeto
técnico e o sub grupo em situação pregnante, Simondon apresenta as especifidades da
manifestação dos ob.t. em diferentes grupos da sociedade, tais como, indivíduos na fase infantil,
mulheres, pessoas com hábitos rurais e indivíduos que estariam numa condição pregnante, ou
seja, quem está em situações ainda mais transitórias que as anteriores (tripulação de um navio,
motorista de um automóvel de corrida, piloto de avião.
Em seguida, abordando a Historicidade do Objeto Técnico, a segunda parte deste curso inicia
com a distinção Historicidade e sobrehistoricidade, quanto ao primeiro, afirma Simondon que,
como objeto de uso, há uma certa historicidade no ob.t., respectiva a um “grupo humano
determinado em uma situação definida” (2017, p. 59). Enquanto a segunda diz respeito a certa
sobredeterminação da historicidade anterior por parte da uma historicidade cultural, e faz
referência mais propriamente a uma historicidade psicossocial. Seguidamente, na seção Objeto
de cultura e objeto técnico: alienação do objeto técnico e virtualização do trabalho. Simondon
explica que os tipos de historicidade antes mencionadas dizem muito mais respeito a um
envelhecimento, uma vez que diz respeito à degradação dos objetos e seus usos. Nesse sentido,
uma verdadeira historicidade seria definida a partir da ideia de que “a data de fabricação seja
objeto de uma atitude humana definida” (2017, p. 61). Em outros termos, a historicidade do
ob.t. ( em contrapartida à sobrehistoricidade, a qual é divisível em graus, como o mostra a
próxima seção: Os graus de sobrehistoricidade) trata-se do tempo em que existe a sua
capacidade de mobilidade existencial, bem como as relações entravadas no caminho que
percorre após sua fabricação. Assim, o ob.t. seria passível de alienação, bem como o trabalho
que o engendra é passível de virtualização (ambos fenômenos advindos da sobrehistoricidade),
na medida em que não mais como produtor, mas sim apenas usuário e comprador, o indivíduo
que se relaciona com o ob.t. lhe atribui características destoantes de suas funcionalidades
essenciais.
A implicação dessas noções é a distinção apresentada nas próximas seções que apresentam
como a sobrehistoricidade manifesta um impulso de fechamento nas funcionalidades do ob.t..
Ou seja, embora o ob.t. não absolutamente determinável pelo seu fechamento, pois reside no
objeto artesanal certa abertura (contrariamente ao fechamento do ob.t industrial, a produção
industrial também contém a capacidade de oferecer possibilidades de abertura, uma vez que as
escalas a partir das quais se enxerga ob.t. são mais complexas do que podem aparentar: estão
divididas em ordens macro e micro, ambas importantes para a compreensão dos processos que
constituem todo ser técnico.
Por fim, o primeiro texto da terceira parte denominada Tecnicidade e sacralidade, versa sobre
um certo estudo que faz uso de uma comparação entre estruturas e condições da gênese,
degradação e da compatibilidade envolvendo a essência da técnica e do sagrado. Iniciando com
A falsa sacralidade ligada ao objeto técnico fechado, Simondon traz à luz os mecanismos por
meio dos quais ocorre na gênese do ob.t. fechado um processo sacralização, sendo o
automatismo uma figura central neste ínterim, uma vez que é tanto aquilo que possibilita uma
crença de segurança frente à degradação, quanto uma crença em um ser completamente
autônomo e hostil ao humano. Em consonância com a segunda e última seção, a saber,
Isomorfismo da sacralidade e da tecnicidade, Simondon mostra certo
paralelismo/compatibilidade da tecnicidade em relação à sacralidade, pois ambas supõem uma
reticulação em suas estruturas, tanto modernamente, como arcaicamente. Nesse sentido, um dos
caminhos para a retomada da unidade da Cultura buscada por Simondon reside no possível
encontro entre tecnicidade e sacralidade, consonante com o universalismo propagado por um
movimento muito caro ao autor: o enciclopedismo; e de acordo com a noção da necessidade de
um sistema de referências e códigos de informação para a convergência de ambas as instâncias
sob a égide da estética.
O segundo, de 1970, intitula-se Nascimento da Tecnologia. Trata-se de um estudo aprofundado
sobre como teria se dado o surgimento disso que se chama tecnologia, ilustrando diversos
exemplos ocorridos ao longo da história, sobretudo aquelas surgidas a partir do encontro entre
a cultura ocidental com a oriental; por exemplo, ferramentas, máquinas simples para o
transporte de água, fases do maquinismo, o hermetismo na alquimia, metalurgia, entre outros.
Acompanhado a este curso, há diversas imagens que ilustram os esquemas técnicos nelas
contidas. A este texto há também um adendo, um breve escrito do mesmo ano, intitulado Sobre
a tecnologia alexandrina, o qual visa apresentar a pluralidade e riqueza tecnológica da cultura
alexandrina por volta do ano 300 a.e.c. O terceiro e último, de 1980, se chama Arte e Natureza
(O Domínio Técnico da Natureza), e pretende oferecer discussões acerca de como funciona o
contato humano para com a natureza, na medida em que o homem se dispõe a tecniciza-la.
Assim, ele apresenta perspectivas envolvendo a dominação da natureza, a artificialidade, a
concepção mecanicista da vida, da natureza e da sociedade, em filósofos e outros teóricos como
Descartes, Malbranche, Espinoza, Durkheim, Wiener., Pascal, entre outros.
A segunda parte, voltada totalmente para fins educacionais, tem em seu início o texto Lugar de
uma iniciação Técnica em uma Formação Humana Completa, de 1953. Este, está dividido entre
o Sentido e objetivo do ensino impartido para os trabalhos práticos da tecnologia, onde ele
apresenta uma aula envolvendo uma concepção da máquina fundada em três tipos de presença,
a saber, i) a operação de construção, ii) a contemplação da máquina construída, iii) e a operação
de posta em marcha da máquina; e a seção Métodos, na qual ele explana sobre as especificidades
organizacionais que cada equipe de alunos deve seguir. Em seguida, complementando o que
fora exposto, na Resposta a uma primeira objeção: os aparatos perigosos e delicados,
Simondon aponta para a necessidade de certa preparação para que jovens tenham contato com
objetos possivelmente perigosos. Na Resposta a uma segunda objeção: aparatos difíceis de
compreender, coloca como resposta central a essa objeção o fato de que o que se busca é a
compreensão intuitiva de que estão dispostos os alunos, utilizando como exemplos o telefone,
o radar e o autômata. Em Adendos ele mostra apenas os programas, ou seja, o que seria ensinado
a cada classe de aluno correspondentemente a suas idades; e a direção, isto é, os profissionais
responsáveis para coordenar tais programas, a saber: um professor de ciências, um de história
e um de filosofia ou letras. Ainda nesta seção, há a Resposta às objeções de 1954, onde
Simondon responde a objeções levantadas por Georges Zadou-Naisky, no tocante ao Alcance
sociológico da experiência no marco de uma reforma, à Validez da lei biogenética, à Iniciação
técnica e iniciação científica.
Seguidamente, ainda no sentido educacional, é apresentado o texto Prolegômenos para uma
reconstituição do Ensino, de 1954. Este, está esmiuçado em 14 seções. Tais seções ilustram um
tipo de ensino que seja capaz de fugir do modo tradicional com o qual ele se manifestou ao
longo da história, de forma tal que abranja a tecnologia na vida dos mais jovens, e,
consequentemente na consciência coletiva, sem deixar de lado os aspectos essenciais da gênese
do ob.t., e por conseguinte, que fuja da alienação na qual a cultura se encontra. Assim, ele
mostra as especificidades para abrir margem nessa reforma, fornecendo um apanhado histórico,
diferenciações sobre tipos curtos e largos de ensino, o as condições de vida daqueles que
estudam, e outros elementos que compõem a educação como um todo.
Em seguida, vem o Aspecto Psicológico do Maquinismo Agrícola de 1959. Este escrito, bem
como o breve extrato Otimização de objetos técnicos agrícolas, Simondon mostra em vários
detalhes a relação travada com uma parte importante da vida em sociedade, e à qual, em sua
biografia, ele mesmo teve contato, a saber, a parcela dedicada à agricultura e os ob.t. que eles
se utilizam. Nesse sentido, ele aponta para as dificuldades por ele já enunciadas, a fim de que
se atingisse uma consciência no sentido dos ob.t., bem como os caminhos por meio dos quais
esta parcela da sociedade deve buscar traçar para atingir o objetivo proposto.
Consequentemente, de 1959 em o escrito Os Limites do Progresso Humano, o autor apresenta
uma noção de progresso dividindo três áreas do que é produzido pelo homem, e que o definem
enquanto tal, que se interseccionaram ao longo da história, mas que tiveram um surgimento
independente, a saber, a linguagem, a religião e a técnica. Ele visa mostrar, em resumo, como
o poder de universalidade e continuidade no progresso da humanidade presente na técnica é
superior em relação às outras duas, uma vez que elas têm uma tendência à saturação, ou seja, à
eliminação de suas potencialidades de abrangência, em suas próprias estruturas; e, no entanto,
não é suficiente a pura técnica para alcançar uma superação das crises no progresso.
Conjuntamente a toda produção humana, para que seja de fato um progresso para a humanidade,
necessita-se também do pensamento reflexivo presente na filosofia, uma vez que apenas por
meio desse é que técnica (assim como linguagem e religião) podem travar relação com aquilo
que ele denomina serem as concretizações objetivas do humano, sobretudo, atualmente, na
relação técnica que é estabelecida com o próprio homem (uma vez que, segundo Simondon,
neste tipo de atividade técnica é que reside a maior fonte de alienação).
Logo após, O Efeito Halo em Matéria Técnica: Para uma Estratégia da Publicidade, de 1960
Simondon aborda, voltado para a distinção do ob.t. com algo que apresenta um valor de uso e
valor de troca, as estratégias utilizadas na publicidade, a fim de que x objeto seja vendido. Isto
é, ele apresenta em detalhes como se manifesta esse fenômeno e as consequências disso. Nesse
sentido, o efeito halo seria um tipo de efeito segundo o qual o objeto é enxergado pelo indivíduo
que compra ou pretende comprar, como algo cujas utilizações orbitam entorno do mesmo, sem
necessariamente serem compatíveis com a essência técnica que o compõe. Ou seja, a estrutura
técnica é percebida segunda uma estrutura psicossocial, a qual é capaz de distorcer a
compreensão sobre o objeto que é percebido, ao mesmo tempo que apresenta noções de
conhecimento comum para caracterizar os esquemas de pensamento técnico. Para isso, ele
apresenta alguns exemplos como o scooter, a fotografia e outros. Além disso, Simondon ainda
fornece os ditames para que a publicidade não meramente voltada para um consumismo, mas
sim que faça parte da conscientização dos ob.t..
Posteriormente, o texto de provavelmente, como o indica o organizador, 1961, A Mentalidade
Técnica. Este está dividido em quatro seções. Nestas seções, Simondon pretende destrinchar
possibilidades para a compreensão do que comporia uma mentalidade de tipo técnico. Nesse
sentido, ele oferece uma discussão envolvendo o surgimento do domínio teórico, o poder de
interpretação analógico das técnicas, dois postulados sobre os quais os esquemas cognitivos
que compõem a mentalidade técnica estão sob a égide, o antagonismo que existe entre a
produção artesanal e a industrial quando se busca uma análise da afetividade na técnica e uma
certa procura por regras de conduta de uma ação voluntária dentro do campo da técnica. A
conclusão principal que vale mencionar, é a de que uma mentalidade técnica propriamente dita
está longe de estar completamente formada, e, justamente por estar estreitamente vinculada ao
surgimento das novas técnicas pós-industriais, deve permanecer constante a busca para
compreender a sua formação e as implicações que dela advém.
Após, Cultura e Técnica, artigo no qual ele discute mais propriamente a respeito da noção de
cultura, fornecendo um interessantíssimo paralelo para com a noção de cultivo que existe na
humanidade, seja na pecuária como na agricultura. Ele reafirma aqui, por meio do detalhamento
da concepção de cultura, como é errônea a oposição entre cultura e técnica, uma vez que traz
prejuízos para a própria forma de organização cultural que existe no humano. Imediatamente,
vem o resumo Técnica e Escatologia: O Devir dos Objetos Técnicos de 1972, onde ele mostra
certas oposições a dicotomias conhecidas como a levantada por certos autores da alma e do
corpo, e como elas estão estreitamente ligadas a outras, como por exemplo no campo da técnica,
a o operador e ferramenta. A partir disso, ele mostra certas implicações, recorrendo à
antiguidade, à modernidade, e à atualidade.
Logo depois, Três perspectivas para uma Reflexão sobre a Ética e a Técnica de 1983. Este
artigo reparte-se em Ética e técnica das destruições. Ética e técnica das construções. Dialética
de recuperação. Por meio dessas três partes, ele ilustra três perspectivas por meio das quais
pode-se enxergar a técnica numa esfera ética. Sua conclusão é de que, embora uma técnica não
seja suficiente para sustentar uma ética, a autonormatividade advinda de uma tecnologia
profunda, estaria de acordo, na expressão nitzscheana, a uma Gaia Ciência, ou seja, a uma
afirmação da riqueza do mundo, e das potencialidades que nele podem existir, sem que a ele
ocorram prejuízos.
Em seguida, iniciando a terceira parte há o texto Psicosociologia do Cinema, de 1960. Este
texto, anunciado como exclusivo segundo os responsáveis por organizar esta obra, tem um tom
bem inacabado. Ele está dividido entre uma introdução e a seção Cine e passado. O Cinema
como herdeiro. Aqui Simondon traz à luz a realidade psicosociológica do cinema, a fim de
mostrar que este não pode ser resumido a um instrumento de prazer, meio de propaganda, ou
procedimento pedagógico, uma vez que ele é um tipo de atividade que não apenas oferece
conceitos totalmente próprios, como também tem a potencialidade oferecer verdadeiras visões
de mundo. Assim, abordando as heranças a que cinema dispõe, e remetendo à taumaturgia
gregas, sombras chinesas e à lanterna mágica, ele mostra como esses ancestrais do cinema não
apenas são técnicas de projeção, como também verdadeiras amplificações e fusões.
Supostamente, como o indica um breve comentário sobre o texto, acompanhariam a estas,
outras duas partes sobre a relação entre o cinema com o presente e o futuro.
Seguidamente, Objeto Técnico e Consciência Moderna, e Antropotecnologia, ambos de 1961.
Estes breves e inéditos textos, retirados dos arquivos pessoais de Simondon, apresentam uma
crítica do modernismo técnico, e estão voltados para a antropotecnologia. Nesse ínterim, ele
mostra o quão irrelevante é ainda sustentar uma querela entre antigos e modernos, uma vez que
um não é superior ao outro, mas que ao mesmo tempo o homem é capaz de colocar-se em
condição de escravidão por meio do ob.t.. Para que tal não ocorra, segundo ele, além de uma
psicanálise do ob.t., deve seguir-se um trabalho de construção no sentido da antropotecnologia,
a fim de que se faça “dos esquemas técnicos conteúdos da cultura, e a fazer da tecnologia o
equivalente de uma lógica simbólica ou de uma estética” (2017, p. 350). Posteriormente, Objeto
Econômico e Objeto Técnico de 1962. O qual, a fim de mostrar os elementos que envolvem a
concepção de um objeto técnico quando envolvido no meio econômico, ou seja, interpretável
como um objeto econômico, mostra mais detalhes a respeito do que pressupõe e implica a noção
de ob.t.. Ele está dividido entre O que podemos entender por “objeto técnico, e Influência dos
fatores econômicos dentro dos processos de concretização: três níveis de tecnicidade.
Para concluir a terceira parte, o texto Reflexões sobre a Tecnoestética de 1982. Trata-se de uma
carta-resposta voltada a Derrida, uma vez que este enviara a diversos outros filósofos uma carta
circular sobre a fundação do Colégio Internacional de Filosofia, mas que nunca foi de fato
enviada por Simondon, e sim, por sua esposa Michelle. Além disso, a carta tem quatro
suplementos sobre a tecnoestética. Por fim, a terceira e última parte está dividida entre as
entrevistas concedidas em 1965, 1968 e 1983, respectivamente, Entrevista sobre a Tecnologia
com Yves Deforge, Entrevista sobre a Mecanologia: Gilbert Simondon e Jean Le Moyne e
Salvar o Objeto Técnico. Nas três ele aborda as principais questões envolvendo usa tese
complementar, a saber, MEOT, trazendo à luz diversas clarificações conceituais e exemplos
que inspiram sua reflexão.

Referências
BONTEMS, V. Por que Simondon? A trajetória e a obra de Gilbert Simondon. Tradução:
Pedro Henrique Andrade. In: Revista Eco Pós: Rio de Janeiro, vol. 20, n. 1, p. 30–46, 2017.
SIMONDON, G. Individuación à la Luz de las Nociones de Forma e Informação.
SIMONDON, G. El Modo de Existencia de los Objetos Tecnicos. Traducción: Margarita
Martínez e Pablo Rodriguez. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2007.

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