Você está na página 1de 28

OS CHEFES DE ESTADO E AS

RELAÇõES INTERNACIONAIS

G. E. DO NASCIMENTO E SILVA *

1. Introdução. 2. O Chefe de Estado e a Direção da


Política Exterior. 3. Prerrogativas e Imunidades de
Chefes de Estado. 4. Conclusão.

1. O Direito Internacional atual, possivelmente sob a influên-


cia da história, considera o chefe de Estado, salvo declaração
formal em contrário, como órgão encarregado das relações in-
ternacionais do Estado. No passado, os soberanos com podêres
supremos absolutos enfeixavam em suas mãos tôdas as fa-
culdades, gozando do jus repraesentationis omnimodo. Hodier.;.
namente, a situação vai sofrendo acentuada eyolução com o
desaparecimento dos monarcas absolutos e o surgimento dos
regimes representativos com as conseqüentes limitações cons-
titucionais dos podêres dos chefes de Estado. Num aparente
paradoxo, verifica-se que nas monarquias modernas a figura
do soberano assume, cada vez mais, um papel meramente pro-
tocolar, cabendo-lhe no âmbito internacional apenas represen-
tar o Estado. No regime republicano presidencial, os podêres
do chefe de Estado em matéria internacional são maiores, pois
além de representar o seu Estado cabe-Ihe, na maioria dos
casos, a responsabilidade pela sua política exterior.

* Embaixador do Brasil; ex-Professor do Instituto Rio Branco; do


Instituto de Altos Estudos Internacionais da Universidade de Paris; da
Universidade Pro Deo, de Roma; da Pontifícia Univ. Católica do R. de
Janeiro e da Fac. de Direito Cândido Mendes.

R. Ci. pol., Rio de Janeiro, 4(1) : 63-90, jan./mar. 1970

Chefes de Estado e Relações Internacionais


Cumpre a todos os Estados comunicar oficialmente aos
demais, que devem tomar de maneira formal conhecimento de
tal comunicação, o nome do indivíduo ou dos indivíduos que
revestem a qualidade de órgão central de suas relações inter-
nacionais, bem como tôdas as modificações verificadas em tal
órgão. 1 O órgão pode ser, e geralmente é um indivíduo, o chefe
de Estado, mas também o órgão pode ser colegiado. Em via de
regra, o indivíduo apontado como órgão central responsável
pelas relações internacionais também ocupa, do ponto de vista
interno, o lugar mais importante, mas nada impede que, por
razões de conveniência político-administrativa, não haja tal
identidade.
A comunicação tem, portanto, uma importante prática,
pois permite, no âmbito internacional, identificar a pessoa ou
pessoas responsáveis. Não ocorrendo por um motivo qualquer
tal notificação oficial, será tido como chefe de Estado do ponto
de vista do Direito Internacional o indivíduo que age como tal.
Não cabe aos demais Estados opinar sôbre a legitim:dade
do chefe de Estado, desde que exerça efetivamente o poder e
seja aceito como tal pelos habitantes do país, pois as demais
"nações estrangeiras não têm competência para julgar da legi-
timidade, com que é exercido êsse poder".:! A Santa Sé em
mais de uma oportunidade, principalmente na bula de GREGÓ-
RIO XVI, Sollicitudo Eccleõ'iarum, de 1831, e numa encíclica de
LEÃO XIII tem declarado que a praxe tradicional da Igreja
Católica é a de tratar com a autoridade que detém de fato o
poder, sem que isso implique no reconhecimento de sua legi-
timidade. 3
A praxe seguida atualmente pelos soberanos e chefes de
Estado é a de comunicar por meio de cartas de chancelaria,
devidamente referendadas pelos respectivos ministros das Re-
lações Exteriores, a ascensão ao trono ou posse, cartas de
chancelaria essas geralmente entregues através a respectiva
missão diplomática. Tais comunicações são, igualmente, re!'!-
pondidas por carta de chancelaria, na qual se fazem votos pela
felicidade do nôvo chefe de Estado e pela manutenção das boas
relações existentes entre os dois países. 4, É bem verdade que
quando em 1930 o Rei CAROL da Romênia destronou o seu

64 R.C.P. 1/76
próprio filho, MIGUEL I, comunicou ao Presidente da República
francesa em forma telegráfica que havia assumido o trono,
sendo que GASTON DOUMERGUE respondeu da mesma maneira. 5
Ocorrendo golpe de Estado com a conseqüente mudança
do soberano ou chefe de Estado, o nôvo regime ou chefe de
Estado deverá ser devidamente reconhecido pelos demais Es-
tados antes de poder manter com êles relações diplomáticas.
É interessante notar que quando, em abril de 1967, as fôrças
armadas gregas tomaram o poder e destituíram o govêrno
constitucional, a situação do Rei CONSTANTINO não foi afetada
não ocorrendo necessidade de reconhecimento.
Conforme tem sido salientado, o órgão central responsá-
vel pelas relações internacionais do Estado pode ser de tipo
colegial. O único exemplo atualmente existente é o da Suíça,
onde nos têrmos do art. 103 de sua Constituição Federal, o
poder executivo supremo é exercido por um colégio de conse-
lheiros federais com direitos iguais. Nos têrmos da lei federal
de 1924 se estipula que o presidente do Conselho representa
no exterior a confederação. Tal norma, na opinião de GUGGEN-
HEIM, está em contradição com o conteúdo verdadeiro dos
podêres presidenciais da confederação e representa uma remi-
niscência do conceito monárquico da função do chefe de Es-
tado. 6
O Uruguai, de 1919 a 1952, tentou implantar um regime
colegiado, que na prática não deu os resultados almejados, dada
a presença de membros pertencentes a dois grupos políticos
rivais no Conselho, cujas deliberações e decisões eram mais de
natureza política do que administrativas. Em março de 1967,
o Uruguai abandonou o regime colegial depois de um período
de acentuada instabilidade política, social e econômica, fruto
de ausência de um poder central com autoridade.
São igualmente órgãos centrais de natureza coletiva os
triunviratos e outras soluções políticas semelhantes adotadas
freqüentemente depois de revoluções ou golpes de Estado logo
a seguir à derrocada do govêrno e que são, quase sempre, de
duração efêmera, com um dos membros do govêrno revolu-
cionário, geralmente de militares, assumindo o poder. Na
Rússia Soviética, depois de KRUSCHEV, surgiu um govêrno de

Chefes de Estado e Relações Internacionais 65


tipo colegial, dominado por uma Troika composta pelo Premier
KOSYGIN, o secretário-geral do partido, LEONID BREZHNEV e o
presidente NIKOLAI PODGORNY.
Os Estados são livres de conferirem aos respectivos chefes
de Estado os títulos que julgarem mais apropriados, mas de
conformidade com o Direito Internacional contemporâneo o tí-
tulo não tem nenhuma conseqüência especial (a não ser dife-
renciar os regimes monárquicos dos republicanos) nem confere
ao respectiyo titular direitos ou prerrogativas especiais."
Nesse particular, é curioso constatar que LAUTERPACHT tenha
mantido os ensinamentos de OPPENHEIM no sentido de que "o
Direito Internacional reconhece todos os monarcas como igual-
mente soberanos", S mas julga que o Direito Internacional dis-
tingue entre monarcas e chefes de República no tocante a hon-
ras e privilégios, se bem que acrescente que "as regras com
que o Direito Internacional tradicional sancionava a preeminên-
cia dos monarcas em matéria cerimonial ou de outro modo,
tornaram-se, sob muitos aspectos, obsoletos". 9 Algumas dúvi-
das a êsse respeito podem ser admitidas nas relações entre ()
Papa e os chefes de Estados católicos que tendem a dar ao
Sumo Pontífice um tratamento preferencial.
R. GENET, repetido por SEBASTIÁN DE ERICE, salienta que
as palavras título e dignidade não são sinônimos. Uma digni-
dade é uma função, em emprêgo uma distinção; função emi-
nente, distinção elevada, emprêgo importante, mas nada mais
do que uma materialidade. O título é o nome que se dá a esta
dignidade. O título é a qualificação honorífica que chamará ao
titular as honrarias, a consideração, o respeito, numa medida
quantitativa e qualificativa que se procurou conferir, em vir-
tude da tradição reconhecida. Império, dignidade imperial, é
um conceito político; ao passo que imperador, título imperial,
é quem a plasma sem que, nesse caso, seja imprescindível a
conjunção de ambos os conceitos. 1Q
Como decorrência do princípio da igualdade jurídica dos
Estados, o título conferido ao chefe de Estado não importa
hoje em dia em nenhuma situação privilegiada, se bem que nem
sempre tenha sido assim. Constata-se também, que a impor-
tância dos títulos tem variado com o decorrer dos séculos. Em

66 R.C.P. 1I7()
Roma, por exemplo, imperador, rei e príncipe foram todos
utilizados em épocas distintas para designar a autoridade
suprema.
O título mais alto conferido tem sido o de imperador, deri-
vado do impera.tor romano. O título de imperador era uma
distinção honorífica dada pelas legiões aos generais e aos co-
mandantes de exércitos vitoriosos, mas com TIBÉRIO, passou a
designar o título do poder supremo. 1I Em 395, com o desmem-
bramento do Império Romano, surgem dois imperadores, do
Ocidente e do Oriente. O Império do Oriente subsistiria até
1453, data da tomada de Constantinopla.
O título de imperador foi retomado por CARLOS MAGNO
no ano 800 quando subjugou os saxões e se fêz coroar impera-
dor do Ocidente pelo Papa LEÃO IlI, título êsse que os seus
herdeiros mantiveram até que CHARLES-LE-GROS foi deposto
pela dieta de Tribur em 887. É interessante observar que CAR-
LOS MAGNO não passava, para o imperador dos romanos se-
diado em Constantinopla, de um rei bárbaro, usurpador do
título sacrossanto. I:! É bem verdade que em 812 o título de
imperador de CARLOS MAGNO foi reconhecido pelos basileus,
mas em 871 o imperador BASILE I recusou-se a reconhecer o
título assumido por LUIZ lI. OTON, o Grande, rei da Alemanha
desde 936, tornou-se rei da Itália em 961 cingindo a coroa im-
perial no ano seguinte dando origem ao Santo Império Romano
Germânico, que perdurou até a época napoleônica. NAPOLEÃO
ao proclamar, em 1804, o Império Francês escolheu para si o
título de imperador, não só porque a idéia de rei era insepará-
vel dos BOURBONS, mas também para atestar a derrota dos
HABSBURGOS, com a transferência da coroa para a França. No
intuito de vincular a sua coroação à de CARLOS MAGNO fêz
questão de que o Papa PIO VII o coroasse em Paris, a 2 de
dezembro do mesmo ano. Mas o império de NAPOLEÃO foi o mais'
efêmero; durou até 1814, renasceu em virtude de golpe militar
em 1852 para desaparecer definitivamente em 1870. O título,
contudo, não desapareceu, voltou aos HABSBURGOS com êles
permanecendo até 1918, quando o Imperador CARLOS IV da
Áustria foi forçado a abdicar.

Chefes de Estado e Relações Internacionais 67


o título de imperador, vinculado ao Sacro Império Roma-
no passou a ser utilizado por outros soberanos, além dos im-
peradores bizantinos, até 1453. Além de NApOLEÃO I e IH, foi
tomado pelo Czar PEDRO, o Grande, em 1721, os reis da França
se denominavam imperadores em suas relações com a Sublime
Porta e os Estados africanos. 13 Na Inglaterra a coroa sempre
foi designada como imperial crou;n. Com a ocupação definitiva
da índia, a Rainha VITÓRIA desejou assumir o título de impe-
ratriz, sendo que, em 1876, DISRAELI submeteu ao Parlamento
projeto de lei para modificar o título de soberano, mas diante
da grita generalizada, teve que esclarecer que o título só se
referia aos domínios coloniais, sem implicar em modificação no
tocante ao território metropolitano. De conformidade com uma
proclamação do Rei GEORGE V, de 1927, o seu título passou a
ser em latim: Georgius V. Dei Gmtia Magna Britanniae, Hi-
bernia et terrarnm transmarinarum quae in ditione sunt Bri-
tannica Rex, Fidei Defensor, India Imperator. Com a emanci-
pação política da índia, o título de imperador (ou imperatriz)
foi suprimido e a atual rainha ao assumir o trono tinha o se-
guinte título: Elizabeth Segunda, pela Graça de Deus, da Grã-
Bretanha, Irlanda e dos Domínios Britânicos de além Mar,
Defensora da Fé. Posteriormente, em 1952, ficou decidido que
o título variaria de conformidade com o status de cada membro
da comunidade. H
N a relação dos soberanos com dignidade imperial convém
ainda mencionar o imperador da Etiópia e o shainsha da Pér-
sia. As palavras mikado em japonês e padischah em turco cor-
respondem mais ou menos a imperador.
Por fim cumpre lembrar que, no Brasil, com a proclama-
ção da independência, Dom PEDRO I assumiu o título de impe-
rado!" que foi continuado pelo seu filho e sucessor.
O título de imperador foi no passado atribuído aos sobe-
°ranos segundo dois critérios aceitáveis: em primeiro lugar,
presunção de que o imperador tinha sob o seu cetro dois ou mais
reis; que os seus domínios eram extensos, abrangendo mais de
um reino. No caso do Brasil, o fator territorial foi determi-
nante na aceitação pelos demais países do título assumido pelo
seu soberano.

68 R.C.P. 1/70
BLUNTSCHLI salientava que os Estados com direito à dig-
nidade imperial deveriam abarcar o mundo ou parte do mundo
e serem potências universais ou, pelo menos, reunir diversos
povos ou terem sôbre diversos povos uma influência política
determinada; sendo que os Estados que correspondem a um só
povo sôbre um território determinado possuem a dignidade
real. 15 É bem verdade que os conceitos emitidos por BLUNTS-
CHLI, que tinha em vista o caso específico dos reis da Prússia,
que depois de 1870 assumiram o título de imperador, carecem
hoje de importância.
N o estudo das monarquias temos ainda o título mais ge-
neralizado de rei tido como o mais eminente depois do de im-
perador. Foi o título primitivo adotado pelos soberanos dos
países latinos. A palavra deriva do latim rex, embora o rex
romano não correspondesse precisamente aos reis tal como en-
tendidos hoje em dia. No passado a dignidade real era confe-
rida pelos imperadores romanos, e posteriormente pelos im-
peradores bizantinos, pelos imperadores romano-germânicos e
pelos papas. A partir da Idade Média, os exemplos de príncipes
soberanos que adotaram o título de rei tornam-se mais fre-
qüentes, sendo que em 1701 o eleitür de Brandeburg colocou
pessoalmente sôbre a sua cabeça a coroa real, assumindo o tí-
tulo de rei.
Outros títulos monárquicos podem ser citados, sendo que
nas pequenas monarquias de Luxemburgo, Leichtenstein e Mô-
naco os títulos dos soberanos são os de grão-duque e de prín-
cipe, sem que isso possa ser tido como uma capitis diminutio
em relação às demais monarquias ou repúblicas, mercendo os
respectivos chefes de Estado as mesmas honras e prerrogativas
reconhecidas aos de outros Estados maiores e mais poderosos.
Os títulos dos soberanos geralmente mencionam todos os
territórios sob a sua suzerania, mas podem ainda incluir os tí-
tulos religiosos atribuídos a determinadas famílias reinantes
pelos sumo pontífices. Assim, os reis de Portugal eram os reis
fidelíssimos, 16 os franceses, os cristianíssimos, os espanhóis,
os católicos, os húngaros os apostólicos. O título de defensor
da fé foi outorgado ao Rei HENRIQUE VIII da Inglaterra pelo
Papa LEÃo X por haver escrito obra condenando as teorias de

Chefes de Estado e Relações Internacionais


LUTERO, e foi mantido por êle e pelos seus sucessores protes-
tantes. 17 PINHEIRO FERREIRA em meados do século XIX opinou
que seria desejável, mesmo no interêsse da realeza, que os mo-
narcas cujos antepassados, de acôrdo com os gostos da época,
adotaram títulos que contrastam com as idéias de nosso século,
se abstivessem de utilizá-los. Tais são os títulos dos reis de
Espanha e de Portugal, que vinculados a idéias religiosas ou a
fatos que, se já foram válidos, não o são mais hoje em dia. 1~
Além dêsses títulos religiosos, os soberanos costumavam
adotar ainda títulos de pretensões ou de memória, que, con-
forme o nome indica, tinham por objetivo invocar direito a
territórios perdidos ou conservar a recordação de possessõe'l Já
perdidas e sôbre as quais o soberano não mais t'nha pretensõps.
Convém ainda salientar a antiga prática das chancelarü,s
de diyidir os títulos empregados pelos soberanos em títulos
grandes, médios e pequenos. Nos títulos grandes eram incluí-
dos não só as referências às possessões realmente sob o domínio
do soberano, senão também os títulos religiosos, de memória e
os de pretensões; nos médios citavam-se os territórios efetiva-
mente ocupados; e os pequenos, utilizados em questões menos
protocolares, correspondiam à dignidade mais importante e
utilizada normalmente pelo soberano. 19
Se bem que os Estados têm liberdade de dar aos respecti-
vos soberanos os títulos que julgarem mais apropriados, os
demais Estados não são obrigados a reconhecê-los. A recusa de
reconhecimento pode ser motivada ou porque se estima que o
título assumido não cor responde à extensão ou poder do Estado
ou do soberano, como no caso do rei adotar o título de impera-
dor; ou então a recusa decorrerá da circunstância de o título
mencionar indevidamente país ou território que não mais se
encontra sob o seu domínio ou cuja ocupação é tida por ilegal.
Em 5 de agôsto de 1861, a legação da Itália no Rio de
Janeiro passou nota ao Ministério dos Negócios Estrangeiros
comunicando haver sido sancionada e promulgada a lei pela
qual o Rei VÍTOR MANOEL 11 havia tomado para si e para os
seus sucessores o título de rei da Itália e solicitava do govêrno
do Brasil acolhimento favorável à comunicação. Em sua res-
posta, l\IAGALHÃES TAQUES salientou que "nenhuma dúvida
7fj R.C.P. 1/70
terá o govêrno imperial em reconhecer o nôvo título que S.M.
O Rei VÍTOR MANOEL II tomou para si e para os seus sucesso-
res, logo que seja essa resolução notificada por carta do mesmo
augusto senhor à S.M. o imperador do Brasil, que a receberá
com muito agrado". Pouco depois carta em tal sentido foi enca-
minhada ao Imperador PEDRO II que agradeceu, a 11 de no-
vembro, a comunicação relativa aos acontecimentos na penín-
sula i tal~ana, e reconhecendo o "título, que Vossa Maj estade
tomou, confio que sob os auspícios de Vossa Majestade o Brasil
e o Reino da Itália manterão as relações de amizade e boa har-
monia que tão felizmente existem entre os povos de ambos os
países". cO
Contrastando com essa atitude, podemos citar nota passa-
da pelo Foreign Office a GAMEIRO PESSOA, em 27 de abril de
1824, em que dizia "não obstante as reiteradas intimações, es-
critas e verba:s, que Você tem recebido de que o título de impe-
rador do Brasil não é reconhecido por Sua Majestade, Você
insiste em dar às suas cartas a forma de comunicações oficiais
regulares. Se Você pensa que, mediante a repetição de tal prá-
tica, conseguirá finalmente a sua admissão tácita, podendo
exigir depois como tendo sido feito um reconhecimento pelo
govêrno britânico de assunto ainda sob estudo quanto à sua
propriedade e conveniência, Você verificará que está comple-
tamente equivocado ... " ~1 No ano seguinte, tal reconhecimento
era concedido, demonstrando não só o desacêrto, do missivista,
senão também seu completo desconhecimento das mais come-
zinhas normas de cortesia e redação diplomática.
Como exemplo de recusa de reconhecimento de nôvo título
convém mencionar o título de imperador da Abissínia assumido
pelo Rei VÍTOR MANOEL IH depois da conquista daquele país
pela Itália em 1938. A questão agravou-se quando o embai-
xador da França em Roma se retirou e seu substituto, Senhor
de SAINT QUENTIN, foi nomeado. O govêrno italiano fêz sentir
ao francês que as credenciais do nôvo embaixador só poderiam
ser aceitas se consignassem o nôvo título por extenso do rei da
Itália, isto é, com a inclusão das palavras imperador da Abissí-
nia, o que implicaria no reconhecimento da conquista daf(uele
país, conquista esta já condenada pela Liga das Nações. '22

Chefes de Estado e Relações Internacionais 71


2. Outrora, os soberanos no exerClClO do jus repraesentatio-
nis omnimodo gozavam de pod~res ilimitados na direção geral
do país, quer no âmbito interno, quer no externo. Os embaixa-
dores eram seus enviados pessoais e representavam à sua
majestade no Estado acreditado; os tratados firmados por seus
embaixadores de conformidade com as suas instruções passa-
vam a obrigar ipso facto o país. Mas conforme lembra ROLANDO
QUADRI "o chefe de Estado perdeu importância nos tempos
modernos". 23
Mas não obstante esta diminuição nos podêres dos chefes
de Estado, sobretudo depois de 1815 e sob o influxo das novas
teorias liberais e democráticas, passou-se a constatar uma in-
fluência cada vez maior dos chefes de Estado ou de govêrno
depois da 2. a Guerra Mundial, possIvelmente em decorrência
dos novos meios de transporte que permitem as deslocações
rápidas com curtas ausências do respectivo país. Já antes de
1939, HITLER e MUSSOLINI em mais de uma oportunidade tive-
ram ensejo de se transladarem para o exterior, sendo que
a reumao de Munique de setembro de 1938, com CHAM-
BERLAIN e DALADIER, representa um ponto importante nesse
particular. As reuniões de cume, às quais cada vez mais se
recorre para a solução de graves problemas e,principalmente,
o comparecimento de chefes de Estado (inclusive do Papa
PAULO VI) às Nações Unidas para defender a posição do res-
pectivo país, como no caso da Assembléia Extraordinária de
1967, convocada depois da guerra entre árabes e judeus mostra
que a atividade internacional dos chefes de Estado ~stá se fa-
zendo sentir cada vez mais.
Não podemos desconhecer que no século passado e no atual
a vaidade ou as ambições de NAPOLEÃO I e lU, BISMARK, STA-
LIN, HITLER e MUSSOLINI contribuíram decisivamente para
guerras, iniciadas sob o pretexto de visarem à defesa dos inte-
rêsses nacionais. 24
THOMAS JEFFERSON, em 1793, teve ensejo de declarar:
"O presidente é o único veículo de comunicação entre êste país
e as nações estrangeiras, e é exclusivamente por seu intermédio
que as nações estrangeiras ou os seus agentes devem se intei-
rar qual é ou foi o pensamento da nação". 25

72 R.C.P. 1/70
Variam as atribuições do chefe de Estado na fixação e
execução da política exterior do país e as suas limitações.
Quanto às limitações, algumas podem ser fixadas taxativa-
mente pela constituição, e outras podem ser conseqüência do
contrôle e da fiscalização exercida pelo Parlamento nacional,.
sendo que estas podem ser ou a priori ou a posteriori.
Quanto ao Brasil, verificamos que a Constituição de 1966,
apesar de haver fortalecido o poder executivo, a quem compete
privativamente a manutenção de relações com Estados estran-
geiros, delega podêres de contrôle ao Congresso Nacional. Em
determinadas condições, o contrôle é exercido apriorlsticamen-
te, como no caso da nomeação dos chefes das missões diplomá-
ticas permanentes, quando a aprovação prévia do nome do
in digitado pelo Senado é condição sine qua nono O Presidente
também só pode declarar a guerra ou fazer a paz depois de
devidamente autorizado pelo Parlamento. O contrôle a poste-
riori se verifica principalmente na aprovação de tratados já
firmados em nome do Presidente da República, figurando den-
tre êstes os tratados de paz para os quais é necessário a auto-
rização anterior e a aprovação posterior do tratado. Quanto
às proibições, basta recordar que a Constituição proclama que
"é vedada a guerra de conquista". Na vigência da Constituição
de 1946 havia ainda uma norma obrigatória pois se estipulava
"é mantida a representação diplomática junto à Santa Sé", o
que poderia eventualmente impedir o Presidente da República
de agir diversamente. 26
A exigência de autorização do legislativo para que os
chefes de Estado possam se ausentar do território nacional
constitui outra limitação à sua liberdade de ação em matéria
de relações exteriores. O Senado chileno rejeitou em janeiro de
1967 o pedido do Presidente EDUARDO FREI para visitar os Es-
tados Unidos a convite do respectivo govêrno, o que provocou
profunda surprêsa não só em Washington senão no resto do·
continente.
Problema delicado é determinar quais as conseqüências
internacionais da violação pelo chefe de Estado de texto consti-
tucional limitativo de seus podêres. É inegável que o direito

Chefes de Estado e Relações Internacionais 78~


moderno não mais reconhece o jus repraesentationis omnimo-
do 27 e conforme salientava FAUCHILLE "cada monarca ou
chefe de Estado só possui o d;reito de representação dentro dos
limites que tal direito lhe confere pela legislação constitucional
de seu país". 28 RUBENS DE MELLO, citando BUSTAMANTE, con-
clui que a seu ver a razão está com os autores para os quais
os chefes de Estado não podem exceder dos limites estabele-
cidos pelas constituições dos respectivos países. ~'9
Mas, se do ponto de vista do direito interno, os atos do
chefe de Estado contrários à Constituição ou à legislação in-
terna podem ser impugnados, inclusive mediante recurso ao
judiciário, do ponto de vista internacional a legalidade de atos
do órgão ou da autoridade central cujo nome foi devidamente
levado ao conhecimento dos demais Estados como sendo o res-
ponsáyel pelas suas relações internacionais não pode ser posta
em dúvida. "Seria sumamente ofensi"o, conforme salienta
SCHWARZENBERGER, se o representante de outro sujeito de
Direito Internacional lançasse dúvidas sôbre os plenos podêres
de um chefe de Estado na base de sua própria interpretação
do Dire;to Constitucional estrangeiro. Seria uma interferência
ilegal na esfera exclusiva da jurisdição doméstica de outro
Estado soberano".30 ANZILOTTI é igualmente categórico ao
mostrar que a convicção dos Estados é de que não é conve-
niente nem admissível proceder-se ao exame para estabelecer
a regularidade constitucional dos atos praticados pelo chefe de
Estado estrangeiro". ~l
O problema foi devidamente estudado pela Com:ssão de
Direito Internacional quando da elaboração dos projetos sôbre
tratados. Em 1951, a comissão, baseada na tese de que prin-
cípios de Direito Nacional limitando o poder de órgãos estatais
de firmar tratados deviam ser considerados como constituindo
parte do Direito Internacional, visando evitar consentimento a
tratado na esfera internacional sem levar em conta limitações
constitucionais, adotou artigo do seguinte teor: "um tratado
torna-se obrigatório para um Estado em virtude de assinatura,
ratificações, acessão ou outras manifestações do Estado, de
conformidade com o direito e prática constitucionais por inter-

'74 R.C.P. 1/70


médio de órgão competente para tal finalidade" (art. 2). Em
1963, a comissão modificou radicalmente a sua posição e adotou
artigo que seria incluído no projeto definitivo adotado em 1966
que reza: "um Estado não pode invocar o fato de que o seu
consentimento para ser vinculado por um tratado foi manifes-
tado em violação de dispositivo de seu direito interno relativo
à competência para concluir tratado como invalidando o seu
consentimento, a não ser que tal violação do direito interna-
cional foi óbvia" (art. 43). Nos comentários ao referido ar-
tigo se salienta a existência de três correntes. de opinião a
respe:to, mas sente-se que a Comissão de Direito Internacional
propende por aquela de acôrdo com a qual "se um agente, com-
petente de acôrdo com o Direito Internacional para agir em
nome do Estado, manifesta o consentimento do Estado a um
tratado através um dos processos consagrados, o Estado é tido
como vinculado ao tratado pelo Direito Internacional. De acôr-
do com êsse ponto de vista, o não cumprimento dos requisitos
internos pode signif:car a invalidade do tratado como Direito
Interno e também poderá sujeitar o agente a conseqüências
legais de acôrdo com o Direito Interno; mas não afeta a vali-
dade do tratado perante o Direito Internacional desde que o
agente agiu dentro dos limites de sua autoridade segundo o
Direito Internacional".32 A comissão, contudo, admitiu uma
pequena restrição ao princípio geral para cobrir os casos em
que o outro Estado não podia ignorar que o signatário era in-
competente para firmar o tratado, sendo lembrado casos no
passado em que chefes de Estado haviam firmado tratados
sob sua própria responsabilidade violando d:spositivo inequí-
voco da Constituição. A Comissão de Direito Internacional
ainda baseou sua posição na circunstância de a Liga das N a-
ções haver agido em três casos de acôrdo com o princípio de
que o consent:mento dado na esfera internacional por um
agente que era ostensivamente competente não é invalidado
pela subseqüente revelação de que o agente não tinha podêres
constitucionais para assumir obrigações em nome do Estado. 33
A convenção sôbre o Direito dos Tratados, firmada em Viena,
a 23 de maio de 1969, consagra em seu art. 46 a orientação da
Comissão de Direito Internacional. A convenção ainda prevê

Chefes de Estado e Relações Internacionais 75


em seu art. 7.° que os chefes de Estado não necessitam apre-
sentar plenos podêres, já que "em virtude de suas funções e
independentemente da apresentação de plenos podêres, serão
considerados representantes do seu Estado".
Em matéria de tratados, convém lembrar que no caso de
mera assinatura a incompetência do signatário carece de im-
portância já que o parlamento nacional poderá sanar a questão
quando da respectiva aprovação, com a posterior ratificação
do executivo: se o tratado fôr tido como benéfico aos interês-
ses do Estad~ poderá ser aprovado, mesmo se o signatário não
tinha podêres para firmá-lo; contrariu sensu, se não atender
aos supremos interêsses da nação, será rechassado, mesmo se
o signatário era competente e, em tal sentido, basta citar o
caso do Tratado de Paz de Versalhes, de 1919, firmado por
WOODROW WILSON e rejeitado pelo Senado dos Estados Unidos.
Nos demais casos (ratificação, acessão, adesão ou aprovação)
o Direito Internacional dá aos Estados o tempo e meios sufi-
cientes para aquilatar - inclusive mediante o exame no par-
lamento - se deve ou não se vincular ao tratado e os exemplos
mostram que quando um Estado pleiteia anular sua vinculação
a um tratado, sob o pretexto de que o seu agente não era com-
petente, os verdadeiros motivos são geralmente outros.
3. Os chefes de Estado (soberanos ou Presidentes da Repú-
blica), exercem as suas funções normalmente dentro dos limi-
tes do território nacional, mas podem deixá-lo oficial ou ofi-
ciosamente ou ainda em caráter incógnito. O Direito Interna-
cional se ocupa da situação jurídica do chefe de Estado no
exterior, se bem que as regras que resultam da prática inter-
nacional deixem a desejar em muitos aspectos, pois ainda se
ressentem de conceitos obsoletos vinculados à época em que os
monarcas gozavam do jus repraesentationis omnimodo e não
tinham tido os seus podêres limitados pelos regimes consti-
tucionais e representativos. Com a facilidade de deslocação e
o intercâmbio cada vez maior entre as nações, as visitas de
chefes de Estado, geralmente de caráter puramente protocolar
e de amizade, tornam-se cada vez mais freqüentes. A essas

76 R.C.P. 1170.
visitas, podemos ainda acrescentar os deslocamentos dos chefes
de Estado a fim de participar em reuniões de cume ou para
apresentar a posição de seu país perante as Nações Unidas,
ocasiões em que são, a rigor, chefes de missão de alto nível,
questão esta que já se encontra na pauta da Comissão de Di-
reito Internacional das Nações Unidas. 31
O pr· meiro problema é o de saber se o chefe de Estado
quando no exterior pode continuar a exercer funções inerentes
ao seu cargo. O problema é da alçada do Direito Interno, mas
é fora de dúvida que, encontrando-se no exterior em missão
oficial não pode ser tido como havendo sido despojado de tais
atribuições, mesmo se, conforme sucede em países de regime
presidencialista, o vice-presidente ou o seu sucessor legal
assume em caráter interino a presidência, podendo em tal ca-
pacidade exercer todos os atos inerentes ao chefe de Estado.
Mas convém lembrar que freqüentemente o chefe de Estado
exerce no exterior funções de caráter administrativo e como
exemplo de Direito Internacional menciona-se o fato de o Rei
EDUARDO VII da Inglaterra haver recebido em Cristiania, não
na legação britânica mas no castelo real norueguês, as creden-
ciais do Senhor NANSEN, Ministro da Noruega em Londres.
O mesmo soberano nomeou ASQUITH como Primeiro-Ministro
quando em Biarritz, em 1908. 35 Em setembro de 1947, em vi-
vita oficial ao Brasil, o Presidente HARRY S. TRUMAN deslo-
cou-se do Palácio Laranjeiras para a Embaixada dos Estados
Unidos onde despachou normalmente.
Quando no exterior, o chefe de Estado não pode exercer
atos de jurisdição sôbre os membros de sua comitiva. Essa
regra, mencionada por diversos autores 36 se refere sobretudo
à época dos monarcas absolutos com direito de vida e morte
sôbre todos os seus súditos. Hoje em dia, nos regimes consti-
tucionais apenas o judiciário tem podêres de tal natureza e não
o chefe de Estado. É bem verdade que a regra ainda não pode
ser considerada perempta e basta atender aos deslocamentos
feitos por soberanos de alguns países árabes com tôdas as suas
mulheres e séquito, inclusive com os guardas pessoais. Nesse
particular, cita-se o fato de a Rainha CRISTINA da Suécia haver
mandado executar, em 1657, no Castelo de Fontainebleau, onde

Chefes de EstaM e Relações Internacionais 77


estava hospedada, o Marquês de Monaldeschi, seu escudeiro~
que acusou de atos de tra:ção. Em 1878, em L:mdres, o Xá da
Pérsia condenou um membro do seu séquito, havendo o govêr-
no britânico impedido que a sentença fôsse executada. 37.
O chefe de Estado geralmente se encontra no ext~rior a
título oficial, como convidado do país que o hospeda, mas nada
impede que o visite a título particular. O exemplo recente do
Rei da Noruega, OLAVO V, é típico: convidado pelo govêrno
para assistir aos festejos de 7 de setembro de 1967, voltou a
seguir ao Brasil (depois de visitar o Chile e a Argentina), a
fim de permanecer com a sua filha, a Princesa RAGNHILD, re-
sidente no Rio de Janeiro. Os autores, sobretudo os antigos,
davam ainda ênfase à situação jurídica do soberano que se
encontrava incógnito num país estrangeiro. A circunstância de
os tribunais inglêses haverem apreciado um caso em que se viu
envolvido o sultão de Johore deu à literatura o exemplo em
tôrno do qual foi possível criar tôda uma teoria.
Convidado um chefe de Estado a visitar outro país, é re-
cebido com tôdas as honras fixadas pelo protocolo local, e deve
ser rEcebido pelo chefe de Estado que o hospeda. Sua inviola-
b:Jidade é absoluta e cabe ao Estado que o recebe tomar tôdas
as medidas de segurança a fim de evitar que possa sofrer qual-
quer atentado. O assassinato do Rei ALEXANDRE da Iugoslávia,
em 8 de outubro de 1934, quando em visita oficial à França,
demonstra a necessidade de uma vigilância sempre maior nesse
particular. A legislação de alguns países pune com redobrado
rigor os atentados contra chefes de Estado, inclusive os ata-
ques injustificados pela imprensa. as
Todos os chefes de Estado devem ser tratados em pé de
igualdade merecendo o mesmo tratamento e as mesmas honras
conferidas pelo país visitado. Pouco importa a forma de go-
vêrno, o princípio da igualdade jurídica dos Estados exige tra-
tamento igualitário, pois o soberano ou Presidente da Repú-
blica é recebido como primeiro dignatário de um Estado e não
a título pessoal. Não mais se pode dizer, como ainda se encon-
tra na edição de 1957 de OPPENHEIM que "o Direito Interna-
cional distingue entre monarcas e Presidentes da República no
tocante às honras e privilégios". Justificando tal assertiva,

78 R.C.P. 1170
acrescenta que uma República não pode exigir para o seu pre-
sidente o mesmo tratamento dado a um monarca. Referin-
do-se à visita do Presidente WOODROW WILSON a Londres em
1918 observa, contudo, que recebeu as mesmas honras proto-
colares concedidas a um monarca. 39 Poder-se-ia acrescentar
que o próprio cerimonial britânico não mais diferencia entre
um monarca e um Presidente da República. Mais sem cabi-
mento são as considerações do Barão A. HEYKING que em 1925
ainda ensinava que "a exterritorialidade não se aplica ao Pre-
sidente de uma República. Inicialmente, é óbvio que quando
um soberano ou um presidente se encontram no exterior para
exercer funções diplomáticas, os privilégios de exterritoriali-
dade existem em virtude de seu caráter diplomático. O direito
das gentes reconhece, contudo, ainda ao soberano a exterrito-
rialidade em virtude da posição que ocupa como chefe supremo
do Estado. Semelhante posição não pode ser atribuída a um
presidente; não é soberano, mas apenas chefe do executivo e
simples funcionário, empregado do Estado que preside. Em
tais circunstâncias, a exterritorialidade não tem nenhuma jus-
tifir.ativa e não pode ser empregada". 40 Além de ainda funda-
mentar os privilégios e imunidades diplomáticas na ficção da
exterritorialidade, defende teses completamente inaceitáveis e,
completamente contrárias ao princípio da igualdade jurídica
dos Estados, que, repetindo, coloca todos os chefes de Estados
soberanos em pé de igualdade, quer se trate de um imperador,
rei, príncipe, grão-duque, ou presidente. Mais ainda, tratan-
do-se de país com govêrno colegiado, todos os membros de tal
govêrno quando oficialmente no exterior têm direito ao trata-
mento de chefe de Estado, se bem que na prática geralmente
um membro do govêrno é indicado para representar interna-
cionalmente o Estado.
O chefe de Estado goza quando no estrangeiro de privilé-
gios e imunidades bastante semelhantes aos reconhecidos aos
agentes diplomáticos. A doutrina, prática e jurisprudência
são, contudo, menos seguras na fixação das mesmas, se bem
que, em tese, seja justo dizer que as primeiras não devem ser
inferiores às segundas.

Chefes de Estado e Relações Internacionais 79


Os antigos, davam por fundamento de tais privilégios e
imunidades a teoria da exterritorialidade, hoje completamente
posta de lado, sendo mais lógico vinculá-los à teoria da igual-
dade jurídica de Estados e ao aforisma par in paren non habet
imperium. FAUCHILLE, desprezando a teoria da exterritoriali-
dade, julga que a situação privilegiada reconhecida pelo direito
internacional nesse particular "se compreende e se justifica
sem o auxílio de nenhuma ficção. Basta constatar o caráter e
respeitá-lo". 41
A imunidade de jurisdição penal se impõe, já que a con-
denação penal implica em prisão. É expressamente reconhecida
pelo art. 297 do Código Bustamante que estipula: "Estão isen-
tos das leis penais de cada Estado contratante os chefes de
outros Estados que se encontrem no seu território. Além do
mais, é difícil imaginar chefe de Estado envolvido em violação
da lei penal, com a exceção de casos fortuitos como desastres
automobilísticos. Seja como fôr, a regra é de que a imunidade
penal é absoluta. 42 SIBERT acrescenta que "se sucedesse que um
chefe de Estado violasse a lei penal, o Estado de residência
encontraria numa expulsão, discreta e cortês, o meio de con-
ciliar a imunidade e o dever de fazer respeitar o seu direito de
defender seus próprios interêsses e os de seus nacionais". 4'3
CARLOS CALVO ao dizer "em princípio, o soberano que viaja
ou se encontra fora de seu território está isento da jurisdição
criminal do país onde se encontra" 44 não parece tão seguro
do caráter absoluto de tal imunidade, o que só pode ser atri-
buído a uma prudência excessiva na formulação da regra.
O problema mais delicado e importante é o da imunidade
de jurisdição civil. Antes de mais nada, convém salientar que
grande parte da confusão existente decorre da antiga norma
de vincular os processos relativos a uma monarquia à coroa,
mesmo quando o soberano teve uma ingerência apenas indi-
reta na questão. Em tal caso, trata-se a rigor de ação movida
pelo Estado ou contra o Estado. Seja como fôr, em matéria de
jurisdição civil, constata-se que a prática e a doutrina ao reco-
nhecerem a imunidade de jurisdição civil dos chefes de Estado,
não dão à regra o caráter absoluto que se nos depara em ma-
téria penal. Tal posição resulta antes de mais nada da possibi-

80 R.C.P. 1/70
dade de se poder em muitos casos diferenciar os casos em que
um chefe de Estado, ou mais precisamente um monarca, age
em qualidade particular distinta da oficial. Segundo SIBERT, a
jurisprudência francesa, consubstanc:ada em decisão de 1872
da Côrte de Apelação de Paris considera os tribunais franceses
incompetentes no tocante aos atos praticados por chefes de Es-
tado estrangeiros na sua qualidade oficial mas que são compe-
tentes para tomar conhecimento de uma ação iniciada contra
um soberano que tenha agido como pessoa privada. 45 Em 1921,
a Côrte de Cassação de Roma condenou o imperador da Áustria
em ação relativa a uma trnasação particular. 46 Escrito sob a
influência de tais teorias, o Código Bustamante, subscrito em
Havana, em 1928, depois de proclamar a imunidade de juris-
dição civil de chefes de Estado no art. 333, muda essa regra
no art. 335 ao estipular que "se o Estado estrangeiro contra-
tante ou o seu chefe tiverem atuado como particulares ou como
pessoas privadas, serão competentes os juízes e tribunais para
conhecer dos assuntos em que se exercitem ações reais ou
mistas, se essa competência lhes corresponder em relação a
indivíduos estrangeiros, de acôrdo com êste código".
A jurisprudência inglêsa. ao contrário, parecia admitir a
imunidade mesmo no concernente aos atos privados, e em 1911,
a Alta Côrte de Justiça opinou que um príncipe estrangeiro
não pode ser chamado a depor em processo de divórcio por
adultério como correspondente. A verdade é que a distinção
entre ações públicas e privadas, sendo fàcilmente aceitável na
maioria dos casos em que não padecem dúvidas quanto à sua
natureza, é perigosa nos casos de classificação duvidosa. Além
do mais é d :fícil ignorar a qualidade oficial de um chefe de Es-
tado 47 e sua situação sempre pode sofrer ao ser julgado por
juiz excessivamente zeloso, com evidentes prejuízos para as
boas relações entre os dois países.
N essas condições, pondo de lado tais distinções genéricas,
é preferível enumerar os casos em que os tribunais podem
tomar conhecimento de processos em que se acham envolvidos
soberanos estrangeiros.
O Instituto de Direito Internacional em sua sessão de
Hamburgo de 1891, baseado em relatório do Jurista de Bar,

C hefes de Estado e Relações Internacionais 81


enumerou as seguintes hipóteses em que o chefe de Estado não
goza de imunidade jurisdicional e matéria civil: nas ações
imobiliárias (petitórias ou possessórias) relativas a imóveis e
mesmo nas ações relativas a móveis situados no território; nas
ações em que o Estado ou o soberano estrangeiro são herdeiros
ou legatários numa sucessão aberta no território; nos casos
em que o Estado ou o soberano estrangeiro aceitam voluntària-
mente a jurisdição territorial; as indenizações devidas em con-
seqüências de delito ou quase-delito cometidos pelo soberano
no território".
A referida enumeração é falha. Antes de mais nada, a
quarta hipótese é suscetível de discussão, bem como a compe-
tência dos tribunais territoriais em matéria mobiliária. A
nosso ver, e tendo em vista a terminologia e a orientação fir-
mada pela Convenção de Viena de 1961 uma primeira distin-
ção deve ser feita entre as exceções genéricas à imunidade
jurisdicional (como o de renúncia à imunidade) das exceções
específicas à imunidade de jurisdição civil. Quanto à imuni-
dade de jurisdição civil e tendo em vista a terminologia que se
nos depara o art. 31 da Convenção seria mais apropriado admi-
tir a competência da justiça local em matéria civil nos seguin-
tes casos:
a) nas ações reais sôbre imóveis situados no território do
Estado, o fO?'1l1n rei sitae, salvo se utilizados para fins da
missão diplomática respectiva;
b) nas ações sucessórias nas quais o chefe de Estado figura
como executor testamenteiro, administrador, herdeiro ou lega-
tário (o fo?'um hereditatis) ;
c) nas ações referentes a atividades privadas ou comerciais
exercidas pelo chefe de Estado em sua capacidade particular.
A primeira hipótese é geralmente aceita, inclusive por
alguns autores que só mencionam esta exceção específica à
imunidade de jurisdição civil. 48 Antes de mais nada, convém
lembrar que essa hipótese é de difícil objetivação em alguns
países cuja legislação ou veda a estrangeiros possuírem bens
imóveis ou que criam as maiores dificuldades, inclusive exi-
gindo o domicílio. Além do mais, o princípio lex rei sitae é em

82 R.C.P. 1/70
muitas legislações de ordem pública e não pode ser afastada.
N esse sentido, cumpre ainda salientar que nos países em que
a legislação veda a propriedade de bens imóveis a Estados
estrangeiros, a não ser para instalação da missão diplomática,
a aquisição de imóvel por chefe de Estado para outro fim signi-
caria automàticamente que a aquisição era a título particular
ocorrendo como que uma aceitação tácita da jurisdição terri-
torial. Em 1893 o Tribunal de Amiens na França pronun-
ciou-se contràriamente a um legado feito pelo Marquês de
Plessis-Belliere ao papa; se bem que os tribunais italianos
tenham abraçado a solução liberal numa sucessão deixada na
Itália ao reino da Dinamarca. 49
No caso de sucessão por soberano ou chefe de Estado de
bens situados no estrangeiro, a lex rei sitae já cobre os proble-
mas mais importantes. Quanto aos móveis, constata-se que em
muitos casos a herança não será pacífica, existindo a necessi-
dade de uma ação perante os tribunais, caso em que ocorre uma
renúncia tácita à imunidade jurisdicional. Seja como fôr, a
competência da jurisdição local é geralmente admitida pelos
autores. 50 A questão poderá complicar-se no caso de herança
deixada a monarca ou presidente em sua qualidade oficial de
chefe de Estado, como representante de tal Estado e não a
título particular.
São poucos os autores que admitem a competência dos tri-
bunais no tocante a atos de comércio praticados a título par-
ticular em território estrangeiro; e não devemos confundir
essa hipótese específica com a norma geral aceita por alguns
autores entre as duas guerras, que distingue os atos públicos
dos atos privados. A jurisprudência inglêsa é contrária, mas
LAFAYETTE RODRIGUES PEREIRA cita a decisão dada pelos tri-
bunais inglêses acêrca de um transporte de mercadorias feito
em um navio pertencente a D. PEDRO I, imperador do Brasil:
julgou-se "que S.M.I. tendo se empenhado em uma transação
comercial achava-se submetido por suas obrigações pessoais
às mesmas regras que qualquer outro comerciante e que se o
processo tivesse tido por objeto matéria conexa com o seu ca-
ráter político, outra seria a decisão". 51 Em 1752 a Côrte de Ape-
lação de Paris considerou-se competente em ação movida pelo

Chefes de Estado e Relações Internacionais 83


joalheiro MELLERIO contra a antiga Rainha Dona Isabel II da
Espanha a propósito da aquisição de jóias feitas a título
pessoal e não por conta do tesouro espanhol. 52 É bem verdade
que a ação foi posterior à sua abdicação. De qualquer maneira,
parece-nos que se o soberano fôr proprietário ou acionista de
companhia comercial de navegação marítima ou aérea não po-
derá invocar a sua qualidade de chefe de Estado. Aliás, mesmo
em se tratando de navios ou aeronaves de Estado a doutrina e
prática atuais reconhecem a competência territorial nas ativi-
dades jure .gesUonis.
Os casos de competência genérica dos tribunais locais em
relação a chefes de Estado resumem-se aos casos de renúncia
à imunidade jurisdicional. Poderá ser expressa ou tácita, sendo
que a renúncia tácita se consubstancia quando o chefe de Es-
tado é o autor da ação ou quando acionado não levanta a decli-
natória de incompetência. [>3 A doutrina e prática têm reco-
nhecido o direito de o chefe de Estado renunciar à sua imuni-
dade, mas é lícito perguntar se hoje em dia a regra ainda é
válida, sobretudo depois que a Convenção de Viena de 1961
desconheceu o direito de o agente diplomático renunciar a sua
imunidade, estipulando (art. 32) que a renúncia deve ser
expressa e feita em nome do Estado. O chefe de Estado, e
convém insistir nesse ponto, não mais exerce o jus repraesenta-
tionis omnimodo, como sucedia com os antigos monarcas. Sim-
boliza o Estado e aceitar a jurisdição implica numa situação de
subordinação e parece-nos que a renúncia deve ser precedida
de uma autorização parlamentar. Mas nada existe corroboran-
do semelhante tese.
No tocante aos casos de renúncia tácita, citam-se vários
exemplos aceitos pelos tribunais chamados a julgar. O Impe-
rador Dom PEDRO II em 1837 deu instruções para que uma
ação fôsse movida contra ROBINSON e outros. A justiça inglêsa
considerou-se competente, mas como o imperador havia prati-
cado uma ação comercial que tornava os tribunais competentes,
embora residente no exterior, o tribunal exigiu o depósito de
uma caução para eventual pagamento de despesas do processo,
exigida em caso análogo. 54 Num outro caso julgado pela jus-
tiça inglêsa em 1853, em que era parte o. rei de Espanha, foi
84 R.C.P. 1/7í)
\

exigido que o depoimento do soberano fôsse dado sob jura-


mento. Tais julgamentos, além de comprovarem a eventual
competência dos tribunais locais, indicam que nesses casos o
processo a ser seguido deve ser o territorial, não se adm:tindo
exceções motivadas pela situação privilegiada do chefe de
Estado.
As considerações sôbre a situação jurídica de um chefe
de Estado que se encontra incógnito no exterior carecem hoje
em dia de importância. A exigência do passaporte já basta
para tornar tais viagens, tão do agrado de alguns antigos mo-
narcas e príncipes, irrealizáveis. Seria, inclusive, uma descor-
tesia para com o Estado visitado, que necessita saber da pre-
sença de um chefe de Estado em seu território, mesmo que
a título particular, a fim de poder tomar determinadas medidas
de segurança.
Na jurisprudência internacional cita-se o caso movido
contra o sultão de Johore, que serviu de base a quase tôda a
doutrina a respeito. 55 Trata-se, contudo de caso duvidoso, já
que o sultão de J ohore não era um chefe de Estado soberano,
mas sim dependente da Grã-Bretanha. Em suma, o sultão
quando na Grã-Bretanha sob o nome fictício de ALBERT BAKER
prometeu casar-se com uma jovem inglêsa de nome MIGHELL.
Quando deixou de cumprir o prometido, foi processado, ao que
o sultão invocou a sua imunidade jurisdicional alegando ser um
monarca soberano. Os tribunais deram ganho de causa à auto-
ra em primeira instância, mas a Côrte de Apelação revogou
a sentença em julgamento de 1894. A Côrte de Apelação
baseou a sua decisão sobretudo numa carta do secretário para
as colônias (o que por si já bastaria para levantar dúvidas
sôbre a "independência" do sultão de Johore) havendo o juiz
KA Y em seu voto declarado que "procedendo de escritório de
um dos principais secretários de Estado, e presumindo-se que
foi escrito sob sua orientação, penso que deve ser tratado como
o equivalente de uma declaração de Sua Majestade em pessoa,
e se Sua Majestade condescende em declarar a uma Côrte de
Justiça que um certo indivíduo é um soberano independente,
penso que esta declaração não pode ser discutida".

Chefes de Estado e Relações Internacionais 85


É bem verdade que os autores divergiam quanto aos efei-
tos jurídicos de tal situação. Ao passo que PIEDELIEVRE julga-
va que um monarca viajando incógnito nunca poderia invocar
imunidade de jurisdição, CALvO opinava que o incógnito deixa
intactas as suas imunidades. 5G
OS chefes de Estado no exterior gozam de isenção fiscal
e aduaneira. GENET é categórico: "nem impostos diretcs, nem
impostos ind;retos, nem direitos aduaneiros, nem taxas muni-
cipais; franquia total e absoluta".57 Mas constata-se que na
prática tal isenção absoluta sofre exceções. Antes de mais nada,
um chefe de Estado não pode, e por razões práticas, solicitar
isenção de impostos diretos que estejam normalment2 incluí-
dos no preço de mercadoria adquirida, e onde não se pode, po~
razões prát;cas, deixar de cobrar o impôsto, geralmente já
pago pelo comerciante.
Em segundo lugar, o chefe de Estado não goza de imuni-
dade de jurisdição civil nas ações reais sôbre imóveis nem nas
ações sucessórias. Conseqüentemente, e recorrendo novamente
à terminologia da Convenção de Viena (art. 34), pode-se dizer
que não goza de isenção quanto aos impostos e taxas sôbre bens
imóveis privados no exterior, nem no tocante aos direitos de
sucessão percebidos por Estado estrangeiro. Admitido que os
chefes de Estado devem ser equiparados aos demais estrangei-
ros em relação aos atos de comércio praticado como particular,
não podem pretender isenções sôbre os impostos e taxas sôbre
rendimentos privados que tenham a sua origem no Esbdo
estrangeiro nem os impostos sôbre o capital referentes a inves-
timentos em emprêsas comerciais de tal Estado.
Em conseqüência é suscetível de crítica a decisão do Su-
premo Tribunal Administrativo português, de 28 de novembro
de 1944, que decidiu contràriamente ao Ministério da Fazenda
lusitano, que pretendia gravar com direitos de sucessão he-
rança legada ao papa em virtude de testamento do cônego do
Pôrto, Dom ILÍDIO DA COSTA, dentre cujos bens figurava um
imóvel na cidade de Duero. Na sua sentença definitiva, que con-
firmava a do juiz inferior, contra a qual apelara o fisco, o
tribunal levou em consideração não só a concordata de 7 de
março de 1940, senão também a qualidade soberana do papa,

86 R.C.P. 1/70
pois a herança não foi tida como a título particular, mas como
ehefe supremo da Igreja Católica. 58 É bem verdade, que admi-
tido o direito de Estado estrangeiro a possuir bens imóveis no
país, que não sejam para fins da missão diplomática ou da
repartição consular, e que a herança tenha sido do papa como
chefe de Estado e não a título particular, a questão torna-se
mais complexa. De qualquer maneira, a justiça local é compe-
tente para decidir e, por analogia, a isenção fiscal só poderia
ser justificada por cortesia e não como um direito.
"Um chefe de Estado que chefia uma missão especial tem
o direito de trazer consigo os membros de sua família e pessoas
vinculadas ao seu serviço pessoal que, enquanto pertenceron.1
ao seu séquito, terão direito às mesmas imunidades que o chefe
de Estado". Trata-se da regra que se nos depara no art. 2,
alínea h, do projeto elaborado pelo Professor MILAN BARTOS e
submetido, mas não discutido pela Comissão de Direito Inter-
nacional em sua sessão de 1965. 59 Consagra a orientação atual-
mente admitida pelo Direito Internacional ou seja de que os
membros da família do chefe de Estado bem como os membros
de sua comitiva gozam de prerrogativas e imunidades quando
no exterior. É a regra que se nos depara na. maioria dos auto-
res contemporâneos, 60 sendo raros os que, como SIBERT, ainda
julgam que as imunidades devem ser reconhecidas apenas ao
chefe de Estado, 61 tese esta que se nos depara em alguns auto-
res antigos. 62 Nesse particular, não há porque colocar o chefe
de Estado em situação de inferioridade ao chefe de missão
diplomática, cujos familiares lhe são assimilados em matéria
jurisdicional. Por sua vez, OPPENHEIM-LAUTERPACHT reco-
nhece a imunidade à mulher do soberano, mas não aos mem-
bros de sua família. 63
O Tratado de Versalhes de 1919 em seu art. 227 veio abrir
uma importante brecha no princípio da inviolabilidade e no da
imunidade de jurisdição, pena dos chefes de Estado ao prever
a criação de um tribunal especial, a posteriori, encarregado de
julgar o Kaiser por "ofensa suprema contra a moral interna-
cional e a autoridade sagrada dos tratados", pela agressão à
Bélgica e pela violação sistemática das leis de guerra pelas
fôrças armadas alemãs. A recusa dos Países Baixos de entre-

Chefes de Estado e Relações Internacionais 87


gar o Kaiser evitou que tal julgamento se verificasse. O prece-
dente porém seria invocado depois da segunda guerra quando
dos julgamentos de Nuremberg no Estatuto de 8 de agôsto de
1945 (arti. 6, letra c, alínea 2. a ) destinado ao julgamento dos
grandes criminosos de guerra e que previa o julgamento e pu-
nição dos "dirigentes das nações responsáveis pelos crimes
perpetrados" .

BIBLIOGRAFIA

ANZILOTTI, Dionision. Cours de Droit Intcrnational, vol. 1, p. 257-258.


BEVILACQUA, Clovis. Direito Público Intenwcional, vol. 1, § 85, p. 321.
3 FAUCHILLE, Paul. Traité de Droit International Public, vol. 1, 3. a parte.
n. 639, p. 11.
4 MELLO, Rubens de. Tratado de Direito Diplomático, voI. 1, 2. a edição,
n. 20, nY 39.
r; ERICE, José Sebastián de. Normas de diplomacia y de dcrccho diplo-
mático, voI. 1, p. 209.
6 GUGGENHEIM, Paul. Traité de Droit International Public, voI. I,
p. 485-486.
7 FAUCHILLE. Op. cit., n. 632 bis, p. 6. MELW, R. de. Op. cit., n. 18,.
p. 37. GENET, Raoul. Traité de Diplomatie et de Droit Diplomatique,
vol. 1, n. 308, p. 341. de ERICE, Sebastián. Op. cit., voI. 1, p. 174.
~ LAl.7TERPACHT. Oppenheim's International Law, voI. 1, 8. a edição,
§ 346, p. 758.
9 Idem, ibidem, § 345, p. 758.
1" GENET, R., Op. cit., vol. 1, n. o 311, p. 341. ERICE, Sebastián de.
Op. cit., vol. 1, p. 167-168.
11 PRADIER-FoDÉRÉ, Cours de Droit Diplomatique, vol. 1, p. 69-71.
12 TAUBE, Michel de, Barão. L'apport de Byzance au développement du
droit international occidental, no Recueil des Cours de l'Academie de
Droit International, voI. 67, p. 239.
1:·; Os reis de Leão desde os primeiros séculos da reconquista eram
designados pela palavra imperator, embora nunca se considerassem impe-
radores no sentido dado então na Europa. Só com AFONSO VI o qualifi-
cativo imperator passa a ser um verdadeiro título. Depois de AFONSO VII,
que foi solenemente coroado Imperador em 1135, o título ligado a uma
dignidade imperial de raiz hispânica foi usado apenas por FERNANDO lI!
e durante muito pouco tempo (apud ALBUQUERQUE, Martim de. O Poder
Político do Renascimento Português, p. 331-332).
H SATOW, Sir Ernest. A Guide to Diplomatic Practice (4. a ed.), §§ 54
e 695, p. 34 e 393.

88 R.C.P. 1/70.
Vi BLUNTSCHLI. Le Droit International Codifié (5. a edição), arts. 85-
a 87, p. 99-100.
Ir. O título de Rei Fidelíssimo foi outorgado pelo Papa em 1748 a
Dom JoÃo V em virtude da devoção por êle demonstrada quando de sua
estada em Roma.
17 FODÉRÉ, P. Op. cit., vol. 1, p. 90; GENET, R. Op. cit., n. 341, p. 370-371.
I~ Nota aos parágrafos 45 e 46 do Livro 11, capo II do Droit des Gens,
de VATTEL.
19 GENET, R. Op. cit., vol. 1, n. 343, p. 373. SATOW, op. cit., § 69,
p. 39. FODÉRÉ, P. Op. cit., vol. 1, p. 91. ERICE, Sebastián de. Op. cit.,
vol. 1, p. 177.
2ú Relatório dos Negócios Estrangeiros de 1862, documentos oficiais,
ns. 57 a 61, p. 116 a 119.
2' A British Digest of International Law, parte VII, p. 650.
2~ NICOLSON, Sir Harold. Diplomacy, 3. a edição, p. 189-190.
2': QUADRI, Rolando. Diritto Internazionale Pubblico, p. 78.
2. RENOUVRIN, Pierre. Historia de las Relaciones Internacionales, voI. 3.
p, 1.271.
2,1 DE CONDE. The American Secretary of State, p. 87.
2G NASCIMENTO E SILVA. "O Direito Internacional no Projeto de Re-
forma da Constituição" in Boletim da Sociedade Brasileira de Direito
Internacional, ns. 43-44, 1966.
2. STRUPP, Karl. Elements de Droit International Public, vol. 1, p. 209.
2., F AUCHILLE. Op. cit., vol. 1, 3. a parte, n. 632, bis, p. 6.
29 MELLO, R. vol. 1, n. 23, p. 40. SANCHEZ DE BUSTAMANTE. Droit In-
ternational public, vol. 1, p. 320.
30 SCHWARZENBERGER, George. Interna tio na L Law, voI. 1, p. 75.
31 ANZILOTTI. Op. cit., voI. 1, p. 261. CAVAGLIERI, A. Regles Générales
du droit de la Paix, in Recueil des Cours de l' Académie de Droit Inter-
national, vol. 1, 1929, p. 501. ACCIOLY. Tratado de Direito Internacional
Público, vol. 1, 2. a edição, n. O 683, p. 442.
37 Yearbook of the International Law Commission, 1966, vol. 2, p. 241.
3;\ Idem, ibidem, vol. 2, p. 241.
34 O Anuário da Comissão de Direito Internacional de 1965, vol. 2,
transcreve o esbôço de MILAN BARTOS relativo às missões especiais de
alto nível. P. 109 e seguintes.
~ FAUCHILLE. Op. cit., vol. 1. m. 647, bis, p. 17.
3G FARO JUNIOR, Luiz de. Manual de Direito Internacional Público,
4. a edição, 1962, p. 287. CAVARÉ, Louis. Le droit international public posi-
tive, 1962, vol. 2, p. 12. SATOW. Op. cit., p. 5. MELLO, R. Op. cit., voI. 1,
n. 29, p. 43. ANTOKOLETZ, D. Tratado teórico y prático de derecho diplo-
mático y consular, vol. 1, p. 100.
37 FAUCHILLE. Op. cit., n. 645, p. 16.
:IR Veja ERICE, Sebastián de. Vol. 1, p. 221-222. BUSTAMANTE. Op. cit.,
voI. I, n. 278, p. 361.

Chefes de Estado e Relações Internacionais 89


.33 OPPENHEIM-LAUTERPACHT. Op. cit., voI. 1, §§ 345, 355 e 356, p. 758,
762 e 763.
4iJ "L'exterritorialité et ses applications en Extrême-Orient", em Recueil
des Cours de l'Academie de Droit Internacional, vol. 7, p. 283-284.
41 F AUCHILLE. 1/3, n. 640, p. 12.
42 COSTA, Podestá. Derecho International, n. 129, p. 164. CAVARÉ.
Le Droit International Public Positive, voI. 11, p. 10. SATOW. Op. cit., p. 5.
ACCIOLY. Op. cit., I, n. 686, p. 443. SCHWAZEKBERGER. Manual, I, p. 96.
43 SIBERT, MareeI. Op. cit., vol. 11, n. 705, p. 4.
44 CALVO, Carlos. Droit International, voI. II, § 1.460, p. 286.
4':; SIBERT, MareeI. Op. cit., 11, m. 705, p. 4. FARO. Op. cit., p. 287.
46 Em Journal de droit International Privé, Clunet, 1921, p. 626.
47 PIÉDELIEVRE, Précis de droit International public, vol. I, n. 254, p. 466.
4~ OPPEXHEIM-LAUTERPACHT, Op. cit., § 348, p. 760. SATOW. Op. cit., §
12, p. 6.
49 BOKFILS, Henry. Manuel de Droit International Public, 6. a ed.
5(; ACCIOLY. Op. cit., voI. I, m. 686, p. 443. MELLO, R. Op. cit., vol. I, n.
26, p. 42. BEVILACQUA. Op. cit., § 90, p. 328.
51 PEREIRA, Lafayette R. Principios de Direito Internacional, voI. I, §
48, p. 87 nota.
52 Journal de Droit Internalional Privé, Clunet, tomo XI, 1874, p. 33.
5.~ O Código Bustamante reconhecendo a imunidade de jurisdição civil
acrescenta "salvo o caso de submissão expressa ou de pedido de reconven-
ção" (art. 359).
54 CALVO, Carlos. Le Droit International, vol. III, § 1473, p. 291.
55 GREEN, L. C. International Law though the cases, p. 202 e sego
56 PIÉDELEvRE, I, p. 464. CALVO, III, § 1457, p. 285.
5i GENET, R. I, m. 450, p. 473.
5S ERICE, Sebastián de. I, p. 219.
59 ERICE, Sebastián de. I, p. 219, nota.
60 ACCIOLY. I, m. 686, p. 443. COSTA, Podestá. p. 163. SATOW. § 6, p. 5.
GENET. 1. m. 46. p. 481. MELLO R. I, n. 29, p. 43. FARo, n. 661, p. 287. PES-
SOA, E. Projeto de Código de Direito Internacional Público, art. 99 pará-
grafo único.
61 SIBERT, MareeI. lI, n. 704, p. 3.
62 BLUNTSCHLI. Le Droit International Codifié, § 154, p. 130.
6~ OPPENHEIM-LAUTERPACHT. Op. cit., I, § 348, p. 761.

90 R.C.P. 1/70

Você também pode gostar