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Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
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Conselho Editorial de Linguística, Letras e Artes
Daiane Neumann
Doutoranda em Letras (UFRGS), bolsista / Brasil
Jacqueline Ahlert
Doutoranda em História Íbero-Americana / PUCRS / Brasil
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Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
Elisane Regina Cayser
Marlete Sandra Diedrich
Patrícia da Silva Valério
(Organizadoras)
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© 2014, Livraria e Editora Méritos Ltda.
Importante: As opiniões expressas neste livro, que não sejam as escritas pelas
organizadoras em seus capítulos, não representam ideia(s) destas. Cabe, assim, a
cada autor responsabilidade por seus escritos.
ISBN: 978-85-8200-031-1
Impresso no Brasil
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Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
Apresentação
As teorias da enunciação têm sido objeto de estudo de
inúmeros pesquisadores, especialmente nas duas últimas déca-
das no Brasil, como é possível perceber pelo grande volume de
publicações. Inegável é a contribuição científica desses estudos,
cujo campo é vasto e produtivo. A inter-relação desses estudos
com o ensino, entretanto, é recente, o que justifica o mérito do
fortalecimento dessa interlocução. Assim configura-se essa obra
que pretende traçar algumas reflexões teóricas, outras, talvez,
metodológicas para pensar sobre a relação entre o ensino de
língua e a enunciação.
A obra que apresentamos reúne oito capítulos de pesquisa-
dores cujos estudos envolvem a língua e a linguagem na perspec-
tiva enunciativa. Desse modo, no primeiro, Pensando o ensino de
língua a partir da enunciação, Marlete Diedrich, Patrícia Valério
e Elisane Cayser refletem sobre o ensino de língua, a partir dos
princípios enunciativos propostos por Émile Benveniste. As
autoras apresentam esses princípios, inicialmente percorrendo
alguns textos do autor para, em seguida, a partir desses princípios,
apresentarem a leitura do que de fato consideram ser uma abor-
dagem de ensino de língua na perspectiva enunciativa. Buscam
explicitar como o linguista propõe que se analise a enunciação
para concluir que, quando se assume o ponto de vista enuncia-
tivo no ensino de língua, deixa-se o terreno das regularidades
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Apresentação
postas em manuais de gramática para se chegar à singularidade
de cada ato enunciativo.
Em Reflexões acerca da semântica do texto, Daiane Neumann
retoma algumas considerações acerca da semântica do texto, a
partir da discussão sobre sentido proposta por Ferdinand de
Saussure, no Curso de linguística geral, Émile Benveniste, em
Problemas de linguística geral I e II, e de Henri Meschonnic, em
Critique du rythme. Para tanto, resgata reflexões sobre o sentido
propostas por Saussure no CLG, principalmente no que con-
cerne ao arbitrário do signo e à teoria do valor, discute sobre o
desenvolvimento dado por Benveniste a esta reflexão, em especial
considerando a questão da subjetividade na linguagem, a noção
de discurso e a relação forma e sentido, para, então, apresentar
algumas questões desenvolvidas por Meschonnic em Critique
du rythme, a partir dos trabalhos dos dois grandes mestres. Ao
final do trabalho, faz um deslocamento dessas discussões apre-
sentadas para pensar sobre o tratamento semântico que pode ser
dado ao texto em sala de aula, atentando, também, para algumas
particularidades que este olhar pode trazer para discutir o objeto
texto de modo a enriquecer a análise e a reflexão do assunto.
Aline Juchem, em Enunciação e ensino: um caso de amor e
de língua, busca refletir sobre o processo de escrita e de reescrita
no contexto de sala de aula. O texto deriva de parte de sua dis-
sertação de mestrado, que teve como motivação as experiências
da autora como docente no Programa de Apoio à Graduação
(PAG) – Projeto de Língua Portuguesa: Leitura e Produção
Textual. Para atingir seu propósito, a autora recorre à Teoria da
Enunciação, de Émile Benveniste, porque nessa teoria se encontra
uma concepção de linguagem essencialmente ligada à (inter)sub-
jetividade, o que significa considerar a escrita e a reescrita como
atos de enunciação. O texto coloca em evidência o trabalho de
ensino-aprendizagem de escrita e reescrita, bem como de leitura
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Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
e análise de textos em sala de aula, levando sempre em conta o
espaço de singularidade do sujeito na língua.
Em A Teoria enunciativa de Émile Benveniste e o estudo do
texto: itinerários investigativos, Carolina Knack retoma parte da
produção teórica de Émile Benveniste, especialmente artigos
reunidos em Problemas de linguística geral I e Problemas de lin-
guística geral II, para buscar compreender o modo como a teoria
enunciativa benvenistiana foi lida pela linguística brasileira. O
artigo resulta de um trabalho maior, a dissertação de mestrado da
autora, no qual ela aprofunda o estudo. Mesmo assim, dá uma
contribuição teórica densa na medida em que transita entre vários
textos, tais como PCN’s e Referenciais Curriculares e mesmo
entre teorias de vários linguistas brasileiros – como Ingedore
Koch, José Luiz Fiorin, Diana Luz Pessoa de Barros, Eni Or-
landi, a fim de identificar o modo como a teoria benvenistiana
foi lida pela linguística brasileira e como se instituiu o diálogo
dessa teoria com a área dos estudos do texto.
Em Linguística da Enunciação e Ensino: categorias analíticas
para a avaliação de relatórios de estágio supervisionado em Língua
Portuguesa, Silvana Silva propõe-se a elaborar categorias ana-
líticas para a avaliação de relatórios de estágio supervisionado
em língua portuguesa. Para tanto, vale-se do aporte teórico da
Linguística da Enunciação (sistematizado em Flores e Teixeira,
2005; Flores et al., 2009) e procura elencar as categorias enun-
ciativas que permitem demonstrar que o aluno se apropria, mais
ou menos plenamente, do seu próprio planejamento durante a
prática docente. A pesquisadora faz, também, a análise de um
excerto da Apresentação de um relatório de estágio supervisionado
em língua portuguesa, orientado por ela no segundo semestre de
2012 na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), cidade de
Bagé, RS. Observa que a Apresentação prima por uma progres-
siva ampliação do interlocutor, “tu-alunos” para “vocês-alunos
de EJA”, revelando então uma Apresentação bem-sucedida do
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Apresentação
Projeto de Ensino do Estágio. Chega à conclusão de que uma
das categorias analíticas relevantes para a análise de relatórios
de estágio é a consideração do “tu-aluno” no texto do relatório,
seja em sua “ampliação de participação” seja em sua “diminuição
de participação”.
Claudia Stumpf Toldo e Aline Wieczikovski Rocha, em A
semantização do discurso metafórico: um olhar enunciativo, ancoram
sua pesquisa nos estudos enunciativos de Émile Benveniste, em
especial nos reunidos em Problemas de linguística geral I e II
e publicados entre 1964 e 1970. Partindo de discussões sobre
níveis de análise linguística, forma e sentido, semiótico e semântico,
as autoras apresentam um diálogo teórico do pensamento benve-
nistiano acerca da linguagem que julgam possível para analisar
o fenômeno da metáfora em textos publicitários.
Práticas de letramento, ensino de línguas e multimodalidade na
era digital, de Elisa Stumpf e Aline Vanin, busca tematizar como
o ensino de língua portuguesa (ou mesmo o ensino do português
como língua adicional) pode contribuir para a fazer o aluno se
ver como sujeito nas diversas possibilidades de interação social
que se dão por meio da linguagem escrita. O texto discute sobre
como o mundo digital influencia as práticas de leitura e de es-
crita, procurando mostrar como as diferentes tecnologias podem
ser utilizadas a favor do trabalho pedagógico com a língua em
sala de aula, em uma perspectiva que valoriza a interação como
princípio orientador das práticas de linguagem.
Por fim, em Alguns conceitos-chave da semiótica do texto e sua
funcionalidade no ensino da leitura na escola, as autoras Elisane
Cayser, Marlete Diedrich e Patrícia Valério refletem sobre o
processo de construção do sentido dos textos na sala de aula à
luz da Teoria Semiótica do Texto. Para isso, retomam pressu-
postos teóricos da semiótica greimasiana e procedem à análise
de um texto, a fim de demonstrar a pertinência dessa teoria para
a percepção dos sentidos criados no/pelo texto.
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Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
Os textos que integram essa obra não têm a pretensão de
apresentar algo inédito, portanto, se as reflexões propostas pu-
derem dialogar com os leitores, aproximando a Linguística da
Enunciação do ensino da língua materna nas salas de aula de
língua portuguesa, os estudos estarão justificados.
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Apresentação
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Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
Sumário
Apresentação . . .................................................................................................. 7
Aline Juchem............................................................................................................... 53
Carolina Knack.......................................................................................................... 87
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Sumário
VI. A semantização do discurso metafórico:
um olhar enunciativo
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Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
Capítulo
I
Pensando o ensino
de língua a partir da
enunciação
Marlete Sandra Diedrich1
Patrícia da Silva Valério2
Elisane Regina Cayser3
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Marlete S. Diedrich; Patrícia Valério; Elisane R. Cayser | Pensando o ensino de língua...
reunidos em Problemas de Linguística Geral I e Problemas de
Linguística Geral II uma forma especial de conceber a língua
no discurso, o que mobiliza princípios por nós considerados
fundamentais quando pensamos no ensino de língua. Porque,
afinal, acreditamos que a concepção de língua que move todo
aquele que se ocupa do estudo da linguagem é fundamental
para definir o trabalho que ele realizará em situações de ensino.
Assim, neste capítulo, voltamos nossa atenção para os
princípios propostos por Benveniste acerca da língua enquan-
to parte da tríade homem-linguagem-cultura. Apresentamos
esses princípios percorrendo textos do autor capazes de ilumi-
nar a discussão, para, depois, apresentarmos, com base nesses
princípios, nossa leitura do que de fato consideramos ser uma
abordagem de ensino de língua na perspectiva enunciativa.
Trata-se, certamente, de considerações apresentadas por nossa
conta, a partir da nossa compreensão decorrente da leitura da
obra de Benveniste. Reconhecemos, por certo, que o linguista
não se deteve nessa temática e, portanto, tomamos para nós o
risco de não encontrarmos unanimidade na aceitação de nossas
ideias, mesmo entre leitores e estudiosos da obra benvenistiana.
Lancemo-nos, portanto, a essa aventura.
Considerações finais
Não apresentamos aqui nenhuma análise linguística como
exemplificação do ponto de vista teórico por nós assumido, no
entanto, pensamos ser possível tomarmos estruturas linguísticas
tradicionalmente focalizadas no ensino de língua com o intuito
da mera classificação e vislumbrarmos o seu potencial semântico
mobilizado pelo falante em situações enunciativas. Limitamo-
-nos aqui a listar algumas delas, como é o caso do aumentativo
e diminutivo, classes gramaticais, entre tantas outras. Claro está,
para nós, que, ao assumirmos o ponto de vista enunciativo no
ensino de língua, deixamos o terreno das regularidades postas em
manuais de gramática e ousamos pela singularidade de cada ato
enunciativo. Como Flores (et al., 2008, p. 33), acreditamos que
“estudar a linguagem do prisma de uma Teoria da Enunciação
é estudá-la do ponto de vista semântico”. A leitura que fazemos
de Benveniste coloca, portanto, em primeiro plano, o sentido,
mobilizado a cada ato enunciativo.
Referências bibliográficas
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In: _____ . Problemas de linguística geral l. Campinas, SP: Pontes,
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_____ . A linguagem e a experiência humana. In: _____ . Problemas
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Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
_____ . Categorias de pensamento e categorias de língua. In: _____
. Problemas de linguística geral l. Campinas, SP: Pontes, 2005, p.
68-80.
____. O aparelho formal da enunciação. In: _____ . Problemas de
linguística geral ll. Campinas, SP: Pontes, 1989, p. 81-90.
_____ . A forma e o sentido na linguagem. In: _____ . Problemas de
linguística geral II. Campinas, SP: Pontes, 1989, p. 220-242.
_____ . Da subjetividade na linguagem. In: _____ . Problemas de
linguística geral l. Campinas, SP: Pontes, 2005, p. 284-293.
FLORES, V. N. Notas para uma (re) leitura da teoria enunciativa de
Émile Benveniste. In: TEIXEIRA, M.; FLORES, V. N. (Orgs.). O sentido
na linguagem: uma homenagem à professora Leci Borges Barbisan.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012. p. 149-165.
FLORES, Valdir do Nascimento; SILVA, S.; LICHTENBERG, S.; WEI-
GERT, T. Enunciação e gramática. São Paulo: Contexto, 2008.
ONO, Aya. La notion d’énonciation chez Émile Benveniste. Limoges:
Lambert-Lucas, 2007, p. 15-57.
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Marlete S. Diedrich; Patrícia Valério; Elisane R. Cayser | Pensando o ensino de língua...
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Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
Capítulo
II
Reflexões acerca da
semântica do texto
Daiane Neumann4
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Daiane Neumann | Reflexões acerca da semântica do texto
Essa diversidade de reflexões levou a diferentes formas
de abordagem, análise e estudo do texto. Cada uma dessas
abordagens buscou chamar a atenção para fenômenos diversos
que estão relacionados à organização e construção desse objeto.
Busco, neste capítulo, apresentar algumas discussões, reflexões e
considerações acerca da semântica do texto, a partir da discussão
sobre sentido proposta por Ferdinand de Saussure, no Curso de
linguística geral7, Émile Benveniste, em Problemas de linguística
geral I e II8, e de Henri Meschonnic, em Critique du rythme.
Para isso, retomarei algumas reflexões sobre o sentido, pro-
postas por Saussure no CLG, principalmente no que concerne
ao arbitrário do signo e à teoria do valor. Em seguida, discutirei
sobre o desenvolvimento dado por Benveniste a esta reflexão, em
especial considerando a questão da subjetividade na linguagem,
da noção de discurso e da relação forma e sentido, para, então,
apresentar algumas questões desenvolvidas por Meschonnic
em Critique du rythme, a partir dos trabalhos dos dois grandes
mestres.
Ao final do trabalho, farei um deslocamento dessas dis-
cussões apresentadas para pensar sobre o tratamento semântico
que pode ser dado ao texto em sala de aula. Atentarei também
para algumas particularidades que este olhar pode trazer para
discutir o objeto texto e que visam a enriquecer a análise e reflexão
acerca do mesmo.
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Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
texto pode causar estranhamento em um primeiro momento,
visto que historicamente a linguística, apresentada pelo mestre
genebrino, foi considerada uma ciência piloto para o movimento
que ficou conhecido como estruturalista. Segundo esse olhar, tal
obra não seria relevante para pensar questões que envolvam o
sentido e o texto.
Contudo, tomarei aqui o CLG sob perspectiva diferente, não
mais como a obra que fornece as bases para o estruturalismo, mas
como aquela que torna possível a Émile Benveniste sua reflexão
sobre o sentido, a subjetividade na linguagem e o discurso, e, mais
tarde, a Henri Meschonnic o desenvolvimento do que chamou
de uma “antropologia histórica da linguagem”.
A discussão sobre o sentido no CLG está vinculada princi-
palmente à reflexão sobre a arbitrariedade do signo e o sistema
de valores. Na primeira parte, capítulo I, ao discutir sobre a
arbitrariedade do signo linguístico, o CLG propõe que a unidade
linguística seria uma “coisa dupla” (2004, p. 79), constituída
pela união de dois termos, significante e significado, ou seja,
pela união de uma imagem acústica e um conceito.
Essa união entre os dois termos se daria de forma arbitrária,
pois segundo o CLG, “a ideia de ‘mar’ não está ligada por rela-
ção alguma interior à sequência de sons m-a-r que lhe serve de
significante; poderia ser representada bem por outra sequência,
não importa qual” (ibid., p. 81-82).
No entanto, nesta mesma discussão proposta, ainda na pági-
na 82, tem-se na continuação desta citação: “como prova, temos
as diferenças entre as línguas e a própria existência de línguas
diferentes: o significado da palavra francesa boeuf (“boi”) tem
por significante b-ö-f de um lado da fronteira franco-germânica,
e o-k-s (Ochs) do outro”. Ora, em tal reflexão não se pode mais
dizer que a discussão sobre a arbitrariedade do signo linguísti-
co esteja restrita à relação entre significante e significado, mas
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Daiane Neumann | Reflexões acerca da semântica do texto
também está ligada à relação entre língua e realidade, problema
cujo debate é antigo na filosofia.
Tal discussão aponta para a existência de uma dupla arbi-
trariedade na língua. A arbitrariedade existente entre um signi-
ficante e um significado e a arbitrariedade da língua em relação
ao mundo. Nesse sentido, o CLG se insere em uma discussão
sobre o sentido que é cara aos estudos da filosofia da linguagem,
a relação entre língua e realidade.
Enquanto a filosofia considera a língua um reflexo da reali-
dade e estuda o sentido a partir das condições de verdade, para
o Saussure do CLG a língua não é uma nomenclatura. Dessa
forma, as coisas do mundo não viriam previamente discretiza-
das e à língua não caberia colar-lhes rótulos designativos. No
CLG, então, o sentido é construído pelo homem através do uso
da língua.
Se a relação entre língua e realidade é arbitrária, os sentidos
na língua não podem mais ser percebidos como um reflexo da
realidade. Os sentidos na língua emanariam então das relações
entre as próprias unidades linguísticas que integram um sistema
de valores, o que nos leva à segunda discussão, a que me propus
aqui para pensar o sentido no CLG, o valor linguístico.
No capítulo IV, denominado O valor linguístico, o CLG
propõe que os valores no sistema linguístico são “inteiramente
relativos” (ibid., p. 132), por isso, o vínculo entre a ideia e o som
é radicalmente arbitrário. Ou seja, deve-se partir da totalidade so-
lidária para obter, por análise, os elementos que o sistema encerra.
Pensar que o que determina o valor do signo seria simplesmente
a união de certo som com certo conceito seria isolá-lo do sistema
do qual faz parte, seria acreditar que é possível começar pelos
termos e construir o sistema fazendo a soma deles.
Os valores do sistema são puramente diferenciais, são defini-
dos não positivamente por seu conteúdo, mas negativamente por
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Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
suas relações com outros termos do sistema, “sua característica
mais exata é ser o que os outros não são” (ibid., p. 136). A língua
não comportaria, portanto, nem ideias nem sons preexistentes
ao sistema linguístico, mas somente diferenças conceituais e
fônicas resultantes desse sistema. Por isso, o valor de um termo
pode modificar-se, sem que lhe toque, quer no sentido quer nos
sons, unicamente pelo fato de um termo vizinho ter sofrido uma
modificação.
Pensando o sistema linguístico como um sistema de valores,
pode-se afirmar que “os caracteres da unidade se confundem com
a própria unidade” (ibid., p. 140). Dessa forma, o que distingue
um signo é tudo o que o constitui. A diferença faz a característica,
o valor e a unidade. Discussão essa que faz com que, ao final da
reflexão sobre o valor linguístico, o CLG estabeleça que “a língua
é uma forma e não uma substância” (ibid., p. 141).
A reflexão proposta por Ferdinand de Saussure sobre o sen-
tido no CLG desloca a discussão do sentido proposta pela filosofia
da relação entre língua e realidade para a relação da construção
dos sentidos dentro do sistema semiológico da língua. Os senti-
dos se constroem na e pela língua, pela relação estabelecida nos
diferentes sistemas de valores entre as unidades que os compõem.
Tal discussão proposta no CLG, por Ferdinand de Saussure,
é deslocada por Émile Benveniste para pensar o sistema linguís-
tico da enunciação. A partir dela, Benveniste propõe à reflexão
sobre o sentido que se considere a subjetividade na linguagem
e o discurso.
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Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
-se; nesse sentido, o homem e a sociedade não podem mais ser
observados fora da linguagem, como realidades preexistentes.
Dessa forma, os sentidos construídos na língua não dependem de
uma realidade extralinguística e não são determinados por uma
realidade preexistente a uma determinada enunciação.
A partir dessa discussão proposta por Benveniste, perce-
bemos que a noção de referência também adquire um outro
estatuto. A noção tão cara aos estudos da filosofia da linguagem,
pois é responsável por estabelecer a relação língua/realidade, em
Benveniste, passa a remeter à instância de discurso, ou seja, a
realidade a que esta noção remete é a do discurso. A instância do
discurso seria, portanto, constitutiva de todas as coordenadas que
definem o sujeito, como, por exemplo, as categorias de pessoa,
tempo e espaço, que são amplamente discutidas no PLG I e II,
pelo linguista.
Para Émile Benveniste, a construção dos sentidos na língua
acontece em uma enunciação particular, singular e evanescente,
que envolve uma relação intersubjetiva, em um determinado
tempo e em um determinado espaço, que, assim como o eu e o
tu, são construídos por uma determinada situação de discurso.
De acordo com o linguista, “o homem não dispõe de nenhum
outro meio de viver o ‘agora’ e de torná-lo atual senão realizando-
-o pela inserção do discurso no mundo” (2006, p. 85). Esses
sentidos no discurso são construídos, ainda, por uma relação
que se estabelece entre forma e sentido na língua.
Em A forma e o sentido na linguagem, o linguista sírio se opõe
à dicotomia entre forma e sentido, defendendo que devemos
tomá-la no funcionamento da língua, integrando-a e esclarecendo-
-a, pois através desta postura somos colocados no centro do
problema mais importante da linguagem, que é o da significação.
Para o linguista, “antes de qualquer coisa, a linguagem significa,
tal é seu caráter primordial, sua vocação original que transcende
e explica todas as funções que ela assegura no meio humano”,
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Daiane Neumann | Reflexões acerca da semântica do texto
“bem antes de servir para comunicar, a linguagem serve para
viver” (2006, p. 222).
Esta não concordância de Benveniste em relação à oposição
entre forma e sentido, bem aceita no geral pelos denominados
estruturalistas, revela uma volta às bases do pensamento saus-
suriano, pois, no CLG, significante e significado compõem uma
unidade “bilateral por natureza” (ibid., p. 225), que é o signo
linguístico, ou seja, no CLG, forma e sentido não podem ser
dissociados.
No entanto, ao inserir a reflexão sobre a subjetividade na
linguagem, o linguista acaba por inserir a discussão sobre o
discurso, retomando dessa forma a proposta de Saussure sobre
o sistema de valores arbitrários, que foi denominado por Benve-
niste, “domínio semiótico”, e abre um novo domínio de estudo,
denominado “semântico”.
O domínio semiótico não se ocupa da relação do signo com
as coisas denotadas, nem da relação entre a língua e o mundo. O
signo teria sempre e somente um valor genérico e conceptual nesse
domínio, além de não se admitir significado individual e particular
ou ocasional. Excluindo-se tudo o que é individual, as relações
são binárias, os signos se dispõem em relações paradigmáticas.
Já no domínio semântico, entra-se no domínio da língua em
emprego e em ação. A língua é vista em sua função mediadora
entre “o homem e o homem, entre o homem e o mundo, entre
o espírito e as coisas, transmitindo a informação, comunicando a
experiência, impondo a adesão, suscitando a resposta, implorando,
constrangendo” (ibid., p. 229). Nesse domínio, a mensagem não
se reduziria a uma sucessão de unidades que devem ser iden-
tificadas separadamente, pois não é uma adição de signos que
produz o sentido, mas é o sentido – intenté – que se realiza e se
divide em signos particulares.
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Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
Na base, haveria o sistema semiótico de organização dos
signos, e, sobre este fundamento semiótico, a língua-discurso
construiria uma semântica própria, significação intencionada,
produzida pela sintagmatização das palavras em que cada pa-
lavra não reteria senão uma pequena parte do valor que teria
enquanto signo.
Para Benveniste, portanto, o sentido também se constrói em
uma relação entre forma e sentido que acontece entre o domínio
semiótico e semântico. Cada enunciação, cada produção de dis-
curso se constitui e se constrói em uma relação única, singular
e irrepetível entre o domínio semiótico e semântico da língua.
Pensar a construção de sentido a partir dessa perspectiva é ob-
servar como se dá essa relação entre os dois domínios da língua
em uma enunciação particular.
Assim, a organização de sentido se dá em uma relação úni-
ca, particular, entre o domínio semiótico e semântico da língua
“ligada a um certo presente, portanto a um conjunto cada vez
único de circunstâncias, que a língua enuncia numa morfologia
específica” (ibid. p. 230). A frase10 é, para Benveniste, cada vez
um acontecimento diferente; ela não existe senão no instante em
que é proferida e se apaga neste instante, “é um acontecimento
que desaparece”.
Ao final do texto Semiologia da língua, publicado no PL-
GII, Benveniste afirma que é necessário ultrapassar a noção
saussuriana do signo como princípio único, do qual dependeria
simultaneamente a estrutura e o funcionamento da língua.
Tal ultrapassagem poderia ser feita por duas vias, a da análise
intralinguística, através da abertura de uma nova dimensão de
significância, aquela do discurso, que denominou semântica,
cuja discussão pode-se encontrar na obra de tal estudioso, e a
da análise translinguística dos textos e das obras, pela elaboração
10
É interessante observar que, em Benveniste, em algumas ocorrências, o termo frase
tem sentido de discurso. Essa é uma dessas situações.
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Daiane Neumann | Reflexões acerca da semântica do texto
de uma metassemântica que se constituiria pela semântica da
enunciação.
É sob essa segunda via proposta por Émile Benveniste que
Henri Meschonnic propõe o desenvolvimento do projeto por ele
denominado de uma antropologia histórica da linguagem, na obra
Critique du rythme. A proposta de semântica apresentada em tal
obra é o que discutirei a seguir.
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Daiane Neumann | Reflexões acerca da semântica do texto
Os ritmos seriam as partes mais arcaicas na linguagem, eles
são no discurso um modo linguístico pré-individual, inconsciente
como todo o funcionamento da linguagem. Eles são um elemento
da história individual. Se o ritmo é a organização do sentido, o
sentido de um sujeito, de um inconsciente no discurso, não tem
dupla articulação, escapa ao signo, suas figuras não são nem
próprias, nem figuradas.
De acordo com Meschonnic (ibid.), na separação entre
língua e discurso, apresentada por Benveniste na sua clássica
distinção entre o mundo semiótico e semântico, quando se dá
primazia ao estudo do discurso, permite-se a interação da língua e
do discurso. Tal interação não seria possível se a primazia fosse da
língua. O ritmo como sentido do sujeito seria uma historicização
do ritmo, o que implicaria o primado do discurso.
O ritmo na linguagem é a organização das marcas pelas
quais os significantes, linguísticos e extralinguísticos12, produzem
uma semântica específica, distinta do sentido lexical, a qual é
denominada por Meschonnic significância, ou seja, os valores
próprios a um discurso e a um só. Tais marcas podem se situar
em todos os níveis da linguagem, acentuais, prosódicos, lexicais,
sintáticos, que juntos constituem um paradigma e um sintagma
que neutralizam precisamente a noção de nível.
Contra a redução corrente do sentido ao léxico, Meschonnic
apresenta a significância que está ligada ao todo do discurso, que
está em cada consoante, em cada vogal. Dessa forma, se o sentido
é a atividade do sujeito da enunciação, o ritmo é a organização
do sujeito como discurso no e pelo seu discurso.
A métrica, de acordo com Meschonnic, seria a predição
absoluta, o ritmo é imprevisível, é novo, é a representação mesma
da história na linguagem, como a vida. O metro é descontínuo,
mensurável, binário ou ternário, enquanto o ritmo é contínuo-
12
Aqui o extralinguístico está ligado a gestos, postura corporal, não a uma realidade
sócio-histórica.
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Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
-descontínuo, é uma passagem do sujeito na linguagem, a pas-
sagem do sentido, da significância, do fazer sentido, em cada
elemento do discurso, até cada consoante, cada vogal.
A significância é, na esteira do autor, infinita, como a teoria.
O primado do ritmo contribuiria para situar o sentido na não-
-totalidade, na não-verdade, na não-unidade. Este seria o seu
efeito crítico.
Considerações finais
Busquei, neste capítulo, apresentar uma proposta de aborda-
gem semântica do texto, a partir da discussão sobre sentido das
obras de Ferdinand de Saussure, no CLG, de Émile Benveniste,
em PLGI e PLGII, e de Henri Meschonnic, em Critique du
rythme, e da concepção de discurso em Benveniste.
O debate aqui apresentado é profícuo para pensar sobre o
tratamento do texto em sala de aula, na medida em que privilegia
49
Daiane Neumann | Reflexões acerca da semântica do texto
a discussão sobre a construção do sentido que se dá no e pelo
discurso e, dessa forma, permite ao analista observar como os
sujeitos, as sociedades, as diferentes culturas se constituem na e
pela linguagem. A abordagem aqui proposta atenta ainda para o
não fechamento dos sentidos, para o olhar que observa o texto, os
sujeitos que aí se constituem do ponto de vista da não-totalidade,
da não-verdade.
O tratamento dado à análise de textos, de acordo com essa
abordagem, também procura não fechar as possibilidades de
sentidos construídos pelos textos, na medida em que não os
concebe como determinados por elementos extralinguísticos. Na
perspectiva aqui apresentada, os sentidos, os sujeitos, a sociedade
não são observados como acabados, como dados, mas em cons-
tante construção, em constante devir. Tal construção acontece em
relação dialética entre o eu e o tu, na e pela linguagem. Por isso,
os sentidos não podem ser fechados, determinados por elementos
dados que seriam tomados como estando fora da linguagem.
Ademais, o tratamento dado ao texto, na perspectiva aqui
apresentada, por considerar uma obra, um texto como único,
singular, irrepetível, procura analisar os sentidos aí construídos
como uma relação única entre os elementos textuais, pertencentes
a diferentes níveis de análise da linguagem, que estão ligados a
sujeitos da enunciação, construídos naquele texto em particular,
em um determinado tempo e espaço. Não se estabelecem, dessa
forma, categorias prévias de análise textual, que possam fechar ou
determinar os sentidos que emergem daquele mundo de sentidos,
que é construído por um texto, uma obra.
Referências bibliográficas
BENVENISTE, Émile. Da subjetividade na linguagem. In: Problemas
de linguística geral I. Campinas: Pontes, 2005.
50
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
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51
Daiane Neumann | Reflexões acerca da semântica do texto
52
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
Capítulo
III
Enunciação e ensino:
um caso de amor e de língua13
Aline Juchem14
53
Aline Juchem | Enunciação e ensino: um caso de amor e de língua
me enxergar nela, mas quando eu escrevo no MSN, até meus amigos
sabem que sou eu quem está escrevendo”.
A importância da recuperação dessa fala está justamente no
que ela coloca em evidência. O que está em jogo quando o aluno
diz que quando escreve uma “redação” não consegue se enxergar
nela? O que está implicado nesse “não consegue” e em “se en-
xergar”? Qual a concepção construída a respeito do processo de
escrita de uma “redação”? E qual é o ponto de deslocamento que
permite que no MSN o aluno se reconheça e seja reconhecido
pelo seu interlocutor? As perguntas continuariam, mas deixemos,
por ora, as questões que mais nos convocam neste momento.
Respondê-las nos leva a remontar à trajetória docente no que
concerne à escrita e à reescrita de textos em sala de aula, cuja
problematização nos convoca, como professores-pesquisadores,
a repensar nossas concepções linguísticas e, a partir delas, a
articulação promovida entre a teoria e a prática.
55
Aline Juchem | Enunciação e ensino: um caso de amor e de língua
texto e não de dialogar com os sentidos atribuídos pela escolha
dessas palavras. Por esse prisma, escrita e reescrita tornam-se
um processo inópio e solitário.
Com relação à reescrita como mero exercício de correção da
primeira escrita, merece atenção o estudo de Conceição de Jesus
(1995). Ao refletir a reescrita na sala de aula de ensino funda-
mental, a autora verifica que os casos de reescrita que examina
em sua pesquisa comungam com o ideário de transparência em
que se visualiza a superfície linguística a fim de ajustá-la a um
modelo de texto. Nesse caso, a autora argumenta que há um
apagamento das cenas enunciativas, por meio do qual todo o
conteúdo próprio da dinâmica enunciativa presente na sala de
aula, sobretudo o expresso oralmente, é desprestigiado. Jesus
(1995) chama justamente de “higienização do texto” do aluno
esse trabalho em que a reescrita transforma-se em uma operação
de limpeza, no qual o objetivo consistiria em limpar as “trans-
gressões” às regras de ortografia, à concordância e à pontuação,
sem dar a devida importância às relações de sentido emergentes
na interlocução.
No mesmo sentido, o relato de Ana Guimarães (2011) a
propósito do estudo levantado por Neves (2002) confirma essa
realidade, ao constatar que os professores, ao dividirem em
compartimentos atividades como redação, leitura e gramática,
desprezam quase totalmente a atividade de reflexão e operação
sobre a linguagem. Na mesma linha, afirmam Teixeira e Ferreira
(2008, p. 64): “A escola opera pela dissociação entre as formas da
língua e seu emprego, eximindo-se de enfrentar a complexidade
inerente aos atos de linguagem”.
No entanto, surpreende ainda hoje o desencontro entre a
escola e a sua proposta de escrita e de reescrita de textos como
um processo, uma vez que os Parâmetros Curriculares Nacionais
(doravante, PCNs), aos quais todos os professores têm acesso –
ou deveriam ter –, propõem, num esforço político-pedagógico,
56
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
um deslocamento entre a tradicional aula de português, cuja visão
opera somente sobre o ensino de regras gramaticais, e a prática
de ensino como um processo discursivo, que busca, através da
discussão acerca da linguagem, a abordagem do ensino-apren-
dizagem vinculada ao uso da língua. Tal premissa encontra-se
presente nos PCNs:
61
Aline Juchem | Enunciação e ensino: um caso de amor e de língua
Guedes propõe: após a escrita, o texto é lido pelo aluno em sala de
aula para que o professor e os colegas comentem, complementem,
indaguem, atribuam, enfim, vivenciem os sentidos construídos
pelo seu dizer. A leitura do texto em aula não é uma prática apenas
de ordem metodológica, mas visa a resgatar a discursividade,
pois a voz do outro – professor e colegas – devolvida ao texto
implica querer “escutá-lo”, “lê-lo”, numa relação solidária, tal
como é toda ação praticada com a linguagem.
A discursividade, para Guedes, significa a “colocação em
funcionamento de recursos expressivos de uma língua com certa
finalidade, atividade que se dá sempre numa instância concreta
entre um locutor e um alocutário” (ibid., p. 58). O exercício do
discurso a partir dessa concepção está relacionado, basicamente,
a quatro “qualidades discursivas”: unidade temática, objetividade,
concretude e questionamento, cujo princípio transversal é a inter-
locução.
A unidade temática pressupõe algo que o locutor-autor te-
nha interesse em dizer, a partir do que o instiga e do lugar que
ocupa na relação com o seu interlocutor-leitor. O locutor-autor
busca as formas da língua para construir os sentidos do texto
na direção daquilo a que se pretende ao escrever, oferecendo ao
leitor um rumo que o oriente a atribuir sentido a cada uma das
palavras, estabelecendo relações entre elas. Tal busca de unidade
se dá sempre em vista do outro. A objetividade exige o distan-
ciamento necessário para que o locutor-autor se coloque diante
do seu interlocutor-leitor e, no lugar dele, procure saber de que
maneira dirá o que tem a dizer. A concretude, por sua vez, garante
a objetividade, pois fornece elementos ao interlocutor-leitor para
que comprove os sentidos atribuídos pelos recursos expressivos
com que o locutor-autor constituiu o texto. Pelo próprio nome,
essa qualidade indica que o texto – e tudo o que o implica –
deve se tornar concreto aos olhos do interlocutor-leitor, para que
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Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
ele “o enxergue”. Já o questionamento busca a convocação do
interlocutor-leitor para envolvê-lo na leitura do texto.
Dessa maneira, a busca das “qualidades discursivas” para o
resgate da discursividade se dá na individualidade do texto que
está sendo constituído, como nos apresenta Guedes (2009, p. 61)
a exemplo de Claude Simon: “jamais se escreve (ou descreve) algo
que tenha acontecido antes do trabalho de escrever; escreve-se
aquilo que se produz (e isso em todos os sentidos da palavra)
durante esse trabalho”. Implica-se, por isso, que todo o trabalho
de escrita subentende a interlocução e, por ela, a qualidade textual.
Assim, “a discursividade não se instaura a não ser no interior
da textualidade”, visto que a busca da qualidade textual incide
sobre a qualidade discursiva.
A escrita, mesmo que não requeira a presença simultânea
do interlocutor-leitor, é sempre um exercício que considera a
dimensão interlocutiva da linguagem. Sem o outro, do outro
lado da linha, não há linguagem, pois se todo ato de escrita é
um ato de linguagem, a relação entre locutor e alocutário (autor
e leitor) e a posição que cada um ocupa nessa relação estarão
marcadas através das formas da língua. Isso requer que o pro-
fessor se constitua como o interlocutor efetivo do texto de seu
aluno, dando-lhe o espaço concreto e necessário de constituição
de sua singularidade.
O objetivo dessa abordagem de produção textual pelo mo-
vimento interlocutivo se resume nas palavras de Guedes (2009),
a exemplo de Geraldi (1991):
65
Aline Juchem | Enunciação e ensino: um caso de amor e de língua
fessor, como protagonistas principais e necessários no resgate da
leitura e da escrita. Quando o professor medeia o espaço de sala
de aula através de atividades como seminários, discussões, trocas,
práticas de leitura e de escrita, ele se coloca para o aluno como
um interlocutor efetivo e participativo do processo de ensino-
aprendizagem e, dessa forma, contrariando a história da escrita
escolar, “concretiza-se num exemplo, num ponto de referência ou
para a adesão, ou para o repúdio, ou para a resposta que o aluno
for capaz de dar; para o diálogo, enfim” (Guedes, 2009, p. 77).
Se lembrarmos da fala inicial do aluno sobre a impossibi-
lidade de se enxergar na redação escolar, imediatamente relacio-
namos à falta de o locutor-autor não experimentar sua própria
presença no texto, quando esta depende da presença do outro,
do interlocutor-leitor. O processo interlocutivo entre escrita e
reescrita se apresenta, então, como o movimento necessário para
o locutor-autor constituir o outro a quem fala e através dele se
constituir e se marcar através do ato de escrita.
A fala do aluno nos encaminha a pensar isso, pois se “Quando
eu escrevo uma redação, não consigo me enxergar nela, mas quando
eu escrevo no MSN até meus amigos sabem que sou eu quem está
escrevendo”, há, antes de mais nada, uma necessidade requerida
pelo locutor: a de relação de sentidos, construída no e pelo dis-
curso com o outro. Convocar essa fala novamente só reafirma a
necessidade de uma nova relação entre o ensino-aprendizagem
e a escrita, bem como a necessidade de suspensão da aparente
evidência dessa fala para propô-la como uma formulação de
mistério20.
No tocante à importância da Linguística ao lado de outras
disciplinas cujo objeto inclui uma prática – pedagógica ou clínica
–, o estudo de Lemos (2005) encontra aqui um lugar especial.
20
Lemos (2005) propõe o mistério como a condição necessária para a suspensão das
transparências e certezas por parte das ciências, pois é justamente aquilo que perturba
e que falta a respostas, o mistério, que é a origem de toda indagação científica.
66
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
Instigada pelo papel do alfabetizador (professor) no processo de
aquisição da escrita pelo alfabetizando (aluno), a autora coloca
duas questões fundamentais:
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Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
escritos por essas pessoas nos permite perceber sobre eles pró-
prios, sobre suas histórias de vida, sobre suas histórias de escrita?”
(Fiad, 1997, p. 196). Notamos que essas inquietações dialogam
diretamente com o questionamento inicial do aluno do PAG.
E a autora continua:
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Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
tem a mostrar sobre a linguagem e sobre os estudos acerca da
produção de textos no Brasil.
O propósito deste trabalho é justamente apontar uma
falta, para mostrar nossa busca de preenchimento, trazendo a
contribuição da Teoria da Enunciação para pensar especial-
mente o processo de escrita e reescrita de textos, questão que
desenvolvemos anteriormente em Juchem (2012). Recorremos
particularmente à teoria de Émile Benveniste porque nela se
encontra uma concepção de linguagem essencialmente ligada
à (inter)subjetividade, o que significa considerar a escrita e a
reescrita atos de enunciação, isso porque “a concepção de sentido
com que trabalha a Linguística da Enunciação tem uma dupla
dimensão: a do sentido dado pela estrutura da língua, reiterável,
e a do sentido dado pela enunciação, sempre mutável e adaptável,
porque o sujeito está aí implicado”, segundo Teixeira e Ferreira
(2008, p. 64).
Sob esse fundamento, a língua como estrutura formal se
estende à atividade do locutor que dela faz uso, semantizando-
-a e atualizando seus sentidos no discurso, por isso chamada
língua-discurso. Assim, tomado nosso objeto – a escrita e a
reescrita – como ato de linguagem, pelo qual se postula sem-
pre uma alocução, ou seja, desde que “eu” assume a língua,
implanta diante de si um “tu”, na necessidade de referir uma
certa relação com o mundo, a relação discursiva implicada em
todo ato de linguagem, dada necessariamente pela sua própria
natureza como linguagem, realiza-se em cada enunciação, mas
esta só apreendida pelas marcas do enunciado, o seu produto.
Desse modo, considerando o texto discente processo e produto
da enunciação, não podemos mais, como professores, ignorar a
posição em que nos situamos diante do aluno em seu processo
de escrita e reescrita de textos.
E aqui devemos ter um cuidado com aquilo que percebe-
mos presente em nosso levantamento bibliográfico voltado aos
73
Aline Juchem | Enunciação e ensino: um caso de amor e de língua
processos de escrita e reescrita e que não é demais retomar: a
oscilação terminológica entre os termos interação, interlocução,
diálogo, relação dialógica, entre outros, tomados como equivalentes
no plano geral das teorias que apresentam o nosso objeto. Parece-
-nos que essa oscilação é decorrente da mescla teórica presente
nos estudos inaugurais sobre texto e escrita no Brasil, quando,
a partir das décadas de 70 e 80, ainda não sentíamos a exigência
demasiadamente necessária de um rigor terminológico. Conse-
quência aparente disso é que os termos em questão são tomados
como uma tentativa de explicar o que está subjacente a todo ato
de linguagem, seja falado seja escrito, mas sob um ponto de vista
não propriamente linguístico. Contudo, “o verdadeiro problema é
muito mais profundo. Consiste em reencontrar a estrutura íntima
do fenômeno do qual não se percebe senão a aparência exterior e
em descrever a sua relação com o conjunto das manifestações de
que depende”. E aqui reside nossa necessidade de delimitação:
a busca de uma teoria linguística que nos interrogue e que nos
permita por seus fundamentos encontrar, sob a superfície textual,
o que está implicado a cada tomada da palavra.
Acreditamos que pela operacionalização desse conhecimento
em sala de aula, oferecemos ao aluno o lugar de constituição de
sua subjetividade em que experiencia, na escrita e reescrita, sua
própria presença e a presença daquele a quem escreve. Pois, ao
assumir a língua por sua conta, reconhecendo-a em sua natureza
de comunicação intersubjetiva, o locutor-aluno apropria-se da
escrita, seja qual for seu gênero, para marcar seu lugar, sempre
renovado a cada vez que toma as palavras, mesmo que elas se
refiram ao que já disseram – pois jamais serão repetições se são
atos singulares de utilização da língua.
Sumariamente, é por essa capacidade de entendimento da
escrita e da reescrita como não limitadas à representação do
mundo, mas como atos de produção de significância sobre signi-
ficância que nos valemos da teoria de Benveniste para ancorar
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Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
os princípios deste estudo. Partindo da trajetória docente em
direção à concepção de escrita e reescrita por uma perspectiva
benvenistiana, somos conduzidos a mostrar o lugar que a teoria
enunciativa de Émile Benveniste ocupa no campo da enunciação,
cuja importância equivale ao lugar que ela ocupa em nosso estudo.
75
Aline Juchem | Enunciação e ensino: um caso de amor e de língua
interditava o entendimento de uma visão estruturalista da lín-
gua – concebida como um sistema de relações internas regidas
por leis de organização –, o que ofuscava qualquer referência a
aspectos exteriores ao sistema por considerá-los fenômenos ex-
tralinguísticos. O grande mérito do pensamento de Benveniste
é exatamente conseguir reunir sob a análise linguística dois ho-
rizontes antes separados, embora em sua natureza indissociáveis:
língua e sujeito. Em testemunho disso, está o título de um dos
capítulos mais célebres dos Problemas de linguística geral I e II
(doravante, PLG I e PLG II) – “O homem na língua”25. Para
Flores e Teixeira (2005, p. 30), a exemplo de Dosse (1994),
o plano do mestre era justamente fazer ingressar o sujeito no
interior do horizonte teórico dos linguistas.
Para definir bem nossa posição, dizer que Benveniste inau-
gura uma semiologia englobante e que ultrapassa as concepções
estruturalistas não significa que ignoramos a filiação ao mestre
Saussure e, por conseguinte, ao estruturalismo moderno que dele
procedeu. Benveniste deve muitas das suas reflexões ao mestre
genebrino, ainda que tenha feito delas pontos de partida: “Cabe
a nós tentar ir além do ponto onde Saussure parou na análise da
língua como sistema significante” (PLG II, p. 219).
Esse ponto transcendente parece ser exatamente sobre o
que nos fala Flores (2008, p. 158) a respeito do tema da uni-
dade da linguística: “não é, pois, necessário pensar em duas
linguísticas, mas na mesma linguística que se transforma para
estudar diferentes fenômenos de diferentes pontos de vista: não
uma escolha metodológica, relacionada à definição adotada de linguagem e de
língua (2009, p. 137).
25
Temos consciência da “bricolagem teórica” ou “terminológica” (termo cunhado de
Normand, 2009) de certos termos presentes nos textos de Benveniste, tal é o caso
do título da quinta parte “O homem na língua”, que, segundo o Avant-propos da
edição francesa de PLG I (1966), consta como “Le homme dans la langage”. Essa
oscilação entre os termos língua e linguagem, por vezes parecendo tão próximos
quanto sinônimos, e por vezes tão intimamente distintos na teoria, indica-nos a difi-
culdade em separar a natureza mesma do homem, constituída na e pela linguagem/
intersubjetividade-língua/subjetividade.
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Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
há um centro (a língua) estudado independentemente do que o
cerca”. No mesmo sentido, escreve Barthes: “a linguagem está
por toda parte, não apenas ao lado”. E continua, no que tange à
abertura da linguística pelo olhar renovado de uma “semiologia
de segunda geração”:
78
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
Essas possibilidades de leitura, atestadas pela autora, de-
monstram que o que se manifesta como metalíngua joga com os
efeitos permitidos pela própria língua, tornando sensível o seu
poder significante:
80
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
ou nas escritas virtuais, simultâneas da internet, que, de certo
modo, recobrem a intersubjetividade falada. Com efeito, o texto
escrito do aluno nada mais é do que a marca assinalada do seu
processo de apropriação da língua como locutor na relação com
o outro e com o mundo, ou seja, de sua história de enunciações
escritas que ele coloca em relação com suas enunciações no MSN
e a qual, por sua vez, remete o locutor a um lugar de enunciação
a ser ocupado que determina as (im)possibilidades do dizer.
Nessa comparação, emerge de sua fala o caráter intersubjetivo
constitutivo e necessário da língua em ação.
De fato, percebemos que a subjetividade que o locutor-aluno
experimenta para propor-se como sujeito está vinculada à neces-
sidade de referência à situação de enunciação – o eu-tu-aqui-agora
–, pois, como lembra Benveniste, “o emprego [de eu-tu] tem
como condição a situação de discurso e nenhuma outra” (PLG
I, p. 281, acréscimo meu). Dessa forma, a enunciação é cada
vez única, proferida quantas vezes forem os eixos de referência
– pessoa-espaço-tempo. Pode-se dizer com isso que a cada nova
enunciação escrita e reescrita emerge um novo sujeito, posto que
o sujeito é o efeito da relação intersubjetiva que se instaura no
contexto de produção de textos em sala de aula.
Como vimos, a questão da significação é transversal à Teoria
da Enunciação, visto que, antes de tudo, a linguagem significa.
Assim, a possibilidade de o locutor-aluno fundar-se na enunciação
escrita se deve à faculdade simbólica da linguagem, na qual e
a partir da qual ele pode experienciar-se em uma nova relação
com o outro, com a língua e, por conseguinte, com a cultura a
cada nova inserção de seu discurso no mundo. Se deslocarmos
a afirmação de Benveniste para o nosso tema, poderíamos dizer
com ele que “muitas noções na linguística [e no ensino] apare-
cerão sob uma luz diferente se as restabelecermos no quadro do
discurso, que é a língua enquanto assumida pelo homem que
fala [escreve], e sob a condição de intersubjetividade, única que
81
Aline Juchem | Enunciação e ensino: um caso de amor e de língua
torna possível a comunicação linguística” (PLG I, p. 293, grifo
do autor, acréscimos meus).
Considerações finais
A partir da problematização feita até então, pensamos que
o processo de (re)escrita não é um ato solitário, tal como perce-
bemos muitas vezes na escola, onde o aluno volta ao seu dizer
sem continuar sabendo para quem e sobre o quê deve exatamente
escrever, o que, evidentemente, resulta na fala que escutamos
como professores no primeiro dia de aula na universidade e da
qual nos valemos aqui. Em contrapartida, o processo de (re)
escrita, como um ato de enunciação, é realizado a várias mãos
que, juntas, pela troca e pelo diálogo, ressignificam esse ato e
reconstroem os sentidos no discurso, possibilitando ao aluno
ser enxergado e, por conseguinte, se enxergar no texto como um
lugar possível de se constituir como sujeito na expressão de sua
singularidade. Na medida em que o locutor-aluno experienciar
para quem escrever, saberá sobre o quê escrever.
Nesse sentido, justificamos em últimas palavras porque gosta-
mos de Benveniste, tomando emprestadas as palavras de Normand
(2009), que aqui parecem dizer tudo:
82
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
Levados pelo prazer de ler Benveniste que, como professo-
res-pesquisadores, conduzimos este trabalho, bem como as demais
pesquisas sobre o assunto28. Feito esse percurso, mesmo que
sumário, esperamos que ele possa contribuir para o trabalho de
ensino-aprendizagem de escrita e reescrita, bem como de leitura
e análise de textos em sala de aula, levando sempre em conta o
espaço de singularidade do sujeito na língua, o que, sem dúvida,
fomenta o campo de pesquisa em enunciação e, especialmente, o
âmbito de ensino quanto ao olhar frente aos textos produzidos
pelos alunos, esses que, pelo processo de (re)escrita de textos,
mediado pelo outro, (re)produzem o mundo: o seu mundo.
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28
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atrelada à noção simbólica de linguagem, deslocada para o espaço de sala de aula,
com base em Benveniste (2005/2006) e articulada às reflexões de Agamben (2012),
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85
Aline Juchem | Enunciação e ensino: um caso de amor e de língua
86
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
Capítulo
IV
A teoria enunciativa
de Émile Benveniste e
o estudo do texto:
itinerários investigativos
Carolina Knack29
87
Carolina Knack | A teoria enunciativa de Émile Benveniste e o estudo do texto...
o título indica, a pesquisa buscou tratar de texto à luz da Teoria
da Enunciação, especificamente a de Émile Benveniste.
Evidentemente, tratar de texto sob perspectivas ditas enun-
ciativas não é novidade, haja vista o expressivo número de pes-
quisas que tomam por base os estudos de Bakhtin, de Ducrot,
de Maingueneau – entre outros – e, inclusive, os de Benveniste.
No entanto, em se tratando deste último, parece haver, ainda,
uma lacuna quanto a essa possibilidade, especificamente no que
diz respeito a uma sistematização do referencial teórico-meto-
dológico enunciativo para o estudo de textos falados e escritos
em contexto de ensino de língua materna.
É nesse contexto, portanto, que se insere a pesquisa empre-
endida em Knack (2012), em que buscamos, primeiro, proble-
matizar o potencial da teoria benvenistiana para a abordagem do
objeto texto e, segundo, sistematizar os princípios teórico-metodo-
lógicos da Enunciação para a análise de textos falados e escritos.
Neste capítulo, retomamos apenas parte do percurso teó-
rico que permitiu dar conta desses objetivos. Assim, o presente
trabalho propõe-se a reunir elementos que propiciem desvelar
o diálogo da Teoria da Enunciação, de Émile Benveniste, com
a área dos estudos do texto – interlocução que tem por intuito
produzir reflexões que contribuam para o trabalho dos profes-
sores de língua portuguesa. Para tanto, partindo da observação
da produção teórica de Émile Benveniste, especialmente dos
artigos reunidos em Problemas de linguística geral I e Problemas
de linguística geral II31, pontuamos características quer da obra,
quer do seu processo de escritura para, em seguida, compreen-
dermos o modo como a teoria enunciativa benvenistiana foi lida
pela Linguística brasileira. As questões abordadas nesses dois
tópicos reúnem elementos que alimentam o diálogo desta teoria
com a área dos estudos do texto e que encaminham a pensar
31
Na sequência deste texto, essas obras serão referidas, respectivamente, como PLG
I e PLG II.
88
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
acerca da possibilidade de investigação do funcionamento textual-
-enunciativo, nas instâncias falada e escrita da língua, tomando
como arcabouço teórico a Enunciação de Émile Benveniste.
92
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
Um breve percurso pelas grades curriculares, súmulas e ementas
de disciplinas33 indica que o texto tem ocupado ora centralmente
uma disciplina ora como meio para a abordagem de aspectos
relativos à estrutura e ao funcionamento da língua portuguesa
em si. Uma vista de olhos pelas indicações bibliográficas, quando
presentes, permite elencar alguns estudiosos que são reiterada-
mente citados: Ingedore G. Villaça Koch, Patrick Charaudeau,
Dominique Maingueneau, José Luiz Fiorin, Mikhail Bakhtin,
Luiz Antônio Marchuschi, Eni Orlandi, entre outros. Tal lista
não se pretende exaustiva, apenas ilustrativa da diversidade
teórica com que o texto pode ser explorado, uma vez que há
teóricos representantes da Linguística Textual, da Semiótica, da
Linguística da Enunciação, da Análise do Discurso.
Dentre tais indicações bibliográficas, destaca-se a quase
ausência da referência a Émile Benveniste 34. Diante disso,
perguntamo-nos: A que se deve essa quase ausência nos pro-
gramas de disciplinas que estudam o texto? Não teria a teoria
enunciativa deste linguista subsídios teórico-metodológicos para
a abordagem do objeto texto?
Essas questões conduzem-nos a uma consulta ao Dicionário
de Linguística da Enunciação (Flores et al., 2009) – importante
obra que sistematiza o campo – em busca de possíveis regis-
tros para o termo texto no âmbito da linguística enunciativa, a
qual comporta Émile Benveniste. O Dicionário apresenta duas
ocorrências para texto: uma no âmbito dos estudos de Ducrot
(Flores et al., 2009, p. 230) e outra no de Récanati (Flores
et al., 2009, p. 230).
33
Informações obtidas a partir da consulta aos sites dos cursos.
34
O advérbio quase, para caracterizar a ausência de Benveniste nas indicações biblio-
gráficas, é utilizado justamente para relativizar tal fato, uma vez que localizamos,
dentre as disciplinas que disponibilizaram seus programas de ensino, exceções que
mencionam o linguista em seus referenciais. Consideramos, para este levantamento,
a citação direta de Émile Benveniste, isto é, a referência aos Problemas de linguística
geral I e II.
93
Carolina Knack | A teoria enunciativa de Émile Benveniste e o estudo do texto...
Além da ausência, no contexto do Dicionário de Linguística
da Enunciação (Flores et al., 2009), de uma definição para o
termo texto relacionado à teoria enunciativa de Émile Benvenis-
te – o que se justifica pelo fato de Benveniste ter como objeto a
enunciação –, é possível verificar que texto também está, assim,
ausente do levantamento de termos e de assuntos contido nos
índices remissivos de PLG I e de PLG II. Essas ausências levam-
-nos a explorar a reflexão do autor em busca de possíveis noções
para texto e de uma explicitação do aporte teórico-metodológico
para a abordagem desse objeto. Assim, o estudo desenvolvido em
Knack (2012) apresenta três objetivos: 1º) explorar justamente a
possibilidade de interlocução da teoria enunciativa benvenistiana
com os estudos do texto; 2º) em se configurando tal interface,
sistematizar as noções teóricas da Enunciação benvenistiana que
sustentariam o trabalho com este objeto, discutindo uma concep-
ção para texto; 3º) a partir das noções sistematizadas, investigar
os aspectos da enunciação implicados na constituição do texto
em suas modalidades falada e escrita. Este artigo retoma, em
especial, o percurso teórico empreendido para o cumprimento
do primeiro objetivo.
A possibilidade de explorar o texto nessas duas modalida-
des delineia-se a partir de nossa leitura de O aparelho formal da
enunciação (PLG II): Benveniste, ao tratar da realização vocal
da língua, pontua que esse é o aspecto menos visto em relação
ao fenômeno geral da enunciação (PLG II, p. 82), de forma que
entendemos ser a realização vocal um fenômeno específico da
enunciação. Nossa tese é corroborada pelo apontamento feito
pelo mestre enunciativo ao final do célebre artigo, quando afir-
ma que “seria preciso também distinguir a enunciação falada
da enunciação escrita” (PLG II, p. 90, grifos nossos), por nós
entendidas como fenômenos específicos da enunciação, cada qual
mobilizando de maneira singular o quadro formal enunciativo
elaborado pelo autor.
94
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
A proposição dessa reflexão sinaliza o desafio assumido na
pesquisa, o qual vem ao encontro da prática docente, uma vez que
tanto os Parâmetros Curriculares Nacionais quanto os Referenciais
Curriculares do Estado do Rio Grande do Sul, conforme abordado
anteriormente, recomendam o trabalho, em sala de aula, com o
texto em suas manifestações oral e escrita.
Para que se possa tratar de texto em suas modalidades falada
e escrita desde uma perspectiva enunciativa benvenistiana35, pro-
pomos uma leitura de um conjunto de artigos de PLG I e PLG
II. Antes, porém, de mergulharmos nos textos benvenistianos,
julgamos ser necessário apresentar algumas reflexões acerca da
produção teórica do linguista, especialmente em relação aos
artigos reunidos nos dois volumes de PLG.
A caracterização de elementos que envolvem seja a produção
seja a publicação de tais textos contribui para o entendimento
do processo de elaboração da sua teoria e, consequentemente,
conduz-nos a refletir sobre o que tem possibilitado, de fato, os
diálogos da teoria benvenistiana não apenas com o campo da
linguística, mas com o da psicanálise, o da fonologia, dentre
outros. Nesse percurso, importa observar, a partir do modo como
a teoria benvenistiana foi lida pela linguística brasileira, como se
institui o diálogo dessa teoria com a área dos estudos do texto
Tais questionamentos e reflexões compõem as próximas seções
deste artigo e encaminham-nos a pensar acerca da possibilidade
35
Cabe, aqui, uma observação quanto ao emprego dos termos oral/oralidade e falada(o):
na obra benvenistiana, encontramos registros de ambos os termos para fazer referên-
cia ao aspecto vocal de realização da língua. Vejamos alguns exemplos (com grifos
nossos): “massa dos escritos que reproduzem discursos orais” (PLG I, p. 267).; “O
discurso, porém, é tanto escrito quanto falado” (PLG I, p. 267).; “o aoristo não se
emprega na língua falada” (PLG I, p. 268).; “difícil conceber um curto texto falado
em que [eu e tu] não fossem empregados” (PLG I, p. 278).; “seria preciso também
distinguir a enunciação falada da enunciação escrita” (PLG II,p. 90).; “fraseologia,
que é a marca frequente, talvez necessária, da ‘oralidade’” (PLG II, p. 90).; “sequência
dada de sons que a natureza falada, vocal, da língua exigiria” (PLG II, p. 225). Esses
poucos exemplos bastam para evidenciar que o termo falada(o) é mais recorrente
para delimitar enunciação, discurso, texto como vinculados ao aspecto vocal da
língua. Por isso, também optamos pela utilização desse termo em nosso trabalho.
95
Carolina Knack | A teoria enunciativa de Émile Benveniste e o estudo do texto...
de investigação do funcionamento textual-enunciativo em suas
instâncias falada e escrita, tomando como arcabouço teórico a
enunciação de Émile Benveniste.
96
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
coletânea de artigos intitulada Problèmes de linguistique générale
II, publicada na França em 1974.
Tal como grifou Dessons, apesar de ser possível considerar
os trabalhos de Benveniste como particionados em um “setor
filológico e um setor generalista” – este incluindo os estudos
de cunho enunciativo –, e que isso possa dar a impressão de
atividades distintas, o autor defende “trata[r]-se antes de dois
momentos de um mesmo projeto global, que elege a significação
como ponto de vista fundamental sobre a linguagem” (Dessons,
2006, p. 27, tradução nossa). Também Normand (2009a) ar-
gumenta nesse sentido, afirmando ser a referência constante à
significação o que unifica o projeto benvenistiano, o qual consiste
em continuar Saussure e ultrapassá-lo39.
Esses questionamentos acerca do que possibilitaria unificar
as reflexões benvenistianas advêm, sobretudo, dos múltiplos
interesses do linguista e da própria abundância da matéria – se-
gundo Ono (2007), Benveniste publicou 18 livros, 291 artigos
e 300 resenhas críticas. Essa multiplicidade, de certa forma,
atesta que o estudo da linguagem, para o linguista, parece não
poder apresentar-se de maneira sintética, de modo que publicar
em coletânea teria sido a sua única iniciativa para dar forma a
uma Linguística Geral. Isso, segundo a autora (2007, p. 19,
tradução nossa), “pode desconcertar todo aquele que procura
uma linguística edificada passo a passo, de maneira sistemática.”
De fato, o que se convencionou chamar de Teoria da Enun-
ciação em Benveniste advém, também, de um olhar lançado a
posteriori aos textos do linguista e, segundo argumentam Flores
et al. (2008), diz respeito a um conjunto de cerca de vinte arti-
gos escritos ao longo de aproximadamente 30 anos, reunidos e
publicados nos já mencionados PLG I e II. Isso evidencia que
tal teoria não se apresenta como uma proposta teórico-meto-
39
Ultrapassagem que pode ser entendida como o movimento de ir além de.
97
Carolina Knack | A teoria enunciativa de Émile Benveniste e o estudo do texto...
dológica explicitamente elaborada e desenvolvida ao longo dos
anos. Também não há, como afirma Normand (2009a, p. 161),
uma “revolução enunciativa” em Benveniste, pois o interesse do
linguista pelos indícios da presença do homem na linguagem e
na língua é uma constante em suas pesquisas: “a busca dos tra-
ços da subjetividade nas formas linguísticas está presente desde
o início [nos trabalhos de Linguística Geral e frequentemente
nos de gramática comparada] e se teoriza pouco a pouco entre
hesitações e afirmações” (Normand, 2009a, p. 16). Linha a
linha, parágrafo a parágrafo, artigo a artigo, a Teoria da Enun-
ciação desvela-se, ao mesmo tempo em que, confessa Normand,
desvela-se, para ela, o prazer do texto. Benveniste possibilitou
para a atenta leitora uma descoberta:
99
Carolina Knack | A teoria enunciativa de Émile Benveniste e o estudo do texto...
leitura, a da Teoria da Enunciação, segue então o agrupamento
organizado pelo próprio linguista por ocasião da publicação de
PLG I – e diz respeito essencialmente aos artigos integrantes
das seções A comunicação e O homem na língua – e, em PLG II,
segue a distribuição, nessas mesmas seções, organizada pelos
editores sob a supervisão de Benveniste.
Quanto a esses textos que tratam da Enunciação, Normand
destaca que possuem duas particularidades em relação aos demais:
101
Carolina Knack | A teoria enunciativa de Émile Benveniste e o estudo do texto...
especial, com relação ao advento da diversidade dos estudos no
âmbito do discurso” (Flores et al., 2009, p. 11). Isso porque,
nos anos 70, período em que os estudos sobre a Enunciação
começaram a ganhar ênfase na França, chegaram ao Brasil
perspectivas de estudo da linguagem especialmente voltadas ao
discurso, tais como a Análise de Discurso de linha francesa e a
Linguística do Texto. Segundo Cremonese (2007), essas linhas,
e também a Pragmática, acabaram por interferir na introdução
da teoria enunciativa benvenistiana no Brasil, fosse pela leitura
peculiar que fizeram da teoria, fosse pela incorporação de termos
benvenistianos aos seus próprios aparatos teórico-metodológicos.
Quanto a esse último aspecto, podemos citar como primeiro
exemplo a Linguística do Texto, abordada, a seguir, pelo viés de
uma das teóricas mais citadas em indicações bibliográficas de
disciplinas que estudam o texto42: Ingedore Koch. Em Linguística
Textual: uma introdução (1988)43, Koch, em coautoria com Leonor
Lopes Fávero, ao discutir as diferentes concepções de texto e de
discurso no âmbito da Linguística Textual, conclui o seguinte:
102
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
“estrito”) (Fávero; Koch, 1988, p. 25, grifo entre aspas das
autoras, grifo em itálico nosso).
104
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
constituir um “texto”. Todo texto caracteriza-se pela textualidade
(tessitura), rede de relações que fazem com que um texto seja um
texto (e não uma simples somatória de frases), revelando uma
conexão entre as intenções, as ideias e as unidades linguísticas
que o compõem, por meio do encadeamento de enunciados dentro
do quadro estabelecido pela enunciação (Koch, 2004, p. 19-20,
grifo entre aspas da autora, grifo em itálico nosso).
105
Carolina Knack | A teoria enunciativa de Émile Benveniste e o estudo do texto...
do conteúdo), a Semiótica entende que o processo de geração de
sentidos dá-se por meio de um percurso gerativo. Esse percurso
é definido por Greimas e Courtés como um modelo que simula
a produção e a interpretação dos sentidos e que vai, por meio de
mecanismos de conversão, do mais simples e abstrato ao mais
complexo e concreto, compondo-se de três níveis: o fundamental,
o narrativo e o discursivo. É nesse último nível, o discursivo,
que os semioticistas valem-se de aspectos da enunciação para dar
conta da constituição da significação.
Barros (1994) explica que
106
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
Afirma Fiorin (Flores et al., 2009, p. 252) que é Ben-
veniste, de fato, quem serve de fundamento a Greimas para os
estudos discursivos da enunciação. E, como o objeto da Semiótica
é o texto, a enunciação é vista como “instância de mediação, que
assegura a discursivização da língua, que permite a passagem da
competência à performance [fases da estrutura narrativa], das
estruturas semióticas virtuais às estruturas realizadas sob a forma
de discurso.” (Fiorin, 1999, p. 170). Ou seja, o sujeito assume
os esquemas narrativos e os converte em discurso e, ao realizar
essa conversão, projeta no enunciado suas escolhas, as quais
implicam pessoa, tempo e espaço, que remetem à enunciação.
Fiorin (1999, p. 169) explica que Greimas e Courtés,
“com base nos estudos precursores de Benveniste e Jakobson,
esboçaram o que deveria ser um estudo semiótico das categorias
da enunciação.” A incorporação dessas categorias à Semiótica
deu-se por meio da criação de duas operações, cujos termos
Greimas tomou por empréstimo do conceito de shifter (embre-
ante) desenvolvido por Jakobson: a embreagem e a debreagem.
Esses mecanismos, segundo o autor, dão conta da instauração
de pessoa, tempo e espaço no enunciado47.
A partir desses exemplos, podemos perceber que tanto a
perspectiva desenvolvida por Greimas e Courtés quanto a desen-
volvida por Koch acabam por encontrar em Benveniste elementos
que subsidiam diretamente o trabalho que desenvolvem acerca
do texto. Mesmo que Benveniste esteja presente, implícita ou
explicitamente, nas reflexões propostas por essas perspectivas
47
A debreagem pode ser de dois tipos: enunciativa e enunciva. “A primeira é aquela
em que se instalam no enunciado os actantes da enunciação (eu/tu), o espaço da
enunciação (aqui) e o tempo da enunciação (agora)”; já a segunda “é aquela em que
se instauram no enunciado os actantes do enunciado (ele), o espaço do enunciado
(algures) e o tempo do enunciado (então)” (FIORIN, 1999, p. 172, grifos do autor).
Essas duas operações criam, segundo o autor, dois grandes efeitos de sentido: o
de subjetividade e o de objetividade. Já a operação de embreagem, ao contrário
da debreagem, “que é a expulsão fora da instância de enunciação da pessoa, do
espaço e do tempo do enunciado”, consiste num “‘efeito de retorno’ à enunciação,
produzido pela neutralização das categorias de pessoa e/ou tempo e/ou espaço”.
(FIORIN, 1999, p. 173).
107
Carolina Knack | A teoria enunciativa de Émile Benveniste e o estudo do texto...
teóricas, o potencial de sua teoria enunciativa não é explorado,
pois são tomadas de empréstimo somente algumas categorias sem
a consideração do constructo teórico na qual estão fundamentadas.
Além disso, nos exemplos examinados, o texto parece ser
concebido predominantemente como um fenômeno geral, ou seja,
mesmo que se busque dar conta, eventualmente, das especificida-
des do texto falado e do texto escrito, não são discutidas categorias
específicas de análise no interior de cada modalidade – embora a
Linguística do Texto (aqui representada pelos estudos de Koch)
tenha reunido esforços para dar conta do texto em suas moda-
lidades falada e escrita, vinculando-se, sobretudo nos últimos
anos, à Análise da Conversação para dar conta da oralidade48.
No entanto, parece-nos que é o texto escrito, de modo geral,
que tem recebido maior espaço no campo dos estudos textuais.
Além das teorias do texto e do discurso já citadas, destaca-
mos como exemplo também a Análise do Discurso (AD) de linha
francesa, cuja relação com os estudos benvenistianos é um pouco
diferenciada das verificadas até então. Segundo nossa consulta
às referências bibliográficas de disciplinas voltadas ao texto49, a
teórica mais citada no contexto da Linguística brasileira é Eni
Puccinelli Orlandi. Essa autora, referência em AD no Brasil,
desenvolveu uma perspectiva de estudo da linguagem seguindo
os escritos fundadores de Michel Pêcheux. A prática de análise
discursiva desenvolvida por Orlandi considera, na esteira das
concepções peucheutianas, a relação da Análise do Discurso com
48
Citamos como exemplo dessa interface entre a linguística do texto e a análise
da conversação duas obras: uma data de 1999 e intitula-se Oralidade e escrita:
perspectivas para o ensino de língua materna, tendo como autores Leonor Lopes
Fávero – especialista em Linguística Textual –, Maria Lúcia C. V. O Andrade e Zilda
G.O Aquino – voltadas para os estudos de língua falada –, com o tratamento da
interface oralidade e escrita por meio da exploração de textos; a outra obra é mais
recente, data de 2010, e intitula-se Linguística de texto e análise da conversação:
panorama das pesquisas no Brasil – esta é organizada por Anna Christina Bentes
e Marli Quadros Leite e reúne artigos de diferentes pesquisadores, enfatizando o
diálogo entre o campo dos estudos do texto e o da análise da conversação.
49
Cf. seção O texto: um fato enunciativo de linguagem, deste artigo.
108
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
a Linguística, com o Marxismo e com a Psicanálise. A articulação
de saberes de diferentes domínios está diretamente relacionada
com os propósitos da disciplina, a qual, segundo Orlandi (2007),
busca compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho
simbólico constitutivo do homem e da sua história.
112
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
sobre a enunciação. Além dessas perspectivas de pensamento,
Flores et al. (2009) destacam que há, também, em Benveniste,
uma terceira perspectiva: trata-se de
Considerações finais
As reflexões propostas neste artigo, tal como referido na
introdução, inserem-se em uma pesquisa mais ampla, que, de
modo geral, vem responder ao anseio de compreender como o
texto, seja falado seja escrito, pode ser analisado pelo viés da Teoria
da Enunciação de Émile Benveniste; e, em decorrência desse
questionamento, apresentar possibilidades teórico-metodológicas
para a abordagem desse objeto, de forma a fornecer subsídios
para o trabalho com o texto falado e escrito em contexto de en-
sino. Esse é o objetivo maior de nossa pesquisa e para o qual o
presente texto contribui na medida em que examina a instauração
de um campo de saber e suas possibilidades de interlocução com
outro(s) campo(s).
Ao retomar os primeiros movimentos argumentativos da pes-
quisa desenvolvida para a elaboração da dissertação de mestrado
da autora (Knack, 2012), este artigo busca investigar a possibili-
dade de um estudo textual-enunciativo a partir da problemati-
116
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
zação do potencial da teoria benvenistiana para tanto. As leituras
realizadas de fato apontam para a multiplicidade e a riqueza das
reflexões de Émile Benveniste, desvelando possibilidades de
deslocamento, para o campo do texto, de noções propostas pelo
linguista acerca da Enunciação. Exemplos dessas possibilidades
de deslocamento são algumas leituras, apropriações e empréstimos
de conceitos enunciativos efetuados por outras linhas teóricas,
como a Linguística Textual, a Semiótica, a Análise do Discurso.
Nesse âmbito, defendemos que a Teoria da Enunciação
benvenistiana estabelece uma relação de complementaridade com as
demais teorias do texto e do discurso. As perspectivas teóricas que
permitem estudar o texto não se opõem; pelo contrário, justamente
por proporem pontos de vista particulares para objetos também
particulares articulam saberes que, então, complementam-se.
Assim, damos continuidade à pesquisa, justapondo aos
olhares já existentes um outro olhar enunciativo para o texto.
Tomando-se a perspectiva enunciativa benvenistiana como pauta
para o tratamento do texto, alguns efeitos são produzidos nesse
campo de estudos, na medida em que essa teoria permite olhar
o texto para além de um produto: sob a enunciação, o texto passa
a ser mais que um produto acabado, no qual simplesmente se
buscam identificar marcas formais que denotem um sentido ali
construído; o texto, sem que se despreze sua condição de produto
da enunciação – como tal, manifesta as escolhas linguísticas que o
locutor opera na sua relação enunciativa com a língua –, pode ser
entendido também como um processo enunciativo de apropriação
e de atualização da língua pelo locutor e, como processo, o texto
está em constante (re)constituição.
Tratar de enunciação é tratar da presença do homem na
língua, logo, tratar de texto sob tal perspectiva implica considerar
os efeitos advindos dessa presença, posto que o sujeito relaciona-
-se com outros sujeitos – inter-relação permitida e suscitada pela
própria língua, como diz Normand (2009a) –, para constituir
117
Carolina Knack | A teoria enunciativa de Émile Benveniste e o estudo do texto...
sentidos e referências e, assim, viver. Logo, todo texto encerra
a singularidade que essas relações (inter)subjetivas instauram;
estudá-lo requer trazer à luz esse processo único em que cada
locutor, a cada vez que coloca a língua em funcionamento por
um ato individual de utilização, entrelaça pessoa (eu-tu), tempo
(agora) e espaço (aqui) às demais formas da língua para produzir
sentidos e referências, agenciando-os e atualizando-os na instância
textual, seja falada, seja escrita.51
Pretendemos, com a proposta de abordagem de textos
falados e textos escritos pelo viés da Teoria da Enunciação de
Émile Benveniste, contribuir com mais uma ferramenta para
auxiliar os professores de língua portuguesa em sua lida diária
em sala de aula.
No início deste capítulo, ao tratarmos das características
da escrita de Benveniste, pontuamos que Barthes afirmara que
Benveniste possuía algo exorbitante para um erudito: o implícito.
Nesse momento, é oportuno trazermos o questionamento de
Ono (2007, p. 16, tradução nossa), do qual compartilhamos e
tomamos como lema de trabalho: “temos suficientemente lido,
e relido, Benveniste de modo que esse implícito venha à tona,
mostrando um novo horizonte [?]”.
O presente texto resume os primeiros passos de uma pes-
quisa que, acima de tudo, trata-se de um trabalho em que,
incessantemente, lemos e relemos Benveniste, na esperança de
desvendar esses possíveis implícitos que, talvez, revelassem-nos
os horizontes de uma perspectiva enunciativa para o estudo do
texto. Ao passo que o trabalho de Ono (2007, p. 18, tradução
nossa) ambicionou “descobrir as potencialidades dos escritos de
Benveniste em matéria de enunciação”, o nosso almeja descobrir
as potencialidades dos escritos benvenistianos em matéria de texto.
51
Para ver detalhadamente a proposta de abordagem de textos falados e escritos
desenvolvida a partir da teoria enunciativa benvenistiana, consultar Knack (2012).
118
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
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120
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
Capítulo
V
Linguística da
enunciação e ensino:
categorias analíticas para
a avaliação de relatórios de
estágio supervisionado em
língua portuguesa
Silvana Silva52
52
Professora assistente da área de língua portuguesa da Universidade Federal do Pampa
(UNIPAMPA); doutoranda em Estudos da Linguagem, sob a orientação do Prof. Dr.
Valdir Flores, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); participante
do Grupo de Pesquisa Estudos em Linguagem e Currículo (GELC), liderado pelas
professoras Valesca Brasil Irala e Clara Dornelles, na Universidade Federal do Pampa.
53
O SINAES/2003 (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior) visa à
avaliação das instituições federais cuja principal política é a aplicação do ENC
121
Silvana Silva | Linguística da enunciação e ensino: categorias analíticas para a avaliação...
pre a nós, portanto, pensá-los a partir de pesquisas situadas em
âmbitos regionais (Dornelles, 2012 e outras). A questão que
nos move é a seguinte: Como estabelecer critérios para avaliar a
conversão do aluno-estagiário em professor? Dada a ausência de
critérios gerais, valemo-nos de princípios de ordem linguística
para responder a tal questão. Tais princípios serão elaborados a
partir da contribuição da Linguística da Enunciação, em especial
o aspecto operacional da Enunciação (Ono, 2007). Por ora,
apresentaremos uma revisão bibliográfica de alguns trabalhos
sobre estágio supervisionado em ensino de línguas, procurando
entrever neles critérios de avaliação (Dornelles, 2012 e outros).
122
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
de linguagem/ensino de língua(s). Selecionamos, então, três
artigos: Dornelles (2012); Gonçalves e Ferraz (2012) e Brito
(2012), que serão apresentados de forma a que se tente responder
à seguinte questão: a) como distinguir experiências de estágio
bem e mal-sucedidas? b) que critérios de avaliação subjazem a
esta distinção?
125
Silvana Silva | Linguística da enunciação e ensino: categorias analíticas para a avaliação...
Hoje trabalhamos com o gênero Charge, explicamos o que é, o
que aborda e para fazer interpretação de uma. Depois para des-
contrair, trouxemos uma Cruzadinha sobre a Copa do Mundo
(Relatório 1)
Do relato depreende-se que as atividades realizadas com o gênero
Charge enfatizam o contexto de produção. Elas desenvolvem a
capacidade de ação dos alunos; estes passam a ter domínio de
situações comunicativas em que a charge se torna um gênero
producente: contexto de crítica, de sátira, relativas a situações
sociopolíticas; por exemplo, as quais, para produzirem efeito,
precisam estar no conhecimento prévio do leitor. Logo, pen-
samos, uma atividade adequada após a leitura de uma charge
seria a produção de um texto do gênero argumentativo (artigo
de opinião, carta argumentativa, por exemplo), em que o aluno
pudesse expor sua opinião sobre o tema da charge. Todavia, os
alunos-mestre utilizaram, em seguida, uma cruzadinha, gênero
que, potencialmente, não contribui para a reflexão/argumentação
provocada pelo primeiro gênero. Portanto, revela-se, na transpo-
sição didática, uma deficiência no entendimento dos objetivos do
gênero bem como do trabalho nessa perspectiva (Gonçalvez e
Ferraz, 2012, p. 124-5).
A contribuição da Linguística da
Enunciação para a avaliação das
narrativas escritas de estagiários
A Linguística da Enunciação tem, entre outras possibili-
dades, no dizer de Flores e Teixeira (2005, p. 93), “a vocação
descritivista das teorias da enunciação, herdada de Saussure.”
129
Silvana Silva | Linguística da enunciação e ensino: categorias analíticas para a avaliação...
Ainda, a leitura de Ono (2007) da noção de enunciação em
Benveniste revela a fertilidade da teoria enunciativa elaborada
pelo autor, uma vez que é possível depreender cinco aspectos
dessa complexa noção teórica, quais sejam, aspecto vocal, aspecto
operacional da conversão da língua em discurso, aspecto dialógico,
aspecto da temporalidade, aspecto referencial. Para este trabalho,
é relevante explorar o aspecto operacional, isto é, a passagem
de critérios gerais, comuns aos estagiários (critérios de ordem
linguística, do semiótico), à discursivização de tais critérios nos
relatórios particulares de cada um dos professores em formação
inicial (critérios de ordem semântica).
Inicialmente, faremos uma leitura de dois artigos de Ben-
veniste, a saber, “A natureza dos pronomes” (PLG I), onde está
posta a noção de operacionalização da língua, por meio da noção
de dêixis ou indicador de subjetividade e o texto “Forma e sentido
na linguagem” (PLG II), onde estão explicitadas as relações
entre a ordem semiótica e a ordem semântica da língua. Em segui-
da, apresentaremos as definições de agenciamento, apropriação,
apresentadas no Dicionário de Linguística da Enunciação (2009),
as quais complementam o arcabouço teórico para a constituição
da metodologia de análise.
Em “A natureza dos pronomes”, Benveniste mostra que a
língua apresenta dois planos: a) o plano da sintaxe, que contempla
os signos nominais, referenciais, e o paradigma da terceira pessoa,
a chamada não-pessoa; b) o plano do discurso, que contempla
signos vazios, auto-referenciais. A esse segundo plano, pertencem
uma série de signos cuja realidade é algo de muito singular. Nas
palavras do autor, “Eu só pode se definir em termos de locução,
não em termos de objetos, como um signo nominal” (PLG I,
p. 278). Esta série de signos, que refere exclusiva e unicamente
à instância de discurso, é chamada de indicadores e inclui várias
classes, tais como pronomes pessoais, advérbios e locuções ad-
130
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
verbiais. O Dicionário de Linguística da Enunciação (2009) assim
define os indicadores de subjetividade:
134
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
Como apreender o sentido da frase, esta unidade de análise
semântica? É importante explicitar dois conceitos correlatos: agen-
ciamento e apropriação. Após a explicitação destes dois conceitos,
acreditamos ter estabelecido um arcabouço teórico suficiente para
compor a metodologia de análise de relatórios de estágio. Vejamos:
Agenciamento.
Definição: processo de organização sintagmática pelo sujeito.
Nota explicativa: Através do agenciamento, o sujeito organiza
as formas da língua para transmitir a ideia a ser expressa em
seu enunciado.
Termos relacionados: apropriação, referência, sintagmatização
(Flores et al., 2009, p. 47).
Apropriação.
Definição: processo de uso da língua pelo sujeito por meio da
enunciação.
Nota explicativa: Benveniste ressalta que o processo de apro-
priação ocorre com a tomada, por inteiro, da língua. É o esta-
belecimento pelo sujeito de relações com as formas da língua,
de modo a selecionar aquelas que forem compatíveis com a ideia
a ser expressa. [...]
Termos relacionados: atualização, língua, subjetividade.
(Flores et al., 2009, p. 49).
135
Silvana Silva | Linguística da enunciação e ensino: categorias analíticas para a avaliação...
Análise da estrutura do relatório e
relatório de estágio
Tomando a ideia de signo como unidade semiótica e a ideia
de frase como unidade semântica, entendemos que tais conceitos
se concretizam no relatório de estágio supervisionado, respecti-
vamente, pela estrutura do relatório de estágio, isto é, as seções
exigidas pelo supervisor do trabalho e pelo enunciado efetiva-
mente escrito pelo estagiário em relação ao universo discursivo da
escola (dimensão referencial da frase) e a seu próprio desempenho
(dimensão auto-referencial da frase).
É na frase que reconhecemos a indicação de subjetividade
por meio dos índices essenciais de pessoa (eu/tu, em que eu de-
signa o estagiário e tu a imagem do supervisor projetada no rela-
tório), tempo e espaço e os procedimentos acessórios de funções
sintáticas, os quais podem se organizar de forma a atender ou
não aos quatro, entre seis54, critérios de avaliação do relatório de
estágio (a saber, inovação metodológica, percepção da complexi-
dade da escola, coerência entre planejamento e desenvolvimento
das atividades). Em sua plenitude, esses quatro critérios revelam
que o eu projeta para além de tu que deve ser agradado, um ele,
isto é, um terceiro eu/tu que avaliaria o trabalho como inovador,
coerente, formal e independente.
Dessa forma, a indicação de subjetividade é o fator que
garante precisão linguística na avaliação da prática do estagi-
ário, marcada no relatório de estágio. A questão central a ser
respondida é a seguinte: Em que medida o eu agencia signos
que atendem às expectativas gerais do supervisor, marcadas na
54
O segundo, terceiro, quarto, quinto e sexto critérios, a saber, percepção da complexi-
dade da escola, formalidade da escrita, coerência entre plano e aula, independência
do supervisor e atendimento das expectativas do supervisor não serão analisados
neste texto.
136
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
estrutura do relatório e que revelam apropriação plena de ino-
vação metodológica?
137
Silvana Silva | Linguística da enunciação e ensino: categorias analíticas para a avaliação...
Deste relatório de estágio, selecionamos uma seção. Sele-
cionamos o item “Apresentação” para verificar o critério inova-
ção metodológica. O percurso metodológico será o seguinte: 1º)
destaque das frases, no sentido de frase presente em Benveniste
(PLG I, referido acima); 2) identificação e análise dos índices
essenciais de pessoa-tempo-espaço e dos procedimentos acessórios
das funções sintáticas (Aresi, 2011, referido acima); 3) análise
global da relação entre frase e texto (considerando a relação
entre frase e discurso, presente em “A semiologia da língua”,
Benveniste, PLG II).
141
Silvana Silva | Linguística da enunciação e ensino: categorias analíticas para a avaliação...
vocês-turma de EJA. Assim, a ampliação – ou redução – da presença
do tu no relatório pode se constituir, a nosso ver, em um sétimo
critério de aferição da qualidade do relatório de estágio. Esse cri-
tério diz respeito aos índices essenciais da indicação de subjetividade.
Quanto aos procedimentos acessórios, relativos às funções sintáticas,
cremos ser prematuro fazer qualquer afirmação mais categórica.
Seria necessário analisar outras seções do relatório de estágio,
tarefa que deve ser executada em um próximo futuro artigo. De
qualquer forma, considerando as grandes funções sintáticas, a
saber, asseveração, injunção e interrogação, percebemos que a
forte presença da asseveração, alternando movimentos de expansão
em frases com conectores e de redução em frases nominais é um
indicativo de qualidade do relatório de estágio.
Gostaria de encerrar este artigo dizendo que as relações entre
as áreas da Linguística da Enunciação e da Linguística Aplicada/
Letramento do professor estão em fase de criação. Nossa tese de
doutoramento (Silva, 2013) é um dos frutos dessa articulação
que, a nosso ver, está apenas começando.
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143
Silvana Silva | Linguística da enunciação e ensino: categorias analíticas para a avaliação...
144
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
Capítulo
VI
A semantização do
discurso metafórico:
um olhar enunciativo
145
Aline Wieczikovski Rocha, Claudia Stumpf Toldo | A semantização do discurso metafórico...
semântico traz a frase como sua expressão, no emprego das formas
da língua e O aparelho formal da enunciação (1970), quando trata
especialmente sobre o que chama de enunciação.
Queremos destacar que Benveniste amplia o aspecto se-
mântico do seu trabalho, ultrapassando as bases saussureanas.
Reapresenta a forma como sendo a língua no sistema semiótico
cuja função é significar, e o sentido corresponde à frase, que
tem como função comunicar, desempenhando assim seu papel
semântico da língua em dada situação de enunciação, sempre
única e irrepetível.
Nesse cenário de reflexões, apresentamos um diálogo teórico
do pensamento benvenistiano acerca da linguagem que julga-
mos possível para analisar o fenômeno da metáfora em textos
publicitários.
este sim ou não só pode ser pronunciado por aqueles que ma-
nuseiam a língua, aqueles para os quais esta língua é a língua
e nada mais. Nós erigimos, desta forma, a noção de uso e de
compreensão da língua como um princípio de discriminação,
um critério. É no uso da língua que um signo tem existência;
o que não é usado não é signo; e fora do uso o signo não existe.
Não há estágio intermediário; ou está na língua, ou está fora da
língua (PLG-II, 1989d, p. 227).
152
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
Esses dois sistemas apresentam-se na língua em uso da
seguinte forma: na base está o sistema semiótico, enquanto
organização de signos, conforme o critério da significação,
“tendo cada um destes signos uma denotação conceptual e
incluindo numa sub-unidade o conjunto de seus substitutos
paradigmáticos” (Benveniste, 1989d, p. 233). A partir deste
fundamento semiótico, a língua-discurso constrói uma semântica
própria, cuja significação é intencionada e produzida através da
sintagmatização das palavras, considerando que, “cada palavra
não retém senão uma pequena parte do valor que tem enquanto
signo” (Benveniste, 1989d, p. 234).
Esse duplo sistema não está simplesmente presente na lín-
gua, é ele que a movimenta num ritmo tão veloz e, ao mesmo
tempo, sutil que analisá-lo ou desprendê-lo exige um grande
esforço, pois um pertence ao outro, tamanho o poder significante
da língua. E tudo o que se diga sobre isso será sempre incompleto.
Flores (2010) compreende que os níveis “estão numa inter-
relação muito singular, para criar sentido e referência” e esse
mecanismo de inter-relação é denominado, pelo autor, como
transversalidade enunciativa, “a qual se caracteriza por permitir
ver a língua como um todo atravessado pelas marcas da enuncia-
ção”. Assim, os níveis de análise linguística posicionam a metáfora
como uma unidade de análise, logo, construir seu sentido implica
observar a sua capacidade de integração, que respeita ao sentido,
e de distribuição, que condiz à forma. A metáfora inscreve-se,
desse modo, como um fenômeno da língua em ação e, como
veremos, analisá-la significa desmembrá-la e do mesmo modo
reintegrá-la a uma unidade maior, em busca da construção do
sentido. Analisá-la significa, então, trabalhar com a ideia do
sentido novo, do sentido inédito, do sentido outro.
153
Aline Wieczikovski Rocha, Claudia Stumpf Toldo | A semantização do discurso metafórico...
A conversão individual da língua:
um processo semântico
Essas considerações que fazemos acerca da enunciação estão
embasadas em O aparelho formal da enunciação, último texto publi-
cado pelo autor sobre o tema e visto por muitos (cf. Ono, 2007)
como uma síntese do programa teórico de Benveniste. Porém,
desde seus primeiros estudos, Benveniste destaca a importância
do caráter social da língua. Em Saussure após meio século, texto
de 1963, o autor já anuncia sua posição acerca da importância da
língua na sociedade, afirmando que “Não é a língua que se dilui
na sociedade, é a sociedade que começa como língua” (1995a, p. 47).
O aparelho formal da enunciação é um texto que mostra como
Benveniste melhor precisou as questões da forma e do sentido,
apresentando reflexões sobre o emprego das formas e o empre-
go da língua. O teórico observa o emprego das formas como um
correspondente a todas as descrições linguísticas que a ela estão
relacionadas, ou seja, é compreendido como “um conjunto de
regras fixando as condições sintáticas nas quais as formas podem
ou devem normalmente aparecer, uma vez que elas pertencem a
um paradigma que arrola as escolhas possíveis” (Benveniste,
1989e, p. 81), que pertencem ao signo do nível semiótico.
Já o emprego da língua é entendido como “um mecanismo
total e constante que, de uma maneira ou de outra, afeta a lín-
gua inteira” (Benveniste, 1989e, p. 82). O emprego da língua
relaciona-se com a definição de enunciação, o que dificulta a
apreensão do fenômeno, porque é confundido com a própria
língua. Tamanha é a sua necessidade que passa despercebido,
dada a natureza articulada da linguagem.
A enunciação é vista por Benveniste como sendo o “colocar
em funcionamento a língua por um ato individual de utilização”
(PLG-II, 1989e, p. 82), e determina como sua condição especí-
154
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
fica “o ato mesmo de produzir um enunciado, e não o texto do
enunciado, que é nosso objeto. Este ato é o fato do locutor que
mobiliza a língua por sua conta” (Benveniste, 1989e, p. 82).
Essa relação do locutor com a língua é o que determina os carac-
teres linguísticos da enunciação. Deve-se, portanto, “considerá-la
como o fato do locutor, que toma a língua por instrumento, e nos
caracteres linguísticos que marcam esta relação” (Benveniste,
1989e, p. 82). A enunciação é um grande processo, e para o
teórico pode ser estudado sob diversos aspectos, mas, para o
momento, destacam-se os três principais.
O primeiro corresponde à realização vocal da língua, pois
os sons emitidos e percebidos são sempre atos individuais. Cada
um sabe que, “para um mesmo sujeito, os mesmos sons não são
jamais reproduzidos exatamente, e que a noção de identidade
não é senão aproximativa” (Benveniste, 1989e, p. 82-83), isso
porque a enunciação é produzida em diversas situações. O prin-
cípio de que a enunciação supõe a conversão individual da língua
em discurso requer mais uma vez o estudo do sentido, “como o
sentido se forma em palavras, em que medida se pode distinguir
entre as duas noções e em que termos descrever sua interação”
(Benveniste, 1989e, p. 83). A semantização da língua está no
centro deste aspecto da enunciação e conduz à teoria do signo e
à análise da significância.
Percebe-se, então, que “o ato individual pelo qual se utiliza
a língua introduz em primeiro lugar o locutor como parâmetro
nas condições necessárias da enunciação” (Benveniste, 1989e,
p. 83). Nesse sentido, a língua sem a enunciação não passa de
uma possibilidade. Dada a enunciação, ela efetiva-se em discurso.
Benveniste diz: “a enunciação pode se definir [...] como um
processo de apropriação. O locutor se apropria do aparelho formal
da língua e enuncia sua posição de locutor por meio de índices
específicos [...] e procedimentos acessórios” (Ibidem, p. 84).
155
Aline Wieczikovski Rocha, Claudia Stumpf Toldo | A semantização do discurso metafórico...
Assim, assumir a posição de locutor implica postular ins-
tantaneamente o outro diante de si, pois toda enunciação corres-
ponde, ainda que explícita ou implicitamente, a uma alocução,
que automaticamente postula um alocutário. Nesse ato, o locutor
mobiliza a língua pela necessidade de se referir pelo discurso.
Nas palavras de Benveniste:
158
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
159
Aline Wieczikovski Rocha, Claudia Stumpf Toldo | A semantização do discurso metafórico...
229-230), encontramos a constatação de que a função linguística
apresenta duas modalidades: a de significar e a de comunicar. A
primeira respeita à semiótica e é vista como propriedade da língua,
a segunda, à semântica que depende de um locutor colocando a
língua em ação para que se realize.
A partir daí, é possível realizar a descrição semiótica e,
portanto, colocar em prática a modalidade de significar desses
enunciados, ou seja, dar a eles os sentidos dos respectivos signos,
os sentidos do nível semiótico construindo a seguinte relação:
1) Você não vai querer ver este homem irritado e 2) O homem mais
furioso do país. É visível que os sentidos dados a esses enunciados
não correspondem àquele que o texto publicitário oferece, mesmo
que essas descrições tenham em si significado. Assim, é preciso
elevar os signos que compõem a publicidade a um nível superior,
o semântico, que é capaz de dar conta da questão do sentido,
ou seja, ao nível da frase que é “responsável pelo encontro do
sentido e da designação, que embora sua associação apresentam-
-se distintamente”(Benveniste, 1995b, p. 137). Dessa maneira,
poderemos observar que não temos o mesmo sentido, já que
não temos a mesma enunciação. Essa enunciação constrói uma
referência que lhe é própria: o sentido das palavras empregadas
nesta publicidade.
A frase é a expressão do semântico e como tal agrega
particularidades, ou seja, além de apresentar a particularidade
do signo semiótico, é capaz de relacionar-se com as coisas que
estão fora da língua, porque o sentido da frase está relacionado
à situação do discurso e à atitude do locutor. Desse modo,
enunciar “Acredite, você não vai querer ver este carro irritado”
ou “Chegou o Civic Si. O esportivo mais furioso do país” não é
apenas mobilizar a língua, mas dar a ela um sentido singular e
fundado pela língua-discurso, em que o locutor, para transmitir
a ideia, que é sempre particular, seleciona e emprega as pala-
vras de acordo com o sentido pretendido. Nesse caso, o eu que
160
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
enuncia carro irritado e esportivo furioso não é diferente daquele
que enuncia homem irritado e homem furioso, e sim a situação do
discurso, que é “o objeto particular a que a palavra corresponde
no caso concreto da circunstância ou do uso”, ou seja, o referente
(Benveniste, 1989d, p. 231). Pensar a referência é concernir
que a língua-discurso constrói uma semântica própria, porque o
sentido está edificado na passagem da forma vazia à forma plena
de um signo, e, para observar esse processo de semantização do
enunciado metafórico, é fundamental a análise da circunstância
em que a palavra é aplicada.
Dizer que um homem está irritado/furioso é diferente de dizer
que um carro está irritado/furioso, posto que a primeira construção
prevê na descrição do signo homem esse valor, e sua referência
é esse homem, enquanto que a segunda, além de passar por essa
descrição prevista pelo signo semiótico, precisa construir outros
sentidos, porque sua referência está determinada pela palavra
carro, e é aí que a metáfora se constitui, na produção destes
sentidos outros.
O uso da metáfora permite ao locutor convencer o seu alo-
cutário (tu) de que o seu produto é diferenciado, com qualidades
específicas que o potencializam frente aos demais produtos da
mesma categoria, e não o absurdo de que o carro é violento ou
nervoso. Essa compreensão está inscrita na expressão semântica
dos enunciados, que está implantada na enunciação representada
na publicidade.
Pode-se dizer que o eu que enuncia (grupo Honda), enun-
cia em alocução a um tu (leitor/consumidor) o seu produto/
objeto (Civic Si) a partir de uma “realidade de discurso”, a
qual é designada por Benveniste (PLG-I, 1995c, p. 278-279)
como sendo a realidade a que se refere eu ou tu, pois o eu só
será possível na instância da locução, uma vez que significa “a
pessoa que enuncia a presente instância de discurso que contém eu.”
Então, analisar o enunciado da publicidade é pensar no eu como
161
Aline Wieczikovski Rocha, Claudia Stumpf Toldo | A semantização do discurso metafórico...
indivíduo presente na instância discursiva, é pensar também na
situação de alocução, a qual postula o indivíduo alocutado, que
corresponde ao tu do discurso.
As formas irritado e furioso são formas da língua que, ao
passarem pelo trabalho de emprego dessas formas em dada
situação enunciativa, têm um tratamento diferenciado, ou seja,
um tratamento discursivo porque a frase “é a própria vida da
linguagem em ação” (Benveniste, 1995b, p. 139). Assim, a
análise da palavra no domínio semântico precisa comportar além
da análise da forma, que se apresenta de modo rígido, compacto,
também a análise do seu sentido, que está ligado ao modo como
o usuário da língua o emprega na situação de discurso, ou seja,
a cada enunciação.
Observemos, então, a descrição da imagem como colabora-
dora na produção enunciativa, e, posteriormente, a sua capacidade
de significar frente ao domínio da linguagem verbal.
Referências
BENVENISTE, Émile. Saussure após meio século. In: _____ . Proble-
mas de linguística geral I. 4. ed. Campinas: Pontes, 1995a. p. 34-49.
_____ . Os níveis de análise linguística. In: _____ . Problemas de lin-
guística geral I. 4. ed. Campinas: Pontes, 1995b. p. 127-140.
_____ . A natureza dos pronomes. In: _____ . Problemas de linguística
geral I. 4. ed. Campinas: Pontes, 1995c. p. 277-283.
_____ . A forma e o sentido na linguagem. In: _____ . Problemas de
linguística geral II. Campinas: Pontes, 1989d. p. 220-242.
_____ . O aparelho formal da enunciação. In: _____ . Problemas de
linguística geral II. Campinas: Pontes, 1989e. p. 81-90.
_____ . Esta linguagem que faz a história. In: _____ . Problemas de
linguística geral II. Campinas: Pontes, 1989f. p. 29-40.
_____ . Estruturalismo e linguística. In: _____ . Problemas de linguística
geral II. Campinas: Pontes, 1989g. p. 11-28.
169
Aline Wieczikovski Rocha, Claudia Stumpf Toldo | A semantização do discurso metafórico...
FLORES, Valdir do Nascimento; TEIXEIRA, Marlene. Introdução à
Linguística da Enunciação. São Paulo: Contexto, 2008.
FLORES, Valdir do Nascimento. A enunciação e os níveis de análise
linguística. Anais do Seminário Internacional de Texto, Enunciação
e Discurso – SITED. PUCRS: set. 2010, p. 396-402.
170
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
Capítulo
VII
Práticas de letramento,
ensino de línguas
e multimodalidade
na era digital
Elisa Marchioro Stumpf
Aline Aver Vanin
172
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
tempo em que até mesmo os e-mails parecem ultrapassados. As
práticas de ensino de língua precisam estar em conexão com os
gêneros da contemporaneidade, com destaque, aqui, para os
da esfera virtual. É relevante chamarmos a atenção para o fato
de que, enquanto há uma grande parte da população brasileira
sem acesso à informação, uma outra parcela parece ter nascido
com os gadgets nas mãos. Esses últimos, os nativos digitais60, são
capazes de conviver com espantosa naturalidade com cada novo
lançamento tecnológico, adaptando-se às múltiplas modalidades
de interação entre humanos e máquinas.
Portanto, de maneira mais específica, nosso objetivo é
discutir de que forma o mundo digital, no qual muitos alunos
encontram-se praticamente imersos, influencia as práticas de lei-
tura e de escrita. Longe de demonizar tal influência, procuramos
mostrar como essas diferentes tecnologias podem ser utilizadas
a favor do trabalho pedagógico com a língua em sala de aula,
em uma perspectiva que valoriza a interação como princípio
orientador das práticas de linguagem. Além disso, tomamos
como princípio organizador do ensino a prática social, que des-
loca o planejamento de uma sequência de conteúdos ordenados
para uma escolha de textos significativos para o aluno, enquanto
membro de uma dada comunidade. Para Kleiman (2007, p. 5),
tomar a prática social como “ponto de partida e de chegada”
não implica abandonar os conteúdos específicos da disciplina,
mas sim trabalhar com eles em uma perspectiva que enfatize sua
importância na participação efetiva e competente em diversas
práticas sociais por meio da linguagem. O grande desafio que
se coloca para o professor é como determinar quais textos são
significativos, dada a “bagagem cultural diversificada dos alunos
que, antes de entrarem na escola, já são participantes de atividades
60
Expressão cunhada por Marc Prensky (2001) para se referir às pessoas que nasceram
em uma época em que tecnologias digitais são usadas cotidianamente.
173
Elisa Marchioro Stumpf
, Aline Aver Vanin | Práticas de letramento, ensino de línguas ...
corriqueiras de grupos que [...] já pertencem a uma sociedade
tecnologizada e letrada” (Kleiman, 2007, p. 9).
Essas considerações justificam nossa escolha por tomar os es-
tudos sobre letramento como base de nossa reflexão. Ao conceber
que as práticas de leitura e escrita são socialmente situadas, tais
estudos permitem ampliar a consideração de diferentes práticas,
sem colocá-las em posição de maior ou menor prestígio, embora
apontem para a valorização social que algumas delas possuem.
Assim, a ancoragem nesses estudos permite o resgate e o estudo
de diferentes práticas que extrapolam o contexto escolar, mas que
dele podem fazer parte e serem objetos de reflexão e estudo por
parte de alunos e professores. É nesse ponto que a esfera virtual
adentra as práticas de letramento. A propagação dos gêneros da
cibercultura em todos os setores da vida contemporânea propicia
uma reflexão sobre uma reinvenção dos processos de leitura e de
escrita provocada pela influência do meio virtual. Considerando
essas mudanças, nosso texto tem como objetivo central discutir
as práticas de letramento na contemporaneidade, em especial
aquelas fundamentadas nos gêneros da esfera virtual.
O trabalho se divide em três partes. Inicialmente, procura-
mos contextualizar a corrente de estudos que dá suporte a nossa
discussão, mostrando, ainda que de maneira breve, o surgimento
e o desenvolvimento dos estudos sobre letramento. A seguir,
focamos nossa reflexão nas práticas de letramento que podem
fazer uso dos gêneros da esfera digital, com especial atenção às
suas consequências para a leitura e escrita. Por fim, procuramos
debater como incluir tais práticas no ensino de língua materna
ou até mesmo adicional.
Antes de seguir nosso percurso, cabe fazer uma ressalva.
O foco deste artigo recai, inevitavelmente, sobre a sala de aula,
dada a natureza de nossas experiências e trajetórias acadêmicas.
Entretanto, não queremos, com isso, responsabilizar unicamen-
te o professor pela inclusão ou não de práticas de letramento
174
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
relacionadas à esfera digital no seu fazer pedagógico. Sabemos
que discutir essa questão passa por outras instâncias, incluindo
aí aquelas que poderiam garantir uma infraestrutura adequada
e perspectivas de formação continuada para docentes em exercí-
cio61. Nosso objetivo é orientado a fim de mostrar a importância
deste trabalho como algo que possa mobilizar o aluno em uma
aprendizagem significativa e sugerir alguns caminhos possíveis.
175
Elisa Marchioro Stumpf
, Aline Aver Vanin | Práticas de letramento, ensino de línguas ...
nas interações dos sujeitos com os gêneros do discurso com os
quais se convive. Kleiman (1995) afirma que letramento é um
conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema
simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para
objetivos também específicos. Já Soares (2002) mostra que o
letramento está além da ideia da própria prática da leitura e de
escrita, ou do impacto da escrita sobre a sociedade, mas como
estado ou condição de quem exerce as práticas sociais de leitura
e de escrita, de quem participa dos eventos em que a escrita é
parte da interação entre pessoas e do processo de interpretação
dessa interação – isto é, os eventos de letramento.
Os eventos de letramento estão ligados a qualquer situação
em que a escrita é parte da natureza das interações entre os parti-
cipantes. Para Heath (1983), esses eventos são situações em que
a escrita se torna essencial na atribuição de sentido. Os grupos
sociais que têm domínio do uso da escrita mantêm interações,
atitudes, competências discursivas e cognitivas que lhes conferem
condições para interagir em uma sociedade letrada. Contudo,
“na perspectiva dos Estudos do Letramento, não há apenas uma
forma de usar a língua escrita – a reconhecida e legitimada pelas
instituições poderosas, à qual todos têm acesso –, mas há múltiplas
formas de usá-la, em práticas diversas que são sociocultural e
historicamente determinadas” (Kleiman, 2008, p. 490). É por
esse motivo que se defende uma visão plural e multicultural
das práticas de uso da língua. Os contextos sociais nos quais as
produções escritas se inserem não são, necessariamente, aqueles
de maior prestígio; na verdade, quaisquer comunidades de fala
com características discursivas próprias fazem uso da escrita.
Assim, a reflexão sobre práticas de letramento situadas e bem
constituídas levam não só à consciência de um empoderamento
pela linguagem, mas a um posicionamento sobre o lugar dentro
da comunidade discursiva ao qual cada sujeito pertence. Para
176
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
Street (2003), o engajamento em práticas de letramento é sempre
um ato social, e isso afeta a natureza do letramento em progresso.
Além disso, por considerar que os atos de ler e de escrever
são atos de poder e de autoridade, Street (1993) apresenta uma
abordagem ideológica de letramento em detrimento de um mo-
delo autônomo de letramento. Segundo esse último modelo, a
escrita é “um produto completo em si mesmo, que não estaria
preso ao contexto de sua produção para ser interpretado; o pro-
cesso de interpretação estaria determinado pelo funcionamento
lógico interno ao texto escrito” (Kleiman, 1995, p. 22).
Já o modelo ideológico não desconsidera os estudos empre-
endidos, seguindo o modelo autônomo. Entretanto, ele aponta
para o fato de que as práticas que se desenvolvem em torno da
escrita são influenciadas por fatores culturais e relacionadas às
estruturas de poder de uma dada sociedade, o que se reflete de
maneira especial nas práticas escolares de letramento (Kleiman,
1995, p. 38-39). Os Novos Estudos do Letramento mostram que
essas práticas são, na verdade, diversas e socialmente situadas.
Um exemplo é o estudo de Heath (2001) que, ao comparar
eventos e práticas de letramento de diferentes comunidades,
mostra como o que se entende por letramento no processo ini-
cial de escolarização valoriza certas práticas letradas ao invés de
outras. Pode-se dizer que alunos que não conseguem dar conta
das práticas iniciais de letramento não foram suficientemente
treinados da forma como a escola valoriza. A autora mostra, por-
tanto, que alguns estilos cognitivos ou estilos de aprendizagem
são mais importantes para as atividades escolares de leitura e
escrita de textos. Entretanto, tais estilos não se resumem a uma
questão de preferência e/ou habilidade do indivíduo, mas de-
pendem fortemente das práticas iniciais de socialização às quais
uma criança é exposta no grupo social em que é criada. Assim,
práticas valorizadas no âmbito escolar podem ou não ter feito
177
Elisa Marchioro Stumpf
, Aline Aver Vanin | Práticas de letramento, ensino de línguas ...
parte das experiências prévias da criança em diferentes eventos
e práticas de letramento na sua vida pré-escolar.
De acordo com Heath (2001), os eventos e práticas de
letramento que ocorrem em uma comunidade americana de
classe média escolarizada são as que irão se repetir mais tarde
na escola. Ao analisar a leitura de histórias para dormir, a autora
constata que as questões de compreensão de texto seguem uma
certa sequência. Inicialmente, são empregadas questões do tipo
“o que é isso?”, que buscam categorizar e classificar fenômenos e
objetos, bem como compará-los com novas e diferentes ocorrên-
cias. Esse tipo de questão tem uma consequência importante, pois,
segundo a autora (2001, p. 322), “a explicação sobre informações
pontuais é repetida quando se aprende a identificar os tópicos
frasais, escrever esquemas e responder a testes padronizados
que pedem os títulos corretos para cada história, e assim por
diante”62. Ou seja, uma vez aprendida, espera-se que o aluno
consiga descontextualizar essa habilidade e aplicá-la em outras
atividades de leitura, compreensão e escrita de textos.
Após ter atingido o domínio desse tipo de explicação, as
crianças devem, então, fornecer explicações lógicas (“reason-expla-
nations”) ou comentários afetivos, que normalmente vêm depois
das explicações sobre informações pontuais (“what-explanations”),
na ordem dos exercícios de leitura. As explicações lógicas, que
se intensificam nos anos finais do ensino fundamental, diferem
do outro tipo por não apresentarem conteúdo com alto grau de
redundância e por dependerem de conhecimentos detalhados em
um dado domínio. Esse conhecimento, no entanto, é imprevisível
e, muitas vezes, pode extrapolar o conhecimento do professor,
motivo pelo qual muitas vezes tais questões são deixadas como
62
No original: “the what-explanation is replayed in learning to pick out topic sentences,
write outlines, and answer standardized tests that ask for the correct titles to stories,
and so on”. Todas as traduções são de responsabilidade nossa.
178
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
“crédito extra”. Por último, os comentários afetivos figuram no
final de atividades de leitura ou também como “crédito extra”63.
Além disso, espera-se que a criança domine determinados
comportamentos em relação aos momentos de leitura do texto
escrito. Entre eles, fazem parte os estilos de tomada de turno e
maneiras de demonstrar conhecimento. Para a autora, nas prá-
ticas levadas a cabo a partir do evento de contar histórias antes
de dormir, as crianças aprendem a ouvir e a esperar por pistas
que sinalizam sua vez de falar e responder às perguntas, além
de aprender sinais para poder falar em um grupo.
Como se pode constatar, os estudos ancorados nessa pers-
pectiva dão relevo a aspectos que costumavam ser ignorados até
então, tais como as identidades construídas pelos participantes
e as relações de poder que circundam as práticas letradas. Nas
palavras de Ivanic (2004, p. 222), “letramentos são heterogêne-
os, moldados por interesses, epistemologias e relações de poder,
têm consequências para identidade e estão abertos à contestação
e mudança”64.
Nesse sentido, Hall (2005) compreende identidade como
a concepção de sujeito como possuidor de diversas identidades
formadas continuamente, sofrendo mudanças em função das
relações simbólicas que estabelece. O sujeito, então, assume
diferentes identidades em diferentes momentos. Enquanto
membro de um grupo, o indivíduo deve aprender a habitar no
mínimo duas identidades, a falar duas linguagens culturais, a
63
Tais perguntas podem se encaixar em dois tipos de questão, de acordo com a tipo-
logia elaborada por Marchuschi (2001), a saber: perguntas subjetivas e perguntas do
tipo vale-tudo. Em comum a esses dois tipos, está o fato de que são perguntas que
admitem qualquer resposta e, por isso, não podem ser avaliadas propriamente. Isso
revela o quanto a escola não encoraja os alunos a fazer uma relação entre o texto
e as suas vivências e preferências de leitura, o que certamente não contribuiu para
a formação de leitores.
64
No original: “literacies are heterogeneous, are shaped by interests, epistemologies
and power relations, have consequences for identity and are open to contestation
and change”.
179
Elisa Marchioro Stumpf
, Aline Aver Vanin | Práticas de letramento, ensino de línguas ...
traduzir e a negociar entre elas, resultando disso a formação de
culturas híbridas.
Somos socialmente construídos e individualmente orienta-
dos; o indivíduo é, necessariamente, contextualizado, ao mesmo
tempo em que se empenha em irromper desse contexto com
um comportamento individualizado. Ao relacionarem-se com
outros, todas as ações que partem dos sujeitos e daqueles com
quem interagem contribuem para a formação de marcas que os
transformam. É por meio da linguagem que significados do estar
no mundo se concretizam. Mais do que comunicar, a linguagem
serve à elaboração da realidade, e é por meio dela que o sujeito
poderá dizer como a sua realidade se configura e tornar mani-
festo um conjunto de crenças sobre o mundo. Por isso, não se
pode falar em língua sem tratar das identidades de cada sujeito
e dos grupos aos quais se inserem: aprender (sobre) uma língua
significa abrir nossas identidades para mudanças e refletir sobre
essas identidades que assumimos ou que podemos assumir. Para
Simões et al. (2012), por serem expressões das identidades sociais
é que as línguas não existem sem variação: “a variabilidade dos
usos da língua é um recurso para que possamos, no espaço da
linguagem, nos constituir em nossas singularidades, associações
e conflitos identitários” (p. 85).
O ensino de língua, materna ou adicional, está diretamente
ligado à construção das subjetividades dos alunos, e essas estão
indissociavelmente ligadas à construção de suas identidades so-
ciais. Por isso, provocar reflexões a respeito das relações entre as
identidades é essencial para que os aprendizes possam livrar-se de
um pensamento estanque e voltado à crença de que a realidade
é aquela que se apresenta a eles, e não como algo que é a todo o
momento construído. Simões et al. (2012, p. 85) reforçam essa
ideia ao afirmar que “o acesso a novos modos de usar a língua,
especialmente os vinculados à escrita, representa a oportunidade
de [...] pensarmos em nossas identidades não como destinos
180
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
inexoráveis, aos quais estamos submetidos, mas colocá-las em
xeque e realizar escolhas”. Alunos que reflitam sobre aquilo que
aprendem e que saibam negociar sentidos para a realidade são
sujeitos empoderados; eles podem, a partir disso, escolher como
interagir em diferentes grupos sociais e, consequentemente, saber
como posicionar-se em situações diversas.
Nessa linha, defende-se que o ensino vise à dialogicidade,
em detrimento de uma prática monológica, centrada no docente.
Para auxiliar os alunos na construção de suas identidades em
sua comunidade discursiva, as práticas pedagógicas devem ser
orientadas com vistas a tornar visíveis, desafiar e lidar com dis-
cursos oficiais e não oficiais (Lillis, 2003, p. 193). Um discurso
monológico parte do pressuposto de que a comunidade de fala
(neste caso, a escolar) é homogênea, enquanto os objetivos de
um ensino dialógico focam mais na noção de que a comunidade
é heterogênea, isto é, traz consigo múltiplos saberes, os quais
devem ser aproveitados. Para Lillis (2003, p. 198), a língua, bem
longe de ser uma entidade estática, com significados fixos, como
implicado em dicionários, por exemplo, é um fenômeno vivo e
social que carrega significados e contribui dinamicamente para
que esses possam ser elaborados. Somente por meio de práticas
significativas, com o uso de gêneros do discurso próximos da
realidade dos alunos, pode-se levar à consciência do lugar que os
aprendizes podem ocupar e, consequentemente, das identidades
sociais que podem assumir.
Por esse motivo, as práticas que envolvem o uso da lingua-
gem devem implicar a inserção de sujeitos interlocutores em
determinados contextos – ou situações de produção –, visando a
diferentes finalidades de comunicação e a partir de lugares enun-
ciativos diversificados (Rojo, 2004). O acesso a novos modos de
usar a língua ocorre por meio das experiências sociais ao longo
da vida, a partir das quais as práticas e os eventos de letramento
serão apropriados para que só assim o sujeito, consciente de que
181
Elisa Marchioro Stumpf
, Aline Aver Vanin | Práticas de letramento, ensino de línguas ...
pode ter voz, possa circular em diferentes esferas sociais. Em
se tratando da comunidade discursiva virtual, a manipulação
das diversas ferramentas oriundas das novas tecnologias leva à
reelaboração de gêneros discursivos que, na sua multimodalidade,
acabam moldando também as maneiras de falar sobre a realidade.
182
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
diversas instâncias do cotidiano aos inúmeros gêneros discursivos
com os quais os alunos estão em contato, de modo a dar sentido
a esse aprendizado, só pode resultar em bons frutos. Por isso,
é necessário estabelecer uma ponte entre as experiências vividas
pelos alunos e o ensino de língua.
Muitos desses estudantes lidam com as novas tecnologias
com habilidade natural, demonstrando que essas estão arraigadas
às suas atividades cotidianas, como caminhar e conversar. É difícil
ignorar o fato de que a virtualidade não é mais um mundo à parte,
nem que faz parte da realidade, mas é a própria realidade. Na era
contemporânea, não se pode mais dissociar o desenvolvimento
dessa habilidade da influência da interação humano/máquina.
Por isso, deixar de tratar de questões ligadas ao mundo virtual
é deixar escapar a oportunidade de tornar o ensino mais signi-
ficativo. Aliar as tecnologias digitais ao processo de letramento,
promovendo um processo de aprendizado significativo, só pode
levar a um empoderamento social e cultural tanto por parte dos
estudantes como daqueles que ensinam.
Para Silva (2005, p. 63), a cibercultura está relacionada com
“modos de vida e de comportamentos assimilados e transmitidos
na vivência histórica e cotidiana marcada pelas tecnologias infor-
máticas, mediando a comunicação e a informação via Internet”.
Há muito pouco tempo, o espaço virtual era uma realidade
acessível a poucos, com muitas limitações. Essa realidade parecia
distante das massas e conseguir informações poderia levar dias
ou meses. Hoje, cada vez mais pessoas têm acesso às máquinas
e a rede faz parte de suas vidas, assim como qualquer tipo de
atividade cotidiana. Gibson (2010) corrobora essa aproxima-
ção quando afirma que “o ciberespaço, há não muito tempo,
era um lugar específico, em que visitávamos periodicamente,
distinguindo-o do mundo físico familiar. Agora, o ciberespaço
183
Elisa Marchioro Stumpf
, Aline Aver Vanin | Práticas de letramento, ensino de línguas ...
transformou-se. [...] Colonizou o espaço físico”66. O mundo
virtual se confunde com a vida comum, e a hiperconectividade
vem mudando a forma como elaboramos a própria cultura. Isso
se reflete na intensidade com que a informação se propaga, e na
forma como ela está disposta. O ciberespaço trouxe à tona formas
multimodais de comunicação, em que os gêneros discursivos se
desdobram em uma infinidade de maneiras de dizer. Em uma
mesma página da Web, a compreensão de um texto tem o su-
porte de fotografias, figuras, gráficos, hyperlinks, símbolos como
emoticons, cores, sons. Um texto não é somente um conjunto de
parágrafos (bem) encadeados, mas um apanhado de estímulos
multimodais com os quais se aprende a jogar conforme seu uso.
Trata-se da emergência de uma realidade quase palpável.
Para Gee e Hayes (2011), a linguagem sempre englobou a
combinação entre som, palavra, ícone e imagem, e, vista dessa
forma, a ideia de multimodalidade não parece ser tão nova. O que
ocorre é que, hoje, essa multimodalidade é exacerbada, em que
estímulos variados tocam a todos os sentidos de forma intensa.
Os sujeitos que interagem com essas tecnologias recebem um
fluxo muito maior de informações, mas muitas vezes não sabem
o que fazer, ou não conseguem lidar com elas. Desse modo,
aprender a selecionar informações e ler de forma crítica também
são habilidades pressupostas no letramento, especialmente em
práticas que envolvem a ampla multimodalidade e disponibilidade
propiciada pela esfera digital.
Entendendo-se que todo o texto é multimodal em essência
– haja vista a sua materialidade como fruto de múltiplos planos
de construção (Kress; Van Leuween, 1998) –, a leitura e com-
preensão de cada produção constitui um processo de reflexão
sobre a constituição textual. Se cada texto é um conjunto bem
66
No original: “Cyberspace, not so long ago, was a specific elsewhere, one we visited
periodically, peering into it from the familiar physical world. Now cyberspace has
everted. [...] Colonized the physical”.
184
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
formado de modalidades, é necessário levar essa metarreflexão
para a sala de aula. Atualmente, com a presença cada vez mais
constante das tecnologias na vida cotidiana, as atividades de
leitura e de escrita passaram a exigir uma maior consciência não
só sobre o processo de interpretação textual, mas sobre os novos
modos de escrever propiciados pela multimodalidade tecnológi-
ca. Para Ribeiro (2013), há a necessidade de letramentos e do
domínio de ferramentas para o alcance de um grau de seleção e
de decisão cada vez maior em produção textual, e isso implica
mais e novas formas de participação na cultura escrita.
Como afirma Rojo (2007, p. 63), “embora hoje em dia
os textos em ambiente digital estejam, a cada dia mais, multis-
semióticos, multimidiáticos e hipermediáticos (Lemke, 1998),
sua matéria prima é principalmente e desde sempre a linguagem
escrita”. O texto eletrônico, também chamado de hipertexto, tem
tido um grande impacto nas práticas de leitura, pois, embora a
leitura do texto verbal escrito seja necessária, ela já não é mais
suficiente para dar conta dos sentidos do texto. Nas palavras
da autora, “é preciso colocá-lo em relação com um conjunto de
signos de outras modalidades de linguagem que o cercam, ou
intercalam ou impregnam” (Rojo, 2007, p. 65). Nesse sentido,
pode-se dizer que estamos diante de um novo letramento: se
lembrarmos o conceito de Soares trazido anteriormente, para
quem letramento envolve o estado ou condição de quem exerce
práticas sociais de leitura e escrita, então esse letramento fun-
damentado na esfera digital diz respeito a “um certo estado ou
condição que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia
digital e exercem práticas de leitura e escrita na tela” (Soares,
2002, p. 151, grifos da autora).
Para a autora, tais práticas são moldadas pelas tecnologias
digitais de leitura e de escrita, considerando-se dois elementos
que as diferenciam das tecnologias tipográficas, quais sejam, o
espaço de escrita e os mecanismos de produção, reprodução e
185
Elisa Marchioro Stumpf
, Aline Aver Vanin | Práticas de letramento, ensino de línguas ...
difusão da escrita. Em relação ao espaço de escrita, entendido por
Bolter (1991, apud Soares, 2002, p. 149) como “campo físico
e visual definido por uma determinada tecnologia de escrita”,
pode-se dizer que ele causou alterações no que diz respeito às
práticas de escrita e leitura, aos gêneros e usos da escrita e às
relações entre escritor, texto e leitor. Ao contrário do texto em
papel, que tem sua dimensão definida materialmente e é escrito
e lido sequencialmente, o hipertexto tem sua dimensão definida
pelo leitor, bem como seu início, meio e fim, e é lido de forma
multilinear, sem uma ordem predefinida (Soares, 2002, p. 150 ).
De acordo com Soares (2002, p. 153-154), em relação aos
mecanismos de produção, recepção e difusão da escrita, é possí-
vel afirmar que a cultura do texto eletrônico é análoga à cultura
do manuscrito, visto que ambos não são estáveis e rigidamente
controlados. O texto eletrônico também encurta a distância entre
autor e leitor, já que o leitor torna-se autor ao escolher, entre as
múltiplas possibilidades, a estrutura do texto. Em relação à ques-
tão da autoria, é importante lembrar que a internet trouxe uma
importante alteração com relação a esse aspecto, visto que esse
meio “possibilita a publicação e distribuição na tela de textos que
escapam à avaliação e ao controle de qualidade” (Soares, 2002,
p. 155), o que exige do leitor um letramento crítico para decidir
a respeito da qualidade e confiabilidade dos textos disponíveis
no meio digital.
As implicações da multimodalidade
tecnológica para o ensino
Novas tecnologias levaram a mudanças significativas no
modo de pensar e agir do homem contemporâneo. Com a hi-
perexposição e o uso desenfreado da rede, concepções sobre o
aprendizado, especialmente o da leitura e da escrita, ganham
186
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
novos questionamentos. Tendo em vista que não se pode mais
pensar numa linearidade nem em apreensão, em termos de cons-
trução de conhecimentos, é urgente refletir também sobre o modo
como as pessoas estão se comunicando na rede. As tecnologias
digitais propiciaram o desenvolvimento da multimodalidade
em termos não só digitais, mas da própria atividade letrada. As
pessoas passaram a utilizar mais a escrita e a leitura nesses meios,
e o domínio das ferramentas digitais disponíveis leva também a
mudanças importantes sobre as formas de expressão.
189
Elisa Marchioro Stumpf
, Aline Aver Vanin | Práticas de letramento, ensino de línguas ...
em potencial, que deve ser recuperada no momento de escrita, os
gêneros que circulam na Web podem ter uma interação mais real
e, dessa forma, facilitar para o aluno a definição do seu interlocu-
tor no momento da escrita. Assim, ao invés de produzir um texto
somente com o propósito de ser avaliado, muitas vezes apenas
pelo professor, o aluno terá que produzir um texto adequado à
situação de produção e publicação, definindo seu propósito para
então escolher o gênero e os recursos que vai utilizar para, enfim,
compartilhar em sua comunidade de fala, lugar onde socializam
suas ideias e opiniões. A concretização de ideias utilizando os
diversos gêneros emergentes na esfera virtual, uma realidade
significativa para os alunos, aproxima-os dos propósitos alme-
jados nas práticas de letramento: que essas práticas de leitura e
de escrita, socialmente construídas nas interações com os demais
sujeitos da comunidade de fala, levem a uma construção contínua
de identidades e, consequentemente, à oportunidade de escolher
modos de expressão e de posicionamento em seu grupo social.
Para finalizar, gostaríamos de destacar um ponto relativo
ao uso da tecnologia em sala de aula. Pouco adianta introduzir
novas ferramentas e manter velhas práticas de ensino. Uma aula
expositiva terá o mesmo efeito se for com o texto escrito no quadro
ou projetado em uma tela. As novas tecnologias de informação e
comunicação implicam o surgimento de novos modos de interação
e são esses novos modos que devem ser objeto de reflexão em
sala de aula. Nossa proposta é mostrar como as práticas sociais
em que os alunos interagem com seus pares, notadamente por
meio do uso de recursos tecnológicos, podem ser aproveitadas
no ambiente escolar para ressignificar o espaço de aprendizado.
Busca-se não apenas aproveitar-se da multimodalidade dos gêne-
ros digitais simplesmente como uma analogia àqueles do passado
(isto é, a carta que foi transformada no e-mail, que se transformou
numa mensagem em rede social, que, por sua vez, foi sintetizada
em poucas palavras em mecanismos de mensagem rápida via
190
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
smartphones), mas como uma forma de aproveitar os eventos e
práticas de letramento para refletir sobre as mudanças no modo
como as interações ocorrem na contemporaneidade. A escrita
situada e com posicionamento crítico, bem como a habilidade de
leitura e interpretação são instrumentos de poder. E é por meio
de um ensino dialógico, com práticas afinadas com a realidade
dos aprendizes, atento aos novos gêneros da contemporaneidade
que se constroem identidades que determinarão os lugares de
cada indivíduo em seus grupos sociais. Ao proporcionar aos
alunos a possibilidade de estabelecer interações significativas
tanto com o texto enquanto objeto de estudo quanto com outros
membros de sua comunidade, o ensino de língua torna possível
uma apropriação significativa das práticas de linguagem que
permitem a participação social.
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194
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
Capítulo
VIII
Alguns conceitos-chave
da semiótica do texto:
funcionalidade no ensino
da leitura na escola
Elisane Regina Cayser1
Marlete Sandra Diedrich2
Patrícia Valério3
195
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério | Alguns conceitos-chave da semiótica...
têm clareza acerca do que deve ser abordado, analisado, quando
se fala em compreensão textual.
O letramento que vem sendo oferecido aos alunos, tanto
do ensino fundamental quanto do médio, geralmente está muito
vinculado – se não restrito – ao livro didático, o que leva a dizer
que esse tem papel fundamental na formação de leitores. Tal cons-
tatação justifica nossa opção por, na sequência, analisar a prática
pedagógica a partir do que é apresentado em livros didáticos.
Os documentos oficiais apontam para o interesse de se
renovar a prática de ensino através da não-fragmentação do
conhecimento, o que possibilitaria, então, a verdadeira formação
do sujeito para a cidadania (PCNEM, 1999).
Na área de língua materna, isso implicaria a necessidade de
se desprender de um ensino tradicionalmente voltado à nomen-
clatura gramatical, adotando uma linha enunciativo-discursiva,
em que a linguagem seja vista como forma de interação entre
sujeitos, o que remete diretamente ao conceito de texto, enquanto
enunciado, o qual estabelece o vínculo entre dois interlocutores
que, como tal, interagem num determinado tempo e num de-
terminado espaço social.
Primando por isso, os livros didáticos deveriam propor ati-
vidades de leitura que possibilitassem essa formação de um leitor
proficiente, capaz de reconstruir os sentidos do texto através da
comparação, da generalização, da análise dos recursos linguísticos
empregados e dos efeitos criados por eles, sendo capaz, inclusive,
de posicionar-se em relação ao texto quanto à visão de mundo
por ele apresentada.
Na maioria das vezes, porém, o que se verifica é a existên-
cia de uma prática de leitura que oscila entre dois polos: de um
lado, a subjetividade extrema; de outro, a objetividade extrema.
Na primeira perspectiva, tem-se a supremacia do leitor
sobre o texto – o que vale é o tema e a opinião que o leitor tem
196
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
a respeito dele. Nesse caso, o texto funcionaria como mero pre-
texto para discutir posições pessoais ou do grupo, sem a análise
de aspectos relativos à construção dos sentidos no texto, através
da materialidade linguística.
Na segunda perspectiva – a da objetividade extrema –,
tem-se a supremacia do texto em detrimento dos interlocutores
e das suas visões de mundo, dos seus conhecimentos.
Marcuschi (1996), em meados dos anos 1990, fazendo uma
análise de livros didáticos de língua portuguesa, constatou que os
manuais nada mais apresentavam do que uma série de atividades
de “copiação”, não servindo, portanto, ao desenvolvimento da
habilidade leitora. Segundo ele, a grande maioria das questões
era de ordem formal, raramente estimulando uma reflexão crítica
acerca do texto. Apesar de necessárias ao entendimento do texto,
tais questões não são suficientes para tanto.
O mesmo estudo também constatou serem frequentes os
exercícios que indagavam sobre opiniões pessoais, os quais, como
já dito anteriormente, apenas se apoiam no texto como trampolim
para discussões de posições individuais e, portanto, não contestá-
veis pela materialidade linguística. Ao final da análise de algumas
obras, o autor constatou que mais da metade dos exercícios de
compreensão apresentados pelos manuais escolares podiam ser
divididos em quatro categorias; “a) perguntas respondíveis sem
a leitura do texto; b) perguntas não respondíveis, mesmo lendo
o texto; c) perguntas para as quais qualquer resposta serve; d)
perguntas que só exigem exercício de caligrafia” (idem, p. 7).
Essas categorias demonstram uma inadequação conceitual
sobre a compreensão textual e o próprio desenvolvimento cogni-
tivo dos alunos. A primeira falha, e da qual a seguinte decorre, é
o tratamento da língua como um código estanque e transparente,
e não como atividade constitutiva – através da qual se constroem
sentidos –, cognitiva e uma forma de ação entre interlocutores.
197
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério | Alguns conceitos-chave da semiótica...
Dada a opacidade da língua, não se pode imaginar que
todos os sentidos estejam objetivamente inscritos no texto. A
polissemia existe e a pluralidade de significados é resolvida
através do acionamento de conhecimentos compartilhados entre
os interlocutores, seja no texto escrito, seja no oral. Justamente
dessa interação é que surge a ideia de compreensão como uma
espécie de coautoria, através da qual os sentidos são construídos
em parceria entre quem produz e quem ouve/lê o texto.
Essa concepção de compreensão defendida por Marcuschi
acaba por obrigar um redimensionamento no segundo equívoco
conceitual cometido pela escola: a visão de texto como depositório
de informações acabadas e imutáveis e no qual deve ser buscada
uma única resposta ou, num outro extremo, qualquer resposta.
Como, no processo de leitura, são desencadeados processos
cognitivos através dos quais são acionados conhecimentos de
mundo distintos, cada texto pode suscitar diferentes – mas não
infinitas – inferências, ou seja: entender um texto implica criação
de sentidos, e não passividade. Nas palavras de Marcuschi (idem,
p. 10), age-se sobre os textos, e não simplesmente reage-se a eles.
O autor estabelece, a partir dessas considerações, cinco ní-
veis em que podem ser lidos os textos. O mais básico deles seria
aquele em que somente há uma repetição do texto original; no
segundo, definido como horizonte mínimo de leitura, o texto é
parafraseado e a leitura ainda é vista como a busca de informa-
ções objetivamente postas no texto; no terceiro nível – horizonte
máximo – estaria a leitura das entrelinhas, o que compreende a
tomada de conclusões a partir de inferências feitas sobre o texto;
no quarto patamar – horizonte problemático – encontrar-se-iam
as leituras que extrapolam o texto através de uma sobreposição
do conhecimento de mundo do leitor/ouvinte sobre o texto; no
quinto e último nível estaria situada a leitura inadequada, em
que o leitor/ouvinte, dependendo das condições de enunciação,
198
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
depreende outro sentido diferente daquele inicialmente inten-
cionado no texto.
Para o autor (idem), a falha na concepção de língua e de
texto evidenciada pelos livros didáticos desconsidera o fato de que
a compreensão não pode se restringir àquilo que está linearmente
posto no texto. Compreender é, antes, construir – ativamente,
portanto – um sentido, o que acaba por aproximar a recepção e
a produção textual, já que necessariamente quem compreende
está produzindo outro texto, paralelamente, através da negociação
dialógica entre leitor, autor e texto, a qual é influenciada por vários
fatores, sobretudo pelas condições de produção e recepção dos
enunciados. Isso leva à confirmação de que os livros didáticos, no
aspecto referente à compreensão de textos, além de desvinculados
das necessidades da nossa época, desconsideram o avanço dos
estudos teóricos acerca da língua.
Especificamente quanto à compreensão de textos no livro
didático, o autor reforça que a questão que se coloca não é a
ausência de tais atividades, mas sim a sua natureza, que confunde
compreensão com decodificação, não levando a uma reflexão
crítica sobre o texto e pressupondo sua monossemia. Nesse
sentido, Marcuschi formula uma tipologia para as questões de
compreensão encontradas nos manuais didáticos (2008, p. 271-
272), assim resumida:
• Perguntas do cavalo branco de Napoleão – em que a
resposta já se encontra embutida na própria pergunta.
• Cópias – questões que sugerem a mera transcrição de
trechos textuais.
• Objetivas – questões em que a resposta encontra-se em
conteúdos objetivamente inscritos no texto.
• Inferenciais – questões que exigem processos inferenciais
que englobam conhecimentos textuais e outros.
199
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério | Alguns conceitos-chave da semiótica...
• Globais – questões que consideram o texto em sua totali-
dade e, por isso, exigem processos inferenciais complexos.
• Subjetivas – questões que se relacionam superficialmente
com o texto, sendo a resposta de ordem pessoal e, por
isso, inquestionável. Também são problemáticas por,
frequentemente, solicitarem respostas de acordo com a
ideologia pregada pela escola.
• Vale-tudo – questões que usam o texto como pretexto
para discussão de assuntos aleatórios a ele. Também
possibilitam respostas de cunho pessoal.
• Impossíveis – questões que indagam sobre conteúdos
não presentes no texto, sendo que a resposta depende
de conhecimentos enciclopédicos unicamente.
• Metalinguísticas – questões que indagam sobre assuntos
de ordem formal.
O nível fundamental
No nível fundamental, os sentidos são o mais abstratos
possíveis, os quais são, depois, nos níveis subsequentes de estru-
turação do texto, gradativamente revestidos por elementos mais
concretos, existentes no mundo real ou fictício. Caracterizam-se,
também, como sendo os mais simples: liberdade vs. dominação,
vida vs. morte etc. Dessa forma, para que se possa estabelecer
a semântica do nível fundamental, é necessário selecionar dois
termos, ambos pertencentes à mesma categoria semântica, que se
opõem entre si. É a partir desses dois termos que se constrói todo
o sentido do texto, sendo que cada um dos termos recebe – em
dado texto – um valor: positivo ou negativo, valores esses que
aparecem inscritos no próprio texto, e não no sistema axiológico
do leitor. No caso de a categoria liberdade ser valorizada positiva-
mente, diz-se que ela é eufórica, enquanto a categoria dominação
passa a ser valorizada negativamente, ou seja, configura-se como
disfórica. A título de exemplificação, pode-se citar o que diz
Fiorin (1997):
O nível narrativo4
Para Barros (1997), as estruturas narrativas simulam tanto a
história do homem em busca de valores ou à procura de sentido
quanto a dos contratos e dos conflitos que marcam os relaciona-
mentos humanos. Em suma, a sintaxe narrativa trata, fundamen-
talmente, das mudanças de estado dos sujeitos – figurativizáveis
por uma pessoa, uma coletividade, um animal – em relação ao
objeto – figurativizável por um lugar, uma situação, um desejo.
A partir dessa definição, podem-se estabelecer dois tipos de
enunciados básicos na sintaxe narrativa: o enunciado de estado,
que aponta para uma situação de conjunção ou de disjunção entre
o sujeito e o objeto, e o enunciado de fazer, que aponta para a
transformação das relações existentes anteriormente, explícita
ou implicitamente colocadas no texto. Assim, um sujeito pode
4
É preciso, aqui, distinguir narração de narratividade. Por narração entende-se um tipo
específico de texto, no qual a narratividade é mais explícita, dado que as mudanças
de estado estão ligadas diretamente a personagens circulando em tempos e espaços.
Já por narratividade entende-se um componente básico de todo texto, independente
de sua tipologia, responsável pelas alterações de estado existentes num texto. Dessa
forma, deve ficar claro que o nível narrativo aqui definido não se restringe a textos
unicamente narrativos.
204
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
estar privado de um determinado objeto de desejo, por exemplo,
buscando, através do uso de estratégias diferenciadas – objetos
modais – apoderar-se dele.
A essa mudança de estado chama-se programa narrativo do
texto, através do qual é possível definir se o sujeito se apropria
de um determinado objeto-valor – programa narrativo de
aquisição –, como é o caso do exemplo acima mencionado, ou
dele passa a ser privado – programa de privação.
Fiorin (1997) alerta, sobre isso, para o fato de as narrativas,
em geral, constituírem-se como complexas, nas quais se sucedem
estados de ser e de fazer. Em tais narrativas, quando estruturadas
de uma forma canônica, é possível perceber quatro diferentes
fases encadeadas a partir de pressuposições lógicas:
• a fase da manipulação, em que um sujeito leva outro a
querer ou a dever fazer algo, ou a não querer ou não
dever fazer algo. Essa ação entre sujeitos pode ocorrer
por meio da tentação, da intimidação, da sedução ou
da provocação. Pressupõe-se, então, a existência de um
sujeito manipulado e de um manipulador, os quais, even-
tualmente, podem ser representados pela mesma figura;
• a fase da competência, em que o sujeito destinador, no
dizer de Barros (1997, p. 28), “doa ao destinatário-sujeito
os valores-modais do querer-fazer, do dever-fazer, do
saber-fazer ou do poder-fazer”. Como diz o próprio
nome, é nesta fase que o sujeito se torna capaz de agir,
ou, dizendo de forma mais precisa, de assumir-se como
sujeito da narrativa;
• a fase da performance, em que se efetivam as mudanças
de estado, ou seja, em que o sujeito passa de um estado
de disjunção com determinado objeto-valor para um
estado de conjunção, ou vice-versa;
205
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério | Alguns conceitos-chave da semiótica...
• a fase da sanção, em que se constata a transformação,
podendo, o sujeito, ser punido ou premiado.
O nível discursivo
Por ser o nível discursivo o mais próximo da manifesta-
ção, ele caracteriza-se como sendo a estrutura onde afloram os
elementos mais concretos e, também, mais complexos – porque
variados – do texto. Assim, textos distintos na estrutura discur-
siva por figuras ou temas diversos podem vir a ter, na estrutura
fundamental, as mesmas categorias semânticas de base.
Para Barros (1997),
Madonna e os meninos
A imagem tem a composição clássica de uma pintura renascen-
tista: a luminosa figura da madonna é o centro para o qual todos
os outros elementos do quadro convergem. A madonna, neste
caso, não é “uma” madonna, mas “a” Madonna. E as crianças
não são anjos, mas meninos pobres do Maláui.
Divulgada há alguns dias pelas agências de notícias, a fotografia
de Madonna cercada por crianças africanas é como aqueles
passatempos em que se procuram os sete erros em uma ima-
gem. Há algo fora do lugar ali, embora não seja fácil apontar as
incoerências sem deter-se alguns minutos nos detalhes da foto.
Uma imagem não é apenas uma imagem, mas todo o repertório
de informações prévias que evoca. Olhando Madonna sentada
no chão em um dos países mais pobres do mundo, é impossível
não pensar em tudo o que sabemos sobre ela, sobre celebridades,
sobre filantropia. De alguma forma, todas essas informações vão
sendo processadas em nosso cérebro até que chegamos a um
veredicto íntimo que nos faz: a) ficar indiferentes, b) desconfiar
dos interesses por trás da foto, c) achar que Madonna é uma
pessoa bacana, d) ficar com pena das crianças pobres, e) pensar
que também deveríamos estar fazendo trabalho voluntário.
210
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
211
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério | Alguns conceitos-chave da semiótica...
Não sendo uma pessoa de natureza cínica, daquelas que vê
intenções ocultas por trás de qualquer gesto de generosidade
aparentemente desinteressado, fiquei incomodada com essa
fotografia. Há algo naquela roupa branca, naqueles joelhos
dobrados sobre a terra escura, no olhar indiferente das crianças
em contraste com o olhar estudado da visitante, nas risadas dos
adultos no fundo da foto, na gratuidade do gesto de sentar-se
em meio a crianças sem interagir com elas, que grita para o
espectador: “Oi, você sabe quem eu sou e agora sabe também
que sou tão legal, que nem me importo de estar aqui sujando a
minha calça branca”.
Celebridades usam o trabalho voluntário como uma espécie de
Omo Total da imagem pública. Não há nada que limpe uma
barra e tenha um efeito tão imediato quanto uma boa fotografia
de um astro sujando os sapatos na terra escura do mundo real.
Por outro lado, não há divulgação mais eficiente para uma causa
humanitária do que associá-la a uma celebridade. É um toma lá
dá cá que pode, sim, beneficiar ambos os lados – e é preciso ser
pragmático com relação a isso.
Mas para que a imagem de uma pessoa comprometida com
causas sociais se consolide, como nos casos de Audrey Hepburn,
Lady Di e agora Angelina Jolie, não basta uma viagem ao Haiti e
um sorriso. É preciso persistência e consistência, qualidades que
nem todos os samaritanos de ocasião conseguem desenvolver – o
que me parece ser o caso de Madonna.
No Brasil, que está longe de ter uma cultura de trabalho volun-
tário regular e organizada, as empresas mais antenadas começam
a dar importância a esse tipo de experiência na hora de contratar
funcionários. É um outro tipo de toma lá dá cá – e pode ajudar
o país a começar a usar o seu enorme potencial de solidariedade
de forma mais sistemática.
E mesmo isso pode ser produto, em parte, da visibilidade que
as celebridades vêm dando ao trabalho voluntário. De coração
ou não.
(LAITANO, Cláudia. Madonna e os meninos, Zero Hora,
Porto Alegre, 13 abr. 2013. Segundo Caderno.)
212
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério (Org.) | Ensino de língua e enunciação
O texto de Cláudia Laitano cria, já no título, uma relação
com a madona, tema tradicional na arte sacra cristã, represen-
tada quase sempre como Maria com seu filho Jesus nos braços,
frequentemente cercados por outros personagens. Tal relação se
estabelece tanto no título quanto na imagem que acompanha o
texto verbal. “Menino”, no título, remete à ideia da Virgem Maria
com o menino Jesus, enquanto o texto não-verbal apresenta traços
que confirmam essa leitura inicial: a protagonista Madonna está
no centro, tendo destaque, com um ar de candura reforçado pela
pureza do branco da sua roupa. Ao seu redor, crianças/meninos,
que parecem condenados à pobreza, ao esquecimento. É o olhar
de Madona que leva a luz, que ilumina o futuro dessas crianças.
No nível discursivo, analisam-se as projeções da enunciação
no enunciado. Quanto a isso, pode-se dizer que o texto faz uso
da desembreagem enunciativa, o que implica o uso da 3ª pessoa.
Essa opção traz a ele um efeito de distanciamento daquele que diz
em relação ao que ele diz, ou seja, seguindo uma certa tradição
de objetividade, imparcialidade em relação aos fatos relatados.
Claro que se trata, neste caso, como em todos os outros em que
se opta por um ou outro tipo de desembreagem, de uma ilusão
de distanciamento e imparcialidade, já que a posição do autor
obviamente está presente sempre.
De qualquer forma, ao usar a 3ª pessoa nos dois primeiros
parágrafos do texto e fingir tal objetividade, o enunciador cria
a ilusão de distanciamento e, portanto, adota a posição de mero
locutor, deixando que os outros se sintam assumir a enunciação.
Já no terceiro parágrafo, o discurso passa da impessoalidade
para a 1ª pessoa do plural, e logo no parágrafo seguinte aparece
a 1ª pessoa do singular. A desembreagem enunciativa cria, então,
o efeito de proximidade, de profundo envolvimento com aquilo
que está sendo dito – que Madonna está fazendo uma boa ação
com segundas intenções. É, sim, uma posição pessoal colocada
de forma inequívoca, explícita no texto. Porém, no parágrafo
213
Elisane R. Cayser, Marlete S. Diedrich, Patrícia Valério | Alguns conceitos-chave da semiótica...
seguinte, na linha 19, volta-se à 3ª pessoa – o que equivale a dizer
que, no momento da comprovação da posição adotada, volta-se
a criar um efeito de distanciamento e de maior credibilidade,
solidificando, dessa forma, a posição defendida.
Quanto aos efeitos de realidade ou referente, o discurso copia
o real, tanto por citar elementos de ancoragem que o enunciatário
reconhece como verdadeiros, existentes, como África – conti-
nente pobre, Madonna – cantora pop norte-americana, citação
de celebridades famosas também pelo voluntariado etc., como,
principalmente, pela fotografia que acompanha o texto – não há
como negar que realmente o fato se sucedeu. Como diz Fiorin
(1997, p. 60), na medida em que se tornam “reais as persona-
gens, os locais e os momentos em que os fatos ocorrem, torna-se
verdadeiro todo o texto que a eles se refere”.
Dito isso, resta analisar, no nível das estruturas discursivas,
as pistas da enunciação que favorecem a persuasão do enuncia-
tário: o texto procura instaurar-se, claramente, como verdade,
fazendo o destinatário acreditar nos valores que sustenta. O
enunciador confronta o comportamento de Madonna com o
comportamento de outras celebridades, mostrando que, ao con-
trário de uma ação pontual, para que alguém seja tomado de
fato como altruísta é necessária uma história longa e constante
de ações filantrópicas.
Um recurso muito presente no texto de Laitano é o de
emprego de pressupostos e subentendidos, através dos quais
diferentes vozes se cruzam no texto. Um exemplo pode ser
verificado na afirmação de que “Celebridades usam o trabalho
voluntário como uma espécie de Omo Total da imagem pública”.
A imagem de Omo – produto usado para alvejar, deixar limpas
as roupas – combina perfeitamente com a imagem de Madon-
na sentada, toda de branco, junto às crianças do Maláui. Ora,
Madonna é, sim, uma celebridade. Portanto, subentende-se que
tenha alguma coisa a ser limpa – talvez a sua imagem pública,
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manchada por polêmicas protagonizadas pela cantora. Isso
compõe a astúcia da enunciação – fazer o enunciatário entender
aquilo que o enunciador quer dizer sem, no entanto, ser necessário
que ele tenha dito. Muitos outros procedimentos poderiam ser
analisados neste texto. No entanto, dados os limites deste artigo,
optamos por apresentar esse único caso de subentendido, como
mostra de quão fascinante pode ser o recurso de implicitar para
a construção da persuasão.
Quanto à semântica discursiva, há dois procedimentos pos-
síveis: a tematização e a figurativização, sendo um predominante
em relação ao outro, e não exclusivo. Neste texto, predominante-
mente temático, por analisar um acontecimento em específico, as
figuras também se fazem presentes, especialmente no início do
texto, quando o enunciador já começa elencando elementos que
se opõem entre si e que levam a construir um percurso figura-
tivo. De um lado, tem-se Madonna, caracterizada como figura
luminosa, tanto no texto verbal como no não-verbal; de outro
lado, tem-se as crianças africanas, caracterizadas pela pobreza,
metaforicamente falando, pela escuridão de uma existência repleta
de necessidades (obviamente, do ponto de vista de quem olha
da perspectiva de Madonna, com um conceito ocidentalizado de
qualidade de vida e felicidade).
Esses dois elementos, note-se, estão em oposição. Logo
no início do terceiro parágrafo, porém, o próprio enunciador
trata de fazer a transposição do texto que até então era pre-
dominantemente figurativo para um temático, quando afirma
que “uma imagem não é apenas uma imagem”. Segue-se, pois,
um texto onde predominarão os temas, num tratamento mais
abstrato do mundo, através da análise de valores envolvidos na
questão. Nesse momento, surge a análise da figura do primeiro
eixo, da sua brancura (l. 18), como representante da pureza
de sentimentos, das possibilidades infinitas, de altruísmo, em
oposição ao segundo eixo figurativo: as crianças africanas estão
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no mesmo link semântico de “terra escura” (l. 18), de falta de
possibilidade. O enunciador, porém, já dera pistas de que esta
análise pode estar equivocada: quando afirmara que havia algo
de estranho na imagem, denunciando a sua artificialidade. A
mesma denúncia volta a ser feita quando o texto afirma que o
enunciador ficou incomodado com a formatação da cena para fins
específicos de divulgação de uma imagem pessoal de Madonna: a
não-interação entre a cantora e as crianças, os olhares estudados,
a artificialidade da pose.
Até então, tem-se, no nível fundamental (lembramos que
o nível narrativo não será, intencionalmente, explorado aqui),
uma oposição básica entre a ideia de essência e a de aparência:
a aparência é disfórica, enquanto que só a essência é valorizada
positivamente. Prova disso é o fato de o texto fazer menção à
necessidade de algumas celebridades fazerem filantropia apenas
para “limparem a sua barra”, como “uma espécie de Omo Total”,
trecho, aliás, que está em perfeita sintonia figurativa e temática
com o paradoxo criado entre terra escura – mundo real – sapatos
sujos de barro X astro – aquele que é das alturas, que está acima
das coisas do mundo trivial.
Retomando – até então o texto valoriza positivamente a ideia
de sinceridade, de altruísmo e de solidariedade sem segundas
intenções, condenando atitudes pautadas em um retorno midiático
favorável à construção da imagem da celebridade.
A grande guinada do texto vem, porém, assinalada, na linha
25, quando a autora aponta para “o outro lado” – a de que as
causas humanitárias também ganham com a associação às cele-
bridades, confirmando que é preciso ser, usando suas palavras,
“pragmático” e se dobrar à realidade.
A partir desse ponto, é quebrada a estrutura até então manti-
da em que o disfórico seria a aparência, o externo, posicionamento
que fica mais evidenciado nos dois últimos parágrafos, em que o
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enunciador passa a defender que mesmo uma ação filantrópica
voltada a interesses pessoais de dada celebridade pode ser bené-
fica uma vez que pode criar uma cultura de filantropia junto à
sociedade, que se inspira nos atos dos seus ídolos.
Veja-se, quanto a isso, que o texto em questão pode ser
caracterizado como de uma estrutura complexa, dado que até
um momento parece defender uma posição e, ao final, acaba
por reconsiderar a postura inicialmente adotada, sem, com isso,
tornar-se incoerente. Se em mais do que a metade do texto a
oposição semântica de base era aparência X essência, a partir da
linha 25, mais precisamente da expressão “por outro lado”, a
oposição semântica é substituída pelo fazer X não fazer, em que
o valorizado positivamente é o fazer, a ação benemérita, seja ela
movida por intenções não declaradas ou não. Afinal, de acordo
com o texto, as celebridades podem dar visibilidade ao trabalho
voluntário, assim incentivando os outros a também adotá-lo.
Considerações finais
Buscou-se, com este breve trabalho, refletir acerca das prá-
ticas de leitura de texto adotadas pela escola, sobretudo a partir
daquelas apresentadas pelos livros didáticos, de maneira a mos-
trar que um trabalho consistente em termos de desenvolvimento
de estratégias de leitura mais complexas, que levem o aluno a
perceber a organização textual, demanda um conhecimento
profundo do que seja o texto e, especialmente, da forma como
se constroem, nele, os sentidos.
Para tanto, apresentou-se a Teoria Semiótica do Texto de li-
nha greimasiana, a qual, acredita-se, é um instrumento de grande
valia para o professor para encaminhar reflexões que privilegiem
as inferências, as generalizações e as comparações.
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Especialmente, julga-se que os conceitos referentes à sin-
taxe e à semântica do nível discursivo, bem como os ligados à
semântica do nível fundamental sejam extremamente produtivos
em termos de propiciar a análise dos mecanismos semânticos do
discurso no plano de expressão em textos de gêneros diversos.
Bibliografia
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. São Paulo:
Ática, 1997.
BRASIL/ SEMTEC. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio.
Brasília, DF: MEC/SEMTEC, 1999.
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FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se
completam. 30. ed. São Paulo: Cortez, 1995.
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MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e
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MARCUSCHI, Luiz Antônio. Exercícios de compreensão ou copiação
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