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A TRAGÉDIA DE BRUMADINHO NA IMPRENSA MINEIRA: UM

ESTUDO DOS ENQUADRAMENTOS NOTICIOSOS E DOS


COMENTÁRIOS DE LEITORES NO FACEBOOK1

Brenda Ribeiro de Aquino2


Brígida Gonçalves Magalhães Silva3
Carlos Renan Samuel Sanchotene4
Cristiano Brasil Medeiros5
Felipe Dario Moreira Guadalupe6
Maria Clara Ribeiro Silva7
Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)

RESUMO: O rompimento da barragem de Brumadinho (MG), no dia 25 de janeiro de 2019,


ocasionou em um dos maiores desastres com rejeitos de mineração no Brasil e no mundo. A
tragédia foi considerada pela mídia como um desastre industrial, humanitário e ambiental,
com mais de 200 mortos e 90 desaparecidos, gerando uma calamidade pública. Nesse sentido,
essa pesquisa buscou estudar de que modo os principais jornais mineiros realizaram
enquadramentos noticiosos no Facebook sobre a tragédia de Brumadinho e quais as
ressignificações dos leitores sobre o caso. Para tanto, foram considerados os jornais Jornal
Hoje em Dia, Estado de Minas, Jornal O Norte, Jornal Agora, Jornal de Uberaba, Jornal
Diário do Aço e Tribuna de Minas. Os jornais escolhidos são representativos de cada região
mineira (Capital, Região Norte, Região Oeste, Triângulo Mineiro, Vale do Rio Doce e Região
da Mata). Foram selecionadas as publicações veiculadas a partir do dia 25 de janeiro de 2019
até o dia 25 de julho de 2019, totalizando seis meses de coleta. Para contemplar os objetivos
da pesquisa, foi utilizada a metodologia sobre enquadramentos (ENTMAN, 1993) e
comentários de leitores (SANCHOTENE, 2015). Entre os resultados, concluiu-se que os
enquadramentos envolvem envolvimento político no caso, a impunidade da Mineradora Vale,
o futuro da cidade, os efeitos ambientais da tragédia e na vida dos envolvidos, impunidade da
empresa, estelionato, futuro ambiental e econômico, busca das vítimas, o trabalho das
equipes, julgamentos morais, como ceticismo à participação da Vale, esperança na punição
dos envolvimentos e na indenização das vítimas, condenação e defesa da empresa,
homenagem e luto pelas vítimas perdidas, agilidade na punição e indenização, campanhas de
solidariedade, decisões judicias, reconstrução da cidade e redução ambiental, além da busca
pelos desaparecidos. Já em relação aos comentários de leitores percebe-se um engajamento
maior em matérias que geram revolta e/ou comoção do público como anúncio de mortes e
desaparecidos, casos de estelionato e condenação da Vale.

1
Projeto desenvolvido com bolsa PAPq 06/2019 - UEMG
2
Aluna voluntária da pesquisa. Estudante do curso de Jornalismo da UEMG – Divinópolis. Email:
brendaribeiro.r@gmail.com
3
Bolsista de Iniciação Científica do projeto PAPq 06/2019 – UEMG. Estudante do curso de Jornalismo da
UEMG – Divinópolis. Email: brigomasil@gmail.com
4
Orientador. Professor dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da UEMG – Divinópolis. Doutor
em Comunicação e Culturas Contemporâneas (UFBA). Email: carlos.sanchotene@uemg.br
5
Aluno voluntária da pesquisa. Estudante do curso de Jornalismo da UEMG – Divinópolis. Email:
cristianobm56@gmail.com
6
Aluno voluntária da pesquisa. Estudante do curso de Jornalismo da UEMG – Divinópolis. Email:
pardalguadalupe@gmail.com
7
Aluna voluntária da pesquisa. Estudante do curso de Jornalismo da UEMG – Divinópolis. Email:
mclararibeiros@outlook.com
1
PALAVRAS-CHAVE: tragédia; acontecimento; enquadramento; Brumadinho (MG);
Facebook.

Introdução

O rompimento da barragem8 de Brumadinho (MG), no dia 25 de janeiro de 2019,


ocasionou em um dos maiores desastres com rejeitos de mineração no Brasil e no mundo. A
tragédia foi considerada pela mídia como um desastre industrial, humanitário e ambiental,
com mais de 200 mortos e 90 desaparecidos, gerando uma calamidade pública. Segundo um
dos autores do relatório sobre barragem de minério intitulado Mine Tailing Storage: Safety is
no Accident9, publicado pela Organização das Nações Unidas (ONU), o geólogo Alex
Cardoso Bastos, afirmou que "a tragédia em Brumadinho estará, certamente, no topo dos
maiores desastres com rompimento de barragem de minério do mundo. Infelizmente, é
possível que ultrapasse Stava, que foi a maior tragédia do tipo nos últimos 34 anos".
Diante disso, o fato ganhou notoriedade na imprensa regional, nacional e mundial
segundo alguns critérios jornalísticos como: tragédia, singularidade, vida humana, números de
pessoas envolvidas e atingidas, inusitado, inesperado, morte, emoção, entre outros. Nesse
sentido, as agendas dos outros campos sociais (BOURDIEU, 2012) alimentam a rotina de
produção jornalística e, o jornal, pode ser analisado como um dispositivo articulador
(MOUILLAUD, 2012), um sujeito que age sobre a realidade produzindo versões acerca dos
fatos.
A atividade jornalística se constitui em processos de produção de sentidos, não se
tratando de um lugar neutro, de passagem, mas de operação de sentidos, instituído por
transações entre campos e seus sujeitos. Cada jornal produz o seu acontecimento singular com
base em características próprias, nas “pressões”, nos discursos de suas fontes, dos campos
sociais, da constituição e projeção de seu leitor, cultura e valores jornalísticos. Os fatos eleitos
para serem cobertos, ao ganharem existência pública e visibilidade social, são transformados
em acontecimentos e cada mídia constrói uma versão singular acerca deles. É nesse sentido
que o jornalismo constrói uma nova noção de realidade a partir dos seus modos próprios de
agir (FAUSTO NETO, 1991).
Os acontecimentos só ganham existência pública a partir da ação dos dispositivos
(FOUCAULT, 2000) midiáticos. Nesse sentido, o agendamento (WOLF, 2003) é uma
hipótese
8
A barragem era controlada pela Vale S.A. e estava localizada no ribeirão Ferro-Carvão, na região de Córrego
do Feijão, no município de Brumadinho, a 65 km da capital Belo Horizonte, em Minas Gerais.
9
Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47034499. Acesso em: 30 abr. 2019.
2
que se fundamenta na seleção das notícias pela mídia sobre determinados temas, sobre os
quais,
a longo prazo, o público deve conversar. Já o enquadramento (ENTMAN, 1993; COLLING,
2001; GONÇALVES, 2011) noticioso diz respeito à seleção de aspectos de uma realidade
percebida que são tornados salientes em um texto comunicativo.
Nesse sentido, buscamos estudar de que modo os principais jornais mineiros
realizaram
enquadramentos noticiosos sobre a tragédia de Brumadinho e quais as ressignificações dos
leitores sobre o caso. Para tanto, foram considerados os jornais: Jornal Hoje em Dia, Estado
de
Minas, Jornal O Norte, Jornal Agora, Jornal de Uberaba, Jornal Diário do Aço e Tribuna de
Minas. Desse modo, buscamos privilegiar a diversidade representativa de cada região mineira
(Capital, Região Norte, Região Oeste, Triângulo Mineiro, Vale do Rio Doce e Região da
Mata).
Foram selecionadas as publicações veiculadas a partir do dia 25 de janeiro de 2019 até o dia
25 de julho de 2019, totalizando seis meses de coleta. Para contemplar os objetivos da
pesquisa, foi utilizada a metodologia sobre enquadramentos (ENTMAN, 1993) e comentários
de leitores (SANCHOTENE, 2015).

Acontecimento e acontecimento jornalístico: a tragédia como construção noticiosa

A partir da consolidação da imprensa, a noção conceitual sobre acontecimento sofreu


modificações e suscitou uma discussão ampla percorrendo diversos olhares teórico-
metodológicos. Nesse sentido, para compreender o conceito, que é multidisciplinar e
complexo, e analisar de que maneira os fatos ganham existência pública, faz-se necessário, de
forma prévia, evidenciar os recortes interpretativos sobre acontecimento e, inclusive, provocar
uma reflexão que movimente os paradigmas vinculados à problemática do termo.
Primeiramente, consideramos a relação entre jornalismo e história, visto que, a história
factual e a história dos acontecimentos ressurgem com a constituição da sociedade de massas
e dos meios de comunicação. Há uma proximidade entre a história e o jornalismo a partir do
momento que ambos se interessam e trabalham com os acontecimentos. Portanto, a noção de
acontecimento reconfigura um novo olhar, à medida que o fazer histórico e o fazer jornalístico
se interveem. “Era aos mass media que começava a pertencer o monopólio da história. A

3
partir de agora, pertence-lhes. Nas nossas sociedades contemporâneas é através deles, e só
através deles, que o acontecimento nos toca e não pode evitar-nos” (NORA, 1997, p. 245).
Dessa forma, percebe-se que o jornalismo atua diretamente na construção do
acontecimento histórico. De acordo com Rodrigues (1993), ao reconfigurar o acontecimento,
isto é, reconhece-lo e interpretá-lo, o jornalismo constrói a própria concepção de
acontecimento tornando-o reconhecível na sociedade. Ou seja, através da mídia, o
acontecimento marca a sua presença na sociedade. Compartilhando das mesmas ideias, Nora
(1997), afirma que os veículos de comunicação vão dar a materialidade necessária para
marcar o acontecimento na história, tornando-o então acontecimento histórico. Nesse sentido,
ao construir um acontecimento factual em acontecimento histórico, a mídia não está apenas
produzindo uma descrição do fato, mas determinando o que deve ou não ter existência
pública. França (2012) argumenta que se fatos ocorrem o tempo todo, elegemos enquanto um
acontecimento aqueles fatos e ocorrências que se destacam ou merecem maior visibilidade.
Para além, França (2012) assevera ainda a importância de um entendimento mais espesso
sobre acontecimento:

O acontecimento o é porque interrompe uma rotina, atravessa o já esperado e


conhecido, se faz notar por aqueles a quem ele acontece. Uma ocorrência
que não nos afeta não se torna um acontecimento no domínio da nossa vida.
É simples fato, do qual até podemos tomar conhecimento, mas pelo qual não
somos tocados. Este primeiro aspecto nos permite uma conclusão
importante: os acontecimentos se inserem em nossa experiência, na
experiência humana, no âmbito de nossa vivência (FRANÇA, 2012, p. 13).

Em comum à essas ideias, Rodrigues (1993, p. 27) pontua que acontecimento é “tudo
aquilo que irrompe na superfície lisa da história de entre uma multiplicidade aleatória de fatos
virtuais”. Como na história, na atividade jornalística é preciso saber o que individualiza o
acontecimento para que ele seja digno de ser contado. Entre milhares de fenômenos e fatos, o
jornalista, como agente ativo na construção do acontecimento, seleciona-os a partir de
interesses e critérios, distinguindo o que deve ser nomeado e percebido pela sociedade. Esse
“processo de individualização” diz respeito a capacidade de um acontecimento de revelar
processos em curso, de afetar os sujeitos, na sua capacidade de, pela sua irrupção e força de
sua afetação, gerar uma profusão de sentidos, de práticas e discursos buscando compreendê-
lo, significa-lo, tratá-lo (QUÉRÉ, 1997; 2005). Nesse sentido, essa movimentação de trazer o
fato particular para a cena pública é possibilitado, sobretudo, por meio das fases de
interpretação e narração. Isto é, classificando se é ou não relevante e hierarquizando fatos, em
função de sua importância, abrangência, impacto e interesse (FRANÇA, 2012). Assim, ao
4
passo em que França (2012) caracteriza acontecimento enquanto uma situação que interrompe
com o ordinário, ou seja, que rompe com a ordem; logo, entende-se que “acontecimentos não
são simplesmente ocorrências, mas fatos que têm o poder de afetação, que acontece a alguém,
provocam sentidos, convocam o passado, reorientam o futuro” (FRANÇA, 2012, p. 17).
Nesse viés, torna-se elementar a adesão do debate apresentado pelo sociólogo e
pesquisador francês, Louis Quéré, em termos do que permeia o processo de individualização
de um acontecimento. Nessa perspectiva, o autor destaca que os processos de individualização
dos acontecimentos não se circunscrevem apenas ao campo da interpretação, mas que vai
além, sendo intimamente ligado a “uma função de compreensão, que explora ao mesmo
tempo o passado do acontecimento, a situação que ele criou e o horizonte de possíveis que ele
abre e determina, e a uma função de aplicação ou de apropriação” (QUÉRÉ, 2011, p. 24). Se
conectando, então, à ideia de pensar o acontecimento como “um fenômeno de ordem
hermenêutica” (QUERÈ, 2005, p. 60). Dessa forma, podemos deduzir um acontecimento
como algo rico de potencial de esclarecimento, além de invadir na experiência do público,
individual ou coletiva. O poder hermenêutico do acontecimento está associado à sua
capacidade de fazer emergir uma profusão de sentidos, discursos e significações na busca pela
sua compreensão; surge como um fenômeno que cria novas condições para interpretar a
realidade, o contexto no qual se insere, os problemas que cria ou revela (FRANÇA, LOPES,
2016).
Este efeito de “tornar-se notável” se dá através de uma análise segundo um parâmetro
chamado de “valor notícia” ou “critérios de noticiabilidade” (WOLF, 2003), que surge através
de uma convenção proposta pela própria comunidade midiática, segundo um conjunto de
técnicas para identificar a relevância de um fenômeno/evento. Como, por exemplo,
previsibilidade, imprevisibilidade; repercussão junto ao leitor; atualidade e comunicabilidade.
A partir disso, entende-se acontecimento como uma representação social do fato,
materializado na forma de notícia. Assim, partindo dessa ideia, um acontecimento é
construído e materializado se este possui caráter de importância para “fazer saber”.
Acontecimento, então, há de ser, citando Rebelo (2006), o que há “potencial de atualidade e
pregnância”. E em acordo com Rodrigues (1993, p. 29), “o acontecimento é imprevisível,
irrompe acidentalmente à superfície epidérmica dos corpos como reflexo do inesperado, como
efeito sem causa, como puro atributo”. Nota-se, então, que o acontecimento não é idêntico ao
evento/fenômeno, mas um recorte selecionado de partes específicas do mesmo. Para ser
noticiado, então, um evento precisa passar por um processo de filtragem e refinamento, em

5
um processo interpretativo que busca transformar uma experiência absolutamente complexa,
em um quadro observável. Patrick Champagne (1997) aborda que qualquer questão social
somente ganha uma existência visível, uma vez que representada pela mídia. Da mesma
maneira, qualquer fenômeno notável pode ou não ganhar existência a partir da abordagem
midiática acerca do evento, podendo se tornar uma verdadeira calamidade ou, ao contrário,
ser abafado e desaparecer.
Nesse sentido, entender quais acontecimentos se destacam frente à esfera pública é
entender, na mesma medida, quais valores movimentam, como pano de fundo, os atores
sociais que o estão narrando. Por essa razão, é necessário articular ao debate a perspectiva de
que o “acontecimento afeta aqueles a quem acontece, mas também interpela, em graus e de
formas diversas, aqueles que dele tomam conhecimento, o integram em seu campo de
experiência e eventualmente lhe respondem” (BABO, 2013, p. 223). Logo, os públicos –
abrangendo também como públicos os sujeitos que narram o acontecimento – se articulam
enquanto “intérpretes ativos” (BABO, 2013, p. 221) dos fatos e situações, uma vez que os
fatos são postos em confronto com suas respectivas subjetividades.
Assim sendo, Babo (2013) define que os públicos se formam em situações de recepção
e podem se constituir por sentimentos de empatia e pertença, por exemplo. Em suma, sendo
entendidos como comunidades que geram interpretação e significação a um dado fato e se
organizam não só enquanto corpo social físico, mas se articulam, sobretudo, através das redes
de sociabilidade virtuais (BABO, 2013). Frente a isso, a compreensão acerca de quais
acontecimentos emergem para existência pública incorpora, portanto, o campo da recepção e
o papel dos públicos, ao passo em que é na recepção que se atribuem os sentidos e valores
socialmente partilhados a um respectivo fato ou situação.
Desta forma, lidar com a tradução da complexidade da realidade experienciada exige
uma competência de transcrição interpretativa de símbolos e indícios. Queré (2011) apresenta
uma noção fenomenológica da construção do acontecimento, que sugere a experiência
subjetiva. Ou seja, a experiência “modifica e é modificada” pelo agente receptor através de
um repertório semiótico, uma espécie de matriz inconsciente, que dá forma ao conhecimento,
expressão e o desenvolvimento da psique. Assim, o autor apresenta o conceito de
“semiotização do fenômeno” (mise en signes ou “colocar em signos”), que postula uma forma
abrangente e qualitativa de descrever, ou mesmo experienciar, um fenômeno. Essa
semiotização está muito mais relacionada à percepção do que à reflexão, ou seja, carrega uma
componente quase instintiva da produção de sentido. Nesse sentido, manipular este referencial

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semiótico é uma condição inerente ao sujeito social, para absorver informação no mundo real
- “ser no mundo”. E para conseguir descrever um fenômeno são necessárias estratégias que
fazem parte de uma tradução em signos do evento em si, o que o torna “legível”. O conceito
de “hermenêutica dos acontecimentos” está diretamente ligado a um aspecto tridimensional
desta estruturação - o “meio”, o “sujeito” e a “interpretação” - na medida em que se pode
trespassar o nível do informativo e atingir um nível analítico do próprio contexto sócio-
histórico no curso do acontecimento. Arendt (2014) dá a este aspecto o nome de “poder
revelador” do acontecimento, que seria uma forma de interpretar não só o fato, mas a própria
conjuntura do momento analisado. Surge com o acontecimento uma noção de “campo
problemático” que rende ramificações e abordagens a serem exploradas.
A partir dessas ideias, compreendemos a complexidade do conceito de acontecimento
e o entendemos como construção noticiosa. Para Leidiane Vieira dos Reis e Marta Regina
Maia (2011), o fato não está dado, ele é construído através da seleção de jornalistas, de fontes
que venham a ganhar voz no processo de apuração, de editores e editorias das mídias e de
empresários que possam ter interesses em abordar tal ou tal-outro ponto de relevância. Dessa
forma, o acontecimento jornalístico, durante o período de sua gestação e de sua duração,
adquire vários formatos, níveis de profundidade e podem omitir ou iluminar aspectos
específicos ao passo que amadurece. Sendo, então, impossível construir um ambiente sensível
ao receptor sem a seleção de significantes específicas para construção da narrativa.

A construção do conceito de agendamento

No processo de construção do acontecimento jornalístico à produção e consumo do


produto a ser veiculado, destaca-se o conceito de Agenda-setting, que vai permear o que deve
ou não ser noticiado. Nesse sentido, faz-se necessário compreender a construção do conceito
de agendamento, a sua perspectiva e influências nas demais etapas do processo produtivo
jornalístico e na sociedade.
Durante as décadas de 20 e 70, na tentativa de compreender a abrangência do processo
comunicacional, iniciou-se a communication research. Isto é, em sua tradução literal, as
pesquisas em comunicação. Com a popularização das tecnologias midiáticas, Mauro Wolf foi
o pioneiro nas pesquisas teóricas sobre a comunicação de massa com o intuito de analisar e
detectar as funções e efeitos dos meios de comunicação para a audiência. Nesse conjunto de
pesquisas, diversos autores, em conjunto ou não, trabalharam em um conjunto de contextos e
paradigmas acerca do processo comunicacional, qualificado como teoria do mass media. Ou
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seja, a teoria dos meios de comunicação de massa, que abrange variados processos e
conceitos. Portanto, há diversas teorias que, se forem analisadas num contexto político,
econômico e social, o modelo do processo, o tipo de teoria social pressuposta ou evocada, nos
permitem conectar essas teorias e pontuar sua importância em determinados períodos.

Em certos casos, o termo «teoria dos mass media» define adequadamente um


conjunto coerente de proposições, hipóteses de pesquisa e aquisições
verificadas; há, porém, outros casos em que a utilização do termo é um
pouco forçada já que designa mais uma tendência significativa de reflexão
e/ou de pesquisa do que uma teoria propriamente dita (WOLF, 2006, p.7).
Dessa forma, destacam-se nove momentos: a teoria hipodérmica, a teoria ligada à
abordagem empírico-experimental, a teoria que deriva da pesquisa empírica de campo, a
teoria de base estruturalista-funcionalista, a teoria crítica do mass media, a teoria
culturológica, os cultural studies e as teorias comunicativas. Nesse conjunto de pesquisas, há
áreas em que todas devem ser destacadas. Porém, cabe aqui, apenas nos dirigirmos aos
estudos relacionados a hipótese do agenda-setting, que faz parte das novas tendências da
pesquisa mass media.
O agenda-setting, cujas formulações se inserem na tradição funcionalista dos estudos
norte-americanos (MAIA; AGNEZ, 2010), emergiram à esfera acadêmica a partir do final da
década de 60, após as conceituações pioneiras do professor norte-americano Maxwell
McCombs e seu contemporâneo, Donald L. Shaw (MAIA; AGNEZ, 2010). Especialmente no
Brasil, os estudos sobre agenda-setting só ganharam notoriedade na cena pública no início da
década de 90 (MAIA; AGNEZ, 2010, p. 4-5), cuja linha de pesquisa, desde então, dinamizou
diversos desdobramentos e formulações hipotéticas.
O conceito de agenda-setting, definido por Traquina (2000) como agendamento, é
basicamente a ideia de que os consumidores de notícia consideram mais importante os
assuntos que são veiculados com maior destaque na cobertura midiática. Há diversos
pressupostos da hipótese de agendamento sobre o processo comunicacional na agenda
individual e social de diferentes grupos. Ou seja, a mídia influencia consideravelmente o que
o público vai consumir e colocar em sua agenda social.

Em consequência da acção dos jornais, da televisão e dos outros meios de


informação, o público sabe ou ignora, presta atenção ou descura, realça ou
negligencia elementos específicos dos cenários públicos. As pessoas têm
tendência para incluir ou excluir dos seus próprios conhecimentos aquilo que
os mass media incluem ou excluem do seu próprio conteúdo. Além disso, o
público tende a atribuir àquilo que esse conteúdo inclui uma importância que
reflecte de perto a ênfase atribuída pelos mass media aos acontecimentos,
aos problemas, às pessoas (SHAW, 1979, p.96).
8
Nessa perspectiva, argumenta-se que, em relação aos meios de comunicação, “embora
não sejam capazes de impor o que pensar em relação a um determinado tema, como desejava
a teoria hipodérmica, são capazes de, a médio e longo prazo, influenciar sobre o que pensar e
falar” (MCCOMBS; SHAW apud HOHLFELDT, 1997, p. 44).
No que tange às percepções de Walter Lippman, em seu livro “Public Opinion”, de
1922, ele defende que os meios de comunicação exercem um papel importante na mediação
entre o público e o mundo real, sobretudo na apreensão de fatos e ideologias necessários ao
processo de formação da opinião pública (LIPPMAN apud. MAIA; AGNEZ, 2010, p. 3).
Visto que, a nossa relação com a realidade é mediada a partir de imagens que formamos em
nossa mente. Nesse sentido, percebe-se que esses meios também são capazes de interferir no
processo de interpretação desses assuntos agendados, designado por Goffman (1975) como
enquadramento - relacionado ao processo de construção e interpretação do acontecimento.
Nesse viés, Hohlfeldt (1997) salienta que “dependendo dos assuntos que venham a ser
abordados - agendados - pela mídia, o público termina, a médio e longo prazos, por incluí-los
igualmente em suas preocupações” (HOHLFELDT, 1997, p. 44). De modo complementar, já
em meados da década de 60, Bernard Cohen alerta “para a eficácia da imprensa em indicar
aos leitores ‘sobre o que pensar’” (COHEN apud. MAIA; AGNEZ, 2010, p. 3). Enviesados a
isso, McCombs e Shaw sistematizaram a seguinte hipótese: “de que os media poderiam
agendar as temáticas junto à opinião pública e ainda determinar uma hierarquia de relevância
entre os acontecimentos” (MAIA; AGNEZ, 2010, p. 3).
Denomina-se de hipótese, já que, em comum aos outros momentos, a teoria do
agenda-setting não é algo pronto, acabado, e ao assumir uma determinada linha e pesquisa é
excluir as outras possibilidades. Tendo em vista que, é inerente a qualquer teoria uma
conclusão, um resultado pronto, um caso fechado. Já uma hipótese implica experiência,
abertura, tentativa e erro, possibilidade de mudança (HOHLFELDT, 1997), de forma que
tratar de agendamento é um caminho que ainda está em curso e é amplamente utilizado para
explicar/complementar várias linhas de estudos sobre mídia e informação.

Embora apresente o agenda-setting como um conjunto integrado de pressupostos e


de estratégias de pesquisa, na realidade, a homogeneidade existe mais a nível de
enunciação geral da hipótese do que no conjunto de confrontações e de verificações
empíricas, e isso devido, também, a uma certa falta de homogeneidade metodológica
[...] A hipótese do agenda-setting é, portanto, mais um núcleo de temas e de
conhecimentos parciais, susceptível de ser, posteriormente, organizado e integrado
numa teoria geral sobre a mediação simbólica e sobre os efeitos de realidade

9
exercidos pelos mass media, do que um modelo de pesquisa definido e estável
(WOLF, 2006, p.62).

Além dessa questão, destacamos a relação da hipótese do agendamento à teoria dos


efeitos, que remonta aos estudos de persuasão de Lazarsfeld (1944), e que diz respeito aos
modelos de consumo da comunicação de massa e, principalmente, a mediação social que
caracteriza esse consumo. Ou seja, supera o paradigma unilateral anterior que dizia que nem
toda a população absorve a mensagem de maneira passiva e homogênea, mas que cada parte
no processo comunicativo tem importância para a codificação e decodificação da informação.
Tornando-se evidente a importância da parcela da “recepção” no processo comunicativo e,
baseada nesse novo paradigma é que surge a teoria do agendamento, com a perspectiva de dar
importância/atenção ao processo de recepção, para buscar entender a comunicação de massa
em um quadro social e cultural em que indivíduos ativos são expostos a mensagens que nunca
possuem exatamente os mesmos significados para todos.
De acordo com Hohlfeldt (1997), há quatro pressupostos para o Agenda Setting: o
fluxo contínuo de informação, uma vez que somos bombardeados de informação o tempo
todo; a temporalidade da influência dos meios de comunicação de massa a longo e médio
prazos, ao contrário da ação imediata dos paradigmas anteriores; a noção de “influência” para
substituir o conceito de “manipulação” ou “imposição” de modos de pensar e, por último, o
itera-agendamento entre canais, veículos, e agendas midiáticas, públicas e políticas.
Nesse cenário, destaca-se a relação entre as diferentes agendas: a agenda pública, a
agenda midiática e a agenda política. Isto é, a retroação entre a agenda pública e midiática, o
papel da agenda política e o itera-agendamento entre os meios jornalísticos. De acordo com
Rogers, Dearing e Bregman (1988), em relação ao processo de agendamento, a agenda
midiática tem poder de interferência na agenda pública e política, a agenda pública influencia
a agenda política, mas que esta última também influencia na midiática.
Portanto, para além do pressuposto fundamental dessa hipótese, que é “a compreensão
que as pessoas têm de grande parte da realidade social lhes é fornecida, por empréstimo, pelo
mass media” (SHAW, 1979, p.96); o público também tem participação na construção da
agenda política e midiática, como também as agendas midiáticas interferem entre si. Para
McCombs e Shaw (1977), os meios de comunicação, ao contribuírem para o estabelecimento
das agendas que preocupam cidadãos e políticos, como também os outros meios, têm o poder
de concorrerem para modelar as representações que se fazem da realidade.

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Uma das premissas da agenda setting diz respeito à hierarquia obedecida para a
produção de cada agenda (publica/pessoal, midiática e política). E a agenda de maior patente
dentro do agendamento é a agenda pública, ditando o rumo dos debates, seguida pela agenda
midiática e em seguida pela agenda política, que acaba esperando o momento oportuno para
se manifestar sobre qualquer tema. Segundo a tese de Solesbury (1976) apud Souza (2007,
p.10), “os governos tendem a responder aos temas polêmicos somente depois de os mesmos
mobilizarem a atenção pública”.
Apesar do poder de persuasão dos mass media, pelo discurso eloquente, linguagem
acessível e informação “mastigada” para facilitar a compreensão, os meios ainda precisam
competir com outras agendas para construir o senso comum: a agenda pública/pessoal e a
agenda política. Dessa forma, é notório o movimento retroalimentativo das agendas, mas é
importante ressaltar a relevância das relações interpessoais para a formação da agenda pública
o que repercute na agenda midiática e, posteriormente, na agenda política. Um dos
pressupostos do agendamento diz respeito à demanda por conteúdo ou o que se chama nos
estudos de agendamento de “ordem do dia”. Ou seja, os assuntos/temas mais comentados nos
círculos interpessoais, que vão dar condições para o desenvolvimento da agenda midiática e
vice-versa. À medida que a agenda - midiática ou pública - deixa de se ocupar de
determinados assuntos, estes assuntos se tornam “frios” e podem vir a saírem da “ordem do
dia”, não sendo mais abordados ou sendo abordados de maneira secundária, pela mídia.
Em relação ao itera-agendamento da agenda pública para com a agenda midiática,
podemos tomar como exemplo o caso de agendamento de pautas ambientais, especialmente
sobre os problemas ambientais. Jorge Sousa (2008) assevera que uma das razões para o
agendamento constante dos problemas ambientais nas várias agendas, se dá em razão de
muitos desses problemas serem diretamente vivenciados pelas pessoas (SOUSA, 2008, p. 14)
e, por óbvio, estarem relacionados a elas. O autor avalia que “os problemas ambientais,
amplificados pelos meios de comunicação, desceram aos fóruns público e político, o que lhes
garante uma dimensão social que extravasa a dimensão natural, ou seja, bio-físico-química,
dos mesmos” (SOUSA, 2008, p. 5). Diante dessa perspectiva, a mídia, por meio do
agendamento, fomenta a relevância das pautas ambientais para composição da agenda
pública, se caracterizando enquanto meio de orientação e promovendo a “eco-alfabetização”
(SOUSA).
Diante de tais exposições acerca do agendamento público e midiático, conclui-se como
elementar que o jornalismo, com vista a promover debates relevantes para a esfera pública, se

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encarregue de suas responsabilidades, assim como exposto por Sousa (2008, p.31) “na difusão
de uma informação rigorosa e a mais independente e balanceada possível”. No agendamento
de pautas ambientais, por sua vez, o jornalismo e mais especificamente o jornalista, se
encarrega de reivindicar por seções fixas e estáveis no seio das redações (SOUSA, 2008)
dedicadas a pormenorizar as questões ambientais e propor discussões fomentando sobre sua
devida importância. Além de, como recapitulado por Sousa (2008), refletir sobre quem
determina ou procura determinar o agendamento e que articulam como espaços públicos
enquadramentos que são para si convenientes.
Nesse sentido, o agendamento é somado a outros critérios relativos à produção
jornalística e construção noticiosa, como os critérios de noticiabilidade. Já que, marcado pela
responsabilidade profissional jornalística, esse agendamento midiático vai tentar corresponder
àquilo de interesse social.

Enquadramento jornalístico

Junto ao processo de agendamento, destaca-se o conceito teórico de enquadramento ou


também denominado de framing. De acordo com Colling (2001, p. 94-95), “o conceito de
framing consiste em oferecer o modo de descobrir o poder do texto comunicativo”. Nesse
sentido, produzir um enquadramento é selecionar alguns aspectos da realidade percebida e dar
a eles um destaque maior no texto comunicativo.
Conforme Gomes (2017), o conceito de enquadramento é relacionado à mídia desde os
anos 1980, por autores como Gaye Tuchman e Todd Gitlin. Esses estudos que relacionam o
conceito ao trabalho jornalístico estão centrados, principalmente, como explanado
anteriormente, no funcionamento do campo jornalístico e mecanismos de produção de
sentido. Isto é, relacionando, então, à ideia do framing ao princípio de enfatizar, salientar e
apresentar determinados aspectos de uma temática (GOMES, 2017).
Em relação à formulação teórica, ao final dos anos 1990, o framing foi utilizado em
combinação com o agenda-setting, categorizando o enquadramento como um segundo nível
de agendamento. Conforme afirma Gomes (2017), apud Popkin (1994) essa confusão
conceitual fez com que agendamento e enquadramento fossem usados como sinônimos.
Atualmente, compreende-se essa separação, sendo o agendamento o estabelecimento do que
se fala na mídia, enquanto o enquadramento define o recorte sobre uma temática.
Telmo Gonçalves (2011) diz que o enquadramento organiza e define a nossa
percepção da realidade. “Os enquadramentos definem não só a forma como interpretamos as
situações, mas também como interagimos com os outros. Estruturam, em síntese, a nossa
12
experiência da realidade” (GONÇALVES, 2011, p. 158). Assim, conforme o autor, no
jornalismo, “as notícias são o próprio enquadramento”, pois elas “produzem um ‘corte’
artificial na realidade que passa, elevando ao estatuto de conhecimentos públicos apenas
pequenas partes da multiplicidade de ocorrências do quotidiano social” (GONÇALVES,
2011, p. 159).
Também referindo-se ao jornalismo, Carvalho (2009, p. 3) define os enquadramentos
como “os modos como o jornalismo seleciona acontecimentos e apresenta-os sob a forma de
narrativas que não apenas refletem a realidade, mas trazem uma perspectiva particular sobre
cada aspecto divulgado do real”. O autor cita alguns elementos que influenciam no
enquadramento jornalístico: os constrangimentos derivados do jornalismo como prática
institucionalizada, a visão dos jornalistas sobre o que é notícia e a tendência que as notícias
têm de privilegiar as posições ideológicas hegemônicas (CARVALHO, 2009). Isto é, ainda
conforme Carvalho (2009, p. 4), “os enquadramentos revelam as peculiaridades de cada
veículo noticioso, em suas múltiplas inserções sociais, e por isso dizem para além de um
componente operacional da lógica narrativa noticiosa”.
Os frames, de acordo com Colling (2001, p. 95-96), “são construídos e personificados
nas palavras-chave, metáforas, conceitos, símbolos e imagens visuais enfatizadas na notícia
narrada”. Gonçalves (2011) identifica quatro funções do enquadramento: definir problemas,
diagnosticar causas, fazer julgamentos morais e sugerir soluções. Assim, de acordo com
Colling (2001), para identificar o enquadramento de uma reportagem é preciso buscar a
definição do problema apresentado na reportagem, se há ou não personalização do problema,
identificar as causas do problema atribuídos pela reportagem, quais são seus autores, a quem
está sendo creditada a solução deste problema e quais são as soluções. “Por último, é possível
identificar a avaliação moral do problema, se o momento crítico é positivo ou negativo”
(COLLING, 2001, p. 95).
De acordo com Telmo Gonçalves (2011, p. 161), os efeitos do enquadramento
resultam de uma relação recíproca entre os enquadramentos midiáticos e os enquadramentos
ou esquemas de pensamento das audiências. Por esta razão, estudar os enquadramentos
“implica cruzar duas dimensões: por um lado, a análise dos enquadramentos mediáticos e dos
seus contextos de produção; por outro, a análise dos seus efeitos junto das audiências”
(GONÇALVES, 2011, p. 163). Já que, considerando o jornalismo como um ator social em
interação, os sujeitos que tomam contato com as notícias também devem ser considerados.

13
Para Robert Entman (1993), enquadrar uma notícia consiste em selecionar certos
aspectos da realidade e os tornar mais salientes no conteúdo da mídia, de tal forma a
promover um problema, uma interpretação, uma avaliação moral, ou a recomendação de
tratamento para o tema descrito. O autor apresenta maneiras de identificar o framing de uma
reportagem: 1) definição do problema, observando se é político, econômico, jurídico etc.; 2)
identificar os atores envolvidos e ouvidos; 3) solução ou avaliação moral do problema.
Portanto, os enquadramentos diagnosticam, avaliam e prescrevem os conteúdos das notícias.
Ao contrário dos critérios de noticiabilidade, que em muitos casos são involuntários, os
enquadramentos nem sempre são relacionados às rotinas produtivas e frequentemente
resultam de uma subordinação a determinadas ideologias, justificadoras das representações
instauradas pelos framings.
Os enquadramentos dominantes tendem a obscurecer as informações que não
interessam e não corroboram a ideologia do grupo que controla a mídia, apesar da inevitável
polissemia dos textos jornalísticos. “Isso significa fazer uma parte da informação mais
noticiável, significável, ou memorável para as audiências” (ENTMAN, 1993, p.53). Um
enquadramento dominante pode obscurecer totalmente alguma informação que seja oposta ao
que o framing quer veicular como verdade dos fatos. O enquadramento consiste em uma
propriedade específica das narrativas jornalísticas que estimulam determinadas compreensões
ou pensamentos sobre os eventos descritos para desenvolver entendimentos particulares sobre
eles. Isto significa que o framing pode ser identificado através da observação de imagens
visuais e palavras repetidas insistentemente em um texto midiático para tornar algumas ideias
mais aparentes que outras.
Desse modo, Entman (1993) sustenta que o enquadramento ofereceria um caminho
para o entendimento do “poder” dos textos midiáticos. Essa afirmação está relacionada à ideia
de que a concretização da prática jornalística também é definida pela linha editorial, própria
de cada veículo, selecionando quais e como os acontecimentos comporão o noticiário. Assim,
explica Carvalho (2009), o enquadramento está centrado em reflexões acerca dos modos de
identificação e intepretação de cada situação.
No caso do jornalismo, o framing pode ser detectado por meio da análise de palavras
ou fotografias que aparecem na narrativa, ou daquelas suprimidas do texto jornalístico. Nesse
caso, essa negligência somente pode ser detectada com precisão quando houver comparação
com outros textos jornalísticos referentes aos mesmos temas, que servem como elementos
contextualizadores e referenciais. Contudo, a omissão de um fato, negligenciado da cobertura

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ou que tenha um mínimo destaque, também é um tipo de enquadramento. O enquadramento
pode ser caracterizado pela omissão (negligenciar a cobertura de certos temas), a cobertura
intencionalmente modesta ou intencionalmente expandida. Entman (1993) aconselha recorrer
à comparação quando o pesquisador procede a análise, a fim de evitar que os enquadramentos
pareçam espontâneos. Assim, a comparação dos discursos de mais de um meio de
comunicação auxilia a perceber os fatos negligenciados, o que foi veiculado por um veículo e
omitido por outro.
As noções de enquadramento da atividade jornalística são uma dimensão complexa,
que inclui além das relações com o social e as institucionalizações envolvidas. Carvalho
(2009) aborda sobre a relação das mediações, que estão nas formas como a própria linguagem
jornalística é construída. Isto é, fatores como gêneros textuais (notícias, reportagens,
entrevistas, artigos etc.) e os próprios suportes (impresso, televisão, rádio, internet etc.) vão
interferir no enquadramento jornalístico. Assim, longe de esgotar a temática, as conceituações
anteriores trazem a reflexão sobre que construções estão imbricadas em determinado produto
midiático.

Entre produção e recepção: gramática discursiva dos leitores

Em decorrência das evoluções tecnológicas de informação e comunicação (TIC’s),


especificamente, com o advento da Internet e das redes sociais digitais, há inúmeras mudanças
no modelo tradicional do jornalismo consolidado até o século XX, complexificando o trabalho
jornalístico. A rigor, se tratava de um modelo estruturalmente articulado como “indústria de
notícias”, organizado por um grupo limitado de empresas, com métodos semelhantes (SILVA
et al., 2020). Assim, as estratégias para alcance dos públicos não sofriam grandes alterações,
uma vez que os conglomerados midiáticos adotavam técnicas similares no fazer da profissão.
Com a ascensão das plataformas digitais, as redações e as empresas de comunicação passaram
a vivenciar profundas mudanças nas rotinas produtivas de jornalistas, nas decisões editoriais
e, sobretudo, nas estratégias aplicadas por essas empresas para alcance dos públicos (SILVA
et al., 2020). Isto é, juntamente com as estratégias e processos jornalísticos de seleção e
construção do acontecimento, adiciona-se ao trabalho, a tarefa de conquista, fidelização e
envolvimento do leitor. Pois, através dessas tecnologias, os próprios leitores “dispõem de
inúmeras ferramentas para selecionar/filtrar/disseminar notícias, além de uma capacidade de
mobilidade inter-mídias inimagináveis há duas ou três décadas atrás” (SANCHOTENE, 2015,
p. 13). Nesse sentido, há uma complexificação do fenômeno comunicacional, já que, a partir
15
dessas modificações técnicas, há alterações na relação mídia e audiência, consequentemente,
nas condições de produção, circulação e reconhecimento dos discursos.
Assim, os leitores são convertidos em protagonistas das cenas discursivas, atuando
como “coprodutores dos processos comunicativos” (SANCHOTENE, 2015). Portanto, o
próprio discurso jornalístico é modificado. Seja por “decorrente de demanda dos próprios
usuários, de estratégias mercadológicas, de necessidades impostas pelo avanço tecnológico ou
como uma consequência do próprio protagonismo dos sujeitos” (BORELLI, 2016, p. 231).
Partindo dessas ideias, Anselmino (2011, p. 41) destaca que com as redes sociais digitais, “os
espaços de intervenção e a participação do leitor passou a ocupar um lugar cada vez mais
relevante”, através de diversas ferramentas, como os comentários, compartilhamentos,
pesquisas, blogs, fóruns de discussão, etc. Como por exemplo, o Facebook, que pode ser
avaliado como um locus primordial de divulgação da marca do jornal e também como um
propulsor de contato, em razão do uso frequente dos públicos, por se tratar de uma rede social
(BORELLI, 2016).
Essa transição híbrida notável nos novos meios (JENKINS; DEUSE, 2008 apud
ANSELMINO, 2014) permeou a “relação paradoxal entre a convergência produtiva e
divergência receptiva”, abrindo portas para o entremeio da socio-tecnologia (ANSELMINO,
2014, p.42). Orozco Gómez (2000) apud Sanchotene (2015), denomina esta relação de
“mediações individuais”. Tal definição permitiu que fosse repensada a relação mediada
também pelas estruturas socioculturais, isto é, entre o receptor e o meio (MARTIN-
BARBERO, 2008 apud SANCHOTENE, 2015).
Com a abertura e ampliação de espaços dedicados para interatividade com os públicos
no meio digital, há de se ocorrer o estreitamento das relações estabelecidas entre as instâncias
da produção e da recepção. Em outras palavras, a conexão em rede e a emissão dispersa e
capilarizada, próprias das redes sociais, permitiu uma maior aproximação entre os jornais e
veículos de comunicação e seus públicos. Nesse sentido, de acordo com Braga (2012), para
além dessas relações de produção e recepção, “importa o fato de que este último faz seguir
adiante as reações ao que recebe”. Dessa forma, as redes sociais surgiram para democratizar
ainda mais o acesso às notícias e fez com que quem a produz e quem a reconhece estejam em
um contato constante (VERÓN, 2005). A partir disso, a “presença dos dispositivos
comunicacionais no tecido social fez com que o esquema comunicativo baseado em um único
sentido (emissor – receptor) se reconfigurasse para redes múltiplas nas quais cada indivíduo é
um ponto de início e chegada da cadeia de interações” (SANCHOTENE, 2015, p. 95). Nesse

16
sentido, a compreensão da instância da recepção é modificada nesse cenário de transformação
do sujeito-receptor passivo para um sujeito-ativo. Anteriormente, o trabalho jornalístico era,
praticamente, monólogo, tendo uma participação do público mínima, e, então, que
pressupunha uma audiência homogênea, isolada e sujeita as sugestões dos meios de
comunicação. Posteriormente, quando o leitor conquista um espaço na participação produtiva,
os pesquisadores compreendem os receptores como agentes que interpretam ativamente os
discursos. Isto é, de acordo com Barbero (2008), entende-se a recepção midiática como um
processo de interação, pois esse espaço é “preenchido por experiência e complexidade de
conteúdos que ditam os modos como a mensagem será absorvida pelo receptor”
(SANCHOTENE, 2015, p. 90). Dessa forma, Wilson Gomes (1997) afirma que é na recepção
que se produz a comunicação, já que, as mensagens vão ser decodificadas a partir da
complexidade e singularidade cultural de cada indivíduo ou grupo, tendo em vista que, se há
essa singularidade cultural, as mediações também o são. “Essas mediações podem ser
determinadas pela capacidade de produção de sentidos de cada indivíduo e a apropriação dos
bens culturais que é singular, pode ser definido pela sua história de vida, hábito, costume,
tradição, etc.” (SANCHOTENE, 2015, p. 91). Assim, “o processo de recepção passa por
diversos ‘cenários’ que acabam negociando as mensagens, produzindo sentidos ou não”
(SANCHOTENE, 2015, p. 90). Portanto, os discursos produzem sentidos através do contato
com outros sujeitos produtores de sentido, como a família, escola, igreja, ambiente de
trabalho, refletido também pelas relações de poder.
A partir desse contexto, as instituições jornalísticas vão estipular uma variedade de
estratégias para contatar seus leitores em um cenário de desterritorialização e midiatização, já
que, há uma dinâmica interacional própria nas redes socias, pautado pela diversidade e
multiplicidade de canais midiáticos. Nesse sentido, “a convergência tecnológica instaurou
uma nova plataforma de circulação, assentada em diversidades técnicas e de dispositivo,
alterando as configurações e relações dos campos de produção e recepção” (SANCHOTENE,
2015, p. 103). Isto é, a partir dessa nova arquitetura comunicacional, as instâncias de
produção e recepção são dinamizadas e merecem destaque a partir de uma zona de
interpretação compreendida entre as gramáticas de produção e reconhecimento (VÈRON,
2005). Assim, podemos entender as redes sociais também como “um gigantesco dispositivo
que transforma as condições de acesso aos discursos (...) que comportam também uma
mutação nas condições de acesso aos atores individuais” (VÈRON, 2012, p. 14).

17
Este contato direto, atual, nos mostra que existem vários tipos de receptores, que
podem ser definidos, por exemplo, como os leitores: amigo, ofensivo, editor, exigente,
migratório, espalhador, desiludido, entre outros (SANCHOTENE, 2015). Precisamos aqui
estabelecer como concreto o conceito de que esta zona de contato é interpenetrável
(SANCHOTENE, 2015), pois a interação com as máquinas, com os outros e com os produtos
se dá através das interfaces.
Nesse contexto, os termos audiência e consumidor parecem inadequados à medida que
remetem ao sentido de passividade, além de que, conforme Veròn (2007), as práticas de
consumo também se alteram, visto que, além das diferentes interpretações, há diferentes
formas de consumir o conteúdo. Um usuário pode, por exemplo, ler as informações publicado
por um jornal digital a partir do seu computador ou por meio de seu smartphone ou
dispositivos como tablets”. Segundo Sanchotene (2015), o termo audiência encontra-se
ultrapassado pois carrega uma ideia de público passivo que apenas recebe determinada
mensagem dos meios de comunicação. O mesmo acontece com o termo “consumidor”, pois
faz referência a indivíduos que recebem mensagem de outros grupos que são produtores e
encontram-se numa posição de superioridade. Essa mudança semântica situa-se junto a
evolução da internet (SANCHOTENE, 2015). A partir da movimentação do conceito de
públicos, é válido propor um alargamento desse conceito e passar a entendê-lo como
hiperaudiências, isto é, audiências interconectadas e com habilidades comunicativas
adquiridas a partir de suas experiências no ambiente midiatizado (SANCHOTENE, 2015).
Com base nesse conceito, é possível ampliar o entendimento do papel dos públicos e de como
esses se envolvem no processo de significação das notícias.
Através dessas ideias e conceituações, compreende-se o papel da audiência como
coprodutor nas redes sociais digitais. “Utilizamos o termo leitor coprodutor para designar os
indivíduos que estão nas redes socais interagindo, produzindo ou compartilhando conteúdos
provindos de seus contatos e dispositivos com os quais interage (SANCHOTENE, 2015, p.
97). Diante disso, o leitor coprodutor, dotado de suas possibilidades discursivas em ambiente
digital, acaba por coparticipar dos processos de significação dos conteúdos com os quais ele
interage, tendo em vista que são inúmeros os espaços em que emergem a discursividade desse
leitor, como os comentários das notícias no Facebook (SANCHOTENE, 2015). Além disso,
as coparticipações se dão através da publicação não apenas de comentários sobre o produto
jornalístico, mas com a publicação de sugestões, críticas, contrapontos, interpretações
divergentes e contestações semânticas, que possibilitam a negociação de sentidos por parte da

18
esfera da recepção. A exemplo de tais interações que ocorrem em ambientes virtuais,
Anselmino (2014, p.45) lembra que:

[...] en ciertos comentarios de lectores a las noticias se materializa un conjunto de


respuestas del público que han retornado al medio en forma de crítica mediática:
discursos de la audiencia motivados por un discurso previo del diario, que
retornaron al interlocutor y cuya particularidad ha sido ‘fazer circular idéias,
informações, reações e interpretações sobre a mídia e seus productos e processos’.

Assim, a construção do acontecimento carrega um olhar duplo “na medida em que


carrega o olhar do sujeito que produz o ato de linguagem que transforma o acontecimento em
significante e o olhar do sujeito interpretante que reestrutura o acontecimento seguindo as
suas lógicas próprias” (SANCHOTENE, 2015, p. 99). Nesse sentido, pode-se afirmar que o
texto só se materializa a partir da leitura. Relacionado com as conceituações de Querè, em que
o sentido do acontecimento está ligado à experiência, apreende-se que, as instituições
jornalísticas também se apropriam de conteúdos enviados pelos leitores e o transformam em
ciberacontecimento, intensificando a relação com a audiência à medida que o público produz
e provoca novos acontecimentos. O ciberacontecimento é entendido como um episódio que
emerge das redes sociais digitais (HENN, 2013 apud SANCHOTENE, 2015). “Trata-se de
emissão dispersa e capilarizada, fundamentalmente não-hierárquica, em que emissores
alternativos estão produzindo acontecimentos, procurando atrair a atenção dos jornalistas e,
consequentemente, um espaço valioso no noticiário” (BACCIN, 2013, p.03 apud
SANCHOTENE, 2015).
Assim, é na zona da circulação (entre a produção e recepção) que “o sentido circula,
transforma e se altera segundo os modos de operação dos meios gerando outros modos de
vínculos” (SANCHOTENE, 2015, p. 106). Portanto, há uma instantaneidade e interatividade,
em que as mensagens e conteúdos midiáticos sofrem interferências dos dispositivos e das
lógicas de sentido. Nesse cenário, o leitor coprodutor “vivencia experiências que são
potencializadas com as facilidades das ferramentas tecnológicas” (SANCHOTENE, 2015, p.
114), permitindo que os leitores deixem suas marcas, se tornando um público “contemplativo,
movente e imersivo” (SANCHOTENE, 2015). Ou seja, os sentidos produzidos circulam e se
transformam na sociedade, tendo em vista que, além das possibilidades de compartilhamento
do conteúdo midiático, destaca-se as modificações do próprio texto para o âmbito das redes
sociais. Além de funcionar como uma espécie de agenda pública secundária para o próprio
veículo de comunicação (PALACIOS, 2012).

19
Nesse viés, a partir dos desdobramentos provocados pela interatividade dos públicos,
há o acionamento do que Braga (2006) apud. Sanchotene (2015) nomeia como sistema de
resposta social, entendido como a atribuição de significado e sentido social às ações e
produtos oriundos dos meios de comunicação. Assim, interessa não o que a mídia veicula,
mas sim, o que, tendo sido veiculado pela mídia, em um momento posterior, veicula na
sociedade (SANCHOTENE, 2015).
Problematizando essa questão, Borelli (2016) indaga se tal abertura possibilitada pelas
redes sociais digitais legitima, efetivamente, os públicos enquanto coenunciadores ou se o fato
de tal abertura não passa de uma estratégia mercadológica, enunciando possibilidades não
contempladas pelo próprio sistema de funcionamento de tais plataformas. Borelli (2016)
afirma ainda que a crescente abertura por partes de jornais para participação dos públicos
pode decorrer de demandas dos próprios usuários, de estratégias mercadológicas, pelo avanço
tecnológico, ou em razão do protagonismo dos sujeitos.
Além disso, existe uma espécie de “perigo” em meio a democracia da comunicação
pelas redes sociais, principalmente no Facebook, em que é imprescindível a regulação,
atenção e vigilância de espaços abertos, como os comentários e ferramentas de
compartilhamento. Pois, existe uma linha tênue entre a liberdade de expressão, espaço
concedido ao público, e a ofensa ou atividades negativas, que podem colocar a vida de alguém
em risco ou gerar outros problemas, mais relacionados aos tipos de leitores já tratados.
Portanto, utilizar-se do Facebook demanda dos jornais algo a mais do que somente divulgar
acontecimentos, matérias e reportagens, cabendo aos administradores estarem atentos às
várias reações possíveis e a fiscalizar aquilo que os algoritmos não conseguem notar
(BORELLI, 2016).
Por conseguinte, conclui-se que, apreende-se uma nova forma de entender a
comunicação à medida que, através dos avanços tecnológicos e eclosão das redes sociais
digitais, os papeis de emissor e receptor são alterados. “A midiatização crescente de práticas
sociais tem afetado, especialmente, o trabalho enunciativo da produção jornalística bem como
o trabalho enunciativo realizado pelos leitores” (SANCHOTENE, 2015. p. 2620. A instituição
jornalística, como emissora, precisa cativar o leitor, oferecer conteúdo personalizados e
multimidiáticos, além de estar vigilante na participação da audiência com o discurso. E o
público-leitor, como receptor ativo, participa da construção de sentido do acontecimento,
ultrapassa os limites de consumo antes impostos pela mídia tradicional interagindo e

20
participando do processo discursivo, além de fazer circular ciberacontecimentos. Ou seja,
alterou as relações de produção e consumo de notícias.
Após esse amplo percurso teórico, apresentamos a seguir a metodologia da pesquisa.

Metodologia

A proposta é analisar o modo que os principais jornais mineiros realizaram


enquadramentos noticiosos sobre a tragédia de Brumadinho e quais as ressignificações dos
leitores sobre o caso. Para embasar e conduzir a pesquisa, foi necessário um procedimento
exploratório na busca de esclarecer conceitos acerca da temática proposta. Isto é, sobre
construção noticiosa, agendamento, enquadramento, valores-notícia e, por fim, gramática
discursiva dos leitores. Desse modo, entende-se pesquisas exploratórias como “investigações
de pesquisa empírica cujo objetivo é a formulação de questões ou de um problema, com tripla
finalidade: desenvolver hipóteses, aumentar a familiaridade do pesquisador com um ambiente,
fato ou fenômeno, para a realização de uma pesquisa futura mais precisa ou modificar e
clarificar conceitos” (LAKATOS; MARCONI, 2003, p. 188). Assim, essa teorização faz-se
necessária para dar embasamento à análise do objeto de estudo.
A partir dessa conceituação, partimos para a pesquisa qualitativa, que foi,
necessariamente, a coleta das notícias veiculadas sobre o caso Brumadinho nos principais
jornais mineiros. A escolha dos jornais incluídos no corpus da pesquisa obedeceu a dois
critérios principais: tipo de periódico e circulação estadual. Desse modo, as consultas foram
realizadas nos jornais que possuem website e página no Facebook. Foram selecionadas as
publicações veiculadas a partir do dia 25 de janeiro de 2019 até o dia 25 de julho de 2019,
totalizando seis meses de coleta. O período se justifica pela forte cobertura midiática que se
estendeu pelos primeiros meses e pela data do desastre de Brumadinho, que aconteceu no dia
25 de janeiro de 2019, início de coleta.
Assim, buscamos todos os jornais existentes das principais cidades de cada região
mineira, respeitando os critérios estabelecidos anteriormente. As regiões foram: Região
Metropolitana; Norte; Centro Oeste; Triângulo Mineiro; Região da Mata; e Vale do Rio Doce.
No total, foram 30 cidades e 116 jornais selecionados, como mostra tabela 1 abaixo.

Tabela 1 – Principais jornais mineiros de cada região

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Fonte – elaboração própria.

Para contemplar a fase de análise dos jornais, optamos por selecionar um veículo de
cada região, tendo como critério a principal cidade da região e o jornal com maior número de
seguidores no Facebook. A partir desse recorte, os jornais selecionados foram: BHAZ, de
Belo Horizonte; Moc News, de Montes Claros; Sistema MPA de Comunicação, em
Divinópolis; Diário de Uberlândia, da cidade de Uberlândia; Tribuna de Minas, em Juiz de
Fora; e, por fim, Diário do Rio Doce, de Governador Valadares, como mostra a tabela 2
abaixo.

Tabela 2 – Corpus de análise

Fonte – elaboração própria.

22
Através dessa categorização, identificamos no total 172 matérias sobre a tragédia de
Brumadinho, no período de seis meses, como catalogado na tabela 3 a seguir. Após essa
identificação, além dos elementos principais de cada matéria, como título, legenda na rede
social, valor-notícia, coletou-se os comentários de cada publicação e o número de curtidas e
reações em cada uma. Para, então, ser possível categorizar o material e analisar os
enquadramentos noticiosos de cada notícia, identificando definições, atribuição de causas,
consequências e proposição de soluções (COLLING, 2001). Além disso, a análise dos
comentários dos leitores (SANCHOTENE, 2015) a partir de conceitos de gramáticas de
reconhecimento (VERÓN, 2005, 2013) e Marginálias (PALACIOS, 2012), que vai permitir
compreendermos os espaços de intervenção dos leitores e suas ressignificações no contexto
das notícias sobre a tragédia.
Nesse sentido, é preciso levar em consideração a singularidade de cada veículo, na
qual cada um produz o seu acontecimento com base em características próprias, nas
“pressões”, nos discursos de suas fontes, da constituição e projeção de seu leitor, cultura e
valores jornalísticos. Como também, o contexto geográfico de cada veículos irá refletir
significativamente em cada produção.
Para contemplar os objetivos da pesquisa, utilizamos a metodologia elaborada por
Entman (1993). Para o autor, “enquadrar é selecionar alguns aspectos da realidade percebida e
torná-los salientes em um texto comunicativo, de modo a promover uma definição particular
de um problema, interpretação causal, avaliação moral ou recomendação de tratamento para o
item descrito” (ENTMAN, 1993, p. 52).
A partir desses aspectos, Entman (1993) propôs algumas categorias e subcategorias
para sistematizar os enquadramentos para entendimento dos processos de construção do texto.
No entanto, o texto não precisa necessariamente apresentar todas as sentenças. Além disso,
conforme o autor, o frame pode se dar a partir do emissor, a mensagem, o receptor, e a
cultura, que funciona como um estoque dos enquadramentos mais comuns. Desse modo, a
cada categoria proposta por Entman (1993), estabeleceremos subcategorias acerca do objeto
de estudo, que orientaram as análises.

Análise

23
Para realizar a análise da pesquisa, estabelecemos algumas subcategorias conforme as
proposições de Entman (1993). Para a definição do problema, primeira categoria proposta,
foram identificadas nove subcategorias:

1- Envolvimento político na tragédia


2- Impunidade da Mineradora Vale
3- Futuro de Brumadinho: dificuldades enfrentadas pela cidade depois da tragédia.
4- Efeitos ambientais da tragédia
5- Relações políticas e econômicas no rompimento
6- Responsabilização ambiental e criminal
7- Efeitos do rompimento na vida cotidiana das pessoas
8- Atuação dos profissionais
9- Envolvimento de outras instituições

Na segunda categoria, denominada como causas apontadas para o problema, foram


identificadas outras sete subcategorias. Elas, inclusive, podem ser as mesmas na definição do
problema, já que elas se relacionam de modo diferente em cada matéria. Entre as
subcategorias identificamos:

1- Impunidade aos envolvidos


2- Estelionato envolvendo o rompimento
3- Envolvimento político no caso
4- Futuro ambiental e econômico de Brumadinho
5- Efeitos no cotidiano das pessoas
6- Trabalho das equipes
7- Busca das vítimas

Na terceira categoria, Entman (1993) denomina como julgamentos morais.


Identificamos as seguintes subcategorias:

1- Ceticismo à participação da Vale na tragédia


2- Esperança na punição dos envolvidos
3- Esperança na indenização das vítimas
4- Condenação da Vale
5- Defesa da Vale
6- Condenação das pessoas que cometeram estelionato
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7- Homenagem aos profissionais envolvidos
8- Luto pelas vítimas perdidas

Por fim, identificamos as subcategorias da sentença: soluções apresentadas para o


problema identificado, que são:

1- Agilidade na punição e indenização


2- Campanhas de arrecadação para as famílias vitimizadas
3- Continuidade das buscas pelos desaparecidos
4- Atitudes tomadas judicialmente
5- Reconstrução de Brumadinho
6- Construção e reeducação ambiental para evitar casos parecidos

A partir dessas subcategorias, compreendemos como se deu a construção do desastre


de Brumadinho nos jornais mineiros locais e o que e de que forma a mídia determinou o que
destacar ou não. Isto é, como estes enquadramentos foram construídos. Como mencionado
anteriormente, há uma série de práticas e critérios jornalísticos para a seleção destes
acontecimentos e como trabalhá-los.
Primeiramente, antes de nos adentrarmos nas subcategorias, o que fica evidente é a
similaridade dos critérios utilizados por todos os jornais analisados. Isto é, as matérias são
próximas, utilizam dos mesmos valores-notícia e, inclusive, enquadramentos próximos. Esse
fator é destacado à medida que se percebe que há jornais que replicam matérias com os
mesmos temas e manchetes, como no caso de número de mortes envolvidas, campanhas e
homenagens às vítimas e profissionais, questões políticas, etc. Assim, o desastre de
Brumadinho se torna notícia à medida que se destaca pela frequência, isto é, durabilidade do
ocorrido; pelo inesperado; continuidade do que já ganhou noticiabilidade, no caso, o desastre
em si; a negatividade, relacionado ao sentido de inesperado; infração, relacionado à má
gestão, o mau comportamento por parte de alguma autoridade responsável, entre outros
(TRAQUINA, 2005).
A partir destas inferências iniciais, partimos para a análise dos enquadramentos das
matérias coletadas conforme as categorias de Entman (1993). Os mapeamentos apontam as
categorias aparecem em todos os jornais selecionados. No entanto, ao contrário das
categorias, as subcategorias não aparecem de forma uniforme, variando entre os jornais. Isto
porque cada jornal teve um número diferente de matérias sobre a tragédia de Brumadinho,
além de um editorial e critérios de noticiabilidade diferentes também.

25
Assim, buscamos identificar percentualmente o aparecimento das mesmas em cada um
dos jornais, independente se há diferenças no número total de matérias veiculadas em cada
jornal. É importante destacar que as subcategorias se relacionam e há padrões que se repetem,
de forma que as matérias se encaixaram em mais de uma subcategoria e todas de maneira
diversa.
Como mencionado anteriormente, a primeira categoria identificada é definição para o
problema, na qual identificamos nove subcategorias. Como mostra o gráfico 1 a seguir:

Gráfico 1 – Definição de problemas

26
DEFINIÇÃO DE PROBLEMAS

Envolvimento de outras instituições

Atuação dos profissionais

Efeitos do rompimento na vida cotidiana das pessoas

Responsabilização ambiental e criminal

Relações políticas e econômicas no rompimento

Efeitos ambientais da tragédia

Futuro de Brumadinho: dificuldades enfrentadas pela cidade


depois da tragédia.

Impunidade da Mineradora Vale

Envolvimento político na tragédia

0 5 10 15 20 25 30

BHAZ MOCNEWS SISTEMA MPA


DIÁRIO DE UBERLÂNDIA TRIBUNA DE MINAS DIÁRIO DO RIO DOCE

Fonte: elaboração própria.

Conforme aponta o gráfico 1, as duas subcategorias que mais apareceram de forma


geral foram: “Futuro de Brumadinho: dificuldades enfrentadas pela cidade depois da
tragédia”, na qual identificamos matérias que anunciavam o rompimento, faziam atualizações
sobre a tragédia e matérias que focavam em mostrar como aconteceu e a situação da cidade; e
a subcategoria “Atuação dos profissionais”, que abordam sobre o trabalho das equipes, busca
pelos desaparecidos e demais relações que envolvem as diversas equipes. Ainda em relação à
subcategoria que aponta para as dificuldades enfrentadas, destacamos textos como em “Casal
é preso suspeito de saquear casas de atingidos por tragédia em Brumadinho”, da Moc News,
ou também: “AGORA: Granizo atinge Brumadinho e bombeiros são obrigados a interromper
buscas”, do jornal BHAZ, visto que o acontecimento ocorreu em decorrência da tragédia.
Além disso, é importante destacar que a subcategoria “Impunidade da Mineradora Vale” não
se destacou em nenhuma matéria analisada.
Na subcategoria de relações políticas e econômicas no rompimento, identificamos
textos que abordam, por exemplo, a participação e atuação dos governos estadual e federal no
caso, pronunciamentos e ações relacionadas, como na publicação do jornal de BHAZ, cuja

27
matéria é “Presidente Jair Bolsonaro se pronuncia sobre tragédia em Brumadinho”, como
mostra a imagem 1 abaixo:

Imagem 1 – Presidente Jair Bolsonaro se pronuncia sobre tragédia em Brumadinho

Fonte: Reprodução Facebook (BHAZ)

Na segunda subcategoria, conforme o gráfico 2 abaixo, as causas dos problemas


identificados de forma geral pelos jornais foram “Trabalho das equipes” e “Busca das
vítimas”, ambas relacionadas também às subcategorias em destaque em “Definição dos
Problemas”, que diz respeito ao trabalho dos profissionais e busca das vítimas desaparecidas.
Ao contrário da subcategoria “Impunidade aos envolvidos”, que foi a veiculada com menor
frequência.

28
Gráfico 2 – Causas dos problemas

CAUSA DOS PROBLEMAS


Negligência da Vale
Busca das vítimas
Trabalho das equipes
Efeitos no cotidiano das pessoas
Futuro ambiental e econômico de Brumadinho
Envolvimento político no caso
Estelionato envolvendo o rompimento
Impunidade aos envolvidos
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45

BHAZ MOCNEWS SISTEMA MPA


DIÁRIO DE UBERLÂNDIA TRIBUNA DE MINAS DIÁRIO DO RIO DOCE

Fonte: elaboração própria.

Após a identificação da segunda subcategoria, partimos para os julgamentos morais


realizados. Na pesquisa, identificamos nove subcategorias, que estão presentes nas notícias
dos jornais mineiros conforme mostra o gráfico 3:

Gráfico 3 – Julgamentos Morais

JULGAMENTOS MORAIS
Esperança de encontrar alguma vítima

Luto pelas vítimas perdidas

Homenagem aos profissionais envolvidos

Condenação das pessoas que cometeram estelionato

Defesa da Vale

Condenação da Vale

Esperança na indenização das vítimas

Esperança na punição dos envolvidos

Ceticismo à participação da Vale na tragédia

0 2 4 6 8 10 12 14 16 18

BHAZ MOCNEWS SISTEMA MPA


DIÁRIO DE UBERLÂNDIA TRIBUNA DE MINAS DIÁRIO DO RIO DOCE

29
Fonte: elaboração própria.

De acordo com o gráfico 3, observa-se que a subcategoria com maior presença é “Luto
pelas vítimas perdidas” e “Homenagem aos profissionais envolvidos”, presente em quase
todos os jornais mineiros. Além disso, subcategorias que discorrem sobre uma esperança na
punição dos envolvidos e indenização das vítimas não apareceram de forma direta, apenas nos
comentários dos leitores, que será discutido posteriormente.
Em “Condenação da Vale”, subcategoria presente nos jornais, temos como destaque a
matéria “Há exatas duas semanas, às 12h28, a barragem da Mina do Feijão, em Brumadinho,
se rompia. Entre mortos e desaparecidos, há mais de 300 pessoas. Histórias que trazem um
déjà-vu de Mariana 812 dias depois. Contamos estas histórias neste documentário.
Compartilhe!”, que foi qualificada nessa subcategoria em razão das hashtags escolhidas pelo
veículo, como “#crime” e “#crimeambiental”, como mostra a imagem 2 abaixo:

Imagem 2 – Postagem do jornal MOC News

Fonte: Reprodução Facebook (MOC NEWS)

30
Já as outras matérias relacionadas nessa subcategoria, não fazem menção, nem
condenação direta à empresa. Mas, sim, expõem os andamentos judiciais.

Por fim, destacamos a última categoria, que diz respeito às soluções para o desastre,
com seis subcategorias. Nos jornais analisados, elas estiverem presentes como mostra o
gráfico 4 abaixo:

Gráfico 4 – Soluções para os problemas

SOLUÇÕES PARA OS PROBLEMAS

Construção e reeducação ambiental para evitar casos parecidos

Reconstrução de Brumadinho

Atitudes tomadas judicialmente

Continuidade das buscas pelos desaparecidos e identificação de


mortos

Campanhas de arrecadação para as famílias vitimizadas

Agilidade na punição e indenização

0 2 4 6 8 10 12 14 16

DIÁRIO DO RIO DOCE TRIBUNA DE MINAS DIÁRIO DE UBERLÂNDIA


SISTEMA MPA MOCNEWS BHAZ

Fonte: elaboração própria.

Conforme o gráfico 4 a subcategoria com maior destaque é “Continuidade das buscas


pelos desaparecidos e identificação de mortos”, que diz respeito ao trabalho das equipes com
as vítimas, como mostrou as outras categorias; e “Campanhas de arrecadação para as famílias
vitimizadas”, sobre atos de solidariedade. Enquanto isso, a subcategoria com menor
frequência foi “Construção e reeducação ambiental para evitar casos parecidos”, presente em
apenas um texto, publicado no jornal “Tribuna de Minas”, de Juiz de Fora – Zona da Mata. A
matéria identificada é “Exposição reúne fotografias das tragédias de Mariana e Brumadinho”,
e foi catalogada nessa subcategoria visto que a ação visa debater os riscos e soluções para

31
atividade mineradora no país. Além dessa matéria, apesar de relevância do tema, não houve
outras que debateram o tema.
Em relação às subcategorias mais presentes nas quatro categorias, percebemos a
correlação entre “Esperança de encontrar alguma vítima”, em julgamentos morais,
“Continuidade das buscas pelos desaparecidos”, em solução para os problemas, “Busca das
vítimas”, em causa para os problemas, além de “Atuação dos profissionais”, em definição
para os problemas, e “Trabalho das equipes”, em causa para os problemas.
A partir disso, destacamos as semelhanças no tratamento e escolha das categorias e
número semelhante de aparições entre os jornais. Além da correlação entre os códigos e
repetição de padrões em todas as matérias, percebemos que os jornais focaram mais na
divulgação de atualizações sobre a busca das vítimas da tragédia e os trabalhos das equipes
envolvidas do que discussões acercas das investigações, envolvimentos políticos e o
envolvimento da Vale no ocorrido. Assim, os enquadramentos veiculados ao longo de seis
meses do desastre evidenciam as principais preocupações dos jornais, mais focados nas
consequências da tragédia do que nas correlações políticas e econômicas. Havendo destaque
para os critérios de morte, impacto, emoção, proximidade e atualização.
Em relação aos comentários dos leitores – ferramenta que possibilita uma interação
mais horizontal - tendo em vista que os leitores atuam como “coprodutores dos processos
comunicativos” (SANCHOTENE, 2015) a partir de sua intervenção e participação no próprio
processo jornalístico, percebemos um engajamento maior em matérias que geram revolta e/ou
comoção do público. Como, por exemplo, em anúncio de mortes e desaparecidos, casos de
estelionato e condenação da Vale.
Em matérias cujo enquadramento foi “Luto pelas vítimas perdidas”, os comentários
dos leitores também acompanham essa subcategoria com lamentações, comoção e palavras de
oração e aclamação à divindade. Como por exemplo, na matéria veiculada no jornal Moc
News, intitulada: “Corpo de norte-mineiro que morreu em Brumadinho é enterrado”. Nessa
publicação, foram 35 comentários seguindo esse sentido, inclusive com o uso expressivo de
emoticons de tristeza e mãos orando, como mostra imagem 3 abaixo:

32
Imagem 3 – Comentários de leitores denotam comoção

Fonte: Reprodução Facebook (Moc News)

A pesquisa também observou que os julgamentos morais se fazem presente nos


comentários dos leitores. Textos que denunciam alguma atitude ilegal judicialmente ou
moralmente são os que mais recebem esse tipo de condenação. Entre essas matérias,
destacamos a “Casal é preso suspeito de saquear casas de atingidos por tragédia em
Brumadinho”, veiculada também na Moc News. Os comentários variam entre mensagens de
raiva, lamentação pela atual situação moral do país e condenação geral:

33
Imagem 4 – Comentários que denotam julgamentos morais

Fonte: Reprodução Facebook (Moc News)

Uma outra matéria que gerou comentários e polêmica em geral nos veículos em que
foram divulgados é o caso que envolveu estelionato na tragédia: “Ex-candidata a deputada se
passa por vítima de Brumadinho e é presa”. Os comentários caminham por condenação à
pessoa que cometeu o crime e, inclusive, com piada e humor envolvendo política, como no
comentário: “Eu aposto que ela era candidata a deputada do PT ” ou
“Tinha de ser do MDB, partido do Tener, Cabral e Eduardo Cunha”, além de questionamentos
sobre os processos de indenização, como “E as verdadeiras vítimas de Brumadinho,
receberam já ,alguma indenização?? As que ficaram vivas???”:

Em envolvimento político no caso, observamos a matéria “Zema compara resgate em


Brumadinho a tratamento de dor de dente; ouça”, do jornal Sistema MPA de Comunicação.
Os comentários em geral tiveram uma reação em tom de ironia ou defesa da fala do
governador, como mostra a imagem 5 abaixo:

34
Imagem 5 – Comentários que denotam ironia

Fonte: Reprodução Facebook (Sistema MPA de Comunicação)

Observamos também comentários que denotam a condenação da Vale como ocorreu


na matéria: “Execução de animais presos na lama em Brumadinho gera revolta nas redes
sociais”, do Sistema MPA de Comunicação, com 29 comentários. Os comentários variam
entre condenação da decisão, mas também crítica em relação àqueles que não gostaram da
decisão, como mostra a imagem 6 abaixo:

35
Imagem 6 – Comentários que denotam crítica

Fonte: Reprodução Facebook (Sistema MPA de Comunicação)

Por fim, de forma geral, observamos que os comentários também giram em torno
dessas subcategorias, principalmente as relacionadas aos julgamentos morais. Como já citado,
as que geram comoção ou revolta do público são as que captam maior engajamento, enquanto
as outras há um número menor ou nenhum comentário. Além disso, é importante destacar que
com a evolução das redes digitais, o consumidor dessas notícias participa desse processo não
apenas através dos comentários, mas também com as ferramentas de compartilhamento e
“likes”, através das reações. Dessa forma, então, deixando suas próprias marcas e inferências
sobre o conteúdo divulgado.

Considerações finais

A partir da presente pesquisa, na tentativa de entender de que modo os principais


jornais mineiros realizam enquadramentos noticiosos sobre a tragédia de Brumadinho,
constatamos que o jornalismo atua diretamente na construção do acontecimento histórico,

36
dando a materialidade necessária para marcar o acontecimento na história (NORA, 1997). Isto
é, o jornalista reconhece e interpreta o acontecimento, construindo a própria concepção do
fato e tornando-o reconhecível na sociedade (RODRIGUES, 1993).
Desse modo, a mídia determina o que deve ou não ter existência pública, visto que
elegemos um acontecimento àqueles fatos e ocorrências que se destacam ou merecem maior
visibilidade (FRANÇA, 2012). Ainda conforme essas ideias, destacamos os conceitos teóricos
de agendamento (WOLF, 2003) e enquadramento (COLLIING, 2001), que são
fundamentações que participam do processo do que deve ou não ser noticiado sob
determinadas perspectivas. Agendamento (TRAQUINA, 2000) em relação à ideia de que os
consumidores de notícia consideram mais importante os assuntos que são veiculados com
maior destaque na cobertura midiática. Já enquadramento no sentido do processo de
selecionar alguns aspectos da realidade percebida e dar a eles um destaque maior no texto
comunicativo (COLLING, 2001). Isto é, produzir um recorte que não apenas refletem a
realidade, mas trazem uma perspectiva singular sobre cada aspecto divulgado do fato.
Diante disso, desastres industriais, humanitários e ambientais são acontecimentos que
ganham destaque na imprensa e a tragedia em Brumadinho (MG) é um dos maiores desastres
com rompimento de barragem de minério do mundo que teve ampla cobertura midiática. A
partir disso, buscamos entender quais enquadramentos foram realizados sobre o
acontecimento.
Através da análise conseguimos evidenciar o destaque e a intensa cobertura que o caso
ganhou nas diversas regiões mineiras. Nessa perspectiva, identificamos quatro subcategorias
diferentes (ENTAMAN, 1993), que evidenciam os principais enquadramentos realizados. A
primeira subcategoria envolve a definição do problema, como por exemplo, o envolvimento
político no caso, a impunidade da Mineradora Vale, o futuro da cidade, os efeitos ambientais
da tragédia e na vida dos envolvidos, entre outros. Já em relação à causa dos problemas,
segunda categoria, identificamos impunidade da empresa, estelionato, futuro ambiental e
econômico, busca das vítimas, o trabalho das equipes etc. A terceira categoria se enquadra em
julgamentos morais, como ceticismo à participação da Vale, esperança na punição dos
envolvimentos e na indenização das vítimas, condenação e defesa da empresa, homenagem e
luto pelas vítimas perdidas. Por fim, identificamos a quarta categoria entendida como
soluções para os problemas identificados, como agilidade na punição e indenização,
campanhas de solidariedade, decisões judicias, reconstrução da cidade e redução ambiental,
além da busca pelos desaparecidos.

37
Assim, a partir dessa análise, constatamos também que essas subcategorias se
envolvem e que há padrões que se repetem nas matérias veiculadas, evidenciando, então, o
caráter de agendamento e enquadramento já mencionado anteriormente. Já em relação aos
comentários de leitores percebe-se um engajamento maior em matérias que geram revolta
e/ou comoção do público como anúncio de mortes e desaparecidos, casos de estelionato e
condenação da Vale.
A partir disso, destacamos a relevância da pesquisa, visto que o acontecimento
impactou um número expressivo de pessoas não apenas em território nacional, mas em
diversos outros países do mundo. Assim, a proporção do caso, que envolve questões
ambientais, econômicas e políticas, fez com que o ocorrido tivesse valor-notícia destaque,
refletindo o papel dos veículos de comunicação na cobertura desse tipo de caso. Apontando,
então, para a compreensão das dinâmicas entre jornalismo e leitores no âmbito das redes
digitais e o modo como o campo do jornalismo pensam as causas, consequências e soluções
para um acontecimento dessa grandeza.

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