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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

31º Encontro Anual da Compós, Universidade Federal do Maranhão. Imperatriz - MA. 06 a 10 de junho de 2022.

A CELEBRIDADE-ACONTECIMENTO MARÍLIA MENDONÇA:


o obituário da Folha e as reverberações entre influenciadoras
gordas no Instagram1
THE CELEBRITY AS AN EVENT MARÍLIA MENDONÇA: the
obituary on Folha and the reverberations among fat influencers
on Instagram
Dayana Cristina Barboza Carneiro2

Resumo:
O presente artigo propõe a compreensão da cantora Marília Mendonça como uma celebridade-acontecimento
(SIMÕES, 2014b) configurada a partir de seu poder hermenêutico e de afetação. Para isso, trazemos à tona os
valores associados à cantora, com ênfase naqueles relacionados ao feminino, como o feminismo, o culto ao
corpo, a beleza e a magreza. Em um segundo momento, voltamos o nosso olhar para o obituário da Folha de S.
Paulo – criticado por seu machismo e gordofobia – e para os posts feitos por influenciadoras gordas no
Instagram em resposta à publicação com o objetivo de apreender os valores em disputa que emergem a partir
dessas ações, tendo em perspectiva a imagem pública de Marília Mendonça.

Palavras-Chave: Celebridade-acontecimento. Valores. Marília Mendonça.

Abstract:
This paper aims the understanding of the singer Marília Mendonça as a celebrity as an event (SIMÕES, 2014b)
from her hermeneutic power and afect. We present the values associated to the singer, emphasizing those
related to the feminine, such as feminism, the cult of the body, beauty and thinness. In a second moment, we turn
our eyes to the obituary of Folha de S. Paulo – criticized due to machismo and fatphobia– and the posts written
by fat influencers on Instagram in response to the publication with the objective of apprehending the disputed
values that emerge from these actions, having in perspective the public image of Marília Mendonça.

Keywords: Celebrity as an event. Values. Marília Mendonça.

Introdução
Em 5 de novembro de 2021, o avião que levava a cantora Marília Mendonça3 e parte
da sua equipe para uma série de shows em Minas Gerais caiu em Piedade de Caratinga (MG)4.
A cantora não resistiu à queda da aeronave e faleceu aos 26 anos, deixando o filho Léo, à

1
Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação e Sociabilidade do 31º Encontro Anual da Compós,
Universidade Federal do Maranhão, Imperatriz - MA. 06 a 10 de junho de 2022.
2
Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais
(PPGCom/UFMG); Mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP); email:
barboza.dayana@gmail.com.
3
Marília Mendonça nasceu em Cristianópolis, Goiás, e, como conta Silveira (2020), sua história com a música
começou ainda criança; aos 12 anos, ela já escrevia músicas. Foi por meio da composição que a cantora
começou a ocupar o seu espaço no meio sertanejo, emplacando sucessos nas vozes de João Neto & Frederico
(“Minha Herança”) e Cristiano Araújo (“É Com Ela Que Eu Estou”), entre outros. A canção que projetou
Marília nacionalmente como intérprete foi “Infiel”, lançada em 2015.
4
No acidente, morreram também o tio e assessor pessoal de Marília, Abicieli Silveira Dias Filho, o piloto do
avião, Geraldo Martins de Medeiros Júnior, o copiloto, Tarciso Pessoa Viana, e o produtor da cantora, Henrique
Ribeiro.

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época do acidente com menos de 2 anos. Com uma carreira reconhecida e números notáveis5,
Marília se tornou a “rainha da sofrência” e uma das grandes representantes do movimento
feminejo.
Por suas características e trajetória, além da forma trágica e inesperada como tudo
aconteceu, a morte de Marília alcançou o status de um acontecimento, tal qual como o
concebe Quéré (2005; 2012), fazendo incidir o seu poder hermenêutico e, configurando-se,
desse modo, como uma “fonte de sentido para a compreensão do mundo” (SIMÕES, 2014b).
O acontecimento também exerceu o seu poder de afetação: ele assim pode ser lido porque
afeta a vida das pessoas e gera reações localizadas em um “determinado quadro espaço-
temporal” (FRANÇA; SIMÕES, 2020, p. 10).
A morte de Marília gerou uma comoção nacional e uma repercussão também
internacional6. Um dia após o seu falecimento, a cantora tinha 74 músicas no top 200 do
Spotify7, uma das principais plataformas de streaming de música do mundo. Com a notícia da
queda do avião, as emissoras de televisão brasileiras fizeram entradas ao vivo e transmitiram
a retirada dos corpos. O velório da cantora, que aconteceu em um ginásio na cidade de
Goiânia (GO), recebeu cerca de 100 mil pessoas8 e contou com a presença de famosos como
seus grandes amigos Maiara & Maraisa e Henrique & Juliano. Após o velório, o corpo saiu
em cortejo pela cidade acompanhado por ônibus de vários artistas sertanejos e sob aplausos.
Por meio do seu poder hermenêutico, a morte de Marília deu a ver várias questões que
dizem sobre o contexto contemporâneo. A humanidade e a fragilidade das celebridades veio à
tona e, ao mesmo tempo, uma narrativa de atribuição de “imortalidade” a Marília pela sua
vida e obra se fez presente: a “glória da imortalidade” (SIMÕES, 2018). Outra temática que

5
Marília Mendonça foi a artista mais ouvida no Brasil nos streamings de música (Spotify, Deezer e YouTube) no
ano de 2020. A cantora ganhou o Grammy Latino em 2019 como melhor álbum sertanejo e foi uma das
personagens da série “Autênticas”, do GNT, no mesmo ano. Em 2022, a Netflix anunciou que a cantora terá a
sua história de vida contada em uma série produzida pela plataforma.
Disponível em: https://rollingstone.uol.com.br/musica/marilia-mendonca-foi-artista-mais-ouvida-no-brasil-nos-
streamings-em-2020/ Acesso em 17 fev. 2022.
6
Morte de Marília Mendonça emplaca o termo “Feminejo” no The New York Times
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/11/morte-de-marilia-mendonca-e-noticiada-pelo-
jornal-the-new-york-times.shtml Acesso em 16 fev. 2022.
7
Disponível em: https://www.otempo.com.br/diversao/marilia-mendonca-poe-74-musicas-no-top-200-do-
spotify-um-dia-apos-sua-morte-1.2566723 Acesso em 17 fev. 2022.
8
Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/11/4961161-uma-multidao-de-100-mil-
pessoas-se-despede-de-marilia-mendonca.html Acesso em 17 fev. 2022.

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emergiu foi a questão dos interesses econômicos na sociedade capitalista9 e, de modo


específico, na indústria da música sertaneja, que, devido ao seu modus operandi, leva os
cantores e suas equipes a realizarem exaustivas viagens para cumprir sua agenda de shows.
Após a morte de Marília, diversas homenagens foram feitas à cantora: manifestações
populares, de celebridades, de políticos e da mídia10 reforçaram a trajetória da cantora e o que
ela representa para a música brasileira e o feminejo. Na contramão desses tributos, no mesmo
dia da morte da cantora, um obituário da Folha de S. Paulo11, intitulado “Marília Mendonça,
“rainha da sofrência”, não soube o que é fracasso”, de autoria de Gustavo Alonso, ganhou
visibilidade e gerou indignação sob acusação de machismo e gordofobia. Perante a
publicação do obituário, influenciadoras gordas se mobilizaram e se manifestaram na rede
social digital Instagram.
Diante deste cenário, o presente artigo propõe a apreensão da cantora Marília
Mendonça como uma celebridade-acontecimento (SIMÕES, 2014b) conformada a partir de
seu poder hermenêutico e de afetação. Trazemos à tona os valores vinculados a Mendonça,
com ênfase naqueles relacionados ao feminino, como o feminismo, o culto ao corpo, a beleza
e a magreza. Após esse movimento, voltamos nosso olhar para o obituário publicado pela
Folha em relação às publicações de seis influenciadoras gordas para problematizar quais
valores foram acionados nessas ações e de que maneira eles estão relacionados à figura
pública de Marília e conformam uma disputa de valores.

1. Celebridade-acontecimento: as dimensões do poder hermenêutico e do poder


de afetação
Depois de refletir sobre a morte de Marília Mendonça como um acontecimento,
propomos, a partir de agora, pensar sobre como a cantora pode ser apreendida como uma
“celebridade-acontecimento” (SIMÕES, 2014b). Ao acionar este conceito, buscamos
compreender de que maneira traços, princípios e valores da nossa sociedade se articulam com
essa celebridade: o que ela revela acerca do contexto contemporâneo? (SIMÕES, 2014b) ou,
dito de outra maneira, o que essa celebridade diz sobre nós? A pergunta está relacionada ao

9
Disponível em: https://www.agazeta.com.br/artigos/a-tragedia-com-marilia-mendonca-e-o-papel-do-artista-
popular-no-capitalismo-1121 Acesso em 17 fev. 2022.
10
Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2021/11/05/luto-fas-artistas-e-politicos-lamentam-morte-e-
postam-despedidas-de-marilia-mendonca Acesso em 13 fev. 2022.
11
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/11/marilia-mendonca-rainha-da-sofrencia-nao-
conheceu-o-fracasso.shtml Acesso em 11 fev. 2022.

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poder hermenêutico que as celebridades podem exercer a partir das suas ações, o que dá a ver
uma das faces da sua “dimensão acontecimental” (SIMÕES, 2014b).
Graças ao seu poder hermenêutico, as figuras públicas de referência se constituem
como índices de valores inscritos em um determinado contexto sócio-histórico-cultural
(SIMÕES, 2014b). Esses valores são construídos em relação, negociados e compartilhados
socialmente e se configuram como [...] referências culturais que controlam relações
intersubjetivas, evidenciando regras, modos de conduta e expectativas morais que incidem
sobre suas práticas, ou seja, mostrando ‘o que seria melhor fazer’” (COÊLHO; CORRÊA,
2014, p. 201).
Nessa dinâmica, as celebridades atuam como uma das forças na configuração dessas
referências que também conformam os processos de constituição das celebridades. Do
mesmo modo, elas são representativas dos valores do seu tempo. Ao exercerem esse papel,
trazem à superfície a complexidade e a incoerência do corpo social e, ao colocar uma lente de
aumento sobre quem somos, elas expõem as nossas contradições (INGLIS, 2012).
Nesse processo, emergem mecanismos de projeção, identificação e
contraidentificação12. No tensionamento entre admiração e crítica, os sujeitos constroem a
sua relação com as celebridades (SIMÕES, 2014a).

[...] entendemos, de forma quase literal, que “celebridades” são pessoas que – por
razões diferenciadas – se tornam amplamente conhecidas e, para além disso,
admiradas (ou detestadas), provocam sentimentos de adesão e/ou repulsa, são
tomadas como modelos (ou contra-modelos), suscitam formas distintas de
celebração (FRANÇA; SIMÕES, 2020, p. 4-5).

À vista disso, Inglis (2012) dá relevo à maneira como o estudo desse fenômeno revela
dinâmicas de constituição e tensionamento do conjunto de normas e princípios da nossa
sociedade. Seja por valores condenáveis ou elogiáveis, seja por externar o que se oculta ou
representar o que se expõe, as celebridades ensinam um “jeito de se estar no mundo”
(INGLIS, 2012).
O autor utiliza a metáfora do adesivo para refletir sobre o papel que essas figuras
públicas de referência exercem na vida social: elas têm a função de serem “adesivos” ao
estimular uma reaproximação, ajudando a manter uma coesão social e o compartilhamento de
12
“Um sujeito pode projetar seus sonhos de riqueza na experiência dos famosos (projeção); ou reconhecer uma
situação vivida por uma celebridade como semelhante à sua (identificação); ou, ainda, marcar o afastamento de
sua vida em relação à conduta de um ídolo, ao denunciar seus fracassos e deslizes (contraidentificação)”
(SIMÕES, 2014a, p. 215).

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valores. Em consonância com essa perspectiva, Kanradt (2019) afirma que as celebridades
assumem na sociedade contemporânea um papel de unicidade e referência para as ações dos
indivíduos que com elas se identificam.

A partir dos valores e das expectativas que engendram, as celebridades ajudam os


indivíduos a se protegerem, diante da profusão de choques que marcam a sua
existência na sociedade contemporânea. Ao se identificarem com pessoas célebres e
se posicionarem em relação a seus comportamentos, os sujeitos exibem valores que
orientam sua conduta na vida cotidiana (KANRADT, 2019, p. 11).

A dimensão do poder de afetação de uma celebridade-acontecimento se faz presente


por meio de processos resultantes da relação celebridades-valores-sujeitos “[...] convocando
públicos e promovendo produção e circulação de sentidos entre os sujeitos (FRANÇA,
LOPES, 2017, p. 80). Como explica Simões (2014a), a celebridade-acontecimento aflora no
corpo social gerando uma descontinuidade, uma fratura.
Essa ruptura na linearidade dá relevo ao papel desempenhado pela figura pública que
é entendido como louvável naquele campo de atuação e que delimita uma demarcação a
partir daquela emergência: “um antes e um depois daquela celebridade” (SIMÕES, 2014a).
Tal visada reforça o entendimento de que a constituição das celebridades não se dá de forma
separada, em uma instância descolada do social, assim, o fenômeno deve ser pensado em
diálogo com o contexto na qual está inserido.

2. Marília Mendonça e valores contemporâneos


Quando olhamos para a inserção de Marília Mendonça na cena pública, algumas
características e acontecimentos, que serão mobilizados aqui, emergem como representativos
na trajetória da cantora e dão a ver valores da nossa sociedade. A primeira delas é a oposição
ao machismo adotando, assim, uma perspectiva feminista. Esse posicionamento de antítese
frente ao machismo, enquanto valor hegemônico e que se constitui de maneira estrutural, fica
demarcado pelo próprio movimento do qual Marília é considerada um dos grandes nomes: o
feminejo13. Como conta Vaz (2021), o subgênero emerge em 2011 quando a cantora Naiara
Azevedo grava “Coitado” em resposta à música “Sou foda”, de Carlos e Jader, considerada
machista:

13
Importante ressaltar que a presença das mulheres na música sertaneja é anterior ao feminejo, mas “Apesar da
presença anterior de mulheres no gênero musical, consideramos que as músicas eram diferentes das atuais e, na
maior parte, românticas” (VAZ, 2021, 222).

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O termo feminejo surge a partir não só do aumento de mulheres que cantam a


música sertaneja, mas também de uma nova imagem das mulheres representadas
nas canções, que passam a ser mostradas como protagonistas e empoderadas nas
relações de trabalho ou afetivas (VAZ, 2021, p. 221-222).

Em consonância com isso, a crítica ao machismo e uma posição feminista se faz


presente nas letras de várias músicas de Marília Mendonça. Como cantora e compositora, as
ações de Mendonça se materializam nas canções e é nessa práxis que o seu posicionamento
em prol da emancipação e dos direitos das mulheres fica mais evidente. Em canções como
“Todo mundo menos você”, “Você não manda em mim” e “Presepada”, a “rainha da
sofrência” coloca a mulher em primeira pessoa para falar sobre protagonismo feminino,
autoestima, empoderamento, respeito, machismo, relacionamentos abusivos e padrão de
beleza, entre outras temáticas.
Marília é às vezes a mulher traída (“Infiel”); outras vezes, a amante (“Amante não
tem lar”); conta como é a vida de uma prostituta em primeira pessoa (“Troca de calçada”); e
incorpora a amiga que dá conselhos (“Supera”). No entanto, apesar de esse aparente
posicionamento a favor dos direitos e da empancipação das mulheres, a própria constituição
do movimento feminejo é complexa e abarca, em si, contradições: um aparente paradoxo
entre agir como feminista, mas não se reconhecer como tal.

Conforme identificado nas reportagens e músicas, as cantoras defendem a ruptura


com os padrões de beleza, a inserção no mercado de trabalho fonográfico em
condições de igualdade com os homens e o empoderamento feminino. Essas são
perspectivas encampadas pelo feminismo. Ou seja, as cantoras representam
perspectivas feministas, ao mesmo tempo em que algumas vezes negam esse
feminismo (VAZ, 2021, p. 238).

Em 2016, a própria Marília Mendonça, em entrevista, fez críticas ao feminismo


afirmando que “Eu acho que o feminismo diminui a mulher muitas vezes. Para haver
igualdade, não temos que ficar pedindo nada, temos que trabalhar”14. Aqui, a cantora
fundamenta o seu discurso com base em uma ideia de um feminismo prescindível, já que as
questões de gênero podem ser “superadas” a partir do esforço. Tal posicionamento traz à tona
a questão moral do trabalho e uma ideia de meritocracia, desconsiderando o machismo como
uma opressão estrutural. No entanto, como explica Silveira (2020), em uma análise mais

14
Disponível em:
https://g1.globo.com/musica/noticia/2016/08/maquina-de-hits-marilia-mendonca-ve-fama-como-cruz-e-critica-
feminismo.html Acesso em 13 fev. 2022.

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atual, foi possível observar uma mudança no posicionamento da cantora sobre esse
alinhamento ao feminismo:
Se no início da carreira e consolidação do feminejo Marília e suas congêneres
rejeitavam associação com o feminismo, julgando-o vitimista ou evitando o termo,
hoje já falam mais abertamente sobre, começando a nomear como tal a
independência feminina que vêm cantando (SILVEIRA, 2020).

Importante ressaltar, nesse contexto, que as ações de Marília sempre estiveram


localizadas em um contexto mais amplo, em que o sertanejo universitário15, no qual o
feminejo se insere, é marcado pela masculinidade hegemônica como valor social (FRANÇA;
VIEIRA, 2021). Como contam França e Vieira (2021), no início da década de 2010, as
canções desse subgênero eram caracterizadas por temáticas relacionadas à juventude urbana,
como “baladas” e “conquistas sexuais”. No entanto, em uma abordagem mais recente,
explicam os autores, é possível observar um deslocamento em direção à “sofrência”, com
músicas sobre amor, por vezes mal-sucedido, relacionamentos afetivo-sexuais, sofrimento e
traição.
Em uma primeira leitura, a “sofrência” dos homens no sertanejo universitário é a
mesma cantada pelas mulheres no feminejo. Além do compartilhamento de temáticas
características, o modelo binário, heteressexual e monogâmico demarca quem são as
mulheres que o feminejo representa. Apesar de trazerem à tona, em suas músicas e entrevistas,
pautas feministas, como o poder de escolha da mulher e a desconstrução dos padrões de
beleza, as feminejas dizem em nome de uma mulher específica: “[...] mulheres brancas,
heterossexuais, que possuem condições mínimas para se sustentar e não dependem
emocionalmente de relacionamentos, o que evidencia que temáticas caras às mulheres negras,
por exemplo, não estão presentes nessa representação” (VAZ, 2021, 237).
Esse recorte do feminejo, com base em um feminismo que não é plural, tem como
sintomático um episódio em uma live de Marília Mendonça. A cantora cometeu um ato
transfóbico16 após rir de um amigo que se relacionado com uma mulher trans. Diante das
críticas, Mendonça se desculpou em uma rede social na manhã seguinte ao fato e também
criou ações para dar visibilidade à luta anti transfobia, como abrir espaço para a fala de uma

15
Para compreender as origens do sertanejo universitário, França e Vieira (2021) traçam uma linha do tempo a
partir da música caipira; depois, a inserção das canções no mercado fonográfico e a emergência da música
sertaneja; nos anos 1980 surge o sertanejo romântico e, finalmente, nos anos 2000, o subgênero sertanejo
universitário.
16
Disponível em: https://revistaquem.globo.com/QUEM-News/noticia/2020/08/marilia-mendonca-e-acusada-
de-transfobia-e-vira-o-assunto-mais-comentado-da-web.html Acesso em 13 fev. 2022.

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mulher trans durante uma de suas lives17. O ocorrido dá a ver, assim, as contradições da face
pública da cantora que, apesar de se posicionar de maneira progressista sobre diversas pautas
relacionadas ao feminismo, tinha atitudes preconceituosas e reprováveis, como a fala na live.
Ao mesmo tempo, demonstra que, apesar dessas delimitações no interior de um feminismo
que não é progressista, já que reforça alguns valores fixos da sociedade – como a
heterossexualidade, o trabalho, a riqueza e a família, entre outros – há uma movimentação
dessa mulher rumo a pautas mais diversas – que vão além do feminismo branco liberal e
“meritocrático”.
Apesar de ser possível identificar consonâncias estruturantes da sofrência também no
feminejo, quando avançamos nas discussões, é possível perceber que, não obstante ao
compartilhamento de temáticas e de posicionamentos, a sofrência masculina carrega em si
um paradoxo, notadamente marcado pelo modelo de masculinidade hegemônico, como
evidenciam França e Vieira (2021, p. 24): “a expressão do sofrimento, sem que isto
comprometa a masculinidade do eu lírico sofredor; a importância social (mas também os
riscos) do casamento para o homem”.
Nesse quadro, as músicas do sertanejo universitário trazem dinâmicas de
relacionamentos que possuem componentes que remontam ao assédio, ao controle e às
violações e violências contra a mulher, mesmo que apresentados como românticos
(FRANÇA; VIEIRA, 2021). Sendo assim, as canções das mulheres do feminejo
correspondem, nesse cenário, a uma contestação e uma reação ao modo como o lugar social
da mulher é construído nas letras e nas vozes masculinas, elas cantam contra a
subalternização da mulher.
Ainda sobre esse tensionamento das relações de gênero no universo sertanejo, outro
momento representativo do posicionamento de Marília sobre as pautas feministas é a adesão
à campanha #EleNão18, quando a cantora se manifestou contra a candidatura à presidência de
Jair Bolsonaro, reconhecido por suas declarações machistas19. Mendonça aderiu ao
movimento, mas ela e sua família sofreram ameaças e críticas de parte do seu público que

17
Disponível em: https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/celebridades/apos-cometer-transfobia-marilia-
mendonca-se-redime-com-modelo-trans-em-live-44325 Acesso em 10 mar. 2022.
18
Sobre o papel das celebridades brasileiras no movimento #EleNão, Cf. Simões (2021) Disponível em:
https://proceedings.science/compos/compos-2021/papers/politica-de-celebridades-no-brasil-contemporaneo
Acesso em 16 fev. 2022.
19
Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-08-12/a-misoginia-do-governo-bolsonaro-vai-parar-na-
justica.html Acesso em 16 fev. 2022.

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argumentou que ela não entendia de política. “[...] no post Marília também pediu desculpas a
mulheres que ‘acreditava estar defendendo’ com seu ato e usou de ironia se desculpando com
os homens ‘por acreditar que uma opinião não os feriria” (SILVEIRA, 2020).
França e Vieira (2021) trazem elementos que ajudam a explicar o porquê das
retaliações sofridas por Mendonça ao assumir esse posicionamento político: a relação entre o
sertanejo universitário e o bolsonarismo. Como demonstram os autores, diante do avanço das
pautas feministas e de um cenário de instabilidade social20, valores como a “família”, o “amor
bem-sucedido” e, por outro lado, a “ordem”, a “disciplina” e os “armamentos” se constituem
como pontos de convergência na busca pela manutenção de uma masculinidade hegemônica,
fortemente presente no sertanejo universitário, evidenciando, assim, um viés conservadorista
e patriarcal. “A sofrência, neste sentido, denota uma masculinidade machucada e que busca
se restabelecer, colocar as coisas novamente em ordem - assim como a candidatura de
Bolsonaro pode colocar ordem no país e trazer segurança, (simbolizada pelo uso de armas)”
(FRANÇA; VIEIRA, 2021, p. 27).
Ainda na trilha das discussões sobre os valores associados à figura pública de Marília,
é importante refletirmos, nesse momento, sobre como o individualismo se configura como
um dos importantes motores na construção das celebridades modernas (FRANÇA; SIMÕES,
2020).
O individualismo é acompanhado pela valorização da autonomia e da autenticidade
individuais, da busca pela felicidade como projeto individual, bem como do culto ao
corpo como um dos projetos de realização do indivíduo. A beleza e os hábitos para
uma vida (física e psíquica) saudável - em relação à alimentação, à atividade física e
às emoções - são enaltecidos nos projetos de vida contemporâneos [...] (SIMÕES,
2014b, p. 48).

De modo específico e, considerando o enfoque proposto por esta pesquisa, damos


destaque ao culto ao corpo como uma das faces desse personalismo contemporâneo. No
âmbito dessa discussão, Inglis (2012), ao recuperar os processos que culminaram com a
configuração das celebridades modernas, nos lembra como a beleza – conformada a partir de
uma aparência e um visual – está no cerne da constituição das celebridades. Nesse contexto, o
corpo e seus adereços emergem como uma característica/qualidade que gera um tipo de

20
“Essa mudança coincide com a grande reviravolta no cenário político brasileiro (impeachment da presidenta
Dilma, governo Temer), e com uma onda de conservadorismo que vem atravessando a sociedade, representada
sobretudo por certas vertentes evangélicas (neopentecostalismo)” (FRANÇA; VIEIRA, 2021, p. 26).

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reconhecimento, revelando a relação entre imagem corporal e beleza e status social


(JIMENEZ-JIMENEZ, 2020).
Sobre a beleza, Eco (2013) evidencia o seu caráter relacional ao afirmar que o
entendimento sobre o que é belo é marcado pela efemeridade, uma vez que a sua constituição
está relacionada ao contexto histórico em que ele se inscreve: a ideia da beleza é uma
construção social e, por isso, ela “[...] jamais foi algo absoluto e imutável” (ECO, 2013, p.
14). Tal entendimento é corroborado por Jimenez-Jimenez (2020) que explica que o que é
considerado belo é imposto por discursos de poder que, ao longo dos tempos, associaram a
beleza a algo bom, superior e divino.
Na atualidade, a beleza está fortemente associada à branquitude e à magreza. Pinho
(2021) traz à tona a ideia da branquitude como valor social, em sua dimensão aspiracional,
enquanto desejo: “[...] proponho que a branquitude seja entendida também como um valor
social, a ser preservado, por aqueles que já o detêm, e a ser obtido, por aqueles que ainda não
o possuem” (PINHO, 2021, p. 37). Partindo dessa leitura social proposta por Pinho (2021), é
possível depreender que a magreza se constitui como um valor a ser alcançado na atualidade,
contribuição que este artigo busca trazer para a discussão sobre os valores contemporâneos.
Ao se configurar como um valor, a magreza gera dois processos distintos, porém
relacionados: a pressão estética e a gordofobia.
A pressão estética atinge a todos: homens e mulheres; brancos e negros; magros e
gordos e caracteriza-se pela imposição de um padrão de beleza universalizante e excludente,
baseado na branquitude e na magreza. No entanto, o padrão de beleza não se impõe de
maneira equitativa a todos. No caso específico da relação de gênero, historicamente as
mulheres são as mais afetadas no que se refere aos processos de objetificação do corpo, de
estereotipização das sujeitas, de doenças relacionadas à fixação pelo corpo magro, como a
bulimia e a anorexia, e de incentivo à realização de procedimentos estéticos, entre outros. A
busca por esse padrão de beleza, acaba revelando-se como uma face de uma sociedade
capitalista e patriarcal e uma das formas de controle social (LIMA, 2021; WOLF, 2018).
Já a gordofobia vai além da pressão estética. “Aqui, é importante dizer que a pressão
estética que sofrem as mulheres de forma geral é muito diferente de gordofobia. A gordofobia
não se resume a bullying gordofóbico ou pressão estética e nem mesmo é um debate centrado
em autoestima, beleza e roupas” (LIMA, 2021, p. 118 - grifo da autora). Ela é um
comportamento social (ARRUDA, 2021), uma discriminação que se configura como

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preconceito estrutural e institucionalizado ao atravessar todas as dimensões da vida social


(JIMENEZ-JIMENEZ, 2020): “[...] corpos gordos perdem a humanidade, são estigmatizados,
humilhados e banidos do convívio social” (JIMENEZ-JIMENEZ, 2020, p. 60). Do mesmo
modo que a pressão estética, a gordofobia se impõe de maneira diferente a homens e
mulheres: ela também é uma questão de gênero.
A publicação do obituário na Folha de S. Paulo não foi a primeira vez que Marília foi
vítima de gordofobia. Na live “Vem aí”21, que aconteceu em 17 de outubro de 2020, a cantora
leu ao vivo um comentário que havia recebido em suas redes sociais: “Vem aí, sedentária”.
Marília deu uma risada, meio sem graça, e seguiu com a apresentação. Aqui fica clara a ideia
de patologização do corpo gordo (que é o entendimento de que toda pessoa gorda é, a priori,
doente) e os estereótipos ligados à pessoa gorda, como preguiçosa, doente e sedentária.
Suas participações no extinto Programa do Faustão, da Rede Globo, também eram
marcados por constantes comentários sobre o corpo da cantora. Quando havia passado por
um processo de emagrecimento, Mendonça chegou a questionar ao apresentador Faustão se
ele não ia falar nada sobre o seu novo corpo, 20 kg mais magro: “Não vai falar que eu
emagreci?22”, o que indica a centralidade dessa questão na trajetória da cantora. Quando
perguntada em uma entrevista: “Você não é o tipo de pessoa que segue tendências e/ou
imposições de beleza ou moda. O que te faz ser assim?”, Marília respondeu:

Nada na minha vida é imposto! Não sou obrigada a ser magra, me render a
modinhas para ser feliz. Eu canto, não subo na passarela. Inventam um padrão e as
pessoas têm de seguir. Isso é um absurdo. Você tem de fazer e ser como quiser.
Talento não tem relação com balança ou roupa, e se você o tem será aceita pelo seu
trabalho. Isso vale para todas as áreas. Agora, se a pessoa quiser mudar por ela,
ok.23

Assim como outras celebridades, como a cantora inglesa Adele e as próprias colegas
do sertanejo, Simone, da dupla com Simaria, e Maiara, da dupla com Maraísa, Marília passou
por processos de emagrecimento. Em um deles, em 2018, ela afirmou que o motivo do
emagrecimento era a saúde, mas fez referência ao fato de já ter se submetido a procedimentos

21
Disponível em: http://portalbelohorizonte.com.br/eventos/apresentacao-artistica/musica/live-vemai-marilia-
mendonca Acesso em 14 fev. 2022.
22
Disponível em: https://observatoriodatv.uol.com.br/noticias/apos-perder-20-kg-marilia-mendonca-questiona-
faustao-nao-vai-falar-que-eu-emagreci Acesso em 14 fev. 2022.
23
Disponível em: https://revistamarieclaire.globo.com/Celebridades/noticia/2016/12/nao-sou-obrigada-ser-
magra-dispara-marilia-mendonca-sobre-corpo.html Acesso em 14 fev. 2022.

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com foco no emagrecimento, como o balão gástrico24. Tais acontecimentos reforçam o modo
como a referência ao corpo e à beleza ocuparam um lugar central na inserção de Marília
Mendonça na cena pública, configurando como valores associados à cantora, além do
feminismo, o culto ao corpo, a beleza e a magreza.

3. Valores em disputa: o obituário da Folha e as reverberações entre


influenciadoras gordas no Instagram
Como explica Silveira (2020), Marília Mendonça associava-se majoritariamente ao
segmento feminino jovem e adulto. No entanto, o seu poder de afetação não se limitou a esse
público em vida. A sua morte e, de modo específico, o obituário publicado na Folha de S.
Paulo configurou públicos a partir do poder de afetação desse acontecimento. Partindo do
entendimento de públicos do filósofo da corrente pragmatista John Dewey25 e, considerando
os objetivos deste trabalho, iremos analisar a maneira como um público específico –
influenciadoras gordas com perfis no Instagram – foi afetado, se mobilizou e se manifestou
nesta rede social a partir da divulgação do obituário na Folha.
Em consonância com essa proposta, as sujeitas da nossa pesquisa são mulheres e
influenciadoras e gordas. O delineamento do corpus foi feito considerando o recorte temporal
definido para a pesquisa: de 5 de novembro de 2021 (dia da morte da cantora) até o dia 9 de
novembro de 2021. A definição das publicações que compõem o corpus final foi baseada em
um critério numérico: o número de seguidores de cada influenciadora autora do post. Ao final,
chegamos ao total de seis posts, de acordo com a listagem abaixo:

TABELA 1
Seleção do corpus

Posts selecionados Influenciadoras

Dois posts de influenciadoras com até 3 mil seguidores @tamanhoggrande26 e @nalaurocha27

24
Disponível em: https://www.purepeople.com.br/noticia/marilia-mendonca-mantem-dieta-apos-emagrecer-20-
kg-saude_a247228/1 Acesso em 14 fev. 2022.
25
Para o autor, o público pode aparecer a partir de um acontecimento. Ele é uma formação coletiva que não se
constrói necessariamente por uma lógica de pertencimento, uma vez que se configura e se engaja em torno de
uma demanda. “A grande visada de Dewey é inverter a lógica do processo de formação de públicos e mostrar
que eles não são determinados a priori, mas surgem em momento de recepção, convocados por determinada
situação problemática (LINS, 2021, p. 61).
26
2.559 seguidores. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CWBhK6WvNBQ/ Acesso em 10 fev. 2022.
27
2.235 seguidores. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CWDil5jFEjX/ Acesso em: 10 fev. 2022.

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Dois posts de influenciadoras com até 30 mil seguidores @aquelamari28 e @gabimenezes29

Dois posts de influenciadoras com mais de 30 mil seguidores @carolzacaa30 e @atletadepeso31

FONTE – Elaboração própria.

O objetivo foi analisar se os valores identificados como associados à figura pública de


Marília – como o feminismo, o culto ao corpo, a beleza e a magreza – se fizeram presentes
também no obituário e na fala das influenciadoras e de que maneira essa dinâmica conformou
uma disputa em torno desses valores.

O obituário da Folha de S. Paulo


O obituário da Folha, de autoria de Gustavo Alonso, publicado no dia 5 de novembro
às 20h37, horas após a morte de Marília Mendonça, gerou repercussão entre intelectuais,
como Djamila Ribeiro32 e Milly Lacombe33 e de artistas, como Tereza Cristina34. A própria
Folha divulgou um texto em resposta ao obituário, assinado pela jornalista Mariliz Pereira
Jorge, intitulado “Mulheres são julgadas pela aparência até quando morrem”35.
No texto do obituário, Alonso afirma: “Nunca foi uma excelente cantora”
deslegitimando, assim, o talento de Mendonça. Em seguida, o autor dá relevo ao aspecto
físico de Marília: “Seu visual também não era dos mais atraentes para o mercado da música
sertaneja, então habituado com pouquíssimas mulheres de sucesso: Paula Fernandes, Cecília
(da dupla com Rodolfo), Roberta Miranda, Irmãs Galvão, Inhana (da dupla com Cascatinha)”.
Ao tecer comentários sobre o corpo de Marília, o autor oferece a ela, mesmo após a morte,
um tratamento equivalente ao que foi recebido ao longo de toda a carreira: uma constante
referência e julgamento sobre o seu corpo.

28
23 mil seguidores. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CV_jwRlszkI/ Acesso em 10 fev. 2022.
29
27,1 mil seguidores. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CWBcZrmFpKg/ Acesso em 10 fev. 2022.
30
42,9 mil seguidores. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CWCKdL_MmW5/ Acesso em: 10 fev.
2022.
31
128 mil seguidores. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CV-lRN2F7SI/ Acesso em 10 fev. 2022.
32
Disponível em: https://www.instagram.com/p/CV87FzdrW51/ Acesso em 14 fev. 2022.
33
Disponível em: https://revistatrip.uol.com.br/tpm/marilia-mendonca-e-a-morte-do-que-poderiamos-ter-sido
Acesso em 14 fev. 2022.
34
Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2021/11/08/feminejo-gordofobia-e-machismo-debates-
tomam-as-redes-apos-morte-da-cantora-marilia-mendonca Acesso em 13 fev. 2022.
35
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marilizpereirajorge/2021/11/mulheres-sao-julgadas-
pela-aparencia-ate-quando-morrem.shtml Acesso em 13 fev. 2022.

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O “visual” de Marília não correspondia ao padrão de beleza vigente. De modo


específico, em uma sociedade e um mercado fonográfico dominado pelos homens, como o da
música sertaneja, aquele não era considerado um corpo atraente (aos olhos de quem?). Aqui,
o culto ao corpo e à beleza emergem como valores vigentes na contemporaneidade,
alicerçados por uma visão sobre as mulheres que condescende e naturaliza que o corpo de
uma celebridade feminina seja pauta de seu obituário. “Isso porque uma vez que em um
modelo colonial, hetero-normativo e patriarcal de sociedade – como é a brasileira – a
vigilância ideológica em relação ao comportamento da mulher, inclusive ao controle sobre
seu corpo como forma até de punição, torna-se naturalizada” (ARRUDA, 2021, p. 31-32).
Consequentemente, Marília não possuía o valor da magreza e foi a busca por esse
reconhecimento ao longo da vida que foi evidenciado pelo autor do obituário. Em outra parte
do texto, ele afirma: “Marília era gordinha e brigava com a balança. Mais recentemente,
durante a quarentena, vinha fazendo um regime radical que tinha surpreendido a muitos.
Tornava-se também bela para o mercado. Mas definitivamente não foi isso que o Brasil viu
nela”. Alonso reforça, assim, a ideia de beleza vinculada à magreza ao afirmar que após o
regime radical, a cantora havia se tornado “bela para o mercado”.
No mesmo trecho, traz à tona a gordofobia por meio de um eufemismo ao dizer que a
cantora era “gordinha”. Um dos mecanismos deste preconceito é justamente a linguagem e
seus usos com o objetivo de amenizar ou negar as questões relacionadas ao corpo gordo, o
que é apenas uma característica física é associado ao algo ruim e, por isso, deve ser apagado36.
Ao longo do obituário, Alonso identifica como uma contradição o processo de
emagrecimento de Marília: “Mendonça era também a cara do Brasil nas suas contradições.
Afirmava a poética da autoaceitação, mas aparentemente teve que mudar a sua imagem e
emagrecer ao longo dos anos de showbusiness”. Mais uma vez, aqui, aparece o enfoque no
corpo da cantora, nas suas transformações e reforça a ideia do corpo gordo como um corpo
provisório que, por estar errado, deve ser mudado.
Mas não seria esse processo um dos fatores que explica a identificação dos públicos
com Marília, se considerarmos um contexto contemporâneo marcado pelo culto ao corpo,
pela imposição dos padrões de beleza e pela magreza como valor? Nesse sentido, o que
Alonso identifica como incoerência ou paradoxo pode ser lido como traços de uma

36
Disponível em: https://azmina.com.br/colunas/pequeno-dicionario-antigordofobico/ Acesso em 16 fev. 2022.

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humanidade da cantora, pois ela era o que denominamos popularmente de “gente como a
gente”.
A identificação do público não veio apenas por meio das letras das músicas que
exaltavam a mulher como protagonista de sua vida, mas como a própria Marília que,
de carne e osso, representava muito mais a brasileira que ela canta em seus versos.
Na sua beleza não plastificada, na exuberância de suas formas, nos figurinos
chamativos. Marília poderia ser uma amiga, uma irmã, uma colega de trabalho
como tantas que nós somos ou temos (JORGE, 2021)37.

Alonso reconhece o feminismo, entendido por ele como “massivo”, como valor
associado à imagem de Marília. Ele explica: “Ao narrar a vida das mulheres atuais,
Mendonça também aderiu ao feminismo massivo que se espalha em diversas frentes na
sociedade brasileira”. Lembra também a “desigualdade do showbusiness”, já que Marília
“conheceu a relação machista de perto”. O autor constata o poder de afetação da cantora, ao
trazer número de plataformas de streaming, seguidores no Instagram, além de dar destaque
ao seu pioneirismo. “Mais do que números, Mendonça mudou a face da música sertaneja,
hoje a grande música popular do Brasil”. Como precursora no seu campo de atuação, Marília,
a “rainha da sofrência”, instituiu um antes e depois na música brasileira e, de modo específico,
na música sertaneja, o que reforça a compreensão de que Mendonça foi e é uma celebridade-
acontecimento.

As reverberações entre influenciadoras gordas no Instagram


Quando olhamos para as ações das influenciadoras, um eixo representativo do
posicionamento assumido por elas diante da publicação do obituário da Folha, é a crítica à
redução da pessoa pública e privada “Marília Mendonça” a um corpo, uma evidente crítica ao
culto ao corpo como valor social. A ideia de beleza também é ressignificada por meio da
desassociação do belo ao peso, já que, como reforça @nalaurocha, tanto talento quanto
beleza não tem relação com balança. Nesse sentido, as influenciadoras se opõem à magreza
como valor, já que denunciam o fato de o tamanho do corpo ainda ser visto como um “ponto
de demérito” (@tamanhogrande).
Para demonstrar que Marília era muito mais que um corpo, a estratégia utilizada pelas
influenciadoras foi relembrar a trajetória da cantora e os seus feitos e, por meio dessa
retomada, trazer à tona outros valores pelos quais ela deveria ser reverenciada. Marília era

37
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marilizpereirajorge/2021/11/mulheres-sao-julgadas-
pela-aparencia-ate-quando-morrem.shtml Acesso em 19 fev. 2022.

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talentosa, humilde, e via a vida com leveza: era isso o que de fato deveria compor o seu
obituário e não o seu novo “shape”.
TABELA 2
Redução ao corpo

Influenciadora Trechos do texto da legenda do post

@atletadepeso Tão pedindo pra eu falar do jornalista da folha q foi extremamente cruel após a morte
da Marília, resumindo seu talento, luta e história na música a nada! e ainda
comparando ela com mulheres magras e padrão do sertanejo, dizendo que era gorda e
brigava com a balança.

@carolzacaa Compositora desde criança, Marilia brilhou e encantou MILHARES de brasileiros e


por onde passou arrancou elogios sobre seu talento, sua humildade e leveza de viver.
Isso deveria ser notícia, isso deveria ser exemplo. Mas pessoas resolveram que sua
forma física deveria ser notícia, seu “shape” novo deveria virar comentário.

@gabimenezes Pq isso se torna parte de falas da Marília que nos deixa? Pq isso é relevante num
momento de tanta dor?
Até quando precisaremos – em vida – ficar cultuando um corpo? Até quando as
pessoas só irão se chocar com isso na hora que alguém se vai?! Pq mulheres que
emagrecem precisam ser lembradas pelo seu corpo?

@tamanhoggrande Apesar disso, ter que lidar com o fato de que, mesmo depois de morrer, o tamanho de
nossos corpos ainda vai ser citado como um ponto de demérito que se sobressai a
todos os nossos outros feitos, por mais impressionantes que eles sejam, foi
desesperador.

@nalaurocha
Talento não tem relação com balança. Nem talento, nem simpatia, inteligência, nem
beleza e nem nada. É um absurdo que uma mulher seja julgada pela aparência até
quando morre. Deixem ela descansar em paz.

FONTE – Elaboração própria.

Marília era muitas: mãe, filha, mulher, cantora, compositora, empresária, etc. Por que
seria relevante falar sobre o corpo de uma pessoa que teve tantos feitos ao longo da vida?
Sobre esse policiamento do corpo, as influenciadoras lembraram que Marília sempre foi
julgada e que nem uma morte trágica foi suficiente para que isso fosse descontinuado.

TABELA 3
Constante julgamento do corpo

Influenciadora Trechos do texto da legenda do post

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@gabimenezes Sempre falaram do corpo dela, mas como ela nunca rebateu pq era muito gente boa, tudo
bem continuar falando.

@carolzacaa Eu lembro que desde que Marilia Mendonça surgiu comentários sobre sua forma de
vestir e seu corpo são frequentes, e ela sempre demonstrou o total de ZERO interesse em
mudar isso, pois comentava que seu talento era cantar e compor e não ser modelo.
(embora pra mim, ela tenha sido um ótimo modelo do que seguir).

@nalaurocha A mulher não tem paz nem quando morre? Em 2016 ela disse essa frase numa entrevista
à Purepeople. E eu sei que tem gente que vai dizer "ah, mas emagreceu depois". Isso não
inviabiliza o que ela disse.

FONTE – Elaboração própria.

Importante ressaltar, aqui, que não foi apenas o colunista da Folha que fez menção ao
corpo da cantora após a sua morte. Ana Maria Braga, no dia 8 de novembro, disse: “Ela fez
tanto pra chegar nesse shape lindo, físico, né? Ela emagreceu, criando um caminho pra ela,
que fazia sentido, com esse vozeirão. E, de repente, ironia do destino que morreria dali a
quatro, cinco dias38”.
Já o apresentador Luciano Huck, durante um tributo no Domingão com Huck que
reuniu artistas no dia 7 de novembro de 2021, comentou: “Estava lembrando agora. Faz três
semanas que eu estava com as três no palco [Marília Mendonça e Maiara & Maraísa]. Três
semanas. Na verdade vieram só metade das três no palco, porque estavam as três
magrinhas39”. Ambos apresentadores receberam críticas e no final de semana seguinte,
Luciano abriu o seu programa com um pedido de desculpas por sua fala sobre o corpo de
Marília.
De volta aos posts das influenciadoras gordas, é possível observar também como elas
entendem e problematizam a magreza como um valor, o que faz com que na sociedade
contemporânea as pessoas magras tenham privilégios em diferentes instâncias da vida social.
Além disso, evidenciam o modo como a gordofobia possui uma forte relação de gênero, com
dinâmicas e intensidades de opressão diferenciados com relação aos homens e às mulheres.

38
Disponível em: https://www.purepeople.com.br/noticia/ana-maria-braga-cita-peso-de-marilia-mendonca-e-
web-critica-artista_a330675/1 Acesso em 14 fev. 2022.
39
Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/diversao-e-arte/2021/11/4963185-luciano-huck-se-
desculpa-por-comentar-peso-de-marilia-mendonca-nao-farei-mais.html Acesso em 14 fev. 2022.

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TABELA 4
Gordofobia e gênero

Influenciadora Trechos do texto da legenda do post

@tamanhoggrande Quando a gente fala de privilégio magro, fala sobre o que é viver nessa sociedade na qual
nosso valor está atrelado ao nosso peso, em escalas inversamente proporcionais. Pensar
sobre isso é pensar também sobre o espaço que a busca pelo corpo magro ocupa em
nossas vidas, até quando nos damos conta de que se trata do mais puro reflexo do
preconceito.

@carolzacaa Mas a verdade é que, você concordando ou não, o corpo da mulher nunca foi livre e
sempre serviu a um patriarcado que JURA que devemos ter um padrão X pra agradar.
Agradar homens, agradar pretendentes, agradar jornalistas, agradar empresários.

Eu sempre enxerguei isso como um ato de resistência e sempre admirei. Mas as pessoas,
tão acostumadas a atrelarem sucesso com magreza, não enxergaram que Marília era (é)
muito maior que isso

FONTE – Elaboração própria.

Em outros trechos, as influenciadoras dão a ver eixos estruturantes da gordofobia,


como a falta de acesso e acessibilidade, o ódio ao corpo gordo e a sua consequente
desumanização e a linguagem do discurso gordofóbico, muitas vezes mascarado pela
“preocupação com a saúde”, entre outros.

TABELA 5
Eixos estruturantes da Gordofobia

Influenciadora Trechos do texto da legenda do post

@aquelamari a pessoa gorda passa a vida buscando dignidade na unha. ser bem atendida numa simples
consulta médica, conseguir um emprego decente, comprar uma roupa. é dilacerante
pensar que nem depois de mortos teremos direito às lembranças que não sejam sobre o
ódio aos nossos corpos.

lá no fundo, eu sei e vocês sabem que ser gorda é o pior pesadelo de muitas. é claro que
pra não ficar com o filme queimado, o discurso gordofóbico vem sempre bem embalado e
mascarado na forma de preocupação com saúde

já passou da hora de discutirmos a gordofobia como uma opressão estrutural que impacta
a vida – e como ficou claro esse fim de semana – a morte de muitas pessoas

@atletadepeso Então a gordofobia faz isso, ela desumaniza o corpo gordo e isso acontece todos os dias,
e ninguém liga, muita gente tá indignada pq aconteceu com uma pessoa famosa, vi tbm

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um comentário q dizia: Nossa agora q ela tava magra, morrer assim… Então se fosse
gorda ok? Fica a reflexão.

Sinto muito de vdd Marília… Infelizmente o discurso nunca é sobre saúde, as pessoas se
acham no direito de serem gordofóbicas, agem com crueldade e violência. E mesmo q a
pessoa gorda emagreça por pressão social, ainda assim será vigiada para o resto da vida
para n engordar. Reflitam.

FONTE – Elaboração própria.

Por meio da denúncia das violências impostas pela gordofobia, as influenciadoras


gordas contribuem para o entendimento desta opressão como algo estrutural,
institucionalizado e que se faz presente até mesmo depois da morte, como foi o caso de
Marília Mendonça.

Considerações Finais
Por meio deste trabalho, propusemos o entendimento de Marília Mendonça como uma
celebridade-acontecimento (SIMÕES, 2014b). Dotada de um poder hermenêutico e de
afetação, Marília dá a ver traços da contemporaneidade e tem a capacidade de provocar uma
ruptura na linearidade da vida societária afetando os sujeitos e configurando diferentes
públicos. Refletimos sobre a trajetória da cantora a partir de acontecimentos marcantes da sua
vida pública. A análise trouxe à tona valores associados a Mendonça, com ênfase naqueles
relacionados ao feminino, como o feminismo, o culto ao corpo, a beleza e a magreza.
Em um segundo momento, voltamos o nosso olhar para o obituário da Folha de S.
Paulo – criticado por seu machismo e gordofobia – e para os posts feitos por seis
influenciadoras gordas no Instagram, em resposta à publicação, com o objetivo de apreender
os valores em disputa que emergiram a partir dessas ações, tendo em perspectiva a imagem
pública de Mendonça.
A análise demonstrou uma consonância entre os valores identificados como
vinculados a Marília com aqueles acionados no obituário da Folha e nas publicações das
influenciadoras: o feminismo, o culto ao corpo, a beleza e a magreza. O feminismo
notadamente é reconhecido como um valor vinculado à cantora por todo o papel que ela
exerceu e segue exercendo como uma das vozes em prol das mulheres e dos seus direitos. O
que se observa, porém, é que no que se refere ao culto ao corpo, à beleza e à magreza, há um

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movimento de tentativa de ressignificação desses valores por parte das produtoras de


conteúdo.
As influenciadoras se opõem ao culto ao corpo, denunciando a redução de Marília e
de toda sua trajetória à aparência física; buscam reconstruir o conceito de beleza ao
desassociá-lo do padrão estético vigente; e, por fim, questionam a magreza como valor ao dar
relevo à centralidade que essa questão ocupa na atualidade, constituindo-se em motivo de
reconhecimento, projeto de vida e concebendo um privilégio magro em diferentes instâncias
sociais. Observa-se, assim, a constituição de um tensionamento a partir da disputa de valores
que se dá por meio de uma resistência que busca ressignificar o que foi construído
socialmente no contexto de uma uma estrutura patriarcal, machista e capitalista.
Importante ressaltar, todavia, que os valores identificados aqui revelam algumas das
faces de Marília, que também é lembrada por sua simplicidade, generosidade, lealdade e
pioneirismo, além de trazer, por meio de sua trajetória, discussões sobre maternidade e as
imbricações entre as vidas pública e privada na fama. Marília fez história e, como afirma
Simões (2014a), no contexto de análise da imagem pública do jogador Ronaldo Fenômeno,
“[...] ainda que haja algumas contradições nesse rosto público, a imagem hegemônica dessa
celebridade reúne valores que são necessários à construção de um projeto social coletivo e
que são percebidos na construção de sua trajetória (pessoal e profissional)” (SIMÕES, 2014a,
p. 220-221). No caso de Mendonça, é preciso reconhecer sobretudo o seu posicionamento no
que se refere à igualdade de gênero. Nas palavras de Inglis (2012), essa foi e continuará a ser
a contribuição à ética pública da vida e carreira de Marília Mendonça. Parafraseando o trecho
da letra da música da cantora que foi muito citado após a sua morte: “Ninguém vai sofrer
sozinho; Todo mundo vai sofrer”.

Referências

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