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Gestão editorial:
Camila Severino
Conselho editorial:
Bruno Vieira
Emanuel F. Andrade
Jacqueline Domingues
Laura Coradi
Marcos Domingues
Revisão:
Camila Severino
Diagramação:
Camila Severino
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FICHA CATALOGRÁFICA
Benedicta, Revista
V.2, N.10, out. 2021. Uberlândia. 25p.
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Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer reprodução sem permissão expressa do Editor-chefe.
Todos os trabalhos com autoria discriminada são de responsabilidade dos autores, não cabendo qualquer responsabi-
lidade legal sobre seu conteúdo à Revista Benedicta.
Eventuais referências bíblicas são da Bíblia da Editora Ave Maria (2021) ou da tradução do Pe. Matos Soares (1950).
ÍNDICE
São José: terror dos demônios, 3 Neste último artigo sobre a ladainha de S. José, abordamos as razões pelas quais
Protetor da Santa Igreja o Patriarca, junto de Nossa Senhora, causa temor ao demônio e intercede pela
proteção da Igreja, de cuja Cabeça foi pai adotivo.
A gnose romântica 6 O romantismo não foi um inócuo movimento sentimentalista. Foi, sobretudo, a
contra a realidade sementeira das principais sandices revolucionárias do mundo contemporâneo —
elo importante de uma cadeia anticristã que já procedia dos séculos precedentes.
Liberalismo: inimigo de Deus 9 O liberalismo, ao pregar a independência do homem em relação a Deus e a Igreja,
e da Igreja propaga os mais terríveis erros em todos os campos do conhecimento e da ativi-
dade humana.
CATHOLICAE LITTERAE
Sermão da Sexagésima, 13 Pe. Antônio Vieira (1608-1697), exímio orador de língua portuguesa, trata neste
de Pe. Antônio Vieira sermão do ofício do pregador, relacionando-o à frutificação da palavra de Deus;
texto atualíssimo para entendermos a atual crise de conversão católica.
DOMINUS VOBISCUM
Nossa Senhora Aparecida 16 Em homenagem a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, comemorada
em 12 de outubro, trazemos o utilíssimo texto do Padre Rohrbacher (1789-1856),
que sintetiza a história da aparição da Regina Brasiliæ e seus desdobramentos.
YSTORIA SANCTI
Santa Brígida 20 S. Brígida da Suécia (c. 1303-1373), de linhagem católica e origem nobre, des-
tacou-se por sua caridade e vida ascética e mística, repleta de visões de Nosso
Senhor Crucificado. É comemorada em 8 de outubro pela Santa Igreja.
EUTRAPELIAM
Altar da Santa Missa 24 Dando continuidade às curiosidades sobre os itens litúrgicos, tratamos agora da
composição do altar para a celebração da Santa Missa.
FIDES QUAERENS INTELLECTUM
Bartolomé Esteban Murillo/Domínio Público
SÃO JOSÉ:
TERROR DOS DEMÔNIOS,
PROTETOR DA SANTA IGREJA
BRUNO VIEIRA
3
Terror daemonum: ensina-nos o Florilégio de O Filho do Todo-Poderoso vem ao mundo, assu-
mindo uma condição de grande fragilidade. Ne-
São José [1] que, se foi grande a alegria de nossos
cessita de José para ser defendido, protegido, cui-
primeiros pais, ouvindo dos lábios divinos a pro-
dado e criado. Deus confia neste homem, e o mes-
messa de uma Mulher prodígio, que daria ao mo faz Maria que encontra em José aquele que não
mundo o Salvador, maior foi o espanto e o terror só lhe quer salvar a vida, mas sempre a sustentará
do demônio, atormentado pela ideia de se ver der- a ela e ao Menino. Neste sentido, São José não
pode deixar de ser o Guardião da Igreja, porque a
rotado por uma criatura que em seu orgulho julgava
Igreja é o prolongamento do Corpo de Cristo na
de natureza inferior à sua. Ei-la: Maria Santíssima,
história e ao mesmo tempo, na maternidade da
a Imaculada, Virgem e Esposa do humilde e cas- Igreja, espelha-se a maternidade de Maria. José,
tíssimo São José, a quem Deus confiou na terra a continuando a proteger a Igreja, continua a prote-
humanidade de seu divino Filho. ger o Menino e sua mãe; e também nós, amando a
Igreja, continuamos a amar o Menino e sua mãe.
Por meio da íntima comunhão de vida e de inte-
[5]
resses existente entre o Santo Patriarca e a Mãe de
Deus, aquele participava da excelsa dignidade de Assim, como Cristo é a cabeça da Igreja, seu fun-
Maria, com quem era unido pelo vínculo conjugal, dador e Rei, e a São José foi confiado o dever de
de tal sorte que merece nossas preces e louvores. zelar pelo Pequeno Jesus, confia-lhe Deus a pro-
Invocando-o como Protetor da Santa Igreja e teção de seu povo, a Igreja Católica, que, como vi-
nosso defensor na luta contra o poder das trevas, se mos, teve suas primícias naquela pobre casa de
o demônio estremeceu quando apareceu a Mulher Nazaré.
forte, que devia lhe esmagar a cabeça com seus pu- Se já na segunda metade do século XIX, o Beato
ríssimos pés, menor não seria seu terror vendo ao Pio IX pediu a intercessão do Santo Patriarca na-
lado de Maria um homem que participaria de seus queles “tempos tristíssimos em que a Igreja, ata-
privilégios, dignidade e poder na terra e no céu. cada de todos os lados pelos inimigos, é de tal ma-
Nesse ponto, consta no Devoto Josephino [2]: se neira oprimida pelos mais graves males, a tal ponto
São José foi eleito para ser a cabeça da Sagrada que homens ímpios pensam ter finalmente as por-
Família de Nazaré, quem melhor para defender o tas do Inferno prevalecido sobre ela” [6], tanto
Corpo Místico de seu Filho adotivo, a Santa Igreja mais deve ser nossa constância nas preces a esse
(I Cor 12,27)? Some-se a isso o fato de que a Igreja venerabilíssimo santo.
foi “instituída e como que calcada sobre o modelo Nessa época em que vigora a heresia do moder-
da Sagrada Família, de que ela é, por assim dizer, nismo, em que a Igreja é perseguida e atingida por
a continuação e o desenvolvimento natural” [3]. todos os lados, inclusive por dentro, por seus pró-
Padre Meschler observa: “a Igreja tem o seu mo- prios membros, é de São José que devemos colher
delo na Sagrada Família. Ora, em Nazaré, São José a desejada proteção, a esperada força para comba-
era o chefe, o pai, o protetor, o guia. Por todos es- ter os erros.
ses títulos, ele pertence de maneira especial à A Igreja sempre foi atribulada pelas iras do
Igreja, que era a finalidade, e, por assim dizer, é a mundo, movido pelo intento satânico de vê-la des-
extensão e a continuação da Sagrada Família” [4]. truída. Como já sentia aquele Bem-aventurado
Na Patris Corde, fica demonstrada a dinâmica en- Papa, oprime-se o trabalho de Cristo de tal modo
tre a Sagrada Família e o cuidado que São José tem que, já não só os homens ímpios mencionados pelo
pela Igreja de Cristo: pontífice, mas os próprios filhos da Barca de Pedro
4
tendem a temer as insídias do diabo. auxilio e poder. Protegei, ó guarda previdente da
Divina Família, a raça eleita de Jesus Cristo; afas-
Mas vejamos: assim como José, filho de Jacó, foi
tai para longe de nós, ó Pai Amantíssimo, a peste
a benção de seu reino, assim São José foi predes-
do erro e do vício; assisti-nos do alto do céu, ó
tinado a guardar a cristandade, como defensor da nosso fortíssimo sustentáculo, na luta contra o po-
Igreja, a Casa do Senhor e Reino de Deus na terra der das trevas; e assim como outrora salvastes da
[7]. Por isso que Sua Santidade o Papa Leão XIII morte a vida ameaçada do Menino Jesus, assim
também defendei agora a Santa Igreja de Deus das
prescreveu que, no mês de outubro, consagrado ao
ciladas de seus inimigos e de toda a adversidade.
Santo Rosário, nossas preces buscassem também a
Amparai a cada um de nós com o vosso constante
intercessão do Patriarca a fim de proteger-nos na patrocínio, a fim de que, a vosso exemplo, e sus-
batalha, em adição à força inigualável do Rosário. tentados com o vosso auxílio, possamos virtuosa-
Ao final desta série de artigos, reflitamos sobre as mente viver, piedosamente morrer e obter no céu
a eterna bem-aventurança. Amém.
virtudes e os méritos de São José, as graças que de
modo singular obteve e o exemplo que nos apre-
senta, a fim de, não apenas buscarmos imitá-lo,
Fontes:
mas colher de sua intercessão todo o necessário à
nossa salvação e à santificação de nossas vidas. [1] ESCOLAS PROFISSIONAES SALESIANAS. Florilé-
Peçamos também a ele proteção e intercessão pe- gio de São José: breves meditações para o mez de março
(sic.). São Paulo, 1911, p. 94-95.
lo Santo Padre, o Papa, a fim de que seja orientado
[2] VILLANUEVA, Pader Eusebio Sacristán. Devoto Jo-
pela reta doutrina e pelos ensinamentos de Nosso
sephino, ou seja, Coleção completa das devoções mais usa-
Senhor, guiando a Igreja e seus filhos para o Céu. das em honra do Glorioso Patriarcha São José. São Paulo:
Rezemos, igualmente, para alcançarmos as três Ave Maria, 1935, p. 142.
graças que nos podem vir de sua intercessão, como [3] LÉPICIER, O.S.M., Cardeal Alexis Marie. São José,
ensina Santo Afonso Maria de Ligório: “1 - A re- Esposo da Santíssima Virgem Maria. Campinas: CE-
DET/Ecclesiae, 2014, p. 263.
missão dos pecados, que teria obtido de N. S. du-
[4] MESCHLER S.J., Pe. Maurício. São José na vida de Je-
rante a vida, para algum pecador que o implorasse. sus e da Igreja. Campinas: Calvariae, 1943/2020, p. 130.
2 - O amor de Jesus Cristo, a quem tanto amava. 3 [5] FRANCISCO. Carta Apostólica Patris corde: por oca-
- A morte preciosa que mereceu, tendo a felicidade sião do 150º aniversário da declaração de São José como
padroeiro universal da Igreja. Disponível em:
de expirar entre os braços de Jesus e Maria”. [8]
http://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_letters/do-
Assim, concluamos nós com a oração recomen-
cuments/papa-francesco-lettera-ap_20201208_patris-
dada por Leão XIII, que deve ser rezada entre 1º de corde.html. Acesso em: 28 set 2021.
outubro e 2 de novembro [9]: [6] PIO IX. Carta encíclica Quemadmodum Deus. 1870.
Em: LÉPICIER, O.S.M., Cardeal Alexis Marie, op. cit., p.
A vós, ó Bem-aventurado S. José, recorremos em 297.
nossa tribulação, e, depois de termos implorado o [7] LEÃO XIII. Carta Encíclica Quamquam Pluries. 1889.
auxílio de vossa Santíssima Esposa, com confi- Em: LÉPICIER, O.S.M., Cardeal Alexis Marie, op. cit., p.
ança solicitamos vosso patrocínio. Por esse laço 306.
sagrado de caridade que vos uniu à Virgem ima- [8] LOMBAERDE, Pe. Júlio Maria de. O Evangelho das
culada Mãe de Deus, e pelo amor paternal que ti- Festas Litúrgicas e dos Santos mais populares. Manhumi-
vestes para o Menino Jesus, ardentemente vos su- rim: O Lutador, 1952, p. 136.
plicamos que lanceis um olhar benigno a herança [9] LEÃO XIII. Em: LÉPICIER, O.SM., Cardeal Alexis
que Jesus Cristo conquistou com o seu sangue, e Marie, op. cit., p. 308.
nos socorrais nas nossas necessidades com o vosso
5
A GNOSE ROMÂNTICA CONTRA A
Caspar David Friedrich/Domínio Público
REALIDADE
JOSÉ CARLOS ZAMBONI
“Eu sou o espírito que nega” (Mefistófeles) do romantismo. O essencial, porém, já estava con-
tido nas balizas daquela fórmula: revolta contra a
Foi decisivo o papel do romantismo na criação do velha ordem da realidade e o desejo de substituí-la
“admirável mundo novo” que hoje nos toca viver. por um novo ordenamento.
Quem ainda se lembra das aulas de literatura no O espírito de negação dos românticos se manifes-
colégio, saberá que o “romantismo” foi um movi- taria de várias formas, e todas elas apontavam para
mento artístico, literário e filosófico que surgiu en- a necessidade de destruir uma ordem tida como
tre os séculos XVIII e XIX, no continente europeu, obsoleta, aprisionadora do espírito humano. Daí é
caracterizado sobretudo por duas ideias: liberdade que proviria, certamente, a usual imagem do de-
ilimitada e repúdio do mundo real. Essas seriam, mônio como metáfora da rebeldia; a violência sá-
poderíamos dizer, a fórmula química convencional dica substitutiva da solicitude cristã; a explosão ar-
do movimento romântico. tística e literária do inconsciente como repúdio à
Havia, na estética romântica, uma clara relação de lógica e à razão convencionais; a efemeridade dos
dependência entre as duas ideias. A recusa da rea- períodos históricos contra a concepção de História
lidade era um traço essencial dessa visão de Sagrada; a exaltação do “bom selvagem” em detri-
mundo, o motor que acionava o gesto rebelde de mento da cultura ocidental mais elevada; a tendên-
libertação e o combustível para as longas viagens cia para o fragmentário e o inacabado como reação
no inefável mundo da lua, o território preferencial ao formalismo da estética clássica.
dos românticos. Convém não esquecer que a velha ordem conde-
Outros componentes naturalmente derivariam nada ao repúdio ainda trazia, como um selo quase
desse núcleo básico, como o arrebatamento emo- bimilenar, as impressões digitais do cristianismo,
cional, que implicava a repulsa da sobriedade e do apesar das erosões que este já tinha sofrido desde a
comedimento, e a rédea solta à imaginação, que era Renascença neopagã. Assim, a luta contra a reali-
um veículo mais apropriado às excursões utópicas dade era também, e sobretudo, uma luta contra a
6
Igreja Católica, vista como uma espécie de cão- cos, no início do século XX, como o surrealismo,
de-guarda de um mundo que era necessário infa- o expressionismo, o dadaísmo; foi a bandeira da
mar e subverter (o famoso retorno à Idade Média revolução estudantil dos anos sessenta, no fim do
dos românticos não passava de busca de ambien- mesmo século, que produziu a cultura da droga, do
tação exótica, obedientes ao mesmo impulso que rock e do sexo livre; e continua a ser a base dos
os aproximava de temas e assuntos importados do movimentos radicais de hoje, como o feminismo e
mais distante Oriente). a ideologia de gênero, que procuram subverter a
Era quase impossível, à sensibilidade romântica, ordem criada por Deus para a sexualidade humana,
contentar-se com a dura realidade, tal como con- buscando legitimar o homossexualismo, o bissexu-
cebida e definida pelo cristianismo: lugar de queda alismo, o transexualismo, o “poliamor”, a poliga-
e prova, marcado pelo pecado, destinado a ser mia plurissexual, a zoofilia e a própria pedofilia.
substituído por uma realidade sobrenatural, após a O romantismo não foi um inócuo movimento
morte, de salvação ou perdição eterna. sentimentalista, de poetas tristes inconformados
O homem romântico não podia contentar-se com com o insucesso amoroso e existencial. Foi, acima
essa verdade incômoda e restritiva. Partiu, então, de tudo, a sementeira das principais sandices revo-
para a ofensiva: destronou o “falso” Deus judaico- lucionárias do mundo contemporâneo — elo im-
cristão, que havia gerado um cosmos perverso e portante de uma cadeia anticristã que já procedia
defeituoso, autoproclamando-se parte de uma di- dos séculos precedentes. Nele também se percebe,
vindade não mais transcendente, mas que coincidia sem necessidade de muito esforço conceitual, a
panteisticamente com o pródigo mundo natural que presença de uma heresia cristã muito antiga, que
os poetas do período cantariam ad nauseam, em volta e meia reaparecia na história da Igreja: o
prosa e verso (quando não se autonomeavam deu- gnosticismo.
ses eles próprios, a exemplo de Nietzsche, pai do Surgido nos primeiros séculos da era cristã, ca-
super-homem além do bem e do mal). racterizado pela confluência de certa religiosidade
Era a volta do antigo culto panteísta, em substi- oriental com a filosofia neoplatônica, o gnosti-
tuição ao monoteísmo, quando não a explícita ido- cismo era uma heresia que não aceitava a interpre-
latria do homem pelo homem. Tudo o que o Deus tação cristã do pecado original como fonte das im-
católico, encarnado em Cristo, não quis realizar — perfeições da realidade, atribuindo-as antes à cri-
pois seu reino não era deste mundo —, o ser hu- ação defeituosa de um demiurgo impotente, um
mano autodivinizado outorgava-se o direito de fa- deus inferior e perverso, incapaz da obra plena-
zê-lo, inicialmente no plano da fantasia e do so- mente realizada. O acesso ao verdadeiro Deus não
nho, fosse pela arte, pelos narcóticos, pelo ero- se daria, portanto, pelo sacrifício redentor de Cristo
tismo; e, um pouco mais tarde, no próprio plano da e pelo “conhecimento” obtido dentro dos limites da
História, com as revoluções comunistas, fascistas e Revelação (há uma “gnose”, um “conhecimento”
nazistas (é bem conhecida a ligação de Karl Marx autenticamente cristão, fruto do esforço mental hu-
com a linha satanista do romantismo, em seus po- mano auxiliado pela Graça); ao contrário, era con-
emas de juventude). cedido apenas, de forma seletiva, a uma minoria
Liberdade e contestação: foi este o mote do mo- iluminada e esotérica, que se acreditava detentora
vimento romântico, há mais de dois séculos; e foi, das verdades superiores, chegadas a eles exclusi-
também, a divisa dos vários modernismos artísti- vamente pela via dos conceitos ou da imaginação.
7
Isso nunca esteve ausente no mundo cristão, ser considerado suspeito de ortodoxia católica, re-
como no caso da seita maniqueísta dos cátaros, en- feriu-se certa vez [1] à “sinuosa e subterrânea
tre os séculos XII e XIII da Idade Média, que afir- marcha do movimento poético” no século XIX,
mava ser bom unicamente o espírito, criado por sempre oscilante entre dois polos: o da Revolução
Deus, enquanto a matéria seria essencialmente má, e o da Religião. Partindo de uma afirmação do en-
pois de origem diabólica. Eram inimigos da pro- saísta francês Jules Monnerot, para quem a história
priedade privada, que na época começava a afir- da poesia moderna é comparável à das seitas gnós-
mar-se na Europa, e o corpo humano era visto ticas e do ocultismo, Octavio Paz admite que isso
como sórdida e descartável prisão da alma, donde
é verdade nos dois sentidos. É inegável a influên-
a licitude da lascívia, do aborto, do infanticídio, em
cia do gnosticismo e da filosofia hermética em po-
clara antecipação do que se transformaria em mo-
etas como Nerval, Hugo, Mallarmé, para não falar
eda corrente hoje em dia. de poetas deste século: Yeats, George, Rilke, Bre-
Contudo, essa mentalidade de extremo descon- ton. Por outro lado, cada poeta cria em torno de si
tentamento com o mundo real adquire, a partir da pequenos círculos de iniciados, de modo que sem
exagero pode-se falar de uma sociedade secreta da
Renascença, um outro aspecto: surge uma nova
poesia. A influência desses grupos tem sido i-
gnose, antropocêntrica, voltada para as coisas deste
mensa e logrou transformar a sensibilidade de
mundo, e que, mantendo a radical insatisfação com nossa época. Desse ponto de vista não é falso afir-
a realidade, já não mais se interessaria em devolver mar que a poesia moderna encarnou-se na história,
a alma à sua divina fonte original, livre do demo- não à plena luz, mas como um mistério noturno e
um rito clandestino. Uma atmosfera de conspira-
níaco corpo/calabouço, mas em reconstruir em ba-
ção e de cerimônia subterrânea rodeia o culto da
ses puramente humanas o mundo imperfeito em
poesia.
que as pessoas se encontram caídas e abandonadas
(em estado de derrelicção, na terminologia do ne- O romantismo é uma das principais fontes não só
ognóstico Martin Heidegger). da poesia moderna, como de toda a literatura dos
Segundo a concepção gnóstica, o mundo é essen- últimos dois séculos, tanto em sua vertente revolu-
cialmente defectivo, necessitando de reconstrução cionária (na ordem política) quanto gnóstica (na
estrutural. E será o homem autodeificado quem ordem religiosa). Esta é uma boa hipótese de tra-
tentará realizar, com o descredenciamento da mo- balho para a crítica literária atual de inspiração
ral cristã e os recursos cada vez mais crescentes e cristã: localizar nas obras e autores particulares,
sofisticados da tecnologia, o que Deus não teria dos últimos duzentos anos, a presença sutilmente
sido capaz de fazer em sua impotência ontológica. venenosa dessa mentalidade anticristã que mudou
Ou até, em suas formas mais radicais, negando a completamente os rumos da criação artística con-
própria existência de Deus, como no socialismo temporânea e tem contribuído fortemente para a
marxista e outras correntes totalitárias da moder- instauração de uma “nova ordem mundial” sem
nidade. Foi assim que o romantismo tornou-se um Deus, sem alma, sem vida eterna.
dos pontos de convergência das modernas tendên-
cias gnósticas — ele que não foi somente um mo-
Fonte:
vimento literário e artístico, mas um verdadeiro
“espírito de época”, como dizem os alemães.
[1] PAZ, Octavio. Signos em Rotação. São Paulo, Perspec-
O escritor mexicano Octávio Paz, quem não pode tiva, 1996, p. 84.
8
LIBERALISMO:
Eugène Delacroix/Domínio Público
Fontes:
12
CATHOLICAE LITTERAE converter-se: Deus, o pregador e o ouvinte; e parte
a investigar qual deles pode ser o responsável pela
infertilidade da semente da fé.
De antemão, o jesuíta português faz notar duas
coisas: que o semeador saiu, mas não voltou; e que
o semeador começou a semear, mas com pouca
ventura. Todas as criaturas do mundo se armaram
contra a sementeira: criaturas racionais, como os
homens; criaturas sensitivas, como os animais; cri-
aturas vegetativas, como as plantas; criaturas in-
sensíveis, como as pedras. As pedras secaram-na,
os espinhos afogaram-na, as aves comeram-na e
os homens pisaram-na. Isso adverte sobre as difi-
culdades do “Ide e pregai a toda a criatura”, pois
os Apóstolos e missionários padeceram nas mãos
de homens degenerados em todas as espécies de
criaturas: homens homens, homens brutos, homens
troncos, homens pedras; isto é, saíram a semear e
Edição resenhada:
Columbano Bordalo Pinheiro/Domínio Público
16
Os primeiros habitantes do vasto vale do Paraíba, Pedroso, o qual lhe fez um altarzinho ou oratório
entre a Serra do Mar e a Serra da Mantiqueira, vale de madeira, onde a colocou. Era ali que, todos os
banhado pelo famoso rio Paraíba do Sul, eram, sem sábados, reuniam-se os vizinhos para cantar o
dúvida, os tamoios, pertencentes a grande família terço e mais devoções. Foi também ali que se deu
Tupi. Mais de duzentos anos depois da descoberta o prodígio, várias vezes repetido, das velas que se
do Brasil, na região então chamada Morro dos Co- apagavam e, sem intervenção de ninguém, de novo
queiros, distante de Guaratinguetá, habitavam se acendiam.
poucos moradores, dentre eles os pescadores Do- Passados alguns anos, como era grande o con-
mingos Martins Garcia, João Alves e Filipe Pe- curso das gentes, tornou-se imperiosa a construção
droso. duma igreja. Em 1743, o vigário de Guaratinguetá,
Em outubro de 1717, foi encontrada a prodigiosa Padre José Alves de Vilela, solicitou ao bispo do
Imagem de Maria nas águas do rio Paraíba. O Rio de Janeiro, Dom Frei João da Cruz, licença
achado é fato histórico, prendeu-se a uma viagem para erguer uma igreja. Assim, no lugar histórico
que fazia Dom Pedro de Almeida, Conde de As- onde apareceu milagrosamente a Imagem de Nossa
sumar, Governador e Capitão-General de São Senhora Aparecida, foi, mais tarde, erigida uma
Paulo e Minas Gerais. Sabendo que o ilustre hós- cruz comemorativa e, num ponto pouco mais ele-
pede e sua comitiva se deliciariam com uma mesa vado, uma Capela, inaugurada em 26 de julho de
bem servida de saborosos peixes, a Câmara de 1745, em cujas paredes externas se liam os nomes
Guaratinguetá ordenou aos pescadores da redon- dos três felizes pescadores que encontraram a Ima-
deza que saíssem a pescar e trouxessem todo o gem da Imaculada, hoje venerada como Padroeira
peixe que conseguissem apanhar. do Brasil.
Os três pescadores principiaram a lançar suas re- Com o correr dos anos, transpondo as serras por
des no porto de José Correia Leite, continuando até meio de rampas, ou varando-as pelos túneis, as es-
o porto de Itaguaçu, bem distante, sem tirar peixe tradas de ferro, partindo da costa, alcançaram o
algum. Foi quando João Alves aí lançou sua rede e vale do Paraíba do Sul. Notável foi o progresso que
tirou o corpo da Senhora, sem a cabeça; lançando a Estrada de Ferro Central do Brasil levou a Apa-
mais abaixo outra vez a rede, tirou a cabeça da recida. Era em 1877. A estação foi batizada com o
mesma Senhora. nome de Aparecida e tudo entrou a mudar de as-
João Alves, homem, sem dúvida, religioso, en- pecto.
volveu-a respeitosamente num pano, depositou-a Naquele mesmo ano de 1877, chegava a Apare-
na sua canoa e continuou a lançar a rede. Daquele cida Frei Joaquim do Monte Carmelo, nascido na
momento em diante, a pesca foi de tal modo abun- Bahia. Em janeiro do ano seguinte, apresentou Frei
dante, que ele e os companheiros, receosos de nau- Joaquim à Mesa Administrativa uma proposta de
fragar, devido à enorme quantidade de peixes, re- construção do corpo da igreja e da Capela-mor, re-
tiraram-se para suas casas, narrando a todos, forma inaugurada em 8 de dezembro de 1888.
cheios de espanto, o que lhes acontecera. Concluídas as obras, Frei Joaquim regressou a seu
Filipe Pedroso, ao que parece, o mais afeiçoado à mosteiro na Bahia e o Padre Claro Monteiro do
pequena Imagem, conservou-a em sua casa du- Amaral foi nomeado capelão de Aparecida em
rante uns quinze anos. Indo, mais tarde, morar no 1893.
Itaguaçu, deu a Imagem a seu filho Atanásio Em 1894, quando duma viagem a Roma, de Dom
17
Lino Deodato de Carvalho, bispo de São Paulo, re- Em 31 de maio de 1931, ocorreu a Consagração
cebeu a incumbência de obter uma comunidade de do Brasil a Nossa Senhora Aparecida. Para tanto, a
verdadeiros missionários para Aparecida. O Supe- Imagem foi levada ao Rio de Janeiro, então capital
rior-Geral dos Redentoristas aceitou a nova fun- do país. Dom Sebastião Leme, arcebispo de Olinda
dação. Assim, em 28 de outubro do mesmo 1894, e destacado devoto de Nossa Senhora Aparecida,
chegavam os primeiros Redentoristas; pondo fim à telegrafou ao papa:
capelania secular. A chegada dos redentoristas
Multidão, cerca de um milhão de pessoas, pre-
contribuiu espiritual e materialmente para os mo-
sença vinte e cinco bispos, Núncio Apostólico,
radores do lugar e para os romeiros, pois transfor-
membros Corpo Diplomático, Presidente da Re-
mou Aparecida em um centro de piedade sem di- pública, autoridades civis e militares, instituições
visas, propagado pelo Santuário de Aparecida, jor- religiosas e civis, classes populares, levou triunfo
nal fundado em 1900, quando as grandes romarias Imagem Padroeira, Mãe povo Brasileiro. A cidade
inteira, representando Nação, jurou fidelidade
tiveram começo.
Cristo-Rei, adesão Santa Sé, Romano Pontífice,
Em 1903, os senhores Bispos pediram ao Santo
cuja bênção implora todo Brasil genuflexo, vi-
Padre Pio X a faculdade de coroar solenemente a brante alma religioso povo fiel, generoso e bom
Imagem milagrosa de Nossa Senhora Aparecida, minha Capital.
comemorando o quinquagésimo aniversário da de-
finição dogmática da Imaculada Conceição. A fa- No dia 10 de setembro de 1946, o Cardeal Manuel
culdade foi concedida e a solenidade foi realizada Gonçalves Cerejeira, de Portugal, com a presença
em 8 de setembro de 1904. dos nossos dois cardeais e do representante do Pre-
A 29 de abril de 1908, o Santo Padre Pio X, agora sidente da República, com o governador do Estado,
elevado à honra dos altares, concedeu ao Santuário e muitos bispos, grande número de sacerdotes e
de Nossa Senhora Aparecida o título e a dignidade uma infinidade de fiéis, procedeu a bênção da Pri-
de Basílica. No dia 2 de janeiro de 1910, chegaram meira Pedra da nova Basílica Nacional.
à Basílica as relíquias de São Vicente Mártir, que Em 25 de março de 1954, na ocasião do chama-
jazem num nicho, debaixo do altar-mor. Em 1917, mento do Primeiro Congresso da Padroeira do
segundo centenário do encontro da Imagem, o papa Brasil, Dom Carlos Carmelo, cardeal presbítero e
Bento XV concedeu indulgência plenária em forma arcebispo metropolitano de São Paulo, escreveu:
de jubileu aos que visitassem a Basílica.
Como escrevemos alhures, os filhos bem-nascidos
Em setembro de 1929, celebrou-se em Aparecida
e espiritualmente bem formados exultam sempre
um Congresso Mariano, cujos participantes arce- em conhecer a vida da criatura abençoada que lhes
bispos e bispos externalizaram o desejo unânime deu o ser e o materno leite e amor de mãe.
de que Nossa Senhora Aparecida fosse declarada
Se assim é na ordem natural, mormente na ordem
Padroeira do Brasil. O episcopado apresentou,
sobrenatural ou na ordem da vida da graça. Aquela
pois, ao Santo Padre Pio XI esse pedido, sendo o que é a Mater Divinae Gratiae tem todo o direito
mesmo acolhido com muito agrado. Assim, em 16 ao mais sublime amor e ao mais acendrado culto
de julho de 1930, o grande Pio XI assinou o decreto por parte de todos os verdadeiros cristãos, regene-
rados pelo divino sangue do Salvador dos homens.
pontifício que declarou e proclamou Nossa Se-
Pois esse sangue redentor, Cristo o recebeu do seio
nhora da Conceição Aparecida Padroeira da Nação
imaculado e sempre virgem de Maria: Mariae, de
Brasileira.
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qua natus est Jesus, qui vocatur Christus. teve o próprio Dom Pedro, quando de sua viagem
a São Paulo em 1882.
A salvação moral e espiritual da cristandade des-
cansará perenemente na proteção superna de nossa A Imagem da Senhora Aparecida, que os três fe-
Mãe do Céu, tal qual em seus braços maternais lizes pescadores colheram nas águas do Rio Para-
descansava o próprio Salvador Jesus, o Cristo Fi- íba, é pequena. Feita de terracota, rústica, escura,
lho de Deus Vivo.
mas bem talhada, mede trinta e nove centímetros
A devoção a Nossa Senhora é a salvaguarda da fi- de altura. Maria, representada com as mãos postas,
delidade religiosa do nosso povo; e, para cada um tem, aos pés, uma cabecinha de anjo, e a meia-lua,
de nós, o penhor da conquista do Paraíso. como é geralmente representada a Imaculada.
Na capelinha do piedoso e zeloso Atanásio Pe-
Para sermos verdadeiros e bons brasileiros, have-
mos de ser fieis devotos da Mãe de Deus e Nossa. droso, foi venerada como apareceu — sem manto
Em seus braços veio Jesus para nós; em seus bra- [1]. Atualmente, num nicho, recobre-a um manto
ços iremos nós para Jesus. todo azul, muito rico, bordado a ouro, onde se lê:
REGINA BRASILIAE. Ornando-lhe a cabeça,
[...]
linda coroa de pedras preciosas dá-lhe a realeza a
Que Nossa Senhora Aparecida console os que que faz jus.
choram, conforte os que sofrem, encaminhe os
transviados, reconcilie os inimigos, consolide as
famílias, harmonize as sociedades, salve o Brasil! Fonte:
E assim como foi sua milagrosa Imagem recolhida
nas redes dos pescadores, assim também se digne PADRE ROHRBACHER. Nossa Senhora da Conceição
a querida Mãe e Padroeira recolher-nos a todos Aparecida. Em: Vida dos Santos. Vol. 18. São Paulo: Edi-
nas redes de sua bondade e de seu poder, levando- tora das Américas, 1959, p. 116-156. (revisão textual e
nos para o Céu, levando-nos para Jesus: AD IE- adaptação editorial nossa)
SUM PER MARIAM!
[1] Nota dos editores: Em 6 de novembro de 1888, a princesa
Entre os inúmeros devotos, crentes de seu poder Isabel visitou a Basílica pela segunda vez e ofereceu à santa,
e de sua magnanimidade, que se ajoelharam aos como pagamento de uma promessa (feita em sua primeira vi-
sita, em 8 de dezembro de 1868), uma coroa de ouro crave-
pés de Nossa Senhora Aparecida, conta-se que es-
jada de diamantes e rubis e um manto azul, ricamente ornado.
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YSTORIA SANCTI
SANTA BRÍGIDA
20
venerável apareceu-lhe, dizendo: “Por que pen- Tendo-se, então, despedido de todos, adormeceu
saste mal de minha serva, tratando-a de orgulhosa, no Senhor.
o que, entretanto, não é verdade? Dela farei nascer Assim, desde muito jovem S. Brígida foi confiada
uma filha, com a qual farei aliança, conferindo-lhe pelo pai a uma tia materna prudente quão piedosa.
uma graça tão grande que todas as nações não serão A filha de Birger recebeu um cuidadoso treina-
suficientes para a admirar”. mento religioso, e a partir de seu sétimo ano mos-
A essa circunstância maravilhosa, o arcebispo de trou sinais de impressões religiosas extraordinárias
Upsala, bem como os outros biógrafos, acrescenta e iluminações. Em sua educação, e principalmente
uma segunda. A princesa Ingeburga, estando grá- pela influência da tia materna, ela aprimorou
vida de Brígida, naufragou nas costas da Suécia e aquela força inabalável de vontade que mais tarde
foi salva do perigo pelo irmão do rei. Na noite se- a distinguiu.
guinte, um personagem vestido com uma roupa Na idade de dez anos, era como um lírio muito
brilhante apareceu a Ingeburga, e lhe disse: “Foi puro que se erguia da terra ao céu. Ostentava o mo-
em consideração à criança que trazeis que fostes delo de todas as virtudes, a sobriedade com a mo-
salva da morte; tende cuidado em criar no amor de déstia, a simplicidade com a ponderação, a humil-
Deus o que Deus vos deu especialmente”. E no dade com a obediência, a beleza na consciência, a
nascimento de Brígida, o vigário da paróquia, ho- hilaridade na paciência com uma caridade infati-
mem venerável por sua idade e virtude, passava as gável. Após ouvir um sermão sobre a Paixão de
noites em oração numa igreja vizinha, quando viu Nosso Senhor, o Mesmo Cristo lhe apareceu, cru-
uma nuvem luminosa e no meio da nuvem a Santa cificado, todo ensanguentado e chagado, a primeira
Virgem sentada, tendo na mão um livro e dizendo- de uma série de visões que lhe despertaram uma
lhe: “Nasceu em Birger uma menina cuja voz ad- devoção terníssima à Sagrada Paixão e Morte de
mirável será ouvida por todo o mundo”; eis o que Nosso Senhor Jesus Cristo. Na ocasião, tomada de
refere o arcebispo de Upsala, bem como os outros profunda compaixão incomum para uma criança,
biógrafos contemporâneos de S. Brígida. ela perguntou:
Entretanto, a maravilhosa criança ficou muda du- — Senhor, quem vos maltratou dessa maneira?
rante os três primeiros anos. No fim desse tempo, E Nosso Senhor lhe respondeu:
começou, não a balbuciar, como as crianças, mas a — Foram aqueles que desprezaram meu amor,
falar perfeitamente como as pessoas já adultas. isto é, aqueles que transgridem os meus manda-
Viu-se aí um efeito da sabedoria divina que abre a mentos e se mostram ingratos ao amor infinito que
boca dos mudos e torna eloquentes as línguas das lhes dedico.
crianças, a fim de tirar da boca das crianças, e da- A partir de então, muitas maneiras seu amor in-
queles que ainda mamam, um louvor perfeito. Es- ventou para castigar o corpo, e no sofrimento unir-
perando, sua piedosa mãe, cheia de boas obras e se Àquele que tanto sofreu por nossa causa. Apa-
esmolas, caiu gravemente doente. Soube e predisse recia como esposa de Deus, como uma pérola bri-
a morte vários dias antes. Vendo a aflição do es- lhante, cheia de graça a todos os olhos e amada por
poso e dos outros, disse-lhes com muita coragem: todos. Devia, porém, subir ainda mais alto.
“Por que afligir-vos? É muito ter vivido e ter vi- Em 1316, com a idade de treze anos, ela foi unida
vido bastante; ao contrário, devemos alegrar-nos em casamento com Ulf Godmarson, que tinha en-
de que sou chamada a um Senhor mais poderoso”. tão dezoito anos. S. Brígida adquiriu grande influ-
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ência sobre seu nobre e piedoso marido, conver- tava doze deles em casa; na quinta-feira, lavava-
tendo-o da vida devassa para o catolicismo. O ca- lhes e beijava-lhes humildemente os pés, em me-
samento feliz foi abençoado com oito filhos, entre mória do que Nosso Senhor tinha feito a seus após-
eles S. Catarina da Suécia. A santa vida e a grande tolos. Restaurou grande número de hospitais no
caridade de Brígida logo fizeram seu nome em toda país natal e em suas terras; lá reservava a si mesma
parte. Ela teve contato com vários teólogos erudi- os serviços mais extenuantes, tendo as filhas como
tos e piedosos, entre eles Nicolaus Hermanni, mais testemunhas, especialmente S. Catarina. Lá a pie-
tarde Bispo de Linkoping; Matthias, cônego de dosa mãe medicava com as próprias mãos as cha-
Linkoping; Matthias canonista de Linkoping, seu gas e as úlceras dos enfermos, dando-lhes esmolas
confessor; Pedro, Prior de Alvastra; e Peter Magis- e dirigindo-lhes palavras de consolo, mostrando
ter, seu confessor depois de Matthias. aos filhos, com o exemplo, como deveriam um dia
A mãe, depois de ter vivido santamente na vir- servir também aos pobres e aos enfermos por amor
gindade, não viveu menos santamente no casa- de Deus.
mento. Depois do nascimento do oitavo filho, Ulf No início do ano de 1341 ou 1343, em companhia
e S. Brígida guardaram continência. Ela regulou de seu marido, ela fez uma peregrinação a Santiago
tão bem toda a vida que jamais deixou motivo a de Compostela. Na viagem de volta, o marido foi
alguma suspeita sinistra, nem maledicência al- acometido de súbita doença, recuperando-se o su-
guma. Para isso, não admitia nem criadas nem ficiente para terminar a viagem. Na ocasião, S. Di-
companheiras cuja reputação não fosse sem man- onísio apareceu a S. Brígida e lhe prometeu que ele
cha, para que sua familiaridade não lhe atraísse al- não morreria naquela ocasião. Eles retornaram para
guma má fama. Sabendo que a ociosidade é mãe Suécia e Olf, tomado de grande mudança espiri-
de todos os vícios, dedicava-se com suas domés- tual, com o consentimento da esposa, entrou para o
ticas a trabalhos para as igrejas e para os pobres, mosteiro cisterciense de Alvastra, em East Cloth
lia as vidas dos santos e a Bíblia, que tinha feito Land. Aí Ulf veio a falecer, em 1344. Após sua
traduzir em língua gótica; ia à igreja e ouvia com morte, S. Brígida dividiu seus bens entre os filhos
prazer o Ofício divino. Com seu esposo, o príncipe e os pobres, renunciou à condição de princesa e
Ulf, confessava-se todas as sextas-feiras e comun- passou a dedicar-se inteiramente a práticas religi-
gava todos os domingos e festas. Tinha um oratório osas e ascéticas, incluindo a escrita de diversos li-
secreto, onde se recolhia na presença de Deus, exa- vros de edificação espiritual e a fundação da Or-
minava a consciência, chorava as faltas; onde, dem de Santa Brígida, sob a Regra de S. Agosti-
quando o marido estava ausente, passava as noites nho.
inteiras em oração, vigílias, jejuns e outras morti- Se a santa viúva teve de sofrer da parte dos ho-
ficações; sempre se abstinha de iguarias, mas se- mens, incluindo a morte de filhos e do marido,
cretamente, para não ser notada pelo marido ou por Deus a consolou abundantemente com revelações
outros. Tinha a mais terna devoção pela Santa Vir- e comunicações sobrenaturais. Essas revelações
gem, que, nos partos laboriosos, concedia-lhe um foram examinadas por doutores católicos e apro-
fácil resultado, quando todos pensavam que ia per- vadas pela Santa Sé, que nada contêm de contrário
der a vida. à fé e que nelas se pode crer piamente. Além das
Suas esmolas eram muito grandes, e tinha uma revelações que se referem à fé, há em S. Brígida,
casa ampla para os pobres. Todos os dias, alimen- como nas profecias da antiga lei, muitas exorta-
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ções, advertências, às vezes muito severas a Papas, ceber os últimos sacramentos. Morreu a 23 de julho
a reis, a povos, ou classes de homens, padres e ca- de 1373, na idade de setenta e um anos. Enterra-
valeiros. Mais de uma vez essas exortações encer- ram-na na igreja de São Lourenço, em Panisperna,
raram ameaças proféticas que tiveram realização. que pertencia às pobres clarissas. No ano seguinte,
De suas visões, a mais célebre sem dúvida é o príncipe Birger, seu filho, e Santa Catarina, sua
quando Nosso Senhor Crucificado apareceu-lhe filha, fizeram levar o corpo para o mosteiro de
para responder quantos golpes sofreu ao todo em Watstein, na Suécia. Foi canonizada pelo papa Bo-
sua Paixão (5480); acontecimento que deu origem nifácio IX, a 7 de outubro de 1391. Sua festa é no
à prática das 15 Orações reveladas por Jesus a dia 8 de outubro.
Santa Brígida, aprovadas pelo Papa Pio IX em 31
de maio de 1862.
Fontes:
No ano 1371, a ilustre viúva sueca, como outrora
a ilustre viúva romana Santa Paula, da família dos KIRSCH, Johann Peter. Santa Brígida da Suécia. Em: Enci-
Gracos e dos Cipiões, empreendeu, em idade avan- clopédia Católica. Vol. 13. Nova Iorque: Robert Appleton
çada, ante uma revelação particular, a peregrinação Company, 1912, p. 273-284.
LEHMANN, Pe. João Batista. Santa Brígida. Em: Na Luz
a Jerusalém. Chegando a Roma já enferma, ficou
Perpétua. Vol. II. Juiz de Fora: Lar Católico, 1950, p. 365-
mais doente ainda. Sentindo-se perto do fim, deu
367.
avisos muito comoventes aos filhos, príncipe Bir- PADRE ROHRBACHER. São Miguel e os Anjos Bons.
ger e S. Catarina de Suécia, quem estava com ela; Em: Vida dos Santos. Vol. 13. São Paulo: Editoras das
depois, quis ser estendida sobre um cilício, para re- Américas, 1959, p. 273-284.
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EUTRAPELIAM
ALTAR
DA
SANTA
MISSA
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