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Phellipe Marcel da Silva Esteves


Silmara Dela-Silva
organizadores

TEORIAS
COLEÇÃO ESTUDOS DE LINGUAGEM

DO TEXTO,
DO DISCURSO
E DA TRADUÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
REITOR
Antonio Claudio Lucas da Nóbrega
VICE-REITOR
Fabio Barboza Passos

EDUFF – EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

DIRETOR
Luciano Dias Losekann
CONSELHO EDITORIAL
Ana Paula Mendes de Miranda
Celso José da Costa
Gladys Viviana Gelado
Johannes Kretschmer
Leonardo Marques
Luiz Mors Cabral
Marco Antônio Roxo da Silva
Marco Moriconi
Marco Otávio Bezerra
Renato Franco
Ronaldo Gismondi
Silvia Patuzzi
Vágner Camilo Alves
2
Phellipe Marcel da Silva Esteves
Silmara Dela-Silva
organizadores

TEORIAS
COLEÇÃO ESTUDOS DE LINGUAGEM

DO TEXTO,
DO DISCURSO
E DA TRADUÇÃO
Copyright © 2023 Silmara Dela-Silva e Phellipe Marcel da Silva Esteves (org.)
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra
sem autorização expressa da editora.

EQUIPE DE REALIZAÇÃO
Editor responsável: Luciano Dias Losekann
Coordenador de produção: Ricardo Borges
Revisão: Beatriz Ribeiro
Normalização: Camilla Almeida
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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação - CIP


T314 Teorias do texto, do discurso e da tradução [recurso eletrônico]
/ Silmara Cristina Dela da Silva, Phellipe Marcel da Silva Esteves
(organizadores). – Niterói : Eduff, 2023. – 3.063 kb. : il. ; PDF. –
(Coleção Estudos de Linguagem, v. 2).
Inclui bibliografia.
ISBN 978-65-5831-150-8
BISAC LAN009000 LANGUAGE ARTS & DISCIPLINES /
Linguistics / General
1. Análise do discurso. 2. Semiótica. 3. Tradução. I. Silva, Silmara
Dela da. II. Esteves, Phellipe Marcel da Silva. III. Título. IV. Série.
CDD 410
Ficha catalográfica elaborada por Camilla Castro de Almeida CRB7/0041/21

Esta obra foi financiada com recursos da


CAPES via PROAP. Todos os capítulos
foram analisados no sistema duplo-cego.

Direitos desta edição reservados à


Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense
Rua Miguel de Frias, 9, anexo/sobreloja - Icaraí - Niterói - RJ
CEP 24220-008 - Brasil
Tel.: +55 21 2629-5287
www.eduff.uff.br - faleconosco@eduff.uff.br

Publicado no Brasil, 2023.


Foi feito o depósito legal.
Sumário

Apresentação7
Ivo da Costa do Rosário, Joel Austin Windle,
Luciana Sanchez-Mendes, Mônica Maria Guimarães Savedra,
Phellipe Marcel da Silva Esteves e Silmara Dela-Silva

Introdução11
Phellipe Marcel da Silva Esteves e Silmara Dela-Silva

CAPÍTULO 1
O Círculo de Bakhtin, Volóchinov e Medviédev17
Luciana Maria Almeida de Freitas

CAPÍTULO 2
Linguística Textual: questões para pesquisa e ensino55
Fabio André Cardoso Coelho

CAPÍTULO 3
Análise do Discurso materialista93
Bethania Mariani, Phellipe Marcel da Silva Esteves,
Silmara Dela-Silva e Vanise Medeiros

CAPÍTULO 4
Análise do Discurso: conceitos e percursos
de pesquisas em linguagem-intervenção129
Del Carmen Daher, Dayala Paiva de Medeiros Vargens
e Maria Cristina Giorgi

CAPÍTULO 5
Semiótica161
Lucia Teixeira, Regina Souza Gomes,
Renata Mancini e Silvia Maria de Sousa
CAPÍTULO 6
Teoria Semiolinguística de Análise do Discurso:
uma introdução193
Beatriz dos Santos Feres, Ilana da Silva Rebello,
Patrícia Neves Ribeiro e Rosane Santos Mauro Monnerat

CAPÍTULO 7
Estudos da Tradução227
Beethoven Barreto Alvarez, Giovana Cordeiro Campos
e Vanessa Lopes Lourenço Hanes

Os autores259
Apresentação
Sobre a Coleção “Estudos de Linguagem”

A
Coleção “Estudos de Linguagem” resulta de uma ini-
ciativa do Programa de Pós-Graduação em Estudos
de Linguagem da Universidade Federal Fluminense
(UFF), com a proposta de apresentar aos leitores as diferentes
perspectivas teórico-metodológicas da Linguística, presentes em
suas linhas de pesquisa.
Organizada em três volumes – i) Teoria e análise linguística;
ii) Teorias do texto, do discurso e da tradução; iii) História, política
e contato linguístico –, cada um deles dedicado a apresentar um
panorama atual dos trabalhos em Linguística na respectiva linha
de pesquisa, a Coleção reúne textos de docentes do Programa
e de pesquisadores por eles convidados, com ampla experiência
em ensino e pesquisa na Área.
No volume I – Teoria e análise linguística, estão contempladas
perspectivas teóricas que se dedicam ao estudo da estrutura da
língua e seus padrões de uso, à descrição linguística, às relações
entre cognição e linguagem, aos processos de estabilização, varia-
ção e mudança linguística, às relações entre léxico e gramática.
Esse primeiro volume, organizado pelos docentes Ivo da Costa
do Rosário e Luciana Sanchez-Mendes, é composto por cinco
capítulos, com foco nos seguintes temas e perspectivas contem-
plados nos grupos de pesquisa da linha: Linguística Formal;
Psicolinguística; Linguística Funcional Centrada no Uso; Por-
tuguês em Uso; Metáfora e Estrutura Informativa.
O volume II – Teorias do texto, do discurso e da tradução,
é dedicado à abordagem de perspectivas teóricas dos estudos
textuais e discursivos, voltados a análises da linguagem verbal e
de outras linguagens. Discurso e enunciação, discurso e interdis-
curso, e os fatores de organização textual estão entre as questões
contempladas nesse volume. Os gêneros textuais, as esferas de
circulação dos discursos e a contribuição dos estudos do texto,
do discurso e da tradução a contextos discursivos específicos são
também objeto de interesse dos pesquisadores dessa área. Esse
volume contempla sete capítulos voltados às temáticas: Análise
do discurso de base enunciativa; Análise do discurso materia-
lista; Círculo de Bakhtin, Volóchinov e Medviédev; Estudos da
tradução; Linguística textual; Semiótica; Teoria semiolinguística
de análise do discurso e é organizado pelos docentes Phellipe
Marcel da Silva Esteves e Silmara Dela Silva.
No volume III – História, Política e Contato Linguístico,
por sua vez, encontram-se as pesquisas em ideias linguísticas,
gramatização e meta-historiografia e aquelas dedicadas à cons-
trução social e política das línguas. Língua, Estado, sociedade e
fronteiras, a gestão da diversidade linguística e os processos de
padronização, questões relativas à identidade linguística e cultu-
ral, representações linguísticas e usos, bem como ética e direitos
linguísticos também fazem parte das temáticas contempladas
nesse volume. Sob organização dos docentes Joel Austin Windle
e Mônica Maria Guimarães Savedra, o volume III é composto
por seis capítulos, voltados às temáticas: sociolinguística de con-
tato; identidade e diversidade; políticas linguísticas normativas;
políticas de ensino de línguas; história das ideias linguísticas e
historiografia da linguística.
Essas publicações, viabilizadas com a parceria da Eduff,
destinam-se especialmente a graduandos e pós-graduandos que
desejam desenvolver pesquisas na Área de Linguística. Mas, como

8
já advertia Ferdinand de Saussure, em seu Curso de Linguística
Geral ([1916] 2006, p. 14),
as questões linguísticas interessam a todos – historiadores,
filólogos etc. – que tenham de manejar textos. Mais evidente
ainda é a sua importância para a cultura geral: na vida dos
indivíduos e das sociedades, a linguagem constitui fator
mais importante que qualquer outro.
A Coleção “Estudos de Linguagem” é resultado de diferentes
tomadas de posição teóricas acerca da linguagem, expostas não
com vistas a abarcar uma imaginária totalidade dos estudos
linguísticos, mas de mostrar a pluralidade da Linguística e a
atualidade das pesquisas desenvolvidas na Área.
Ivo da Costa do Rosário
Joel Austin Windle
Luciana Sanchez-Mendes
Mônica Maria Guimarães Savedra
Phellipe Marcel da Silva Esteves
Silmara Dela-Silva

9
Introdução
Teorias do texto, do discurso e da tradução

N
esta coletânea – segundo volume da Coleção Estudos de
Linguagem –, sob o título Teorias do texto, do discurso
e da tradução, estão reunidos capítulos que tratam
de diferentes perspectivas teórico-metodológicas dos estudos
textuais e discursivos, bem como dos Estudos da Tradução. Tais
perspectivas estão associadas aos trabalhos de pesquisas desen-
volvidos no âmbito da linha 2 do Programa de Pós-Graduação
em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense
(UFF), que tem como escopo o interesse pela linguagem em seu
funcionamento textual e discursivo, decorrente do entendimento
da língua em relação ao histórico e ao social, em suas diversas
formas de manifestação e circulação.
Em seu propósito de apresentar uma visão geral dessas di-
ferentes perspectivas teóricas aqui representadas, cada capítulo
contém uma introdução ao campo teórico e seu desenvolvimento,
seguido da incursão por conceitos-chave e linhas teóricas que
caracterizam a vertente abordada. Associado à teoria apresen-
tada, por sua vez, estão métodos e abordagens próprios de fazer
pesquisa na área, igualmente descritos em cada capítulo. Além
disso, integram os textos exemplos de pesquisas realizadas na
área, discussões acerca de temáticas atuais de interesse de seus
pesquisadores e os desenvolvimentos teóricos recentes em cada
caso, devidamente acompanhados de sugestões de leitura e in-
dicações de outros materiais.
No conjunto de sete capítulos reunidos neste volume, o leitor
está convidado a um encontro com textos de caráter introdutório
aos estudos linguísticos, escritos por pesquisadores do Instituto
de Letras da UFF em parceria com docentes de outras instituições
brasileiras, que apresentam uma visão atual de trabalhos em texto,
discurso e tradução desenvolvidos na pós-graduação brasileira.
Marcas desse percurso são a diversidade e a não transparência das
noções de texto e discurso, mobilizadas nas diferentes abordagens
teóricas da Linguística contempladas nesta obra.
O primeiro capítulo, com o título “O Círculo de Bakhtin,
Volóchinov e Medviédev”, de autoria de Luciana Maria Almei-
da de Freitas (UFF), volta-se à apresentação da sociologia do
discurso do Círculo nos estudos de linguagem. Também sob
as nomeações de Análise Dialógica do Discurso ou concepção
dialógica de linguagem, como afirma a autora, o capítulo se volta
ao pensamento do Círculo de Bakhtin, Volóchinov e Medviédev,
produzido ao longo do período de 1919 a 1974, cujo propósito é
o estudo da linguagem em seu funcionamento social. Enuncia-
do concreto, dialogismo, responsividade, gêneros do discurso e
ideologia estão entre os conceitos-chave para se compreender
essa perspectiva teórica que, nos termos da autora, entende que
o discurso “é materialização da língua, é ação sobre o mundo
social, com o qual estabelece uma relação dialógica, refletindo-o,
refratando-o e agindo sobre ele”.
No segundo capítulo, sob o título “Linguística Textual:
questões para pesquisa e ensino”, de Fabio André Cardoso Coelho
(UFF), são apresentados os princípios teóricos e metodológicos
da Linguística Textual, perspectiva que, conforme afirma o autor,
toma o texto como objeto e “leva em consideração a união e a
inter-relação de aspectos textuais linguísticos e sociocognitivos,
observando de que maneira se dão os atos de interação entre os
sujeitos”, ao explorar “os sentidos do texto”. Como uma perspectiva
de estudos de linguagem que busca compreender os processos de

12
construção da textualidade, a Linguística Textual é apresentada,
nesse capítulo, em sua relação com o “ensino de leitura e de pro-
dução textual na sala de aula de Língua Portuguesa”.
“Análise do Discurso materialista” é o título do terceiro
capítulo desta coletânea, de autoria dos pesquisadores Bethania
Mariani, Phellipe Marcel da Silva Esteves, Silmara Dela-Silva e
Vanise Medeiros, do Laboratório Arquivos do Sujeito (LAS-UFF).
Essa perspectiva de estudos se volta ao objeto discurso, interes-
sando-se pelos processos de produção de sentidos que se dão na
relação entre língua, sujeito e história, ocupando-se, assim, da
“materialidade dos processos histórico-ideológicos em sua ins-
crição na linguagem”. Tendo os seus fundamentos formulados
por Michel Pêcheux na França, em meados da década de 1960, a
Análise do Discurso materialista, conforme afirmam os autores,
“situa-se epistemologicamente em um entremeio indisciplinado
que articula uma tríplice aliança: a Linguística, o Materialismo
Histórico e a Psicanálise”.
O quarto capítulo, “Análise do Discurso: conceitos e per-
cursos de pesquisas em linguagem-intervenção”, tem como au-
toras as pesquisadoras Del Carmen Daher (UFF), Dayala Paiva
de Medeiros Vargens (UFF) e Maria Cristina Giorgi (Cefet-RJ).
Também dedicado aos estudos do discurso, como o seu próprio
título já indica, ele se volta, no entanto, à perspectiva francesa
de Análise do Discurso que se desenvolve a partir do final de
década de 1970, tendo como foco, segundo as autoras, “o recurso
às teorias da enunciação linguística, a preocupação de não apagar
a materialidade linguística subjacente às funções dos discursos, o
primado do interdiscurso e a necessidade de uma reflexão sobre
as posições de subjetividade implicadas pela atividade discursiva”.
Trata-se, ainda nos termos das autoras, do “entendimento de um
‘social’ que é discursivamente constituído”.
No quinto capítulo, que tem como título “Semiótica”, as
autoras Lucia Teixeira (UFF), Regina Souza Gomes (UFRJ), Re-
nata Mancini (UFF) e Silvia Maria de Sousa (UFF) apresentam
a perspectiva teórica da semiótica greimasiana ou semiótica

13
discursiva. Fundada na década de 1970, na França, por Algirdas
Julien Greimas, essa perspectiva teórica tem como objetivo geral,
segundo as autoras: “Explicar o funcionamento das linguagens,
dos signos e dos processos de significação”. No percurso que
empreendem, as autoras apresentam o desenvolvimento da teo-
ria, bem como “a delimitação de objetos, objetivos específicos
e métodos [que] configura diferentes correntes da disciplina”,
ao longo dos anos.
“Teoria Semiolinguística de Análise do Discurso: uma in-
trodução” é o título do sexto capítulo desta coletânea, redigido
pelas pesquisadoras Beatriz dos Santos Feres, Ilana da Silva Re-
bello, Patrícia Neves Ribeiro e Rosane Santos Mauro Monnerat
(UFF). Neste capítulo, as autoras apresentam a Semiolinguística,
teoria criada por Patrick Charaudeau nos anos 1980, que, em seus
termos, “constitui-se como uma teoria que se localiza entre as
abordagens linguísticas mais estritas e aquelas mais abertas ao
extralinguístico”. Nessa perspectiva teórica, conforme as autoras,
“seu modelo de análise incide sobre uma relação forma/sentido
dependente da situação psicossocial que a gestou”, o que resulta
na proposição de “uma análise ‘linguística’ em vista da materia-
lização primordial da forma em questão”.
O sétimo capítulo desta obra tem como título “Estudos da
Tradução”, tendo sido elaborado pelos pesquisadores Beethoven
Barreto Alvarez, Giovana Cordeiro Campos e Vanessa Lopes
Lourenço Hanes (UFF). Neste capítulo, os autores apresentam
o campo teórico dos Estudos da Tradução, que se constitui for-
malmente no início da década de 1970, tendo como marco uma
palestra ministrada por James Holmes (1972), em Copenhague,
que viria a ser publicada sob o título “O nome e a natureza dos
Estudos da Tradução”. Como afirmam os autores, esse campo
teórico compreende que, “como qualquer produção humana, a
tradução é um processo sócio-histórico e político-ideológico”.
Ao se voltarem à tradução, uma prática antiga, os Estudos da
Tradução o fazem estabelecendo “diálogo com as várias áreas

14
do saber, presentificando, já no nome, sua pluralidade e mul-
tidisciplinaridade”.
Como o leitor pode visualizar, a partir dessa breve descri-
ção dos sete capítulos que compõem esta obra, são variadas as
tomadas de posição teóricas acerca do texto e do discurso aqui
reunidas. E são também várias as possibilidades de apresentá-las e
de ordená-las em uma coletânea. Em nossa organização, fizemos
a opção por apresentar, primeiramente, as diferentes perspectivas
teórico-metodológicas dos estudos do texto e do discurso, orde-
nadas tendo como referência o período de surgimento de cada
uma dessas perspectivas nos estudos da linguagem; e fechamos
com os Estudos da Tradução, campo teórico que mais recen-
temente foi incorporado às pesquisas desenvolvidas em nosso
programa de pós-graduação.
Esperamos que este segundo volume da Coleção Estudos de
Linguagem possa, de fato, dar visibilidade às diferentes tendências
de pesquisas que são desenvolvidas na UFF, na linha de pesquisa
2 do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem, a
partir da mobilização de variadas perspectivas teórico-metodo-
lógicas; e, também, que possa ser motivação para que você, leitor,
inicie o seu percurso como pesquisador no campo dos estudos
do texto, do discurso e da tradução.

Phellipe Marcel da Silva Esteves


Silmara Dela-Silva
Organizadores

15
CAPÍTULO 1

O Círculo de Bakhtin, Volóchinov


e Medviédev
Luciana Maria Almeida de Freitas1

“Discurso é a língua in actu”


(Bakhtin, 2016, p. 117)

Introdução ao campo e seu desenvolvimento


Rússia, 1917. Estado autocrático czarista. Guerra e fome.
Revolução em fevereiro. Czar derrubado. Revolução bolchevi-
que em outubro. Dez dias que abalaram o mundo. Socialismo,
soviets, fim da propriedade privada, saída da Primeira Guerra
Mundial. Criação da União das Repúblicas Socialistas Soviéti-
cas (URSS) em 1921.
Em meio à mais importante revolução do século XX, a Revo-
lução Socialista Russa de 1917,2 grupos de pensadores e de artistas
se reuniam para debater e produzir conhecimento. A organiza-
ção de intelectuais em círculos fazia parte da cultura russa e foi

1
Dedico este capítulo ao meu orientando de doutorado e professor do Instituto Federal
Fluminense, Carlos Fabiano de Souza, falecido em 21 de fevereiro de 2021.
2
Para conhecer o processo histórico das revoluções russas, recomendam-se os livros do
historiador brasileiro Daniel Aarão Reis Filho (2007) e o relato célebre do jornalista
estadunidense John Reed (1978), testemunha da Revolução Bolchevique, Dez dias que
abalaram o mundo.
estimulada no período pós-revolucionário pelo Comissariado do
Povo de Instrução Pública, órgão equivalente a um Ministério da
Educação. Esses “coletivos orgânicos” tinham como tarefa pensar
a cultura, a educação, as artes e a ciência em um país até então
com a maioria da população não escolarizada (ARÁN, 2016).
Dentre esses círculos, havia o autointitulado Seminário
Kantiano (1919-1929), reunindo Mikhail Mikhailovich Bakhtin
(1895-1975), Valentin Nikolaevich Volóchinov (1895-1936), Pavel
Nikolaevich Medviédev (1891-1938) e outros jovens intelectuais
e artistas, tais como Maria Veniaminovna Iudina (1899-1970),
Matvei Isaevich Kagan (1889-1937), Ivan Ivanovich Kanaev (1893-
1984), Lev Vasilievich Pumpianski (1891-1940), Ivan Ivanovich
Sollertinski (1902-1944) e Konstantin Konstantinovich Vaginov
(1899-1934) (BRANDIST, 2002). Na figura 1, estão sentados, da
esquerda para a direita, Bakhtin, Iudina, Volóchinov, Pumpianski,
Medviédev; em pé: Vaginov, sua esposa, além de uma mulher
não identificada (BAJTÍN, 1997).

Figura 1. Seminário Kantiano, Leningrado, entre 1924 e 1926

Fonte: Bajtín (1997, p. 2).

Esse coletivo é conhecido atualmente como Círculo de Ba-


khtin, nome do seu integrante mais longevo e, portanto, o único
que chegou a presenciar a divulgação e o êxito do pensamento
do grupo. As ideias do Círculo conseguiram superar o Cordão

18
Sanitário imposto pelas potências capitalistas à URSS, cuja
finalidade era impedir a “contaminação” das ideias socialistas no
Ocidente, já no final da década de 1950, com o texto de Vladimir
Seduro (“Dostoyevski in Russian Literary Criticism 1846-1956”),
publicado nos Estados Unidos, em 1957. A notoriedade foi ainda
maior com a publicação, em 1967, de um artigo de Julia Kristeva
(“Bakhtine, le mot, le dialogue et le roman”) na revista Critique,
na França. Nos anos seguintes, as obras do Círculo começaram a
ser traduzidas, especialmente ao francês, ao inglês e ao espanhol.
Para Clark e Holquist (2008), a divulgação das obras do
Círculo se deu em perspectivas diferentes em função das dis-
crepâncias entre as datas de criação, de publicação na URSS e
de tradução a outras línguas. Brait (1998) também reforça essa
diversidade na recepção da obra, ressaltando que foi assumida
em alguns contextos como antiestruturalista, em outros como
antipositivista e, ainda, como pertencente ao âmbito dos Estudos
Culturais ou da Análise do Discurso.
No Brasil, a divulgação do pensamento do Círculo iniciou-se
para a literatura nos anos 1960, tendo como precursor Boris
Schnaiderman, professor de Literatura Russa da Universidade
de São Paulo. A chegada aos Estudos de Linguagem se deu nos
anos 1980 e 1990, quando foram publicados os livros de Faraco
(1988), de Barros e Fiorin (1994) e de Faraco, Castro e Tezza (1996).

Os textos disputados
Bakhtin, o mais longevo dentre os integrantes do Seminário Kantiano,
também foi o que mais escreveu. Foram livros, artigos e textos inacabados
publicados, em alguns casos, décadas após a sua redação. Por exemplo,
Para uma filosofia do ato responsável (2010) foi escrito entre 1919 e 1921
e publicado postumamente em russo, em 1986; o icônico artigo, um
manuscrito inacabado, Os gêneros do discurso (2003a), tão importante
para os Estudos de Linguagem, foi escrito entre 1952 e 1953 e publicado
em russo somente em 1979.

19
Quando os primeiros escritos do Círculo começaram a ser tradu-
zidos no Ocidente, a partir do final dos anos 1960, alguns textos
originalmente assinados por Volóchinov, como Marxismo e filosofia
da linguagem e O freudismo, e por Medviédev, O método formal nos
estudos literários, foram atribuídos a Bakhtin (ver figura 2). Conhecidos
como “textos disputados”, geraram muita polêmica no âmbito aca-
dêmico, incluindo pesquisadores que defendem a autoria de Bakhtin,
alguns que o acusam de fraude e outros, como Souza (2002a), que
preferem enfocar a interação orgânica que uniu Bakhtin, Volóchinov
e Medviédev na construção do pensamento do Círculo. O fato é que
o próprio Bakhtin, ao ser entrevistado já nos anos 1970 (BOCHAROV,
1996; BAKHTIN; DUVAKIN, 2012), não chegou a explicitar se seria ou
não autor dessas obras.

Figura 2. Livros assinados por Volóchinov e Medviédev


e atribuídos a Bakhtin em versões a diferentes línguas

Fonte: Bakhtin (2014), Bakhtine (1980) e Bajtín (2002).

20
Mais recentemente, pelo menos no Brasil, a tendência tem sido, nas
novas traduções feitas direto do russo, publicar as obras atribuindo a
autoria a quem as assinou no original, ainda que o nome de Bakhtin ou
a menção ao Círculo possam aparecer. O único que mantém a atribuição
de autoria a Bakhtin é O freudismo, como pode ser visto na figura 3.

Figura 3. Versões mais recentes publicadas no Brasil de obras


originalmente assinadas por Volóchinov e por Medviédev

Fonte: Volóchinov (2017), Bakhtin (2012) e Medviédev (2012).

A Sociologia do discurso do Círculo3


O pensamento do Círculo de Bakhtin, Volóchinov e Med-
viédev foi produzido ao longo de mais de cinquenta anos (1919-
1974), em meio a um período pós-revolucionário e pós-guerra e
à implantação de uma formação econômico-social inédita, com
direito a uma guerra civil. Também enfrentaram um período
totalitário (o stalinismo), um segundo conflito militar global (a
Segunda Guerra Mundial) e um longo período de tensão geopolí-
tica (a Guerra Fria). Pessoalmente, eles precisaram enfrentar uma

3
Não há um termo único para designar a perspectiva teórica do Círculo nos Estudos
de Linguagem. Portanto, não é incomum ver outros termos sendo usados, inclusive
com maior frequência, como Análise Dialógica do Discurso ou concepção dialógi-
ca de linguagem.

21
série de revezes: prisão (Bakhtin em 1928 e 1929 e Medviédev de
1937 a 1941), exílio (Bakhtin de 1930 a 1936), possível assassinato
por motivos políticos (Meviédev em 1941), doença (Volóchinov
de 1914 a 1936) e morte prematura (Volóchinov em 1936). Além
disso, tiveram de lidar com a falta de reconhecimento e de
postos de trabalho à altura do pensamento que desenvolviam,
especialmente a partir do Grande Expurgo (1936-1938), ocorrido
no período stalinista até os anos 1960, quando a produção de
Bakhtin, o único ainda vivo, foi descoberta.
A obra desses três autores é ampla – são mais de quarenta
textos, entre livros, artigos e escritos inacabados –, complexa e
pouco didática. Para além de problemas diversos da tradução,4
eles próprios empregavam termos diferentes para designar noções
muito próximas5 e não se preocupavam em sistematizar ou em
explicitar determinados aspectos que fazem falta ao leitor atual,
que invariavelmente lê os textos fora da ordem cronológica de
sua produção original. Isso sem esquecer os difíceis manuscritos
inacabados, alguns deles com frases soltas agrupadas, publicados
após a morte de Bakhtin.
Além disso, os textos do Círculo conhecidos até o momento
abarcam estudos de Filosofia, em especial Filosofia da Linguagem,
e de Literatura. Também apresentam reflexões sobre Linguística,
Psicologia, Psicanálise e metodologia científica em Humani-
dades. Em toda essa amplitude de disciplinas e de questões, os
estudos desenvolvidos por Bakhtin, Volóchinov e Medviédev
unem perspectivas histórico-fenomenológicas à sociologia e ao
marxismo. Assim, elaboram críticas contundentes à psicologia e
à psicanálise, à linguística estruturalista e ao formalismo literário
russo, fundamentalmente os acusando de minimizar a relação
entre a linguagem, a língua, a arte e o mundo social, ou seja, de
não analisar seus objetos a partir da materialidade histórica.

4
Souza (2002b) apresenta uma série deles. Por exemplo, rechevye zhanry ou zhanry
(gênero do discurso ou gênero) tem catorze traduções diferentes apenas em português.
5
Por exemplo: “expressividade”, “avaliação social”, “apreciação social”, “orientação social”,
“horizonte social” e “valoração” (SOUZA, 2002a).

22
Colocando o foco na língua e na linguagem, que é a preo-
cupação deste livro, o Círculo produziu algumas das primeiras
obras que, após a publicação do Curso de Linguística geral em 1916,
repensaram o objeto e a epistemologia dos Estudos de Linguagem.
Ao propor o estudo do enunciado concreto como a “real
unidade da comunicação discursiva” (BAKHTIN, 2003a, p. 274),
o Círculo demarcava sua oposição à linguística saussuriana,
designando-a “objetivismo abstrato”, que propunha a existên-
cia de “um sistema objetivo de formas normativas idênticas e
indiscutíveis” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 176) configurando a
língua. Segundo Volóchinov (2017), a consciência do falante
não trabalha com a língua dessa maneira, pois isso seria uma
abstração, uma formulação sobre a língua, não seu elemento
constituinte. Para os pensadores russos, o objetivo do falante está
direcionado ao enunciado concreto – uma prática de linguagem
–, não à identidade da forma, e sim aos sentidos assumidos em
cada situação extraverbal: “para um falante, a forma linguística
é importante não como um sinal constante e invariável, mas
como um signo sempre mutável e flexível” (VOLÓCHINOV,
2017, p. 178). É, portanto, um enunciado (algo efetivamente
dito ou escrito) concreto (não uma abstração retirada de um
sistema) e único (diferente em cada situação de enunciação).
Assim, um singelo “oi” dito a algum conhecido hoje é diferente
da mesma saudação dita à mesma pessoa amanhã; são, portanto,
enunciados distintos.
A teoria da enunciação do Círculo, entretanto, também se
apõe às análises centradas na linguagem como fenômeno indi-
vidual, como faz o “subjetivismo individualista” de Karl Vossler,
pois “o enunciado é de natureza social” (VOLÓCHINOV, 2017,
p. 200). Enunciados são únicos, mas não “psicoindividuais”; são
“correias de transmissão entre a história da sociedade e a histó-
ria da linguagem” (BAKHTIN, 2003a, p. 268). É por meio deles
que “a língua passa a integrar a vida” e “a vida entra na língua”
(BAKHTIN, 2003a, p. 265).

23
Assim, a linguagem, signo ideológico, sempre reflete e re-
frata o mundo social, produzindo infinitos e variados sentidos:
sendo fiel a ele, distorcendo-o, apresentando-o e avaliando-o
de variadas maneiras (VOLÓCHINOV, 2017). O autor também
reforça que o extraverbal
não é em absoluto uma simples causa externa do enunciado,
ou seja, ela não age sobre ele a partir do exterior, como
uma força mecânica. Não, a situação integra o enunciado
como uma parte necessária da sua composição semântica
(VOLÓCHINOV, 2019, p. 120, grifos do autor).
Dessa forma, palavra e vida são inseparáveis, e o extraver-
bal não é uma moldura; é muito mais: ele faz parte da pintura,
está integrado a ela.
O princípio que caracteriza a Sociologia do discurso do Cír-
culo é o dialogismo, que pressupõe uma relação intrínseca entre
enunciados. Para explicá-lo, Bakhtin (2003a, p. 289) recorre a uma
metáfora: “Cada enunciado é um elo na corrente complexamente
organizada de outros enunciados”. Portanto, a cadeia da comuni-
cação discursiva é infinita, e não existe enunciado desprovido de
marcas de outros, sejam eles anteriores ou subsequentes, próprios
ou alheios, sejam essas marcas explícitas ou não. Está estabelecida,
portanto, a impossibilidade teórica da existência de enunciados
monológicos, mesmo aqueles que tenham a aparência de um
monólogo: “O diálogo real banha todas as formas monológicas e
dialógico-convencionais” (BAKHTIN, 2016, p. 117).
Assim sendo, como reforça Bakhtin (2003a), ninguém é
primeiro falante – nem mesmo, como ironiza o autor, o mítico
Adão. Convém acrescentar: o mítico Adão apenas na primeira
vez que enunciou; da segunda vez em diante, já dialogava com
seus próprios enunciados anteriores e subsequentes. Por conse-
guinte, ao enunciar, sempre dialogamos com outros enunciados,
seja para embasar o que dizemos, para polemizar, por pressupor
informações já conhecidas pelo interlocutor (BAKHTIN, 2003a),
para estabelecer uma relação de coexistência, de fricção, de colisão,
de confrontação (ARÁN, 2006a) ou, ainda, de adesão.

24
O dialogismo foi, também, a primeira noção bakhtiniana
a ter repercussão no Ocidente após a publicação, em 1967, do
já citado artigo de Julia Kristeva. Entretanto, a autora materia-
liza o debate por meio de um novo termo: intertextualidade.
Amplamente incorporado pela então recém-criada Análise do
Discurso francesa, a intertextualidade é, hoje, um conceito muito
relevante em quase todas as perspectivas discursivas e textuais,
estando amplamente presente nos Estudos de Linguagem e na
educação linguística escolar. No entanto, convém ressaltar que,
hoje, intertextualidade não é sinônimo de dialogismo. Segundo
Fiorin (2006, p. 181), o princípio teórico do Círculo se aproxi-
ma do conceito de interdiscursividade: “chamaremos qualquer
relação dialógica, na medida em que é uma relação de sentido,
interdiscursiva”. Prossegue o autor:
O termo intertextualidade fica reservado apenas para
os casos em que a relação discursiva é materializada em
textos. Isso significa que a intertextualidade pressupõe
sempre uma interdiscursividade, mas que o contrário não
é verdadeiro (FIORIN, 2006, p. 181).
Portanto, intertextualidade e interdiscursividade são mani-
festações dialógicas, mas somente o primeiro conceito diz respeito
às marcas explícitas de diálogos de um texto com outros textos.
Ainda no que diz respeito ao dialogismo, apesar de considerar
que o locutor tem um intuito discursivo, um querer-dizer, Bakhtin
(2003a, p. 288) afirma que um enunciado só possui sentido pleno
“em condições concretas de comunicação discursiva”, ou seja, ele
é construído na enunciação. Logo, o sentido não é imanente ao
enunciado, pois se constrói na relação com os sentidos de outrem,
dialogicamente. Em 1929, Volóchinov (2017, p. 232) afirma: “Toda
compreensão é dialógica”; em apontamentos escritos mais de
quarenta anos depois, Bakhtin (2003b, p. 382) reforça: “O sentido
é potencialmente infinito, mas pode atualizar-se somente em
contato com outro sentido (de outro)”.
Assim sendo, o enunciado só adquire sentido na enunciação,
na intercompreensão entre o “emissor” e o “receptor”. Na verdade,

25
esses papéis tradicionais de sujeito ativo e passivo, bem como a
ideia da transmissão de uma “mensagem”, não existem para o
Círculo, porque a enunciação é dialógica e supõe a participação
ativa de todos os envolvidos na interação. Bakhtin afirma que
tais noções de “emissor” e “receptor” são ficções, pois “dão
uma noção absolutamente deturpada do processo complexo
e amplamente ativo da comunicação discursiva” (BAKHTIN,
2003a, p. 271). Entretanto, não há, na obra do Círculo, uma
padronização de termos usados para designar os interlocuto-
res em uma interação ou, pelo menos, não nas traduções em
português e em espanhol. Nota-se uma substancial reiteração
de “falante” e de “interlocutor” em alguns textos, e, em Diálogo
I, a opção do tradutor foi pelo neologismo “compreendedor”
como par de “falante” (BAKHTIN, 2016).
Ao construir um enunciado, o falante antecipa a resposta
do interlocutor/compreendedor e, dialogicamente, faz suas
escolhas, que são materializadas nos textos. Dessa forma, o
endereçamento do enunciado é essencial na sua constituição:
“Todo enunciado é dialógico, ou seja, é endereçado a outros,
participa do processo de intercâmbio de ideias: é social”
(BAKHTIN, 2016, p. 118). Nem sempre o outro a quem é en-
dereçado um enunciado coincide com o sujeito empírico que
o responde, embora seja possível o desempenho de ambos os
papéis: “O destinatário do enunciado pode, por assim dizer,
coincidir pessoalmente com aquele (ou aqueles) a quem responde
o enunciado” (BAKHTIN, 2003a, p. 301).
Na figura 4, há uma representação esquemática da comu-
nicação discursiva, segundo a obra do Círculo:

26
Figura 4. A comunicação discursiva, segundo o Círculo

Situação extraverbal

outros
enunciados
outros
outros enunciados
enunciados ...

FALANTE ENUNCIADO INTERLOCUTOR

... outros
enunciados
outros
enunciados outros
enunciados

Situação extraverbal
Fonte: Elaboração própria.

O caráter responsivo de todo enunciado está presente


na obra dos pensadores russos desde os primeiros escritos.
Bakhtin (2003a, p. 271) afirma:
o ouvinte, ao perceber e compreender o significado (lin-
guístico) do discurso, ocupa simultaneamente em relação
a ele uma ativa posição responsiva: concorda ou discorda
dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepa-
ra-se para usá-lo, etc.
Em seguida, acrescenta:
Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de
natureza ativamente responsiva (embora o grau desse ati-
vismo seja bastante diverso); toda compreensão é prenhe de
resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente:
o ouvinte se torna falante (BAKHTIN, 2003a, p. 271).
Portanto, o dialogismo é também marcado pela responsi-
vidade, que independe da verbalização de uma resposta.

27
Somos capazes de responder e de produzir linguagem até
mesmo em silêncio (BAKHTIN, 2003a). Como elemento cons-
titutivo da humanidade, a linguagem permeia todos os campos
da sociedade, tenham eles manifestações verbalizadas ou não;
afinal, ações, gestos e movimentos também estão impregnados
de sentidos, pois “a atitude humana é um texto em potencial”
(BAKHTIN, 2003c, p. 312).
A linguagem é constitutiva da humana e sempre integra
uma atividade social, um campo da atividade humana. Cada um
desses campos elabora “tipos relativamente estáveis de enuncia-
dos” (BAKHTIN, 2003a, p. 262), que são os gêneros do discurso.
É apenas por meio deles que falamos: “todos os nossos enunciados
possuem formas relativamente estáveis e típicas de construção
do todo” (BAKHTIN, 2003a, p. 282). No entanto, conforme
já foi dito, cada enunciado é também particular e individual,
sempre em diálogo com a sua situação de enunciação. Assim
sendo, enunciados contemplam, ao mesmo tempo, o previsível
e o imprevisível; o regular e o singular.
Além disso, empregamos os gêneros com segurança e ha-
bilidade, pois os adquirimos no processo de desenvolvimento
infantil, com a nossa primeira língua. Os gêneros discursivos
são “determinados tipos de enunciados estilísticos, temáticos
e composicionais relativamente estáveis” (BAKHTIN, 2003a,
p. 266). Esses três elementos – estilo, tema e construção com-
posicional – são indissociáveis e estão em relação orgânica no
todo do enunciado.
O conteúdo temático é o sentido do enunciado completo,
individual e não reiterável; o estilo se relaciona com a “seleção
dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua”
(BAKHTIN, 2003a, p. 261), empregados usualmente na com-
posição do gênero; a construção composicional diz respeito aos
tipos de construção do conjunto, do acabamento e da relação
entre interlocutores.
Na figura 5, há uma representação esquemática da noção
de gênero discursivo, segundo a obra do Círculo.

28
Figura 5. Os gêneros do discurso, segundo o Círculo

CAMPOS DA
ATIVIDADE HUMANA

CONDIÇÕES FINALIDADES

GÊNEROS

construção
conteúdo temático estilo composicional

Recursos lexicais, Tipos de construção do


Sentido do enunciado
fraseológicos e conjunto, do acabamento
completo, individual
gramaticais. e da relação entre
e não reiterável.
interlocutores.

Fonte: Elaboração própria.6

Os gêneros discursivos são tantos e tão distintos quanto a


multiplicidade de atividades humanas às quais responde. Nessa
miríade de possibilidades, Bakhtin (2003a) e Volóchinov (2017)
indicam uma classificação, dois conjuntos que agrupam gêneros de
naturezas diferentes: gêneros primários (do cotidiano ou da vida)
e secundários (da criação ideológica, em sentido estrito). Assim,
os primários são os constituídos pela comunicação espontânea,
aquela que não é formulada antecipadamente, seja oral, seja escrita.
São gêneros primários, por exemplo, diálogos do cotidiano ou
breves recados escritos. Os gêneros secundários, ou da criação
ideológica, requerem uma formulação e um acabamento mais
complexo, desenvolvido e organizado. São os romances, principais
objetos de estudo do Círculo, as teses e dissertações, os anúncios
publicitários, entre muitos outros.
Ao mencionar os gêneros da “criação ideológica”, chega-se,
portanto, a outro conceito fundamental para o Círculo: ideologia.

6
A imagem foi elaborada com a colaboração de Elzimar Marins-Costa (UFMG).

29
Para os pensadores russos, onde há signo, há ideologia, e a palavra
é o signo ideológico por excelência:
entendemos por ideologia todo o conjunto de reflexos e
refrações no cérebro humano da atividade social e natural,
expressa e fixada pelo homem na palavra, no desenho
artístico e técnico ou em alguma outra forma sígnica
(VOLÓCHINOV, 2019, p. 243).
Continua o autor, em outro texto (VOLÓCHINOV, 2017,
p. 91): “Tudo o que é ideológico possui uma significação: ele re-
presenta e substitui algo encontrado fora dele, ou seja, ele é um
signo. Onde não há signo também não há ideologia”.
A ideologia está, portanto, plasmada no signo, de forma in-
separável: “Não se pode separar a ideologia da realidade material
do signo” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 110). Não se trata, portanto,
da noção de “falsa consciência”, representando o pensamento
da classe dominante, conforme elaborado por Marx e Engels
em A ideologia alemã (2008), publicado somente nos anos 1930.
Assim, nas obras do Círculo, a ideologia se aproxima da visão
leninista, como sentido presente em atividades humanas que
envolvem a palavra (VIEGAS, 2019).
Para finalizar esta seção, retoma-se a epígrafe deste capítulo:
“Discurso é a língua in actu” (BAKHTIN, 2016, p. 117). Portanto,
o discurso é a materialização da língua, é ação sobre o mundo
social, com o qual estabelece uma relação dialógica, refletindo-o,
refratando-o e agindo sobre ele. Em muitas traduções a línguas
ocidentais, encontra-se também a escolha pelo termo palavra
com o mesmo sentido, ainda que haja inúmeras ocorrências deste
último termo em outras acepções, como de unidade lexical, de
enunciado ou de linguagem verbal (GRILLO; AMÉRICO, 2017).
Embora haja, em quase todas as obras do Círculo, uma profusão
de aparições de “palavra” e de “discurso”, são raros os momentos
de uma definição explícita, como a da epígrafe deste capítulo.
Outra dessas esparsas ocasiões está em Problemas da poética de
Dostoiévski (BAKHTIN, 2005, p. 181), na qual o autor afirma:

30
o discurso, ou a língua em sua integridade concreta e viva
e não a língua como objeto específico da lingüística, obtido
por meio de uma abstração absolutamente legítima e ne-
cessária de alguns aspectos da vida concreta do discurso.
Em seguida, o autor discorre sobre a “metalinguística” (em
outras traduções, “translinguística”), que seria a disciplina de-
dicada ao estudo do discurso, sem ignorar os resultados obtidos
nas pesquisas da linguística.
Retomamos, para concluir esta seção, um trecho de Cardozo
(2006, p. 211, tradução nossa):
Para estudar a palavra como discurso, ela não pode ser
coisificada: ela deve ser resgatada dialogicamente tanto
na diacronia quanto na sincronia, em suas dimensões
linguística e translinguística, verbal e extraverbal, porque
a vida da palavra (oral e escrita) é incessante.7

A perspectiva dialógica de pesquisa


A Linguística nasceu na virada do século XIX para o XX,
em um cenário cientificista que ainda alcança a pesquisa em
algumas áreas do saber nos dias atuais. O positivismo, principal
epistemologia cientificista do campo das humanidades surgida
naquela época, pressupõe uma distância radical entre pesquisador
e objeto de pesquisa, modelo nascido nas Ciências Naturais du-
rante a Revolução Científica do século XVII. Nessa perspectiva, o
objeto de investigação é coisificado, mesmo que seja, na verdade,
um sujeito ou alguma de suas produções artísticas, imagéticas
ou verbais. Assim, no projeto do estruturalismo de Saussure, a
busca era pelo universal, pelo constante na linguagem (a langue),
desconsiderando o uso (a parole) e o contexto, tendo em vista seu
caráter fortuito e incontrolável (FREITAS, 2019).

7
No original: “para estudiar la palabra como discurso no se la puede cosificar: hay que
rescatarla dialógicamente tanto en la diacronía como en la sincronía, en sus dimensiones
lingüísticas y translingüísticas, verbales y extraverbales, porque la vida de la palabra
(oral y escrita) es incesante”.

31
O questionamento ao cientificismo positivista foi tardio nos
estudos linguísticos produzidos no Ocidente, pois, até cerca de
meados do século XX, eles estavam atrelados apenas à concepção
de língua como sistema abstrato, descartando, em suas análises,
elementos etnológicos, históricos e políticos. Entretanto, na URSS,
já nos anos 1920, tais pressupostos eram fortemente criticados
com os trabalhos do Círculo de Bakhtin, Volóchinov e Medvedev
(FREITAS; BARRETO; VARGENS, 2008).
Assim, uma perspectiva diferenciada da pesquisa em Lingua-
gem e nas Humanidades em geral pode ser vista já nas primeiras
obras do Círculo, ainda que ocupe lugar central de discussão
somente em dois manuscritos inacabados, um de 1959-1960
(BAKHTIN, 2003c) e outro de 1974 (BAKHTIN, 2003d). Nesses
textos, observa-se uma proposta de pesquisa que implica uma
arquitetônica dialógica, afetando tanto a definição do objeto de
pesquisa, quanto dos métodos de investigação, especialmente em
uma epistemologia das Ciências Humanas em contraste com as
Ciências Naturais (TODOROV, 1981).
De fato, o Círculo repensou a pesquisa em Ciências Humanas
e, especialmente, o objeto dos estudos linguísticos. Conforme
dito na seção anterior, os pensadores russos propunham a cen-
tralidade do enunciado concreto, e não da langue saussuriana ou
ainda da oração. Eles propõem uma Sociologia do Discurso ou
uma Translinguística, que, usando a terminologia saussuriana,
teria como foco algo que se aproximaria da parole, a fala, e não
da langue, a língua, como propunha o linguista. Convém ressal-
tar, entretanto, que a parole de Saussure é individual, enquanto
o enunciado concreto, apesar de único e irrepetível, responde
sempre a uma determinada ideologia, mesmo a cotidiana, e reflete
ou refrata uma atividade social:
nunca pronunciamos ou ouvimos palavras, mas ouvimos
uma verdade ou mentira, algo bom ou mal, relevante ou
irrelevante, agradável ou desagradável e assim por diante.
A palavra está sempre repleta de conteúdo e de significação
ideológica ou cotidiana (VOLÓCHINOV, 2017, p. 181).

32
O autor continua com a crítica a Saussure e seus seguidores:
“A ruptura entre a língua e seu conteúdo ideológico é um dos erros
mais graves do objetivismo abstrato” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 182).
Na perspectiva dos pensadores russos, os Estudos de Lingua-
gem integram as Ciências Humanas, pois o enunciado “não é um
bloco de concreto, não é uma viga de aço, não é um órgão interno
de uma abelha, não é uma árvore, não é um rio” (FREITAS, 2019,
p. 675). O enunciado é produzido por um sujeito vivo e a palavra
é inseparável da vida: “a palavra é completada diretamente pela
própria vida e não pode ser separada dela sem que o seu sentido
seja perdido” (VOLÓCHINOV, 2019, p. 117).
Segundo a Sociologia do Discurso, o objeto – ou “dado
primário” (BAKHTIN, 2003c, p. 307) – das Ciências Humanas
é o texto, ou seja, “qualquer conjunto coerente de signos” (BA-
KHTIN, 2003c, p. 307). Por sua vez, signo é tudo aquilo que tem
uma significação ideológica (VOLÓCHINOV, 2017); pode ser,
portanto, uma palavra, um objeto, uma imagem, um gesto. Por
conseguinte, qualquer texto, seja verbal, verbo-visual ou imagético,
é passível de análise na perspectiva do Círculo:
são pensamentos sobre pensamentos, vivências das vivên-
cias, palavras sobre palavras, textos sobre textos. Nisto
reside a diferença essencial entre as nossas disciplinas
(humanas) e naturais (sobre a natureza), embora aqui
não haja fronteiras absolutas (BAKHTIN, 2003c, p. 307).
O dialogismo constitutivo da linguagem está presente, em
maior ou em menor grau (BAKHTIN, 2016), em todas as práticas
discursivas, inclusive no campo da atividade acadêmica. Assim,
os enunciados científicos são elos da corrente de outros enun-
ciados que circulam na sociedade, sejam da mesma ou de outras
áreas do conhecimento acadêmico e, ainda, do senso comum.
Conforme ressalta Amorim (2001, p. 19), na abordagem dialó-
gica, todo objeto tratado em um texto de pesquisa “é ao mesmo
tempo objeto já falado, objeto a ser falado e objeto falante”; é,
ainda, marcado pelo silêncio, por vozes silenciadas e ausentes.

33
Portanto, os métodos e os procedimentos de pesquisa fundados
na obra do Círculo também são marcadamente dialógicos.
A cisão pesquisador-objeto, conforme preconizada pelo
cientificismo, é questionada pelo Círculo para os estudos hu-
manísticos: “o objeto das ciências humanas é o ser expressivo
e falante. Esse ser nunca coincide consigo mesmo e por isso é
inesgotável em seu sentido e significado” (BAKHTIN, 2003d, p.
395). Se as Ciências Naturais e Exatas representam o conheci-
mento da coisa, as Humanidades são o conhecimento do sujeito
e de suas produções, especialmente as práticas verbais. Fora do
campo das Humanidades, é possível revelar a coisa por meio de
“um ato unilateral do outro (o cognoscente)” (BAKHTIN, 2003d,
p. 393-394), ou seja, ainda que haja pontos de vista, trata-se de
um sujeito interagindo com um não sujeito. Portanto, se, nas
Humanidades, o conhecimento é dialógico,
as ciências exatas são uma forma monológica de saber: o
intelecto contempla uma coisa e emite enunciado sobre
ela. Aí só há um sujeito: o cognoscente (contemplador) e
falante (anunciador). A ele só se contrapõe a coisa muda
(BAKHTIN, 2003d, p. 400).
Nas Ciências Humanas, entretanto, “o cognoscente não faz
a pergunta a si mesmo nem a um terceiro em presença da coisa
morta, mas ao próprio cognoscível”. Está descartada, portanto,
a possibilidade de uma neutralidade e de uma objetividade no
padrão positivista. São sujeitos pesquisando outros sujeitos, o que
permite o excedente de visão. Segundo Bakhtin (2003e, p. 21),
quando se contempla o outro, os horizontes vivenciáveis não
coincidem e “sempre verei e saberei algo que ele, da sua posição
fora e diante de mim, não pode ver”. Essa contemplação permite
ver partes do seu corpo, do mundo em que se localiza, de objetos
e de relações que são acessíveis a quem contempla e inacessíveis
a quem é contemplado. Continua o autor:
esse excedente da minha visão, do meu conhecimento,
da minha posse – excedente sempre presente em face de
qualquer outro indivíduo – é condicionado pela singula-

34
ridade e pela insubstituibilidade do meu lugar no mundo
(BAKHTIN, 2003e, p. 21, grifos do autor).
O lugar ocupado no mundo pelo pesquisador é, portanto,
fundamental nessa visão que constrói do outro, do sujeito da
pesquisa. Convém ressaltar que a questão do ponto de vista,
presente em texto produzido pelo Círculo em 1922-1924, apre-
senta diálogos com a Teoria da Relatividade, de Albert Einstein,
que também inspirou outro conceito dos pensadores russo: o
cronotopo8 (BAKHTIN, 2010).
O excedente de visão permite uma perspectiva de pesquisa em
Ciências Humanas como uma compreensão dialógica, intersubje-
tiva, que interroga e se apropria da palavra do outro para produzir
a palavra própria (ARÁN, 2006b). Há pesquisas que coisificam
o ser humano – “qualquer objeto do saber (incluindo o homem)
pode ser percebido e conhecido como coisa” (BAKHTIN, 2003d,
p. 400) – no entanto, se assumido como sujeito, essa coisificação
produtora de um conhecimento monológico, torna-se inviável:
o sujeito como tal não pode ser percebido e estudado como
coisa porque, como sujeito e permanecendo sujeito, não pode
tornar-se mudo; conseqüentemente, o conhecimento que se
tem dele só pode ser dialógico (BAKHTIN, 2003d, p. 400).
Especialmente nas investigações de humanidades que envol-
vem uma interação direta entre pesquisador e sujeito pesquisado,
a perspectiva dialógica de pesquisa implica uma não objetificação
do sujeito, um não apagamento de seus saberes e uma efetiva
construção dialógica do conhecimento. Sujeito de pesquisa não
é um “informante” e muito menos um “objeto” a ser observado,
e sim um participante ativo na produção da pesquisa:
considerar a pessoa investigada como sujeito implica
compreendê-la como possuidora de uma voz reveladora
da capacidade de construir um conhecimento sobre a
sua realidade que a torna coparticipante do processo de
pesquisa (FREITAS, 2003, p. 29).

8
Não foi possível abordá-lo neste capítulo, mas, sinteticamente, seria a “interligação
fundamental das relações temporais e espaciais, artisticamente assimiladas em litera-
tura” (BAKHTIN, 2010, p. 211).

35
A chegada da obra do Círculo aos Estudos de Linguagem
no Ocidente a partir do final da década de 1960 contribuiu para a
reflexão acerca de seus objetos, métodos e epistemologias. Muitos
estudos do texto e do discurso na atualidade têm relações com
alguns desses debates.

Como fazer pesquisa segundo a Sociologia do discurso?


Na Sociologia do Discurso, conforme reforça Brait (2006, p. 60), não há
“categorias a priori, aplicáveis de forma mecânica a textos e discursos,
com a finalidade de compreender formas de produção de sentido num
dado discurso, numa dada obra, num dado texto”. Portanto, inexiste
“uma proposta fechada e linearmente organizada”, mas há um “corpo
de conceitos, noções e categorias que especificam a postura dialógica
diante de corpus discursivo, da metodologia e do pesquisador” (BRAIT,
2006, p. 61). Uma parte de corpo de conceitos, noções e categorias foi
abordada neste capítulo.
Quanto à descrição de procedimentos metodológicos, a obra do Círculo
é bastante econômica. O debate epistemológico está, como já foi dito,
em dois manuscritos inacabados (BAKHTIN, 2003c; 2003d). Apenas
Volóchinov (2017), em um trecho de Marxismo e filosofia da linguagem,
apresenta uma singular e brevíssima sistematização metodológica da
proposta do Círculo para o estudo da linguagem. Segundo o autor, haveria
uma “ordem metodologicamente fundada para o estudo da língua”. Tais
procedimentos, embora não de forma mecânica, pautariam pesquisas
fundamentadas na Sociologia do Discurso. As etapas seriam as seguintes:
1) “formas e tipos de interação discursiva em sua relação com as
condições concretas” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 220):
Como passo inicial e central da proposta da Sociologia do Discurso,
está a análise das “relações da língua com a vida” (BAKHTIN,
2003a, p. 265) que se estabelecem no conceito de enunciado
concreto. Na perspectiva marxista do Círculo, linguagem e ideo-
logia, integrantes da superestrutura, se fundam na infraestrutura
econômico-social, que não pode ser, portanto, desconsiderada.

36
2) “formas dos enunciados ou discursos verbais singulares em
relação estreita com a interação da qual são parte, isto é, os gêne-
ros dos discursos verbais determinados pela interação discursiva
na vida e na criação ideológica” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 220):
Em seguida, como segundo passo da análise, a observação da relação
entre os enunciados, os seus gêneros discursivos e a ideologia que os
engendra; afinal, o elemento verbal em análise não pode ser descolado
de seu meio extraverbal, de sua situação de comunicação discursiva:
interlocutores, momento e lugar da enunciação.
3) “revisão das formas da língua em sua concepção linguística habitual”
(VOLÓCHINOV, 2017, p. 220):
O terceiro passo metodológico sugerido para análise seria a análise
da materialidade linguística em foco na investigação. Isso inclui uma
multiplicidade de aspectos, como presenças e ausências, sentidos,
relações dialógicas de diversas naturezas, entre outros.
O cuidado com os procedimentos metodológicos de uma pesquisa
fundada na perspectiva do Círculo, que pode empregar os passos su-
geridos por Volóchinov (2017), não ofusca a consideração, pautada na
obra dos pensadores russos, de que é inexequível o apagamento dos
demais elos da cadeia de enunciados, inclusive aqueles originados na
ativa participação responsiva verbalizada pelos sujeitos pesquisados.

Pesquisas com o Círculo


Embora a pesquisa vá muito além de teses e dissertações, elas
podem demarcar a representatividade de determinado assunto ou
perspectiva nas diversas áreas de conhecimento. Assim, em um
levantamento realizado no Catálogo de Teses e Dissertações da
Capes (2021), foram encontrados 5.809 resultados para a palavra
“Bakhtin”, englobando trabalhos defendidos de 1987 (ano inicial
dos dados catalogados) a 2019 (ano final disponível no momento
da consulta, ainda com dados incompletos). Os resultados dizem

37
respeito somente a termos presentes no título, nas palavras-chave
e no resumo das teses e dissertações. A opção pela busca por
“Bakhtin” se deve às questões mencionadas anteriormente sobre
a divulgação das obras do Círculo no Ocidente.
No gráfico 1, há uma organização dos trabalhos por década
de defesa, mostrando que, de dez teses e dissertações defendidas
entre 1987 e 1991, se passou a 276 na década seguinte, a 1999
na posterior e a 4.627 na última. A ampliação quantitativa dos
estudos é muito significativa e demarca um grande interesse na
obra do Círculo nas pesquisas científicas brasileiras atuais.

Gráfico 1. Teses e dissertações que mencionam Bakhtin


5000
4500
4000
3500
3000
2500
2000
1500
1000
500
0
1987-1990 1991-2000 2001-2010 2011-2019

Fonte: Elaboração própria.

Apenas a título de comparação, a mesma busca por autores


de relevante impacto nos estudos discursivos foi a seguinte: para
“Pêcheux”, 1.653 resultados; para “Maingueneau”, 1.016; para
“Charaudeau”, 647 trabalhos.9
Portanto, pesquisa-se muito com e sobre o Círculo de
Bakhtin, Volóchinov e Medviédev. Além disso, pesquisa-se em
diferentes campos do saber: há resultados para nove diferentes
grandes áreas do conhecimento, como pode ser visto na tabela 1:

9
Sobre a perspectiva discursiva desses autores, consultar os capítulos 3, 4 e 6 deste livro.

38
Tabela 1. Grandes Áreas do Conhecimento de teses
e dissertações que mencionam Bakhtin

Grande área Número de trabalhos

Ciências Agrárias 1

Ciências Biológicas 2

Ciências da Saúde 26

Ciências Exatas e da Terra 1

Ciências Humanas 1.558

Ciências Sociais Aplicadas 254

Engenharias 1

Linguística, Letras e Artes 3.697

Multidisciplinar 269

Total 5.809

Fonte: Elaboração própria.

O evidente predomínio é em Linguística, Letras e Artes,


com 63,64% dos trabalhos defendidos, e em Ciências Humanas,
que inclui a área de Educação, com 26,82%.
Tomando como exemplo os resultados da Universidade
Federal Fluminense (UFF), há 128 trabalhos, em onze programas
de pós-graduação (PPG), como é possível observar na tabela 2:

39
Tabela 2. PPGs da UFF com trabalhos que mencionam Bakhtin

Grande área Número de trabalhos

Ciências da Informação 1

Comunicação 4

Educação 61

Estudos de Linguagem 26

Estudos de Literatura 8

Geografia 1

História 3

Letras 16

Mídia e Cotidiano 2

Política Social 2

Psicologia 4

Total 128

Fonte: Elaboração própria.

De acordo com os dados, destaca-se o PPG de Educação,


com 61 trabalhos, seguido por Estudos de Linguagem, com 26,
Estudos de Literatura, com 8, e o antigo PPG de Letras,10 com
16, sendo apenas três do âmbito da linguagem.
Analisando somente as teses e dissertações defendidas no
PPG em Estudos de Linguagem, foram encontrados trabalhos
que articulam das ideias do Círculo a outras perspectivas,
conforme a tabela 3:

10
O Programa de Letras foi desmembrado em 2009 em dois PPGs: Estudos de Linguagem
e Estudos de Literatura.

40
Tabela 3. Trabalhos que articulam o Círculo a outras concepções
discursivas e textuais

Grande área Número de trabalhos

Enunciativa (D. Maingueneau) 11

Semiolinguística (P. Charaudeau) 4

Estudos cognitivos (Lakoff e Johnson) 2

Diversos 4

Total 21

Fonte: Elaboração própria.

Nota-se uma predominância na articulação com a perspectiva


enunciativa de D. Maingueneau. Isso é realizado, por exemplo,
nas teses de Gil (2017), de Silvério (2019) e de Zanetti (2019).
A pesquisa de Gil (2017), intitulada “Não só ensinar uma
Língua Estrangeira pro trabalho, mas pra vida”: um estudo sobre
o trabalho do professor de espanhol e de inglês no IFRJ – dos
prescritos às falas sobre a sua atividade, teve como objeto os
sentidos sobre o trabalho de professores de espanhol e de inglês
nos Cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio do Instituto
Federal do Rio de Janeiro. Para isso, foram analisados docu-
mentos institucionais, entendidos como prescritos da atividade
docente, e a matriz curricular e o fluxograma do Curso Técnico
Integrado ao Ensino Médio. As falas de seis docentes em um
grupo de discussão organizado pela pesquisadora também foram
analisadas. Buscando uma articulação entre linguagem e traba-
lho, a tese se fundamenta primordialmente no dialogismo e nos
gêneros do discurso, a partir do Círculo. Entretanto, em alguns
momentos das análises, são recuperadas categorias propostas na
obra de Maingueneau, em especial aquelas que sistematizam e
se aproximam das noções construídas pelos pensadores russos,
como intertexto e heterogeneidade discursiva.

41
Em sua tese, Entre o apagamento das diferenças e o sonho
da imigração: uma análise discursiva de identidades nos livros
didáticos de espanhol, Silvério (2019) analisa coleções didáticas
de espanhol destinadas ao ensino médio aprovadas nos três
editais do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD 2012,
2015 e 2018 – que incluíram a língua. O foco na investigação
estava nas representações das identidades dos brasileiros e dos
não brasileiros nas oito obras. Retomando o debate teórico sobre
identidades, representações e estereótipos, a tese discute a ideia
de que livro didático é um gênero discursivo – algo que não é
um consenso na área – e, a partir desse pressuposto, constrói
sua análise, apresentando um panorama bastante significativo
sobre as obras de espanhol aprovadas no PNLD. A articulação
com Maingueneau se deu por meio da sistematização da análise
com a noção de semântica global, em especial de três categorias
que dialogam fortemente com a perspectiva do Círculo: tema,
interdiscursividade e dêixis enunciativa.
Zanetti (2019), em sua tese Deusa delicada ou fofoqueira
desequilibrada? Uma análise discursiva das identidades femininas
em textos sobre a dança do ventre, analisa a identidade femini-
na construída em artigos de opinião e em livros sobre dança
do ventre. Dialogando com questões identitárias e culturais, o
trabalho observa os textos a partir da Sociologia do Discurso,
em especial do conceito de gênero discursivo, bem como de
categorias sistematizadas por Maingueneau, como intertexto e
interdiscurso. Partindo do pressuposto de Volóchinov (2017), de
que os enunciados refletem e refratam o mundo social, a tese busca
observar como a mulher é caracterizada no campo da dança do
ventre, sempre em diálogo com o modelo feminino esperado na
sociedade: bonita, delicada, calma e educada. Assim, o trabalho
de Zanetti traz à tona um debate muito relevante sobre gênero,
com destaque para o papel da mulher em um mundo machista.
Do total de 26 trabalhos do PPG em Estudos de Linguagem
que mencionam a obra do Círculo, somente cinco se constroem
sem articular a Sociologia do Discurso com outras perspectivas

42
discursivas ou textuais. Isso ocorre, por exemplo, na tese de Viegas
(2019) e na dissertação de Albuquerque (2019).
O trabalho de Viegas (2019), Uma contribuição à crítica da
universidade produtivista, aborda a ideologia neoliberal produtivista
no campo da pesquisa acadêmica. Para isso, analisa documentos
produzidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de
Nível Superior (Capes) sobre PPGs em 2010 e 2011. A tese transita
de forma muito madura entre o materialismo histórico-dialético
marxista e a filosofia da linguagem do Círculo, especialmente
os textos de Volóchinov, que, dentre os três pensadores russos,
foi o que mais aprofundou o debate marxista em seus textos.
A partir do conceito de ideologia, na perspectiva da Sociologia
do Discurso, a tese cumpre com primor as três etapas propostas
por Volóchinov (2017) presentes no boxe 2 deste capítulo, em
uma articulação entre perspectivas filosóficas, sociológicas e
históricas e a concepção de linguagem do Círculo.
Albuquerque (2019), em sua dissertação Livros didáticos de
Espanhol na década de 1940: concepção de Língua e concepção do
ensino da escrita, enfoca, como indica o título, obras escolares
brasileiras de língua espanhola da década de 1940. A partir da
perspectiva dialógica de linguagem do Círculo, com destaque
para o conceito de gênero discursivo, o trabalho analisa a con-
cepção de língua e a concepção do ensino de escrita de oito livros
analisados. Articula com precisão a Sociologia do Discurso a
diversas pesquisas sobre o ensino da escrita e sobre livro didático,
aproximando estudos de linguagem e educação.
Para além do PPG em Estudos de Linguagem da UFF, no
Diretório de Grupos de Pesquisa no Brasil, do CNPq (2021), há
77 grupos de pesquisa (GrPesqs) que mencionam “Bakhtin” em
seu nome, repercussões, palavras-chave ou nome de linha de
pesquisa. São 56 GrPesqs da grande área de Linguística, Letras e
Artes, dois de Ciências Sociais Aplicadas e dezenove de Ciências
Humanas, marcadamente de Educação. Convém ressaltar que
nem todos os GrPesqs que produzem pesquisas a partir da obra

43
do Círculo aparecem na consulta, como é o caso do Discurso e
Educação Linguística (Delin-UFF).
Da área de Linguística, os mais antigos GrPesqs são “Lin-
guagem, identidade e memória” (PUC-SP), criado em 2000 e
liderado por Elisabeth Brait, e Grupo de Estudos dos Gêneros
de Discurso (Ufscar), criado em 2003 e liderado por Valdemir
Miotello e João Wanderley Geraldi. Os três líderes estão entre
os principais pesquisadores da obra do Círculo no Brasil, sendo
que Brait e Geraldi também estão entre os primeiros a enfocar
os pensadores russos em suas investigações, desde os anos 1980
e 1990. Ressalte-se que Geraldi pesquisa a educação linguística,
campo no qual a obra do Círculo tem sido largamente utilizada,
muito em função do impacto de suas produções e reflexões no
debate sobre o tema nos últimos quarenta anos.

Temas atuais e novas direções


Conforme foi possível observar na seção anterior, as pesqui-
sas no Brasil envolvendo as perspectivas do Círculo de Bakhtin,
Volóchinov e Medviédev nos Estudos de Linguagem são rela-
tivamente recentes: os primeiros estudos foram produzidos há
apenas quarenta anos, e o verdadeiro boom quantitativo, usando
como exemplo teses e dissertações, está ocorrendo na atualidade.
Assim sendo, os exemplos de pesquisas apresentadas na
última seção já são bastante representativos dos temas atuais e
das novas direções das investigações que envolvem a perspectiva
teórica do Círculo. No entanto, aqui será destacado um aspecto:
a articulação entre a proposta dos pensadores russos para lin-
guagem e a educação.
Dentre os 5.809 resultados encontrados no Catálogo da
Capes (2021) para a busca “Bakhtin”, 3.462, ou seja, quase 60%,
também incluem as palavras “educação” ou “ensino” em seu título,
palavras-chave ou resumo. A proporção de teses e dissertações
sobre ensino e educação teve uma subida proporcionalmente
vertiginosa ao longo das décadas: de 20% dos trabalhos nos anos

44
1980, passou a 41% nos anos 1990, a 53% na década iniciada em
2001 e a 65% na década de 2010. Portanto, nota-se que a educação
é uma forte presença nos estudos que envolvem a perspectiva do
Círculo, com uma tendência de crescimento evidente.
O primeiro grande pesquisador brasileiro a enfocar o pen-
samento dos russos na educação foi João Wanderley Geraldi,
ainda nos anos 1980, quando organizou a icônica coletânea O
texto na sala de aula (2006), publicada em 1984 e ainda editada
atualmente, havendo merecido uma homenagem no 19o Congres-
so de Leitura do Brasil de 2014, quando comemorou seus trinta
anos. Um dos textos de Geraldi na obra, Concepções de linguagem
e ensino de português, inicia-se com uma epígrafe de Bakhtin e
defende um evidente posicionamento enunciativo para o ensino
de português, em diálogo com a perspectiva de linguagem do
Círculo. As produções de Geraldi influenciaram os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) de Língua Portuguesa para os
anos finais do ensino fundamental (BRASIL, 1998), documento
prescritivo do trabalho docente que incorporou fortemente a
ideia de texto e de gênero discursivo como objetos de ensino de
língua. Políticas públicas e documentos educativos federais até a
atualidade mantêm menções ao conceito de gênero, quase sempre
em posição central na área de línguas.
Indubitavelmente, a presença de conceitos e perspectivas do
Círculo nos PCN fez crescer o número de pesquisas nesse campo
(ROJO, 2005). Rojo (2005) afirma que somente a partir de 1995
surgem investigações indicando em seus títulos os gêneros e que,
de 1995 a 2000, foram publicados 64 trabalhos de pesquisadores
sênior, teses e dissertações e pesquisas de Iniciação científica
envolvendo a questão. Além disso, pelo menos duas coletâneas
envolvendo gêneros e ensino foram publicadas na época (BRAN-
DÃO, 2000; DIONÍSIO; MACHADO; BEZERRA, 2002), ainda
que um deles enfoque o assunto a partir da perspectiva textual.
Essa disjunção no conceito de gêneros – discursivos e textuais –
existe desde aquela época. Embora ambos tenham suas origens
na noção construída pelo Círculo e que alguns autores usem

45
o termo “gênero textual” para designar o conceito de “gênero
discursivo”, é importante ressaltar que somente uma perspectiva
discursiva é fiel ao pensamento dos autores russos.
O fato é que ainda há uma grande demanda por pesquisas
envolvendo uma perspectiva efetivamente discursiva da obra
do Círculo em articulação com temas e reflexões teóricas sobre
educação e ensino. Além disso, outro campo que carece de inves-
tigações pautadas na Sociologia do discurso é aquele voltado para
as epistemologias do Sul Global e para pedagogias decoloniais.11

Sugestões de leitura
Para ampliar o conhecimento sobre a teoria do Círculo,
complexa e pouco didática, pode ser interessante recorrer pri-
meiramente a livros que têm sínteses sobre ela. Três obras são
muito boas nessa apresentação: Introdução à teoria do enunciado
concreto (SOUZA, 2002), Introdução ao pensamento de Bakhtin
(FIORIN, 2016) e Linguagem & diálogo: as ideias linguísticas do
Círculo de Bakhtin (FARACO, 2009). Especificamente sobre o
conceito de gênero discursivo, o livro de Rojo e Barbosa (2015)
é muito acessível para iniciantes.
No que diz respeito aos textos de Bakhtin, Volóchinov e
Medviédev, uma boa opção para conhecer a perspectiva de lin-
guagem do Círculo é iniciar pelo livro Marxismo e filosofia da
linguagem (VOLÓCHINOV, 2017) e pelo artigo “Os gêneros do
discurso” (BAKHTIN, 2003a). Em seguida, passar ao capítulo
“O discurso em Dostoiévski”, do livro Problemas da Poética de
Dostoiévski (BAKHTIN, 2005). Para compreender a visão de
pesquisa proposta pelos russos, é importante a leitura de O pro-
blema do texto na linguística, na filologia e em outras ciências
humanas (BAKHTIN, 2003e) e de Metodologia das ciências
humanas (BAKHTIN, 2003d). Convém recordar, entretanto,
que são manuscritos inacabados e, portanto, de difícil leitura.

11
Sobre esse campo, recomenda-se consultar o n. 56 da Revista Gragoatá (2021).

46
Para um aprofundamento no período fenomenológico
do Círculo, o ideal é ler Para uma filosofia do ato responsá-
vel (BAKHTIN, 2010) e O autor e a personagem na atividade
estética (BAKHTIN, 2003e). São textos bastante complexos e
que requerem um bom conhecimento prévio sobre a perspectiva
dos autores russos. No que diz respeito ao período sociológico
e marxistas, além do já recomendado (VOLÓCHINOV, 2017),
é importante conhecer os artigos organizados na coletânea A
palavra na vida e a palavra na poesia (GRILLO; AMÉRICO,
2019) e O método formal nos estudos literários: introdução crítica
a uma poética sociológica (MEDVIÉDEV, 2012), especialmente
o capítulo “Os elementos da construção artística”.
Há muitos artigos e livros que abordam elementos da teoria
do Círculo, mas se sugere, em especial, a extensa obra de Beth
Brait, com destaque para Bakhtin, dialogismo e construção do
sentido (1997), Bakhtin: conceitos-chave (2005), Bakhtin: outros
conceitos-chave (2006), Bakhtin: dialogismo e polifonia (2009) e
Bakhtin e o Círculo (2009). Geraldi (2015) também tem um livro
com ótimos ensaios: Ancoragens – Estudos bakhtinianos. Dentre
as obras traduzidas ao português sobre os pensadores russos,
recomendam-se Repensando o Círculo de Bakhtin: novas pers-
pectivas na história intelectual, de Brandist (2012), e A Revolução
Bakhtiniana, de Ponzio (2008).
Sobre a pesquisa e a perspectiva do Círculo, há dois livros
excelentes: O pesquisador e seu outro: Bakhtin nas Ciências Hu-
manas (AMORIM, 2001) e Ciências Humanas e pesquisa: leituras
de Mikhail Bakthtin (FREITAS; SOUZA; KRAMER, 2003).
Finalmente, é muito interessante conhecer o único dicionário
sobre a obra dos pensadores russos, organizado por Olga Pampa
Arán (2006c) e disponível apenas em espanhol: Nuevo dicciona-
rio de la teoría de Mijail Bajtin. Com 55 verbetes solidamente
elaborados, é um apoio importante aos interessados no Círculo.

47
Sugestões para uma pesquisa com o Círculo
Não é incomum que um/a doutorando/a e, mais ainda, um/a mestrando/a
elabore seu projeto de pesquisa partindo de um objeto ou de um sujeito
de pesquisa. Por exemplo, sabe o que quer pesquisar, como nos exemplos
de teses e dissertações mencionados neste capítulo, livros didáticos,
documentos oficiais sobre educação ou ciência, artigos de opinião ou
livros sobre um determinado assunto que a/o interessa. Tampouco é
infrequente que o/a estudante saiba qual a perspectiva teórica dos
estudos de linguagem deseja usar em sua pesquisa, inclusive porque
isso costuma ser central na escolha de orientador/a.
Entretanto, um aspecto que costuma causar problemas para o/a pesqui-
sador/a em formação, pelo menos no campo dos estudos discursivos,
é como analisar esse objeto ou sujeito materializado em textos e “dado
primário” das Ciências Humanas (BAKHTIN, 2003c, p. 307), a partir
daquela perspectiva escolhida.
Em muitas perspectivas de análise discursiva, após uma primeira observação
dos enunciados que serão enfocados, pode ser um pouco mais simples
escolher uma categoria de entrada na materialidade linguístico-discursiva,
considerando que alguns dos autores criadores de perspectivas discur-
sivas produziram propostas de análise sistematizadas, como é o caso de
Maingueneau e Charaudeau. Conforme já foi dito neste capítulo, isso não
ocorre com a obra do Círculo, por diversos motivos também mencionados
anteriormente. Não é à toa, portanto, que algumas pesquisas com o Círculo
acabem recorrendo a conceitos criados ou sistematizados por outros autores.
Como resolver esse problema?
Em primeiro lugar, é preciso saber que pode ser necessário e interessante
recorrer a conceitos e noções discursivas de outros autores. Isso não
é um erro teórico-metodológico ou um sintoma de alguma deficiência
do/a pesquisador/a ou da teoria do Círculo. É preciso haver coerência
teórica nessa escolha, para que não ocorra um choque de perspectivas
que comprometa o trabalho, como seria a seleção de algum conceito
oriundo de teorias linguísticas criticadas nas obras dos autores russos.

48
É também interessante, ao redigir o trabalho, explicar ao leitor o motivo
dessa articulação teórica, justificando-a. Ressalte-se que o foco aqui é
o uso de conceitos ou de noções teóricas do campo do discurso para fins
de análise da materialidade, pois a incorporação de debates diversos,
incluindo de outras áreas do conhecimento, em especial, das Humani-
dades, é sempre bem-vinda e enriquecedora do trabalho.
Em segundo lugar, caso o/a pesquisador/a opte por manter na análise da
materialidade apenas as noções e os conceitos do Círculo, uma alternativa
é apreciar com cuidado os textos, iniciando pelos elementos do(s) gênero(s)
discursivo(s) em questão e pelas relações dialógicas que possam ser per-
cebidas, sejam explícitas ou não, além de verificar qual a natureza dessas
relações. Ou seja, analisar se o diálogo é com enunciados anteriores ou
subsequentes, próprios ou alheios, e se tem como papel embasar o dito,
polemizar com ele, pressupor informações já conhecidas pelo interlocutor,
demarcar coexistência, fricção, colisão, confrontação, adesão etc.
Uma análise a partir disso já pode ser suficiente para uma dissertação
e até mesmo para uma tese; entretanto, muitas vezes outros aspectos
presentes nos textos chamam a atenção do/a pesquisador/a. Por exemplo,
algum aspecto específico relacionado à responsividade, ao endereçamento,
à ideologia, ao excedente de visão – conceitos abordados neste capítulo
– ou outros que como expressividade/valoração, memória, discurso alheio
etc. Em alguns casos, pode ser necessário ler artigos e verbetes sobre
o conceito escolhido, de diferentes autores, para conseguir localizar em
quais textos do Círculo a questão é abordada. Além disso, ler teses e
dissertações elaboradas a partir dos princípios dos pensadores russos
que enfoquem o conceito ou noção de interesse é muito importante.
Não esqueça: pautar-se na obra do Círculo de Bakhtin, Volóchinov e
Medviédev é muito mais do que “aplicar” categorias na análise de um
texto. É uma postura teórico-metodológica que entende os Estudos
de Linguagem como uma visada sociológica, que percebe o verbal e
o extraverbal como um todo inseparável. Não é apenas uma análise
linguística: é uma Sociologia do Discurso.

49
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54
CAPÍTULO 2

Linguística Textual: questões


para pesquisa e ensino
Fabio André Cardoso Coelho

“É preciso pensar a linguagem humana como lugar de


interação, de constituição das identidades, de repre-
sentação de papéis, de negociação de sentidos”
(Koch, 2001, p. 110)

Introdução ao campo e seu desenvolvimento


A Linguística Textual constitui-se como uma ciência da
linguagem dedicada especialmente aos estudos sobre o texto.
Essa área do conhecimento linguístico leva em consideração
a união e a inter-relação de aspectos textuais linguísticos e
sociocognitivos, observando de que maneira se dão os atos
de interação entre os sujeitos. É uma ciência que explora os
sentidos do texto de maneira ampla, o que reforça sua relação
com o ensino de leitura e de produção textual na sala de aula de
Língua Portuguesa. Segundo Koch (2003), de forma alguma, a
Linguística Textual descarta os constituintes gramaticais. Pelo
contrário, estes funcionam como elementos selecionados pelos
usuários, e, por meio deles, os sujeitos revelam suas intenções e
seus conhecimentos armazenados.
Uma das preocupações da disciplina é analisar que fatores de
linguagem interferem no processo de construção da textualidade.
Para entendermos tal processo, traremos algumas concepções de
texto. Para Koch (2000, p. 18), o texto se apresenta como
conceito central da Linguística Textual e da Teoria do
Texto, abrangendo tanto textos orais quanto escritos que
tenham como extensão mínima dois signos lingüísticos,
um dos quais, porém, pode ser suprido pela situação, no
caso de textos de uma só palavra, como “Socorro!”.
Além disso, aponta-nos a indeterminação quanto aos seus
limites. Na conceituação de Marcuschi (2008, p. 72),“o texto pode
ser tido como um tecido estruturado, uma entidade significativa,
uma entidade de comunicação e um artefato sócio-histórico”.
Em outras palavras, temos o texto como uma (re)construção do
mundo, das coisas que nele existem, sob a perspectiva dos sujeitos
sociais. Assim como Koch (2000), Marcuschi (2008, p. 72) nos
chama a atenção para os textos orais e escritos, pois “oralidade e
escrita são duas modalidades discursivas, igualmente relevantes
e fundamentais”. Registramos aqui nosso olhar atento para a
oralidade. Também para Bentes (2012, p. 257), no tocante à tex-
tualidade, importam as relações entre texto e coerência, pois a
partir delas temos a percepção de que “o(s) sentido(s) do texto não
está/estão no texto em si, mas depende(m) de fatores de diversas
ordens: linguísticos, cognitivos, socioculturais, interacionais”,
dando-nos a formação dos
critérios de textualidade. Sobre coesão
Em Beaugrande e Dressler
“O conceito de coesão textual diz
(1981), temos os sete critérios:
respeito a todos os processos de
coesão, coerência, situacionali-
sequencialização que asseguram
dade, aceitabilidade, intencio-
(ou tornam recuperável) uma ligação
nalidade, informatividade e
linguística significativa entre os ele-
intertextualidade. (Pontuamos
mentos que ocorrem na superfície
que, aqui, não nos debruçare-
textual” (KOCH, 2002, p. 18).
mos ao estudo de cada critério,

56
mas destacamos a relevância de todos eles, em especial da coesão e
da coerência). Beaugrande (1997, p. 20) enfatiza “que eles designam
as mais importantes formas de conectividade e não (como alguns
estudos assumem) os fatores lingüísticos do texto-artefato, nem as
fronteiras entre ‘textos e não-textos’”. Do ponto de vista da pesquisa e
do ensino, eles se apresentam separadamente, mas é preciso destacar,
segundo Marcuschi (2008), que há relações de dependência entre
eles e que, em variadas situações textuais, percebemos interseções
e sobreposições. No caminho dessa interdependência dos fatores
textuais, temos em mente o conjunto de propriedades linguísticas
e extralinguísticas, que se inter-relacionam e se interdependem,
evidenciando o fato de que cada uma se submete aos parâmetros
de aplicação das outras (ANTUNES, 2009).
É preciso ressaltar que, quanto ao desenvolvimento da Lin-
guística Textual, outros estudos, como multimodalidade, hiper-
texto, referenciação, progressão referencial, correferencialidade,
categorização, inferenciação, conhecimentos (enciclopédico/de
mundo, de textos, linguístico e interacional), anáfora, critérios
de textualidade, topicalização etc., comprovam a importância
da área para os estudos linguísticos.

Curiosidades
A construção dos textos, atividade inerentemente humana, possibilita
à Linguística Textual estabelecer interfaces de pressupostos teóricos
com muitos campos da ciência, como a Psicologia, a Ciência da Com-
putação, a Filosofia, a Antropologia, a Sociologia e a Teoria da Evolução,
por exemplo. Segundo Koch (2003), a disciplina tem a possibilidade
de dispor de conceitos e parâmetros dessas áreas, assim como elas
podem se utilizar de seus pressupostos teóricos. Desse modo, temos a
sua integração não só com a Ciência da Linguagem, mas com campos
do conhecimento que tratam do ser humano.

57
A argumentação é um exemplo desse “intercâmbio teórico” entre as
áreas de conhecimento, caracterizando-se como um conceito ampla-
mente discutido na Filosofia e na Retórica e também como objeto de
estudos e pesquisas na Linguística Textual. Podemos entender que,
“se sempre somos levados por interesses no plano da interação e esta-
mos constantemente produzindo sentidos, então, a argumentação é um
traço constitutivo do nosso dizer” (ELIAS; COELHO; CAPISTRANO JR.,
2020, p. 89). Para Fiorin (2018, p. 9), “Todo discurso tem uma dimensão
argumentativa. Alguns se apresentam como explicitamente argumenta-
tivos (por exemplo, o discurso político, o discurso publicitário), enquanto
outros não se apresentam como tal (por exemplo, o discurso didático...)”.
O dialogismo se faz presente, reitera a intenção do enunciador em ser
aceito, de suas opiniões serem acatadas e o desejo pela receptividade do
enunciatário. Na produção dos discursos, apresentam-se as concordân-
cias e as discordâncias entre os interlocutores. Entendemos, como Fiorin
(2018), que os discursos representam espaços de força entre as vozes
sociais, consequentemente lugares de contradição, de discordâncias e
de refutações. Nesse sentido, temos a argumentação e a fundamentação
retórica, ou seja, a elucidação de uma tese e sua contestação.
Além disso, é possível estudar as relações entre a Linguística Textual e as
demais disciplinas da Linguística, observando as prováveis associações
entre elas, na tentativa de descrever e analisar materiais linguísticos
comuns. Dentre elas, podemos destacar a Sociolinguística, a Pragmática,
a Sintaxe, a Morfologia, a Fonologia, a Semiótica e tantas outras que
possibilitem as interfaces linguísticas.

Conceitos-chave e linhas teóricas


Diante de tantos conceitos que perfazem a Linguística Tex-
tual, em toda sua historiografia, propomos aqui apontar algumas
concepções e refletir sobre algumas de suas particularidades no
universo linguístico-textual, destacando pontos relevantes de cada
conteúdo. É importante salientar que concebemos essa escolha a

58
partir de nossas experiências acadêmicas e ligadas ao ensino de
língua portuguesa, na tentativa de elucidar e achegar tais conceitos.
Partimos da definição de Beaugrande (1997, p. 10): “É essencial
tomar o texto como um evento comunicativo no qual convergem
ações linguísticas, cognitivas e sociais” para reafirmarmos que
o texto não se constitui como um emaranhado de palavras, ex-
pressões e frases soltas, mas se realiza e se materializa como um
evento. Marcuschi nos aponta uma série de associações possíveis a
essa tomada de posição de Beaugrande. Primeiramente, “O texto
é visto como um sistema de conexões entre vários elementos, tais
como: sons, palavras, enunciados, significações, participantes,
contextos, ações etc.” (MARCUSCHI, 2008, p. 80). Entendemos,
então, que esse sistema nos possibilitará estabelecer sentidos,
ou seja, a partir das conexões entre as partes do texto, temos o
entendimento do propósito comunicativo. Cada elemento desse
sistema permitirá ao leitor captar os significados pretendidos
pelo autor. Em seguida, temos outra possibilidade de associação:
O texto é construído numa orientação de multissistemas,
ou seja, envolve tanto aspectos linguísticos como não-lin-
guísticos no seu processamento (imagem, música) e o texto
se torna em geral multimodal (MARCUSCHI, 2008, p. 80).
Destacamos a atenção dada aos componentes não linguísti-
cos, sua relevância na composição textual e o papel que assumem
colaborando e interferindo na compreensão. Ainda para Marcuschi
(2008, p. 80), “O texto é um evento interativo e não se dá como um
artefato monológico e solitário, sendo sempre um processo e uma
coprodução (coautorias em vários níveis)”. Ressaltamos a ideia de
texto como processo, como algo que não tem limites, inacabado,
assim como o papel dos leitores (coautores) na interação com o texto
e na tarefa de contribuir com seus conhecimentos e suas inferências.
Dizer que linguagem é interação, como já disseram vários
estudiosos da Linguística Textual e de outras áreas, pode parecer
lugar-comum, mas é preciso ratificar e entender o quanto essa
afirmação carece de um redimensionamento à medida que os
estudos linguísticos avançam. Por fim,

59
O texto compõe-se de elementos multifuncionais sob
vários aspectos, tais como: um som, uma palavra, uma
significação, uma instrução etc. e deve ser processado com
esta multifuncionalidade (MARCUSCHI, 2008, p. 80).
Daí a ideia de nos adaptarmos a qualquer situação comuni-
cativa, mesmo nunca a tendo vivenciado. Como isso é possível?
Isso só acontece porque a língua é
um sistema de partilha de conheci- Sobre textualidade
mentos pessoais, subjetivos, que se
“A textualidade é não só a
integram ao mundo e à sociedade.
qualidade essencial a todos
Nossa tarefa é entender como se
os textos, mas é também uma
dá o funcionamento da linguagem
realização humana sempre que
e os sentidos produzidos por ela,
um texto é ‘textualizado’, isto
por meio da fala ou da escrita, nos
é, sempre que um ‘artefato’
processos de interações sociais.
de marcas sonoras e escritas
Todas essas proposições apontadas
é produzido ou que recebe o
por Marcuschi (2008) nos reme-
nome de texto” (BEAUGRAN-
tem à noção de textualidade, um
DE, 1997, p. 18).
dos objetos centrais de estudo da
Linguística Textual.
Outro conceito bastante Sobre coerência
explorado na área é a coerência. “Este princípio trata as palavras
Vários professores e pesquisa- e os números como os meios
dores renomados apresentaram para o fim de constituirem-se
suas reflexões e diretrizes para significados e não um fim ne-
o entendimento desse critério de les mesmos, ou seja, produzir
textualidade, e, ainda hoje, temos esteticamente um design visual
inúmeras pesquisas debruçadas em cada folha de papel” (BEAU-
na investigação desse fenômeno GRANDE, 1997, p. 19).
linguístico. Para Beaugrande (1997,
p. 19), “aplicamos o princípio da coerência ao conectar os signifi-
cados”. Entendemos, por meio do texto do autor, que precisamos
das palavras, dos números, das imagens ou, em alguns casos, da
ausência deles para que os sentidos sejam, por fim, produzidos.
Em consonância à ideia de Beaugrande (1997), Koch (2004, p. 40)

60
afirma que “a coerência diz respeito ao modo como os elemen-
tos subjacentes à superfície textual entram numa configuração
veiculadora de sentidos” e apenas corrobora a importância dos
componentes linguísticos presentes na materialidade textual para
o estabelecimento da coerência.
Para Koch e Elias (2006, p. 186), “a coerência não se en-
contra no texto, mas se constrói a partir dele, em dada situação
comunicativa, com base em uma série de fatores de ordem se-
mântica, cognitiva, pragmática e interacional”. Nesse sentido,
entendemos a complexidade que se apresenta para que a coerência
seja, de fato, estabelecida na compreensão textual. Ressaltamos
o princípio de interpretabilidade, de Charolles (1983), acerca
do fenômeno: um texto é coerente desde que os interlocutores
consigam produzir um sentido,
ou seja, sempre que se faz necessário realizar algum cál-
culo do sentido, com apelo a elementos contextuais – em
particular os de ordem sociocognitiva e interacional –,
já estamos entrando no domínio da coerência (KOCH;
ELIAS, 2006, p. 189).
Além disso, a interpretabilidade está associada “à inteligi-
bilidade do texto numa situação de comunicação e à capacidade
que o receptor tem para calcular o sentido do texto” (KOCH;
TRAVAGLIA, 2018, p. 21).
Em Marcuschi (2007), encontramos a afirmação de que a
coerência é resultante do processamento cognitivo elevadamente
complexo e concebido num processo participativo. Para o autor,
a coerência se caracteriza por sua dinamicidade e está localizada
mais na mente do que no próprio texto. Além disso, pelas suas
palavras, entendemos que, para a coerência, é mais relevante a
construção dos sentidos que os usuários propõem ou que podem
vir a realizar do que o sentido que o texto carrega em si ou propõe.
No tocante à relação entre coerência textual e ensino de
língua portuguesa, é importante registrarmos algumas conside-
rações sobre as práticas de análise em sala de aula, que precisam
ser (re)avaliadas com o intuito de sempre atualizar o trabalho

61
do professor. Assim, como Koch e Travaglia (2018, p. 101),
acreditamos que a “metodologia é, sobretudo, uma questão de
postura, ideologia, metas, objetivos e fundamentos e não apenas
técnicas de ensino”. Pensar assim é se envolver nas situações de
aprendizagem linguística, é ter uma concepção de linguagem
estruturada, reflexiva e interativa, é entender que o conhecimento
sempre andará de mãos dadas com a metodologia.
Dentre os fatores de coerência, destacamos a continuidade
de sentido construída a partir de conhecimentos ativados por
expressões linguísticas do texto. Tais elementos linguísticos são
responsáveis por fornecerem pistas para que os conhecimentos
armazenados sejam ativados, além de possibilitarem as inferên-
cias, colaborarem para o entendimento da argumentatividade
do texto, entre outras expectações. O conhecimento de mundo
é potencialmente decisivo para a produção da coerência, uma
vez que as coisas só fazem sentido à medida que as conhecemos,
tomamos ciência, enfim, mantemos alguma informação sobre o
que está sendo exposto, veiculado, comunicado. Tal conhecimento
de mundo é resultado de nossas experiências, vivências, e se en-
contra armazenado em nossa memória, em blocos denominados
modelos cognitivos. São eles: os frames, os esquemas, os planos,
os scripts e as superestruturas ou esquemas textuais.
O conhecimento compartilhado se configura como aquele
que está armazenado na memória de cada interlocutores, e, quanto
maior for o conhecimento comum entre os intrelocutores, menor
será o esforço compreensivo dos dois, restando pouco espaço
para as inferências. Estas participam do processo de coerência,
ao relacionarem, de forma não explícita, dois elementos num
texto que se pretende compreender e interpretar. É possível que
tal ação também aconteça entre partes do texto. Na verdade, a
maioria do que lemos não está explícito no texto, exigindo-nos
uma cadeia de inferências. Koch e Travaglia (2018, p. 79) afirmam
que “todo texto assemelha-se a um iceberg – o que fica à tona,
isto é, o que é explicitado no texto, é apenas uma pequena parte
daquilo que fica submerso, ou seja, implicitado”.

62
Para Antunes (2017, p. 75), “A coerência não depende apenas
da materialidade do texto”. Nesse sentido, para a coerência, é
preciso que haja uma rede colaborativa entre os interlocutores,
num dado contexto, de um evento sociocomunicativo. Para isso,
é preciso que eles se utilizem de seus conhecimentos de mundo e
que haja um contexto decisivo para a constituição da coerência.
Vale ressaltar que contexto também é um conceito relevante
para a Linguística Textual e que devemos estar atentos ao que ele
postula e prescreve. Além dessas questões, para que a coerência
aconteça, é preciso que, no conjunto do texto, não haja qualquer
expressão que acarrete partes dissonantes, contraditórias neste.

Abordagens e métodos
Pensar em que tipo de abordagens utilizar no trabalho com
a Linguística Textual nos faz pensar em que medida as análises
a serem feitas poderão contribuir para o trabalho do professor
de Língua Portuguesa. A adoção de uma abordagem, de um
tratamento que se dá a determinado tema, a um corpus, interfere
essencialmente na condução do pensamento, nas observações
apontadas, nas descrições feitas e no como organizar os conteúdos
da pesquisa para o ensino.
Em Linguística Textual, leva-se em consideração o aprofun-
damento teórico da ciência linguística e dos conceitos pertinentes
à área, mas não se pretende apenas um domínio de um conheci-
mento metalinguístico (KOCH; TRAVAGLIA, 2018). A questão
vai além: uma das preocupações dos estudos linguístico-textuais
se concentra na justa associação entre a teoria e a prática. Para a
Linguística Textual, é essencial esse intercâmbio metodológico
que, de certa forma, colabora na orientação dos roteiros de aulas
de leitura e de escrita, por exemplo.
Não devemos pensar num ensino de língua limitador, em
que se privilegie apenas a gramática isolada do texto ou apenas
a leitura desvinculada da análise linguística. Primeiramente,
é necessário que as áreas (leitura, escrita, escuta, gramática,

63
oralidade e vocabulário) estejam integradas para que a adoção
de uma perspectiva textual-interativa se concretize. É por meio
dos textos que todas essas áreas podem ser trabalhadas, eviden-
ciando o funcionamento da língua no processo de interação co-
municativa. Koch e Travaglia (2018, p. 102) acrescentam que esse
procedimento “libertaria o professor da tradição metodológica
em que ele se deixa aprisionar pelo ensino de gramática como
um fim em si mesmo”, possibilitando a evolução da capacidade
interativa do aluno. Assim, ele pode conhecer as variedades de
língua existentes, “inclusive a norma chamada de culta que, pelas
regras de nossa sociedade e cultura, considera-se a adequada em
determinadas situações” (KOCH; TRAVAGLIA, 2018, p. 103).
Essa passagem nos remete a outra de Koch e Travaglia
(2018, p. 174), em que tratam do deslocamento do foco no ensino
de gramática para o ensino de texto e alertam sobre o cuidado
requerido na compreensão desse procedimento metodológico:
“1) Não quer dizer que a gramática seja inútil e não deva ser
ensinada, mas, sim, que é possível ensinar a gramática dentro
de práticas concretas de linguagem”. Entendemos, assim, a ne-
cessidade de levar em consideração a funcionalidade dos estudos
gramaticais, a perspectiva de uma língua em uso, a abordagem
cotidiana dos usuários da língua. Além disso, “Também não
significa fazer do texto um simples pretexto para ensinar a gra-
mática” (KOCH; TRAVAGLIA, 2018, p. 174). Em outras palavras,
deslocar as atividades linguísticas das frases soltas para o texto
não significa resultado positivo do aprendizado da língua. Mais
do que apresentar um texto, compreendemos que a utilização
dele requer um sentido próprio, cabível para cada situação de
aprendizagem linguística. Também “Nem significa que se deva
inculcar, na mente dos alunos, complicados conceitos linguísticos
recém aprendidos na Universidade” (KOCH; TRAVAGLIA, 2018,
p. 174). No caso, é entender que eles se ressignificam em nossas
práticas pedagógicas, modificam diante dos objetos de estudos e
de pesquisas e auxiliam nos percursos metodológicos acadêmico
e didático. Por fim, “Significa, sim, levar o aluno a uma reflexão

64
sobre como se produzem sentidos na interação por meio da língua,
ou seja, por intermédio de textos” (KOCH; TRAVAGLIA, 2018,
p. 174). Para a Linguística Textual, cabe ao professor estimular
o aluno a reconhecer os sentidos do texto, por meio da ativação
dos conhecimentos e das estratégias cognitivas do aprendiz,
objetivando a interpretação e a compreensão textual.
Uma pergunta que precisa ser feita no trabalho baseado
em Linguística Textual é: que lugar o texto ocupa em minhas
análises teóricas e práticas? Para Koch (2014, p. 173), devemos
pensar o texto como lugar de constituição e de interação
de sujeitos sociais, como um evento, portanto, em que,
conforme Beaugrande (1981), convergem ações linguísticas,
cognitivas e sociais.
Em tais ações, concebemos os objetos de discurso e as orien-
tações de sentidos, de forma interativa, e nelas os interlocutores
cumprem seus papéis de coenunciadores e organizadores textuais
de uma língua que está à sua disposição.
Na adesão a uma concepção sociointeracional, em que texto,
sujeito e língua estão imbricados, passamos a entender que a
compreensão se torna uma atividade de interação, multifacetada,
produtora de sentidos e que se dá por meio dos instrumentos
linguísticos presentes no material textual e pela sua organização.
Nesse sentido, descartamos o entendimento dessa atividade apenas
como “captação” de uma imagem ou conceito. Isso é limitador.
O que se deve esperar é que tal atividade de interação movimente
os conhecimentos de mundo dos sujeitos e que tais saberes sejam
reconfigurados e ressignificados nos atos de comunicação.
Outra questão importante, quanto ao texto e ao contexto,
é apontada por Koch e Travaglia (2018, p. 177):
As abordagens sociocognitivas do processamento tex-
tual vêm postulando que o contexto físico não afeta a
linguagem diretamente, mas sempre por intermédio dos
conhecimentos (enciclopédia, memória discursiva) do
falante e do ouvinte.

65
A partir dessa assertiva, chama-nos a atenção o contexto
cognitivo dos interlocutores representado pelas inúmeras infe-
rências, pressupostos, hipóteses que são movidas para o processo
de interpretação dos enunciados.
Com relação às linhas teóricas, optamos por oferecer uma
listagem com algumas delas e alguns de seus pesquisadores:
1. Cognição, processamento textual (produção, compreensão,
formas de representação do conhecimento na memória),
estratégias sociocognitivas e interacionais: Heinemann
e Viehweger, Weinrich, Koch, Nussbaumer, Adam, Van
Dijk, Marcuschi, entre outros.
2. Referenciação: Apothéloz, Kleiber, Charolles, Berren-
donner, Reichler-Béguelin, Chanêt, Mondada, D. Dubois,
Marcuschi, Koch, Conte, Cavalcante, entre outros.
3. Texto falado: Koch, Oesterreicher, Castilho, Pretti, Fávero,
Andrade, Aquino, entre outros.
4. Gêneros: Bakhtin, Swales, Bathia, Miller, Freedman, Coe,
Bazerman, Schnewly, Dolz Bronckart, Marcuschi, Koch,
entre outros.
5. Textualidade: Beaugrande, Dressler, Halliday, Hasan,
Charolles, Koch, Elias, Marcuschi, Antunes, Bentes,
Fávero, entre outros.
6. Contexto: Dascal, Van Dijk, Kleiber.
7. Hipertexto: Lévy, Fairclough, Danet, Herring, Crystal,
Nishimura, Paulfreyman, Khalil, Recuero, Xavier,
Joachim, Holanda, Lemos, Barton, Lee, Primo, Elias,
Capistrano Jr.
8. Multimodalidade: Kress, Van Leeuwen, Ribeiro, Coscarelli,
Marcuschi, Araújo, Biasi-Rodrigues, Linden, Santaella,
Hobbs, Giroux, entre outros.
9. Análise linguística: Fávero, Werneck.
10. Topicalização: Elias, Capistrano Jr., Galembeck, Jubran.
11. Argumentação: Perelman, Olbrechts-Tyteca, Amossy,
Vignaux, Fiorin, Koch, Meyer, Elias, Cavalcante, Marquesi,
Cabral, Faria.

66
Como fazer pesquisa em Linguística Textual?
Com o objetivo de mostrar como se faz, apresentaremos algumas re-
flexões acerca de assuntos possíveis de serem pesquisados e estudados
em Linguística Textual. Partimos de temas bastante conhecidos na
esfera acadêmica: a produção textual e o ensino de gêneros. Acredita-
mos numa perspectiva linguística que não considera o texto como um
produto acabado, esgotado na sua materialidade linguística, mas como
o texto que é construído, reconstruído, modelado e remodelado, fruto
da interpretação daquilo que se fala e se faz; é o que circula, passando
de um interlocutor para outro, com finalidades e que não serve apenas
para ser uma tarefa de escrita. Nesse intento, o que deve ser feito para
que as produções textuais passem a ter sentido na escola? O que e como
devemos pesquisar para que possamos colaborar com nossos estudos
acadêmicos? Um dos pontos de
partida pode ser assinalar a im- Sobre gêneros
portância do desenvolvimento “O enunciado reflete as condições
da competência comunicativa específicas e as finalidades de
dos alunos, em função de com- cada uma dessas esferas, não
petências sociais mais abran- só por seu conteúdo (temático)
gentes, com base num ensino e por seu estilo verbal, ou seja,
de português produtivo, ou seja, pela seleção operada nos recursos
aquele que tem por base a língua da língua — recursos lexicais,
que circula nos variados supor- fraseológicos e gramaticais —,
tes e gêneros (ANTUNES, 2009). mas também, e sobretudo, por sua
Ao pensarmos em como tornar construção composicional. Estes
viável essa proposta de pesquisa, três elementos (conteúdo temático,
imaginamos que os gêneros tex- estilo e construção composicional)
fundem-se indissoluvelmente no
tuais nos possibilitam caminhos
todo do enunciado, e todos eles
exploratórios bastante significa-
são marcados pela especificidade
tivos. Algumas alternativas nos
de uma esfera de comunicação”
servem como faróis norteadores
(BAKHTIN, 1997, p. 279).
para investigações produtivas.

67
Segundo Antunes (2009, p. 39), devemos “identificar a intenção global
subjacente a cada texto e os objetivos particulares de cada parágrafo”,
ou seja, entender que todo texto tem uma intenção e que suas partes
– no caso, os parágrafos – são responsáveis por validar essa intencio-
nalidade. Daí a importância de perceber como eles são construídos, que
instrumentos linguísticos estão na constituição de cada parte. Precisamos
observar como se dão os diálogos entre os textos que se apresentam e
os que já existem. Além disso, temos de mostrar que todo texto tem um
destinatário e que ele está inscrito num evento comunicativo, atestando
de que maneira o texto se torna aceitável pelos interlocutores e como
o autor consegue, por parte do leitor, o entendimento das informações
do texto. Também destacamos a possibilidade de averiguar de que ma-
neira os segmentos do texto estão ordenados, numa cadeia sequencial
esquemática e produtora de sentidos. Podemos examinar como os
textos se apresentam, respeitando as convenções de cada gênero. Por
fim, é possível investigar como são regulados os aspectos gramaticais
e lexicais constituintes de cada texto, de cada gênero e de que forma
se dá a circulação deles.
Diante desses caminhos investigativos, temos a possibilidade de rea-
lizar pesquisas sobre os critérios de textualidade: a intencionalidade,
a intertextualidade, a situacionalidade, a aceitabilidade, a coerência, a
coesão e a informatividade. Estamos diante de pistas para pensarmos
como tais fatores acontecem em cada texto, em cada gênero. Diante
disso, devemos pensar à luz de que princípios faremos nossas análises,
estudos e pesquisas. Essencialmente, partimos do corpo de princípios
que regulam o tema, em especial, para a Linguística Textual, de duas
ordens: uma teórica e outra prática-aplicativa. Com relação à teórica,
preocupamo-nos em agrupar as definições que levam em consideração
o texto como fenômeno linguístico primário, primordial, observando
a sua realização no processo comunicativo. A partir daí, teremos os
desdobramentos necessários para o desenvolvimento de cada tema.

68
Quanto à parte prática-aplicativa, entendemos que ela resulta da teó-
rica e está intimamente relacionada à ideia de que o ensino de língua
deve objetivar a ampliação da competência comunicativa das pessoas
(ANTUNES, 2010). Nas pesquisas em Linguística Textual, é preciso ter
a premissa de que avaliamos tal competência à medida que os sujeitos
atuam em diferentes discursos, em diferentes práticas sociais com a
finalidade de alcançarem com esses discursos seus objetivos. Registramos
também a avaliação em termos linguísticos com relação à fala, à escuta,
à leitura e à escrita, uma vez que essa competência é, fundamentalmente,
discursiva. Esses elementos estarão sempre imbricados em qualquer
pesquisa em Linguística Textual.

Exemplos de pesquisa
Desde o seu surgimento, a Linguística Textual tem se con-
firmado como uma área em fluxo contínuo de desenvolvimento.
São inúmeras as pesquisas que comprovam a potencialidade
exploratória dos estudos sobre os fenômenos linguístico-textuais
e atestam que pesquisar sobre texto, textualidade, coerência,
hipertexto, multimodalidade, coesão, intertextualidade, gêneros
textuais e outros tantos temas afins mostra o quanto temos a
aprender para ensinar aos nossos alunos (do universo escolar
ao universo acadêmico).
Na Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem
da Universidade Federal Fluminense (UFF), algumas pesquisas
em Linguística Textual já foram realizadas, e temos nos dedicado
a expandir, cada vez mais, por meio das orientações de mestrado
e de doutorado, da criação do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Linguística Textual (Gepelt-UFF), do projeto de pesquisa “Os Fatores
de Textualidade na elaboração de materiais didáticos de Leitura
e Produção Textual para o ensino de Língua Portuguesa”, das
apresentações de palestras e da oferta de minicursos. Acreditamos
que, em breve, a Linguística Textual integrará o rol de disciplinas

69
oferecidas pelo Programa, colaborando para a expansão das pes-
quisas e estabelecendo o diálogo com outras áreas. Entendemos
que as pesquisas em linguagem se ocupam de estudar a língua
que se renova e que revela sempre novos fenômenos linguísticos.
Nesse sentido, a Linguística Textual se apresenta.
Com o intuito de trazer exemplos de pesquisas realizadas
em Linguística Textual, citaremos algumas desenvolvidas pelo
autor do texto. Há casos de parcerias, em alguns trabalhos, o que
foi significativo para a ampliação das perspectivas de análises.
Seguiremos uma apresentação cronológica, demonstrando as
possibilidades e a diversidade de pesquisas factíveis.
Em 2016, organizamos o livro Ensino de produção textual
(Contexto) com Roza Palomanes (UFRRJ), linguista e parceira de
muitos trabalhos. Nessa obra, apresentamos o capítulo “As pers-
pectivas dos PCN para o ensino reflexivo da língua e da produção
de textos” com o objetivo de reiterar “a ideia de que é possível
um ensino produtivo de língua portuguesa com perspectivas
funcionais que possam desenvolver a competência comunicativa
e textual da comunidade escolar” (COELHO, 2016, p. 120).
Em 2017, publicamos “As Orientações Curriculares do Ensino
Médio, as práticas de linguagem e a formação do professor”, no
livro Caminhos para a educação linguística (Pontes), organizado
por Eleone Ferraz de Assis (UEG). A primeira parte do capítulo se
dedica a fazer uma abordagem das Orientações Curriculares do
Ensino Médio (Ocem), esclarecendo que “As propostas pedagó-
gicas continuam no eixo da reflexão, acrescentadas as discussões,
compreensões e (re)significações dos referenciais na atividade
docente” (COELHO, 2017, p. 10). Não existe receita pronta. Já a
segunda parte se debruça a analisar as práticas de linguagem nas
dimensões gramatical, textual e discursiva realizadas pelo pro-
fessor da educação básica. A pesquisa se inclinou na perspectiva
do ensino médio, mas o texto, em sua quase totalidade, pode ser
direcionado também para outras etapas do ensino.
Nesse mesmo ano, outra proposta de pesquisa, “Ensino
produtivo da língua portuguesa – reflexões e propostas”, recebe

70
seu registro, no livro Língua portuguesa: teorias linguísticas e
práticas discursivas (Brasil Multicultural), organizado por Ale-
xandre Batista (CUGB), pela Ana Cristina dos Santos Malfacini
(Uerj) e Mayara Nicolau de Paula (CUGB). O capítulo apresenta
algumas reflexões sobre o desenvolvimento da competência
comunicativa dos alunos, a definição de gramática e de texto,
a leitura de textos literários e musicais nas aulas de língua
portuguesa, entre outras.
Em 2018, realizamos uma homenagem à professora Irandé
Antunes, um dos nomes mais importantes da Linguística Textual
e do ensino, no Brasil. Escrevemos o texto “Um recado ‘à moda
Irandé’ sobre o ensino da língua e da produção textual”. Sua
publicação está no livro Ensino de língua portuguesa: teorias e
práticas (Gramma), fruto do I Congresso Internacional de Ensino
de Língua Portuguesa (Conelp), realizado na Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (Uerj) em 2016. Tanto o livro quanto o
evento foram organizados pelo autor deste texto e por Jefferson
Evaristo do Nascimento Silva (Uerj). No capítulo em questão,
traçamos um breve apanhado de alguns registros da homena-
geada e apresentamos algumas reflexões sobre suas propostas
de ensino linguístico.
Em 2019, debruçamo-nos à escrita do projeto de pesquisa
“Os fatores de textualidade na elaboração de materiais didá-
ticos de Leitura e Produção Textual para o ensino de língua
portuguesa”. Nesse projeto, ainda em execução, propomos uma
análise linguístico-textual dos fatores de textualidade presentes
em materiais didáticos de leitura e produção textual (livros di-
dáticos e sites pedagógicos) aplicados no ensino fundamental e
médio. Além disso, pretendemos, a partir dessa análise, elaborar
atividades com textos norteadas pelos fatores e propriedades
vinculados à articulação entre os constituintes linguísticos e as
unidades semântica e pragmática. O objetivo do estudo é veri-
ficar de que modo tais fatores são apresentados e trabalhados
nos materiais didáticos e desenvolver atividades de natureza
textual-discursiva capazes de efetivar as ações de linguagem.

71
A pesquisa se fundamenta, sobretudo, na Linguística Textual
de base sociocognitiva e interacional.
Em 2020, no e-book Língua portuguesa e ensino: múltiplos
olhares (Bordô-Grená), organizado por Wallace Dantas (CEPMPB),
contribuímos com o capítulo “Práticas de leitura nas aulas de
Língua Portuguesa: um processo dinâmico de construção de
sentidos à luz da Linguística Textual”, em coautoria com Janine
Maria Rocha da Silva e Ivana Quintão de Andrade, duas douto-
ras egressas do nosso Programa de Pós-Graduação em Estudos
de Linguagem (UFF). Nossa pesquisa teve como foco registrar
algumas concepções de leitura e averiguar suas implicações pe-
dagógicas nas aulas de Língua Portuguesa. Para apresentarmos
tais concepções de leitura, utilizamos um quadro de Leffa (1996)
apontando algumas noções de leitura e suas respectivas correntes
teóricas. Adaptamos a coluna “Definição de ler” ajustando-a aos
objetivos do capítulo. Vejamos:

Quadro 1. Conceituações de leitura

Leitura Foco Definição de ler

Ler consiste em descobrir as intenções do autor do


texto, concebido como detentor de uma única voz. Nesse
Filológica Autor
sentido, o autor do texto é o centro do saber, e o leitor,
mero reprodutor das informações contidas no texto.

Ler é extrair sentido do texto. A leitura é mecanicista,


uma mera decodificação das palavras e das estruturas
presentes na superfície do texto. O texto só possui um
Estruturalista Texto
sentido (o dito) e cabe ao aluno apreender esse sentido
(ORLANDI, 2012, p. 49). Aqui, a direção do processo de
leitura se dá do texto para o leitor.

Ler é atribuir um sentido ao texto. Tem-se uma visão


oposta à anterior (estruturalista): o significado não está
Cognitivista Leitor contido no texto, ele é construído pelo leitor. Aqui, a
direção do processo de leitura se dá em uma direção
contrária: do leitor para o texto.

72
Leitura Foco Definição de ler

Ler é um processo discursivo no qual se inserem os


sujeitos produtores de sentido – o autor e o leitor –
sócio-historicamente determinados e ideologicamente
Discursiva Discurso constituídos. A leitura é produzida e se procura
determinar o processo e as condições de sua produção,
levando-se em consideração o sujeito, a história, a
cultura, a ideologia (ORLANDI, 2012 p. 49).

Ler é o encontro (dialógico) do leitor com o autor,


sujeitos sociais, mediados pelo texto, envolvidos
nesse processo dinâmico de construção de sentidos,
Autor-Texto- constituídos a partir das experiências/vivências do leitor
Interacionista
Leitor e das circunstâncias da leitura. A leitura é uma atividade
baseada na interação autor-texto-leitor e que permite
que ela se constitua como uma prática social para o
exercício pleno da cidadania.

Fonte: Adaptado de Leffa (1996).

Outra publicação com as mesmas coautoras citadas se intitula


“A multimodalidade na leitura dos gêneros digitais: o infográfico
digital como estratégia pedagógica”, presente no e-book Pesqui-
sas em Análise do Discurso, Multimodalidade & Ensino: debates
teóricos e metodológicos (Pedro & João Editores), organizado por
Francisco Jeimes de Oliveira Paiva (Seeb-CE) e por Ana Maria
Pereira Lima (Uece). O capítulo apresenta como proposta
pensar um percurso de leitura que pudesse contribuir para
o desenvolvimento da competência leitora dos alunos,
sobretudo, nas práticas pedagógicas com textos multimo-
dais, como o infográfico digital (COELHO; ANDRADE;
SILVA, 2020, p. 159).
A fim de ilustração e informação, mostraremos o infográfico
digital analisado e apontaremos algumas passagens do texto:

73
Figura 1. Novo coronavírus: você sabia?

Fonte: Facebook da Fiocruz (21 abr. 2020).1

Outro ponto de análise a ser destacado se refere à infor-


matividade. [...] No infográfico em questão, o leitor espera
que as informações tragam alguma novidade do óbvio
(COELHO; ANDRADE; SILVA, 2020, p. 159).
Por fim, na leitura dos textos multimodais, ou seja, dos
textos organizados por várias modalidades sígnicas que não
só a verbal, o leitor necessita aprender a reconhecer outras
unidades, além do léxico verbal (COELHO; ANDRADE;
SILVA, 2020, p. 159).

1
Disponível em: https://www.facebook.com/oficialfiocruz/photos/a.331292163595618/2
972564852801656/?type=3&theater. Acesso em: 31 mar. 2021.

74
Essas citações registram a informatividade e a multimodali-
dade como fenômenos linguístico-textuais presentes nas análises
e possíveis de serem descritos e examinados no infográfico digital
em questão. No capítulo, registramos outras possibilidades de
investigações linguísticas. Aqui, apontamos apenas algumas.
A revista Seda, da Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro (UFRRJ), dedica um de seus números de 2020 a uma
homenagem a dois grandes pesquisadores da Linguística Tex-
tual no Brasil: Ingedore Koch e Luiz Antônio Marcuschi. Nesse
volume, o autor deste texto e Beatriz Feres (UFF) apresentam
o artigo “Ingedore e Marcuschi na ‘virada textual’ das aulas de
língua portuguesa” e destacam algumas das contribuições desses
dois ícones para os estudos da Linguística Textual.
No livro Discurso e argumentação: tecendo os efeitos de sentido
(Pontes), organizado por Esther Gomes de Oliveira (UEL), Isabel
Cristina Cordeiro (UEL), Rosemeri Passos Baltazar Machado
(UEL) e Suzete Silva (UEL), publicamos, em coautoria com Van-
da Maria Elias (Unifesp) e Rivaldo Capistrano Júnior (Ufes), o
capítulo “Argumentação em produções hipertextuais: conexões e
sentidos”. Nesse texto, estabelecemos uma compreensão ampliada
da argumentação, propusemos uma abordagem teórico-metodo-
lógica do hipertexto e apresentamos caminhos possíveis para a
análise da argumentação em produções hipertextuais.

Temas atuais e novas direções


Ao pensarmos na atualidade e nos novos direcionamentos
dos estudos e das pesquisas em Linguística Textual, vêm-nos à
mente dois temas que merecem destaque: o hipertexto e a argu-
mentação. O primeiro apresenta características peculiares no seu
modo de produção de textos e de leitura, na relação entre fala e
escrita, no suporte, no surgimento de novos modos de comuni-
cação e na produtividade da conexão entre linguagens e mídias.
Importante ressaltar como a cultura digital nos coloca diante da

75
necessidade de novas formas de análise de textos, exigindo uma
série de novos procedimentos – no caso, analíticos.
Já o segundo, em tese, não se caracteriza por ser um tema
estudado apenas recentemente, mas o seu direcionamento, nos
tempos atuais, aponta para novas perspectivas de aplicações
teórico-práticas, principalmente quando observada em situa-
ções cotidianas e contextos pedagógicos. O que se constata, há
algum tempo, são outras abordagens sobre argumentação, em
que observamos o lugar de destaque para discussões em torno
do seu papel nas ações e situações comunicativas. Nesse sentido,
discorreremos sobre o tratamento dado aos temas, apresentando
possíveis e novas perspectivas, com o objetivo de tecer breves
considerações sobre cada um deles.
Quanto ao hipertexto, uma pergunta se tornou lugar-comum:
o hipertexto é um texto? Ao longo desta seção, tentaremos elucidar
essa pergunta e mostraremos algumas peculiaridades do tema
em questão. O termo “hipertexto”, criado na década de 1960 por
Theodor Holm Nelson, aparece, como diz Marcuschi (1999, p. 1),
para referir uma escritura eletrônica não-sequencial e
não-linear, que se bifurca e permite ao leitor o acesso a um
número praticamente ilimitado de outros textos a partir
de escolhas locais e sucessivas, em tempo real.
Sua estruturação textual permite que o leitor seja coautor
e participante da leitura final. Se, no texto escrito, os elementos
obedecem a uma possível linearização, no espaço da escrita
eletrônica, encontramos “um processo de escritura/leitura
eletrônica multilinearizado, multisequencial e indeterminado”
(MARCUSCHI, 1999, p. 1).
Uma questão interessante apontada por Perfetti (1996) diz
respeito ao modo como os leitores se apropriam dos textos e
organizam as informações acessadas, chamando a atenção para
a questão do processamento, da utilização feita com os dados e
como estes se agregam aos conhecimentos já existentes.

76
De uma forma geral, a Linguística Textual tende a se ocupar,
em questões do hipertexto, com o comportamento do leitor, que
passa a não ser apenas um texto singular, mas sim textos múltiplos
(KOCH, 2006). É preciso levar em conta as particularidades dessa
leitura, as estratégias utilizadas, a metodologia necessária para
a compreensão e a plurilinearidade da construção dos textos.
Se a Linguística Textual já propunha a ideia de que os textos
apresentam sentidos múltiplos, com o hipertexto, essa ideia se
realiza, pois cada leitura experiencia um sentido.
Retomemos os critérios de textualidade para tentarmos
responder à pergunta feita anteriormente e teremos uma possibi-
lidade de resposta. Se todo texto apresenta as mesmas condições
básicas de textualidade, teremos a informatividade, a intertex-
tualidade, a coerência, por exemplo, no hipertexto, servindo,
segundo Beaugrande (1997) como princípios de acesso. Todo
hipertexto é um texto.
No que tange à leitura e à escrita do hipertexto, destaca-
mos algumas considerações. Percebemos que a construção do
hipertexto é um trabalho conjunto de leitores e escritores, uma
vez que são várias as direções que eles podem seguir, na medida
em que demonstra ser uma espécie de trabalho colaborativo de
atividade textual. Para o hipertexto, a noção de coautoria é latente,
marcante, devido ao fluxo de informações que são veiculadas na
leitura/escritura do texto. Há uma liberdade do leitor em optar
pela ordem a seguir, decidindo o desfecho do texto, e tal desfecho
nem sempre coincide com a ideia final do autor.
Segundo Marcuschi (1999, p. 10), “A leitura do hipertexto
é como uma viagem por trilhas. Ela nos obriga a ligar nós para
formar redes de sentido”. São esses nós que produzem a coerência
hipertextual e que estabelecem a compreensão. Toda vez que um
leitor/navegador, também chamado de hiperleitor, embarca numa
rede de textos, por meio de suas escolhas, organiza e realiza as
associações que o levam a uma textualidade, a uma coerência
construída de forma pessoal.

77
Com relação à argumentação, acreditamos que é com a leitura
que o sujeito apreende os sentidos mais variados dos textos com
os quais convive, ao longo da vida. É lendo que se vive! Sobre o
processo de captação e ressignificação de sentidos dos objetos do
mundo, Koch (2006, p. 159) sinaliza a preparação que o aluno
deve ter “para ler o mundo: a princípio, o seu mundo, mas, daí
em diante, e paulatinamente, todos os mundos possíveis”. Nesse
processo de aquisição de leitura, é preciso destacar aquilo “que se
diz” e o “que se deixa por dizer”, ou seja, as informações podem
estar no próprio texto, mas é o leitor que processará a decodifi-
cação das mensagens, das ideias, daquilo que o texto apresentou
ou do que se percebeu nas entrelinhas. Assim é o texto: o dito e
o não dito se interrelacionam e constroem a argumentatividade
necessária para compreendermos o mundo. E mais, segundo
Koch (2006, p. 160), o trabalho com a interpretação do texto
deve sempre fundar-se na suposição de que o produtor
tem determinadas intenções e de que uma compreensão
adequada exige justamente a captação dessas intenções
por parte de quem lê: é preciso compreender-se o querer
dizer como um querer fazer.
Ao tentarmos realizar quaisquer interpretações dos textos, as
marcas linguísticas se apresentam como elementos fundamentais
para a apreensão dos significados. É o que Koch (2006) chama
de pistas oferecidas ao leitor para a compreensão adequada dos
elementos textuais. No caso da argumentação, algumas palavras
e expressões, por exemplo, podem nos encaminhar para o sentido
de leitura desejado.
Assim, o aluno, em seu percurso escolar, precisa estar su-
jeito à aprendizagem linguística e ser sujeito dos conhecimentos
textuais. Isso significa dizer que não basta aprender os tempos
verbais, os recursos coesivos, os operadores argumentativos, os
recursos estilísticos e toda a gama de conceitos gramaticais. É
preciso saber reconhecer o emprego de todos esses elementos
constituintes do texto e manuseá-los, tanto na leitura quanto na
escrita. Entendemos aqui o sujeito-leitor-escritor de textos como

78
agente da leitura e da escrita. No momento da compreensão/
construção do texto argumentativo, o aluno é mais que aluno;
ele é aquele que age sobre o outro, que “inter-age” por meio dos
recursos linguístico-textuais pertencentes à língua.
Retomando Meyer (2008), toda argumentação é uma tentativa
de influenciar o interlocutor, mas nem sempre essa intenção se
manifesta explicitamente no texto, seja porque nos deparamos
com situações em que não nos importa dizer tudo claramente,
seja porque não desejamos assumir a responsabilidade de ter dito;
portanto, isso tudo é possível por meio dos não ditos. Isto é, várias
são as formas que podem justificar o uso das formas implícitas: o
receio de magoar o interlocutor, o medo da rejeição, não querer
gerar uma discussão ou uma polêmica, não querer receber críticas
etc. Como bem observa Cabral (2017, p. 60), na busca para evitar
o embate, “procuramos formas de dizer que não exponham o
conteúdo defendido à contestação. Em situações dessa natureza,
podemos, ao ‘pôr’ alguma coisa, deixar algo implícito”.
Por vezes, dizemos algo, mas o que pretendemos é transpa-
recer um sentido diferente, na tentativa de modalizar e negar a
responsabilidade do que foi dito, até mesmo para não se tornar
passível de discussão e, consequentemente, motivo para possíveis
embates. Assim, criamos a defesa pelo não dito. É Ducrot (1977)
que nos oferece os termos implicação ou implicitação, para que
vejamos as formas dos implícitos e como eles se realizam no
plano da enunciação. Não pretendemos aqui adentrar nas es-
pecificidades desse fenômeno linguístico, e sim ressaltar a sua
característica argumentativa.
Por fim, destacamos que, no processo de recriação do texto,
tanto Koch (2006, p. 28), ao dizer que “um produto linguístico
necessita, sem dúvida, ser garantido por certas regras estrutu-
rais, mas vale, basicamente, pelo que significa, quando a frase se
atualiza em enunciado”, quanto Fiorin (2018, p. 15), afirmando
que “a argumentação é o estudo das orientações semânticas dos
enunciados e dos encadeamentos que as expressam”, recorrem
a Anscombre e Ducrot (1988, p. 5) para mostrar que “o sentido

79
de um enunciado comporta como parte integrante, constitutiva,
essa forma de influência que é denominada força argumentativa.
Significar, para um enunciado, é orientar”. Nesse sentido, a todo
instante, orientamos (argumentativamente) nossos interlocutores
para certas conclusões.

Sugestões de leitura e materiais


Várias obras de grande representatividade compõem o
acervo bibliográfico da Linguística Textual no Brasil e no mundo,
comprovando a importância dos estudos e das pesquisas linguís-
tico-textuais e suas aplicabilidades. Podemos dizer que, por um
lado, todo esse acervo está direcionado aos alunos e professores
dos cursos de graduação e pós-graduação das universidades,
fomentando leituras acadêmicas e, ao mesmo tempo, elucidando
conceitos tão pertinentes a nossa formação linguístico-acadêmica.
Por outro lado, esse mesmo patrimônio documental se dedica aos
professores de língua portuguesa, promovendo leituras reflexivas
sobre as nossas práticas linguísticas em sala de aula. Não se pode
pensar a Linguística Textual sem o ensino, sem pensar na sala
de aula, sem refletir sobre o contexto escolar, sem privilegiar o
texto dos alunos.
Sob essa premissa, indicaremos algumas sugestões de lei-
turas para que todos possam adquirir conhecimentos básicos e
necessários para o entendimento da Linguística Textual. Algumas
obras são mais gerais, tratando da historiografia e conceitos de
texto, e outras são mais específicas de determinados temas da
área. Metodologicamente, indicaremos as obras e apresentaremos
algumas informações sobre elas.

1. FÁVERO, Leonor Lopes; KOCH, Ingedore G. Villaça. Lin-


guística Textual: introdução. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2000.
Esta obra tem como objetivo apresentar ao leitor uma visão
panorâmica da Linguística Textual. O livro se apresenta
em três capítulos: “1. A Linguística Textual (Origem;

80
Causas do surgimento das gramáticas textuais; Momen-
tos; Conceituação e relevância das gramáticas textuais;
O conceito de texto; Texto e discurso)”; “2. Precursores da
Linguìstica Textual (Precursores lato sensu; Precursores
stricto sensu)”; “3. A Linguística Textual na Europa”.
Na busca pelo pleno entendimento do assunto, a obra
apresenta as traduções das citações em alemão, inglês,
italiano, espanhol e francês.
2. KOCH, Ingedore G. Villaça. Introdução à Linguística
Textual: trajetória e grandes temas. São Paulo: Martins
Fontes, 2004.
Neste livro, a autora se dedica a delimitar a trajetória
da Linguística Textual até a data de publicação da obra,
pontuando as transformações ocorridas em toda sua traje-
tória. Há a preocupação de apontar os principais temas de
estudos e de pesquisas da área, numa perspectiva presente,
mas com projeções futuras. Entre eles, os princípios de
construção textual do sentido, a referenciação, as formas
de articulação textual, as estratégias textual-discursivas
de construção do sentido, as marcas de articulação na
progressão textual, a intertextualidade, os gêneros do
discurso e o futuro da Linguística Textual.

3. KOCH, Ingedore Villaça. As tramas do texto. 2. ed. São


Paulo: Contexto, 2014.
Este livro tem como proposta falar a vários tipos de leitores,
desde os alunos que estão na graduação até os acadêmicos
mais graduados, alcançando, obviamente, os professores
de Língua Portuguesa. Chama-nos a atenção, ao longo das
leituras dos capítulos, a intensa preocupação que a autora
expressa em dizer de uma forma menos densa aquilo que por
natureza se apresenta com complexidade. Outra característica
da obra é a tomada de didatismo presente em cada parte
escrita, certamente, com todo esmero e carinho da autora.

81
4. KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos.
A coerência textual. 18. ed. São Paulo: Contexto, 2018.
O objetivo desta obra é apresentar com clareza as proprie-
dades constituintes dos sentidos do texto, descrevendo
os fatores de coerência e de contextualização, as relações
da coerência com o ensino, por exemplo, sempre com a
preocupação em detalhar a engenhosidade desta. É im-
portante destacar o cuidado de Koch e Travaglia em
selecionar variados textos para que possamos analisar e
compreender cada caso da coerência textual.

5. KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler


e compreender: os sentidos do texto. 2. ed. São Paulo:
Contexto, 2006.
A proposta deste livro centra-se numa sistematização
entre teorias do texto e leitura e as práticas dos professo-
res, com foco em professores do ensino fundamental e
médio. Talvez o que nos chame mais atenção nesse livro
seja a linguagem simples sem perder a essência teórica de
cada conceito apresentado e a riqueza de textos e gêneros
com os quais as autoras vão apresentando suas análises e
considerações. Destacamos algumas partes, como “Leitura,
texto e sentido”, “Leitura, sistemas de conhecimento e
processamento textual”, “Texto e contexto”, entre outras
que demarcam assuntos importantes na formação do
professor de Língua Portuguesa.

6. KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e


escrever: estratégias de produção textual. 2. ed. São Paulo:
Contexto, 2011.
Nessa obra, as autoras se debruçam em evidenciar de
que maneira a atividade de produção textual pode ser
desenvolvida em sala de aula, apontando não só conceitos
e análises, mas caminhos para uma prática produtiva de

82
textos. É também uma publicação voltada para os profes-
sores do ensino fundamental e médio e a todos aqueles
que se interessam por questões de produção textual e
ensino. Além disso, todos os capítulos são apresentados
com a palavra “escrita” nos títulos, o que demonstra o
compromisso de Koch e Elias com o tema central do livro.

7. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise


de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008.
Há de se ressaltar o trabalho desse autor que se dedicou,
por muitos anos, às questões de língua, gênero, com-
preensão e sentido, texto, tudo associado à perspectiva
sociointeracionista da língua. Sua obra se divide em três
partes, assim definidas: “1. Produção textual/linguística
textual de fundamentação cognitiva”; “2. Análise socioin-
terativa de gêneros textuais/continuum fala-escrita”; “3.
Compreensão textual/produção de sentidos”. Nesse livro,
percebemos, particularmente, a preocupação do autor em
delinear a trajetória da Linguística no século XX, discutir
os processos de produção textual, investigar a inserção
dos gêneros textuais no ensino de língua e examinar os
processos de compreensão. Há também uma atenção
especial para os Parâmetros Curriculares Nacionais e
sua relação com os componentes linguísticos e textuais.
De fato, é uma publicação que se caracteriza por ser um
dos marcos da Linguística Textual no Brasil.

8. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Linguística de texto: o que


é e como se faz? São Paulo: Parábola, 2012.
Na tentativa de trazer à luz a revisitação de alguns conceitos,
de expor novas ideias e de atualizar as que mereciam um
novo olhar, nessa obra, Marcuschi expõe algumas defini-
ções de texto, propõe uma definição geral provisória de
Linguística de Texto e analisa algumas categorias textuais
e sua aplicabilidade. Para esse trabalho, o autor seleciona

83
inúmeros textos para poder exemplificar e registrar suas
ponderações. Com toda certeza, é uma leitura necessária
para todos os interessados em Linguística Textual.

9. ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontro & in-


teração. São Paulo: Parábola, 2003.
Esse livro apresenta peculiaridades especulativas que só a
autora poderia nos oferecer. Repensar a aula de Português
é uma atividade proposta por Irandé, a todo instante, em
cada página, refletindo sobre a prática de leitura, escrita
e gramática, propondo transformações e motivando-nos
a pensar no novo, no diferente, no não usual. Com base
numa proposta interacional da linguagem, novas análises
vão surgindo e estimulando-nos a pensar no que podemos
fazer diferente, e melhor, no ensino de língua.

10. ANTUNES, Irandé. Língua, texto e ensino: outra escola


possível. São Paulo: Parábola, 2009.
A palavra de ordem do livro pode vir a ser “mudança”.
É o que nos sugere a autora, ao dizer que dois mundos
estanques vivem em paralelo e que precisam se convergir.
Pesquisadores e cientistas observam o ensino de língua,
de um modo muito peculiar, com distância. A escola só
está para os professores e estudantes, e, para a autora,
essa é a mudança que devemos executar urgentemente.
São possíveis outro ensino de língua e outra escola. Vale a
pena acreditar, assim como Irandé, num ensino de língua,
numa prática de textos e numa escola sob novos olhares.

11. SANTOS, Leonor Werneck; RICHE, Rosa Cuba; TEI-


XEIRA, Cláudia Souza. Análise e produção de textos. São
Paulo: Contexto, 2012.
A proposta deste livro se concentra em orientar os alunos
para o domínio das três práticas de linguagem: leitura,
produção textual e análise linguística. Se cabe ao pro-

84
fessor direcionar esse ensinamento, é possível encontrar
nessa obra um apoio eficaz. As propostas de atividades
presentes nela contemplam os variados gêneros textuais e
auxiliam os professores do ensino fundamental na tarefa
de transformar seus alunos em competentes leitores e
produtores de texto.

12. KOCH, Ingedore Villaça; MORATO, Edwiges Maria;


BENTES, Anna Christina (orgs.). Referenciação e discurso.
São Paulo: Contexto, 2020.
A obra é uma coletânea em que o conjunto de textos
propõe um estudo sobre relações possíveis no universo
da referenciação e do discurso e os capítulos apresentam
análises comprovadoras do quanto os conceitos centrais
do livro podem se demonstrar produtivos. Temos a
orientação argumentativa, a anáfora indireta, a dêixis, a
metalinguagem e tantos outros associados aos processos
de construção da referência e do discurso. De fato, esses
têm sido temas muito estudados e analisados no campo
linguístico-textual e merecem destaque pela sua funcio-
nalidade textual.

13. CAVALCANTE, Mônica Magalhães; LIMA, Silvana


Maria Calixto de (orgs.). Referenciação: teoria e prática.
São Paulo: Cortez, 2013.
Entre os estudos textuais atuais, a referenciação tem
ocupado lugar de destaque nas pesquisas em Linguística
Textual e nas publicações da área. Essa obra traz a pos-
sibilidade de novos rumos para investigações produtivas
acerca da construção e do papel dos referentes. Como
coletânea, apresenta uma série de capítulos com diversas
abordagens, que formam um conjunto fundamental para
os estudos da referenciação.

85
14. RIBEIRO, Ana Elisa. Textos multimodais: leitura e pro-
dução. São Paulo: Parábola, 2016.
Este livro traz à tona reflexões bastante interessantes acerca
do uso de fotos, ilustrações, gráficos e outros elementos
imagéticos que, por inúmeras vezes, são descartados
pelos professores, por não terem familiaridade com esses
textos. Ana Elisa apresenta, com uma linguagem simples
e bastante fluida, exemplos e análises que podem auxiliar
o trabalho docente instigando e promovendo a leitura e
a escrita dos textos multimodais. É preciso entender que
esses textos fazem parte da nossa vida e que devem, sim,
fazer parte das aulas.

15. XAVIER, Antônio Carlos et al. Hipertexto & cibercultura:


links com literatura, publicidade, plágio e redes sociais.
São Paulo: Rêspel, 2011.
Essa coletânea traz textos que discutem e analisam as
práticas hipertextuais na cibercultura, levando-nos a
refletir sobre o que podemos esperar dos novos textos
digitais, por exemplo. É interessante como o livro se
organiza registrando as interfaces que o hipertexto pode
estabelecer com outras áreas, de maneira bastante produ-
tiva e interessante. Para quem se interessa pelos textos do
universo digital, é uma boa indicação de leitura.

16. BEAUGRANDE, Robert de; DRESSLER, Wolfgang Ulrich.


Introduction to Text Linguistics. London: Longman, 2005.
Considerado um manual da área, esse livro apre-
senta noções fundamentais da Linguística Textual, a
sua evolução, o enfoque procedimental, os fatores de
textualidade e um capítulo destinado às pesquisas da
disciplina e ao ensino. Beaugrande e Dressler tomam
como objetivo central de toda obra a textualidade. Para
além dos fatores desta, os autores apontam os princí-

86
pios reguladores da comunicação textual: a eficácia, a
efetividade e a adequação. Com certeza, é uma leitura
indispensável para alunos, pesquisadores e professores
de Língua Portuguesa.

17. DIJK, Teun A. van. Texto e contexto: uma abordagem


sociocognitiva. São Paulo: Contexto, 2012.
Uma grande contribuição bibliográfica, uma obra de refe-
rência para os estudos do contexto, um dos teóricos mais
importantes para os estudos do texto e do discurso. Com
esse livro, Teun A. van Dijk nos oferece um tratado sobre
contexto, dividindo sua obra em capítulos fundamentais
para a compreensão do tema em questão. “Semântica”,
“Conexão e conectivos”, “Coerência”, “Macroestruturas”,
“Pragmática”, “Contextos e atos de expressão”, “A pragmá-
tica do discurso” e “Macroatos de expressão” são os títulos
dos capítulos, que nos direcionam para subtemas como
interação, explícitos e implícitos e a organização global
da interação comunicativa. Essencialmente, essa é uma
leitura obrigatória para os estudos em Linguística Textual.

Tarefas para o estudante


Para darmos início a uma pesquisa em Linguística Textual, seja para a
escrita de um projeto, de um capítulo ou de outro material acadêmico,
o estudante/pesquisador precisa seguir alguns passos para que obtenha
êxito na realização de sua proposta.
Primeiramente, as concepções de texto e de textualidade devem estar
definidas e esclarecidas para o estudante/pesquisador. São concei-
tos fundamentais para qualquer pesquisa que se debruce sobre os
fenômenos linguístico-textuais, norteando a escrita e estabelecendo
propósitos analíticos.

87
A partir desse passo, é preciso que haja uma primeira seleção bibliográ-
fica em que sejam escolhidas leituras gerais dos textos fundadores da
Linguística Textual e de outros materiais atualizados, a fim de promover
uma revisão crítica dos textos. O objetivo é proporcionar ao estudante/
pesquisador uma imersão na teoria analisada.
Após as leituras, a expectativa se dá em torno da escolha do tema a ser
pesquisado (critérios de textualidade, contexto, hipertexto, referenciação,
entre outros).
Novamente, orientamos a realização de uma segunda seleção bibliográfica
mais específica do assunto selecionado, para que, assim, o estudante/
pesquisador adquira um referencial teórico mais aprofundado do tema.
À medida que as leituras são praticadas, o próprio estudante/pesquisa-
dor percebe um amadurecimento teórico natural e indispensável para
a execução da pesquisa.
Em seguida, incentivamos o estudante/pesquisador a pensar numa
seleção de um corpus possível de ser analisado sob a perspectiva do
tema escolhido em Linguística Textual. Essa escolha torna-se primordial,
pois os textos selecionados compõem o material revelador/comprovador
dos propósitos da pesquisa. Não existe uma limitação de textos para a
composição do corpus.
No caso da Linguística Textual, sugerimos que o estudante/pesquisador
analise se há possibilidades de estabelecer um diálogo com outras
teorias. Essa interdisciplinaridade amplia os horizontes da pesquisa,
viabiliza mais oportunidades investigativas e pode proporcionar uma
interlocução fértil e produtiva para o trabalho.
Finalmente, não se pode descartar a relação estreita da Linguística Textual
com o ensino. Como já dissemos, não podemos pensar nos temas dessa
área desvinculados do ensino de língua portuguesa. O que esperamos
é que o estudante/pesquisador passe do plano da teoria para o plano
prático da sala de aula. E talvez esse seja o momento mais laborioso: o
da aplicação didática. Esse pode ser o diferencial da pesquisa.

88
Referências
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la langue. Liège; Bruxelas: Pierre Mardaga, 1988.
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Paulo: Parábola, 2009.
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Paulo: Parábola, 2010.
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knowledge and society. Norwood: Ablex, 1997.
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CABRAL, Ana Lúcia Tinoco. A força das palavras: dizer e argumentar.
São Paulo: Contexto, 2017.
CAVALCANTE, Mônica Magalhães; LIMA, Silvana Maria Calixto de
(orgs.). Referenciação: teoria e prática. São Paulo: Cortez, 2013.
CHAROLLES, M. Coherence as a principle in the interpretation of
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COELHO, Fabio A. C. As orientações curriculares do Ensino Médio, as
práticas de linguagem e a formação do professor. In: ASSIS, Eleone F.
Caminhos para a educação linguística. Campinas: Pontes, 2017a.
COELHO, Fabio A. C. Ensino produtivo de Língua Portuguesa. In: SILVA,
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Língua portuguesa: teorias linguísticas e práticas discursivas. Campos
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89
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língua e da produção textual. In: COELHO, Fabio A. C.; SILVA, Jefferson
E. N. Ensino de Língua Portuguesa: teorias e práticas. Rio de Janeiro:
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COELHO, Fabio A. C.; PALOMANES, Roza. Ensino de produção textual.
São Paulo: Contexto, 2016.
DUCROT, Oswald. Princípios de semântica linguística. São Paulo:
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ELIAS, Vanda M.; COELHO, Fabio A. C.; CAPISTRANO JR., Rivaldo.
Argumentação em produções hipertextuais: conexões e sentidos. In:
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tecendo os efeitos de sentido. Campinas: Pontes, 2020.
FIORIN, José Luiz. Argumentação. São Paulo: Contexto, 2018.
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KOCH, Ingedore G. V. Introdução à Linguística Textual: trajetória e
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KOCH, Ingedore G. V.; ELIAS, Vanda M. Ler e compreender: os sentidos
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KOCH, Ingedore G. V.; ELIAS, Vanda M. Ler e escrever: estratégias de
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introdução. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
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90
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Associação Latino-Americana de Analistas do Discurso. Santiago, 1999.
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compreensão. São Paulo: Parábola, 2008.
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MEYER, Bernard. A arte de argumentar: com exercícios corrigidos. São
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PERFETTI, Charles A. Text and hypertext. In: ROUET, Jean-François
et al. (ed.). Hypertext and cognition. Mahwah: Lawrence Erlbaum, 1996.
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e produção de textos. São Paulo: Contexto, 2012.
XAVIER, Antônio Carlos et al. Hipertexto & cibercultura: links com
literatura, publicidade, plágio e redes sociais. São Paulo: Respel, 2011.

91
CAPÍTULO 3

Análise do Discurso materialista


Bethania Mariani
Phellipe Marcel da Silva Esteves
Silmara Dela-Silva
Vanise Medeiros

“E assim começar a se despedir do sentido


que reproduz o discurso da dominação, de
modo que o irrealizado advenha formando
sentido do interior do sem-sentido.”
(Pêcheux, 1990 [1982], p. 17)

Introdução ao campo e seu desenvolvimento


Nem a expressão “Análise do Discurso” nem a palavra
“discurso” podem ser tomadas como autoevidentes. A Análise
do Discurso materialista, esta que está na base de pesquisas
realizadas na UFF e em inúmeras instituições universitárias
brasileiras, representa um modo de reflexão teórica sobre a
linguagem, sobre a produção de sentidos e sobre o sujeito. Sua
especificidade encontra-se nos fundamentos formulados pelo
filósofo Michel Pêcheux a partir de meados da década de 1960, na
França, para quem o campo de estudos da teoria do discurso é o
da determinação histórica dos processos de produção de sentidos.
Nossa Análise do Discurso tem um objeto próprio, o discurso, e
um modo próprio de construir procedimentos teórico-analíticos.
Os termos discursivo, discursividade e materialidade discursiva
aludem à materialidade dos processos histórico-ideológicos em
sua inscrição na linguagem.
O campo do discursivo, em sua formulação inaugural por
Pêcheux (PÊCHEUX, 1969; PÊCHEUX; FUCHS, 1975), situa-se
epistemologicamente em um entremeio indisciplinado que articula
uma tríplice aliança: a Linguística, o Materialismo Histórico e a
Psicanálise. Pressupõem-se essas três formas do conhecimento
sem adicioná-las ou confundi-las entre si. Assim, da Linguística,
enquanto teoria da sintaxe, interessa a noção de funcionamento
parafrástico-polissêmico da linguagem e a visada fundamental
de que a língua é a base material dos processos discursivos; do
Marxismo, enquanto teoria da ideologia e das formações sociais
e suas transformações, são trabalhadas as noções de condições
de produção e de materialidade; e da Psicanálise, como teoria do
inconsciente, retoma-se a noção de descentramento do sujeito,
provocando, dessa forma, um distanciamento do sujeito inten-
cional da pragmática. Não há discurso sem sujeito nem sujeito
sem inconsciente e sem ideologia (PÊCHEUX, 1988 [1975]).
A especificidade da definição de discurso como efeito de sentidos
(PÊCHEUX, 1990 [1969], p. 82) implica, justamente, a articula-
ção material entre inconsciente e ideologia na compreensão dos
processos de produção dos sentidos, ou seja, dos processos que
engendram discursividade. Pensar a discursividade é pensar
nas fronteiras entre os sentidos, nas margens dos dizeres e no
silêncio que respira entre as palavras. É situar-se no domínio
das interpretações em disputa na história, em que os sentidos se
movem na incompletude da tensão entre o mesmo e o diferente;
entre os modos de constituir o que será lembrado e o que será
posto no esquecimento. Em Análise do Discurso, falamos sempre
em sentidos, pois a produção dos sentidos é um processo em
movimento sempre dividido e múltiplo.

94
Conceitos basilares: a tríplice aliança
Ele [o quadro epistemológico do empreendimento da AD] reside, a nosso
ver, na articulação de três regiões do conhecimento científico:
1. o materialismo histórico, como teoria das formações sociais e de
suas transformações, compreendida aí a teoria das ideologias;
2. a linguística, como teoria dos mecanismos sintáticos e dos processos
de enunciação ao mesmo tempo;
3. a teoria do discurso, como teoria da determinação histórica dos
processos semânticos.
Convém explicitar ainda que estas três regiões são, de certo modo,
atravessadas e articuladas por uma teoria da subjetividade (de natureza
psicanalítica) (PÊCHEUX; FUCHS, 1997 [1975], p. 163-164).

Vamos teorizar um pouco mais sobre os conceitos de sujeito,


língua e sentidos, lembrando, com Orlandi, que “o sentido não
é conteúdo, a história não é contexto e o sujeito não é origem de
si” (ORLANDI, 1996, p. 49).
Em primeiro lugar, sobre o conceito de sujeito, não se trata
de analisar quais seriam as intenções de um sujeito empirica-
mente e pragmaticamente definível. Em Análise do Discurso, o
materialismo histórico ensina que o sujeito faz a história, mas
esta não lhe é transparente. Ele significa o mundo inserido em
discursos que o antecede, se significa e está sempre dizendo mais
do que supõe sem se dar conta disso. O sujeito é constituído e
tomado pela língua que fala e, nessa medida, ao tomar a palavra
se inscreve em filiações de sentidos já em circulação e inscritas
nas relações de poder. Tal processo se realiza sob as condições
materiais de existência de cada sujeito. Essas condições de pro-
dução constituem o possível formulável para os dizeres, pois
nem tudo é dito ou é dito sem falhas ou tropeços. O sujeito não
é nem origem do dizer nem controla o que diz; ele se equivoca e
está sempre entre o dito e o não dito, entre o silêncio e um dizer

95
a-mais. Do encontro faltoso que tem com a língua que virá a
falar, para o sujeito fica um resto, um impossível de dizer: o real
da língua marcado na enunciação, ou seja, o que o faz tropeçar,
uma vez que é impossível tudo dizer. O trabalho de análise está
na compreensão das posições-sujeito no texto, posições projetadas
na materialidade discursiva.
Sobre a língua, importa assinalar que ela não é concebida
nem como sistema homogêneo e autônomo, nem como conjunto
de regras, nem como código. Com a Análise do Discurso, Pêcheux
(1969) propõe um deslocamento da noção de funções da linguagem
para a de funcionamento. Para compreender o funcionamento da
linguagem e os processos de produção dos sentidos engendrados na
base material da língua, o analista deve relacionar os protagonistas
do discurso e o dito às condições de produção. Orlandi (1996),
partindo de Pêcheux, reterritorializa discursivamente o conceito
de língua para defini-lo em sua ordem significante material, uma
ordem própria, sujeita a falhas. Considerar a ordem da língua em
seu caráter material significante implica situar-se no terreno da
opacidade da produção de sentidos. E mais, implica abrir para o
real da língua, ou seja, o impossível inerente à língua, o que a faz
falhar. O que se visa analisar é a forma material linguístico-his-
tórica (ORLANDI, 1996), ou forma discursiva (PÊCHEUX, 1969
[1990]). Na língua está a materialidade específica do discurso, e,
na discursividade, a materialidade da ideologia.
A noção de efeitos de sentidos que se encontra na definição
de discurso tem seu vigor teórico na compreensão de que os sen-
tidos não são transparentes, estabilizados em dicionários ou nas
intenções de quem fala. Quem fala o faz a partir de uma posição
imaginária no todo social, se encontra submetido aos imperativos
do inconsciente e da ideologia. Os sentidos são produzidos e estão
sempre em relação com outros sentidos possíveis, sem um ponto
de origem detectável. Nem são estáveis, nem nunca são comple-
tamente ditos. Para responder às questões – Como se organizam
os processos de produção dos sentidos? Como funcionam em
relação à memória? Quais os processos de produção de sentidos

96
que estão em jogo no funcionamento da língua? Como produzem
efeitos? –, o analista do discurso coloca em relação o corpus a ser
analisado com as condições de produção. Estas compreendem
tanto o contexto imediato, ou seja, a situação de enunciação pro-
priamente dita, quanto as condições sócio-histórico-ideológicas,
a memória discursiva e as formações imaginárias, conceitos que
veremos mais adiante.

Percurso histórico da Análise do Discurso


Entre 1966 e 1969, sob o pseudônimo de Thomas Herbert,
Pêcheux publicou dois artigos nos quais a presença do materialismo
histórico e da psicanálise já davam contornos para o que mais tarde
viria a se constituir como Análise do Discurso. Em “Reflexões
sobre a situação teórica das ciências sociais e, especialmente, da
psicologia social”, de 1966, e em “Observações para uma teoria
geral das ideologias”, de 1969, Pêcheux tinha como propósito
uma intervenção teórica relacionada à elaboração de um dis-
positivo experimental de análise voltado para a modificação de
práticas científicas e políticas em curso nas Ciências Humanas
e Sociais. A teoria da análise do discurso configura, portanto,
uma resposta crítica e propositiva à metodologia da análise de
conteúdo até então em vigor.
Entre os anos 1969 e 1982, a partir do rompimento inaugural
com a concepção de linguagem como instrumento de comunicação
de informações, o dispositivo teórico da Análise do Discurso foi
se especificando como um modo de leitura que tem como objetivo
“explicitar e descrever montagens, arranjos sócio-históricos de
constelações de enunciados” (PÊCHEUX, 1990 [1993], p. 60, nota
5). Esse dispositivo teórico-analítico é o fundamento de uma teoria
materialista do discurso que inclui inconsciente e ideologia como
instâncias constitutivas do sujeito. Compreendendo que discur-
so é estrutura e acontecimento, Pêcheux (1990 [1988]) constrói
procedimentos de análise para as formas plásticas e plurais dos
modos de existência do simbólico, simbólico tomado aqui em
seus aspectos variáveis, heterogêneos e contraditórios, sejam os

97
das discursividades institucionais, sejam aqueles que registram
o ordinário dos processos de produção dos sentidos.
A reterritorialização da Análise do Discurso no Brasil teve
início desde o final da década de 1970 a partir de ensino, orientações
e pesquisa realizados por Eni Orlandi na Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp). Atualmente disseminadas e consolidadas
em diversas instituições, do ensino médio ao superior, por todo
o país, as pesquisas desenvolveram-se sob condições de produção
específicas e, desde seus primórdios, foram marcadas por gestos de
insubmissão a uma colonização científica. A Análise do Discurso
no Brasil, portanto, longe de ter um efeito de continuidade com
o que se praticava na França, constitui-se com um jeito próprio
marcado por gestos de resistência diante da interdição de dizeres
característica do período da ditadura civil-militar. Com a palavra,
Orlandi, sobre suas práticas fundadoras no modo como praticou
e socializou o conhecimento teórico, deslocando-o e fazendo-o
avançar: “Desde o início procurei compreender e elaborar a relação
inconclusa, tensa e indistinta entre paráfrase (o mesmo) e polis-
semia (o diferente); a incompletude do sujeito; a identidade como
movimento na história; a língua sujeita à falha e a inscrição da
língua na história produzindo o equívoco; o gesto de interpretação
fazendo-se no relação da estrutura com o acontecimento, jogo da
contradição; a passagem do irrealizado ao que “faz sentido (dis-
cursos fundadores), distinguindo entre o não-sentido (non sens)
e o sem-sentido (o que já significou)” (ORLANDI, 2007; 2020).
Portanto, quando se pratica Análise do Discurso no Brasil,
está em jogo a produção de avanços teóricos relacionados a uma
posição política que propõe o trabalho de leitura como atividade
transformadora. (MARIANI; DELA-SILVA, 2018).

Princípios teóricos: noções fundadoras


A contradição é o motor tanto dos princípios teóricos quanto
da forma de investigação da Análise do Discurso. Em relação à
teoria, é necessário lembrar a máxima já estabelecida por Orlandi

98
em diversos textos: ler é saber que o sentido sempre pode ser outro,
inclusive em relação contraditória com os modos dominantes de
significar. Isso quer dizer que cabe à Análise do Discurso jogar
luz em zonas mal ou pouco iluminadas das materialidades ana-
lisadas, mostrando como os interesses de classe as atravessam.
É justamente pela contradição presente no já mencionado
tripé teórico da disciplina aqui abordada que muitas de suas noções
são formuladas. A contradição como pressuposto nos discursos
permite que o sentido se desloque e que inclusive se contraponha
aos sentidos dominantes. Ao mesmo tempo, incide sobre o sujeito
do discurso em sua constituição, inviabilizando qualquer hipótese
de voluntarismo e explicando seu descentramento a partir da
psicanálise. Ademais, a contradição é a responsável pelos próprios
processos de reprodução e de transformação históricas, fazendo
com que as evidências de uma dada formação social (produzidas
por suas formações ideológicas) se contraponham a si mesmas,
atualizando o complexo de práticas determinadas e permitidas,
embora ainda deixando resíduos das antigas evidências dominan-
tes. É justamente assim que um sistema como o capitalista, por
exemplo, vai se reproduzindo, num processo de assimilação de
sentidos outrora interditados. Mas é também assim, no processo
de disputa por sentidos, que formações sociais encontram seu
fim. Uma disputa que se dá na língua. É Pêcheux (2009 [1975],
p. 83-84) quem avisa:
as contradições ideológicas que se desenvolvem através
da unidade da língua são constituídas pelas relações
contraditórias que mantêm, necessariamente, entre si os
“processos discursivos”, na medida em que se inscrevem
em relações ideológicas de classes.
Nesse sentido, trabalhada a partir dos estudos de lingua-
gem – lugar disciplinar-institucional a partir do qual a Análise
do Discurso se consolida no Brasil –, a prática de investigação
do analista prevê a compreensão dos mecanismos sintático-
-enunciativos na produção contraditória de práticas discursivas...
necessariamente ideológicas.

99
A noção de ideologia cunhada por Pêcheux está fortemente
ancorada na (re)leitura da obra de Marx e Engels feita pelo filósofo
franco-argelino Louis Althusser, que pressupõe a existência de
aparelhos ideológicos de Estado (AIE) responsáveis pela repro-
dução das relações de classe numa dada formação social. Os AIE
atuam em paralelo aos aparelhos repressivos de Estado (ARE)
na atualização das condições materiais de existência dos sujei-
tos: os primeiros dando sentido às instituições como famílias,
escolas, igrejas, meios de comunicação etc.; os últimos atuando
principalmente quando os primeiros falham, e por meio do uso
da violência. É essa força, a violência, que diferenciaria os ARE
dos AIE, muito embora possamos afirmar que, não sendo esse
seu funcionamento típico, não haja interpelação ideológica sem
algum nível de violência. Nos AIE, na visada althusseriana, se dão
os processos de inculcação, de naturalização do sentido, e, para
a Análise do Discurso materialista, é aí que o discurso funciona,
inscrito em formações ideológicas. Nada nessa discussão filosó-
fica sobre como as formações sociais prosseguem (in)alteradas
prescinde da noção de classe, que se marca na contraposição entre
duas classes: a burguesa-capitalista e a trabalhadora.

Conceitos basilares: Ideologia e discurso


“[...] em sua materialidade concreta, a instância ideológica existe sob a
forma de formações ideológicas (referidas aos aparelhos ideológicos de
Estado), que, ao mesmo tempo, possuem um caráter ‘regional’ e compor-
tam posições de classe: os ‘objetos’ ideológicos são sempre fornecidos
ao mesmo tempo que a ‘maneira de se servir deles’ – seu ‘sentido’,
isto é, sua orientação, ou seja, os interesses de classe aos quais eles
servem –, o que se pode comentar dizendo que as ideologias práticas
são práticas de classes (de luta de classes) na ideologia” (PÊCHEUX,
2009 [1975], p. 131-132).

100
“[Fala-se de] formação ideológica para caracterizar um elemento sus-
cetível de intervir – como uma força confrontada a outras forças – na
conjuntura ideológica característica de uma formação social em um
momento dado. Cada formação ideológica constitui desse modo um
conjunto complexo de atitudes e de representações que não são nem
‘individuais’ e nem ‘universais’, mas que se relacionam mais ou menos
diretamente a posições de classes em conflito umas em relação às
outras” (HAROCHE; HENRY; PÊCHEUX, 2008 [1971]).

“[...] embora não se identifique discurso e ideologia, o discursivo é con-


cebido, por Pêcheux (1975a), como um dos aspectos materiais do que
ele chama de materialidade ideológica. O discurso é pois um elemento
particular da materialidade ideológica. Daí que as formações ideológi-
cas comportam uma ou várias formações discursivas interligadas que
determinam o que pode e deve ser dito a partir de uma posição dada
em uma conjuntura dada” (ORLANDI, 2012, p. 45).

“[...] uma formação discursiva existe historicamente no interior de


determinadas relações de classes; pode fornecer elementos que se
integram em novas formações discursivas, constituindo-se no interior
de novas relações ideológicas, que colocam em jogo novas formações
ideológicas” (FUCHS; PÊCHEUX, 1997 [1975], p. 167-168).

A ideologia arrebata a todos por meio principalmente do


discurso, que convoca os sujeitos a fazerem parte, a se unirem ao
exército de força de trabalho da formação social de que se tornam
indivíduos. Nisso consiste o ritual ideológico, que jamais se dá
sem falhas. As ideologias dominadas – Pêcheux (1990 [1982], p.
16) dá como exemplo principal a ideologia proletária, mas também
a negritude, o feminismo, a loucura, o pensamento selvagem, o
judaísmo etc. – se constituiriam sob a dominação ideológica, e
ao mesmo tempo contra ela. Nesse ponto, é necessário indicar
que a “falha, desmaio ou rachadura” (PÊCHEUX, 1990, p. 17) no
ritual ideológico se dão justamente pelos processos de metáfora,

101
de lapso, de ato-falho. São valiosos os exemplos de Pêcheux (1990,
p. 17): não dar ouvidos às ordens, recusar-se a repetir as litanias
ou repeti-las erroneamente, ignorar pedidos de silêncio, falar a
própria língua como uma língua estrangeira em que não se é
proficiente, deslocar os sentidos de frases e palavras, brincar com
os sentidos “literais” e com as regras sintáticas... jogar com as
palavras em meio aos deslocamentos nem sempre previsíveis da
materialidade significante. Essas formas linguístico-discursivas
de resistir e de se revoltar ante a ideologia dominante são respon-
sáveis inclusive por desencadear revoluções. Daí uma vocação,
desde seus primórdios, de a Análise do Discurso dedicar-se a
discursos políticos, mas não somente.
Nas formações ideológicas, portanto, inscrevem-se forma-
ções discursivas, que representam o complexo de tudo aquilo
que pode e deve ser dito, definidas também como matrizes de
sentido. Palavras, frases, expressões são significantes soltos sem
as formações discursivas: só passam a produzir sentido quando
inscritos nelas. As formações discursivas são heterogêneas e suas
fronteiras são móveis, estabelecendo relações de aliança, conflito
ou resistência umas em relação às outras. O sujeito enuncia a
partir de uma posição dada em uma dada região de saber de
uma formação discursiva com a qual se identifica. A noção de
posição-sujeito visa, justamente, demarcar a(s) diferente(s) posi-
ção(ões) nas quais o sujeito se inscreve para ser sujeito do que diz.
As formações discursivas se inscrevem como recorte de um
todo de dizer irrepresentável e inapreensível em que se constituem
contraditoriamente os sentidos, no eixo das virtualidades: o inter-
discurso, como “‘todo complexo com dominante’ das formações
discursivas” (PÊCHEUX, 2009 [1975], p. 149). No interdiscurso,
está previsto tudo aquilo que já foi dito e significado, bem como
as regras e restrições de significação. Entretanto, quando inscrita
em formações discursivas, a materialidade discursiva se produz
em intradiscurso, “o funcionamento do discurso com relação a
si mesmo” (PÊCHEUX, 2009 [1975], p. 153), que assegura o “fio
do discurso” de um sujeito: “o intradiscurso, enquanto ‘fio do

102
discurso’ do sujeito, é, a rigor, um efeito do interdiscurso sobre si
mesmo, uma ‘interioridade’ inteiramente determinada como tal ‘do
exterior’” (PÊCHEUX, 2009 [1975], p. 154). O trabalho do analista
do discurso é, entre outras coisas, identificar no intradiscurso o
trabalho do interdiscurso, dos recortes ideológicos contingentes
para a constituição do sentido da materialidade discursiva.
Lembremos que o sujeito ao tomar a palavra o faz já afetado
pelo fato de que não é origem dos dizeres nem controla totalmente
o que diz. Para a Análise do Discurso, a enunciação é afetada pelo
esquecimento das determinações que constituem o sujeito como
sendo “sempre-já sujeito” retomando, em meio a movimentos para-
frástico-polissêmicos, um “sempre-já dito”. Ou seja, a enunciação é
marcada pelo funcionamento do inconsciente e da ideologia, duas
instâncias que operam no dizer, se ocultando. Pêcheux afirma que
o sujeito tem duas ilusões: a de que os dizeres começam com ele,
teriam origem nele; e a de que controlaria o que diz. A primeira
delas, constitutiva da subjetividade, demarca uma zona inacessí-
vel para o sujeito e é nomeada por Pêcheux como esquecimento
número 1. Pêcheux conceitua como esquecimento número 2 o
processo que oculta para o sujeito que ele enuncia a partir de sua
identificação simbólica a uma determinada formação discursiva.
Essa dominação simbólica, em Pêcheux, é prevalente sobre as
identificações imaginárias (PÊCHEUX, 1988 [1975], p. 175, 184).
Retomando o trabalho do interdiscurso no intradiscurso, e
compreendendo-o como um batimento, materializa-se não apenas
o que é representável em termos de linearidade do dizer – seja ela
vocal, gráfica, computacional, internética, mas eminentemente
verbal –, como também aquilo que não se diz, mas que signi-
fica. Trata-se do silêncio, noção inaugurada por Eni Orlandi,
que pode ser distinguido em pelo menos duas categorias: a) o
silêncio fundador, determinante para o surgimento da própria
linguagem; e b) a política de silêncio, segundo a qual para se dizer
X é necessário não se dizer Y. O silêncio pode ser considerado
fundador porque “é a própria condição da produção do sentido.
[...] O silêncio não é o vazio, ou o sem-sentido; ao contrário, ele é

103
o indício de uma instância significativa” (ORLANDI, 2007 [1992],
p. 68). A linguista brasileira concebe o silêncio numa recusa ao
positivismo, segundo o qual ele ocuparia um lugar de falta de fala,
falta de língua, falta de linguagem. Assim, fundamentalmente, o
silêncio não fala, ele significa. E significa como discurso, inscrito
em formações discursivas.
Ainda no tocante à questão do silêncio, Orlandi trata da
política de silêncio como o fato de que “ao dizer algo apagamos
necessariamente outros sentidos possíveis, mas indesejáveis, em
uma situação discursiva dada” (ORLANDI, 2007 [1992], p. 73),
diferenciando-se do silêncio fundador por produzir “um recorte
entre o que se diz e o que não se diz, enquanto o silêncio fun-
dador não estabelece nenhuma divisão: ele significa em (por) si
mesmo” (ORLANDI, 2007 [1992], p. 73). A política de silêncio,
assim, se subdivide em duas: o silêncio constitutivo e o silêncio
local. O primeiro “põe em funcionamento o conjunto do que é
preciso não dizer para poder dizer” (ORLANDI, 2007 [1992], p.
74), linearizando X para não (deixar) dizer Y. O segundo, exempli-
ficado por Orlandi pelo caso extremado da censura, compreende
a interdição do dizer. Nisso, o analista do discurso, segundo a
autora, procura não marcas de censura no texto, mas “analisar a
censura enquanto ‘fato’ de linguagem que produz efeitos enquanto
política pública de fala e silêncio” (ORLANDI, 2007 [1992], p. 75).
Tanto silêncio quanto outras formas de materialização do
discurso pressupõem, segundo Orlandi, três momentos: o da
constituição, o da formulação e o da circulação. Esse circuito
tripartite dotado de elementos inseparáveis ajuda a pensar como
o sentido irrompe “a partir da memória do dizer”, formula-se em
condições de produção específicas e circula em “certa conjuntura
e segundo certas condições” (ORLANDI, 2001, p. 9).
É essa perspectiva materialista responsável também por
uma “oposição à tese “fenomenológica” que colocaria a apreensão
perceptiva do referente, do outro e de si mesmo como condição
pré-discursiva do discurso” (PÊCHEUX, 1990b [1969], p. 85-86).
Ou seja: não se trata de estabelecer as percepções do sujeito como

104
condições para a formulação de sentido, mas de encontrar no
já-ouvido e no já-dito as bases para o mecanismo de interlocução,
naquilo que a língua comunica e também não comunica. A isso
Pêcheux chama de formações imaginárias, noção que provém de
uma ruptura do esquema de comunicação humana proposto por
Jakobson e que compõe as condições de produção. Os elementos
tradicionais desse esquema – emissor, receptor, mensagem, có-
digo, canal, contexto, referente – levariam a um entendimento
de que as trocas discursivas seriam algo como uma telepatia em
voz alta: emissor e receptor teriam acesso àquilo que o outro
pensa... e àquilo que eles mesmos pensam, bastando deixar as
cordas vocais agirem. Não sendo, na perspectiva discursiva, o
sujeito senhor de sua morada nem de suas palavras,
o que funciona nos processos discursivos é uma série de
formações imaginárias que designam o lugar que A e B
se atribuem cada um a si e ao outro, a imagem que eles se
fazem de seu próprio lugar e do lugar do mundo [...] existem
nos mecanismos de qualquer formação social regras de
projeção (PÊCHEUX, 1990b [1969], p. 82).
Para além de as formações imaginárias serem simples
mecanismos produtores de imagens na apreensão fenomênico-
-sensível, elas nos conduzem à máxima de que “a percepção é
sempre atravessada pelo ‘já ouvido’ e o ‘já dito’, através dos quais
se constitui a substância das formações imaginárias enunciadas”
(PÊCHEUX, 1990b [1969], p. 82-83). Considerando que o que se
dá nos processos discursivos se inscreve num jogo de projeções
imaginárias, algumas das perguntas implícitas para a análise de
qualquer materialidade discursiva são: “Quem sou eu para lhe
falar dessa maneira?” [IA(A)], “Quem é ele para que eu fale com
ele dessa maneira?” [IA(B)], “Quem sou eu para que ele me fale
dessa maneira?” [IB(B)], “Quem é ele para que fale dessa maneira
comigo?” [IB(A)]. Dessas perguntas, podemos deduzir outras,
como “Quem sou eu para falar desse objeto discursivo?”, “O que
é esse objeto discursivo e como devo falar dele?” etc.

105
Figura 1. Carta-propaganda do Nubank enviada a possíveis clientes (2019)

106
Gesto de análise
Interpolando a formulação de Pêcheux sobre formações imaginárias,
poderíamos tomar a figura 1 para pensar em que imagens de interlocutor
(ponto B) se projetam no discurso daquele que chamaremos, por ora,
de posição-sujeito publicitário (ponto A). Para tal, precisamos também
depreender que imagens da escrita manuscrita produzem efeitos de
sentidos na imbricação com a materialidade linguística presente na figura.
Trata-se de uma carta-propaganda enviada em 2019 para clientes em
potencial do Nubank, instituição financeira digital que concorre com
bancos físicos. A carta simula uma escrita manuscrita cujo material
gráfico, imbricado materialmente (LAGAZZI, 2009) com os mecanismos
enunciativos e sintáticos da materialidade linguística, produz efeitos
de intimidade, cordialidade e amizade com o possível cliente. Uma das
sentenças que colocam esse efeito em cena é: “Resolvemos te escrever
porque é exatamente esse contato próximo que nós valorizamos. Não
tratamos ninguém como número, e sim como pessoa”. Com:
a) o uso da segunda pessoa do singular com pronome “te”;
b) a afirmação clivada (estrutura “é X que”) modificada por advérbio
de modo (“exatamente”) de que o que se valoriza é o contato próximo
(produzindo o efeito, com a estrutura clivada, de uma ênfase lógica:
entre aquilo que é possível ser pressuposto como valorizado pelo
Nubank, a proximidade pessoal é a eleita pela instituição);
c) a denegação “Não tratamos ninguém como número, e sim como
pessoa” (que se coloca contra uma memória de que bancos tratam
seus clientes como número) e, finalmente;
d) a recuperação de elementos do interdiscurso que significam a escrita
manuscrita tanto como aspecto da infância quanto como lembrança
familiar em tempos de escrita internética/virtual/digital intensa;
de fato o efeito de proximidade é produzido. A posição-sujeito publi-
citário projeta a imagem de um cliente em potencial que, apesar de
“pegar fila no banco”, gosta do bom e velho contato pessoal.

107
E, com isso, inscreve-se uma contradição: numa instituição financeira
digital, o “contato próximo” entre empregados e clientes, físico ou digital,
é improvável. Apenas para trabalhar com números disponíveis em 2021,
a relação cliente/empregado de um banco convencional como o Banco
do Brasil, por exemplo, é de 630. No Nubank a mesma relação fica em
13.600. Há vinte vezes mais clientes para cada empregado do Nubank
que para cada trabalhador do Banco do Brasil (que possui um sistema de
atendimento automatizado elogiado em diversas instâncias). Como tratar o
cliente “como pessoa”, não “como número”, nesse cenário de intensificação
de políticas trabalhistas neoliberais e precarização das relações laborais?

Sintetizando, para a análise do discurso, teoria e análise


são inseparáveis e constituem um modo de reflexão sobre a
linguagem, o sujeito e os processos de significação. Os conceitos
apresentados até aqui já possibilitam e remetem o pesquisador
para gestos de análise ao abrigo de interpretações conteudísticas.
Vamos dar outro passo nessa direção.

Como analisar?
Antes de mais nada, é preciso compreender que teoria e
análise não se separam na proposta de Pêcheux, mas não são
indiscerníveis: no batimento entre descrição e interpretação
(PÊCHEUX, 1969, 1971), há procedimentos teórico-analíticos
específicos a serem seguidos.
Analisar é construir um lugar teórico que tanto propicie a
elaboração de gestos de leitura quanto questione o próprio processo
de elaboração de tal leitura. A análise é construída a partir de um
dispositivo estratégico que problematiza e dirige questionamen-
tos aos efeitos de evidências de sentidos produzidos em meio aos
jogos de poder. O que se pretende é expor o olhar do analista à
opacidade do texto. Como já foi dito, não há ritual ideológico sem
falhas, ou seja, mesmo os mais autoritários e violentos jogos de
poder não transformam os sujeitos em robôs dóceis e totalmente

108
manipuláveis. Se, de um lado, há alienação ou submissão imposta,
de outro há também resistência, sempre. Os gestos de leitura do
analista precisam estar atentos às hegemonias, mas também ao
contraditório, ao equívoco, à falha, aos confrontos, às resistências,
aos silenciamentos. Para qualquer que seja o objeto simbólico a ser
analisado, o analista parte do princípio teórico de que os processos
de produção de sentidos não se fecham.
Com a construção do dispositivo de análise, o lugar de leitor é
ressignificado como posição do analista, uma posição voltada para
a compreensão da constituição e do funcionamento das formações
ideológicas inscritas no todo complexo das formações discursivas,
na materialidade da linguagem e da história, portanto. Estar nessa
posição que analisa a constituição (domínio do interdiscurso), a
formulação (domínio do intradiscurso) e a circulação das discursi-
vidades é trabalhar nas fronteiras (no movimento de seus limites e
porosidades) das interpretações já dadas em contraposição àquela
produzida pelo analista. Daí a importância da afirmação de Pêcheux
sobre a posição de trabalho do analista do discurso:
Face às interpretações sem margens nas quais o intérprete
se coloca como ponto absoluto, sem outro nem real, trata-se
aí, para mim, de uma questão de ética e política: uma ques-
tão de responsabilidade (PÊCHEUX, 1990 [1988], p. 57).
Uma distinção importante é a que se faz entre corpus e arquivo
da pesquisa. Usualmente, compreende-se um arquivo como um
campo formado pela ampla inclusão de documentos pertinentes
a uma dada questão e, por este motivo, atribui-se ao arquivo uma
inteireza, uma finitude, um acabamento. Porém, em tal modo de se
considerar o arquivo, depreende-se o efeito ideológico da objetividade
dos dados, da neutralidade dos administradores do arquivo e da
imaginária onipotência do arquivista, em sua ilusão de completude.
Para a Análise do Discurso, por outro lado, como Pêcheux (1994
[1982]) alertava em “Ler o arquivo hoje”, os administradores dos
arquivos realizam gestos de interpretação constitutivos da ma-
terialidade arquivística, ou seja, com seus gestos instauram uma
política de sentidos ao decidir o que pode ou não ser arquivado,

109
conforme a conjuntura sócio-histórica. Ler discursivamente um
arquivo é ler a gestão institucional da memória social: aquilo que,
em dadas condições de produção, espera-se que seja rememorado
no futuro. Se os arquivos estão submetidos aos modos de gestão
histórico-político das tensões sociais e se encontram inscritos
nos jogos de poder, os arquivos encontram-se também sujeitos
aos movimentos da história e à incompletude da linguagem. Em
uma pesquisa, o analista pode construir um arquivo específico
para situá-lo em relação ao corpus a ser analisado.
Os procedimentos de análise situam-se no entrecruzamento
“(d)o discurso como estrutura e acontecimento” (PÊCHEUX,
1990 [1988], p. 19), ou seja, entre o estável e os deslocamentos de
sentidos. O analista está advertido por Pêcheux: “todo enunciado
é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente de si
mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar
para um outro” (PÊCHEUX, 1990, p. 53). Cabe ao analista, no
mesmo gesto de construção do dispositivo de análise e do corpus
da pesquisa, desconstruir uma possível leitura prévia impregnada
ideologicamente pelos efeitos que produzem evidências. É nesse
espaço entre o estabilizado e o que sempre pode se desestabilizar,
nos pontos de deriva possível, que a Análise do Discurso trabalha.
A análise visa problematizar as formações imaginárias e o
que foi possível dizer, conforme as posições-sujeito nas formações
discursivas, em relação ao real, presença do impossível de ser
dito ou significado. O trabalho do analista é o de compreender
as relações entre os objetos discursivos de talhe estável – aqueles
das discursividades logicamente estabilizadas na produção das
evidências hegemônicas – e a permanente deriva dos processos
de significação, ou seja, a possibilidade sempre iminente de o
sentido vir a ser outro. Há que se ler, ver, ouvir mais de uma vez
o que se pretende analisar para apreender as regularidades e os
pontos de deriva dos sentidos produzidos.
Discurso não é algo dado aprioristicamente. Sua conceituação
é clara: é constituído por efeito de sentidos entre interlocutores.
O importante está na especificidade de cada corpus, no dispositivo

110
de análise construído de modo a observar no funcionamento da
linguagem as formas discursivas constitutivas dos processos e
práticas discursivas recortadas. Dito de outro modo, o analista
visa compreender os processos parafrástico-polissêmicos intrín-
secos ao funcionamento discursivo, considerando os processos
de repetição e de deslocamento dos dizeres próprios ao corpus
em análise. Nessa medida, o corpus não é algo coletável, ele é
resultado de uma teorização, sendo construído de acordo com
os objetivos e questões da pesquisa.
O corpus discursivo é constituído por sequências discursi-
vas (SDs), definidas por Courtine (1981, p. 25) como “sequências
orais ou escritas de dimensão superior à frase”. Tal conceituação,
bastante fluida em Courtine, ampliada e proposta nos trabalhos
da Análise do Discurso no Brasil para abarcar sequências orais,
escritas, musicais, virtuais imagéticas etc., deve seguir o prin-
cípio teórico do recorte, ou seja, o da seleção de “fragmentos de
linguagem-e-situação” (ORLANDI, 1984). Chegamos às SDs
recortando o intradiscurso, ou seja, selecionando pontos de
condensação entre interdiscurso (constituição do dizer, nível
vertical, da memória discursiva) e intradiscurso (formulação do
dizer, nível horizontal, das enunciações discursivas). O trabalho
discursivo de montagem de corpus suporta uma ampla hetero-
geneidade de constituição.
Pêcheux (1975 [1990], p. 180) propõe uma distinção ter-
minológica importante ao distinguir superfície linguística de
objeto discursivo. De um lado está o objeto empírico (texto ou
superfície linguística) e, de outro, o objeto teórico (o objeto
discursivo). Texto é um objeto empírico de análise, suporte
da materialidade significante e da dispersão de posições-su-
jeito no texto. Logo, um texto não é transparente, não tem
completude, nem tem um autor onipotente capaz de dominar
integralmente o que quer dizer, pois, como já mencionamos,
o sujeito é afetado pelos esquecimentos número 1 e número
2. Nas palavras de Orlandi, “o texto é um bólido de sentidos”
(ORLANDI, 1996, p. 14). Discurso, objeto teórico, não é dado

111
aprioristicamente. É um objeto sócio-histórico que tem na ma-
terialidade da linguagem seu pressuposto. Ainda para a autora,
“A organização do texto enquanto unidade é reflexo indireto da
ordem do discurso, não sendo possível passar diretamente de
um para outro” (ORLANDI, 2001, p. 66). O texto dá dicas, em
seu efeito de totalidade, da organização de um discurso, mas,
ao ser construído sob a égide da unidade, e não da dispersão,
distingue-se absolutamente da noção de discurso.
Diante de um texto, o analista de discurso se pergunta: em
que posições – identificado com quais formações discursivas, sob
quais formações imaginárias e em quais condições de produção
– um sujeito se inscreve para ser sujeito do que diz? Pensemos no
enunciado “Não fui eu”, pichado em diversos bairros da cidade
do Rio de Janeiro.

Figura 2. Pichação “Não fui eu” 1

112
Figura 3. Pichação “Não fui eu” 2

O analista do discurso se defronta com a opacidade de


uma enunciação que textualiza uma posição discursiva em
que o sujeito se inclui e se exclui simultaneamente. Diante do
imperativo jurídico instituído pela prefeitura da cidade – é
proibido fazer pichações –, o sujeito se inscreve na posição em
que a imagem infratora do sujeito que picha é, ao mesmo tempo,
ironizada em relação à imagem que se faz da proibição de pichar
ao enunciar “não fui eu”. Ou, ainda, pensemos no enunciado
“Ano passado eu morri, mas este ano eu não morro”. A análise
de tal enunciado encontra-se tanto intrinsecamente relacionada
às condições de produção de sua formulação inicial, datada
de 1976, por Belchior, quanto aos deslocamentos da posição-
-sujeito que retoma a canção, em 2020, e repete, deslocando,
e ressignificando, o dito inicial, tal como podemos encontrar
no canto de Emicida em parceria com Pabllo Vittar e Majur.
Em que medida as posições-sujeito estão em relação? “Sujeito
de sorte”, título da canção de 1976, encontra-se em relação com
os movimentos de resistência do século XXI, daí a música ser
retomada e cantada por outras vozes.

113
Por fim, ainda mantendo a conversa sobre as posições-sujeito
em sua dispersão no texto, quando no batimento entre descri-
ção e interpretação observamos no site do Brasil Escola o modo
como as datas comemorativas do mês de maio são significadas,
verificamos uma posição-sujeito que inicia a textualização em
terceira pessoa com efeitos de universalização de um saber e
de impessoalidade (“Considerado o mês das noivas, o mês de
maio...”), e que segue nessa posição (“... é celebrado... se comemo-
ra...”). No entanto, há um deslocamento dessa posição quando se
menciona a história brasileira e a escravidão. A posição-sujeito
inscrita no texto desliza de uma impessoalidade das efemérides
genéricas sobre datas notáveis para o mês de maio em uma
direção de inclusão de algo específico da brasilidade, como se
pode ler no enunciado “A história do Brasil também traz para o
mês de maio uma data muito importante....”. O dispositivo de
análise incide justamente na dessuperficialização desse texto
de modo desfazer os mecanismos sintáticos que sustentam um
efeito de impessoalidade na enunciação discursiva. O enunciado
“A história do Brasil também traz para o mês de maio uma data
muito importante...” assinala precisamente a enunciação (com
a inclusão da forma material “também”) de uma data histórica
que reclama sentidos ainda hoje em sua relação às condições de
produção. A enunciação, do ponto de vista da Análise do Discurso,
é tecida por nós (núcleos de significação) que materializam um
funcionamento da língua que vai além do funcionamento da
língua em si mesma, tal como propunha Benveniste (1989 [1970])
em “O aparelho formal da enunciação”. A enunciação discursiva
equivale a “colocar fronteiras entre o que é ‘selecionado’ e tor-
nado preciso aos poucos (através do que se constitui o ‘universo
do discurso’, e o que é rejeitado” (PÊCHEUX; FUCHS, 1975
[1990], p. 176). Tais fronteiras estão sempre determinadas pelas
formações imaginárias, pelas condições de produção e pelo que é
possível enunciar de uma dada posição inscrita em uma formação
discursiva em suas relações com a formação ideológica. Se, por
um lado, o formulável é o que impregna a enunciação com um

114
gesto de interpretação e com a responsabilidade de tal gesto, por
outro, o formulável é, também, a possibilidade da inscrição da
falha, do que fratura a própria enunciação levando o sujeito, de
sua posição enunciativa, a balbuciar... “Eu não quis dizer isto...”,
“Me confundi...”, “Foi além do meu controle”.
Prosseguindo com as etapas de trabalho que um analista
do discurso deve seguir, a dessintagmatização textual (ou des-
superficialização) corresponde ao momento em que se efetuam
os recortes das sequências discursivas. É o momento em que se
analisa o funcionamento parafrástico-polissêmico da linguagem.
Essa etapa, da deslinearização das estruturas sintáticas, representa
um movimento de análise que não separa o domínio da base
material da língua em sua relação à exterioridade, ou seja, em
relação às condições de produção sócio-históricas, à memória e
às formações imaginárias. Observam-se o estável e o descontí-
nuo que estão em movimento no corpus analisado. O gesto de
análise se encontra no entremeio de dois domínios, o da língua
e o da história, logo, no domínio do discursivo em que jogam
o intradiscurso e o interdiscurso. Tal movimento de análise é
sustentado pela teoria e remete à forma material da língua.
O objeto discursivo resulta dessa transformação visada pela
análise, a qual tem início com os recortes, com a organização
do corpus formado pelas sequências discursivas, visa anular a
ilusão número 2 e atingir os processos discursivos, os processos
de produção de sentidos. Esse procedimento de análise do intra-
discurso em relação ao interdiscurso permite chegar às formações
discursivas. Estas representam resultados possíveis de análise;
não constituem um ponto de partida, mas de chegada. Por estar
atento ao que falha, o analista pode observar que as formações
discursivas não são integralmente cobertas pelo interdiscurso.
Pêcheux (1975 [1990], p. 181) afirma que as relações de defasagem
entre o interdiscurso e as formações discursivas precisam ser
observadas durante a análise.
Como afirma Orlandi (2007 [1996], p. 9): “A interpretação
está presente em toda e qualquer manifestação da linguagem”, e

115
“as diferentes linguagens, ou as diferentes formas de linguagem,
com suas diferentes materialidades, significam de modos dis-
tintos”. É na busca por sentidos em seus processos de produção
que se inscreve o trabalho do analista de discurso, em gestos de
análise que incidem sobre diferentes materialidades significantes
em sua inscrição na linguagem e na história.

Gesto de análise
Pinçando um acontecimento jornalístico (DELA-SILVA, 2016, p. 263
et seq): Dia 26 de janeiro de 2017. Os noticiários do Brasil inteiro foram
preenchidos por notícias sobre o mandado de prisão preventiva de Eike
Batista. O ex-bilionário era alvo de investigação por envolvimento com
os possíveis crimes cometidos pelo ex-governador do Rio de Janeiro,
Sérgio Cabral (PMDB). Com Eike Batista foragido, tem início uma série
de comentários jornalísticos sobre as relações do investigado com par-
tidos políticos. Logo no Bom dia Brasil, da Rede Globo, Alexandre Garcia
traça uma crítica. Replicando uma afirmação da apresentadora Ana
Luiza Guimarães de que “O Eike sempre teve boas relações tanto com
o ex-governador Sérgio Cabral quanto com o governo federal petista”,
o comentarista afirma: “Excelentes relações, bom dia. Eike Batista foi
um modelo para Lula, de empresário brasileiro com nível dos grandes
empreendedores do mundo. Acompanhou Lula e Dilma em palanques e
era elogiado por eles. Figurou nas listas de grandes bilionários do mundo.
Fez livro, deu palestras, sempre como um grande modelo. [...] Agora é
modelo do avesso disso.”

Reconhecendo padrões: “boas relações tanto com o ex-governador


Sérgio Cabral [um nome próprio, silenciando partido político] quanto
com o governo federal petista [privilegiando o partido ao nome próprio]”;
“modelo para Lula, [...] acompanhou Lula e Dilma” [tanto o nome do
ex-governador do RJ quanto seu partido político, o centrista PMDB,
somem de cena”. Para dizer X, é necessário apagar Y.

116
Retomando a memória discursiva: O Fantástico, da Rede Globo, de
1o de janeiro de 2012 (apenas cinco anos antes) elege o empresário e
futuro foragido para dar conselhos: “Eike Batista dá dicas para quem
quer abrir o seu próprio negócio”. Renata Ceribelli, na chamada, anun-
cia: “Olha, se você é empreendedor, quer abrir um negócio próprio em
2012 ou já tem um negócio e quer crescer, prosperar, você não pode
perder as dicas desse homem”. Essa introdução à matéria-homenagem
de nove minutos que segue significa: “Esse homem”, Eike Batista, é o
empresário em quem o Fantástico, líder de audiência, confiou para falar
sobre planejamento de negócios na abertura do ano.

Desopacizando o dizer: Apenas de Eike ter sido modelo para as orga-


nizações Globo (e não apenas para Sérgio Cabral Filho ou Lula ou Dilma
ou PT ou PMDB), o nome da rede é silenciado quando das críticas ao
modo como o enriquecimento se deu. Opera aí o silêncio constitutivo,
produzindo como evidência a responsabilização a todos, menos ao dis-
curso midiático que repetidamente elege sujeitos como heróis nacionais.

Perspectivas e eixos de pesquisa em Análise do Discurso


no Laboratório Arquivos do Sujeito da UFF
O início dessas pesquisas no programa de pós-graduação
da UFF remete a meados da década de 1990, com a orientação
de trabalhos de iniciação científica, mestrado e doutorado pela
docente e pesquisadora Bethania Mariani. Essa tradição em pes-
quisas é fortalecida com a fundação do Laboratório Arquivos do
Sujeito (LAS), já com Vanise Medeiros, em 2009, com a proposta
de reunir pesquisadores que se voltam a reflexões teórico-analíticas
acerca do sujeito e dos arquivos, em suas diversas materialidades
textuais, visuais, orais e digitais. Sob orientação dos pesquisadores
do LAS (que passa a contar com Silmara Dela-Silva e Phellipe
Marcel como docentes efetivos respectivamente em 2011 e 2018),
já foram defendidas mais de quarenta teses de doutorado e mais

117
de cinquenta dissertações de mestrado, mobilizando o quadro
teórico-metodológico da Análise do Discurso.
Os projetos dos pesquisadores do LAS se desdobram, se
articulam e podem ser organizados em cinco principais eixos
temáticos, a saber: i) discurso, sujeito e laço social; ii) o discurso
midiático em seu funcionamento; iii) discurso político, políticas
públicas e produção de conhecimento no Brasil; iv) discurso
sobre os/dos/nos arquivos e em distintos objetos técnicos, dos
livros ao digital; v) dicionários, glossários e notas em discurso. A
pluralidade dos corpora e a atenção a diferentes funcionamentos
discursivos são características das pesquisas desenvolvidas na
Análise do Discurso de base materialista, no LAS.
O primeiro eixo – discurso, sujeito e laço social – traz como
temática geral uma discussão ampla acerca da noção de sujeito
em relação a processos de subjetivação, constituição de subjeti-
vidade e individualização. Um exemplo de objetos de pesquisa
nessa frente de trabalho são os relatos de si e os testemunhos
divulgados em diferentes domínios públicos sobre situações de
violência urbana e do Estado. Tais análises, que propõem dar
continuidade a uma “escuta social”, como formulada por Pêcheux,
possibilitam pensar discursivamente o sujeito, seus laços sociais
e suas formas de resistência em nossa formação social.
No segundo eixo, a que chamamos o discurso midiático em
seu funcionamento, temos como proposta o desenvolvimento de
reflexões teórico-analíticas a respeito dos discursos da/na mídia,
compreendendo o discurso jornalístico e o discurso publicitário,
em suas distinções e em seus processos de imbricação, bem como
as práticas discursivo-midiáticas digitais, que se marcam na rede
eletrônica de um modo geral e, em particular, em redes sociais.
Nessa frente de trabalho, buscamos pensar discursivamente a
mídia e os discursos que nela são formulados e encontram cir-
culação, produzindo discursividades acerca de questões sobre
gênero e sexualidade, sobre os sujeitos na atualidade, sobre as
relações entre língua, ensino e escola.

118
No eixo que intitulamos discurso político, políticas públicas
e produção de conhecimento no Brasil, estão localizadas as pes-
quisas desenvolvidas no LAS que se voltam ao discurso político,
ao discurso jurídico e a outros discursos institucionais, a exemplo
das legislações sobre o ensino e suas práticas. Nesse eixo, visamos
analisar os modos de formulação e circulação do discurso político
brasileiro na atualidade, com foco em seus impactos em áreas
fundamentais, como a ciência, a cultura e a educação. Incluímos
neste eixo, a práxis da circulação do conhecimento na forma da
produção de uma Enciclopédia Virtual do Discurso (Encidis).
Também reunimos nessa frente de trabalho os discursos do/
sobre o espaço urbano, que funcionam em relação ao político
em nossa conjuntura sócio-histórica.
O quarto eixo – discurso sobre os/dos/nos arquivos e em dis-
tintos objetos técnicos, dos livros ao digital – reúne pesquisas acerca
da noção de arquivo no campo teórico da Análise do Discurso,
pensando seus limites e especificidades em relação à constituição
do corpus discursivo, e questionando seus efeitos de (in)completude.
Também nessa frente de trabalho estão as análises que se voltam
a diferentes objetos técnicos lidos discursivamente, dos livros ao
discurso digital, e que buscam identificar como eles se inscrevem
nas formações sociais, como são atravessados historicamente por
diferentes discursos e provocam efeitos políticos na malha social.
No quinto eixo, sob o título dicionários, glossários e notas
em discurso, temos os trabalhos desenvolvidos pelo Grupo
Arquivos de Língua (GAL), que funciona no âmbito do LAS,
voltando-se a análises discursivas em interface com a História
das Ideias Linguísticas, tomando, por exemplo, notas de rodapé
e verbetes em glossários e dicionários brasileiros como objetos
de análise. Tais pesquisas se centram na análise do processo de
dicionarização de um léxico advindo de registros nas bordas dos
textos, na escrita de escritores, bem como em apresentações de
dicionários e glossários, crônicas e prólogos. Nessa perspectiva,
as análises se voltam a dizeres sobre a língua e o imaginário de
língua em nossa formação social.

119
Memória e atualidade em pesquisa
Como vimos neste capítulo, a história da Análise do Discurso
materialista tem seu início no final da década de 1960, quando
Pêcheux e o grupo de pesquisadores ao seu redor se voltam aos
processos de produção de sentidos pensados em sua determinação
histórica. Questionar as evidências dos sentidos, naquele momento,
mostrava-se bastante promissor frente aos movimentos políticos e
às mobilizações populares que levaram ao maio de 1968, e a seus
desdobramentos, na França. Na memória da Análise do Discurso
de então, estão variados percursos analíticos que se voltam ao po-
lítico e ao histórico, a exemplo da tese de Jean-Jacques Courtine,
publicada no Brasil com o título Análise do discurso político: o
discurso comunista endereçado aos cristãos (2009 [1981]); ou da
pesquisa de Denise Maldidier, “O discurso político e a guerra da
Argélia”, registrada em um dos capítulos da coletânea Gestos de
leitura: da história no discurso (ORLANDI, 2010 [1990]). Como
afirma Mazière (2010 [1990], p. 12), o projeto da Análise do Discurso
proposta por Pêcheux “se inscreve num objetivo político: a arma
científica da linguística oferece meios novos para a abordagem
política”, o que moverá as reflexões do grupo.
Na memória dos primeiros trabalhos em Análise do Discurso
no Brasil, na década de 1980, outros gestos analíticos entram em
cena. Eni Orlandi, inicialmente, volta-se ao discurso pedagógico e
ao discurso religioso, com foco em seus funcionamentos. Trata-se,
como mostra a autora, de discursos autoritários, que se marcam
pela não reversibilidade entre os seus interlocutores (ORLANDI,
2003 [1982]). Dizer dos discursos religioso ou pedagógico, como
afirmará a autora posteriormente (Fávaro, 2012), era dizer sobre o
que se podia dizer naquela conjuntura sócio-histórica de censura
à expressão e à produção do conhecimento no país. Em outra
entrevista (ORLANDI, 2019, p. 75), a autora afirma: “No Brasil,
sobretudo no início, também havia os que não aceitavam que se
trabalhasse a linguagem, pensando sujeitos e ideologia”. Assim,
em seu percurso no Brasil, a Análise do Discurso se marca pela

120
pluralidade das materialidades significantes em análise, desde os
seus primórdios. Não tomar exclusivamente o discurso político
como objeto de análise, entretanto, não significa deixar de pensar
o político e a política. Como afirma Orlandi (1998, p. 74):
O político compreendido discursivamente significa que o
sentido é sempre dividido, sendo que esta divisão tem uma
direção que não é indiferente às injunções das relações
de força que derivam da forma da sociedade na história.
O político está na divisão dos sentidos, o que faz do discurso
sempre político, porque funciona pela contradição.
Algumas das primeiras teses em Análise do Discurso no
Brasil, defendidas no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), da
Unicamp, na década de 1990, voltam-se ao discurso político. Um
exemplo é A fala dos quartéis e as outras vozes, de Freda Indursky
(1992), publicada em livro posteriormente (Indursky, 1997), que
toma para análise os discursos dos presidentes militares no Bra-
sil. Outras pesquisas, no entanto, demarcam essa variedade de
discursos mobilizados analiticamente: em Confidências da carne:
o público e o privado na enunciação da sexualidade (1992), Pedro
de Souza centra suas análises na questão do sujeito homossexual,
constituindo seu corpus a partir de cartas enviadas a um grupo de
afirmação homossexual da década de 1980 (Souza, 1997); já em
O comunismo imaginário: práticas discursivas da imprensa sobre
o PCB (1922-1989), Mariani (1998) analisa o discurso jornalístico
sobre o comunismo e os comunistas no Brasil; Souza (1994), por
sua vez, trata do discurso indígena, em tese com o título Discurso
e oralidade: um estudo em língua indígena (Bakairi).
A pluralidade das primeiras teses defendidas no Brasil
torna-se uma característica das pesquisas no país. Nos diversos
laboratórios, núcleos e grupos de pesquisas espalhados em ins-
tituições acadêmico-científicas brasileiras de todas as regiões,
a perspectiva teórico-metodológica da Análise do Discurso
materialista é mobilizada incessantemente.
Na atualidade, são vários os eixos temáticos contemplados
por tais pesquisas, a exemplo daqueles que mencionamos na seção

121
anterior, ao tratarmos dos trabalhos desenvolvidos no Labora-
tório Arquivos do Sujeito (LAS), na UFF. O discurso político,
assim como os discursos religioso e pedagógico, seguem em
análise. Também o discurso jurídico e o discurso jornalístico não
perderam seus espaços nos interesses dos analistas de discurso
brasileiros. Contudo, por decorrência das condições de produção
sócio-históricas e de suas demandas, outros discursos também
se fazem bastante presentes nas práticas analíticas atuais. É o
caso dos discursos do/no digital (com o advento, popularização e
recente dominância da tecnologia), por exemplo, e dos discursos
de/sobre raça, racialidade, racialização e gênero(s) (uma justa rei-
vindicação de movimentos sociais que fez furo em diversas áreas
de conhecimento, entre elas, a Análise do Discurso materialista).
No caso dos discursos do/no digital, são várias as reflexões
teórico-analíticas em curso sobre a rede eletrônica e as redes sociais.
Esses trabalhos se voltam às práticas discursivas em circulação
nessas condições, mas não só; os momentos de constituição e
formulação dos discursos também se fazem alvo de análises,
considerando, em especial, as noções de arquivo e memória, as
questões de constituição do sujeito nesses espaços e os possíveis
gestos de resistência do/no digital.
No campo dos discursos de/sobre raça, racialidade, racia-
lização e gênero(s), destacam-se os diálogos com estudos em
outras áreas, tais como os estudos de gênero e os estudos histó-
rico-filosóficos sobre raça e etnias, com atenção a noções como a
interseccionalidade, por exemplo, e às formas de resistência do/no
discurso. Tais análises apontam para tendências no campo dos
estudos discursivos, que têm se consolidado justamente em função
de contingências sócio-históricas que se marcam na atualidade.
Dizer das perspectivas futuras é sempre mais difícil. Contudo,
como nos aponta Orlandi ([1996] 2007), o trabalho do analista de
discurso se inscreve na injunção à interpretação que captura todo
sujeito na linguagem, o que faz da “questão dos sentidos” “uma
questão que não se fecha” (ORLANDI, 2007 [1996], p. 10). Fazer
Análise do Discurso, como afirma Pêcheux (2008 [1983], p. 57),

122
é “uma questão de ética e política: uma questão de responsabi-
lidade”; a Análise do Discurso materialista será, assim, sempre
pautada pelas contingências sócio-históricas, que constituem
sujeitos e sentidos, e que, face a materialidades significantes
diversas, clamam por (novos) gestos de interpretação.

Sugestões de leitura e materiais


Para o leitor que deseja iniciar seus estudos, elaborando e
desenvolvendo um projeto de pesquisa na área, indicamos, em
especial, as seguintes leituras:
– Análise de Discurso: princípios e procedimentos, de E.
Orlandi, publicado pela Pontes Editores. Trata-se de um
livro de caráter introdutório, que apresenta os principais
conceitos e métodos de análise.
– Análise de discurso, uma introdução, de S. Dela-Silva, F.
Lunkes, D. Assumpção Garcia e A. Baalbaki, publicado pela
Eduff. Obra de caráter introdutório que reúne conceitos
basilares da área, associados a variados exemplos de aná-
lises e propostas de atividades com respostas comentadas.
– Encontros na análise de discurso: efeitos de sentidos entre
continentes, organizado pelos membros do Coletivo de
Trabalho Discurso e Transformação (Contradit), publicado
pela Editora Unicamp. Livro de entrevistas com diversos
pesquisadores de Análise do Discurso de instituições de
pesquisa brasileiras, francesas e mexicanas.
– Glossário de termos do discurso, organizado por Maria
Cristina Leandro-Ferreira, publicado pela editora Pontes.
Esse glossário traz 49 conceitos que apresentam, com argú-
cia, os fundamentos da Análise do Discurso materialista.
– “Textos e conceitos fundadores em Michel Pêcheux: uma
retomada em Althusser e Lacan”. Artigo de B. Mariani,
publicado na revista Alfa, v. 54, 2010.

123
– Materialidades discursivas, coletânea organizada por
B. Conein, J.-J. Courtine, F. Gadet, J.-M. Marandin e
M. Pêcheux, pela Editora Unicamp. Nesse livro, estão
reunidos artigos de Pêcheux e de outros pesquisadores a
ele relacionados que faziam parte dos Anais do Colóquio
Matérialités Discursives (em 24, 25 e 26 de abril de 1980).
– Revista Gragoatá, v. 18, n. 34, 2013: “Análise de discurso
e discursos contemporâneos: hegemonias e resistências”.
Disponível em: https://periodicos.uff.br/gragoata/issue/
view/1738. Esse número da revista Gragoatá, organizado
por B. Mariani e V. Medeiros, reúne diversos artigos de
pesquisadores da Análise do Discurso, oferecendo um
panorama de discussões atuais.
– Cadernos de Letras da UFF, v. 30 n. 59, 2019: “Discurso
político: processos de significação em tempos de fake
news”. Disponível em: https://periodicos.uff.br/cadernos-
deletras /issue/view/2206. Esse número, organizado por
B. Mariani e S. Dela-Silva, trata do discurso político em
seu funcionamento na atualidade, reunindo artigos em
diversas perspectivas de estudos do texto e do discurso,
mas, em especial, importantes reflexões de pesquisadores
da Análise do Discurso materialista.
– Revista da Abralin, v. 19, n. 3, 2020: “Discursos da cena
política brasileira em análise: a (des)construção da educação,
da ciência e da cultura em nossa formação social”. Dis-
ponível em: https://revista.abralin.org/index.php/abralin/
article/view/1776. Esse dossiê temático, organizado por E.
Grigoletto, B. Mariani e G. L. de Rosa, traz artigos que se
voltam ao cenário brasileiro após o impeachment/golpe
que depôs Dilma Rousseff da Presidência da República
em 2016, além de oferecer um panorama de pesquisas
em curso na área.

124
Sites de pesquisa
– Enciclopédia Virtual do Discurso e áreas afins: http://
encidis-uff.com.br/.
– Grupo Arquivos de Línguas: https://gal.hypotheses.org/.
– Laboratório Arquivos do Sujeito: http://las.sites.uff.br/.

Referências
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efeitos de sentidos entre continentes. Campinas: Editora Unicamp, 2019.
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BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral II. Campinas:
Pontes, 1989.
COURTINE, Jean-Jacques (1981). Análise do discurso político: o discurso
comunista endereçado aos cristãos. São Carlos: EdUFSCar, 2009.
DELA-SILVA, Silmara Cristina. Do acontecimento jornalístico e do
arquivo: efeitos do/no discurso. In: GRIGOLETTO, Evandra Grigoletto;
DE NARDI, Fabiele Stockmans (orgs.). A Análise do discurso e sua história:
avanços e perspectivas. Campinas: Pontes, 2016.
FÁVARO, Tatiana. Eni Orlandi fala sobre análise do discurso e linguagem
em entrevista. Globo Universidade, 5 nov. 2012. Disponível em: http://
redeglobo.globo.com/globouniversidade/noticia/2012/11/eni-orlandi-
fala-sobre-analise-do-discurso-e-linguagem-em-entrevista.html. Acesso
em: 3 mar. 2021.
HAROCHE, Claudine; HENRY, Paul; PÊCHEUX, Michel (1971).
A semântica e o corte saussuriano: língua, linguagem, discurso.
Linguasagem, n. 3, 2008.
INDURSKY, Freda. A fala dos quartéis e as outras vozes. Campinas:
Editora Unicamp, 1997.
LAGAZZI, Suzy. O recorte significante na memória. In: INDURSKY,
Freda; FERREIRA, Maria Cristina Leandro; MITTMANN, Solange
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São Carlos: Claraluz, 2009.
LUNKES, Fernanda. Depressão e medicalização no discurso jornalístico.
Curitiba: Appris, 2018.

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na França. In: ORLANDI, Eni (org.). Gestos de leitura: da história no
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MARIANI, Bethania. O PCB e a imprensa: o comunismo no imaginário
dos jornais. 1922-1989. Campinas: Editora Unicamp; Rio de Janeiro:
Revan, 1998.
MARIANI, Bethania; DELA-SILVA, Silmara. Ideias teóricas em circulação
entre França e Brasil: de Michel Pêcheux e Eni Orlandi. In: JOBIM, José
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imaginários. Pau: Presses de l’Universités de Pau et des Pays de l’Adour;
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ORLANDI, Eni (1982). A linguagem e seu funcionamento: as formas do
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intelectual começa muito antes de começar. In: ADORNO, Guilherme
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discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas: Editora
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126
PÊCHEUX, Michel (1975). Semântica e discurso: uma crítica à afirmação
do óbvio. 4. ed. Campinas: Editora Unicamp, 1988.
PÊCHEUX, Michel (1975). Semântica e discurso: uma crítica à afirmação
do óbvio. 4. ed. Campinas: Editora Unicamp, 2009.
PÊCHEUX, Michel (1982). Delimitações, inversões, deslocamentos.
Cadernos de Estudos Linguísticos, v. 19, p. 7-24, 1990.
PÊCHEUX, Michel (1982). “Ler o arquivo hoje”. In: ORLANDI, Eni
Puccinelli (org.). Gestos de leitura. Campinas: Editora Unicamp, 1994.
PÊCHEUX, Michel (1983). O discurso: estrutura ou acontecimento. 5.
ed. Campinas: Pontes, 2008.
PÊCHEUX, Michel; FUCHS, Catherine (1975). A propósito da análise
automática do discurso: atualização e perspectivas. In: GADET, Françoise;
HAK, Tony (orgs.) Por uma análise automática do discurso: uma introdução
à obra de Michel Pêcheux. Campinas: Editora Unicamp, 1990, p. 61-162.
SCHERER, Amanda et al. O lugar dos estudos franceses na constituição de
uma memória da Análise de Discurso no Brasil. Letras, n. 48, p 9-28, 2014.
SOUZA, Pedro. Confidências da carne: o público e o privado na enunciação
da sexualidade. Campinas: Editora Unicamp, 1997.
SOUZA, Tania C. C. Discurso e oralidade: um estudo em língua indígena
(Bakairi). 1994. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade Estadual
de Campinas, Campinas, 1994.

127
CAPÍTULO 4

Análise do Discurso: conceitos e percursos


de pesquisas em linguagem-intervenção
Del Carmen Daher
Dayala Paiva de Medeiros Vargens
Maria Cristina Giorgi

“Esse texto pretende ser uma fala coletiva. É por


compartilhar um mesmo espaço de indignação
que tenho algo a dizer, e dizer algo é condição
para nos mantermos minimamente sadios.
Ainda ter interlocutores, isso é bom!”
(Rocha, 2020, p. 259)

Introdução ao campo e seu desenvolvimento


Recuperar a história de um campo e fazer um diagnóstico
do presente é uma forma de colaborar com sua necessária rein-
venção, segundo Gregolin (2004, p. 12). Revisitar as origens da
formação da Análise do Discurso (AD), entretanto, não é uma
tarefa simples, visto que esta não apenas surge de encontros
diversos entre quadro de intelectuais, contextos epistemoló-
gicos e ideológicos diferentes, como também vem traçando
percursos distintos.
No Dicionário de Análise do Discurso, tanto no prefácio
(CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004, p. 13), como no
verbete “Análise do Discurso” (CHARAUDEAU; MAINGUE-
NEAU, 2004, p. 43), aponta-se a dificuldade de retomar a história
dessa disciplina, no interior das ciências da linguagem, por ela
proceder, ao mesmo tempo, da renovação de estudos muito anti-
gos de textos, como a retórica e a hermenêutica tradicional, e por
não derivar de um único ato fundador, mas da convergência de
movimentos com pressupostos diferentes originários da Europa
e dos Estados Unidos nos anos 1960.
Na tentativa de definir as principais correntes que modelaram
o campo atual da AD, Charaudeau e Maingueneau destacam
a etnografia da comunicação de (GUMPERZ; HYMES,
1964), a análise conversacional de inspiração etnometo-
dológica (GARFINKEL, 1967), a Escola francesa; a isso
se junta o desenvolvimento das correntes pragmáticas, as
teorias da enunciação e a linguística textual.
Porém, afirmam os autores que não só essas correntes podem
ser consideradas; é preciso levar em conta outros domínios, como
os que advêm das reflexões de Foucault (1969), que
desloca a história das ideias para o estudo dos dispositivos
enunciativos, ou a de Bakhtin, no que diz respeito, em
particular, aos gêneros de discurso e à dimensão dialógica
da atividade discursiva (CHARAUDEAU; MAINGUE-
NEAU, 2004, p. 43).
Pertencentes a domínios diferentes, as pesquisas em AD
desenvolveram, portanto, terminologias e pressupostos teóricos
próprios, levando à identificação da existência de diferentes “Aná-
lises do Discurso” (FIORIN, 1990; MUSSALIM, 2003, p. 113).
A nosso ver, ela, em seu amplo espectro, contempla vertentes que
se diferenciam a partir do entendimento e uso de conceitos como
língua, discurso e interdiscurso; práticas, memória, formação,
acontecimento e sujeito discursivos; formulação e constituição de
enunciados. Seguem, também, encaminhamentos metodológicos
e problemáticas de natureza diversa.

130
Estas autoras, e demais pesquisadores integrantes do
grupo de pesquisa “Práticas de linguagem, trabalho e formação
docente” (GRPesq-UFF-CNPq),1 doravante GRPesq “Práticas”,
inscritos em uma concepção de Linguística Aplicada de vertente
discursiva (ROCHA; DAHER, 2015), a partir de preceitos teóricos
da AD, priorizam análises que envolvem questões advindas do
social. São exemplos as políticas vinculadas à educação pública,
a formação e o trabalho docente, as questões ético-raciais, de
gênero e quaisquer outras que se apresentem relevantes para
a desnaturalização de verdades constituídas. Cabe ressaltar:
pautamo-nos em um entendimento de um “social” que é dis-
cursivamente constituído.
Nesse sentido, mais adiante, incluímos referências a algumas
das pesquisas que vêm sendo desenvolvidas junto ao Programa
de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem (Posling-UFF), na
linha Teorias do texto, do discurso e da tradução.

1
O grupo “Práticas de linguagem, trabalho e formação docente” (GRPesq-UFF-CNPq),
do qual fazem parte as três autoras deste capítulo, sendo duas suas líderes, reúne
professores, estudantes e egressos da pós-graduação e alunos de graduação que
trabalham a interface entre estudos linguísticos e práticas sociais. São privilegiadas
articulações entre as práticas de linguagem, o mundo do trabalho e a formação
docente, sob um olhar discursivo-enunciativo. O grupo, atualmente, se constitui
das seguintes linhas de pesquisa: “Mídia e repertórios culturais na construção de
identidades étnico-raciais” (Cefet-RJ), “Práticas de linguagem em contextos variados:
enunciação, discurso e interação” (Uerj) e “Teoria do texto, do discurso e da tradu-
ção” (UFF). Seus pesquisadores integram o grupo de trabalho “Discurso, trabalho
e ética” (antigo GT “Linguagem, enunciação e trabalho”, em 2006), da Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística. Espelho do grupo
no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) está
disponível em: http://dgp.cnpq.br/dgp/faces/home.jsf.

131
Tradicionalmente, na história da AD, distinguem-se a de origem francesa
e a anglo-saxã, ainda que haja diferenças no interior de cada uma delas.
A gênese da escola francesa está atrelada a diversos fatores, dentre os
quais se destaca, além de um momento de crescimento da Linguística,
a conjuntura das Ciências Humanas da época, ocupada pelo Marxismo
althusseriano, pela Psicanálise e pelo Estruturalismo. É nesse horizonte –
em que se inscrevem questões relativas à ideologia, à noção de sujeito e
à relação que essas noções estabelecem com as práticas de linguagem
–, que surge o projeto dessa disciplina, fortemente marcado pelo estudo
do discurso político. A AD, na vertente sobre a qual nos debruçamos neste
capítulo, é originária da linha francesa. Conforme Maingueneau (1997, p.
21), trata-se de uma “segunda geração da AD”, compreendida como uma
reação sistemática à geração anterior, que surge no fim dos anos 1960 e
início da década de 1970, associada aos estudos de Pêcheux. Dentre as
principais características da “tendência francesa”, Maingueneau (2007,
p. 21) destaca o interesse por corpora submetidos a fortes coerções
no plano institucional, o recurso às teorias da enunciação linguística,
a consideração da heterogeneidade enunciativa, a preocupação de não
apagar a materialidade linguística subjacente às funções dos discursos,
o primado do interdiscurso e a necessidade de uma reflexão sobre as
posições de subjetividade implicadas pela atividade discursiva.

Conceitos-chave e linhas teóricas


Uma das principais formas de situar o surgimento da AD
é pela oposição que ela estabelece com a chamada Análise de
Conteúdo (AC). Em estudo que traça aproximações e afastamen-
tos entre as duas abordagens, Deusdará e Rocha (2005, p. 307)
atribuem o surgimento da AD às insuficiências de uma análise
pautada prioritariamente por uma visão conteudista originária
de uma longa tradição de abordagem de textos, cujo objetivo era
atingir uma significação profunda conferida pelo locutor no ato
de produção do texto.

132
Para os autores, a proposta fundadora de Pêcheux evidencia
os limites da Linguística (da língua) ao propor uma teoria do
discurso no âmbito dos estudos da linguagem que reconfigura as
relações entre o linguístico e o social. O discurso, instituído como
objeto de análise, é então concebido como o espaço de articulação
entre o linguístico e o extralinguístico, permeados pela ideologia.
Rocha e Deusdará (2005, p. 305) consideram que “o gesto
inaugural” da AD implica, portanto, duas mudanças fundamen-
tais nos estudos da linguagem: a construção de outro olhar sobre
as práticas linguageiras e o redimensionamento do objeto de
análise. Com isso, advertem que decorre uma terceira mudança:
o lugar do pesquisador. O papel do linguista não é mais atingir
uma significação profunda ou extrair sentidos encobertos pelo
texto munidos de dadas técnicas e instrumentos, conforme pre-
conizavam as análises de conteúdo. Afastando-se da concepção
meramente representacional da linguagem, cabe ao analista do
discurso, na confluência de outros campos de conhecimento,
participar da produção de realidade, em lugar de apenas desven-
dar o que está “por trás dos textos”. Conforme a visão da AD à
qual nos alinhamos, o interesse de análise implica o ir além do
dito, o deslocar o olhar para o como é dito e suas possibilidades
de dizer, suas condições de enunciabilidade, e se pauta em um
entendimento de que o discurso é sempre coproduzido.
O termo “enunciação” advém da Filosofia, mas é a partir de
Bally (1965 [1932]) e das noções de dictum (estrutura da frase) e
de modus (reação de um sujeito modal ante o dictum) que passa
a ser incorporado à Linguística. Existem diversas vertentes e
teorias no âmbito dos estudos sobre a problemática da enuncia-
ção que resultam do diálogo que o campo estabelece com outras
disciplinas e áreas do conhecimento. Possenti (2004) entende
que, dentre as maneiras de compreendê-la, no âmbito da AD, se
destacam dois entendimentos: o de que a enunciação se volta para
“elementos de uma língua cuja função é embrear o enunciado
às circunstâncias – tempo e espaço – e aos interlocutores” e a de
que as análises enunciativas indagam na

133
superfície “discursiva”, [como] a posição dos enunciadores
é “marcada” [...] por procedimentos metaenunciativos,
produzidos no interior da FD a que o enunciador pertence
e que o condiciona a “trabalhar” para que a sequência que
produz seja uma das que pode e deve dizer (POSSENTI,
2004, p. 375-376).
Dentre os diversos autores que refletiram sobre o fenômeno
da enunciação recuperados pela AD, destacam-se os trabalhos de
Bakhtin e seu Círculo (1995 [1929]; 2000 [1979]), que desenvolvem
uma teoria da linguagem e antecipam questões problematizadas
mais tarde por Émile Benveniste (1995 [1966]; 1989 [1968]). Os
pensadores russos defendem a enunciação como atividade dialógica
historicamente situada e delimitada pela alternância entre os sujeitos.
Da enunciação, origina-se o enunciado concreto, compreendido
como a unidade da comunicação verbal e um elo de uma cadeia
complexa de outro enunciados (BAKHTIN, 2000 [1979]). Ocupa
posição central nos estudos enunciativos a obra de Benveniste, que
comporta a reflexão sobre o funcionamento da enunciação mediante
à identificação de formas das línguas – “aparelho formal da enun-
ciação” – responsáveis pela inscrição dos parâmetros da situação
de enunciação (sujeitos, tempo e espaço). No contexto brasileiro,
a teoria da enunciação atravessa o trabalho de diferentes autores e
pesquisas ligadas à Pragmática, à Linguística Textual, à perspectiva
discursiva etc., apresentando variações na forma como é definida,
em consonância com a abordagem assumida (FLORES, 2018).
Alguns princípios da teoria da enunciação são compartilhados
pelos estudos discursivos de linha francesa. Nesse contexto se
insere o trabalho de Maingueneau (1997; 2001; 2005), marcado
pela influência foucaultiana, que oferece importante contribui-
ção ao apresentar um aparato teórico e metodológico singular
para a AD, uma vez que “É preciso pensar ao mesmo tempo a
discursividade como dito e como dizer, enunciado e enunciação”
(MAINGUENEAU, 2005, p. 19).
Maingueneau (2005, p. 16) define os discursos como objetos
“integralmente linguísticos e integralmente históricos”, sendo

134
suas unidades indissociáveis de um “sistema de significantes” e
de um contexto de produção historicamente situado. A proposta
teórico-analítica do autor é considerar articuladamente esses
dois aspectos do discurso, procurando pensar o funcionamento
discursivo e a sua inscrição histórica (MAINGUENEAU, 2005,
p. 17). Ao usar o termo “discurso”, Maingueneau (2005, p. 21)
remete “menos a um conjunto de textos efetivos do que a conjunto
virtual, o dos enunciados que podem ser produzidos de acordo
com as restrições da formação discursiva”.
A noção de discurso compreende, ainda, não só a “dispersão
de textos, cujo modo de inscrição histórica permite definir como
um espaço de regularidades enunciativas”, (MAINGUENEAU,
2005, p. 15), mas também a condição de enunciabilidade, que
implica formas de (poder) dizer e silenciar, de estabelecer senti-
dos, posturas, procedimentos, sistemas de normas, apropriações,
classificações. Ou seja, a partir de imbricações que lhe dão con-
dições de/e determinam sua existência, o discurso se materializa
em formas de interlocução, em textos, nas práticas discursivas,
mas também, enquanto prática, modeliza, configura e corrobora
saberes compartilhados por comunidades que o semantizam.
Entretanto, assevera ainda o autor, a unidade de análise
pertinente não é o discurso, mas o espaço de conflito, de trocas
entre dois ou mais discursos: o interdiscurso. O primado do
interdiscurso sobre o discurso é um dos cernes do trabalho de
Maingueneau, conforme o qual os discursos não são original-
mente independentes; a sua emergência e a sua manutenção se
constituem na relação interdiscursiva. Desse ponto de vista, o
discurso não possui uma identidade fechada ou autossuficiente,
pois é somente no interior de um universo de outros discursos que
adquire sentido (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004, p. 172).
Maingueneau (1997) associa o conceito de interdiscurso
a uma tríade: universo, campo e espaços discursivos, que se
faz fundamental em sua teoria, dado que ajuda a demarcar e
delimitar o espaço de análise a ser estudado pelo pesquisador.
O autor define o universo discursivo como conjunto de formações

135
discursivas de todos os tipos que interagem numa conjuntura
dada. Esse universo discursivo representa necessariamente “um
conjunto finito, mesmo que ele não possa ser apreendido em sua
globalidade” (MAINGUENEAU, 2005, p. 35). Dada sua natu-
reza, não é uma noção que ajude o pesquisador a delimitar seu
corpus de análise. Os campos discursivos são entendidos como
conjunto de discursos em interlocução num determinado tempo
e conjuntura, nos quais as formações discursivas se encontram
em concorrência. É a partir dele que o pesquisador recorta seu
espaço discursivo de análise.
Da hipótese de que “o interdiscurso tem precedência sobre o
discurso” (MAINGUENEAU, 2005, p. 21), derivam outras, como
a noção do tratamento do discurso a partir de uma semântica
global sem que nenhum de seus planos seja hierarquizado. Esta
nos permite entender que, em um texto, forma e conteúdo não
estão dissociados e se relacionam em todos os planos discursivos
– vocabulário, modos de enunciar, dêixis, temas – construindo
significados que se materializam no texto. Pode-se dizer, então, que
a noção de semântica global tem como ponto de partida uma zona
de regularidade semântica que pressupõe regularidades globais
às quais estão submetidos léxico, temática, modo de enunciação
e de organização da comunidade que enuncia o discurso. E tais
restrições em cada formação discursiva delimitam critérios do que
pode e não pode nela ser enunciado (MAINGUENEAU, 2005).
Outra relevante contribuição do autor para os estudos enun-
ciativos é a noção de prática discursiva, designação cunhada por
Foucault e introduzida por Pêcheux, nos estudos do discurso, no final
dos anos 1960, a partir das considerações sobre a práxis marxista.
O filósofo trata de uma concepção de discurso concebido como prá-
tica e sua articulação com práticas não discursivas, entendido como
um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre de-
terminadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma
dada época e para uma determinada área social, econô-
mica, geográfica ou linguística, as condições de exercício
da função enunciativa (FOUCAULT, 2007 [1969], p. 133).

136
Dessa forma, a análise do modo como aparece determinado
enunciado, e não outro em seu lugar, relaciona-se à força de saberes
e de poderes que se inscrevem na história de cada sociedade. Para
Maingueneau (1997, p. 55), “não existe relação de exterioridade
entre o funcionamento de um grupo e o de seu discurso”, mas sim
a “reversibilidade essencial entre as duas faces, social e textual,
do discurso” (MAINGUENEAU, 1997, p. 56).
Com base nesse singular conceito, prática discursiva, Rocha
(2006; 2014) avança para a importância do “lugar atribuído à per-
formatividade a partir do ‘encontro entre linguagem e realidade’”
(ROCHA, 2014, p. 629), destacando a importância da assunção
pelos pesquisadores de um
compromisso com a alteridade, com o heterogêneo [...] no
sentido de fazer implodirem as visões totalizantes sobre o
real, possibilitando repensar os grandes estereótipos com
os quais convivemos (ROCHA, 2014, p. 629),
visando à desnaturalização do “que pode efetivamente ser
apreendido como efeito discursivo, em posição plenamente compatível
com uma visão performativa da linguagem” (ROCHA, 2014, p. 629).

Abordagens e (não) métodos


O quadro teórico da AD considera o diálogo com diversas
outras disciplinas, saberes, instâncias, experiências, assim como
as eleições do pesquisador e suas implicações. Entende-se que
todas as investigações, por mais objetivas que se queiram, resul-
tam de escolhas e envolvem a subjetividade do pesquisador, um
profissional, em nosso entendimento, situado no entrecruzamento
de condições de observações, de constatações que resultam, por
sua vez, de possibilidades de saberes, que expressam e vinculam
sentidos. Confrontos, desconfortos e debates fazem parte de todo
processo de análise (DAHER; SANT’ANNA, 2021).
As práticas de pesquisa, assim, trilham caminhos diferenciados
daqueles adotados por um paradigma científico racionalista que,
ainda hoje, impera, em grande parte das investigações das áreas das

137
ciências humanas e sociais (DAHER; SANT’ANNA, 2021). Como
analista, o pesquisador assume suas implicações com a pesquisa.
Seu fazer leva em conta questões de natureza subjetiva, singulares,
em permanente diálogo com o outro, com o heterogêneo, em um
movimento constante de reinvenção de si e do conhecimento.
As propostas de análise, no caso dos pesquisadores do
programa em Estudos de Linguagem que integram o GRPesq
“Práticas”, seguem pressupostos teóricos da AD e voltam-se para
problematizações que garantam voz aos envolvidos na pesquisa,
considerando o respeito às diferenças, à heterogeneidade, às re-
lações que deem visibilidade a polêmicas instauradas no social.
Um compromisso com a pesquisa a partir de uma dimensão
ética vivida como concepção política de existência, de estética,
de devir, como liberdade (FOUCAULT, 2010 [1994]).
Esse compromisso se manifesta como desconforto intelectual
e inconformismo (SCHWARTZ, 2016) intrínsecos ao próprio
trabalho de análise e ao envolvimento com questões impostas a
partir de relações de poder e suas condições de enunciabilidade.
Exige posicionamentos em frente a situações analisadas. Nesse
sentido, entendemos a pesquisa no diálogo com as relações postas
no social, como uma forma de resistência, militância, que pres-
supõe e exige, assim, do pesquisador em sua prática de trabalho
o confronto entre “o que se pensa e o que se diz com o que se faz
e o que se é” (FOUCAULT, 2010 [1994], p. 219), implicando um
trabalho ético que “transforma a si mesmo em sujeito moral da
sua própria conduta” (FOUCAULT, 2003 [1984], p. 28).
A concepção de ética e política inerentes aos trabalhos de
pesquisa que vêm sendo desenvolvidos acarreta uma não submissão
ao clássico paradigma da ciência positivista, uma vez que exige
do pesquisador a assunção de um lugar outro de enunciação na
academia. Um lugar que não comunga com o entendimento da
linguagem como representação do mundo, não se subordina à
imparcialidade do pesquisador, ao seu “apagamento” nas situa-
ções pesquisadas, nem a um possível afastamento entre sujeito(s)
investigador(es) e investigado(s), determinando qual saber deve

138
ser reconhecido pela validação do estrito cumprimento de passos
impostos por um método (DAHER; SANT’ANNA, 2021).
A partir desse outro lugar acadêmico de enunciação, nossas
análises se contrapõem àquelas conteudísticas e exigem deslo-
camentos e construção de novos caminhos, ao longo de todo o
processo de pesquisa: da eleição do que é necessário pesquisar,
do estabelecimento dos recortes, à escolha de categorias e ao
desenvolvimento da análise (DAHER; SANT’ANNA, 2021).
Reivindicam uma vinculação que decorre de princípios teóri-
cos que permitam a cada situação de pesquisa deslocamentos
metodológico-analíticos próprios demandados pelas relações
interdiscursivas investigadas, formações que as integram e sentidos
por elas instituídos. Cada investimento em um espaço discursivo
de pesquisa (MAINGUENEAU, 2005) constitui, desse modo,
ao longo do seu processo de análise, estratégias metodológicas
singulares que envolvam a “problematização da vida, da lingua-
gem e do próprio trabalho em práticas discursivas obedecendo a
certas regras ‘epistêmicas’” (FOUCAULT, 2003 [1984], p. 15-16).
A ruptura com métodos e regras epistêmicas predetermi-
nadas considera um posicionamento que compreende como
intrínseca às práticas do linguista aplicado à busca de formas
de interferência e de participação que problematizem e deem
visibilidade a questões ético-políticas instauradas na sociedade.
Acreditamos ser necessário superar o lugar restritivo que vem
sendo conferido a esse profissional dentro e fora do espaço
acadêmico e educacional (ROCHA; DAHER, 2015). É papel da
universidade pública e de seus profissionais discutir e envolver-se
com questões advindas do social.
Como linguistas, compreendemos um “social” cons-
tituído a partir do enunciado nas trocas verbais e no como
somos capazes de interpretá-las (ROCHA; DAHER, 2015, p.
122). O foco das análises recai, portanto, sobre o estudo do
interdiscurso, das práticas discursivas, seus funcionamentos,
textualizações, marcas enunciativas (FOUCAULT, 2007 [1969];
MAINGUENEAU, 2005). A partir dessa compreensão, trava-se

139
um constante diálogo com outras disciplinas, saberes, instâncias
e experiências, que situam o linguista em um entrecruzamento
das Ciências Humanas e Sociais.
Assim, é característico do grupo um trabalho de pesquisa
que se constitui por práticas e discussões que transcendem a sala
de aula de pós-graduação e vêm se constituindo em extensões de
troca regulares, sejam realizadas na UFF, na Uerj e no Cefet-RJ.
Participam dessas discussões alguns alunos e orientandos de ensino
médio, graduação, pós-graduação, ex-orientandos e pesquisadores
pertencentes a essas instituições de ensino. As reuniões têm se
constituído em um espaço plural de interlocuções sobre formas
de funcionamento do discurso: um espaço de construção de
resistências, ações coletivas, em prol de uma formação humana
cidadã e de maior aproximação entre licenciandos e professores e
trabalhadores, muitos deles da educação básica. Nossos diálogos
também se materializam em coorientações e participações em
bancas entre os três programas.
Por todos esses posicionamentos e formas de condução das
pesquisas, que ampliam relações entre os projetos desenvolvidos
no âmbito desse coletivo, novas articulações metodológicas têm
sido incorporadas no constante diálogo com estudos de outras
áreas do saber, como Educação, Filosofia da Diferença e Ciências
do Trabalho, entre outras. Às concepções teóricas como a do
primado do interdiscurso e a análise de redes discursivas da AD,
vêm somar-se outras, como a de rizoma, proposto por Deleuze e
Guattari (2011 [1980]), via (não) método cartográfico. Os autores
referem-se a este como um método que não segue métodos.
Um método que se opõe a concepções de lógicas binárias
de análise, de possibilidades de ser no mundo, que toma como
exemplo o conceito de raiz, advindo da Botânica. A um mundo
cosmorradícula, constituído a partir de possibilidades de vê-lo,
fixá-lo, plantá-lo, podá-lo, de raízes restritas a concepções como
a de representação, como a imagem da árvore-mundo, os autores
opõem a possibilidade de um mundo outro constituído como
raiz rizomática, múltipla e ao mesmo tempo singular, desigual e

140
única, cujo crescimento a esparrama livremente, riscando a terra,
traçando caminhos na direção do pensar o diferente aquilo que
é dado como naturalizado. Um método pelo avesso, pautado em
uma liberdade que desvincula verdades, se afeta pelo diferente,
pelo múltiplo, pelo transversal.
Deleuze e Guattari (2011 [1980]), ao se referirem a uma
concepção de cartografia, o fazem de forma a diferenciá-la da
construção de mapas. A proposta cartográfica impõe/deve permi-
tir o pensar diferente, o caminhar entre linhas que se espalham,
formam bulbos, evoluem, contemplam o descentramento. Por essa
ótica, as relações enunciativas se compreendem como constitu-
tivamente atravessadas por múltiplas formas de retomadas, por
um interdiscurso que assume configurações do dizer e não dizer
e que atravessa os mais diversos gêneros discursivos.

Figura 1. Rizoma

Fonte: Autoras

141
Ao contrário do que acontece com algumas vertentes teóricas e em
diversas áreas, é bastante difícil pensar num modo pré-estabelecido
de fazer pesquisa quando falamos da AD em que nos inscrevemos.
Principalmente se retomamos a implicação do investigador com a sua
pesquisa. Rodrigues e Rocha (2010, p. 206) chegam a afirmar que
um os maiores desafios enfrentados por aqueles que optam por uma
ótica discursiva são as dificuldades impostas pelo plano metodológico:
a natureza do corpus, o número de textos que vão ser analisados, a
extensão mínima desses textos sempre estão em questão. Apontam
como solução uma solidariedade entre teoria, corpus e metodologia,
explicando que, uma vez que temos um objeto de análise que é um
objeto teórico, a teorização define o procedimento metodológico, ao
mesmo tempo que o procedimento metodológico exige que pensemos
acerca da teoria. E a relação entre estes incide sobre a construção de
um corpus que não existe antes das escolhas feitas pelo pesquisador,
aquele que deve “por unidades em contato, selecionar sequências,
agrupá-las em bloco, voltar à teoria para, a partir dela, construir re-
cortes, relacioná-los e, a partir deles, repensar a teoria” (RODRIGUES;
ROCHA, 2011, p. 206).
Sendo assim, estamos abertos a não métodos como a cartografia, a
novas perspectivas teóricas e metodológicas que permitam dar conta
da complexidade do cotidiano contemporâneo, à heterogeneidade do
sujeito social, a novos modos de subjetivação. Intentamos, pois, como
pesquisadores, não buscar interpretações evidentes, desacreditar em um
sentido oculto de verdades à espera de serem desveladas, afastarmo-nos
da estabilidade do pré-concebido. A pretensão, assim, é vir a contribuir
com a demanda por um novo modo de entender um sujeito que não é
pré-linguístico, e sim constituído em meio a questões históricas, relações
de poder e saber. Tais reflexões se afastam de propostas vistas, por
alguns pesquisadores, como acadêmicas e se aproximam de questões
éticas, com um modo de agir no mundo.

142
Nosso investimento, portanto, se dá em pesquisas que tenham
resultados políticos e que colaborem com nosso entorno, que não
descolem a produção do conhecimento do ser social a partir de uma
visão de linguagem como resultado de um agir discursivo no mundo.
Sem pretender inaugurar discursos, entendemos ser nossa tarefa de
investigadores não somente reproduzir questões, mas propô-las a partir
de um “genuíno estranhamento do pesquisador em relação àquilo que
lhe é cotidiano e familiar”, muitas vezes rompendo com representações
“que habitam nossos próprios modos de pensar e existir acadêmicos”
(FISCHER, 1996, p. 56).

Exemplos de pesquisa
Nesta seção, apresentamos exemplos de trabalhos desen-
volvidos dentro do marco teórico da AD, junto ao nosso pro-
grama de pós-graduação, com o propósito de evidenciar como
os princípios teóricos e as ferramentas metodológicas do campo
são postas em prática nas pesquisas. Nota-se que a maior parte
desses trabalhos investigativos contempla como corpora discur-
sos da esfera educacional, ainda que pertencentes a diferentes
gêneros do discurso. Compreendemos que um dos fatores que
justificam esse recorte temático macro está relacionado com a
atuação profissional das pesquisadoras em questão, já que todas
são professoras servidoras públicas atuantes em diferentes níveis
da educação brasileira e dos ingressantes do mencionado pro-
grama, que também são, em sua maioria, professores. A seleção
das categorias analíticas, bem como os percursos metodológicos
traçados, em cada um desses trabalhos se dá de acordo com os
problemas (hipóteses, se houver) e objetivos de pesquisa; por essa
razão, são igualmente variados. O ponto comum, para além da
AD, está no engajamento, em um esforço coletivo pela resistência
e possibilidades de atuação no social: no uso da linguagem como
intervenção (ROCHA, 2006; 2014).

143
O primeiro trabalho que mencionamos é a tese intitulada
Base Nacional Comum para quê/quem? Uma cartografia de con-
flitos discursivos na produção de um currículo oficial (SOUZA,
2019), que teve como objetivo analisar práticas discursivas
que participaram da produção de sentidos de “educação”, no
decorrer do processo de elaboração da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC). A investigação se fundamenta em reflexões
feitas no campo dos estudos da cartografia social articuladas
ao conceito de rizoma de Deleuze e Guattari e de interdiscurso
de Maingueneau. Articula conceitos de cenas da enunciação,
ethos discursivo e gênero de discurso para identificar os posi-
cionamentos discursivos em disputa que constituem o debate
sobre a BNCC a estudos de Foucault, ao compreender que os
discursos privatistas e neoconservadores que atravessam esse
debate, constituem um dispositivo político-educacional e,
consequentemente, práticas de governo dos outros segundo a
lógica do capital financeiro.
Outro exemplo de pesquisa no âmbito da AD é a tese
Entre o saber e o fazer: os discursos sobre integração curricular
na Educação profissional brasileira (SOUZA, 2020). A pesquisa
foi desenvolvida no âmbito do doutorado interinstitucional
(Dinter-Capes) – oferecido pelo Posling ao Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais
(IF Sudeste MG) – com o objetivo de identificar de que modo
se constrói discursivamente a noção de integração curricular
na educação profissional brasileira, a partir da constituição da
polêmica em torno do conceito de politecnia. A autora se alicer-
ça em preceitos de Foucault sobre as condições de exercício da
função enunciativa e em teóricos que atuam no âmbito de uma
linguística do discurso.
Por que trabalho como princípio educativo? Uma análise
linguístico-discursiva em livros didáticos de língua estrangeira
moderna do PNLD 2018 (CARRIZO, 2019), tese também desen-
volvida junto ao mencionado Dinter-Capes – com o objetivo de
buscar compreender como se constitui discursivamente o con-

144
ceito de trabalho como princípio educativo em livros didáticos
de língua estrangeira moderna –, abordou a noção de trabalho
na legislação brasileira e a concepção interdiscursiva do edital
de 2018 do Programa Nacional do Livro Didático. Sua autora
recorreu a estudos de pesquisadores nos campos da Linguagem,
da Educação e das Ciências Sociais, e a base teórica das análises
considerou propostas de Foucault, processos de aparecimento,
regularização e rompimento na circulação, acesso e produção
de saberes e dizeres e preceitos sobre “heterogeneidade discur-
siva” de Maingueneau.
Da suplência à Educação de Jovens e Adultos: construção
discursiva de um percurso educacional (CATTA PRETA, 2013)
teve como principal objetivo identificar sentidos atribuídos à
Educação de Jovens e Adultos (EJA), com foco nos Centros de
Estudos Supletivos (CES) do Rio de Janeiro. O embasamento
teórico considerou a concepção dialógica da linguagem e a AD,
recorrendo aos conceitos de fórmulas discursivas, enunciados
destacados sobreasseverados e aforizados de Maingueneau e de
silenciamento de Orlandi. Num primeiro momento, a tese expõe,
a partir dos textos das Constituições brasileiras, Leis de Dire-
trizes e Bases da Educação Nacional e fragmentos de discursos
proferidos por governantes, uma leitura do percurso da EJA no
Brasil. Em uma segunda etapa, apresenta a análise de entrevistas
realizadas com professores e alunos pertencentes à modalidade de
ensino EJA. As conclusões identificam a reprodução de sentidos
cristalizados das designações supletivo e módulos de ensino, como
a existência de enunciados destacados atribuídos a esses alunos,
uma supervalorização dos módulos de ensino e uma neutralização
atribuída à figura de um professor que se sobreleva a utilização
desse material didático.
A dissertação Programa Rio Criança Global: uma política de
línguas neoliberal? (ANJOS, 2019) buscou responder à pergunta:
como se fez possível a criação do Programa Rio Criança Global
(PRCG), que institui uma política de línguas monolíngue nas
escolas da SME/RJ? Tal questão foi conduzida pelo objetivo de

145
identificar posicionamentos discursivos que atravessam essa
política de línguas e inaugurar uma ruptura discursiva no ensi-
no plurilíngue das línguas estrangeiras na mencionada rede de
ensino. A linguista recorreu ao conceito de rizoma de Deleuze e
Guattari e de discurso de Foucault para a constituição do corpus,
composto de diferentes materialidades linguísticas.
A dissertação “Para inglês ver?”: análise linguístico-discursiva
sobre o ensino de língua inglesa nas escolas municipais no âmbito
do Programa Rio Criança Global (SME/RJ) (OLIVEIRA, 2017)
também teve como foco de análise o PRCG, parceria estabeleci-
da pela Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura do Rio
de Janeiro (SME-RJ) com o curso de idiomas Cultura Inglesa,
entidade privada, sem vínculo institucional com o Ministério da
Educação. Em tal parceria, foram delegadas à Cultura Inglesa a
participação no concurso público para seleção de professores
de inglês e a realização do acompanhamento pedagógico dos
docentes. A investigação pautou-se em pressupostos teóricos
da AD e recorreu às categorias de análise prática discursiva de
Foucault e cenografia discursiva de Maingueneau.
Aprendendo a ler o PISA: avaliação ou produção de saberes
(OLIVEIRA, 2015) é uma dissertação que analisa a avaliação de
larga escala do Programme for International Student Assessment
(Pisa), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), realizada no Brasil para avaliação da leitura,
Matemática e Ciências nas escolas do país, tendo como corpus
relatórios brasileiros referentes à aplicação da prova trienal de
leitura nas edições de 2000 e 2009. O recorte de análise voltou-se
para as matrizes de referência que orientam a formulação das
questões da prova, uma vez que estas não são disponibilizadas.
Os referenciais teóricos sobre leitura recorreram a trabalhos da
AD, como Maingueneau, e à biopolítica de Foucault.

146
Parcerias
A inserção social é, sem dúvida, um dos elementos nor-
teadores das pesquisas que vêm sendo desenvolvidas nesse
coletivo. A vinculação das investigações com problemas sociais
emergentes se dá de diferentes maneiras, seja pela delimitação
dos temas de pesquisa, pelos critérios de seleção dos corpora,
pela definição dos objetivos, inclusive pela trajetória profissional
dos pesquisadores. No contexto do Posling-UFF e do GRPesq
“Práticas”, o interesse pela articulação dos estudos discursivos
com temáticas relacionadas ao trabalho docente, ou à educação
de modo mais amplo, se explica pelas indagações e inquietações
vivenciadas pelos próprios mestrandos e doutorandos, que, em
sua maioria, são professores das redes pública e privada. Nesse
sentido, as direções das pesquisas apontam para o entendimento
de que os conhecimentos elaborados no fazer científico, sob o
olhar discursivo, integram a linguagem, o mundo do trabalho e
as amplas e diversificadas demandas do contexto educativo bra-
sileiro, conforme pode ser visto em grande parte das pesquisas
rememoradas neste capítulo.
Podemos afirmar que a discussão sobre papel da lingua-
gem-intervenção nas relações estabelecidas entre sujeito e mundo
(ROCHA, 2006; 2014) impulsiona uma rede de trabalhos recentes
dentro do quadro da AD de base enunciativa desenvolvidos em
diferentes instituições que integram o grupo “Práticas”. Segundo
essa perspectiva, mais do que meramente refletir uma realidade
do mundo, as práticas linguageiras produzem uma visão desse
mundo e, ao fazê-lo, inevitavelmente, intervêm na construção
da realidade a partir dos sentidos que instituem.
Como integrantes do grupo, optamos por dar destaque, nesta
seção, a algumas frentes de trabalho que vêm sendo desenvolvidas
em outros espaços por membros do coletivo de pesquisas, visando
explicitar as novas direções que vêm sendo tomadas pelas atuais
investigações. Além das dissertações e teses já exemplificadas,
expomos a seguir as interlocuções que se estabeleceram mais

147
recentemente entre os estudos discursivos e outras áreas de
interesse coletivo de pesquisadores.
Uma das frentes de trabalho desenvolvida pelo GRPesq “Prá-
ticas” é a linha de pesquisa Práticas de linguagem em contextos
variados: enunciação, discurso e interação, vinculada ao Programa
de Pós-Graduação em Letras da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (Uerj), da qual fazem parte os professores Bruno Deusdará,
Décio Rocha e Poliana Arantes. Pautados em uma concepção de
linguagem como prática de intervenção sobre real, os projetos do
grupo reafirmam um espaço de diálogo interdisciplinar ao se voltar
para a linguagem, para a produção de subjetividades e suas articula-
ções com o universo do trabalho. Vêm se destacando investigações
voltadas para os processos de subjetivação que têm configurado a
esfera comum como espaço-tempo da desqualificação/destruição
do outro; o funcionamento dos embates em discursos produzidos
nos meios midiáticos; os discursos produzidos nos suportes de
ensino-aprendizagem de línguas, entre outras temáticas.
A título de exemplo, mencionamos a pesquisa Processos de
construção da fórmula “ideologia de gênero” (ABRANTES, 2020),
que discute o polêmico termo “ideologia de gênero”, recorrente
em discursos de políticos, discussões em grupos de pais de alunos,
artigos de jornal, páginas de repúdio em redes sociais, proposições
legislativas, palestras ministradas em diversos espaços, de uni-
versidades a igrejas etc. Nessa pesquisa, o autor – além de adotar
a cartografia como posicionamento ético-político e privilegiar
a processualidade ao estabelecimento de metas, e a análise das
implicações à pretensão de neutralidade – recorre à Análise do
Discurso para acompanhar o processo de construção do objeto
“ideologia de gênero” e de consolidação do termo como fórmula.
Outro trabalho representativo das pesquisas que acontecem
na Uerj intitula-se De juiz a ex-ministro: uma análise discursiva
dos enunciados que se insinuam na construção de um persona-
gem na política brasileira (BRUNO, 2020). A autora se propõe
a analisar, por meio da teoria discursiva, de que modo um per-
sonagem político é construído pela mídia tradicional. Para isso,

148
diversas perspectivas enunciativas são colocadas em jogo em
diferentes discursos proferidos pelo mesmo enunciador, Sergio
Moro, quando juiz, quando ministro e quando ex-ministro do
Governo Bolsonaro. Desde 2014, com o julgamento dos casos
da Operação Lava-Jato, Moro tem ocupado as mídias, tendo sua
imagem e seus discursos acerca de diversos temas concernentes
à sua atuação como jurista replicados.
O último que trazemos do grupo da Uerj – Universidade pú-
blica, neoliberalismo e produção de subjetividade: uma cartografia
discursiva da “crise da UERJ” (OLIVEIRA, 2021) – discute efeitos
de sentido que o avanço da racionalidade neoliberal vem provo-
cando nas discussões sobre o financiamento das universidades
públicas, tendo como ponto de inflexão o caso ocorrido na Uerj
nos anos de 2016 e 2017, a partir da análise de textos de opinião
publicados em jornais digitais que tinham como tema a “crise da
Uerj”. A pesquisadora respalda-se nos conceitos de governamenta-
lidade, no posicionamento ético-político da cartografia de Deleuze
e Guattari e na proposta de linguagem-intervenção de Rocha, e
identifica uma prática discursiva neoliberal que perpassa todos os
enunciados analisados, sinalizando que, na esfera micropolítica,
as subjetividades têm sido capturadas por uma racionalidade que
busca, por meio da gestão financeira, hierarquizar e ranquear re-
lações sociais pela produtividade, enfraquecendo as possibilidades
de relações de trabalho pautadas na coletividade.
Outro espaço em que se desenvolvem pesquisas do grupo
é o Programa de Pós-Graduação em Relações Étnico-Raciais
(PPRER) do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso
Suckow da Fonseca (Cefet/RJ). A partir de uma abordagem
interdisciplinar, o programa realiza pesquisas com amplo al-
cance de inserção social por atender a uma demanda histórica
– oficializada pela implementação da Lei no 10.639/2003, que
tornou obrigatória a inclusão da temática “história e cultura
afro-brasileira” no currículo oficial – de inclusão de temáticas
como raça, racismo e antirracismo na perspectiva das relações
humanas em suas investigações.

149
Remetemo-nos mais especificamente a uma das linhas de
pesquisa do grupo intitulada Mídia e repertórios culturais na cons-
trução de identidades étnico-raciais, da qual fazem parte os docentes
Maria Cristina Giorgi e Fabio Sampaio de Almeida, formados na
Uerj. Uma das características centrais das pesquisas desenvolvidas
e orientadas por esses pesquisadores, que se fundamentam na arti-
culação dos pressupostos da AD com os estudos étnico-raciais, é o
reconhecimento de que os saberes produzidos no âmbito científico
contribuem, a um só tempo, para a compreensão e a intervenção
em frente ao construto discursivo de raça e ao racismo, entendido
como sistema discursivo ainda estrutural em nossa sociedade. Por-
tanto, mais do que mapear sentidos que se instituem no discurso
racista, as pesquisas buscam contribuir, lançando mão de noções
teórico-metodológicas da AD, do construto linguagem-intervenção,
no processo de disputa de sentidos mediante o tensionamento de
supostas “verdades” enraizadas em nossa sociedade.
Trazemos três exemplos de pesquisas desenvolvidas no
PPRER. A primeira, com o título Não é mais um monólogo: mi-
diativismo negro digital, contra-agendamento e mídia hegemônica
no Brasil (BLANCO, 2019), coloca em questão o lugar ocupado
pela mídia hegemônica na reprodução de operações discursivas
coloniais de estigmatização, silenciamento e subalternização da
população negra no Brasil. A autora articula os conceitos de ne-
cropolítica e biopolítica, a partir dos pensamentos de Mbembe e
Foucault, à proposta de linguagem-intervenção, aos conceitos de
discurso, como um modo de apreensão da linguagem que é, ao
mesmo tempo, linguístico, histórico e ideológico, e ao conceito
de dialogismo, como elemento constitutivo da linguagem.
A segunda, cujo título é Explorando as páginas da “arte
negra”: o livro como ferramenta de colonização e descolonização
(PEIXOTO, 2020), coloca em discussão, a partir de uma perspec-
tiva racial, o papel que o livro desempenhou e desempenha nos
processos de colonização sofridos pelo Brasil, que impactaram
e impactam, todos os dias, sobretudo a população negra. Assim,
analisa as possibilidades que o livro pode apresentar, como su-

150
porte para a voz de pessoas negras, mesmo diante dos desafios
apresentados pelo mercado editorial, dialogando com perspec-
tivas decoloniais sobre as práticas editoriais e com a perspectiva
discursiva e a linguagem pensada numa visada social, como uma
possibilidade de intervenção na realidade.
A última pesquisa intitula-se Moda afro-brasileira, dialo-
gismo e identidades negras: o discurso e a estética de Angela Brito
(MACHADO, 2020) e busca uma compreensão da multiplicidade
de estilos que envolvem a moda afro-brasileira, investigando
relações dialógicas que se estabelecem entre os discursos pro-
duzidos especificamente sobre essa moda e a desconstrução
dos estereótipos ligados às questões raciais que permeiam essas
relações. Para tal, a investigadora alia estudos sobre a moda afro-
-brasileira sob o olhar da estilista cabo-verdiana Angela Brito,
estudos sobre racismo e a AD enunciativa.

Sugestões de leitura e materiais


A seguir, incluímos algumas sugestões de leitura que permitem
expandir o que foi apresentado neste artigo. Além de referências
teóricas importantes para a perspectiva da AD, sugerem-se teses e
dissertações que complementam esse repertório de leituras. A essas
indicações, somam-se as obras apresentadas na seção de referências.

Figura 2. Sugestões de leitura

151
ABRANTES, Filipe Silva de. Processos de construção da fórmula “ideologia
de gênero”. 2020. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.
ANÁLISE do discurso: estudos sobre políticas e práticas no cenário
da educação pública brasileira. Organizado por Del Carmen Daher e
Vanise Medeiros. Caderno de Letras da UFF, Rio de Janeiro, n. 57, 2018.
ANJOS, Graziele Ferreira. Programa Rio Criança Global: uma política
de línguas neoliberal. 2019. Dissertação (Mestrado em Estudos de
Linguagem) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2019.
BAKHTIN, Mikhail. Para uma filosofia do ato responsável. 2. ed. São
Carlos: Pedro & João, 2012.
BLANCO, Glaucia Almeida Reis. Não é mais um monólogo: midiativismo
negro digital, contra agendamento e mídia hegemônica no Brasil. 2019.
Dissertação (Mestrado em Relações Étnico-Raciais) – Centro Federal de
Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, Rio de Janeiro, 2019.
BRUNO, Viviane Roux Corrêa. De juiz a ex-ministro: uma análise discursiva
dos enunciados que se insinuam na construção de um personagem na
política brasileira. 2020. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.
CARRIZO, Valquíria Areal. Trabalho como princípio educativo: uma
análise linguístico-discursiva de livros didáticos de Língua estrangeira
moderna do PNLD de 2018. São Carlos: Pedro & João, 2021.
DAHER, Del Carmen; GIORGI, Maria Cristina; RODRIGUES, Isabel
Cristina (orgs.). Trajetórias em enunciação e discurso: práticas de formação
docente. São Carlos: Claraluz, 2007.
DAHER, Del Carmen; PEREIRA, Telma; SAVEDRA, Mônica (orgs.). O
ensino plurilíngue na escola pública: desafios em tempos de globalização.
Rio de Janeiro: Editorarte, 2020.
DAHER, Del Carmen; SANT’ANNA, Vera Lúcia de Albuquerque.
Avaliação do livro didático de língua estrangeira: em busca de um objeto
ético. In: BARROS, Cristiano; COSTA, Elzimar; GALVÃO, Janaina
(org.). Dez anos da “Lei do Espanhol” (2005-2015). Belo Horizonte: FALE/
UFMG, 2016, p. 97-122.
DEUSDARÁ, Bruno; SANT’ANNA, Vera Lúcia de Albuquerque (org.).
Trajetórias em enunciação e discurso: conceitos e práticas. São Carlos:
Claraluz, 2007.

152
DEUSDARÁ, Bruno et al. (org.). Em discurso: cenas possíveis. Rio de
Janeiro: Cartolina, 2018.
GIORGI, Maria Cristina et al. Em tempos de neocolonialismo: Escola sem
Partido ou Escola partida? Arquivos Analíticos de Políticas Educativas,
v. 26, n. 90, p. 1-21, 2018.
MACHADO, Adriana Silva. Moda afro-brasileira, dialogismo e identidades
negras: o discurso e a estética de Angela Brito. 2020. Dissertação. (Mestrado
em Relações Étnico-Raciais) – Centro Federal de Educação Tecnológica
Celso Suckow da Fonseca, Rio de Janeiro, 2020.
MOTTA, Ana Raquel et al. (orgs.). Memórias dos estudos discursivos sobre
as relações linguagem-trabalho. Campinas: Mercado de Letras, 2020.
OLIVEIRA, Lidiane dos Santos. Aprendendo a ler o Pisa: avaliação
ou produção de saberes? 2015. Dissertação (Mestrado em Estudos de
Linguagem) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2015.
OLIVEIRA, Natália da Silva. “Para inglês ver?”: análise linguístico-
discursiva sobre o ensino de língua inglesa nas escolas municipais no
âmbito do Programa Rio Criança Global (SME/RJ). 2017. Dissertação
(Mestrado em Estudos de Linguagem) – Universidade Federal Fluminense,
Niterói, 2017.
PEIXOTO, Luisa Araujo. Explorando as páginas da arte negra: o livro
como ferramenta de colonização e descolonização. 2020. Dissertação
(Mestrado em Relações Étnico-Raciais) – Centro Federal de Educação
Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, Rio de Janeiro, 2020.
ROCHA, Décio; DEUSDARÁ, Bruno. Argumentos para uma abordagem
discursiva das práticas de linguagem no trabalho. Letras de Hoje, Porto
Alegre, v. 49, n. 3, p. 297-305, jul./set. 2014.
ROCHA, Décio et al. (orgs.). Em discurso 2: pesquisar com gêneros
discursivos: problematizando mídias e ambientes digitais. Rio de Janeiro:
Cartolina; Faperj; Uerj Print; University of Copenhagen, 2020.
ROCHA, Décio et al. (orgs.). Em discurso 3: pesquisar com gêneros
discursivos: interrogando práticas de formação docente. Rio de Janeiro:
Cartolina; Faperj; Uerj Print; University of Copenhagen, 2020.
ROCHA, Décio et al. (orgs.). Em discurso 4: pesquisar com gêneros
discursivos: interpelando mídia e política. Rio de Janeiro: Cartolina;
Faperj; Uerj Print; University of Copenhagen, 2020.

153
SOUZA, Alice Moraes Rego de. Base Nacional Comum para quê/quem?:
uma cartografia de conflitos discursivos na produção de um currículo
oficial. 2019. Tese (Doutorado em Estudos de Linguagem) – Universidade
Federal Fluminense, Niterói, 2019.
SOUZA, Elayne Silva de. Entre o saber e o fazer: os discursos sobre
integração curricular na educação profissional brasileira. São Carlos:
Pedro & João, 2020.
SOUZA-E-SILVA, Maria Cecília; FAÏTA, Daniel (orgs.). Linguagem e
trabalho: construção de objetos de análise no Brasil e na França. São
Paulo: Cortez, 2002.
THE ESPECIALIST. Org. Maria Cecília Souza-e-Silva e Anna Raquel
Machado. São Paulo: PUC-SP, v. 19, 1998.

154
Figura 2. Charge com releitura de Marielle Franco

Fonte: Márcio Vaccari. Disponível em: https://www.reddit.com/r/brasil/comments/


lnygwq/arte_de_m%C3%A1rcio_vaccari/. Acesso em: 31 mar. 2021.

O texto que nos propusemos a discutir é de circulação recente nas


redes virtuais e nos permite traçar algumas considerações relativas a
conceitos fundadores da AD, como interdiscurso, relações polêmicas e
concepção global de discurso. Fazemos breves considerações relativas
à (re)produção de sentidos instituídos nesse enunciado e ao papel do
analista do discurso sob a perspectiva da linguagem-intervenção.
O meme foi publicado após a prisão em flagrante do deputado federal
Daniel Silveira (PSL-RJ) em 16 de fevereiro de 2021, por afronta aos
princípios democráticos. A acusação teve como motivação um vídeo
divulgado pelo deputado em que ele defende o Ato Institucional no 5,
expressão mais acabada da Ditadura Militar brasileira, além de proferir
ofensas e ameaças a magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF).

155
O nome de Daniel Silveira aparece na placa do texto em análise: “Rua
Daniel Silveira”. Também consta a abreviação AI-5. Compõe a cenografia
uma mulher negra que rasga a placa, indicando o conflito entre os dois
sujeitos. A leitura dos elementos cotextuais ganha novos sentidos se
acionamos outros saberes relativos ao contexto de produção e de circu-
lação do meme. A mulher é Marielle Franco (Psol), socióloga, vereadora
eleita pela população da cidade do Rio de Janeiro em 2016 e executada
a tiros, junto com seu motorista, Anderson Gomes, no bairro do Estácio,
no cruzamento entre as ruas Joaquim Palhares e João Paulo I: um crime
até hoje não solucionado. Marielle representava muitas vozes, sobretudo
a dos moradores das favelas cariocas, submetidos a abusos policiais e
ao abandono governamental.
Em uma manifestação na Cinelândia que protestava contra esses assas-
sinatos, Mônica Benício, viúva da vereadora, cola sobre uma placa de rua,
de uma das esquinas dessa praça, outra com a inscrição “Rua Marielle
Franco. (1979-2018) Vereadora, defensora dos Direitos Humanos e das
minorias, covardemente assassinada no dia 14 de março de 2018. 307
20260-080 Estácio”. Desse gesto fundador, que inscreve e homenageia
o trabalho de Marielle e registra o local do assassinato, decorre outro.
Apoiadores do candidato Bolsonaro, dias antes das eleições, divulgam
um vídeo na internet em que aparecem retirando e rasgando a placa
em homenagem à vereadora, sob a alegação de assim restaurarem o
patrimônio público.
A respostas como a produção de milhares de placas da rua Marielle
Franco, financiadas pela população e pela imprensa livre, a inauguração
do Jardin Marielle Franco em Paris e o enunciado “Quem mandou matar
Marielle?” contrapõem-se outras que difamam, atribuindo ao outro o que
é de si, interditam, silenciam discursivamente, já que, segundo Foucault
(2014 [1970], p. 10): “o discurso [...] é aquilo porque, pelo qual se luta,
o poder do qual queremos nos apoderar”.

156
Esses gestos submetidos às restrições de possibilidade do dizer/fazer/
interditar encenam discursivamente uma batalha estabelecida entre a
instituição e a (re)produção de sentidos atribuídos a direitos, legalidade,
vida e morte. Deles emergem inúmeros enunciados estabelecidos na
complexa e rica cadeia dialógica da discursividade, de polêmicas relações
inscritas no âmbito social. O meme selecionado, assim como o trabalho
do pesquisador, resulta e interfere nessa rede de sentidos... É nesse
espaço que se situa o papel do analista do discurso, que, considerando
diferentes pistas linguístico-discursivas e mediante a construção de um
percurso teórico-metodológico singular, busca mapear os diferentes
posicionamentos discursivos em disputa que remetem à quebra das
placas e a outros episódios da história.

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pluridisciplinares. Revista Virtual de Estudos da Linguagem, n. 11, p.
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159
CAPÍTULO 5

Semiótica
Lucia Teixeira
Regina Souza Gomes
Renata Mancini
Silvia Maria de Sousa

“Fora do texto não há salvação.”


(Greimas, 1974)

“Fora do texto, a semiótica continua!”


(Landowski, 2014)

Introdução ao campo e seu desenvolvimento


Explicar o funcionamento das linguagens, dos signos e dos
processos de significação tem sido o objetivo geral da Semiótica.
No entanto, a delimitação de objetos, objetivos específicos e mé-
todos configura diferentes correntes da disciplina. A Semiótica
russa desenvolveu-se nos anos 1960 e se destacou por suas preo-
cupações com os sistemas de signos que conformam a cultura,
considerada como o conjunto das criações humanas. A Semiótica
americana, desenvolvida por Charles Sanders Peirce (1839-1914),
define-se como uma teoria geral dos signos e articula conceitos
de vários campos científicos para propor uma análise lógica das
linguagens. Na Semiótica italiana, desponta o nome de Umberto
Eco (1932-2016), que se dedicou a formular uma teoria dos pro-
cessos de comunicação e dos sistemas de significação. Concebia
a semiótica mais como um campo de estudos, “um repertório de
interesses ainda não unificado e talvez não inteiramente unificá-
vel” (ECO, 2005, p. 5) do que como uma disciplina.
Neste capítulo, apresenta-se, em linhas gerais, a Semiótica
francesa, mais conhecida como greimasiana ou discursiva. As
epígrafes situam dois momentos da história dessa disciplina que
nasceu na França, nos anos 1970, fundada por Algirdas Julien
Greimas (1917-1992), uma das figuras marcantes do estrutura-
lismo linguístico.
“Fora do texto não há salvação” (GREIMAS, 1974) foi, durante
muito tempo, considerada a divisa dos semioticistas, uma vez que
toda a semiótica mais canônica se constituiu em torno dos prin-
cípios estruturalistas da oposição e da imanência. Em todo texto,
o sentido surgiria de uma primeira e fundamental diferença que
seria, em seguida, preenchida de variações. Esse preenchimento
e a complexificação das relações entre os elementos do texto vão
constituir um percurso gerativo de sentido, que funciona como
simulacro metodológico do processo de criação do sentido.
Unidade constituída de um plano do conteúdo e um plano
da expressão, o texto prevê a interação entre um enunciador e um
enunciatário, perfis discursivos pressupostos que correspondem
às imagens do autor e do leitor. O plano da expressão se refere
à materialidade de uma linguagem, a suas qualidades sensíveis.
O plano do conteúdo diz respeito às ideias, pensamentos e valo-
res que configuram uma cultura. Um texto é produzido numa
situação sócio-histórica, que, para a semiótica, não está “fora do
texto”, mas na interioridade das relações estabelecidas entre seus
elementos sintáticos e semânticos.
Tais princípios gerais aplicaram-se a análises refinadas tanto
de obras literárias, histórias em quadrinhos, filmes e esculturas
quanto de objetos mais complexos como o trajeto dos viajantes
do metrô (FLOCH, 2002a) ou a arquitetura de um santuário
(HAMAD, 2005). Se tais estudos partiram do princípio de que

162
percursos e espaços se organizam como texto, com um plano da
expressão e um de conteúdo, eles também começaram a mostrar
à semiótica que era preciso avançar com o modelo, para abarcar
a análise de objetos mais dinâmicos, como a interação nas redes
sociais, a configuração de um zoológico ou as criações gastro-
nômicas de um chef. O alargamento dos interesses da disciplina
faz Eric Landowski (2014b) propor, em provocação à frase de
Greimas, que “fora do texto a semiótica continua”.

Semiótica e Semiologia
O termo “semiologia”, usado, muitas vezes, de modo impreciso como
sinônimo de “semiótica”, dá nome ao projeto teórico formulado por
Saussure de uma ciência geral que estudasse “a vida dos signos no seio
da vida social” (SAUSSURE, 2012, p. 47). Para ele, a língua, considerada
como instituição social, faria parte do conjunto mais amplo de todos os
sistemas de signos.
Na França, o pensamento de Saussure abriu portas para o desenvol-
vimento dos projetos teóricos de Greimas e Barthes a partir dos anos
1960. Uma década mais tarde, os enfoques teórico-metodológicos dos
dois estudiosos haviam ganhado contornos mais nítidos, demarcando
as diferenças entre semiótica e semiologia. Esta última, mais afinada
com a proposta de Saussure, ocupa-se dos sistemas de signos, deixando
de lado o processo de significação, que constitui, mais propriamente,
o objetivo geral da semiótica. Embora também seja filiada aos postula-
dos saussurianos, a semiótica se ocupa das relações entre estruturas
de significação, observando como o sentido se constrói na articulação
dessas relações em diferentes níveis de análise e formas de expressão
(verbais, não verbais, multimodais). Aqui reside um ponto crucial da
distinção entre as duas disciplinas. Enquanto a Semiologia reclama a
mediação das línguas naturais para explicar o significado das formas
não verbais, a Semiótica reconhece todas as formas significantes como
linguagens, com modos próprios de significar.

163
A Semiologia se ocupa em interpretar o discurso sobre as linguagens,
submetendo-as à linguagem verbal, como evidencia o conhecido livro
de Barthes O sistema da moda, em que o semiólogo analisa o sentido
do vestuário a partir de artigos da imprensa. Já a Semiótica, ao analisar
moda e também literatura, pintura, quadrinhos, dança, teatro e as mídias
de modo geral, opera com categorias gerais de análise, mas considera a
materialidade própria de cada linguagem e as relações que as linguagens
estabelecem em textos multimodais.

Conceitos-chave e linhas teóricas


A semiótica concentrou-se, inicialmente, no plano do
conteúdo dos textos. Sob a superfície variável da diversidade de
textos e linguagens, haveria uma organização geral comum, o
que possibilitou a criação de um modelo teórico-metodológico
para explicar o percurso gerativo do sentido, constituído de
articulações entre categorias que vão das mais abstratas às mais
concretas, organizadas em três níveis: o fundamental, o narrativo
e o discursivo, cada um com uma semântica e uma sintaxe. Par-
tindo da manifestação textual, busca-se alcançar os conteúdos
mais abstratos que estruturam a significação do texto, dando-lhe
unidade e organização.
Em matéria sobre o avanço da agropecuária na Região
Amazônica, pode-se perceber uma oposição fundamental,
com base nos elementos do texto, entre dois termos contrários,
“cultura” e “natureza” (BRASIL, 2020). No campo semântico da
cultura, estão expressões como “expansão contínua e acelerada
da agricultura”, “área agrícola”, “pequenos estabelecimentos
rurais” e outros. O campo da natureza pode ser exemplificado
por elementos como “áreas naturais”, “Bioma Mata Atlântica”,
“florestas” etc. Os termos contrários “cultura” e “natureza” geram,
por negação, os contraditórios “não cultura” e “não natureza”, e
entre eles se estabelecem relações de implicação (natureza/não

164
cultura e cultura/não natureza). Essas relações são submetidas
a uma classificação axiológica, isto é, a uma valoração indicada
pelo próprio texto. No exemplo da notícia, o eixo da natureza/
não cultura é eufórico, valorizado positivamente, e o eixo cultura/
não natureza é disfórico, valorizado negativamente. Em outros
textos, em que se valorize, por exemplo, a derrubada de árvores
para a instalação de uma madeireira, torna-se eufórico o eixo
cultura/não natureza e disfórico o eixo natureza/não cultura.
O analista, em seguida, identifica as operações de afirma-
ção e negação que caracterizam a sintaxe fundamental, dando
uma orientação aos conteúdos semânticos do texto: no exemplo,
há primeiro a afirmação da cultura (a agropecuária ocupando
o espaço natural), depois a negação da cultura (os biomas que
se misturam, não respeitando limites geográficos estabelecidos
culturalmente) e, a seguir, a afirmação da natureza (benefícios
dos ecossistemas).
As categorias e operações abstratas do nível fundamental
convertem-se, no nível narrativo, em percursos de busca ou rejei-
ção de valores por sujeitos. Estes, em relação com antissujeitos e
objetos, instituem operações juntivas – de conjunção, quando há
aquisição de valores, ou de disjunção, quando há perda de valores.
Para a teoria, a narratividade é um componente próprio de todos
os textos, de qualquer tipologia (inclusive a argumentativa ou
descritiva). Veja-se o exemplo de uma carta de leitor publicada
na Folha de S. Paulo:
Covid
A taxa de mortalidade causada pelo Sars-CoV-2 no Brasil
está crescendo e já chegou a 114,1 mortes por 100 mil
habitantes; a de letalidade (razão entre os números de
mortes e de casos), a 2,4%. Em São Paulo, a mortalidade
é de 122,6 por 100 mil, e a letalidade, de 2,94%. No esta-
do mais rico e desenvolvido do país se morre mais que a
média nacional. Por quê?
Hamilton Varela (São Carlos, SP)
(Folha de S.Paulo, Painel do Leitor, 17 fev. 2021)

165
Nessa carta, observamos a presença de narrativas polêmicas:
uma pressuposta, em que o sujeito almeja os valores positivos da
saúde e da vida; e outra que aparece concretizada no enunciado,
em que o sujeito entra em disjunção com esses mesmos valores.
Os sujeitos não podem ser confundidos com pessoas, nem os objetos
com coisas concretas. Nesse texto, o antissujeito é concretizado
como um vírus que faz o sujeito (os brasileiros e os paulistas)
entrar em disjunção com objetos de valor (saúde e vida). Para que
a transformação ocorra (de um sujeito saudável e vivo para um
sujeito doente ou morto), o sujeito seguirá um percurso em que
estabelecerá relação com outros sujeitos, começando por uma fase
em que, modalizado por um querer ou um dever, é manipulado
a agir e terminando na fase em que será sancionado positiva ou
negativamente pelo sujeito que o manipulou. Entre essas duas
fases, a ação do sujeito depende de um poder e um saber que o
farão entrar em conjunção ou disjunção com os valores almejados.
A estrutura aparentemente simples da narrativa se complexifica
pelo cruzamento dessas modalidades de querer, dever, saber e
poder. Um sujeito que quer e não pode, um outro que deve e não
quer fazer algo desenvolvem paixões que determinam desdobra-
mentos, encaixes e superposições de narrativas.
No nível discursivo, essas estruturas mais abstratas e in-
variantes são assumidas por um sujeito da enunciação que as
converte em discurso, dando-lhes maior concretude. O sujeito
da enunciação abrange o enunciador, sujeito produtor do dis-
curso, e o enunciatário, sujeito ao qual o enunciador se dirige,
responsável pelo fazer interpretativo. O enunciador faz escolhas
e circunscreve as informações que podem ou devem ser dadas,
considerando uma dada imagem de enunciatário, que é o desti-
natário do dizer. O enunciado é o produto dessa interação entre
enunciador e enunciatário, integrado no dizer do enunciador.
Nessa etapa, do ponto de vista sintático, estudam-se as pro-
jeções da enunciação no enunciado, a interação entre enunciador
e enunciatário e os contratos fiduciário e veridictório subjacentes

166
a essa interação, que incluem a questão da argumentação e são
responsáveis pelo crer no discurso do outro.
A enunciação pode projetar, no enunciado, um eu-aqui-
-agora, ou seja, um discurso em primeira pessoa tendo como
referência o tempo presente e o espaço do aqui – nesse caso,
tem-se uma debreagem enunciativa. Produz-se, por esse recurso,
o efeito de sentido de subjetividade, e explicita-se a presença da
enunciação no enunciado. A carta de leitor a seguir transcrita
serve de exemplificação:
Sou assinante da Folha há 30 anos, primeiro do jornal
impresso, quando eu tinha que brigar quase todos os
dias com o entregador. Morador de São Luís, só recebia o
exemplar no final da tarde ou no começo da noite. Hoje,
que maravilha, tenho a edição online, e a cada minuto
me nutro de informações. Parabéns e vida longa à essa
trincheira da liberdade em um mundo tão caótico.
Luiz Thadeu Nunes e Silva (São Luís, MA)
(Folha de S.Paulo, Painel do Leitor, 23 fev. 2021)
Enunciador não é a mesma coisa que autor, é uma instância
abstrata de produção do discurso, que projeta as vozes que apa-
recem no texto. A primeira projeção é a de um narrador, aquele
que assume o enunciado. No caso da carta, temos um narrador
em primeira pessoa, identificável pelo pronome “eu” e pela marca
de pessoa nos verbos. O tempo se organiza em concomitância
com o momento da enunciação, expresso pelo presente e pelo
advérbio “hoje”. O pretérito surge como anterioridade ao marco
temporal presente.
Outra forma de projeção da enunciação é a debreagem enun-
civa, pela instalação de um ele-então-alhures, que contribui para
o efeito de objetividade. A carta do leitor que aborda a pandemia
causada pelo SARS-CoV-2 pode exemplificar a debreagem enunciva
de pessoa e espaço. A carta fala do vírus, de sua letalidade, dos
habitantes que estão sendo atingidos (um “ele”, portanto) e de
um espaço concretizado como “Brasil” e “São Paulo”. No entanto,
o tempo é enunciativo, evidenciando que os enunciados podem

167
combinar debreagens enuncivas e enunciativas. Além do tempo
enunciativo, outras marcas explicitam a presença da enunciação
no enunciado, como a interrogação “Por quê?”, dirigida a alguém
não nomeado (uma autoridade, um responsável). Essas escolhas
da enunciação já orientam o fazer persuasivo do enunciador em
relação ao enunciatário.
Na semântica discursiva, estudam-se os procedimentos de
instalação de temas (termos que interpretam e categorizam o
mundo) e figuras (termos que constroem uma representação do
mundo), categorias que se organizam em percursos, efetivando
a coerência do discurso e estabelecendo sua filiação ideológica.
Na primeira carta de leitor, os números figurativizam o tema
da letalidade da covid-19. Na outra carta, figuras como “nutrir”
e “trincheira” revestem os temas da qualidade de informação e
da preservação da liberdade atribuídos ao jornal.
As figuras e temas se organizam em percursos que apresen-
tam traços semânticos reiterados, as isotopias. Um texto pode
encadear mais de uma isotopia, possibilitando mais de um plano
de leitura. Por exemplo, numa estampa em caneca à venda na
internet, há a inscrição: “Fique vivo. Se for dirigir, não beba. Se
beber, não dirija.” A palavra “vivo” é associada a dois sentidos:
aquele que tem vida e aquele que é esperto ou atento. Esses dois
sentidos se conectam no enunciado, e a palavra “vivo” funcio-
na, assim como um conector de isotopias, que une os temas da
vida e da esperteza.
Outro bom exemplo é um meme que circula na internet,
em que se lê “O problema das enchentes no Rio é que os cariocas
jogam muito lixo nas urnas”. Nesse caso, há inicialmente um plano
de leitura que reúne “enchentes” e “jogar muito lixo”, atribuindo
a causa das enchentes ao lixo jogado em locais inapropriados.
No entanto, a palavra “urnas” não se integra facilmente e acaba
por desencadear um novo plano de leitura, de viés político. Esse
elemento que inaugura um novo sentido no enunciado chama-se
desencadeador de isotopia.

168
A Semiótica, com base nesse modelo teórico inaugural,
abriu-se para novos caminhos capazes de observar e descrever
objetos contemporâneos. Para isso, novos conceitos foram for-
mulados, como se verá na seção seguinte.

Abordagens e métodos
Os recentes desdobramentos da Semiótica discursiva tri-
lham um caminho aberto por Greimas em sua última obra
individual, Da imperfeição, na qual as qualidades sensíveis e a
dimensão estética dos textos em si e das trocas intersubjetivas
neles implicadas ganham posição de destaque. Nesta seção, serão
apresentadas as contribuições de três autores que, cada qual a
seu modo, deram continuidade à construção do edifício teórico
da semiótica: Claude Zilberberg, Jacques Fontanille e Eric Lan-
dowski. Embora cada uma das trilhas aqui discutidas gozem de
autonomia e originalidade, elas são fiéis à força inequívoca do
empreendimento greimasiano: a coerência epistemológica. O
novo chega como acolhimento aos desafios que a teoria recebe,
e, nesse sentido, ela mantém sua vitalidade. Outros tantos nomes
poderiam ter sido escolhidos para a amostragem dos recentes
desenvolvimentos da Semiótica discursiva, mas foram contem-
pladas as três vertentes que encontraram maior ressonância nas
pesquisas feitas no Brasil.

A semiótica do sensível: a abordagem tensiva de Claude Zilberberg


Uma “gramática do afeto” (ZILBERBERG, 2011, p. 12), que,
à primeira vista, pode parecer um projeto paradoxal, é o que am-
biciona a proposta tensiva de Claude Zilberberg, quando afirma
a autoridade do sensível sobre o inteligível e promove o afeto à
condição central da construção de sentido. Desde suas primei-
ras obras, como em Razão e poética do sentido, por exemplo, a
imersão no contínuo e suas orientações em um devir definem o
horizonte dessa teoria.

169
Engendrar as tensões, os movimentos e as direções da afe-
tividade na estrutura fez parte da tarefa da abordagem tensiva,
em consonância com a dita virada fenomenológica da teoria se-
miótica. Feita em parceria com Jacques Fontanille, a obra Tensão
e significação firma a noção de valor como ponto convergente de
um jogo de tensões responsáveis pela construção de um siste-
ma dinâmico. Definido como o entrecruzamento de valências
da intensidade (os estados de alma – o sensível) e valências da
extensidade (os estados de coisa – o inteligível), o valor e suas
dinâmicas de formação em um campo de presença – noção
importada da fenomenologia de Merleau-Ponty que traz para a
Semiótica a centralidade da percepção – são responsáveis pelas
relações de dependências (em vez de diferenças ou oposições),
que dinamizam o processo de construção de sentido.
A conformação abrupta de um valor no campo de presença,
definida como um sobrevir, exacerba o componente sensível, ao
contrário de uma construção lenta e gradual do valor no pervir,
em que o processo se dá sem omissão de etapas, o que minimiza
o impacto sensível em favor da inteligibilidade. Esses dois modos
de construção de valores se assentam na base de uma dinâmica
de expectativas calcada nas lógicas implicativa, quando a expec-
tativa criada é confirmada, e concessiva, quando a expectativa é
quebrada em maior ou menor grau.
O valor de impacto dá lugar na teoria à noção de acento de
sentido, trazida de Ernest Cassirer, que oferece uma base sólida
para Zilberberg alcançar o que sempre parece ter se definido como
o norte da teoria tensiva: a busca pela prosodização do conteúdo.
Partindo das noções de abertura e fechamento do processo de
silabação saussuriano, o autor, em Elementos de semiótica ten-
siva, propõe que o sentido se funda no movimento ascendente
para um acento e descendente para o inacento, tendo como nota
relevante o fato de que o acento na expressão corresponderia a
uma ênfase no conteúdo.
O tratamento sob uma mesma metalinguagem tensiva dos
fenômenos de expressão e conteúdo retoma com força a noção

170
de isomorfismo entre os planos, algo desde o início buscado pela
teoria, o que abre espaço para desenvolvimentos importantes na
análise do componente estético e do lugar do sensível na cons-
trução do sentido, desvelando, assim, uma dimensão retórica a
ser reconquistada nas análises.

A imanência alargada: os graus de pertinência de


Jacques Fontanille
O papel da dimensão sensível na construção do sentido
sempre ocupou um lugar prioritário na reflexão de Jacques
Fontanille. Juntamente com Greimas, foi o responsável por
Semiótica das paixões, obra que impactou a teoria de maneira
irreversível no que se refere ao lugar do elemento passional em
suas formulações basilares.
Mais tarde, em Tensão e significação, feita em parceria com
Zilberberg, como já discutido, Fontanille dá grande contribuição
ao pendor fenomenológico da obra, especialmente no que se refere
à importância da noção de percepção na conformação de um
campo de presença, que “instala um observador sensível no cerne
da categorização” (FONTANILLE; ZILBERBERG, 2001, p. 20) e
atrela a presença à problemática da enunciação, abrindo vias de
uma exploração mais operacional da noção de práxis enunciativa,
por meio da qual o discurso incorpora o novo ao mesmo tempo
que assegura a inteligibilidade e sustenta sua força coesiva.
O papel de destaque no domínio da enunciação e da senso-
rialidade permitiu ao autor, na obra Corpo e sentido, explorar o
conceito de corpo, entendido como ancoradouro e operador da
significação. Com o intuito de expandir esse conceito, Fontanille
parte de uma primeira divisão: uma instância de referência do eu
(moi), a partir da qual o campo de presença se organiza, e uma
outra instância denominada corpo próprio, que pode ser entendida
como o ponto de reunião dos dois planos – expressão e conteúdo
– responsáveis pela semiose do discurso em ato, o que pavimenta
uma abertura considerável da teoria para desafios contemporâneos.

171
A tônica das contribuições de Fontanille sempre foi o esforço
de construir pontes entre a teoria semiótica e outras áreas de sa-
ber. Nas obras Significação e visualidade, Pratiques sémiotiques e
Formes de vie, sua proposta de alargar a imanência textual, cara
a Greimas, em novos níveis de pertinência, abre a teoria para
interfaces mais explícitas com as artes e as Ciências Sociais de
modo geral. Seu percurso gerativo da expressão (esta entendida
aqui como uma dimensão da experiência) prevê a delimitação
desde o microcosmo do signo, passando pelo texto-enunciado, o
objeto, as práticas semióticas, as estratégias, até o limite máximo
da circunscrição da imanência com as formas de vida.
Cada um dos níveis pode se expandir nos níveis superiores,
ao mesmo tempo que os concentra em si. O objeto, por exemplo,
integra as características do suporte textual em sua morfologia,
que, por sua vez, está implicada em determinadas práticas de
circulação e uso. As práticas semióticas, caracterizadas por ce-
nas predicativas e pelos regimes de crença em jogo, podem ser
assimiladas preferencialmente pelas culturas, de modo a consti-
tuírem arranjos mais estáveis e centrais em relação a outros mais
efêmeros e periféricos. Para estabelecer a dinâmica dessa relação,
Fontanille se vale do conceito de semiosfera, trazido da escola
russa de Iuri Lotman, articulando de modo bastante operacional
as dimensões ética e estética da semiose.

A teoria da interação e do contágio: a sociossemiótica de


Eric Landowski
A dimensão social da semiose e as interações intersubjetivas
que dela participam figuram como elementos norteadores do
percurso intelectual de Eric Landowski. Desde a obra A socie-
dade refletida, o autor examina “a vida social” em sua dimensão
discursiva, procurando dar corpo a um espaço social de signifi-
cação a partir da descrição de algumas condições semióticas da
interação intersubjetiva. O aspecto interacional da construção
discursiva do “vivido”, tomado como efeito de sentido, é recupe-
rado sob um prisma mais específico em Presenças do outro, obra

172
em que o autor mergulha na dinâmica da construção identitária
dos sujeitos envolvidos nas trocas sociais. A emergência de um
sentido tributário do “eu”, uma identidade individual ou coletiva,
na presença do “outro” é o foco da discussão, na qual o autor
procura descrever uma práxis capaz de integrar as dinâmicas
das relações intersubjetivas e intrassubjetivas, considerando a
presença do outro para si, e vice-versa, e mesmo a presença de si
para si. Fazem parte dessa dinâmica os processos de assimilação
× exclusão, que o autor diferencia dos processos de segregação ×
admissão, desvelando alguns princípios da emergência do sentido
no coração das trocas e embates sociais.
Entender essas relações em ato é a preocupação de Landowski
em Passions sans nom, obra na qual o autor se debruça sobre a
copresença sensível dos sujeitos, jogando luz nas qualidades estési-
cas inerentes às coisas do mundo. Em sua proposta de uma lógica
da união, que desafia a lógica juntiva, base da teoria greimasiana,
o autor prevê um ajustamento recíproco dos sujeitos envolvidos
em uma narrativa, o que eventualmente contorna os efeitos da
manipulação de um destinador em relação a seu destinatário,
provocando um desfecho que pode se dar em graus de imprevi-
sibilidade. O ajustamento sensível inerente à lógica da união está
na base de sua teoria do contágio, proposta que apresenta valor
operacional tanto na dimensão individual de um bocejo como
na perspectiva coletiva de comportamentos de massa.
O desenrolar narrativo dependente da mediação estésica das
interações pode sofrer uma reconfiguração (por ajustamentos)
ou uma subversão (por acidentes). Uma síntese desse processo é
proposta em Interações arriscadas, obra em que essas questões
convergem na apresentação de um modelo que articula quatro
regimes de interação: a programação, a manipulação, o ajusta-
mento e o acidente, que se apoiam, respectivamente, nas dinâ-
micas da regularidade, da intencionalidade, da sensibilidade e
da aleatoriedade. A proposta de Landowski abre, portanto, um
caminho concreto e operacional para o tratamento semiótico
das interações sociais.

173
Como fazer pesquisa em Semiótica?
O semioticista, antes de tudo, está atento aos textos e às experiências
à sua volta e pergunta-se, continuamente, como os efeitos de sentido
são produzidos, de que forma os sujeitos e objetos interagem, como os
textos se relacionam com outros e manifestam discursos. A tarefa da
semiótica pode ser resumida em uma fórmula bastante retomada na
área: “descrever e explicar o que o texto diz e como ele faz para dizer o
que diz” (BARROS, 2002, p. 7, grifo da autora).
Qualquer teoria precisa ser coerente com seu programa teórico e rigorosa
no emprego da metalinguagem. Grande parte da terminologia, dos conceitos
e dos métodos da semiótica foi sistematizada em dois dicionários organi-
zados por Greimas e Courtés. No primeiro, explica-se que a metodologia
abrange “os conceitos operatórios (tais como elemento, unidade, classe,
categoria, etc.)” e os “procedimentos (como identificação, segmentação,
substituição, generalização, etc.)” (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 311).
O pesquisador, munido de conceitos operatórios, segmenta o objeto
de análise, observando tanto os níveis do percurso gerativo quanto as
relações entre expressão e conteúdo. Os textos são analisados como
objetos de comunicação e de significação, para descrever, por exemplo,
as projeções da enunciação no enunciado, os percursos narrativos e as
operações fundamentais. Mais recentemente, as interações, as práticas
semióticas e as gradações do sentido vêm merecendo a atenção dos
pesquisadores, e novas etapas de análise são necessárias, para dar
conta também dos elementos sensíveis e das relações sociais.
Como o discurso é um objeto instável e heterogêneo e os objetos vão
exigindo novas perspectivas de análise da teoria, impõe-se uma perspec-
tiva aberta para reconhecer a subjetividade constitutiva de todo corpus,
que não pode ser exaustivo, mas deve ser representativo. Partindo de
modelos “hipotéticos, projetivos e preditivos” (GREIMAS; COURTÉS,
2008, p. 105), a semiótica enfrenta essa abertura buscando critérios
coerentes de representatividade do corpus.

174
Greimas e Courtés (2008, p. 105) destacam dois meios de garantir
essa coerência: a amostragem estatística e a saturação do modelo.
Este último diz respeito à testagem de análises modelares em novos
objetos, a fim de expandir, rejeitar, complementar o modelo, com vistas
ao esgotamento da informação. Os autores sugerem dois mecanismos
gerais para recortar o objeto de pesquisa, que resultariam em corpora
sintagmáticos ou paradigmáticos. O primeiro poderia ser constituído por
um conjunto de textos de um mesmo autor, por exemplo, e o segundo,
por um conjunto de variantes de um mesmo gênero textual (GREIMAS;
COURTÉS, 2008, p. 105).
Além do recorte do corpus, outro aspecto importante da pesquisa é
que, ao mesmo tempo que faz a análise, o semioticista se preocupa em
contribuir para o nível epistemológico da teoria, procurando garantir
que a descrição e os procedimentos para a descoberta sejam coerentes
(GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 174).

Exemplos de pesquisa
Na amostragem de exemplos aqui selecionada, serão enfa-
tizadas as relações estabelecidas entre as formulações inaugurais
da teoria e as mais recentes. Zilberberg, Landowski e Fontanille,
especialmente, lançaram sobre a enunciação um ponto de vista
dinâmico, concebendo o texto como unidade resultante de
uma práxis enunciativa. Por essa via, observa-se como o texto é
modulado por um ritmo, evoca dados tipos de interações e está
inserido em práticas semióticas.
Para tratar, por exemplo, da enunciação em textos digitais,
Teixeira, Faria e Azevedo (2017) demonstram que é preciso consi-
derar o que “é próprio da enunciação – a pessoa, o tempo, o espa-
ço” e, ao mesmo tempo, “o que é próprio da internet – a imagem,
o texto, o som, o ritmo marcado por incompletude e continuidade”
(TEIXEIRA; FARIA; AZEVEDO, 2017, p. 123). A pesquisa toma o

175
conceito de práxis enunciativa para analisar o jornalismo on-line e
postula que esse tipo de enunciado é caracterizado por uma “inter-
textualidade constitutiva” (TEIXEIRA; FARIA; AZEVEDO, 2017,
p. 123). O enunciado passa a ser abordado como “potencialidade
aberta pelo enunciador a ser atualizada num determinado percurso
de leitura pelo enunciatário” (TEIXEIRA; FARIA; AZEVEDO,
2017, p. 123). Com isso em mente, os pesquisadores descreveram
as estratégias enunciativas em notícias on-line, comparando-as
com as impressas. O objeto de análise foi o site Globo On-Line,
que hoje corresponde a oglobo.com.
Do ponto de vista da circulação, um dos fenômenos ob-
servados foi o chamado jornalismo colaborativo, que permite
ao leitor enviar ao jornal flagrantes cotidianos que podem virar
notícia, disso resultando a ampliação do “espaço de cobertura dos
acontecimentos” (TEIXEIRA; FARIA; AZEVEDO, 2017, p. 127).
Sobre a interação entre enunciador/enunciatário, observou-se
que, no Globo On-Line, há um desequilíbrio entre os dois actan-
tes. Para descrever essa relação, os pesquisadores formularam
o conceito de protoenunciador, expandindo o conceito de pro-
toactante, definido por Greimas e Courtés (2008, p. 394) como
“aquele que engloba as posições actanciais (actante, antiactante,
negactante, negantiactante)”. Ao protoenunciador, com poder
tentacular – já que o veículo de comunicação analisado detém
todas as formas de jornalismo (TV, rádio, imprensa e internet)
–, não corresponde a nenhum protoenunciatário, mas um
enunciatário pressuposto sempre fragmentado. Essa construção
reforça o poder e o controle exercidos pelo protoenunciador.
A análise na perspectiva da práxis enunciativa permitiu alargar
o entendimento da enunciação nos meios digitais.
Também analisando a comunicação pela internet, Gomes
(2013) descreve o funcionamento de sites de poesia eletrônica,
privilegiando a relação estabelecida entre a aspectualização e os
regimes de interação propostos por Landowski (2014a). O aspecto
é tratado pela Linguística como uma noção gramatical aplicável
ao tempo, mas, no âmbito da Semiótica, a aspectualização abarca

176
as categorias de pessoa, tempo e espaço, sobre as quais incide o
ponto de vista de um observador. Este julga as ações como pro-
cessos acabados ou em curso, durativos ou pontuais, ocorridos
em espaços abertos ou fechados, encenados por atores excessivos
ou comedidos, por exemplo.
Gomes observa que as revistas de poesia apresentam links
que levam a outros sites de poesia e arte, o que cria efeitos de
“inacabamento, de ausência de fechamento” (GOMES, 2013, p. 75).
As categorias aspectuais durativo (imperfectivo) e inacabado orga-
nizam os sites, pois são previstos diversos caminhos de navegação,
e incidem sobre as interações entre enunciador e enunciatário.
Habitualmente, esses links remetem para sites que, além de
reforçar “os valores transmitidos pelas revistas das quais se origi-
naram”, muitas vezes conduzem o leitor de volta para a revista de
onde partiram (GOMES, 2013, p. 82). Esses mecanismos discipli-
nam a “aventura de navegar pela internet” (GOMES, 2013, p. 82),
pois a variabilidade dos percursos já “está prevista como provável
e desejável” (GOMES, 2013, p. 83) pelo enunciador das revistas.
O enunciado cria efeito de inacabamento, mas, na interação, o
enunciador mantém o controle e evita os regimes de aleatoriedade.
Em relação à participação do leitor, os sites das revistas
utilizam alguns mecanismos: links que disparam um áudio com
a voz do poeta; solicitação de um movimento do mouse para
mudar a combinação e as cores das palavras; seções para posta-
gem de comentários; e-mails para contato. Nos dois primeiros
casos, as ações são predeterminadas, e os resultados são sempre
controlados pelo enunciador. Nos dois casos seguintes, a divul-
gação dos comentários e opiniões é selecionada e determinada
pelo enunciador. As revistas de poesia na internet fazem uso de
recursos expressivos e sensíveis que “alteram a forma de leitura
e fruição estética dos textos” (GOMES, 2013, p. 88). No entanto,
as interações são, em sua maioria, regidas pelo que Landowski
denomina de regime da manipulação, já que as coerções esta-
belecidas nos sites deixam pouca margem para os regimes da
“aventura” (LANDOWSKI, 2014, p. 80).

177
Na pesquisa de Mancini (2019) sobre a adaptação para
quadrinhos do romance Grande sertão: veredas, de Guimarães
Rosa, a adaptação é tomada como tradução intersemiótica, em
que ocorre a “recriação de um projeto enunciativo” (MANCINI,
2019, p. 102, grifo da autora). Tal projeto abarca as escolhas do
enunciador de modo a garantir a eficácia do fazer persuasivo,
contraparte do fazer interpretativo do enunciatário previsto. Para
a pesquisadora, o processo tradutório é marcado por uma “tensão
entre enunciador e enunciatário” (MANCINI, 2019, p. 106), já
que o tradutor/adaptador exerce os papéis de enunciatário do
romance (obra de partida) e enunciador da HQ (obra de chegada).
O tradutor seleciona, na obra de partida, o que permanece ou sai,
o que será dito antes ou depois, o que será revelado ou encoberto.
Nessas escolhas, reside o seu fazer interpretativo.
Com base nas formulações de Zilberberg (2011), a pesquisa
descreve também os “modos de engajamento do sensível” (MAN-
CINI, 2019, p. 107, grifo da autora), mapeados no “arco tensivo”
(MANCINI, 2019, p. 103). O arco revela a arquitetura do texto,
onde são instaurados os pontos mais ou menos tônicos e átonos
ou acelerados e desacelerados. Por meio dessas modulações,
apreende-se como o enunciador conduz a relação entre o enun-
ciatário e a camada sensível do texto.
Para adaptar Grande sertão, texto em que se desenvolvem
diversos programas narrativos, o enunciador da HQ “optou pela
síntese” (MANCINI, 2019, p. 107). Para fazer isso sem perder
a densidade e a força do livro, a HQ selecionou os programas
narrativos mais centrais. A síntese, estratégia inteligível, poderia
enfraquecer a riqueza sensível do romance. O tradutor com-
pensa essa síntese (inteligível), por meio de estratégias sensíveis
instauradas na expressão: múltiplos tipos e tamanhos de qua-
dros; irregularidade na disposição dos quadros sobre a página;
construção surpreendente do espaço por meio de perspectivas
inusitadas; alternâncias cromáticas para marcar momentos de
tensão. O ponto de maior intensidade das obras, a descoberta de
que Diadorim é uma mulher, é compreendido como o “pico de

178
saliência do arco tensivo” (MANCINI, 2019, p. 109). Na obra de
Rosa, um jogo de perspectivas constrói um caminho para essa
tensão final. Há uma só voz sincretizando os pontos de vista do
narrador e da personagem (interlocutor). Nos quadrinhos, essa
tensão é mantida por meio de falas soltas (fora do balão) e por meio
de recursos verbo-visuais que não permitem ao leitor identificar
se a fala é de Riobaldo no papel de narrador ou de personagem.
A pesquisa de Sousa (2020) toma como base as formulações
de Fontanille sobre a ampliação dos níveis de pertinência da
Semiótica, a fim de analisar as denominadas narrativas transmi-
diáticas. O conceito, formulado originalmente por Henry Jenkins
(2008), refere-se aos modos de produção. Games, livros, filmes,
jogos de cartas, webséries podem compor uma mesma narrativa,
expandindo conteúdos e experiências. No artigo, Sousa trata da
transmidialidade entre uma das temporadas do seriado Malhação,
transmitida na TV Globo, em 2015, e a websérie Os desatinados,
transmitida exclusivamente no portal de entretenimento Gshow.
A pesquisa mostra que os textos analisados constituem
totalidades de sentidos, que podem ser assistidos separadamente,
sem que isso prejudique a compreensão. Busca-se caracterizar,
então, o “duplo enunciatário” (SOUSA, 2020, p. 161): um previsto
em cada um desses textos (seriado e websérie) e o “enunciatário
fidelizado” (SOUSA, 2020, p. 162), previsto pela transmidialidade
para consumir os diversos produtos de um universo narrativo.
A websérie Os desatinados, com episódios de seis minutos, dis-
ponibilizados aos sábados no portal da emissora, apresentava
percursos narrativos anteriores à temporada de Malhação. No ní-
vel do texto, “a websérie amplia a narrativa retrospectivamente”
(SOUSA, 2020, p. 162), instaurando, para o enunciatário fideli-
zado, uma anterioridade aos fatos narrados e alargando o ponto
de vista sobre o enunciado. Contudo, os programas narrativos
da websérie são sempre mais simples e menos desenvolvidos.
Para a pesquisadora, isso “está na dependência do veículo de
transmissão” (SOUSA, 2020, p. 163). A brevidade das webséries é
uma estratégia de ajustamento às diferentes práticas concorrentes

179
quando se usa a internet: comentar, saltar entre links, mudar de
site, enviar e receber mensagens. A pertinência da análise consi-
dera a morfologia do objeto e o conjunto de práticas que agencia.
A pesquisa mostra, ainda, que, para acompanhar a websérie, o
enunciatário terá acesso a antecipações dos episódios seguintes da
TV e a cenas de bastidores e poderá consumir demais conteúdos
e produtos da emissora. A fidelidade a uma franquia ou emissora
“gera determinados perfis de comportamento e fortalece dadas
crenças e valores” (SOUSA, 2020, p. 166).

Temas atuais e novas direções


A publicação do primeiro Dicionário de Semiótica, na Fran-
ça, em 1979, concretizou um enorme esforço de formalização da
teoria. Não há, no entanto, linearidade ou progressão no avanço da
ciência e do conhecimento. Os resultados e conclusões são sempre
provisórios, mutáveis, submetidos que estão à insatisfação dos
pesquisadores e aos apelos de novos objetos e desafios propostos
pelas mudanças históricas da vida social. Ao mesmo tempo que
eram fixados termos e conceitos, estabilizando-se um modelo
metodológico canônico, o avanço real da pesquisa indicava lacunas
e propunha novas formulações. Greimas começava a trabalhar
sobre as paixões, mais adiante tema do livro que escreverá com
Fontanille, e já apareciam os estudos de Zilberberg sobre a ten-
sividade e a foria, base das mais inquietantes transformações do
modelo. O ponto de virada teórica é o reconhecimento de que
a produção dos sentidos não podia mais ser explicada por meio
de uma concepção discretizante, que operava com descontinui-
dades sobre uma extensão contínua. Seria preciso proceder à
“assimilação perceptiva do sentido vivido que, no próprio seio
da língua, gerava fenômenos fluidos e contínuos” (HÉNAULT,
2006, p.147). Oposições categóricas e binarismos cedem lugar a
gradações e à ideia de fluxo.
Ao mesmo tempo, os campos destinados ao estudo de
determinados objetos, como a semiótica plástica, a semiótica

180
da canção e a semiótica literária, se consolidavam em análises
cada vez mais refinadas, como mostram os trabalhos de Floch
(1985; 2002a; 2002b), Tatit (1997), do próprio Greimas (2002)
e de Bertrand (2003). Exemplos de análises, as obras também
contribuem para o desenvolvimento teórico geral da disciplina.
Floch chama a atenção para o estudo do plano da expressão e
das relações semissimbólicas entre expressão e conteúdo, Tatit
divulga a semiótica tensiva e reformula semioticamente a noção
de ritmo, Greimas e Bertrand associam os efeitos de sentido
estéticos aos movimentos do corpo e dos afetos.
Não tem sido bastante, entretanto, esse esforço de sensi-
bilização dos objetos e da teoria. A contemporaneidade, com
suas redes de informação de máxima velocidade, sobreposição
e fragmentação, exige um esforço de articulação entre diferentes
campos do conhecimento, de modo a permitir uma compreensão
mais larga de um mundo que a cibercultura, os movimentos mi-
gratórios e multiculturais e os novos formatos de comunicação
dispersaram e transformaram. As especialidades devem estar
atentas aos efeitos da multidisciplinaridade, interdisciplinaridade,
transdisciplinaridade. A semiótica acompanha esse movimento
epistemológico e busca formas de interferir nos diferentes campos
que tratam da vida em sociedade.
Como propõe a apresentação do dossiê “Semiótica e antro-
pologia dos modernos”, publicação das Actes Sémiotiques voltada
para o estudo da articulação possível entre uma semiótica das
práticas e a Antropologia de Bruno Latour, “o projeto semiótico
reivindica cada vez mais fortemente seu pertencimento ao campo
das Ciências Humanas e Sociais e tenta forjar um aparelho concei-
tual suscetível de traduzir essa orientação” (COUÉGNAS, 2017).
Uma Antropossemiótica vem sendo erigida sob o estímulo
teórico das contribuições de Jacques Fontanille ao estudo das
práticas semióticas, ocupando-se do sentido da vida coletiva,
suas formas de persistência e os mundos significantes que lhe dão
forma. Um exemplo da articulação possível entre as disciplinas é a
proposta de Fontanille de considerar o conceito de actante, em sua

181
abrangência, capaz de subsumir categorias como as de humano e
não humano que permeiam as preocupações da antropologia de
Latour (2000). Com a mesma pretensão de incluir-se no campo
das Ciências Humanas, a Etnossemiótica busca modelos gerais
de comportamentos significantes, e a Sociossemiótica observa
como os atores sociais configuram as práticas semióticas, por
meio de interações entre sujeitos.
Nesse corpo teórico em transformação, põe-se em questão
também a escolha e o tratamento dos objetos. De que modo tratar
o apelo das novas tecnologias e as formas de comunicação com
os instrumentos teóricos disponíveis? Como formalizar novas
categorias de análise que deem conta de fenômenos em fluxo e
em concomitância?
Tais problemas configuram as condições necessárias à cons-
tituição de um corpus de análise, que é tanto a amostra necessária
à demonstração da teoria quanto a arena de descobertas de novas
demandas teóricas. Se não é sob uma concepção positivista que
o semioticista concebe o corpus, também não é sem método ou
sem critério que o faz. Já dizia Saussure que é o ponto de vista que
cria o objeto. Se uma peça de teatro é analisada de acordo com
a receptividade pública de sua realização, por meio de critérios
avaliativos, está-se fazendo crítica teatral. Se a análise, entretanto,
se detém sobre os arranjos sincréticos das diferentes linguagens
em cena e os efeitos de sentido decorrentes desse conjunto, que
podem explicar não só os possíveis valores estéticos da obra,
mas também sua inserção num contexto sócio-histórico, então
se está fazendo semiótica.
Finalmente, uma análise fala sempre também do analista, e
a escolha de um objeto e do modo de descrevê-lo e interpretá-lo
filia-se ideologicamente a discursos. Nos estudos de linguagem,
trabalha-se com uma concepção escolhida de língua e de lin-
guagem. A língua pode ser, por exemplo, meio de comunicação
entre um emissor e um receptor ou pode ser uma forma de estar
no mundo e produzir as relações sociais. Pode ser um conjunto
de sintagmas, uma lista de palavras ou um sistema organizado

182
de signos, pode manifestar-se em textos compreendidos como
unidades de sentido, constituídas por relações inter e intradis-
cursivas, ou como sequências de enunciados relacionados por
mecanismos de coesão e coerência gramaticais.
Estar num desses lugares teóricos é não apenas se definir
como pesquisador, mas também decidir de que modo sua produção
poderá interferir na vida social. É disso que se trata quando se
faz semiótica: estudar teoria e fazer análises para compreender
a existência humana na linguagem.

Sugestões de leitura e materiais

História da disciplina
HÉNAULT, Anne. História concisa da semiótica. São Paulo: Parábola, 2006.
LANDOWSKI, Eric. Com Greimas: interações semióticas. São Paulo:
Estação das Letras e Cores, 2017.
A história da Semiótica francesa aparece de modo resumido e sistematizado
no livro de Anne Hénault, indo das origens até o início dos anos 1990.
Já Eric Landowski oferece uma história pessoal da Semiótica, por meio
de análise das interações mantidas entre ele e Greimas.

Conceitos e metodologia
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. São Paulo:
Ática, 2002.
BERTRAND, Denis. Caminhos da semiótica literária. Bauru: Edusc, 2003.
FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação: as projeções de pessoa,
tempo e espaço no discurso. São Paulo: Ática, 1996.
FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto,
2005.
GOMES, Regina de Souza; MANCINI, Renata. Textos midiáticos: uma
introdução à semiótica discursiva. Philologus, Rio de Janeiro, v. 22, n.
66, p. 1-15, 2016.
TEIXEIRA, Lucia. A pesquisa em semiótica. In: GONÇALVES, Adair
Vieira; GÓIS, Marcos Lúcio de Sousa (orgs.). Ciências da linguagem: o
fazer científico. Campinas: Mercado de Letras, 2014, v. 2, p. 223-248.

183
Os livros de Barros (2002) e Fiorin (2005) são leitura obri-
gatória para os estudantes que desejam aprender os princípios
básicos da semiótica e sua metodologia de análise. De forma mais
resumida, é o que também fazem o capítulo de Teixeira (2014) e o
artigo de Gomes e Mancini (2016). Em As astúcias da enunciação,
Fiorin explica as estratégias de projeção de pessoa, tempo e espaço
no discurso, com os efeitos de sentido daí decorrentes. O livro do
semioticista francês Denis Bertrand (2003) é um clássico entre
estudantes brasileiros, pela clareza de exposição dos conceitos e
categorias de análise do modelo semiótico.

Textos fundadores
GREIMAS, Algirdas Julien. Sobre o sentido. Petrópolis: Vozes, 1975.
GREIMAS, Algirdas Julien. Da imperfeição. São Paulo: Hacker, 2002.
GREIMAS, Algirdas Julien. Sobre o sentido II: ensaios semióticos. São
Paulo: Nankin; Edusp, 2014.
GREIMAS, Algirdas Julien; COURTÉS, Joseph. Sémiotique: dictionnaire
raisonné de la théorie du langage. Paris: Hachette, 1986, v. II.
GREIMAS, Algirdas Julien; COURTÉS, Joseph. Dicionário de semiótica.
São Paulo: Contexto, 2008.
GREIMAS, Algirdas Julien; FONTANILLE, Jacques. Semiótica das
paixões. São Paulo: Ática, 1993.
Os dicionários são obras de referência que sistematizam a
nomenclatura, os conceitos e os princípios teóricos da discipli-
na. Os dois títulos Sobre o sentido reúnem análises clássicas de
Greimas sobre temas como a gramática narrativa, a gestualidade
em sua relação com o mundo natural e as organizações culturais
(1975), as modalidades e as paixões (2014). O livro de Greimas
e Fontanille (2003) explora as sobreposições de modalidades
que constituem as paixões no discurso. Em Da imperfeição, que
constitui marco fundamental de uma nova direção da Semióti-
ca, Greimas volta-se para as questões do mundo sensível e das
relações do corpo com a produção do sentido.

184
Semiótica tensiva
FONTANILLE, Jacques; ZILBERBERG, Claude. Tensão e significação.
São Paulo: Discurso Editorial; Humanitas, 2001.
TATIT, Luiz. Passos da semiótica tensiva. Cotia: Ateliê, 2019.
ZILBERBERG, Claude. Síntese da gramática tensiva. Significação, São
Paulo, n. 25, p. 163-204, jun. 2006.
ZILBERBERG, Claude. Elementos de semiótica tensiva. São Paulo:
Ateliê, 2011.
No livro de Fontanille e Zilberberg, estão os termos e os
conceitos de base para a constituição da Semiótica tensiva, vertente
que Claude Zilberberg desenvolve com rigor no livro de 2011 e
que já havia apresentado sinteticamente no artigo de 2006. O
livro de Luiz Tatit introduz o leitor nos caminhos da Semiótica
tensiva com didatismo e análise de exemplos.

Sociossemiótica
LANDOWSKI, Eric. Presenças do outro: ensaios de sociossemiótica. São
Paulo: Perspectiva, 2002.
LANDOWSKI, Eric. Interações arriscadas. São Paulo: Estação das Letras
e Cores, 2014.
LANDOWSKI, Eric. Sociossemiótica: uma teoria geral do sentido.
Galáxia, São Paulo, n. 27, p. 10-20, 2014.
Os livros e artigos de Eric Landowski representam con-
tribuição fundamental para a constituição do campo da So-
ciossemiótica, com análises voltadas para a vida social e as
interações entre sujeitos.

Práticas e formas de vida


FONTANILLE, Jacques. Práticas semióticas: imanência e pertinência,
eficiência e otimização. In: DINIZ, Maria Lúcia Vissoto Paiva; PORTELA,
Jean Cristtus (orgs.). Semiótica e mídia: textos, práticas, estratégias. Bauru:
Editora Unesp; Faac, 2008, p. 15-74.
FONTANILLE, Jacques. Pratiques sémiotiques. Paris: PUF, 2008.
FONTANILLE, Jacques. Formes de vie. Paris: PUF, 2015.

185
PORTELA, Jean Cristtus. Semiótica midiática e níveis de pertinência.
In: DINIZ, Maria Lúcia Vissoto Paiva; PORTELA, Jean Cristtus (orgs.).
Semiótica e mídia: textos, práticas, estratégias. Bauru: Editora Unesp;
Faac, 2008, p. 93-113.
Os livros e artigos de Jacques Fontanille alargam o campo
da Semiótica, propõem novos territórios de exploração e oferecem
análises sempre surpreendentes. O artigo de Portela (2008) apre-
senta a síntese do percurso da expressão, mais adiante repensado
como percurso da imanência.

Análises
DISCINI, Norma. O estilo nos textos: história em quadrinhos, mídia,
literatura. São Paulo: Contexto, 2003.
FLOCH, Jean-Marie. Petites mythologies de l’oeil et de l’esprit: pour une
sémiotique plastique. Paris; Amsterdam: Hadès-Benjamins, 1985.
GOMES, Regina Souza. Relações entre linguagens no jornal: fotografia
e narrativa verbal. Niterói: Eduff, 2008.
QUADRINHOS: fronteiras e interfaces. Org. Renata Manici e Daniele
Barbieri. São Paulo: Todas as Letras, v. 21, n. 1, 2019.
SOUSA, Silvia Maria de. A transmidialidade como estratégia discursiva.
CASA, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 241-263, 2016.
TEIXEIRA, Lucia; CARMO JR., José Roberto do (orgs.). Linguagens na
cibercultura. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2013.
No livro de Jean-Marie Floch (1985), estão as primeiras
sistematizações do campo da semiótica plástica, fundado por
ele. O dossiê organizado por Mancini e Barbieri (2019) apresenta,
em seus artigos, diferentes pontos de vista de análise semiótica
sobre os quadrinhos. O livro de Teixeira e Carmo Jr. (2013) reúne
análises de vários autores sobre a linguagem da internet e oferece
uma sistematização de categorias teóricas importantes para a
abordagem semiótica desse objeto. Gomes (2008) e Sousa (2017)
trabalharam com as relações entre linguagens. Gomes analisa as
articulações entre o verbal e o não verbal nos jornais, e Sousa elege
a transmidiação como conceito-chave a ser semiotizado em sua

186
análise. O livro de Discini (2003) discute o conceito de estilo em
perspectiva semiótica, por meio da análise de exemplos variados.

Tarefas para o estudante


Por ser uma teoria geral da significação, múltiplos são os objetos ana-
lisados pela semiótica. Frequentemente, nas aulas de semiótica, são
temas de discussão: jornais, sites, HQs, comerciais e programas de
TV, instalações artísticas, arte de rua, canção popular, textos literários,
piadas, sermões religiosos, discursos políticos, videoarte, configurações
da cidade etc. A atualidade dos problemas levantados e os instrumentos
de análise oferecidos pela semiótica costumam despertar o interesse
e encantar os estudantes dos Estudos de Linguagem. Contudo, “apai-
xonar-se pela semiótica não é tão boa garantia de fazê-la bem quanto
estudar com profundidade suas formulações conceituais” (TEIXEIRA,
2014, p. 245). A escolha de uma teoria não é uma questão de paixão,
tampouco de crença na verdade ou na totalidade de um modelo teórico.
Como adverte Fiorin: “Não se adere ao discurso científico pela fé, mas
pelo conhecimento” (FIORIN, 2003, p. 8). Nenhuma teoria é uma verdade
estabelecida, tampouco dá conta de todas as faces de um objeto. Pelo
contrário, as disciplinas teóricas são sempre incompletas e mutáveis.
Essa incompletude deve ser justamente o motor da pesquisa, pois cada
estudante tem a tarefa de buscar responder a perguntas ainda sem
resposta e formular novas perguntas.
A meta inicial do estudante deve ser conhecer o instrumental metodológico
e os conceitos fundamentais da teoria. Isso não se faz sem esforço para
enfrentar as primeiras leituras e exercícios de análise. A participação
em aulas, grupos de pesquisa e de estudo, a frequência a seminários
e congressos e a dedicação à leitura sistemática, que começa pelos
textos fundadores e continua na procura de itens específicos, tudo isso
faz parte do percurso do jovem pesquisador.

187
É importante também dominar uma língua estrangeira para acesso a
uma bibliografia mais completa e, no caso da semiótica, a competência
de leitura em francês é desejável, ainda que alguns textos fundadores
estejam não só traduzidos em português, mas disponíveis em mídias
digitais. É importante procurar fontes bibliográficas seguras em sites
institucionais, revistas bem avaliadas na área, bancos de teses e disser-
tações, além dos livros. Os exercícios de análise são essenciais para que
o jovem pesquisador vá não só experimentando e testando seu conhe-
cimento e o alcance dos instrumentos metodológicos, mas também – e
talvez sobretudo – para que ele tenha dúvidas, inquietações, perguntas.
A essa fase de conhecimento da teoria, segue-se, em situações for-
mais de aprendizagem, a elaboração de um projeto de pesquisa, que
deve definir objetivos e metodologia, delimitar o objeto e descrever
com precisão a proposta. Para isso, o semioticista deve conhecer bem
o objeto escolhido, para perceber quais aspectos da teoria são mais
adequados à sua abordagem. Num texto literário ou numa pintura, por
exemplo, as questões do plano da expressão são muito relevantes.
Numa notícia de jornal, pode-se privilegiar a análise das relações
discursivas e das interações. O estudo da canção exigirá recurso à
semiótica tensiva e a questões de ritmo e sonoridade. Uma análise
de mídias digitais requer acesso às formulações sobre as práticas
semióticas e assim por diante.
Gosto pela pesquisa e o conhecimento, curiosidade, ousadia e dedicação
ao campo dos estudos de linguagem é o que se espera do estudante
de semiótica.

Referências
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. São Paulo:
Ática, 2002.
BARTHES, Roland. Sistema da moda. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
BERTRAND, Denis. Caminhos da semiótica literária. Bauru: Edusc, 2003.

188
BRASIL, Cristina Índio. Agropecuária ocupa considerável extensão de
terra no bioma Amazônia. Agência Brasil, 24 set. 2020.
COUÉGNAS, Nicolas. Présentation. Actes Sémiotiques, Limoges,
n. 120, 2017.
DISCINI, Norma. O estilo nos textos: história em quadrinhos, mídia,
literatura. São Paulo: Contexto, 2003.
ECO, Umberto. Tratado geral de semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2005.
FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação: as projeções de pessoa,
tempo e espaço no discurso. São Paulo: Ática, 1996.
FIORIN, José Luiz. Introdução à linguística II: princípios de análise. São
Paulo: Contexto, 2003.
FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto,
2005.
FLOCH, Jean-Marie. Petites mythologies de l’oeil et de l’esprit: pour une
sémiotique plastique. Paris; Amsterdam: Hadès-Benjamins, 1985.
FLOCH, Jean-Marie. Sémiotique, marketing et communication: sous les
signes, les stratégies. Paris: PUF, 2002a.
FLOCH, Jean-Marie. Une lecture de Tintin au Tibet. Paris: PUF, 2002b.
FONTANILLE, Jacques. Significação e visualidade. Porto Alegre:
Sulina, 2005.
FONTANILLE, Jacques. Práticas semióticas: imanência e pertinência,
eficiência e otimização. In: DINIZ, Maria Lúcia Vissoto Paiva; PORTELA,
Jean Cristtus (orgs.). Semiótica e mídia: textos, práticas, estratégias. Bauru,
SP: Editora Unesp; Faac, 2008a, p. 15-74.
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FONTANILLE, Jacques. Formes de vie. Paris: PUF, 2015.
FONTANILLE, Jacques. Corpo e sentido. Londrina: Eduel, 2017.
FONTANILLE, Jacques; ZILBERBERG, Claude. Tensão e significação.
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GOMES, Regina Souza. Relações entre linguagens no jornal: fotografia
e narrativa verbal. Niterói: Eduff, 2008.
GOMES, Regina Souza. Sites de poesia: aspectualização e práticas
interativas. In: TEIXEIRA, Lucia; CARMO JR., José Roberto do (orgs.).
Linguagens na cibercultura. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2013.

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66, p. 1-15, 2016.
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Significação, Ribeirão Preto, n. 1, p. 9-25, 1974.
GREIMAS, Algirdas Julien. Sobre o sentido. Petrópolis: Vozes, 1975.
GREIMAS, Algirdas Julien. Da imperfeição. São Paulo: Hacker, 2002.
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Paulo: Nankin; Edusp, 2014.
GREIMAS, Algirdas Julien; COURTÉS, Joseph. Sémiotique: dictionnaire
raisonné de la théorie du langage. Paris: Hachette, 1986, v. II.
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São Paulo: Contexto, 2008.
GREIMAS, Algirdas Julien; FONTANILLE, Jacques. Semiótica das
paixões. São Paulo: Ática, 1993.
HAMAD, M. O santuário de Bel em Tadmor-Palmira: ensaio de
interpretação semiótica. Galáxia, São Paulo, n. 9, p. 15-97, 2005.
HÉNAULT, Anne. História concisa da semiótica. São Paulo: Parábola, 2006.
LANDOWSKI, Eric. A sociedade refletida: ensaios de sociossemiótica.
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LANDOWSKI, Eric. Com Greimas: interações semióticas. São Paulo:
Estação das Letras e Cores, 2017.
LATOUR, Bruno. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros
sociedade afora. São Paulo: Editora Unesp, 2000.
MANCINI, Renata. Os modos de engajamento do leitor de Grande
sertão: veredas em quadrinhos. Todas as Letras, São Paulo, v. 21, n. 1,
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PORTELA, Jean Cristtus. Semiótica midiática e níveis de pertinência.
In: DINIZ, Maria Lúcia Vissoto Paiva; PORTELA, Jean Cristtus (orgs.).

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QUADRINHOS: fronteiras e interfaces. Org. Renata Manici e Daniele
Barbieri. São Paulo: Todas as Letras, v. 21, n. 1, 2019.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. São Paulo:
Cultrix, 2012.
SOUSA, Silvia Maria de. A transmidialidade como estratégia discursiva.
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SOUSA, Silvia Maria de. Transmidialidade: plano de expressão e níveis de
pertinência. In: MANCINI, Renata; GOMES, Regina (orgs.). Semiótica do
sensível: questões do plano da expressão. São Paulo: Editora Mackenzie,
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TATIT, Luiz. Musicando a semiótica: ensaios. São Paulo: Annablume, 1997.
TATIT, Luiz. Passos da semiótica tensiva. Cotia: Ateliê, 2019.
TEIXEIRA, Lucia. A pesquisa em semiótica. In: GONÇALVES, Adair;
GÓIS, Marcos Lúcio de Sousa (orgs.). Ciências da linguagem: o fazer
científico. Campinas: Mercado de Letras, 2014, v. 2, p. 223-248.
TEIXEIRA, Lucia; CARMO JR., José Roberto do (orgs.). Linguagens na
cibercultura. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2013.
TEIXEIRA, Lucia; FARIA, Karla; AZEVEDO, Sandro Torres de.
Enunciação em meios digitais. Estudos Semióticos, São Paulo, v. 13, n.
2, p. 122-135, 2017.
ZILBERBERG, Claude. Razão e poética do sentido. São Paulo: Edusp, 2006.
ZILBERBERG, Claude. Síntese da gramática tensiva. Significação, São
Paulo, n. 25, p. 163-204, 2006.
ZILBERBERG, Claude. Elementos de semiótica tensiva. São Paulo:
Ateliê, 2011.

191
CAPÍTULO 6

Teoria Semiolinguística de Análise


do Discurso: uma introdução
Beatriz dos Santos Feres
Ilana da Silva Rebello
Patrícia Neves Ribeiro
Rosane Santos Mauro Monnerat

“É a linguagem que permite ao homem


pensar e agir. Pois não há ação sem pensa-
mento, nem pensamento sem linguagem.”
(Charaudeau, 2008a, p. 7)

Introdução ao campo e seu desenvolvimento


A Teoria Semiolinguística de Análise do Discurso – já bas-
tante difundida no meio acadêmico brasileiro – foi criada, nos
anos 1980, pelo professor Patrick Charaudeau, da Universidade
de Paris XIII. Sua proposta de Análise do Discurso surge em meio
à urdidura de teorias que, ao longo do século XX, se mostraram
preocupadas em promover certo deslizamento das análises do
fenômeno linguístico de feição mais estrutural para estudos dos
usos linguísticos sob um enfoque enunciativo.
Sob essa trama, a Semiolinguística constitui-se como uma
teoria que se localiza entre as abordagens linguísticas mais estritas
e aquelas mais abertas ao extralinguístico, o que se atesta pelo
próprio nome que a intitula. Charaudeau explica que “semio”
advém da ideia de que seu modelo de análise incide sobre uma
relação forma/sentido dependente da situação psicossocial que
a gestou; por sua vez, trata-se de uma análise “linguística” em
vista da materialização primordial da forma em questão.
Assim, a Semiolinguística conjuga posicionamentos epistemo-
lógicos que operam com categorias prioritariamente linguísticas,
sem perder de vista a base praxeológica e situacional em que estão
inseridas, ao mesmo tempo que se interrogam sobre os imaginários
sociodiscursivos que as orientam. Dentro desse quadro, atesta-se a
retomada do sujeito histórico (não completamente assujeitado) –
dotado de intencionalidades – “responsável”, até certo ponto, por
suas representações. Desse modo, essa teoria, de base comunica-
cional, considera as atitudes estratégicas dos sujeitos comunicativos
em frente ao social, aos interlocutores e ao seu próprio discurso.
Ao pôr em cena análises dos discursos sociais, as pesquisas
em Semiolinguística acabam por integrar contribuições advindas
de outras disciplinas, como a Sociologia, a Psicologia Social, a
Antropologia, o Direito etc. Nesse sentido, trata-se de uma corrente
que se forja sob uma “interdisciplinaridade focalizada” (CHA-
RAUDEAU, 2013b), considerando que é do lugar da Análise do
Discurso que serão tratados os conceitos e os resultados dessas
outras disciplinas.
Todos esses conceitos, resultados e instrumental analítico,
reunidos em torno da linguagem enquanto centro geométrico
de organização social, possibilitam o estudo de uma produção
discursiva sob diversas semioses (verbal, visual, gestual). Essa
diversidade de manifestação semiológica, vinculada a práticas
sociais da linguagem sob formato linguístico diverso (escrito/
falado; formal/informal etc.), é apreciada consoante tanto à
recepção quanto aos processos interativos determinantes da
produção/recepção.

194
Sob esses pilares, várias abordagens e aplicações vêm sendo
feitas pelo autor e por outros pesquisadores mundo afora, ates-
tando-se um largo desenvolvimento da Semiolinguística desde
a sua inauguração. De lá para cá, seu criador tem se debruçado
sobre os discursos midiático, político e didático, tendo dado
atenção, no início do século XXI, às controvérsias sociais e aos
discursos de manipulação da verdade.
Em cenário brasileiro, algumas temáticas mais amplas
ilustram a cartografia das pesquisas desenvolvidas em Semio-
linguística, com destaque para a renovação dos seguintes eixos:
das instâncias subjetivas, sob identidades sociais e discursivas,
no quadro da interação social; das situações contratuais e da
mise-en-scène enunciativa; dos imaginários sociodiscursivos. São
pesquisas articuladas às organizações macro e microestruturais
dos textos e às categorias linguístico-discursivas empregadas (a
que se somam outras relacionadas às semioses não verbais). Além
disso, são estudos cujos percursos têm sido feitos sob diferentes
corpora, dos mais aos menos típicos, como notícia jornalística,
anúncio publicitário, discurso político, texto literário, aconse-
lhamento religioso, funk, quadrinhos, charge, meme etc.
Toda essa travessia da Semiolinguística, sobretudo para
além-mar, tem comprovado sua vocação para o alargamento
constante de sua consistente e operacional base teórica.

Curiosidades
Não sendo os percursos de um pesquisador necessariamente marcados
por uma direção única, seu atravessamento por espaços diversos pode,
entretanto, vislumbrar uma invariável obsessão: o sentido. O apreço pelo
sentido tem marcado, singularmente, a trajetória de pesquisa do ideali-
zador da Semiolinguística e o conduzido a interesses nada convencionais
para um analista do discurso. Patrick Charaudeau situa-se, no cenário
das ciências da linguagem, não só como o único analista do discurso a
publicar uma gramática, mas também como o único linguista a lançar
uma gramática “do sentido”, como bem ressalta Souza (2013, p. 129).

195
Publicada pela primeira vez em 1992, e com inúmeras edições, a
Grammaire du sens et de l’expression (em português, Gramática do
sentido e da expressão, ainda não traduzida na íntegra) nasce da própria
experiência de Charaudeau em salas de aula da educação básica. Perce-
bendo a necessidade de fazer os alunos compreenderem a língua em sua
dimensão discursiva, pelo estabelecimento de relações entre “categorias
de língua” e “categorias de discurso”, Charaudeau lança-se ao desafio
de escrever uma obra inovadora, que cuida de problemas efetivos da
linguagem, sobretudo ao contribuir para destrinchar as relações entre
os níveis intralinguísticos e discursivo. Dito de outro modo, trata-se de
uma gramática que se origina do interesse por descrever os fatos da
língua em relação a três condições: a instanciação das intencionalidades
dos sujeitos falantes sobre a expressão linguística (intenções do sujeito
falante); a revelação das instâncias comunicativas com base no que os
fatos de linguagem atestam (desafios enunciativos); e a produção dos
efeitos do discurso advindos dos variados usos linguísticos (efeitos de
sentido).
Para evidenciar que o sentido se constrói na dependência da referência
do mundo às intersubjetividades situadas, Charaudeau organiza sua
gramática em três partes, assim intituladas: “Os mecanismos do sentido
e a construção das palavras”; “As categorias da língua”; “Os modos
de organização do discurso”. Sob essa tríade, faz a obra dialogar com
as ferramentas teóricas da gramática tradicional sob uma roupagem
inédita e fundamental.

Conceitos-chave e linhas teóricas


A Análise do Discurso, em linhas gerais, tem se constituí-
do como uma vertente teórica bastante heterogênea e aberta,
reunindo diferentes perspectivas e metodologias no estudo de
diversos fenômenos de produção discursiva em corpora variados,
abordando questões de natureza enunciativa, histórica e interativa.

196
Assim, de acordo com Ieda de Oliveira (2003, p. 24), a Se-
miolinguística mostra-se como uma disciplina no entremeio da
“linguística da língua” e da “linguística do discurso”. Esse enfoque
balanceado permite justificar o próprio termo que denomina a
teoria, já que, em “semiolinguística”, se apresentam as perspec-
tivas relevantes que a constituem: a semiótica, a linguística e a
discursiva, ou seja, a análise do fenômeno linguageiro leva em
conta não apenas o significado dos signos verbais, mas também
o valor semiótico dos elementos não verbais que servem ao texto,
assim como seu contexto discursivo, em que se insere o acervo
textual circulante na sociedade.
Nesse sentido, o modelo de análise semiolinguística do
discurso leva em conta a relação do signo linguístico com outros
signos e com o próprio discurso, que se define como uma ence-
nação de um ato de linguagem em uma situação de comunicação
específica. Nessa instância, o sujeito cria o sentido, percorrendo
o circuito que parte do mundo real, representado nas imagens
sociais do sujeito, para o espaço recortado do discurso, materia-
lizado no texto, em um vaivém que tece o que se quer comunicar.
A natureza do ato de comunicação, com os seus componentes
(situação, modos de organização, categorias da língua e texto),
põe em evidência o aspecto fundamental do modelo: língua e
discurso são determinados pela finalidade comunicativa que
motiva o sujeito falante.
Nas palavras de Charaudeau (2006a, p. 67), “a situação de
comunicação é como um palco, com suas restrições de espaço,
de tempo, de relações, de palavras, no qual se encenam as trocas
sociais e aquilo que constitui o seu valor simbólico”. Dessa maneira,
pode-se dizer que um ato de linguagem comporta dois espaços:
um espaço de restrições, que define as condições mínimas para
que um ato de fala seja considerado válido (reconhecimento de
direito à fala do sujeito, compartilhamento de saberes acerca do
mundo, partilha de finalidades comuns no ato comunicativo),
e um espaço de estratégias, em que um sujeito, apesar da regu-
lação imposta pelo contexto comunicativo, pode servir-se das

197
manobras (estratégias) espalhadas na mise-en-scène do ato de
linguagem para concretizar seu propósito comunicativo. Fica
estabelecido, dessa forma, um dos conceitos fundamentais da
teoria: o de contrato de comunicação – como o espaço de restrições
do ato linguageiro, as quais constituem as condições essenciais
para que este ocorra, e, paralelamente, o espaço de estratégias,
como possibilidades discursivas das quais o sujeito falante pode
valer-se para influenciar seu interlocutor.
Para Charaudeau (2008a, p. 56), “o ato de linguagem, do ponto
de vista de sua produção, pode ser considerado uma expedição
e uma aventura”. Uma expedição, pois o sujeito comunicante
concebe um projeto global de comunicação a partir do conjunto
de suas competências, sempre levando em conta a margem de
restrições e de manobras de que dispõe, e uma aventura, já que
não tem a garantia de sucesso de sua empreitada, uma vez que
pode não haver coincidência de interpretações entre o sujeito
interpretante e o sujeito destinatário.
Como ato interenunciativo, o ato de linguagem, na visão
semiolinguística, comporta quatro sujeitos (em vez de dois), que
se movem, nos polos de produção e de recepção do texto, em dois
circuitos de produção de saber na situação de comunicação: o
externo e o interno.
Compreende-se por circuito externo à fala o espaço onde
se encontram os sujeitos agentes, ou seja, os seres do fazer ou
parceiros. Chamamos de seres do fazer os sujeitos sociais, que
agem no mundo, com uma identidade psicossocial: o sujeito
comunicante (EUc) e o sujeito interpretante (TUi). No circuito
interno, paralelamente, estão os sujeitos de fala, isto é, os seres
do dizer ou protagonistas. Entende-se por seres do dizer aqueles
que fazem uso da palavra e projetam/fabricam imagens a partir
desta. Nesse caso, contamos com o sujeito enunciador (EUe) e o
sujeito destinatário (TUd), com identidade discursiva.

198
Figura 1. Representação do dispositivo da encenação da linguagem

SITUAÇÃO DE COMUNICAÇÃO
Finalidade contratual + Projeto de fala

Espaço interno
DIZER
EUc TUi
EUe TUd
Eu- Tu-
comunicante Eu- Tu- interpretante
(indivíduo) enunciador destinatário (indivíduo)

(ser social) (ser de fala) (ser de fala) (ser social)

Espaço externo
FAZER

Fonte: Adaptado de Charaudeau (2008a, p. 77).

A respeito da identidade desses sujeitos, convém assinalar que


a “identidade geral” de uma pessoa, recobre, na verdade, um duplo
aspecto identitário – a identidade social e a identidade discursiva.
A identidade social tem como particularidade a necessidade
de ser reconhecida pelos outros, ou seja, trata-se do reconhecimento
de um sujeito por outros sujeitos em nome de valores aceitos por
todos (CHARAUDEAU, 2006b, p. 344). A identidade social (a rigor,
psicossocial, pois está impregnada de traços psicológicos) é, então,
algo “atribuído-reconhecido”, um “pré-construído” determinado
pela situação de comunicação (CHARAUDEAU, 2006b, p. 346).
A identidade discursiva, por sua vez, é construída pelo sujeito
falante para responder à questão: “Estou aqui para falar como?”
Dessa forma, depende de estratégias de credibilidade, em função
da imagem que o sujeito projeta de si para os outros – ethos – e
de estratégias de captação, por meio das quais tenta fazer com
que seu interlocutor perceba seu projeto de intencionalidade,
servindo-se de mecanismos de persuasão e de sedução. É nesse
jogo de vaivém entre identidade social e identidade discursiva
que se realiza a influência discursiva (CHARAUDEAU, 2006b,

199
p. 348). Esses sujeitos se articulam no quadro enunciativo em que
a linguagem passa a ser considerada não como uma referência
sobre o mundo, mas como instrumento responsável por colo-
car os sujeitos em interação para transformarem um “mundo
a significar” em um “mundo significado”, dando conta, assim,
do processo de semiotização do mundo.
Figura 2. Processo de semiotização do mundo

MUNDO A SUJEITO MUNDO SUJEITO


SIGNIFICAR COMUNICANTE SIGNIFICADO INTERPRETANTE

PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO

PROCESSO DE TRANSAÇÃO

Fonte: Adaptado de Charaudeau (2005, p. 14).

Para o processo de semiotização do mundo ocorrer, são


necessários dois movimentos, daí falar-se em duplo processo de
semiotização. O primeiro é um movimento de transformação,
em que um mundo a significar é convertido em um mundo
significado; o segundo é um movimento de transação, em que
o mundo já significado se constitui como objeto de troca com
outros falantes. O processo de transformação compreende quatro
operações, a saber: identificação – os seres do mundo são trans-
formados em “identidades nominais”; qualificação – os seres do
mundo são transformados em “identidades descritivas”; ação – os
seres do mundo são transformados em “identidades narrativas”;
causação – os seres do mundo se submetem à sucessão de fatos
transformados em relações de causalidade. Analogamente, o
processo de transação se constitui a partir de quatro processos:
alteridade – engajamento e reconhecimento recíproco dos par-
ceiros; pertinência – atos de linguagem apropriados à finalidade

200
e ao contexto discursivo; influência – disposição dos sujeitos com
a finalidade de se atingirem reciprocamente; regulação – jogo
de influências por meio de estratégias no interior de um quadro
situacional que assegure uma intercompreensão mínima.
Na Semiolinguística, o discurso está condenado à ligação
com o texto e vice-versa. A materialidade do texto (verbal, icônica,
gestual), como expressão da encenação do ato de comunicação,
concretiza-se por meio dos modos de organização do discurso,
que são quatro: o enunciativo, o descritivo, o narrativo e o argu-
mentativo (CHARAUDEAU, 1992).
Compreendendo a prática discursiva como uma atividade
de quem recorre a procedimentos para usar a língua a fim de
cumprir as suas finalidades comunicativas, o linguista propõe
uma teoria dos gêneros, que desenvolve diferentes procedimentos
(estratégias) pertinentes a cada um dos quatro modos de organi-
zação do discurso. Cada modo tem uma função de base, que é a
finalidade discursiva do projeto de discurso do locutor (enunciar,
descrever, narrar, argumentar) e um princípio de organização.
Em referência aos princípios de organização do discurso,
pode-se dizer que eles marcam: 1) no modo enunciativo, a po-
sição do locutor em relação ao interlocutor, ao dito e aos outros
discursos; 2) nos demais, a organização peculiar da construção
descritiva, da lógica narrativa e da lógica argumentativa e os as-
pectos da encenação de cada um deles (efeitos e procedimentos,
no descritivo; identidades e status do narrador, no narrativo;
e procedimentos semânticos e discursivos, na argumentação)
compõem o status próprio de cada modo.
Outros teóricos também se debruçaram sobre esse estudo,
empregando, inclusive, diferentes terminologias: tipos textuais
(MARCUSCHI, 2008; TRAVAGLIA, 2002), tipologias e se-
quências (ADAM, 2019; DOLZ; SCHNEUWLY, 2004), tipos de
discurso (BRONCKART, 1999), entre outros. Vale ressaltar, no
entanto, que apenas Charaudeau menciona o modo enunciativo,
o que é de se destacar, haja vista a relevância dos estudos de
base enunciativa nos dias atuais. As funções de base do modo

201
enunciativo intervêm na encenação dos outros três modos, na
medida em que mostram a relação de influência do locutor em
relação ao interlocutor (modalidade alocutiva), o ponto de vista
situacional do locutor (modalidade elocutiva) e o testemunho
deste em face do mundo (modalidade delocutiva). É a pessoa do
discurso que essencialmente organiza esse modo, tornando-o
presente nos outros.

Abordagens e métodos
Feita a apresentação de alguns conceitos-chave da Teoria
Semiolinguística, neste tópico, discorreremos, em linhas gerais,
sobre algumas abordagens metodológicas de que o pesquisador
pode se valer para a análise de diferentes corpora.
É no texto Análise do discurso: controvérsias e perspectivas
(CHARAUDEAU, 1999) que o professor emérito da Universida-
de de Paris XIII explicita três diferentes maneiras de analisar o
discurso, a partir também de três parâmetros: o objeto de estudo,
o tipo de sujeito e a natureza do corpus.
Antes de descrevermos cada
um dos percursos metodológicos, Empírico é a qualidade do
lembramos que a Teoria Semio- que resulta da prática, da
linguística de Análise do Discur- observação, da experiência.
so é empírico-dedutiva, pois parte Assim, o método empírico-de-
de um material empírico, a lin- dutivo é aquele que, a partir
guagem, para verificar combina- da observação e da análise,
ções possíveis na substância se- formula hipóteses para obter
miológica (verbal e não verbal) e uma conclusão a respeito de
analisa o texto dentro de um con- determinadas premissas.
trato de comunicação que coman-
da toda a produção linguageira. Assim, para fazer uma análise
semiolinguística, é importante que se estude um corpus de
textos, o que permitirá um levantamento empírico (intuitivo)
das constantes e das diferenças entre os textos selecionados.

202
De acordo com Charaudeau (2005, p. 21), a condição de contras-
tividade é fundamental para a constituição de um corpus.
Nesse sentido, partindo da análise
empírica de um conjunto de textos, é Para saber mais so-
possível identificar o contrato de comu- bre intertextualidade
nicação que rege os textos sob análise e intergêneros, consultar
os diferencia de um outro conjunto de Marcuschi (2008).
textos. Além disso, também é possível
identificar as transgressões que, normalmente, constituem um
mecanismo estratégico. É o caso, por exemplo, da intertextualidade
intergêneros – uma publicidade no formato de uma bula de remédio,
um artigo de opinião em formato de poema e assim por diante.
Após a seleção do corpus, com o contrato de comunicação
definido, o pesquisador, poderá também, se assim quiser, proceder
à análise de textos particulares e escolher um percurso metodo-
lógico que melhor atenda aos objetivos da pesquisa. No entanto,
apesar da possibilidade de fazer análise de texto, Charaudeau
(2005, p. 23, grifos do autor) chama a atenção para o fato de que
a análise de discurso
incide sobre um corpus de textos reunidos em torno de um
tipo de situação (contrato) que os sobredetermina, para
que sejam estudadas suas constantes (visando definir um
gênero), e suas variantes (visando definir uma tipologia de
estratégias possíveis). Quando se diz que se está fazendo
“a análise de discurso de um texto”, é necessário explicitar se
o texto constitui um fim em si ou se é um simples pretexto.
Feitas essas considerações, vamos descrever agora os três
percursos metodológicos denominados por Charaudeau (1999)
de (i) cognitivo e categorizante, (ii) comunicativo e descritivo, e
(iii) representacional e interpretativo.
Na primeira abordagem metodológica, a cognitiva e ca-
tegorizante, o objeto de estudo é um conjunto de mecanismos
discursivos, o sujeito é cognitivo, e o corpus pode ser aleatório,
já que a única restrição é fazer parte do contexto linguístico
propiciador do mecanismo que está sob análise. Assim, nessa

203
abordagem, o sujeito pesquisador, que é um operador de arti-
culações discursivas, direcionará o seu olhar para mecanismos
e categorias linguísticas presentes em um determinado corpus,
não se preocupando com o contexto situacional, por exemplo.
Os mecanismos linguísticos falam por si só, dependendo apenas
de outras unidades presentes na estrutura interna do texto.
Seguindo essa primeira abordagem, os trabalhos descre-
vem, por exemplo, conectores, modalidades, jogos de coesão e
coerência, relações referenciais e assim por diante. O objetivo
principal é entender como determinado elemento gramatical/
lexical/discursivo funciona dentro do texto.
Ao contrário, na segunda abordagem, comunicativa e des-
critiva, o fazer-situacional também é considerado, o que faz com
que o objeto de estudo seja determinado a partir da observação
das manifestações do mundo. Para a constituição do corpus,
a identidade dos parceiros da interação, a finalidade do contrato
e as circunstâncias materiais são informações importantes para
esse tipo de abordagem metodológica. O sujeito é definido por
sua identidade psicológica e social: nem só individual, nem só
coletivo, mas um amálgama dos dois. Nesse tipo de abordagem
metodológica, o pesquisador deve entender que tanto ele quanto
o sujeito que comparece nos textos reproduzem parte do social,
mas também transformam e inventam novas formas de comunicar
significados. Como diz Charaudeau (1999, p. 34),
num movimento dialético de “internalização do exterior”
e de “externalização do interior” [...] O sujeito se encontra
aqui em uma relação de intersubjetividade com o outro
da linguagem (alteridade).
Por fim, na terceira abordagem metodológica, representacional
e interpretativa, para a constituição do objetivo, o sujeito elabora
hipóteses sobre as representações sociodiscursivas presentes em
um dado momento de uma sociedade. Nessa abordagem, o cor-
pus pode ser constituído por um conjunto de textos-arquivos,
selecionados em função de seu valor emblemático de discurso
dominante, frequentemente ligado a uma instituição social.

204
Charaudeau (1999) cita como exemplos produções discursivas
de grupos constituídos, como livro de queixas, de partidos
políticos, e toda produção que apresenta um valor de discurso
fundador, como textos religiosos, científicos, literários, jurídicos.
Também é possível que o corpus seja constituído por um conjunto
de signos-sintomas que representam sistemas de valores. Esses
signos podem ser simples palavras, como racismo, feminismo,
imigração, mas também podem ser textos verbais ou não verbais.
Ainda nessa terceira abordagem, em uma perspectiva mais
radical, o sujeito representa o coletivo, de forma ideológica ou
inconsciente. Outra posição dessa abordagem metodológica não
nega a sobredeterminação do sujeito, no entanto também admite
que ele seja “responsável” por suas representações. Responsável
entre aspas porque nem sempre esse sujeito tem consciência
desse papel também ativo. Assim, diferentemente da segunda
abordagem, na representacional, em linhas gerais, o sujeito é, ao
mesmo tempo, não só ativo, mas principalmente passivo. Ativo
por ser o centro das práticas discursivas, passivo por se diluir na
consciência do grupo social.
Na Teoria Semiolinguística, embora Charaudeau se valha
dessas três perspectivas metodológicas, é a comunicativa/descritiva
que ganha destaque, já que os fatos de discurso são mais analisa-
dos pelas suas condições situacionais de produção do que pelas
suas marcas linguísticas, o que fica bem explícito, por exemplo,
quando se estuda o contrato de comunicação. No entanto, para
Charaudeau (1999, p. 41), também é preciso utilizar a perspectiva
representacional/interpretativa, porque “o reconhecimento das
estratégias discursivas deve resultar na descrição do que [...] [ele]
denomina [...] ‘imaginários sociodiscursivos’”, e a perspectiva
cognitiva/categorizante, porque as estratégias discursivas são
descritas a partir de categorias semiolinguísticas. Nas palavras
de Charaudeau (1999, p. 41),
não se pode analisar um discurso sem operar com cate-
gorias que possuem um certo valor generalizante, sem
se interrogar sobre a base praxeológica e situacional na

205
qual ela se inscreve, nem se abstendo de tirar deles os
ensinamentos de ordem ideológica.
A fim de exemplificarmos, imaginemos uma pesquisa
com o gênero charge. Em primeiro lugar, o pesquisador deverá
selecionar várias charges que apresentem o elemento que deseja
analisar. É importante que se faça um recorte no tempo, a fim de
que a situação de comunicação, pano de fundo dos textos, mas
igualmente relevante para a análise, seja identificada e descrita.
Nesse sentido, ao se identificarem os elementos da situação
de comunicação (características identitárias dos parceiros, o
tipo de dispositivo de transmissão, características contratuais),
os sujeitos que dela participam, o pesquisador estará se guiando
pela perspectiva comunicativa/descritiva. Ainda na situação de
comunicação, aprofundando um pouco mais a identificação do
contexto discursivo do ato de linguagem – a charge como um
todo, por exemplo –, o pesquisador deverá investigar “os atos de
linguagem existentes (aqueles que já foram produzidos) em uma
determinada sociedade e que intervêm na produção/compreen-
são do texto a interpretar” (CHARAUDEAU, 2008a, p. 70). Se o
grupo de charges tem como tema principal, por exemplo, as fake
news, deve-se tentar investigar o contexto social que favoreceu
abordar tal tema, e não se faz esse tipo de investigação sem levar
em consideração a perspectiva representacional/interpretativa.
Aqui, é importante chamar a atenção para o fato de que os su-
jeitos, para a Semiolinguística, não são completamente indivi-
duais (ativos), sendo também, em parte, coletivos (passivos). Isso
significa dizer que os atos de linguagem produzidos por eles são
também permeáveis “aos impactos do inconsciente e do contexto
sócio-histórico” (CHARAUDEAU, 2008a, p. 48).
Por último, ainda pensando no gênero charge, a análise
deve ser feita por completo, e, para isso, é preciso também que se
analisem os mecanismos e as categorias linguísticas, valendo-se
da perspectiva cognitiva. Não se trata aqui de uma análise lin-
guística per si, mas de perceber como os elementos linguísticos,
interligados aos discursivos e situacionais, produzem sentido.

206
Em síntese, uma Análise do Discurso Semiolinguística deve
buscar sempre observar as características dos comportamentos
linguageiros – o “como dizer” –, levando em consideração as
restrições das condições psicossociais que preveem os diferentes
tipos de contratos.

Como fazer pesquisa na Teoria Semiolinguística de Análise do Discurso


A pesquisa orientada pelas bases teóricas e metodológicas da Semiolin-
guística funda-se sob um modelo de Análise de Discurso em três níveis,
estando cada um deles correspondente a um tipo de competência do
sujeito: i) nível situacional ou comunicacional, vinculado à competência
situacional; ii) nível discursivo, vinculado à competência semântico-discur-
siva; iii) nível semiolinguístico, vinculado à competência semiolinguística.
Sob essa arquitetura analítica da abordagem semiolinguística, a maneira
pela qual o pesquisador deve examinar os mais variados projetos de
comunicação tem de contemplar os três níveis assinalados e a tríplice
competência correspondente. A título de precisão, o termo “competência”
em Semiolinguística encontra equivalência no sentido de capacidade
resultante do emprego de determinada aptidão. Assim, é válido pon-
tuar que, dotados de uma competência situacional, os interagentes se
mostram capazes de reconhecer as condições sociais de comunicação;
dotados de uma competência semântico-discursiva, se revelam aptos a
reconhecer e manejar as estratégias do discurso; e, por fim, dotados de
uma competência semiolinguística, conseguem identificar e mobilizar os
sistemas semiolinguísticos.

Figura 3. Níveis de construção do sentido


TEXTO
Nível semiolinguístico

Nível discursivo

Nível situacional

Fonte: Elaboração própria.

207
Para fins de análise de qualquer empreitada linguageira, o pesquisador
em Semiolinguística deve recorrer aos três níveis supramencionados
com vistas a delinear:
a) sob o nível situacional, as circunstâncias da comunicação provenientes
das identidades dos parceiros das interações sociais; da finalidade do
intercâmbio; do propósito temático evocado; e dos dispositivos materiais
em que o jogo comunicativo se realiza;
b) sob o nível discursivo, os procedimentos de ordem enunciativa em
jogo, os quais correspondem a diferentes posições do sujeito falante
(alocutiva, elocutiva e delocutiva); os procedimentos de ordem enun-
civa, correspondentes às diferentes maneiras de dizer empregadas
para fins de comunicação (modo descritivo, narrativo e argumentativo,
sob a batuta do enunciativo); e os procedimentos de ordem semântica,
referentes aos saberes comuns (de conhecimento – mais objetivos – e
de crença – mais subjetivamente dados porque calcados em sistemas
de valores no interior de dada comunidade), cuja circulação se dá via
relações interdiscursivas e intertextuais;
c) sob o nível semiolinguístico, as coercitivas e estratégicas escolhas
linguísticas que materializam textos em dimensão tanto macroestrutural,
dentro dos modos de organização do discurso, quanto sob configuração
microestrutural, em nível lexical e gramatical, em atenção ao vocabulário
selecionado e às formas dos signos, suas regras de combinação e seus
sentidos.
Assim, para examinar, sob a abordagem semiolinguística do discurso,
seu objeto de pesquisa, o analista deve propor uma tripla interrogação –
i) quais são as condições situacionais do ato de linguagem?; ii) qual(is)
procedimento(s) discursivo(s) é(são) acionado(s) pelo ato de linguagem
investigado?; iii) em que consiste a formalização do texto? –, conforme
propõe o pesquisador no Dicionário de Análise do Discurso (2004, p. 453),
publicação por ele dirigida em colaboração com Dominique Maingueneau.
Pelas malhas desses níveis em perspectiva tridimensional, a visão do
pesquisador se alarga, o que lhe fornece condições de analisar os dis-
cursos sociais como verdadeiros atos de linguagem, configurados sob
textos, dependentes de um “lugar” e de uma “situação de comunicação/
enunciação” específicos e orientados por dado imaginário sociodiscursivo.

208
Exemplos de pesquisa
Há mais de vinte anos, professores e alunos da Universidade
Federal Fluminense (UFF) desenvolvem pesquisas tendo como
aporte teórico principal a Teoria Semiolinguística de Análise
do Discurso. Introduzida no Brasil pelo próprio Charaudeau,
tem sido difundida por meio do Núcleo de Análise do Discurso
da Universidade Federal de Minas Gerais (NAD-UFMG), pelo
Centro Interdisciplinar de Análise do Discurso-Rio (UFRJ/UFF/
Uerj) e se espalhado por várias universidades brasileiras.
Na UFF, a Semiolinguística ganha mais espaço com a criação
da disciplina Semiolinguística na pós-graduação em Letras, hoje
pós-graduação em Estudos de Linguagem. Muitas dissertações
e teses já foram orientadas no programa, e projetos de pesquisa
individuais têm sido desenvolvidos sob essa perspectiva.
Nesta seção, como o espaço é reduzido, citaremos algumas
pesquisas desenvolvidas por nós, professoras do Programa de
Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da UFF. Para conhe-
cer outras pesquisas, recomendamos consultar o banco de teses
da universidade, o currículo Lattes dos professores e o site de
Semiolinguística da UFF (http://semiolinguistica.uff.br/).
A professora Rosane Monnerat, por exemplo, desenvolveu a
pesquisa de Pós-Doutorado Discurso e imagem nas capas de revistas
femininas brasileiras: ideologia e sedução (séculos XIX, XX e XXI),
com o objetivo de investigar, na mídia impressa, a construção da
imagem da mulher do ponto de vista sociocultural, o que possibilita
visualizar as transformações ocorridas na construção de modelos
de mulher possivelmente já preparados por certo “horizonte de
expectativa”, marcadamente ideológico, não apenas feminino,
mas de toda a sociedade, pois se apresenta aquela mulher que a
sociedade espera ver representada. A opção pela análise da capa
das revistas se deve não só à riqueza do material em si – pelo uso
plural das linguagens verbal e visual, na produção dos sentidos, com
a mesclagem de elementos de análise linguística (seleção lexical,
polifonia, perguntas retóricas, pressupostos e subentendidos etc.) e

209
de análise semiótica (cores, luz, imagens, jogos de sombra e luz etc.)
– como também e, sobretudo, ao forte potencial comunicativo desse
material. Entende-se que a imagem, considerada como discurso,
carrega também informações de natureza sociológica, articuladas a
representações sociais. Assim, a estrutura da mensagem se constrói
sob uma argumentação icônico-linguística constituída ora como
forma de complementação – a palavra parafraseia a imagem ao
descrevê-la –, ora como forma de dissenção – a palavra entra em
conflito com a imagem, levando à polissemia.
Outra pesquisa desenvolvida por Monnerat foi Discurso
publicitário e patemização: da construção dos sentidos aos efeitos
visados – rota diacrônica: séculos XX e XXI. Ainda sob um viés
diacrônico, a pesquisadora se interessa, agora, pela construção
do universo da “patemização”, com ênfase aos efeitos visados
desencadeados no/pelo discurso publicitário. Começando pelo
estudo das emoções na Antiguidade clássica, chega às emoções
no discurso. A questão da natureza do patêmico é analisada
a partir da situação de comunicação, dos universos de saber
partilhado e de estratégias enunciativas identificadoras desses
efeitos, responsáveis pela emergência de emoções positivas, sem
desconsiderar, contudo, as negativas. A partir desse enquadre
teórico-metodológico, são tecidos os fios que enlaçam a patemi-
zação ao discurso da publicidade, centralizado na singularização
do produto – marca –, focalizada desde o início do século passado
até a modernidade e observada em sua natureza semiótica. No
momento, a professora Rosane Monnerat estuda estratégias de
captação e efeitos de patemização na expressão de discursos de
ódio/afeto na mídia brasileira.
Ainda com corpus do domínio midiático, a professora Ilana
Rebello desenvolveu pesquisas como Entre o discurso e a língua:
análise da conotação em capas da Veja com vistas à formação de
leitores críticos, O acontecimento bruto semiotizado na capa e no
índice da revista Veja – análise de estratégias linguísticas, discursivas
e semióticas e A narrativa do coronavírus em capas da revista Veja:
a verbo-visualidade e seus efeitos de sentido. A primeira pesquisa

210
teve por objetivo principal não só apresentar um estudo sobre a
conotação, mas também mostrar a relevância do domínio desse
conceito para o processo de leitura e interpretação de textos. Para
a realização, foi feita uma breve abordagem sobre as variadas
definições atribuídas ao signo, como as arroladas por Saussure,
Hjelmslev, Ullmann e Pottier. Esse estudo foi importante, tendo
em vista que a problemática envolvendo denotação e conotação
passa inevitavelmente pela concepção do signo linguístico, que
recebe enfoques distintos, em variadas correntes. Em seguida,
foi feito o estudo da conotação, baseando-se em vários autores da
Linguística Textual e em Charaudeau. Além do estudo linguístico
(abordagem cognitiva), também foram levadas em consideração
as abordagens metodológicas descritiva e representacional, ao se
estudarem, por exemplo, o contrato comunicativo, as estratégias
de captação e o texto não verbal.
A segunda pesquisa realizada pela professora Rebello ana-
lisou como um mesmo acontecimento bruto (fato) é noticiado/
semiotizado na capa e no índice da revista Veja e quais estraté-
gias são utilizadas. A análise revelou que, no índice, prevalece a
visada da informação. Já na capa, diferentes estratégias linguís-
ticas, discursivas e semióticas são utilizadas, a fim de tornar o
texto mais persuasivo e até mesmo sedutor e captar o público
leitor. Por último, na terceira pesquisa, fruto de um trabalho de
pós-doutoramento, a professora analisou a narrativa construída
em 44 capas da revista Veja, nos anos de 2020 e 2021, sobre a
pandemia do coronavírus, a partir do estudo do modo de orga-
nização do discurso narrativo; a função descritivo-discursiva
da verbo-visualidade e os efeitos de pathos visados a partir da
temática da pandemia.
No âmbito dos estudos aplicados diretamente às salas de
aula da educação básica, a professora Patrícia Ribeiro tem desen-
volvido pesquisas relacionadas ao ensino de língua portuguesa.
O projeto Produção textual mediada na escola básica: referências e
referenciação na tessitura da escrita, por exemplo, propõe práticas
que figurem no âmbito de sequências didáticas – em resposta a

211
uma pedagogia por projetos – e que se associem a três memórias/
referências: linguística, situacional e semântico-discursiva – o que
responde à concepção interacional da linguagem. Particularmen-
te, ao se eleger trabalhar com sequências didáticas centradas em
diferentes gêneros discursivos, são tomadas, com prioridade, as
noções de contrato comunicativo, subjacente ao gênero focalizado,
e de modo de organização do discurso, além da de referenciação.
Ribeiro também vem se dedicando a projetos voltados ao
estudo da reenunciação, tanto em domínio literário, quanto em
domínios jornalístico e político. No âmbito do primeiro campo
discursivo, a pesquisa intitulada A Circulação de fórmulas discur-
sivas em livros ilustrados infantis trata do emprego de fórmulas
discursivas e de suas alterações em livros ilustrados infantis.
Considerando-as como um produtivo espaço para a difusão
da estereótipos e de seu simultâneo deslocamento, o trabalho
problematiza o uso de fórmulas discursivas (re)enunciadas no
universo dos livros ilustrados (também) para crianças, com vistas
a esclarecer os possíveis jogos de poder instaurados e a contribuir
para a formação do leitor “aprendiz”. Por sua vez, no escopo dos
domínios jornalístico e político, a pesquisa Representações dis-
cursivas midiáticas do feminino pelo filtro humorístico do dizer
político misógino investiga dizeres de figuras políticas acerca do
feminino, quando (re)enunciados pela instância midiática, visando
a assinalar imaginários sociodiscursivos acerca da mulher que cir-
culam publicamente e a esclarecer as relações de força postas em
jogo frente a essas projeções imaginárias. O estudo problematiza
o modo como a reprodução de uma (in)visibilidade negativa do
feminino se dá nas arenas política e jornalística, apoiando-se em
uma metodologia de tripla dimensão – situacional, discursiva e
formal – e dando particular atenção aos procedimentos vincu-
lados ao dito relatado e à geração de humor. Recentemente, sob
o título Vozes políticas de conotação misógina: matriz ideológica,
mediação midiática e pretexto humorístico, esse projeto amplia-se,
em pesquisa de Pós-Doutorado da professora Patricia, quando
investiga, no tocante ao panorama brasileiro de 2019 a 2022, a

212
articulação mais detida entre uma dramaturgia política de ataque
ao feminino, sua filiação ideológica e justificação humorística.
Dando continuidade à exemplificação das pesquisas, a
professora Beatriz Feres tem desenvolvido projetos relacionados
a estratégias de leitura voltadas para textos verbo-visuais, como
charges, cartuns, tirinhas, memes e contos ilustrados, nos quais a
Semiolinguística é colocada em diálogo com a semiótica de base
peirciana; com a Teoria da Literatura Infantil, com ênfase em obras
que tratam dos livros ilustrados (HUNT, 2010; NIKOLAJEVA;
SCOTT, 2011; LINDEN, 2011); e com a Linguística de Texto.
No projeto Da palavra à imagem, da imagem à palavra:
referenciação e construção do imaginário sociodiscursivo em
livros ilustrados, o objetivo da pesquisa é investigar a constru-
ção e a reconstrução do imaginário sociodiscursivo a partir da
semiose multimodal, revendo a noção de competência linguageira
desenvolvida por Charaudeau e estendendo-a à interpretação
de imagens que constroem, com a palavra, uma referenciação
dupla, verbo-visual. Destaca-se a relevância do modo descritivo
de organização do discurso, em convergência com o processo de
referenciação postulado pela Linguística de Texto (MONDADA;
DUBOIS, 2003), para a análise dos recursos semiodiscursivos de
implicitação de saberes e de valores.
Já o projeto Discurso amoroso em tempos de crise: ancoragem
na interpretação de textos verbo-visuais, por um lado, revisita
o conceito de ancoragem, explorado pela Linguística de Texto
(KOCH; ELIAS, 2016), pela Psicologia Social (MOSCOVICI,
2015), pela Semiologia (BARTHES, 1990) e pela Semiolinguística
(CHARAUDEAU, 2008b), a fim de problematizá-lo em sua relação
com o processo de interpretação textual. É um mecanismo que
parece ganhar bastante relevo em textos multimodais, nos quais
a âncora, por estar localizada tanto na parcela verbal quanto na
imagética, ou ainda no interdiscurso, é, portanto, fundamental
em inferências centrípetas ou centrífugas (CHARAUDEAU,
2018). Por outro lado, a investigação pretende analisar o discurso
amoroso, isto é, aquele cujos recursos do dizer e do mostrar se

213
encontram centrados na afirmação da afetividade e de uma ética
social inclusiva. Em pesquisa de Pós-Doutorado, a professora
investigou estratégias de leitura relacionados à linguagem verbo-
-visual de contos ilustrados que exploram, em alguma medida, a
ética do amor. Atualmente, desenvolve o projeto A qualificação
na dimensão argumentativa de textos narrativos, baseando-se
na visão discursiva da qualificação, conforme a Gramática do
sentido e da expressão (CHARAUDEAU, 1992).
Observa-se que são projetos concernentes à problematização
e à análise de estratégias discursivas, bastante atreladas à compe-
tência linguageira, seja na extremidade da produção de texto, seja
na de recepção/leitura/interpretação/compreensão, e, portanto,
com forte vínculo com o ensino. Sempre buscando a transdis-
ciplinaridade tão propícia à Semiolinguística, são investigações
voltadas também para a semiose verbo-visual e para corpora
organizados, quase sempre, em torno de temáticas relacionadas
à identificação de estereótipos, preconceitos, à resistência social
e à afirmação das minorias sociais. Com isso, espera-se não só
contribuir para a área de pesquisa relacionada à linguagem, mas
sobretudo confirmar a relação entre pesquisa, ensino e extensão,
que sustenta a universidade pública brasileira.

Temas atuais e novas direções


Desde sua concepção pelo professor Patrick Charaudeau,
a Semiolinguística tem fundamentado investigações acerca da
relação forma/conteúdo em imersão contextual-interativa, como
se comprova por meio de uma de suas primeiras publicações, a
sempre atual Grammaire du sens et de l’expression (CHARAUDEAU,
2019 [1992]), na qual a proposta de uma abordagem discursiva
acerca dos fenômenos linguageiros ganha visibilidade. Parte da
Grammaire foi traduzida por um grupo de investigadores brasilei-
ros e publicada aqui sob o título de Linguagem e discurso: modos
de organização (CHARAUDEAU, 2008a), trazendo exemplos de
nossa cultura para explorar temas como “o ato de linguagem” e

214
“os modos enunciativo, descritivo, narrativo e argumentativo”
por meio dos quais a linguagem se organiza e direciona o dizer
a serviço de um fazer (fazer saber, fazer crer, fazer sentir).
Outras obras de referência publicadas no Brasil para os estu-
dos acerca da Semiolinguística são os livros Discurso das mídias
(CHARAUDEAU, 2006a) e Discurso político (CHARAUDEAU,
2008b). No primeiro, Charaudeau revela mecanismos de captação
do leitor/interlocutor que se sobrepõem ao compromisso comuni-
cativo-informativo precípuo do universo dos textos midiáticos, a
fim de persuadir e seduzir seu público-alvo. Já no segundo, além
dos artifícios utilizados pelos atores políticos com a finalidade de
convencer e seduzir o interlocutor, propõe-se, a partir da Sociologia
e da Psicologia Social, o conceito de imaginário sociodiscursivo,
que, sustentado por saberes de crença e de conhecimento de um
dado grupo social, se materializa em ritos, comportamentos,
objetos, símbolos e nutre as identidades coletivas (assim como
é nutrido por elas). Cita-se também o Dicionário de Análise do
Discurso (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004), não menos
relevante, de igual interesse por parte de outras teorias afins.
Constituindo-se como teoria de base fenomenológica, os
estudos filiados a essa vertente investigativa revelam um interesse
de pesquisa que tanto se volta para recursos semiodiscursivos
de expressão dos imaginários que sustentam as realidades sig-
nificadas, quanto destaca estratégias de interação direcionadas
pelas intencionalidades que subjazem as trocas comunicativas
situadas. Como exemplo, pode ser destacado, dentre os trabalhos
mais recentes de Charaudeau, La langue n’est pas sexiste: D’une
intelligence du discours de féminisation (CHARAUDEAU, 2021,
ainda sem tradução no Brasil), em que o autor defende que o
sexismo não está exatamente na língua, mas no discurso, no
lugar, no modo de dizer e no papel do sujeito falante. Além dis-
so, aborda as transformações “inclusivas” observadas no uso da
linguagem no que diz respeito à expressão de gênero. Em outra
obra, Le débat public entre controverse et polémique: enjeu de vérité,
enjeux de pouvouir (CHARAUDEAU, 2017), problematiza-se o

215
debate público, que oscila entre a troca cooperativa, a polêmica e
a controvérsia e pode tanto estar a serviço da democracia, como
propiciar uma ilusão de sua existência. Embora não publicado
no Brasil, o livro dialoga com A conquista da opinião pública:
como o discurso manipula as escolhas políticas (CHARAUDEAU,
2016), que promove a reflexão acerca de mecanismos tais quais
a dramatização, o apelo ao carisma e a exaltação de valores,
como meios de persuasão e de sedução, usados no discurso
político e da mídia.
Inúmeros capítulos e artigos recentemente publicados por
Charaudeau no Brasil também compõem a lista de referências
da teoria. Por exemplo, em Imagem, mídia e política: construção,
efeitos de sentido, dramatização, ética (CHARAUDEAU, 2013a), o
semiolinguista explora aspectos significativos vinculados à ima-
gem, com destaque ao enquadramento, como recurso discursivo
capaz de jogar com o que é visível, não visível (por estar dentro ou
fora do enquadramento de uma imagem, provocando inferências
mais ou menos direcionadas) e invisível (por não ser passível
de materialização em um signo). Já em Identidade linguística,
identidade cultural: uma relação paradoxal (CHARAUDEAU,
2015), o professor mostra como a linguagem está no cerne da
constituição do sujeito, da construção de sua identidade – que
é não só individual, mas também coletiva, porque, “mesmo que
não queiramos nos ver como indivíduos dependentes do grupo, é
pelo olhar dos outros que somos marcados, etiquetados, catego-
rizados” (CHARAUDEAU, 2015, p. 15), a partir de julgamentos
e estereótipos baseados nos imaginários circulantes.
Quanto aos artigos publicados, destaca-se “Compréhension et
interprétation: interrogations autour de deux modes d’appréhension
du sens dans les sciences du langage” (CHARAUDEAU, 2018),1
retomando os conceitos de compreensão e de interpretação, já
desenvolvidos anteriormente, e agora entendidos como a com-
preensão global do sentido de um texto e como a interpretação das

1
Com tradução em português no site do CIAD-Rio. Disponível em: ciadrj.letras.ufrj.br

216
inferências (centrípetas ou internas e centrífugas ou externas) que
levam à compreensão. Em outro artigo, também digno de menção,
“Reflexões para a análise da violência verbal” (CHARAUDEAU,
2019), o pesquisador propõe, a partir da investigação do discurso
ordinário observado nas redes sociais, blogues, tuítes etc., estudos
que podem evidenciar as relações de força que permeiam as trocas
sociais e são constitutivas da identidade dos parceiros. Como se
percebe, as propostas da Semiolinguística variam bastante, além
de serem muito dinâmicas e vinculadas ao tempo em que vivemos.
Outro exemplo interessante, para além dos artigos, é uma
das lives promovida pela UFMG, na qual ele explorou o tema
“A manipulação da verdade: do triunfo da negação às sombras
da pós-verdade”, em que aborda, entre outros aspectos, o medo
como tópica patêmica utilizada para a manipulação do público.2
A patemização, entendida por Charaudeau como recurso discursivo
de captação e sedução do interlocutor por meio da provocação de
uma reação emocional (CHARAUDEAU, 2010), tem sido muito
explorada por outros investigadores filiados à teoria.
A variedade das investigações vinculadas à Semiolinguísti-
ca no Brasil ganha cores próprias, assim como interseções com
outras áreas, preservando seu caráter multidisciplinar. Com
corpora diferenciados, constituídos por primeiras páginas de
jornal, capas de revistas, memes, hashtags, charges, quadrinhos,
livros ilustrados, textos literários, samba, funk, publicidades, no-
tícias, crônicas, estratégias discursivas igualmente diversificadas
podem ser analisadas, como a multimodalidade, a referenciação
(inclusive verbo-visual), a representação social, o humor, a ironia
na abordagem de temas igualmente múltiplos, como feminismo,
racismo estrutural, diversidade social e cultural, popularização
da ciência, leitura. A Teoria Semiolinguística de Análise do
Discurso mostra-se um arcabouço consistente e profícuo para
estudos originais e de interesse social.

2
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sG4Lbzt9nXI.

217
Sugestões de leitura e materiais
Há bastante material de leitura e pesquisa em Semiolin-
guística sendo publicado no Brasil – além dos artigos do próprio
professor Charaudeau já citados neste capítulo e de seus livros
Linguagem e discurso (2008a), Discurso das mídias (2006a), Dis-
curso político (2008b), A conquista da opinião pública (2016), A
manipulação da verdade: do triunfo da negação às sombras da
pós-verdade (2022a) e Le discours populiste: un brouillage des
enjeux politiques (2022b).
Por exemplo, A publicidade pelo avesso, em que Rosane
Monnerat (2003) trata, pelo viés dessa teoria, de diversos recursos
empregados na organização discursiva de textos de publicidade.
Já em Leitura, fruição e ensino com os meninos de Ziraldo, de Bea-
triz Feres (2011), explora-se a noção de competência linguageira
(formada pelas subcompetências semiolinguística, discursiva
e situacional) no processo de leitura de livros ilustrados para
crianças, além de se postular uma competência fruitiva com a
qual o leitor se torna apto para deixar-se afetar pelo texto.
Monnerat e Feres (2017) também organizaram Análises de
um mundo significado: a visão semiolinguística do discurso, no
qual reuniram trabalhos de pesquisadores da UFF e de outras
universidades em torno da teoria. Os capítulos versam sobre
temas bem diversificados, como efeitos patêmicos no conjunto
fotografia e legenda ou na comparação entre jornais de referên-
cia e populares; construção de sentido em capas de revista; a
encenação descritiva em livros ilustrados como marca de um
discurso formativo; o modo narrativo na leitura de quadrinhos;
mediação leitora e performance em canções; além da construção
do ethos em crônicas.
O e-book Estudos do Discurso: 25 anos do CIAD-Rio, orga-
nizado pelas professoras Lúcia Helena Gouvêa e Maria Aparecida
Pauliukonis (2018), reúne dezesseis artigos de pesquisadores da
UFF, UFRJ, Unirio, Uerj, Unifa, IFRJ, além de uma resenha e
de uma entrevista com o professor Charaudeau. Mais uma vez,

218
as temáticas são muito variadas: vão desde cartas em perspectiva
paratextual, ou ainda cartas de morte, passando por uma viagem
musical expressa em literatura de viagem, até debates televisivos
e constituição de discursos contra-hegemônicos.
Em 2019, o número 50 da Gragoatá (UFF) foi inteiramente
dedicado à Semiolinguística. Nela, Patrick Charaudeau e Rosa-
ne Monnerat apresentam a revista, composta por artigos mais
centrados em pressupostos da teoria, como texto e compreensão;
ato de linguagem; argumentação por implícitos como estratégia
de patemização; formas de identificação, qualificação e ação
na construção do humor. Mas há outros, mais voltados para
temas atuais bastante diversos, muitos dos quais relacionados
ao momento histórico, além de artigos sobre discurso literário,
incluindo a reenunciação de Conto de escola, de Machado de
Assis, a nostalgia em Fernando Pessoa e os modos de organização
em um conto de Érico Veríssimo. Há também artigos em outros
números da Gragoatá assinados por semiolinguistas: Ilana Rebello
(n. 44, 2017) publica “Do signo ao texto, da língua ao discurso: de
Saussure a Charaudeau”, além de “Mimimi de mulher em memes:
referenciação, estereotipagem e reenunciação”, em coautoria com
Rosane Monnerat, Beatriz Feres e Patrícia Ribeiro, na edição
comemorativa (2020).
Organizado por João Benvindo Moura e por Maraísa Lopes
(2021), da Universidade Federal do Piauí (UFPI), o livro Discursos,
imagens e imaginários compila pesquisas que problematizam,
por exemplo, discursos de mulheres em busca de autoafirmação,
charges sobre fake news, mininarrativas pandêmicas, tirinhas do
Armandinho, capas de jornais, postagens da Universal Piauí no
Facebook, entre outros.
Mais recentemente, o livro Semiolinguística aplicada ao
ensino (2021), organizado pelas professoras Glayci Xavier, Ilana
Rebello e Rosane Monnerat, reúne sete capítulos desenvolvidos
por professoras do grupo de Semiolinguística da UFF e da UERJ.
Nesse livro, ampliam-se as discussões relacionadas à Teoria,

219
com foco no ensino de língua materna, a partir de uma outra
concepção de gramática: a gramática do sentido.
Já o livro Discurso amoroso na literatura infantil (2023), escrito
pela professora Beatriz Feres, fundamentado prioritariamente pela
Semiolinguística, trata do ato de ler criticamente e de estratégias
de leitura de narrativas verbo-visuais (mais especificamente,
contos ilustrados), além de problematizar a “ética do amor” na
resistência aos estereótipos e preconceitos.
Há ainda muitos artigos, produtos de pesquisas desenvol-
vidas no Brasil com fundamento na Semiolinguística, dispersos
por revistas e livros variados, como “A circulação de fórmulas
discursivas em livros ilustrados” (RIBEIRO, 2014), “Nas ma-
lhas da referencia(ção): tecendo leituras e produzindo textos”
(RIBEIRO, 2021) e “Do acontecimento bruto ao acontecimento
interpretado pela mídia: a construção do(s) sentido(s) na capa da
Veja” (REBELLO, 2019).
Para finalizar, sugere-se também a leitura dos livros pu-
blicados pelo NAD-UFMG.3 Entre eles, Gênero: reflexões em
Análise do Discurso (MACHADO; MELLO, 2004), As emoções
no discurso (MACHADO; MENDES, 2010) e Imagem e discurso
(MENDES, 2013a) e publicações do NEPAD-UFPI.4 Entre eles,
Discursos, imagens e imaginários (MOURA; LOPES, 2021),
Sentidos em disputa: discursos em funcionamento (MOURA;
BATISTA JR.; LOPES, 2017).

Tarefas para o estudante


Para ingressar no campo da pesquisa científica, o estudante precisa
tomar consciência, inicialmente, do duplo percurso que deve trilhar, qual
seja: o da investigação teórica e o da análise empírica.

3
Disponíveis em: http://www.letras.ufmg.br/nucleos/nad/.
4
Disponíveis em: http://nepadufpi.blogspot.com/p/publicacoes.html.

220
Assim, sob a égide da pesquisa teórica, para quem deseja iniciar os
estudos na Semiolinguística, o primeiro passo é ler os textos fundadores
da teoria, que tratam de conceitos-chave, como o contrato de comu-
nicação e as estratégias discursivas, os sujeitos do ato de linguagem,
a semiotização de mundo, a tríplice competência da linguagem e os
níveis de construção do sentido, os modos de organização do discurso,
os imaginários sociodiscursivos. Vários desses textos estão disponíveis,
de forma gratuita, no próprio site do professor Charaudeau (http://www.
patrick-charaudeau.com/).
Além disso, o estudante deve dar atenção às possíveis interfaces que
podem ser suscitadas a respeito da integração entre os conceitos centrais
da teoria e outros advindos de disciplinas diversas. Para a exploração,
por exemplo, dos sujeitos dos atos de linguagem, será possível tecer
relações com noções sobre identidades oriundas da Sociologia; por sua
vez, com vistas à investigação do conceito de imaginários sociodiscursivos,
o pesquisador poderá travar diálogo com o já pontuado no âmbito da
teoria das representações sociais, dada pela Psicologia Social.
Após a leitura dos textos, sob o escopo da análise empírica, é imprescindível,
como segundo passo, selecionar uma amostra significativa do corpus com
o qual se deseja trabalhar e identificar o problema a ser pesquisado. Há
que se ressaltar que, nesse momento, o pesquisador deve considerar que
o objeto de estudo deve ser delimitado, atentando-se para três aspectos
primordiais: a situação-contratual que o instancia; a categoria linguageira
(sob múltiplas semioses) que o formaliza; e o imaginário sociodiscursivo
que o orienta, ainda que apenas um desses elementos possa alcançar
predominância no estudo empreendido. Por fim, como consequência
possível da pesquisa, muitos trabalhos em Semiolinguística assumem
uma forte tendência de aplicação no ensino de língua.
Diante desse quadro, com a escolha do corpus, com a delimitação do
problema e com a leitura dos textos teóricos básicos e outros afins, o
pesquisador poderá aprofundar os estudos, recorrendo, ainda, a outras
publicações de Charaudeau sobre o tema a ser estudado e fazendo
relações com outras áreas de conhecimento.

221
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São Paulo: Contexto, 2008a.
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nas ciências humanas e sociais. In: MACHADO, Ida; COURA, Jerônimo;
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manipula as escolhas políticas. São Paulo: Contexto, 2016.
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autour de deux modes d’appréhension du sens dans les sciences du
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225
CAPÍTULO 7

Estudos da Tradução
Beethoven Barreto Alvarez
Giovana Cordeiro Campos
Vanessa Lopes Lourenço Hanes

“Nunca os textos traduzidos dizem a mesma coisa que o


original. Sempre ocorre algo novo. Inclusive, e, sobretudo,
nas boas traduções. Há transformações que correspondem,
de um lado, à transmissão em um contexto cultural, polí-
tico e ideológico diferente, a uma tradição diferente e que
o ‘mesmo texto’ – não existe um mesmo texto, inclusive o
original não é idêntico a si mesmo -, numa mesma cultura
tenha efeitos diferentes. Por outro lado, a melhor tradução
deve transformar a língua de chegada, isto é, ser ela mes-
ma escritura inventiva, e assim transformar o texto [...]”
(Derrida, 1975 apud Ferreira, 2006, p. 5)

Introdução ao campo e seu desenvolvimento


A tradução é uma prática imemorial: arqueólogos encontra-
ram vocabulários bilíngues das línguas suméria e eblaíta grava-
dos em tijolos de argila datados de 4.500 anos atrás. A tradução
sempre esteve (e continua) presente nas mais diversas interações
humanas, sejam de caráter econômico, cultural, político etc.,
tendo contribuído para o desenvolvimento de línguas e literaturas
nacionais, a disseminação de conhecimento, a difusão de religiões,
a transmissão de valores culturais e a sobrevivência de textos
(DELISLE; WOODSWORTH, 1998).
A reflexão sobre a tradução, embora não sistematizada, re-
monta à Antiguidade. Segundo Furlan (2001), à parte a primeira
grande tradução de nossa cultura, do hebraico para o grego – a
Septuaginta (séculos III-I a.C.) –, a primeira literária seria a
tradução ao latim da Odisseia, de Homero, realizada por volta
de 240 a.C. por Lívio Andrônico. Assim, “a gênese da literatura
latina está na tradução e imitação de modelos gregos” (FURLAN,
2001, p. 16). Duzentos anos depois, em 46 a.C., Cícero oferece o
que é considerada por muitos a primeira reflexão sobre a tarefa
do traduzir, suscitando o que, atualmente, ainda é o grande
problema da tradução: “Devemos ser fiéis às palavras do texto
ou ao pensamento contido nele?”.
No eixo espaço/tempo, constroem-se conceitos como os de
“fidelidade” ao “original” e de “equivalência”, que permeiam a
visão do senso comum até os dias atuais. As duas grandes guer-
ras mundiais, por exemplo, fomentam o estudo dos códigos e o
desejo de construção de máquinas para lidar com a linguagem
criptografada e a comunicação entre línguas “inimigas”. Essas
pesquisas impulsionam a criação tanto do que chamamos de
computador, quanto de uma visão automatizada de língua. Por
outro lado, o julgamento de Nuremberg dá visibilidade à tradução
oral, impulsionando os estudos sobre interpretação e a criação
de associações profissionais. Nas décadas de 1950 e 1960, vemos
um movimento cientificista, e destacam-se visões da língua como
“estrutura”. Há maior sistematização das reflexões sobre tradução,
mas ainda calcadas na palavra como unidade tradutória. Embora
teorias de cunho hermenêutico se façam presentes, circulam pro-
postas de nomes como “Tradutologia” e “Ciência da Tradução”
para o estudo do fazer, permanecendo uma visão do “original”
como superior, o que confere à tradução papel secundário, muitas
vezes mecânico e de menor valor.

228
No final de 1960, surgem movimentos que procuram liberar
as margens, focando em produções populares e no papel ativo
do sujeito/leitor na construção dos sentidos. A pluralidade e a
diversidade entram em jogo em campos diversos, como os dos
estudos literários e linguísticos, e impulsionam a criação de
uma nova disciplina, agora estruturada: os Estudos da Tradu-
ção. Considera-se como marco da criação da área a palestra de
James Holmes (1972) em Copenhague, posteriormente publicada
como: “O nome e a natureza dos Estudos da Tradução”. Nesse
texto, são estabelecidas as bases, os fundamentos e as subáreas
da nova disciplina, que se constitui na visão da cultura como
unidade tradutória, vendo a tradução como processo modelado
pela ambiência circundante (MARTINS, 1996) e opondo-se à
fidelidade e à equivalência totais. Defende-se que, como qualquer
produção humana, a tradução é um processo sócio-histórico e
político-ideológico.

Curiosidades
Dia Internacional da Tradução, a Bíblia e Gilgamesh

Desde o início dos anos 1990, o Dia Internacional da Tradução é comemo-


rado em 30 de setembro. Trata-se de uma homenagem a São Jerônimo,
tradutor do Antigo Testamento para o latim diretamente do hebraico
original – tradução que, de tão popular, ficou conhecida como Vulgata.
O dia 30 de setembro marca a sua morte, no ano de 420.
São Jerônimo passou os últimos quase quarenta anos de sua vida em
Belém, hoje parte do Estado da Palestina, dedicando-se a estudar e
traduzir a Bíblia (antes ele já traduzira parcialmente o Novo Testamento).
O local onde Jerônimo se recluiu para a tarefa pode ser visitado na Igreja
de Santa Catarina, ao norte da Basílica da Natividade, onde outra gruta
é famosa: a Gruta da Natividade, na qual o menino Jesus teria nascido.

229
Embora já houvesse uma tradução anterior para o grego do Antigo Tes-
tamento, a Septuaginta, o feito de São Jerônimo marca, de certa forma,
o início de uma trajetória de 1.600 anos de um dos maiores sucessos do
mundo da tradução. Segundo o site Wycliffe Bible Translators, a Bíblia,
até setembro de 2020, já foi traduzida integralmente para 704 línguas.
O Novo Testamento conta com traduções para mais de 1.550 línguas.
Se considerarmos livros avulsos, podemos encontrar partes da Bíblia
traduzidas para mais de 3 mil línguas, fazendo das Escrituras Sagradas
o livro mais traduzido no mundo.

Figura 1. São Jerônimo escrevendo, de Caravaggio (1610).


Galeria Borghese, Roma.

Fonte: Wikimedia Commons.

A Bíblia é o texto mais traduzido do mundo, porém não o mais antigo.


Até onde sabemos, a Epopeia de Gilgamesh é a mais antiga obra literá-
ria traduzida. A história suméria do rei mitológico Gilgamesh surgiu na
Mesopotâmia (atual Iraque) por volta de 2700-2600 a.C. Há registros
de traduções de Gilgamesh para línguas asiáticas que datam de aproxi-
madamente 2000 a.C. Ainda por volta de 1800 a.C., a história aparece
contada em acádio, usando um antigo sistema de escrita cuneiforme.

230
Em 2017, continuando uma história de tradução de mais de 4.700 anos,
o professor Jacyntho Lins Brandão (UFMG) traduziu, pela primeira vez
direto do acádio para o português, o texto de Ele que o abismo viu: Epopeia
de Gilgámesh, a partir de uma compilação babilônica do século 13 a.C.

Figura 2. Tábua 5 de Gilgamesh. Museu Sulaymaniyah, Iraque.

Fonte: Osama Shukir Muhammed Amin.

Conceitos-chave e linhas teóricas


A tradução como prática é antiga; como campo de saber
estabelecido e independente, por outro lado, é bem mais recente,
datando do final da década de 1970. Ao longo do tempo, várias
culturas e povos produziram reflexões que, pelo menos no mundo
ocidental, culminaram em posições prescritivistas, as quais não
consideravam o contexto social e cultural nas análises de tradu-
ção. O campo Estudos da Tradução, como vimos, fundamenta-se
em uma visão contextualizada e, portanto, cultural da tradução.

231
Haveria muito que ser abordado referente ao pensamento sobre
a tradução no mundo, como a questão da traduzibilidade/in-
traduzibilidade ou da construção dos conceitos de “fidelidade”,
“equivalência” e “neutralidade”. Poderíamos, ainda, abordar
propostas de sistematizações mais distantes, como as de Dolet
(1540), Dryden (1680) e Tytler (1790), bem como comentar a
“Ciência da Tradução”, de Nida (1964). Por uma questão de espaço,
vamos nos concentrar em três conceitos desenvolvidos a partir
da criação da disciplina para, depois, de forma resumida, tocar
em muitas das várias possibilidades de pesquisa.
Os Estudos da Tradução, tal como propostos por Holmes
(1972), recebem tal nome, no plural, exatamente para demarcar
o diálogo com as várias áreas do saber, presentificando, já no
nome, sua pluralidade e multidisciplinaridade. Resumidamente,
Holmes divide os estudos em pesquisa pura e aplicada, estando
incluídos na primeira os estudos teóricos e os descritivos e na
segunda a formação de tradutores, as ferramentas para a prática
e a crítica da tradução. Há outras subdivisões, mas nosso foco
nesta seção é a defesa do diálogo entre as várias subdivisões e o
ramo dos Estudos Descritivos da Tradução, também conhecidos
como Descriptive Translation Studies (DTS). Entre outros fatores,
fica claro o deslocamento de uma visão tradicional, calcada em
julgamentos de valor como “certo” e “errado”, para o estudo das
condições contextuais que produzem as escolhas tradutórias.
O termo-chave é “relação”, sendo que as pesquisas teóricas e
descritivas apontam para uma disciplina de caráter empírico. Em
outras palavras, objetiva-se descrever os fenômenos e estabelecer
princípios gerais que os expliquem, de modo a prevê-los.
No que tange às pesquisas aplicadas, englobam o ensino da
tradução (como métodos, técnicas, currículos etc.), as ferramentas
necessárias à prática (como obras lexicográficas e terminológicas,
gramáticas voltadas para a tradução e, atualmente, até os programas
de memórias de tradução e de tradução automática), as políticas
de tradução (podendo incluir o papel desta e dos tradutores na
sociedade) e a crítica de tradução. Outro ponto importante é

232
que os ramos descritivo, teórico e aplicado são vistos em relação,
podendo fornecer elementos uns aos outros. Ou seja, a teoria
necessita dos dados das pesquisas descritiva e aplicada para que
se possa fazer generalizações; já os dois campos precisam partir
de uma hipótese teórica. Salientamos que todos os três ramos
são pensados, já em 1972, em sua dimensão histórica, apontando
para o desenvolvimento dos estudos historiográficos da tradução,
campo de pesquisa bastante profícuo. Por fim, devemos lembrar
que grande parte das teorias propostas tem como foco a tradu-
ção literária. Porém, os conceitos e as reflexões desenvolvidos
no âmbito dos Estudos da Tradução podem ser ampliados para
várias outras modalidades – lembrando que muitos teóricos da
área, ainda que se colocando no estudo da literatura traduzi-
da, comentam a relevância das novas tecnologias digitais e da
mídia, por exemplo.
Dentre os vários conceitos fundadores, elegemos a teoria dos
polissistemas, de Even-Zohar (1978-1979). Ainda que apresente
a literatura como foco, Even-Zohar, com base no formalismo
russo, propõe a cultura com um grande sistema de sistemas –
um polissistema – no qual se encontra o polissistema literário,
também um sistema de sistemas. Haveria outros polissistemas,
como o econômico, o político etc., e as fronteiras entre eles são
porosas, bem como há vários centros e periferias, num jogo de
relações centrípetas e centrífugas dentro de cada um e entre eles.
Dessa forma, Even-Zohar defende que fatores extraliterários
modelam a literatura. Além disso, o autor propõe haver dentro
do polissistema literário o sistema da literatura traduzida, o qual
pode ser responsável tanto por manter o status quo, quanto por
propiciar a inovação nesse polissistema (leia-se, inclusive, ino-
var a literatura nacional). Nas palavras de Vieira (1996, p. 127),
“a literatura traduzida pode ser inovadora, conservadora, sim-
plificada, estereotipada, etc. e pode-se dizer que ela participa ou
não de mudanças”. Embora a visão polissistêmica seja criticada
pela falta de uma dimensão humana, bem como por seu alto grau
de abstração, é inegável a contribuição da teoria para o entendi-

233
mento da complexidade de relações, bastante heterogêneas, que
produzem uma tradução (e mesmo os cânones), colaborando para
a sedimentação de análises menos prescritivistas, considerando
os diferentes contextos de produção.
A partir dessa proposta, outros importantes conceitos
foram propostos, como os de reescrita e patronagem, de Lefe-
vere (1992), e o de normas, de Toury (1995). Em resumo, Lefe-
vere acrescenta aos estudos de tradução a dimensão de poder,
propondo a tradução como uma outra escrita — lembrando
que as antologias e a própria crítica literária podem ser vistas
como reescritas, sendo o conjunto de reescritas responsáveis
pela sobrevida de um texto literário. Para Lefevere (1992 apud
CAMPOS, 2004, p. 62),
os reescritores manipulam os originais de acordo com a
ideologia de seu tempo, ou seja, o processo de reescritura
é modelado, de alguma forma, pela estrutura de valores
da sociedade em que eles vivem, ainda que esses valores
não sejam conscientemente percebidos.
Além disso, Lefevere (1992, p. 15) chama a atenção para
os agentes da tradução, propondo a patronagem como o poder
exercido por instituições, pessoas, partidos políticos, classes
sociais, editores e mídia, que determina o que circulará ou não
em um dado contexto, agindo de fora do sistema para dentro. Os
patrocinadores tentam regular o relacionamento entre o sistema
literário e os outros sistemas que, juntos, formam a sociedade e
a cultura. Eles podem não controlar a escrita propriamente dita,
mas controlam a sua distribuição (LEFEVERE, 1992, p. 15).
Toury (1995), por sua vez, defende uma abordagem mais
sistematizada do ramo descritivo, em vez de estudos isolados
(MUNDAY, 2012, p. 169). Não somente propõe uma metodologia de
análise, a qual incorpora uma descrição do produto e do papel do
sistema sociocultural, como cunha o conceito de norma, entendido
como a tradução de valores e ideias gerais compartilhados por
uma comunidade – quanto ao que é certo ou errado, adequado
ou inadequado – em instruções de desempenho apropriadas e

234
aplicáveis a situações particulares (TOURY, 1995, p. 55). Embora
foque no produto em um primeiro momento, interessa a Toury
a identificação dos processos de tomada de decisão do tradutor
(MUNDAY, 2012, p. 172).
Há vários outros conceitos produtivos na área, que têm
lançado luz à relevância da tradução, no passado e no presente, e
têm sido construídas novas reflexões, com base nesses conceitos,
mas deslocados para outros campos, como o audiovisual. Há
também os estudos baseados na Linguística de Corpus, com o
uso de programas que permitem uma visão estatística de usos,
inclusive com corpora bilíngues. Vale lembrar ainda a chamada
Localização, que inclui traduções de sites diversos e jogos, para
citar alguns, e os chamados Estudos da Interpretação, que lidam
com as traduções orais, como a tradução de línguas de sinais, a
interpretação de conferências etc.
Como uma forma de organizar as várias possibilidades
de estudos, tomemos o livro Introducing Translation Studies:
theories and applications, de Munday (2012), aqui apresentado
resumidamente. Podemos estudar os pensamentos sobre tradução
apresentados até o início do século XX e, portanto, anteriores à
criação da disciplina. Caberiam aqui estudos sobre os conceitos
de tradução palavra-por-palavra e sentido-por-sentido – os quais
se ligam aos de tradução literal e tradução livre –, a tradução de
textos sagrados, a construção dos vernáculos (como o caso de
Lutero e a Bíblia alemã), a proposta de Dryden (com os conceitos
de metáfrase, paráfrase e imitação), as abordagens prescritivas de
Dolet e Tytler e mesmo a proposta fundadora de Schleiermacher
(1813), com sua abordagem de respeito ao estrangeiro – uma
forma de defesa da estrangeirização, a qual Venuti (1986; 1995;
1998) vai nomear e abordar para construir sua proposta política
de reação à invisibilidade do tradutor.
Outro conceito fundamental presente nos estudos referentes
à tradução e anteriores à criação da disciplina, mas que reverbera
no discurso não só do senso comum, mas também dos tradutores,
e tem sido revisto e reformulado pelos pesquisadores da área, é o

235
de equivalência. Entrariam aqui pesquisas sobre a traduzibilidade
e a equivalência segundo Jakobson (1959), os métodos “científicos”
de Nida em referência à tradução da Bíblia e seus conceitos de
equivalência formal e equivalência dinâmica, bem como o princípio
da equivalência, a tradução semântica de Newmark e a tradução
comunicativa. Há também os estudos da tradução como produto
e como processo. Fazem parte dessas abordagens os procedimentos
tradutórios. Por exemplo, a taxonomia clássica das mudanças
linguísticas na tradução, de Vinay e Darbelnet (1958), a mudança
na tradução segundo Catford (1965), os modelos cognitivos para
estudo do processo tradutório, bem como os protocolos verbais
e outros métodos de experimentação para analisar os processos
tradutórios (para entender os processos mentais).
Existem, ainda, as abordagens funcionalistas, que se mo-
vem das tipologias linguísticas dos anos 1970 e 1980 em direção
a reflexões mais calcadas no funcionamento cultural. Entram
aqui a proposta de Reiss, considerando a equivalência no nível
textual, relacionando as funções da linguagem aos tipos tex-
tuais e às estratégias de tradução; a abordagem integrada de
Snell-Hornby; a teoria do Escopo, de Vermeer, segundo o qual a
tradução depende do propósito que terá no contexto de chegada;
e a proposta de Nord, também voltada para a função do texto
traduzido no polo receptor.
Munday (2012, p. 136) aborda também os estudos discursivos,
baseados na gramática funcional de Halliday. Nessa proposta,
entram o modelo de House para avaliação da qualidade da tradu-
ção, a proposta de ensino de tradução de Baker, com sua análise
pragmática para os tradutores, e os trabalhos de Hatim e Mason,
que acrescentam níveis discursivos e pragmáticos às análises.
Cabe acrescentar que, no Brasil, há pesquisadores desenvolvendo
pesquisas com Análise do Discurso em sua vertente francesa, mais
especificamente de Pêcheux – ver, por exemplo, os trabalhos de
Mittmann (2003), Caldas (2009) e Campos Mello (2010).
É importante mencionar também os estudos de base
sistêmica, como os de Even-Zohar e Toury, já abordados; os

236
de Chesterman (1997), que expande o conceito de normas, in-
cluindo fatores éticos e profissionais; e os modelos de Lambert
e Van Gorp (1985). Já os de base cultural e ideológica, segundo
Munday (2012), incluiriam Lefevere, já citado, as traduções
feministas e da linguagem LGBT, as teorias pós-coloniais – as
quais demonstram ter a tradução um papel ativo no processo
de colonização e na imagem do colonizado (MUNDAY, 2012,
p. 191) –, as agendas políticas na tradução e a relação tradução/
ideologia/intervenção. Entrariam nesse grupo de abordagens
culturais e ideológicas Bassnett, Lefevere, Trivedi, Niranjana,
Simon e Spivak. Na linha dos que focam o tradutor, entram
conceitos como o de invisibilidade, bem como estudos focando
ética e sociologia. Nesse grupo, incluem-se as noções de domes-
ticação e estrangeirização, de Venuti, de deformação, de Berman
(entre outros), o poder da indústria editorial, a recepção da
tradução e a sociologia da tradução. São citados por Munday,
além de Venuti e Berman, Gouanvic, Maier, Milton, Bandia e
Simeoni. Quanto às abordagens filosóficas, entram as teorias
hermenêuticas, ligadas ao Romantismo alemão, e as propostas
de Steiner, Pound, Benjamin, Derrida e Lewis. Vale lembrar
que a desconstrução e a differance, de Derrida, têm grande
reverberação no Brasil, inclusive em estudos de pesquisadores
nacionais, como Arrojo e Ottoni.
Quanto ao Brasil ainda, não podemos deixar de citar
Haroldo de Campos como importante teórico dos Estudos da
Tradução e influenciador de toda uma geração. Poeta, crítico,
ensaísta, professor e tradutor, Campos (2011, p. 130) fomentou
a ideia de uma “tradução criativa”, que chamou de transcriação,
considerando-a “a maneira mais frutífera de repensar a mímesis
aristotélica, que marcou tão profundamente a poética ocidental”.
Ele propõe repensar uma teoria da tradução que abandone ideias
apassivadoras da cópia ou da reflexão e que se entenda “como
um impulso usurpante no sentido de uma produção dialética
de diferenças sem semelhanças” (CAMPOS, 2011, p. 130). Suas

237
ideias e seus métodos estão marcadamente presentes em pesquisas
atuais sobre tradução poética.
Por fim, como novas direções, Munday aponta as novas
mídias, que transformaram enormemente a prática da tradução,
a Tradução Audiovisual (TAV), a Localização e a Globalização
(que alteram as noções de equivalência e poder na tradução),
as novas tecnologias e os estudos de corpora, já mencionados.
Aqui entram pesquisadores como Cronin, Chaume, Delabastita,
Diaz-Cintas, Olohan e Pym, para citar alguns. Pensamos ter,
ainda que de forma parcial, demonstrado a força e a variedade
dos estudos na área.

Abordagens e métodos
É impossível falar em abordagens e métodos na área dos
Estudos da Tradução sem, já inicialmente, trazer à tona aquela
que pode ser considerada a sua principal característica: a in-
trínseca interdisciplinaridade, claramente notável desde suas
origens, que se deram com aporte tanto dos estudos literários
quanto dos estudos linguísticos. Tal interdisciplinaridade se dá
em um duplo viés: por um lado, desde a gênese da disciplina,
utilizam-se conhecimentos de diversas áreas para se dar conta
de analisar os fenômenos atrelados à tradução; por outro, cada
vez mais, a tradução é percebida como objeto de estudo presente
em uma ampla gama de contextos, que trazem à tona a crescente
necessidade de lançar mão de novas perspectivas para análise. O
fato de a disciplina ser relativamente recente enquanto área do
saber formalmente estabelecida e, portanto, ainda se encontrar
em franca expansão também contribui para essa crescente inter-
disciplinaridade. É por isso que, quando se fala em metodologia
nos Estudos da Tradução, Flynn e Gambier (2011) esclarecem
que os pesquisadores trabalham primordialmente com base em
empréstimos e adaptações de outras áreas, explanando que, uma
vez que os fatores proeminentes tiverem sido identificados na

238
descrição do fenômeno estudado, métodos de análise específicos
consequentemente se mostrarão mais ou menos viáveis.
Entretanto, o fato de os Estudos da Tradução utilizarem
abordagens e metodologias originárias de diferentes disciplinas
não quer dizer que a área não tenha suas especificidades metodo-
lógicas. Na realidade, autores como Chesterman e Williams (2002)
e, mais recentemente, Saldanha e O’Brien (2013) dedicaram obras
extensas à compreensão das perspectivas atreladas diretamente
às pesquisas realizadas no âmbito dos Estudos da Tradução.
Na obra que ficou globalmente conhecida como o “mapa” para
iniciantes na pesquisa na área, Chesterman e Williams (2002)
afirmam que, para eles, a especificidade metodológica da área
se situa no que chamam de modelos próprios dos Estudos da
Tradução. Eles distinguem três modelos, a saber:
a) os modelos comparativos, que seriam os modelos teó-
rico-metodológicos mais antigos da tradução, voltados
primordialmente a uma relação de equivalência ou con-
traste entre sistemas e pares linguísticos, simplesmente
comparando traduções lado a lado;
b) os modelos processuais, que, como o próprio nome deixa
claro, pensam a tradução como processo e não como pro-
duto, sendo, portanto, dinâmicos, trazendo à tona uma
dimensão temporal para aqueles interessados nas relações
sequenciais entre diferentes fases do processo tradutório
ou nos procedimentos adotados pelos tradutores para a
resolução de problemas; e
c) os modelos causais, que visam explanar por que as traduções
são como são, com base em três dimensões relacionadas
à casualidade: a cognição do tradutor (seu conhecimento,
atitude, identidade, habilidade etc.), o evento tradutório
(o encargo de tradução, o pagamento, os prazos etc.) e
os fatores socioculturais (ideologia, censura, traduções
culturais, público receptor da tradução etc.).

239
Chesterman e Williams (2002) demonstram entender os
modelos causais como os mais complexos, uma perspectiva
compreensível ao considerar que eles acabam por englobar
também as premissas dos modelos comparativos e processuais.
Esses autores apontam para a amplitude dos modelos causais ao
mencionar algumas abordagens teóricas bastante plurais, basea-
das implícita ou explicitamente em um modelo causal, incluindo
nessa lista perspectivas tão diferentes quanto o entendimento de
equivalência dinâmica, a teoria do escopo alemã e a abordagem
polissistêmica. E, considerando as pesquisas desenvolvidas na
área hoje, tanto nacional quanto internacionalmente, os modelos
causais realmente parecem ser prevalentes.
Saldanha e O’Brien (2013) se dispuseram a revisitar essa
válida contribuição de Chesterman e Williams, propondo uma
obra que, de certo modo, seria complementar e contemplaria os
desenvolvimentos metodológicos mais recentes da área até a data
de publicação de seu texto. Sua motivação não foi propor uma
única metodologia coerente e específica dos Estudos da Tradução,
mas unir metodologias originárias de diferentes disciplinas (ou
seja, reiterando a ênfase interdisciplinar já mencionada) e discu-
tir como elas podem ser combinadas dinamicamente, de modo
frutífero para o estudo da tradução. Novamente, entretanto, essas
autoras tomaram o cuidado de dizer que, por si só, os aparatos
metodológicos de disciplinas correlatas não dão conta de explanar
fenômenos tradutórios. Resumidamente, elas escolheram dividir
os capítulos de seu livro tendo como foco categorias metodológicas
que podem ser designadas como voltadas aos seguintes aspectos:
a) o produto da tradução
b) o processo tradutório
c) os participantes envolvidos no processo
d) o contexto nos quais as traduções são produzidas e
recebidas.
Saldanha e O’Brien (2013) entendem que, com isso, acabaram
por criar outro modelo de pesquisa em tradução, no qual podem

240
ser encontradas correspondências mais ou menos claras com as
propostas já vistas em Chesterman e Williams (2003).
Falando em termos mais amplos, a pesquisa em tradução pode
ser feita sob uma perspectiva tanto conceitual quanto empírica,
embora esta última atualmente pareça gozar de maior prestígio
entre os estudiosos da disciplina. Todavia, Saldanha e O’Brien
(2013) oportunamente nos lembram que, no âmbito dos Estudos
da Tradução, não é possível fazer uma distinção tão clara entre
os dois tipos de pesquisa, pois a boa pesquisa empírica precisa
ser baseada em uma conceitual e esta precisa ser suplementada
por evidências para se demonstrar útil. Assim, um balanço
entre evidência e teoria é essencial para todos os pesquisadores
dos Estudos da Tradução, concomitantemente promovendo o
desenvolvimento e o teste do conhecimento.
Flynn e Gambier (2011) também nos auxiliam a pensar a
pesquisa em tradução sob um outro paradigma metodológico
bastante abrangente: aquele dos estudos qualitativos ou quan-
titativos. Eles esclarecem que ambos os tipos de pesquisa são
possíveis na disciplina, bem como combinações dos dois, e trazem
exemplos bastante ilustrativos. Entre os métodos quantitativos,
esses autores incluem análises de corpus, rastreamento ocular,
registro de movimentos no teclado do computador e análises
estatísticas relacionadas a estudos diversos. Sob a subcategoria
dos métodos qualitativos, mencionam várias formas de análise
de discurso e de texto, entrevistas com indivíduos de grupos
de amostra, etnografias e pesquisas voltadas a questões de
poder e de gênero.
Com relação à complementaridade entre métodos quanti-
tativos e qualitativos, eles apontam que métodos quantitativos
podem ser usados para levantar grandes quantidades de dados
sobre vários temas, como números de livros traduzidos em de-
terminado local ou período histórico, algo relevante para situar
um estudo qualitativo. Por outro lado, métodos qualitativos como
entrevistas aprofundadas podem ajudar a revelar dados essenciais
para estudos prioritariamente quantitativos, elementos que não

241
poderiam ser detectados sem uma combinação quali-quantita-
tiva. Flynn e Gambier (2011) recomendam, no entanto, cautela
por parte dos pesquisadores, pois a combinação entre ambas as
abordagens pode levar muito tempo e demandar muito trabalho
de pesquisadores individuais, sendo mais apropriada muitas vezes
para grupos de pesquisa. Independentemente disso, a triangulação
entre os métodos quantitativos e qualitativos pode, segundo eles,
reduzir parcialidades e reforçar o poder explanatório de um estudo.

Como fazer pesquisa em Estudos da Tradução?


De modo geral, a pesquisa em tradução deve conter todos os elementos
de qualquer boa pesquisa realizada no âmbito das humanidades, incluindo:

a) uma introdução do tópico que inclua a sua significância para a


academia (particularmente importante para a tradução, área do
saber ainda sendo desbravada como um todo) e para a sociedade;

b) o foco e o escopo da pesquisa, restringindo-os ao máximo através


de perguntas de pesquisa;

c) uma base teórica específica (revisão de literatura com as principais


fontes a serem consultadas e as definições essenciais a serem
adotadas);

d) os dados trabalhados ou analisados (apresentação do corpus


específico da pesquisa);

e) a metodologia adotada (detalhada ao máximo com base nos dados


a serem trabalhados ou analisados);

f) os resultados encontrados através dos dados trabalhados ou ana-


lisados com a metodologia adotada;

g) as considerações finais sobre os resultados, limitações do estudo


e perspectivas futuras;

242
Algumas dicas que podem ser valiosas para sua pesquisa no âmbito da
tradução (embora não se restrinjam a ele):

a) ideias para uma pesquisa nos Estudos da Tradução podem vir de


vários lugares (mesmo de coisas aparentemente corriqueiras do
seu cotidiano), porém precisam ser refinadas já inicialmente (é
necessário verificar o que já foi feito sobre aquele tema e se sua
proposta de trabalho é realizável);

b) procure trocar ideias e experiências com pessoas que dominem


sua área de pesquisa (seu orientador, colegas, professores); uma
opção também é participar de eventos científicos;

c) mantenha registros bibliográficos completos e detalhados desde


o princípio (guarde tudo que lhe parecer utilizável, salve trechos e
citações que lhe pareçam interessantes, prepare as referências já
no formato final a ser usado na bibliografia);

d) comece a escrever desde o princípio (não procrastine o processo


de escrita);

e) apresente sua pesquisa em eventos (colegas podem ser o “termô-


metro” para perceber se o caminho sendo trilhado na pesquisa é
o correto);

f) planeje seu tempo e obedeça ao cronograma estabelecido;

g) cuide da sua saúde física e emocional.

Exemplos de pesquisa
Um dos tipos mais comuns de pesquisa no âmbito dos Es-
tudos da Tradução são aquelas estritamente voltadas à análise
textual em correlação com a tradução, as quais podem se dividir
em diversas subcategorias. Dentre estas, destacam-se, inclusive
numericamente, e em especial no contexto brasileiro:

243
– as comparações entre textos originários e suas diferentes
traduções na cultura de chegada;
– as traduções comentadas, nas quais o pesquisador de-
senvolve uma tradução e compartilha com o seu leitor o
processo reflexivo percorrido.
A tradução literária é costumeiramente o principal objeto de
pesquisa desses estudos voltados à análise textual. Entretanto, não
se deve esquecer que a tradução literária é uma área de pesquisa
bastante ampla, incluindo diversos gêneros textuais que, por sua
vez, acabam sendo atrelados a ramificações específicas. Nesse
cenário, há pesquisas voltadas, entre tantas possibilidades, à tra-
dução poética (que incorporam questões como a métrica e, mais
atualmente, até a tradução de canções), às diferentes literaturas
ficcionais em prosa (o que pode incluir desde o estudo de obras
canonizadas em diferentes contextos até a literatura infantil ou de
massa), aos textos religiosos (é bastante conhecida, por exemplo,
a relação de proximidade entre a tradução da Bíblia e a tradução
enquanto profissão e área de estudo), à tradução de textos não
ficcionais (como biografias de figuras históricas ou celebridades)
e aos textos teatrais (textos voltados à representação, o que, por
sua vez, abre portas para pensar questões intersemióticas ou
dos estudos da adaptação, área bastante ligada atualmente aos
Estudos da Tradução). Outros tipos de texto também podem
ser objeto de pesquisas voltadas à análise textual em si, como
materiais informativos (que vão desde manuais de instruções
até textos da área de hotelaria e turismo), textos jornalísticos ou
textos da área jurídica.
Questões intrínsecas à tradução enquanto área de atua-
ção profissional também são bons exemplos de possibilidades
para pesquisa. Tais temáticas incluem questões relacionadas à
ética na tradução de modo mais amplo ou voltadas a tópicos
específicos, à história da profissão de modo geral ou em dado
contexto, ao processo tradutório de um indivíduo ou um grupo
de indivíduos, à formação de tradutores em diferentes áreas e

244
situações contextuais, e aos tradutores enquanto classe profis-
sional organizada. A investigação terminológica e a produção de
glossários, outras subáreas de considerável destaque nos estudos
tradutórios, também poderiam ser alocadas nesse âmbito. Outro
exemplo ilustrativo seriam os estudos voltados à crítica genética
da tradução, nos quais o processo tradutório de um indivíduo é
analisado em conjunto com o produto tradutório final.
Uma das áreas de maior destaque e em expansão na atua-
lidade é aquela que engloba os Estudos da Tradução em corre-
lação com tecnologias e outras mídias. Alguns exemplos dessa
categoria seriam os estudos voltados à tradução audiovisual
(dublagem, legendagem, streaming, fansubbing, audiodescrição),
à localização de sites, games e outros produtos e à produção
e/ou avaliação de ferramentas tecnológicas de tradução (ou
úteis à tradução).
Falando ainda em áreas em expansão, é impossível não
mencionar os Estudos da Interpretação, que têm mais recente-
mente clamado certa independência dos Estudos da Tradução por
conta de suas especificidades e que engloba pesquisas voltadas
à interpretação simultânea (de cabine), à interpretação conse-
cutiva (mais tradicional, dispensando equipamentos especiais,
realizada em terras brasileiras desde o período colonial) e àquela
interpretação ligada diretamente com a acessibilidade, ou seja,
voltada às línguas de sinais.
É claro que as possibilidades de áreas de pesquisa apre-
sentadas se entrelaçam constantemente em um mesmo estudo,
sendo combinadas diante de objetos de pesquisa únicos. Um
exemplo claro seria a análise da tradução de variação linguís-
tica na literatura ficcional, situação na qual, embora a análise
textual em nível micro seja de grande importância, é necessário
ir além para considerar questões éticas, contextuais, pós-colo-
niais, historiográficas e de condições de trabalho do tradutor/
patronagem, ou seja, questões que vão muito além do texto
traduzido por si só.

245
Basicamente, porque há objetos de análise muito diferentes
no âmbito dos Estudos da Tradução, acaba-se por lançar mão
de diversas teorias e metodologias de análise, as quais resultam
em estudos muito diversos e de grande riqueza. Assim, falta-nos
mencionar ainda estudos que englobam relações entre tradução e
feminismo (fala-se, inclusive, em estudos feministas da tradução),
análises de grande amplitude sincrônica e diacrônica (cobrindo
uma vastidão de materiais traduzidos durante um amplo período
histórico para a observação de mudanças em normas tradutórias,
por exemplo), análises intrinsecamente intersemióticas, pesquisas
historiográficas de grande densidade e tantos outros exemplos
de caminhos que, embora tenham ficado de fora desta breve
lista, podem ser percorridos pelo pesquisador em tradução. Tal
amplitude é perfeitamente compreensível ao considerar uma
área do saber ainda tão jovem, cujos objetos de estudo podem ir
de receitas a textos acadêmicos, passando por bulas de remédio,
quadrinhos e retrotraduções de questionários médicos. Diante
dessa pluralidade de alternativas, certamente os exemplos aqui
apresentados revelam ainda muito pouco, mas acreditamos que
esta seção cumpra seu objetivo de dar uma boa ideia da diversi-
dade dos Estudos da Tradução e do que tem sido pesquisado no
Brasil e no mundo.

Temas atuais e novas direções


Uma temática bastante atual e promissora nos Estudos da
Tradução, mas que, até o momento, ainda não tem sido explo-
rada no Brasil, é aquela que interconecta ecologia e tradução, o
que Cronin (2017) denomina ecotradução. A abordagem vem
de um conceito amplo de ecologia política, que é compreendida
como os fatores sociais, culturais, políticos e econômicos que
afetam as interações entre humanos e dos humanos com outros
organismos e o seu ambiente físico. Para Cronin, a ecotradução
descreve o envolvimento psicofisiológico do tradutor com o
texto a ser traduzido, cobrindo todas as formas de pensar e fazer

246
tradução que reconhecidamente se engajem com os desafios de
mudanças ambientais induzidas pela humanidade. Embora a
delimitação de exatamente quais tipos de estudos se encaixariam
sob tal perspectiva ainda seja um pouco nebulosa, o contexto
brasileiro parece muito propício a estudos que se debrucem sobre
temáticas dessa natureza.
Outro tema que tem crescido em relevância é a relação entre
etnografia e tradução. Flynn (2010) expõe que pesquisadores
têm reconhecido a versatilidade da etnografia como abordagem
e método de pesquisa para a exploração de práticas tradutórias
em seu sentido mais amplo, incluindo estudos em áreas como
a interpretação médica, as questões relacionadas a refugiados,
ou mesmo trazendo nova roupagem a estudos voltados para a
tradução literária.
Os Estudos da Interpretação são outro campo bastante
promissor e em franca expansão. Pöchhacker (2016) explica que
essa área pode ser vista como uma subdisciplina dos Estudos da
Tradução, obviamente voltada à interpretação e dando indepen-
dência aos estudos acerca dessa prática profissional que tem, cada
vez mais, um perfil disciplinar próprio, o que se reflete em seus
modelos e abordagens metodológicos e em suas especificidades
relativas à orientação profissional.
Na esteira dos Estudos da Interpretação, é de grande im-
portância mencionar o crescimento das pesquisas voltadas às
relações entre tradução e acessibilidade, tanto aquelas voltadas à
interpretação em suas relações com populações surdas e ensur-
decidas, quanto no que tange à acessibilidade para pessoas com
deficiência visual, através da audiodescrição para diferentes mídias.
O papel do tradutor nos processos de revisão e pós-edição é
outra área que merece atenção e tem aumentado em relevância,
em especial diante de sua atual ligação direta com as ferramentas
de tradução automática. Embora haja ainda grande preconceito
com o uso destas no âmbito tradutório, a sua crescente presença
na rotina dos profissionais tradutores vem, por consequência,

247
demandando pesquisas para que se entenda esse fenômeno, que,
aparentemente, veio para ficar no mercado da tradução.
Outro campo que vem se desenvolvendo desde a década
de 1980 e que encontra produtivo caminho hoje no Brasil é o
da tradução teatral. Ramo relativamente novo e intricado, que
se coloca nos entrelimites de várias áreas, a tradução teatral
encara o desafio teórico-metodológico de lidar com um objeto
que escapa a delimitações e conceitos: o texto teatral em si,
como se vê, por exemplo, em Zardo (2012) e Cruz (2019). Ain-
da como desdobramento dos estudos de tradução teatral e de
interpretação de línguas de sinais, novíssima área de pesquisa
é aquela que se detém em investigar métodos e práticas de
interpretação de Libras em contextos do teatro surdo, como
aponta Resende (2019).
Embora as áreas trazidas à tona aqui sejam apenas algumas
dentre as muitas outras que despontam hoje como possibilidades
ao pesquisador da tradução, a sua pluralidade ilustra o potencial
de expansão da área em empreitadas acadêmicas futuras.

Sugestões de leitura e materiais


Os Estudos da Tradução vêm se desenvolvendo enorme-
mente, com uma proliferação de eventos e publicações. Apre-
sentamos uma lista não exaustiva de possibilidades de leitura,
contemplando periódicos nacionais, publicações traduzidas,
enciclopédias, compêndios, livros introdutórios e materiais
críticos considerados importantes.

Teorias e crítica
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estratégias para o tradutor em formação. São Paulo: Contexto, 2000.
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BERMAN, A. À prova do estrangeiro: cultura e tradução na Alemanha
romântica. Trad. Maria Emília Chanut. Bauru: Edusc, 2002.
BERMAN, A. A tradução e a letra ou o albergue do longínquo. Trad.
Andréia Guerini, Marie-Hélène Torres e Mauri Furlan. 2. ed. Tubarão:
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EMERGING views on Translation History in Brazil. São Paulo: Crop,
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ÉTICA na tradução literária. Belo Horizonte: Aletria, v. 30, n. 4, 2020.
LITERATURE and translation. Florianópolis: Ilha do Desterro, v.
72, n. 2, 2019.
LUGARES da tradução. Niterói: Gragoatá, v. 7, n. 13, 2002.
MÚLTIPLOS horizontes da tradução na América Latina. Campinas, SP:
Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 50, n. 2, 2018.
O BRASIL e seus tradutores. Juiz de Fora: Ipotesi, v. 13, n. 1, 2009.
POESIA e tradução: relações em questão. Porto Alegre: Revista Brasileira
de Literatura Comparada, v. 13, n. 19, 2011.
RANGE REDE. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995. Ano I, n. 1.
TRABALHOS EM LINGUÍSTICA APLICADA. Campinas, SP: Unicamp,
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TRADUÇÃO. Santa Maria: Letras, n. 8, 1994.
TRADUÇÃO de literatura russa. São Paulo: RUS, v. 11, n. 17, 2020.
TRADUÇÃO, desconstrução e pós-modernidade. São Paulo: Alfa,
v. 44, 2000.
TRADUÇÃO e cultura: novos desafios metodológicos e interdisciplinares
na dimensão global. João Pessoa: Graphos, v. 17, n. 1, 2015.
TRADUÇÃO em ensaio. Campinas, SP: Remate de Males, v. 38, n. 2, 2018.
TRADUÇÃO, internacionalização e práticas culturais. Fortaleza: Revista
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TRADUÇÃO literária: leituras e criação. São Luís: Littera, v. 10, n. 18, 2019.
TRADUÇÃO no ensino de línguas. Brasília: Horizontes de Linguística
Aplicada, v. 8, n. 2, 2009.
TRADUÇÕES e suas vicissitudes: entre ofício e arte. Niterói: Gragoatá,
v. 24, n. 49, 2019.

253
Tarefas para o estudante: passos para a pesquisa
Para realizar uma boa pesquisa, o primeiro passo é ter uma boa ideia e
formular daí um bom problema. Toda pesquisa surge de um problema a
ser resolvido, uma dúvida a ser respondida, uma questão a ser mapeada
e por aí vai. Normalmente, você vai pensar primeiro num tema de grande
interesse. Desse tema é que aparecem os problemas.
Com um problema na cabeça, você começa a pensar em hipóteses de
solução. Numa pesquisa mais empírica ou prática, o problema pode ser
a falta de determinada tradução, cuja solução é a própria tradução. Às
vezes, pode ser o contrário: você encontra uma excelente tradução e
buscará entender a razão de achar tal tradução tão boa. Numa pesquisa
sobre legendagem, por exemplo, a questão pode ser uma tradução/
legenda considerada excelente, inclusive no que diz respeito a questões
de diferenças culturais. Por outro lado, o problema pode ser algum
incômodo com o texto da legenda quando comparado com o texto
falado na língua de origem. No último caso, uma hipótese de trabalho
pode ser a de que há algum descompasso na tradução das variações
de registro linguístico e na marcação performativa de identidade entre
os textos-fonte e textos-alvo.
Então, vem a pergunta: qual é o objetivo da pesquisa? O objetivo deve
ser comprovar ou não sua hipótese; resolver seu problema. Definido
seu objetivo, você pode responder à pergunta: por que sua pesquisa
é relevante? Você justifica sua pesquisa, a partir do significado que é
responder a determinado problema.
Depois começa a pesquisa propriamente dita. Para que você responda
ao problema, para que você prove (ou não) sua hipótese e chegue a seu
objetivo, é necessário primeiro fazer um amplo levantamento bibliográ-
fico sobre o tema. Você precisa conhecer o estado da arte da questão.
Nessa hora, inclusive, você consegue aprimorar e especificar melhor
seus problemas, suas hipóteses e seus objetivos.

254
Para encarar o problema, agora que você tem uma definição de escopo
mais delimitada, você precisa pensar em métodos. Se antes você pensou
em o quê e por quê, agora é a hora do como. Você elencará meios e me-
todologias de trabalho para chegar às suas respostas. Um bom caminho
é utilizar métodos conhecidos e já empregados em outras pesquisas,
porém, muitas vezes, você precisará adaptar várias metodologias para
atingir seus objetivos de pesquisa. Nesse momento, é necessário pensar
no corpus a ser analisado. Invariavelmente, você precisa definir o “corpo”
da pesquisa: quais serão os dados? Um livro, uma série de excertos de
texto, outras traduções, as legendas de um filme... a quantidade dos
dados é um elemento central da pesquisa.
Por fim, você planeja o quando. Um cronograma de trabalho ajuda a
mapear o passo a passo do trabalho e encadear o tempo necessário
para cada etapa. Todo o projeto deve ser montado para ser exequível
dentro do tempo determinado para cada tipo de pesquisa.

Referências
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suas traduções no contexto brasileiro. 2004. Dissertação (Mestrado
em Letras) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2004.
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ex-cêntrico. In: CAMPOS, H. Da transcriação: poética e semiótica da
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tradutória. 2012. Tese (Doutorado em Literatura Comparada) –
Universidade Federal de Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.

257
Os autores

Beatriz dos Santos Feres


Beatriz é doutora (2006) e mestre (2003) em Letras/Estudos de
Linguagem pela Universidade Federal Fluminense. Realizou seu
pós-doutoramento no Programa de Pós-Graduação em Letras
da UERJ, na Linha de Pesquisa Teoria da Literatura e Literatura
Comparada (2021). Professora associada de Língua Portuguesa
no Instituto de Letras da UFF, já atuou em escolas do ensino
fundamental e médio (1987-2008). Está vinculada ao Programa
de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da UFF, linha de
pesquisa Teorias do texto, do discurso e da tradução, no qual
ministra cursos relacionados à disciplina Semiolinguística. É líder
do Grupo de Pesquisa em Semiolinguística - Leitura, Fruição e
Ensino (GPS-LeiFEn-UFF-CNPq) e membro do Grupo de Trabalho
“Linguística de Texto e Análise da Conversação” da Anpoll. Temas
de interesse: leitura e ensino; estratégias de interpretação; teoria
e análise linguística; iconicidade na semiose poética; literatura
infantil; livro ilustrado e referenciação verbo-visual.
Beethoven Barreto Alvarez
Doutor em Linguística pelo IEL/Unicamp (2016), com período-
-sanduíche (Bolsa Capes/PDSE) na University of Oxford (2014).
Realizou estágio de pós-doutorado na University of St. Andrews
(School of Classics, 2019/2020). É professor adjunto de Língua
e Literatura Latina, do Departamento de Letras Clássicas e
Vernáculas (GLC) e docente do PPG em Estudos de Linguagem
(PosLing) da UFF. É líder do Laboratório de Estudos Clássicos
– LEC-UFF (CNPq) e um dos coordenadores do Núcleo de Tra-
dução e Criação – NTC-UFF. Como tradutor, do latim já traduziu
peças de Plauto e poemas de Horácio e Catulo; do romeno, do
espanhol e do inglês, traduziu poesias esparsas. Para o teatro,
em 2018, fez uma adaptação de “Um Deus dormiu lá em casa”,
de Guilherme Figueiredo, para leitura dramatizada, e, em 2020,
traduziu trechos da obra de Cervantes para a peça O Teatro de
Cervantes, de Eleusa Mancini.

Bethania Mariani
Professora Titular do Departamento de Ciências da Lingua-
gem da Universidade Federal Fluminense, atua no Programa
de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem, com trabalhos
em Análise do Discurso Materialista e História das Ideias
Linguísticas. É pesquisadora 1B do CNPq e Cientista do Nosso
Estado, pela FAPERJ.

Dayala Paiva de Medeiros Vargens


Professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade
Federal Fluminense (FE-UFF), Departamento Sociedade, Edu-
cação e Conhecimento (SSE). Doutora em Letras Neolatinas
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, 2012) e
mestre em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Ja-
neiro (Uerj, 2006). Atua na formação de professores dos cursos

260
de Licenciatura em Letras e em Pedagogia. É coordenadora
institucional do Pibid UFF (Capes) e do programa de extensão
universitária “Alfabetização e Leitura” (FE-UFF). Membro dos
grupos de pesquisa (UFF, CNPq): “Práticas de linguagem, tra-
balho e formação docente”, “Discurso e Educação Linguística”
e “Estudos e Pesquisa em Leitura e Escrita Acadêmica”. Inte-
gram seu interesse de pesquisa os temas: linguagem-trabalho,
análise do discurso, dialogismo, formação docente, educação
linguística. E-mail: dayalavargens@id.uff.br.

Del Carmen Daher


Professora Associada da UFF, do Departamento de Letras Es-
trangeiras Modernas, e pesquisadora do CNPq. Doutora em
Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (PUC-SP, 2000)
com pós-doutorados em Políticas Públicas e Formação Humana
(Uerj, 2017-2018); Linguística Aplicada (Université de Paris XII,
2007); e Linguística e Língua Portuguesa (Unesp-Araraquara,
2006). Mestre em Letras Neolatinas (UFRJ, 1989). Bacharel e
licenciada em Letras (Português/Literaturas, UFRJ) e Letras
(Português/Espanhol, UFRJ). Docente da graduação em Letras
(Português/Espanhol) e do PPG em Estudos de Linguagem. Líder
do GRPesq “Práticas de linguagem, trabalho e formação docente”
(UFF, CNPq), membro do GRPesq “Atelier – Linguagem e Tra-
balho” (PUC-SP, CNPq) e do GT Anpoll “Discurso, trabalho e
ética”. Desenvolve pesquisas e publica nas áreas de formação de
professores, linguagem-trabalho e políticas linguísticas. E-mail:
del_daher@id.uff.br.

Fabio André Cardoso Coelho


Professor adjunto de Língua Portuguesa do Instituto de Letras da
Universidade Federal Fluminense (UFF, 2018) – Departamento
de Letras Clássicas e Vernáculas; Programa de Pós-graduação
em Estudos de Linguagem. Doutor em Língua Portuguesa pela

261
Universidade do Estado Rio de Janeiro (Uerj, 2010-2013). Mestre
em Literatura Portuguesa pela Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (Uerj, 2005). Professor vinculado ao programa de
pós-graduação. Tem experiência na área de Letras e outras áreas,
atuando principalmente nos seguintes temas: língua portuguesa,
linguística textual, leitura, produção textual, metodologia de
ensino de língua, prática de ensino de língua portuguesa. Pro-
fessor pesquisador dos Grupos de Pesquisa “Descrição e Ensino
de Língua: Pressupostos e Práticas” (CNPq), liderado pelo prof.
dr. Cláudio Cezar Henriques (Uerj) e profa. dra. Maria Teresa
Gonçalves Pereira (Uerj), e “Texto, Hipertexto e Ensino de Lín-
gua Portuguesa (THELPO)” (CNPq), liderado pela profa. dra.
Vanda Elias (Unifesp). Líder do “Grupo de Estudos e Pesquisas
em Linguística Textual (GEPELT/UFF)” (CNPq).

Giovana Cordeiro Campos


Doutora em Letras: Estudos da Linguagem (PUC-Rio, 2010),
mestre em Letras: Teoria da Literatura (UFJF, 2004) e mestre
em Letras: Literatura Brasileira (CES-JF, 2005), com pesquisas
em tradução. É especialista em Tradução (UFMG, 2005) e ba-
charel em Letras: Tradução (UFJF, 2002). É coordenadora-geral
do Laboratório de Estudos da Tradução da UFF (Labestrad) e
professora adjunta do Departamento de Letras Estrangeiras Mo-
dernas (GLE), da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde
leciona tradução na graduação e na pós-graduação (PosLing). Foi
tradutora da UFRJ (2009-2013) e tradutora freelancer. Pesquisa
tradução audiovisual (tradução/versão/revisão de tradução para
legendagem), tradução literária, localização, historiografia da
tradução, bem como a relação entre Estudos da Tradução e AD
francesa com foco no sujeito-tradutor e nos discursos da/sobre
a tradução (incluindo relações de mercado).

262
Ilana da Silva Rebello
Graduada em Letras (2002), mestre (2005) e doutora (2009) em
Língua Portuguesa pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Realizou seu pós-doutoramento no Programa de Pós-Graduação
em Letras Vernáculas da UFRJ, na Linha de Pesquisa Estudos
de Semântica e Análise do Discurso (2022). Já atuou (1999-
2011) como professora de Língua Portuguesa na Prefeitura de
São Gonçalo e de Niterói, na Secretaria Estadual de Educação e
na Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec). Atualmente,
na UFF, é professora associada 40h DE, de Língua Portuguesa,
do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas; professora
permanente vinculada à linha de pesquisa Teorias do texto, do
discurso e da tradução, do Programa de Pós-graduação em Estudos
de Linguagem, onde ministra cursos relacionados à disciplina
Semiolinguística e orienta trabalhos de mestrado e doutorado,
e professora do curso de especialização em Língua Portugue-
sa. Atua também no curso de Letras, na modalidade EAD, do
Cederj-UFF desde 2012. É membro do Grupo de Pesquisa em
Semiolinguística - Leitura, Fruição e Ensino (GPS-LeiFEn-UF-
F-CNPq), pesquisadora do Círculo Interdisciplinar de Análise
do Discurso (Ciad-Rio) e do Grupo de Trabalho “Linguística de
Texto e Análise da Conversação” da Anpoll. Temas de interesse:
mídia; leitura; interpretação e escrita.

Lucia Teixeira
Doutora em Linguística e Semiótica pela USP (1994), realizou
estágio de pós-doutorado na Universidade de Limoges (2002-
2003). É professora titular de Linguística da Universidade
Federal Fluminense (aposentada), professora de Semiótica no
Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem da UFF
e pesquisadora 1 do CNPq. Foi Cientista do Nosso Estado da
FAPERJ e Presidente da ABES (Associação Brasileira de Estu-

263
dos Semióticos). Coordena o Grupo de Pesquisa em Semiótica
e Discurso – SeDi (www.sedi.uff.br). Publicou Linguagens na
comunicação (2009, Estação das Letras e das Cores, organização,
com Ana Claudia de Oliveira), Linguagens na cibercultura (2013,
Estação das Letras e Cores, organização com José Roberto do
Carmo Jr.), além de capítulos de livros e ensaios em periódicos
nacionais e estrangeiros. Publicou ainda as coleções de livros
didáticos em 4 volumes (6o ao 9o anos) Leitura do mundo (2000,
Editora do Brasil) e Passaporte para a Língua Portuguesa (2009,
Editora do Brasil), ambas em coautoria com Norma Discini,
Projeto Apoema Português (2014, Editora do Brasil), em coautoria
com Silvia Maria de Sousa e Karla Faria e Apoema Português
(2019, Editora do Brasil), em coautoria com Silvia Maria de
Sousa, Karla Faria e Nadja Pattresi.

Luciana Maria Almeida de Freitas


Luciana Maria Almeida de Freitas é mulher cis, branca e mãe.
Docente Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação
em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense,
é doutora em Letras Neolatinas (UFRJ), mestra em Linguística
(UERJ) e licenciada em Letras (Português-Espanhol) e em Histó-
ria. Realizou estágio pós-doutoral na Facultad de Ciencias de la
Educación da Universidad de Sevilla e no Programa de Pós-Gra-
duação em Educação da UFF. Tem desenvolvido pesquisas relativas
à educação linguística e à formação docente sob a perspectiva
teórica da Sociologia do Discurso do Círculo de Bakhtin, sempre
articulando os campos da linguagem e da educação.

Maria Cristina Giorgi


Professora titular do Cefet-RJ e pesquisadora do CNPq. Dou-
tora em Letras (UFF, 2012) e mestre em Letras (Uerj, 2006).
Bacharel e licenciada em Letras (Português/Espanhol, Uerj).

264
Docente de espanhol no Cefet-RJ, onde também atua no PPG
em Relações Étnico-Raciais e no PPG em Filosofia e Ensino.
Líder dos grupos de pesquisa “Práticas de linguagem, trabalho
e formação docente” (UFF, CNPq) e “Práticas discursivas na
produção de identidades sociais: fatores humanos, organizações,
trabalho, tecnologia e sociedade” (Cefet-RJ, CNPq) e membro do
GT Anpoll “Discurso, trabalho e ética”. Desenvolve pesquisas
e publica nas áreas de formação de professores, linguagem-
-trabalho, mídia e discurso e questões étnico-raciais. E-mail:
cristinagiorgi@gmail.com.

Patrícia Neves Ribeiro


Patrícia possui graduação em Letras (1995), mestrado (2000) e
doutorado (2007) em Letras Vernáculas pela Universidade Fe-
deral do Rio de Janeiro (UFRJ). Realizou seu pós-doutoramento
(2022) sob a supervisão do professor emérito da Universidade
Paris XIII e criador da Teoria Semiolinguística de Análise do
Discurso, Patrick Charaudeau. É professora associada de Língua
Portuguesa do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas
e do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem
da Universidade Federal Fluminense (UFF), já tendo atuado em
escolas do ensino fundamental e médio (1996-2012). É vice-líder
do Grupo de Pesquisa em Semiolinguística - Leitura, Fruição e
Ensino (GPS-LeiFEn-UFF-CNPq) e pesquisadora do Círculo
Interdisciplinar de Análise do Discurso (Ciad-Rio) e do Grupo
de Trabalho “Linguística de Texto e Análise da Conversação”
(GTLTAC) da Anpoll. Desenvolve pesquisas em Linguística
Textual e em Análise Semiolinguística do Discurso, voltadas,
sobretudo, para os seguintes temas: a interface linguagem/mídia/
política e linguagem/literatura infantil, com ênfase nos processos
enunciativos e imaginários sociodiscursivos; e o ensino de texto
e língua/gramática em dimensão discursiva.

265
Phellipe Marcel da Silva Esteves
Professor adjunto da Universidade Federal Fluminense. Jornalista
(UFRJ), mestre em Letras (Língua Portuguesa – Uerj) e doutor
em Estudos de Linguagem (UFF, com estágio de doutorado-san-
duíche na Université Paris 13). Egresso do extinto programa de
residência em pesquisa da Biblioteca Nacional, fez uma história
discursiva das enciclopédias brasileiras. Pesquisador do Labora-
tório Arquivos do Sujeito e coordenador de projetos que inter-re-
lacionam História das Ideias Linguísticas, Análise do Discurso
e História do Livro. E-mail: phellipemarcel@gmail.com. Orcid:
https://orcid.org/0000-0002-6128-6706.

Regina Souza Gomes


Mestre e doutora em Letras pela Universidade Federal Fluminense
(1996 e 2004), com estágio pós-doutoral na Universidade Paris 8,
França (2011). É professora associada do Departamento de Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenou
o Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da UFRJ
(2013-2015). Coordena o Núcleo de Pesquisas em Semiótica –
UFRJ e integra o SeDi (UFF) como pesquisadora. Atuou como
vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos Semióticos
(2012-2017) e da ASSEL-Rio (2013-2015). Foi coordenadora
(2012-2014) e vice-coordenadora (2014-2016) do GT de Semiótica
da Anpoll. Publicou o livro Relações entre linguagens no jornal:
fotografia e narrativa verbal (Eduff) e organizou com Renata
Mancini a coletânea Semiótica do sensível: questões do plano da
expressão (Ed. Mackenzie). Escreveu capítulos de livros e artigos
sobre sincretismo de linguagens, aspectualização, veridicção e
aplicação da semiótica ao ensino de português.

266
Renata Mancini
Doutora em Semiótica e Linguística Geral pela Universidade de
São Paulo (2006), com estágio de doutorado no CNRS, França
(2004) e pós-doutorado na Universidade Paris 8, França (2015).
É professora do Departamento de Linguística da FFLCH-USP,
integra o corpo de pesquisadores do Programa de Pós-gradua-
ção em Estudos de Linguagem da UFF e dos grupos de pesquisa
SeDi-UFF e GES-USP. Organizou, com Regina Gomes, a obra
Semiótica do sensível: questões do plano da expressão (2020,
Editora Mackenzie) e publicou capítulos de livros e artigos em
revistas especializadas abordando semioticamente os diálogos e
interfaces entre linguagens na Literatura, Cinema, HQs e Jogos
eletrônicos. Coordenou o GT de Semiótica da ANPOLL no biê-
nio 2014-2016 e integrou a Diretoria da Associação Brasileira de
Estudos Semióticos, no período de 2012 a 2017.

Rosane Santos Mauro Monnerat


Rosane é professora titular da Universidade Federal Fluminense,
onde atua na Pós-Graduação em Estudos de Linguagem, minis-
trando cursos relacionados à disciplina Semiolinguística. Possui
graduação em Letras (1974), mestrado (1983) e doutorado em
Letras Clássicas e Vernáculas pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (1998), tendo concluído pós-doutorado na Universidade
Federal de Minas Gerais (2007). É coordenadora de disciplina
no curso de Letras, modalidade EAD do Cederj-UFF, desde
2010. Desenvolve pesquisas sobre os seguintes temas: a interface
texto/gramática; mídia; imaginários sociais; ideologia. Autora de
A publicidade pelo avesso, pela Eduff. É uma das tradutoras do
livro Linguagem e Discurso: modos de organização, de Patrick
Charaudeau, e coautora do livro Linguística textual e ensino,
ambos da Editora Contexto.

267
Silmara Dela-Silva
Doutora em Linguística pela UNICAMP (2008). É Professora
Associada do Departamento de Ciências da Linguagem, Instituto
de Letras da Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisa-
dora do Laboratório Arquivos do Sujeito (LAS) e líder do grupo
de pesquisa MiDi – Mídia e(m) Discurso (CNPq). É presidenta
da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Letras
e Linguística (ANPOLL), biênio 2021-2023. Coordenou o PPG
em Estudos de Linguagem da UFF (2018/2022), e foi bolsista da
FAPERJ (Edital Jovem Cientista do Nosso Estado 2015/2017 e
2018/2022). Tem experiência como jornalista e docente nas áreas
de Linguística e Comunicação Social, e os seus estudos têm como
foco a análise dos discursos da/sobre a mídia.

Silvia Maria de Sousa


Doutora em Letras pela Universidade Federal Fluminense (2009).
É professora associada de Linguística Departamento de Ciências
da Linguagem e de Semiótica do Programa de Pós-graduação em
Estudos de Linguagem da UFF. É vice-líder do Grupo de Pesquisa
em Semiótica e Discurso – SeDi, vice-diretora do Instituto de
Letras da UFF e editora dos Cadernos de Letras da UFF. Foi Jovem
Cientista do Nosso Estado da FAPERJ (2016-2020) e membro
da diretoria da ABES (Associação Brasileira de Estudos Semió-
ticos). Foi vice-coordenadora do GT de semiótica da ANPOLL
nos biênios (2012-2014) e (2018-2020). Publicou o livro Silvio
Santos vem aí: programas de auditório do SBT numa perspectiva
semiótica (Eduff, 2011), além de artigos em periódicos. É coautora
de coleções de livros didáticos para o Ensino Fundamental (6o
ao 9o anos) Projeto Apoema Português (2014, Editora do Brasil)
Apoema Português (2019, Editora do Brasil).

268
Vanessa Lopes Lourenço Hanes
Mestre em Estudos da Tradução (2011) e doutora em Estudos da
Tradução (2015) pela Universidade Federal de Santa Catarina,
atua como professora adjunta do Departamento de Letras Es-
trangeiras Modernas da Universidade Federal Fluminense, onde
ministra disciplinas de língua inglesa e de prática de tradução.
Também é atualmente docente na Pós-Graduação em Estudos
da Tradução (PGET) da Universidade Federal de Santa Catarina.
Pesquisa questões relacionadas com a tradução de representações
do discurso oral da língua inglesa para o português brasileiro,
além de interessar-se pela análise de traduções de literatura de
massa comercializadas no Brasil nos séculos XX e XXI, e pela
tradução de variações linguísticas em diferentes mídias e seus
desdobramentos, temáticas as quais, juntas, culminam no esta-
belecimento de especificidades tradutórias brasileiras.

Vanise Medeiros
Professora associada da UFF, com pós-doutorado pela Sorbonne
Nouvelle Paris III. Bolsista do CNPq e Cientista do Nosso Estado
(FAPERJ). Coordenadora do Grupo Arquivos de Língua (GAL)
em parceria com Phellipe Marcel e uma das coordenadoras do
Laboratório Arquivos do Sujeito (LAS) da UFF. Tem experiência
na área de Letras, atuando em Análise de Discurso e História das
Ideias Linguísticas. E-mail: vanisegm@yahoo.com.br.

269
No conjunto de sete capítulos reunidos neste volume, o leitor está
convidado a um encontro com textos de caráter introdutório aos es-
tudos linguísticos, escritos por pesquisadores do Instituto de Letras
da UFF em parceria com docentes de outras instituições brasileiras,
que apresentam uma visão atual de trabalhos em texto, discurso e
tradução desenvolvidos na pós-graduação brasileira. Marcas desse
percurso são a diversidade e a não transparência das noções de texto e
discurso, mobilizadas nas diferentes abordagens teóricas da Linguística
contempladas nesta obra. Um percurso a explorar.

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