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LETRAMENTOS MÚLTIPLOS

NA ALFABETIZAÇÃO

Autoras: Nice Ewald Lenzi

Rosangela Cristina Machado Bertram

UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (047) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Dr. Malcon Anderson Tafner

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel

Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller
Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald
Profa. Jociane Stolf

Revisão de Conteúdo: Profa. Cristiane Lisandra Danna

Revisão Gramatical: Profa. Camila Thaisa Alves



Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci

Copyright © UNIASSELVI 2011


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

370.414
L575l Lenzi, Nice Ewald.
Letramentos múltiplos na alfabetização /Nice Ewald
Lenzi; Rosangela Cristina Machado Bertram. Indaial :
Uniasselvi, 2011.
150 p.: il.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7830-497-3

1. Alfabetização – letramento.
I. Centro Universitário Leonardo da Vinci.

Reimpressão: Setembro, 2013.


Nice Ewald Lenzi

Possui graduação em Letras (Língua


Portuguesa e Língua Inglesa e respectivas
literaturas) pela Fundação Universidade
Regional de Blumenau, é especialista em
Produção Textual pela Universidade do Vale do
Itajaí e tem Mestrado em Educação pela Fundação
Universidade Regional de Blumenau, na linha de
Discursos e Práticas Educativas. Já atuou como
professora do Ensino Fundamental e Médio, tanto
em escolas públicas como privadas. Além disso, já foi
coordenadora dos Anos Iniciais em escola privada
e atualmente é Gestora Pedagógica e Diretora,
também em instituição privada.

Rosangela Cristina Machado Bertram

Possui graduação em Pedagogia pela


Universidade Regional de Blumenau-FURB/
SC (1994), especialização em Atividades
Integradas nas Séries Iniciais (1995) e Mestrado
em Educação (2010) pela mesma universidade.
Atualmente coordena uma escola da rede municipal
de ensino na cidade de Timbó, SC. Tem experiência
na área da educação infantil, ensino fundamental e
médio. Já atuou como tutora em cursos de Educação
à Distância. Publicou artigos em eventos, revistas e
coletâneas na área de educação.
Sumário

APRESENTAÇÃO...................................................................... 7

CAPÍTULO 1
O Texto e o Contexto da Linguagem na Escola ........................ 9

CAPÍTULO 2
A Articulação entre Alfabetização e Letramento(s) .................. 37

CAPÍTULO 3
Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos ............................. 69

CAPÍTULO 4
A Prática de Múltiplos Letramentos Implica no uso
Competente das Linguagens ................................................ 121
APRESENTAÇÃO
Caro(a) pós-graduando(a):

Múltiplos Letramentos em Alfabetização é o nome da disciplina que iremos


conhecer neste Caderno. Para compreender as múltiplas possibilidades que
essa temática nos permite pensar e trabalhar, é necessário, primeiramente,
que compreendamos muito bem o que é linguagem, língua, letramento e
alfabetização. Para desdobrar esses conceitos numa abordagem teórica que leva
em consideração também a prática, decidimos organizar quatro capítulos.

No primeiro capítulo, apresentaremos nossa concepção de língua e de


linguagem. A partir dessas concepções, refletiremos sobre o que é ser autor e
leitor, a importância dos gêneros orais e escritos na escola, os gêneros discursivos
– primários e secundários e, por fim, a relevância da oralidade na aprendizagem
das crianças, principalmente nos primeiros anos do Ensino Fundamental.

Em seguida, trataremos das questões mais específicas de alfabetização e


letramento, defendendo a proposta de alfabetizar letrando. Além disso, faremos
uma contextualização, de modo a definir quem é esta criança de seis anos que
inicia uma trajetória escolar. A partir disso, apresentaremos algumas propostas
práticas e finalizaremos abordando o letramento escolar.

Já no terceiro capítulo, veremos o papel da escola nos processos de


alfabetização e letramento. Acreditamos que os múltiplos letramentos não
acontecem isoladamente, muito menos de modo fragmentado. Porém, para
a nossa organização didática, estudaremos os letramentos científico, digital/
tecnológico, cartográfico, letramento em história e letramento matemático,
contextualizando-os no espaço escolar. Para cada um dos letramentos, traremos
sugestões práticas de trabalho.

Para finalizar o Caderno, nos propomos a compreender, através da teoria


e da prática, o que é fazer uso competente da(s) linguagem (s), desenvolvendo
habilidades e atitudes. Para tanto, apresentaremos uma proposta prática de
planejamento para o 1º ano do Ensino Fundamental que propicie o trabalho
com os múltiplos letramentos. Planejamento e avaliação também serão
discutidos no capítulo.

As autoras.

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C APÍTULO 1
O Texto e o Contexto da Linguagem
na Escola

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Compreender o que é língua e linguagem.

33 Refletir sobre os gêneros orais e escritos na escola.

33 Apresentar o conceito de gêneros discursivos: primários e secundários.

33 Reconhecer a relevância da oralidade na aprendizagem das crianças,


principalmente nos primeiros anos do Ensino Fundamental.

33 Identificar a escola como um lugar de construção de leitura (leitor) e de escrita


(autor).
Capítulo 1 O Texto e o Contexto da
Linguagem na Escola

Contextualização

Queremos convidar você, caro leitor, a participar dialogicamente deste
primeiro capítulo. Sentimo-nos autoras à medida que pensamos em você,
nosso interlocutor. Fizemos algumas escolhas teóricas, trouxemos reflexões
práticas, ilustrações, comentários e, como resultado, produzimos um texto que
nos une em dialogia, de forma interativa. A interação pode acontecer através de
diferentes formas: este caderno, por exemplo, é uma maneira bem concreta de
se estabelecer a interação entre nós, os autores, e você, estimado acadêmico.
Poderemos refletir sobre os múltiplos letramentos na alfabetização também
através de gêneros literários, textos e imagens da Internet, brincadeiras, jogos,
planejamentos e uma infinidade de possibilidades de diálogo.

Iniciaremos nossos estudos procurando entender a concepção de linguagem


presente em pesquisas e documentos norteadores das práticas de alfabetização
e de letramento, ampliando nossa compreensão em torno do ensino da língua
materna e da aprendizagem de modo geral. Ter clareza quanto à concepção de
linguagem é fundamental não só para o entendimento das teorias, mas também
para validar a prática docente, pois acreditamos que o professor do Ensino
Fundamental, de modo especial dos anos iniciais, deve buscar não somente
os conhecimentos de sua área pedagógica, como também os das ciências da
linguagem e demais áreas. Por isso, abordaremos os gêneros orais e escritos na
escola, a relevância da oralidade (como um resgate da fala e da escuta), a escrita,
a leitura sob uma ótica discursiva, e o ser-leitor.

Nossa expectativa é que você aceite o convite e sinta-se desafiado, à medida


que lê, a refletir teoricamente sobre sua prática docente.

Linguagem, um Conceito
Fundamental para os Múltiplos
Letramentos
Na realidade, toda palavra comporta duas faces.
Ela é determinada tanto pelo fato de que procede Toda palavra serve
de alguém, como pelo fato de que se dirige para de expressão a um
alguém. Ela constitui justamente o produto da em relação ao outro.
interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra (BAKHTIN, 1992,
serve de expressão a um em relação ao outro. p.113).
(BAKHTIN, 1992, p.113)

Comecemos este capítulo pensando na importância que tem a linguagem

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Letramentos Múltiplos na Alfabetização

em nossas vidas. É através dela que lemos e compreendemos o mundo e as


pessoas em nossa volta. Considerando isso, a nossa concepção de linguagem e,
consequentemente, de língua, também é essencial para a prática profissional e
para o nosso entendimento de fala, escuta, escrita e leitura, atividades nas quais
produzimos e atribuímos sentidos em seus diferentes usos sociais.

Observando a tira abaixo, trazemos à tona dois conceitos: o de língua e de


linguagem.

Figura 1 – Tirinha

Fonte: Disponível em: <www.vidasuporte.com.br>. Acesso em: 10 jun. 2011.

Veja que interessante: a resposta do programador não corresponde à


pergunta de seu interlocutor. Um estava se referindo à linguagem de programação
e outro, à língua.

Você já parou para pensar qual é a diferença entre linguagem e


língua?

A gramática de Cereja e Magalhães (2009) explica muito bem


A linguagem é a diferença entre linguagem e língua. A linguagem é um processo
um processo comunicativo pelo qual as pessoas interagem entre si. Pode ser verbal,
comunicativo pelo falada ou escrita; e não verbal, como a música, a dança, a fotografia,
qual as pessoas
por exemplo. Há ainda as linguagens mistas, como as histórias em
interagem entre si.
quadrinhos, o cinema, o teatro e os programas de TV, que podem reunir

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Capítulo 1 O Texto e o Contexto da
Linguagem na Escola

diferentes linguagens, como o desenho, a palavra, o figurino, a música, o cenário


etc. Com o surgimento da era tecnológica, aparece também a linguagem digital,
que permite armazenar e transmitir informações em meios eletrônicos.

Já a língua é um conjunto de sinais (grafemas, sons e gestos) e


Língua é um
de leis combinatórias por meio da qual as pessoas de uma comunidade
conjunto de sinais
se comunicam e interagem. A língua pertence a todos os membros de (grafemas, sons
uma comunidade, por isso faz parte do patrimônio sociocultural de e gestos).
cada coletividade.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa também


esclarecem esses dois conceitos da seguinte maneira:

A linguagem é uma forma de ação interindividual orientada


para uma finalidade específica; um processo de interlocução
que se realiza nas práticas sociais existentes nos diferentes
grupos de uma sociedade, nos distintos momentos da sua
história. (...) Dessa perspectiva, a língua é um sistema de
signos histórico e social que possibilita ao homem significar o
mundo e a realidade. Assim, aprendê-la é aprender não só as
palavras, mas também os seus significados culturais e, com
eles, os modos pelos quais as pessoas do seu meio social
entendem e interpretam a realidade em si mesmas. (BRASIL,
2001, p. 22, grifos nossos).

Veja a seguir um texto curioso que nos remete à relação intrínseca de uma
comunidade com sua língua, mostrando que a língua reflete a história, a cultura e
a identidade de um povo:

BRASIL DE 180 LÍNGUAS

Além do português, há no Brasil aproximadamente 180


línguas indígenas, faladas por 225 etnias. Dessas línguas, 110 são
consideradas em extinção, pelo fato de serem faladas por menos de
500 pessoas.

Estima-se que, em 1500, cerca de 6 milhões de índios


falavam 1078 idiomas. Hoje, a população indígena brasileira
chega, no máximo, entre 440 mil e 500 mil indivíduos. Atribui-se o
desaparecimento das línguas indígenas às pressões políticas do
colonizador e, posteriormente, às necessidades de sobrevivência
das populações indígenas.

Fonte: CEREJA, W. R; MAGALHÃES,T. C. Gramática


reflexiva. 3. ed. São Paulo: Atual, 2009, p. 15.

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Letramentos Múltiplos na Alfabetização

Para termos a clareza de qual concepção de linguagem adotamos, é


necessário, primeiramente, conhecer as concepções existentes, para depois
adequar nossa prática pedagógica, de modo coerente, ao que acreditamos ser
linguagem. Geraldi (2004, p.41) nos apresenta três concepções ao pensar no
ensino da Língua Portuguesa:

1. Linguagem como expressão do pensamento, na qual a


língua é concebida como a gramática tradicional.

2. Linguagem como instrumento de comunicação, que vê a


língua como código ou estrutura.

3. Linguagem como forma de interação, de dialogia. Há uma


valorização da discursividade, dos gêneros orais e escritos,
bem como do contexto social.

Koch (2006) procura explicar como entende língua, sujeito, autor,


É o autor que dá
leitor e texto, dentro de cada uma dessas concepções. Segundo a
sentido ao texto.
autora, na primeira, a língua é entendida como representação do
pensamento e o sujeito, nesse caso, é psicológico, individual, dono
de sua vontade, de seu dizer e de suas ações. O texto é um produto
do autor, cabendo ao leitor captá-lo passivamente. É o autor que dá
sentido ao texto.
O leitor tem o
foco no texto, em Já na segunda concepção, quando a língua é concebida
sua linearidade, como estrutura, Koch (2006) mostra que o sujeito, por sua vez, é
reconhecendo predeterminado pelo sistema e o texto é visto como simples produto
o sentido das
de codificação e decodificação. O leitor tem o foco no texto, em sua
palavras e as
estruturas do texto. linearidade, reconhecendo o sentido das palavras e as estruturas do
texto. O texto é um código que precisa ser decifrado e entendido.

Segundo a mesma autora, se considerarmos a língua dialógica e, portanto,


interacional, como vimos na terceira concepção apresentada por Geraldi (2004),
os sujeitos têm um papel ativo: constroem-se e são construídos no texto. A
leitura passa a ser uma atividade interativa, altamente complexa, de produção
de sentidos, que leva em conta as experiências e os conhecimentos do leitor. O
leitor pode concordar, discordar ou complementar o que foi dito pelo autor. Tanto
um quanto o outro são interlocutores: pessoas que participam, por meio do texto,
de um processo de produção de sentidos. Há, portanto, uma interação entre
autor-texto-leitor.

A teoria que fundamenta essa última concepção é do russo Mikhail Bakhtin,


considerado filósofo da linguagem. Sugerimos a leitura do sexto capítulo de
seu livro Marxismo e Filosofia da Linguagem, que trata da interação verbal,
bem como o adendo Gêneros do Discurso, apresentado na obra Estética da
Criação Verbal.

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Capítulo 1 O Texto e o Contexto da
Linguagem na Escola

BAKHTIN, Mikhail M.; VOLOSHINOV, N.V. (1929). Marxismo e


Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1992. p. 110-127

BAKHTIN, Mikhail M. (1979) Os gêneros do discurso. In M. Bakhtin.


Estética da Criação Verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 261-269

A leitura destes textos é fundamental, pois sua teoria vem sustentando


academicamente muitas pesquisas e fundamentando documentos norteadores
como, por exemplo, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), as Propostas
Curriculares Estaduais, o Programa de Formação Continuada de Professores
dos Anos/Séries Iniciais do Ensino Fundamental (Pró-Letramento) e também
este Caderno, afinal, estamos falando em múltiplos letramentos, considerando a
diversidade de contextos nos quais estamos inseridos.

Para compreendermos o(s) múltiplos letramento(s), torna-se


São as diferentes
essencial adotarmos uma concepção de linguagem e de língua
linguagens e os
que nos permita olhar para além do texto, considerando também variados contextos
o contexto. Isso se refere não somente à escrita, mas também à que darão origem
leitura, à fala e à escuta. O princípio que rege a teoria de Bakhtin é o à diversidade de
dialogismo, lembrando que tanto a fala quanto a escuta têm grande letramentos hoje
importância na interação verbal. São as diferentes linguagens e os conhecidos.
variados contextos que darão origem à diversidade de letramentos
hoje conhecidos.

Conforme Sobral (2005, p. 106), o dialogismo se faz presente nas obras do


círculo de Bakhtin de três maneiras distintas:

a) como princípio geral do agir – só se age em relação de


contraste com relação a outros atos de outros sujeitos: o
vir-a-ser, do indivíduo e do sentido, está fundamentado na
diferença;

b) como princípio da produção dos enunciados/discursos, que


advém de “diálogos” retrospectivos e prospectivos com
outros enunciados/discursos;

c) como forma específica de composição de enunciados/


discursos, opondo-se nesse caso à forma de composição
monológica, embora nenhum enunciado/discurso seja
constitutivamente monológico nas duas outras acepções
do conceito.

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Letramentos Múltiplos na Alfabetização

Simplificando, para Bakhtin, o dialogismo não rege somente


a linguagem, mas a vida, pois considera as relações entre falantes,
ouvintes, autores, leitores. Ninguém é sujeito passivo nestas
relações, pelo contrário, todos têm um papel ativo no diálogo oral ou
escrito. A comunicação não depende só de quem fala, gesticula ou
escreve, mas de quem ouve, vê ou lê.

Atividade de Estudos:

1) Concebendo a linguagem como interação, de natureza dialógica,


qual interpretação você faz da frase ilustrada por Ceó Pontual?

Figura 2 – Frase ilustrada

Fonte: Disponível em: <http://frasesilustradas.wordpress.


com/page/15/>. Acesso em: 12 jun. 2011.

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Capítulo 1 O Texto e o Contexto da
Linguagem na Escola

Antoine-Jean-Baptiste-Marie-Roger Foscolombe de Saint-Exupéry


(29 de junho de 1900, Lyon – 31 de julho de 1944, Mar Mediterrâneo)
foi um escritor, ilustrador e piloto da Segunda Guerra Mundial, terceiro
filho do conde Jean Saint-Exupéry e da condessa Marie Foscolombe.
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2) Qual é a concepção de linguagem que fundamenta os Parâmetros


Curriculares Nacionais? Como você entende o trabalho docente
que adota essa concepção?
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Gêneros Discursivos e Escola – que


Relação é essa?
Sabemos que durante muito tempo o ensino da língua tinha como objeto
suas normas, seu código e a consciência individual.

Geraldi (2004) foi o precursor da ideia do texto como unidade de ensino, com
a publicação do livro “O Texto na Sala de Aula”, organizado como material de apoio

17
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

aos professores. De um ensino baseado em regras e exceções, cujo foco era a


análise da língua e a gramática, passou-se ao ensino procedimental, estudando
o uso da língua na leitura e na escrita, relacionando também a gramática ao
texto. Na prática, esse ensino foi assumindo um caráter mais cognitivo, e o texto
ainda não fora tomado realmente como unidade de ensino, assim como defendia
o autor, e sim visto como um pretexto para ensinar estrutura textual, tipologias,
coesão, coerência, por exemplo.

Só recentemente nas práticas escolares brasileiras a língua


Recentemente nas
passou a ter uma dimensão mais discursiva, tendo como base o aporte
práticas escolares
brasileiras a língua teórico bakhtiniano, em que os gêneros discursivos passam a ser
passou a ter uma instrumentos de ensino. Essa mudança traz muitas implicações para
dimensão mais a prática docente, exigindo novas posturas em relação “ao modo de
discursiva. pensar e ao modo de fazer esse ensino” (ROJO; CORDEIRO, 2004,
p.12). É nesse aspecto que os gêneros orais e escritos tornam-se o
foco de ensino, dando espaço às práticas de letramento, pois há uma valorização
dos usos sociais da leitura e da escrita.

Você deve estar se perguntando: afinal, o que são gêneros


discursivos? Para Bakhtin (2003) são os tipos relativamente
estáveis de enunciado, havendo dois tipos: os gêneros primários
e os secundários. Cada gênero, seja oral ou escrito, é produzido e
entendido dentro de um determinado contexto social, ao qual Bakhtin
chama de campo de atividade humana. Assim, dependendo do lugar
(campo de atividade humana) onde o gênero for produzido,
A criança vai terá características próprias e singulares. Isso acontece com
aprendendo na a linguagem de um modo geral, por exemplo: se estamos
escola que os conversando entre amigos, nosso vocabulário é mais informal,
gêneros são
porém se estivermos em sala de aula, apresentando um trabalho,
diferentes entre
si, e de que é nossa fala será mais científica e formal. No primeiro caso,
preciso usá-los estaremos empregando um gênero primário, fruto do cotidiano e,
com adequação. no segundo, um gênero secundário, mais elaborado, produzido
Os gêneros em campos políticos, científicos, artísticos etc.
primários servem
como instrumentos
para a elaboração
dos gêneros
secundários, assim A escola é o lugar legitimado socialmente para trabalhar a
a criança começa passagem do uso adequado dos gêneros primários aos secundários.
do simples ao “[...] os gêneros primários são o nível real com o que a criança é
complexo, do real confrontada nas múltiplas práticas de linguagem” (SCHNEUWLY et
ao científico.
al., 2004, p.30). A criança vai aprendendo na escola que os gêneros

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Capítulo 1 O Texto e o Contexto da
Linguagem na Escola

são diferentes entre si, e de que é preciso usá-los com adequação. Os gêneros
primários servem como instrumentos para a elaboração dos gêneros secundários,
assim a criança começa do simples ao complexo, do real ao científico. O professor
precisa ter essa clareza ao trabalhar com os gêneros na escola.

Schneuwly et al. (2004) são pesquisadores que se preocupam em


explicar como é possível pensar e aplicar os gêneros orais e escritos na escola
didaticamente. Uma das possibilidades para isso é o trabalho realizado através de
sequências didáticas. “Sequência didática é um conjunto de atividades escolares
organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou
escrito” (SCHNEUWLY et al., 2004, p.97), e tem a finalidade de ajudar o aluno
a dominar melhor um gênero, escrever ou falar de uma maneira mais adequada
numa dada situação de comunicação.

Adaptação das sequências às necessidades dos alunos exige,


da parte do professor:
• analisar as produções dos alunos em função dos
objetivos da sequência e das características do gênero;
• escolher as atividades indispensáveis para a realização
da continuidade da sequência;
• prever e elaborar, para os casos de insucesso, um
trabalho mais profundo e intervenções diferenciadas
no que diz respeito às dimensões mais problemáticas.
(SCHNEWLY et al., 2004, p.111)

Segundo os mesmos autores, ao escolhermos o gênero a ser


Cada gênero é
trabalhado na escola, devemos tomar o cuidado para que nossa
produzido numa
decisão didática não o simplifique. Lembremos que cada gênero é esfera social
produzido numa esfera social diferente e, quando trazido para dentro diferente e, quando
da escola, não pode perder suas características, nem se distanciar trazido para dentro
demasiadamente de seu contexto real, ou seja, ao trazermos o gênero da escola, não
para a sala de aula, o tornamos um material didático, devendo haver pode perder suas
características,
o cuidado para não distanciá-lo de sua função social. Cabe a nós
nem se distanciar
propormos aos alunos situações de comunicação que oportunizem a demasiadamente de
construção de sentidos e o domínio do gênero escolhido. seu contexto real.

Se optarmos em trabalhar uma receita culinária, o ideal é


Vale ressaltar
primarmos pelo espaço adequado: cozinha ou refeitório, termos os que é necessário
ingredientes necessários e aplicarmos o modo de fazer para que o adequar os gêneros
produto final possa ser saboreado e compartilhado. Assim a função às suas funções
social da receita é compreendida, embora a cozinha da escola não sociais, mesmo
seja a mesma da sua casa, ou do restaurante. que tenhamos
nossos objetivos
pedagógicos em
São infinitas as possibilidades do trabalho com os gêneros, vista.
podendo-se optar por contos, parlendas, canções, adivinhas, trava-
19
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

línguas, relatos, entrevistas, fábulas, peças de teatro, na oralidade, por exemplo.


Já na escrita é possível explorar embalagens, cartazes, quadrinhos, convites,
receitas, manual de instrução, poemas, poesias, textos literários e científicos etc.
Vale ressaltar que é necessário adequar os gêneros às suas funções sociais,
mesmo que tenhamos nossos objetivos pedagógicos em vista.

Através do trabalho com os gêneros, podemos enfocar a fala, a escuta,


a leitura e a escrita como habilidades de uma competência discursiva. Para
tanto, o professor dos anos iniciais deve apropriar-se de alguns conceitos e
conhecimentos mais específicos da Língua Portuguesa. Por essa razão, estamos
trazendo para este Caderno conceitos de linguagem, língua, gêneros discursivos
(orais e escritos), sequência didática, dialogismo, leitura, dentre outros que ainda
surgirão no decorrer dos próximos capítulos, porque assumimos uma concepção
de linguagem como forma de interação, em que o contexto social também é
considerado. Isso explica o valor dos gêneros orais e escritos como instrumentos
de ensino e aprendizagem.

Utilizaremos o gênero entrevista para que você conheça um pouco mais


as ideias do psicólogo suíço Bernard Schneuwly, complementando o que já
estudamos até agora.

ENTREVISTA COM BERNARD SCHNEUWLY

O psicólogo suíço Bernard Schneuwly diz que os professores


precisam de material didático para trabalhar com leitura e escrita

Você pode não conhecê-lo pelo nome, mas o trabalho do suíço


Bernard Schneuwly, professor da Universidade de Genebra, já deixou
de ser novidade há algum tempo, principalmente para quem leciona
Língua Portuguesa. Suas ideias sobre gêneros e tipos de discurso e
linguagem oral estão nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Desde
a década de 1980, o psicólogo de 49 anos, doutor em Ciências
da Educação, pesquisa como a criança aprende a escrever. Os
estudos resultaram na criação de sequências didáticas para ensino
de expressão escrita e oralidade. Os conceitos presentes nesse
material didático se difundem aos poucos no Brasil. Schneuwly vem
colaborando com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em
trabalhos na área e pesquisadores da instituição estão publicando
uma coleção com sequências didáticas inspiradas no modelo suíço.
A seguir, os principais trechos da entrevista que ele concedeu à
revista NOVA ESCOLA.
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Capítulo 1 O Texto e o Contexto da
Linguagem na Escola

O que seus estudos propõem de novo no ensino da língua?

Bernard Schneuwly - Colocamos a questão da comunicação


no centro do ensino da língua materna. Esta é a mudança mais
significativa: dar às crianças mais possibilidades de ler, de
escrever textos, de aprender gramática e ortografia em função da
comunicação.

As aulas de gramática devem ser dadas em função dos textos?

Schneuwly - É essencial ensinar as crianças a ler e a produzir


textos. Quando começam a estudar elas têm de realizar essas tarefas
e, de maneira geral, não se dá importância suficiente à questão. Isso
não significa deixar de dar também um pouco de gramática à parte.
É possível fazer isso analisando sentenças complexas extraídas dos
próprios textos. Há ainda uma outra maneira, mais forte na Suíça:
pedir que os estudantes escrevam sentenças que depois são usadas
para análise e aprendizado.

Quanto tempo da aula deve-se dedicar à gramática?

Schneuwly - Em meu país, e eu sei que aqui acontece o


mesmo, cerca de 70% ou 80% do ensino da língua corresponde
à gramática e ortografia e apenas 20% ou 30% à leitura e escrita.
Temos trabalhado para chegar a um equilíbrio. Além disso, acho que
há gramática demais nas séries iniciais e de menos nas finais. Na
Suíça, depois do ensino elementar, os estudantes aprendem apenas
literatura. Mas há problemas gramaticais complexos que poderiam
ser estudados por jovens de 16, 17, 18 anos.

Por que há um peso maior em ortografia e gramática?

Schneuwly - Porque é mais fácil dar aulas sobre esses dois


temas. Existem livros didáticos e dicionários disponíveis. No entanto,
muitos educadores não sabem o que fazer no momento de trabalhar
leitura e escrita. Eles precisam de material para isso.

É o trabalho que o senhor vem desenvolvendo na Suíça?

Schneuwly - Sim. Em 1990 houve uma demanda oficial do


governo para que o grupo de pesquisa do qual faço parte criasse um
material que ajudasse a ensinar expressão escrita e oralidade. Ao
mesmo tempo os docentes diziam, em congressos, que precisavam

21
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

lecionar comunicação, mas não tinham métodos. O fato de os


professores terem pedido mudanças foi muito importante. Era sinal
de que eles estavam prontos para adaptar-se. Mais do que se tivesse
havido uma imposição.

Como é o material?

Schneuwly - São quatro volumes. Um destinado para 1ª e 2ª


séries, um para 3ª e 4ª, outro para 5ª e 6ª e o último para 7ª , 8ª e 9ª.
Em todos eles há uma apostila que deve ser usada pelo aluno e outra
pelo professor, escrita para que ele possa usá-la sem dificuldade,
com apenas um dia de treinamento. São cerca de 40 sequências
didáticas para diferentes tipos de texto: científico, ficção científica,
histórias de aventuras, crítica literária, entre outros.

A oralidade também é trabalhada?

Schneuwly - Sim. As crianças a desenvolvem ao fazer uma


entrevista, participar de um debate ou expor um tema para uma
plateia, por exemplo.

Recursos como esses conseguem mudar o trabalho do docente?


Ou ele precisa de mais formação?

Schneuwly - Esse é um problema importante e sua solução


deve levar um longo tempo. Há dois pontos envolvidos. Um é a
formação inicial. A nova geração tem uma educação melhor e
consegue trabalhar da maneira que propomos com mais facilidade.
Por outro lado, há a necessidade de formar aqueles que já estão na
ativa, que são numerosos. Com o material em mãos, a capacitação
pode se dar na teoria e na prática.

Como as sequências são usadas?

Schneuwly - A criança entra em contato com vários gêneros


de texto que serão vistos novamente no futuro. Na primeira vez
que estuda entrevista, por exemplo, ela está no 4º ano. Nessa
fase, conhece técnicas simples e vai entrevistar um funcionário do
colégio. Ela prepara o questionário, mas aprende que, se formular as
questões espontaneamente, conseguirá melhor resultado. Uma folha
pode ser levada com a relação de perguntas de um lado e, no verso,
palavras-chave. A consulta será feita só se houver problemas. Outra
dica é perguntar algo sobre o que o entrevistado acabou de falar, e
não apenas emendar uma questão da lista na outra.

22
Capítulo 1 O Texto e o Contexto da
Linguagem na Escola

Quando esse mesmo tema será visto novamente?

Schneuwly - No 8º ano, só que com técnicas mais elaboradas.


Nessa fase, os alunos estão estudando os diferentes modos de falar.
Por isso, têm que entrevistar estrangeiros que aprendem francês
em Genebra, ou especialistas em oralidade, como um padre ou um
advogado. Eles vão ouvir, ler, analisar, observar, comparar, fazer,
escrever. Vão aprender também como redigir a abertura do artigo,
apresentando o entrevistado. Nosso método leva à análise e à
produção de um gênero.

O programa se desenvolve em forma de espiral?

Schneuwly - Exatamente. O estudante vê determinado gênero


uma vez, depois uma segunda e, às vezes, até uma terceira.
Debates, por exemplo, são estudados na 3ª, na 6ª e na 9ª séries. A
primeira coisa que ele aprende é a ouvir o que está sendo dito. Isso
porque é importante usar o que o interlocutor disse, integrando as
palavras dele ao seu próprio discurso. Outra coisa: se uma pessoa
fala algo que deve ser contestado, isso deve ser feito de maneira não
agressiva. São muitas as técnicas.

Aprendemos, de maneira natural, os gêneros orais primeiro. Nas


aulas eles devem ser ensinados antes dos escritos?

Schneuwly - Eles podem ser vistos ao mesmo tempo. A escola


não ensina a falar. E os brasileiros, particularmente, se expressam
muito bem. As crianças daqui são fantásticas! O que precisamos é
prepará-las para situações formais, como um debate, uma exposição
para um grupo. Para nós, pode começar ao mesmo tempo, porque a
escrita ajuda a oralidade e vice-versa.

A psicolinguista argentina Emilia Ferreiro defende há mais


de 20 anos a utilização de textos variados, principalmente em
substituição à cartilha. Há relações entre as ideias defendidas
por ela e as suas?

Schneuwly - Acho que dizemos a mesma coisa com outro


nome. Talvez uma diferença esteja no fato de que nós, quando
trabalhamos com um gênero, nos aprofundamos bastante nele. Isso
leva uma semana, duas, até quatro. Uma outra possível diferença
é que Emilia Ferreiro trabalha apenas com os pequenos e nós,
até com os adolescentes. Mas as ideias provavelmente não são

23
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

contraditórias. O importante é que os gêneros representam textos


como são vistos nas situações diárias.

Existe um tipo de texto que só é visto na sala de aula?

Schneuwly - Quando você aprende um gênero durante as


aulas, ele sai da situação social e se transforma num gênero
escolar. Uma entrevista feita nessa situação não é a mesma coisa
que uma realizada por um profissional. Para nós, não há problema
nisso, porque acreditamos que a escola é uma instituição social
onde as pessoas aprendem. Então, é absolutamente necessário
que faça adaptações. Emilia Ferreiro critica as cartilhas por serem
textos que não existem fora da classe. Não concordo com ela
nesse ponto.

Por quê? Isso não é verdade?

Schneuwly - A ideia de Ferreiro é velha porque parece ruim


haver diferença entre a vida real e a escola. É claro que não deve
haver uma grande diferença. Mas alguma, sim. Na escola há uma
situação social real para a aprendizagem. Lá pode-se correr riscos
e cometer erros. Um jornal serve para informar as pessoas. Se
você o leva para a sala de aula, ele não está lá mais para esse fim,
mas para ser aprendido. Queiramos ou não, não é mais o mesmo
contexto social.

Quando um professor leva diversos materiais para a sala de


aula, está trabalhando com diferentes gêneros de texto?

Schneuwly - Não. Gênero é a forma mais ou menos


convencional que um texto assume: uma entrevista, uma receita
culinária, uma história de aventura. Quando você lê um jornal,
por exemplo, há muitos gêneros dentro dele e a criança tem que
aprender isso.

Gêneros são conteúdos ou ferramentas de trabalho?

Schneuwly - São os dois. É muito fácil explicar isso quando se


pega uma receita culinária. Ela é um gênero, tem uma certa forma
linguística, uma estrutura, um vocabulário, mas ao mesmo tempo
é, claro, uma ferramenta usada numa situação de comunicação.
Transmite a uma pessoa como se prepara uma omelete, por
exemplo. Sem essas formas estabelecidas, a comunicação seria

24
Capítulo 1 O Texto e o Contexto da
Linguagem na Escola

muito complicada. Se você não soubesse como é uma entrevista,


como seria nossa comunicação nesse momento?

Os estudantes expostos a essa metodologia aprendem mais do


que a ler e escrever de maneira adequada?

Schneuwly - Com certeza. Por exemplo, quando os ensinamos


a escrever uma carta para um jornal sabemos que, provavelmente,
eles não terão necessidade de produzir muitos textos desse tipo. Mas,
nesse processo, aprenderão também a argumentar. Eles adquirem
capacidades, principalmente capacidades gerais de comunicação.

Fonte: Disponível em:<http://revistaescola.abril.com.br/


lingua-portuguesa/pratica-pedagogica/ensino-
comunicacao-423584.shtml>. Acesso em: 15 jun. 2011.

Atividade de Estudos:

1) Bernard Schneuwly fala, em sua entrevista, da importância de


centralizar o ensino da língua na comunicação. Explica como é o
ensino da língua materna na Suíça e faz um comentário sobre a
fala das crianças brasileiras. Que comentário é esse e como você
o relaciona com o ensino dos gêneros orais na escola?
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2) O que Schneuwly entende por gêneros textuais?


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25
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

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A Importância da Oralidade
Os gêneros orais e escritos não circulam somente dentro da escola, mas
também nas diferentes esferas sociais ou campos de atividades humanas. Por
exemplo, escrever um bilhete para a mamãe é bem diferente que redigir um artigo
científico. Portanto, temos que cuidar para não escolarizar demasiadamente os
gêneros, preservando seus sentidos e seus usos sociais. Na oralidade, não se trata
de ensinar a falar, mas sim adequar a fala aos seus diferentes contextos de uso,

(...) em que a razão de ser das propostas de leitura e escuta


é a compreensão ativa e não a decodificação e o silêncio.
Em que a razão de ser das propostas de uso da fala e da
escrita é a expressão e a comunicação por meio de textos e
não a avaliação da correção do produto. Em que as situações
didáticas têm como objetivo levar os alunos a pensarem
sobre linguagem para poderem compreendê-la e utilizá-la
adequadamente. (BRASIL, 2001, p 21).

Trabalhar a oralidade em sala implica planejar e aplicar atividades


Trabalhar a sistemáticas de fala, de escuta e de reflexão sobre a língua, explorando
oralidade em sala
diferentes finalidades comunicativas. Não é a fala pela fala que
implica planejar e
aplicar atividades garantirá aprendizagens. É necessário sairmos do senso comum e
sistemáticas de ampliar o vocabulário, a compreensão, a reflexão e os usos sociais da
fala, fala/escuta. As atividades devem, preferencialmente, estar ancoradas
de escuta em projetos de estudos, seja qual for a área de conhecimento. Também
e de reflexão sobre podem estar relacionadas à rotina e às ações cotidianas que as
a língua. crianças realizam individualmente e em grupo. Desafios, resoluções
de problemas, exposições orais sobre temas estudados, descrições
de objetos, de pessoas, de lugares, narração de acontecimentos, apresentação
de pesquisas, socialização de tarefas, leitura de seu próprio texto ou de outros
autores, literaturas, são algumas possibilidades de enriquecer a oralidade das
crianças, permitindo uma dimensão discursiva ao trabalho docente.

No que se refere à escuta, também é preciso organizar situações


contextualizadas, em que ouvir atentamente é condição necessária para realizar
determinadas tarefas. Vivemos numa cultura na qual há uma valorização
demasiada da fala e da escrita. Notamos, claramente, nas escolas e também
nas famílias, que as crianças têm dificuldade em ouvir. É uma habilidade
importantíssima, cujo valor precisamos resgatar.

26
Capítulo 1 O Texto e o Contexto da
Linguagem na Escola

Primeiramente, o professor precisa valorizar a escuta e


O professor precisa
oportunizar a construção coletiva de sentidos em relação à fala e à
valorizar a escuta
escuta como, por exemplo, a combinação de regras necessárias para e oportunizar a
o evento comunicativo: ficar quieto e falar quando necessário, esperar construção coletiva
a vez de falar, respeitar a fala do outro, responder às perguntas e de sentidos em
assim por diante. relação à fala
e à escuta.
Sugerimos atividades que utilizem a linguagem oral como situação
comunicativa, discursiva e lúdica: caça ao tesouro e jogos, pois dependem
da compreensão de regras ou pistas para funcionar; construção de histórias
coletivas, em que alguém dá continuidade ao que o colega narra; ouvir e falar
parlendas e trava-línguas; entrevistas com personagens da literatura, fantoches ou
personalidades locais, valorizando a cultura e a história da comunidade; realizar
dramatizações; montar histórias em quadrinhos; criar quadrinhas e apresentá-las
ao grupo; promover gincanas que exigem leitura e compreensão das tarefas; criar
paródias etc.

Devemos propor situações didáticas nas quais essas atividades façam


realmente sentido, das mais simples às mais formais, como seminários, debates,
discursos, entrevistas, apresentação de peças teatrais, dentre outras. Os projetos
e as atividades propostas devem se aproximar da realidade local para que a função
social de um determinado gênero seja absorvida e compreendida pelos alunos.

SUGESTÃO DE LEITURA PARA EXPLORAR OS


GÊNEROS ORAIS: PARLENDAS E POEMAS

HORIZONTE

Se eu apagasse a fina linha


do horizonte
será que o céu cairia
no mar?
E as estrelas e a lua
começariam a navegar?

Ou será que o mar viraria


céu
e os peixes aprenderiam
a voar?

Fardo de carinho, editora Lê, ilustrações de Elvira Vigna

Fonte: Disponível em: <http://www.roseanamurray.


com/poemas.asp>. Acesso em: 10 jul. 2011.
27
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

Salada, Saladinha: Parlendas

Maria José Nóbrega e Rosane Pamplona, organizadoras;


ilustrações Marcelo Cipis.1.ed.São Paulo: Moderna, 2005.- (Coleção
na Panela do Mingau) Figura 3 – Iivro Infantil

As parlendas de “Salada, saladinha”


nos despertam para a dimensão lúdica da
linguagem, que acabamos por esquecer,
à medida que nos afastamos da língua em
sua origem oral e popular. Mas de verdade
o que temos aqui é poesia, não a poesia
lírica e sóbria, mas a poesia-jogo, poesia-
brinquedo, poesia provocação.

Atividade de Estudos:

1) Pesquise e descubra o que são quadrinhas, parlendas e trava-


línguas.
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2) Continue pesquisando e procure obras baseadas nos seguintes


gêneros:

Piadas:_______________________________________________
Trava-línguas: _________________________________________
Quadrinhas: __________________________________________
Contos:______________________________________________
Poemas:_____________________________________________
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28
Capítulo 1 O Texto e o Contexto da
Linguagem na Escola

Refletindo Discursivamente sobre


Escrita e Leitura
Se elegermos o texto como fonte de linguagem dialógica, lugar onde
se constroem múltiplos sentidos estaremos aproximando alfabetização e
letramento, oportunizando a aprendizagem do sistema convencional da
escrita, entendendo a leitura e a escrita como práticas sociais e desenvolvendo
habilidades de ler e escrever.

Segundo os PCNs, a leitura e a escrita são dois processos de A leitura e a escrita


aprendizagem que “devem ocorrer de forma simultânea. Um diz são dois processos
respeito à aprendizagem de um conhecimento de natureza notacional: de aprendizagem
a escrita alfabética; o outro se refere à aprendizagem da linguagem que “devem ocorrer
que se usa para escrever.” (BRASIL, 2009, p.27) de forma simultânea.

Relembrando que estamos pautados numa concepção dialógica


da linguagem, temos o leitor e o autor como sujeitos que interagem
entre si. Tanto o autor quanto o leitor têm seu papel fundamental na
interlocução: ambos são ativos, como vimos anteriormente em Koch
(2006), há uma relação entre autor/texto/leitor.

É função da escola promover situações comunicativas nas quais as


É função da escola
crianças construam-se autoras e leitoras de suas produções, socializando promover situações
seus trabalhos, publicando-os e fazendo-os circular socialmente. Assim, comunicativas nas
se as crianças produzirem poesias, seria interessante apresentá-las quais as crianças
num sarau; se produzirem projetos científicos, organizar uma feira de construam-se
ciências seria uma boa opção de socialização; se produzirem contos autoras e leitoras
de suas produções,
ou narrações, uma tarde ou noite de autógrafos faria aflorar muitos
socializando
sentidos, dentre eles: ser leitor das produções dos colegas e sentir- seus trabalhos,
se autor à medida que produz, sendo prestigiado pela turma, escola, publicando-os e
família, comunidade, conectando a leitura e a escrita ao contexto social. fazendo-os circular
socialmente.

A Construção do Leitor na Escola


A leitura está presente na vida cotidiana de todas as pessoas e perpassa
todos os espaços sociais, sendo legitimada na escola.

29
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

O ser leitor é uma condição inerente ao ser humano, é um exercício cotidiano.


É viver o ato de ler como uma experiência pessoal, que vai ao encontro do desejo
de compreender o mundo (BRASIL, 2009). A compreensão do mundo é o que
alimenta o desejo de ler, é o que fomenta a leitura, é o que forma o leitor.

Edwigws Zaccur, em seu artigo “É chegada a hora e a vez do


O ato de ler como
leitor”, da coleção Cursos da Casa da Leitura (2009, p.42), propõe a
uma experiência
individual e criação do conceito de “ser-leitor como um substantivo composto capaz
social se dá de expressar essa inalienável condição humana, de ler e compreender
quando a leitura o mundo, aprendendo com o vivido [...]”. O ato de ler como uma
é um processo de
experiência individual e social se dá quando a leitura é um processo de
interação entre o
leitor e o texto. interação entre o leitor e o texto. Essa interação só é possível quando o
leitor processa e examina o texto.

É preciso considerar que a leitura tem sempre uma finalidade. Podemos ler
para passar o tempo, buscar uma informação, seguir instruções, realizar uma
atividade, informar-se, enfim, há uma infinidade de finalidades, mas cada uma
é fruto de uma experiência pessoal e social. Sobre a leitura como experiência
pessoal do leitor, Sonia Kramer (2009), no texto “Leitura, experiência e formação”,
nos diz que:

O leitor leva rastros do vivido no momento da leitura para


depois ou para fora do momento imediato, isso torna a leitura
uma experiência. Sendo mediada ou mediadora, a leitura
levada pelo sujeito para além do dado imediato permite pensar,
ser crítico da situação, relacionar o antes e o depois, entender
a história, ser parte dela, continuá-la, modificá-la, redirecioná-
la. (KRAMER, 2009, p. 33-34)

Entender a leitura como uma experiência que liga o passado ao


A formação do presente, e que pode trazer a possibilidade de pensar a experiência
leitor deve ter início vivida, potencializa seu caráter humanizador.
já na Educação
Infantil e continuar
Ser-leitor é uma necessidade em sociedades como a nossa,
ativamente nos
primeiros anos que supervaloriza o ter e que se apresenta, muitas vezes, de forma
de escolarização, desumana e desigual. Percebemos que cada vez mais é preciso
perdurando por humanizar os espaços sociais nos quais estamos inseridos e
toda a vida, pois
acreditamos que a leitura pode ser, sim, uma forma de humanização.
não nascemos
leitores e nossa
habilidade Acreditamos que a formação do leitor deve ter início já na
leitora deve ser Educação Infantil e continuar ativamente nos primeiros anos de
aperfeiçoada escolarização, perdurando por toda a vida, pois não nascemos leitores
continuamente.
e nossa habilidade leitora deve ser aperfeiçoada continuamente.
30
Capítulo 1 O Texto e o Contexto da
Linguagem na Escola

Compartilhar leituras e oferecer oportunidades para que as crianças


descubram os encantos da literatura como uma forma de arte, capaz de torná-
las mais críticas, sensíveis e criativas, é a grande contribuição que a escola pode
dar. Nesse sentido, o professor é um ótimo exemplo de leitor, podendo socializar
e compartilhar

Só aprender a ler não garante a formação do leitor. A formação do leitor se


dá à medida que acontece um encontro do leitor com o texto, o leitor ultrapassa a
decodificação e constrói sentidos, interpretando o texto e ampliando a leitura.

Para Solé (1998, p. 32), “o processo de leitura deve garantir que


A leitura precisa
o leitor compreenda o texto e que pode ir construindo uma ideia sobre ultrapassar a
seu conteúdo, extraindo dele o que lhe interessa, em função dos seus dimensão dos
objetivos”. textos e atingir a
vida, permitindo que
se leia o mundo,
Indo além, a leitura precisa ultrapassar a dimensão dos textos e conforme argumenta
atingir a vida, permitindo que se leia o mundo, conforme argumenta Freire (1997, p.79).
Freire (1997, p.79):

A leitura e a escrita das palavras, contudo, passa pela leitura


do mundo. Ler o mundo é um ato anterior à leitura da palavra.
O ensino da leitura e da escrita da palavra a que falte o
exercício crítico da leitura e da releitura do mundo é, científica,
política e pedagogicamente, capenga.

A partir da reflexão acerca da formação do leitor e do papel da leitura na


escola, gostaríamos de tomar a formação do leitor como ponto de partida para
repensar a sua história como leitor, afinal, você é ou será um formador de leitores,
um promotor de leitura na escola.

Revelar-se como leitor ou recordar o que aconteceu na nossa formação


literária é um bom exercício para compreendermos a complexidade que é a
formação do leitor. Em seguida, compartilharemos com você nossos depoimentos
de como somos e nos sentimos leitoras. Cada uma tem a sua história, as suas
memórias, a sua construção como sujeito leitor/autor.

31
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

Sempre fui interessada por leitura, mas me A minha história é um pouco diferente. Sem-
tornei uma leitora voraz faz pouco tempo, pre gostei muito de escrever, desde peque-
para ser mais exata no ano 2001. Meu pri- na e continuo “pequena” até hoje! Para ter o
meiro contato significativo com a literatura que escrever, precisamos de conteúdo, de
aconteceu nos cursos de formação na área memórias, de alimento “cultural”, “espiritual”,
de leitura promovidos pelo PROLER (Progra- e é essa uma das possibilidades que a lei-
ma de Incentivo à Leitura). Comecei lendo tura nos dá. Sem leituras não temos o que
literatura infantil e infanto-juvenil e hoje sou dizer, nem o que escrever, tão pouco o quê
uma apaixonada pela leitura. Ler é uma das sonhar... Lemos o tempo todo, não é mesmo?
minhas atividades preferidas. Entre minhas Propagandas, placas, outdoors, cardápios,
preferências estão os livros de Monteiro Lo- folder, e-mails, MSN, Facebook, Orkut etc.
bato e Lygia Bojunga. Sinto-me leitora porque Essas leituras nos permitem conhecer o mun-
preciso ler para compreender o mundo e por- do, as pessoas, o contexto no qual vivemos.
que não me canso de ler. Para mim todo dia Isso é fascinante!!!! Na Literatura, também há
é dia de leitura. uma certa magia: podemos conversar com os
autores, como se fossem nossos conhecidos,
(Rosangela) podemos nos colocar no lugar dos persona-
gens e viver aventuras, sem sair de casa. Ler
para mim é viver e crescer por dentro!

(Nice)

Atividade de Estudos:

Depois de você conhecer um pouco sobre como nos tornamos


leitoras, leia o texto “A lição dos leitores”, de Regina Zilberman (2009,
p. 87 - 88), e reflita sobre a sua condição leitor ou leitora.

[...] ficcionistas e poetas revelam-se como leitores, ao


relembrarem como ocorreu sua formação literária: Carlos
Drumonnd recorda a importância que tiveram os 24 volumes
da Biblioteca Internacional de Obras Célebres, publicados
no começo do século XX, engolindo suas noites de sono e
provocando reações irritadas da mãe e do irmão:

[...] Careço ler tudo.


A mãe se queixa: Não dorme este menino.
O irmão reclama: Apaga a luz, cretino![...]

32
Capítulo 1 O Texto e o Contexto da
Linguagem na Escola

Erico Verissimo, não no interior de Minas Gerais, mas no


do Rio Grande do Sul, ouve da mãe advertências similares,
enquanto devora as obras de Júlio Verne:

À noite, na cama, terminei a leitura daquele primeiro tomo de


romance, sem dar atenção às muitas intervenções de D. Bega,
que a intervalos me gritava de seu quarto “Apaga essa luz e
dorme, menino!

Manuel Bandeira, da sua parte, confessa que seu “primeiro


contato com a poesia sob forma de versos terá sido
provavelmente em contos de fada, em histórias da carochinha”
[...]:

Procuro me lembrar de outras impressões poéticas da primeira


infância e eis que me acodem os primeiros livros de imagens:
“João Felpudo”, “Simplício olha pro ar”, “Viagem à roda do
mundo numa casquinha de noz”. Sobretudo este último teve
influência muito forte em mim; por ele adquiri a noção de haver
uma realidade mais bela, diferente da realidade quotidiana, e
a página do macaco tirando cocos para os meninos despertou
o meu primeiro desejo de evasão. No fundo, já era Pasárgada
que se prenunciava.

Drummond, Veríssimo e Bandeira pertencem ao grupo


dos melhores escritores brasileiros; seus depoimentos,
relembrando a infância vivida no começo do século XX,
referem-se a uma época em que não havia televisão, o cinema
engatinhava e o computador não frequentava nem as fantasias
mais alucinadas de Julio Verne e H.G. Wells, profetas de
vários acontecimentos que vieram a se concretizar nas últimas
décadas graças ao desenvolvimento tecnológico.

1) O texto acima indica que a leitura está presente em nossa vida


em diferentes contextos. Para alguns, talvez esse encontro tenha
acontecido no seio familiar, numa biblioteca ou na sala de aula.
Para outros, ainda está por vir. E para você, que papel a leitura
desempenhou em sua vida? Quando foi que você se sentiu leitor?

Escreva sua experiência como leitor:


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Letramentos Múltiplos na Alfabetização

2) A Educação Infantil e os Anos Iniciais do Ensino Fundamental


marcam o início da formação de muitos leitores. É tempo de
investir nessa ideia... Liste livros que contribuem para a formação
do leitor. Pesquise no site da FNLIJ (www.fnlij.org.br) os livros que
receberam alguma premiação nos últimos três anos.
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SUGESTÃO DE LEITURA

SANTOS, Eli Regina Nagel dos. Os efeitos de sentidos acerca


da leitura: com a palavra os alunos. 2010. 138 f, il. Dissertação
(Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em
Educação, Centro de Ciências da Educação, Universidade Regional
de Blumenau, Blumenau, 2010. Disponível em: <http://www.bc.furb.
br/docs/DS/2010/341810_1_1.pdf>. Acesso em: 6 mai. 2010.

34
Capítulo 1 O Texto e o Contexto da
Linguagem na Escola

REVISTA LEITURAS. Disponível em: <http://portal.mec.


gov.br/seb/arquivos/pdf/2006/leituras1.pdf>.

Algumas Considerações

Neste capítulo, compreendemos o texto e o contexto da linguagem na sala
de aula, assim como discutimos a inserção dos gêneros discursivos na escola. E
conversamos um pouco sobre o papel na leitura.

No capítulo II, veremos basicamente os conceitos de alfabetização


e letramento, defendendo a proposta de alfabetizar letrando. Além disso,
contextualizaremos um pouco quem é esta criança de seis anos que inicia uma
trajetória escolar e apresentaremos algumas propostas práticas, finalizando com
o letramento escolar.

Referências
BAKHTIN, Mikhail M. (1979) Os gêneros do discurso. In M. Bakhtin. Estética da
Criação Verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2003.

______; VOLOSHINOV, N.V.(1929). Marxismo e Filosofia da Linguagem. São


Paulo: Hucitec, 1992.

BRASIL, S.E.F. Parâmetros Curriculares Nacionais: 1ª a 4ª série do Ensino


Fundamental (1997); Língua Portuguesa (2º volume). 3. ed. Brasília: MEC/SEF,
2001.

BRASIL. Casa da leitura. Cursos da Casa da Leitura, 2. Rio de Janeiro:


Biblioteca Nacional, 2009.

CEREJA, Willian Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Gramática Reflexiva.


3. Ed. São Paulo: Editora Atual, 2009.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do


oprimido. Sao Paulo : Paz e Terra, 1997.

35
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

GERALDI, João Wanderley (organizador). O texto na sala de aula. 3. ed. rev.


São Paulo: Editora Ática, 2004.

KOCH, Ingelore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos


do texto. 2. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2006.

KRAMER, Sonia. Leitura, experiência e formação. In: Programa Nacional


de Incentivo à Leitura (Brasil).Cursos da Casa da Leitura, 2.-Rio de Janeiro:
Biblioteca Nacional, 2009.

ROJO, Roxane e CORDEIRO, Glaís Sales. Apresentação: Gêneros Orais


e escritos como objetos de ensino: modo de pensar, modo de fazer. In:
SCHNEUWLY, Bernard et al. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas:
Mercado de Letras, 2004. (As faces da lingüística aplicada).

SCHNEUWLY, Bernard et al. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas:


Mercado de Letras, 2004. 278 p. (As faces da lingüística aplicada).

SOBRAL, Adail. Ético e estético. Na vida, na arte e na pesquisa em Ciências


Humanas. IN: BRAIT, Beth. (Org) Bakhtin – Conceitos-Chave. São Paulo:
Contexto, 2005. p. 103-121.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de Leitura. Trad. Cláudia Schilling, 6.ed.-Porto Alegre:


Artmed, 1998.

ZACCUR, Edwiges. É chegada a hora e a vez do leitor? In : Programa Nacional


de Incentivo à Leitura (Brasil).Cursos da Casa da Leitura, 2.-Rio de Janeiro:
Biblioteca Nacional, 2009.

ZILBERMAN, Regina. A lição dos leitores. In: Programa Nacional de Incentivo à


Leitura (Brasil).Cursos da Casa da Leitura, 2.-Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional,
2009.

36
C APÍTULO 2
A Articulação entre Alfabetização e
Letramento(s)

A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Compreender o que é letramento e alfabetização.

33 Contextualizar o letramento no Brasil.

33 Refletir sobre o alfabetizar letrando.

33 Identificar a criança de 6 anos que frequenta o 1º ano.

33 Abordar o letramento escolar.


Capítulo 2 A Articulação entre
Alfabetização e Letramento(s)

Contextualização
Certamente você já ouviu falar em alfabetização e letramento ou, então,
em “alfabetizar letrando”. Em que medida esses dois processos se aproximam
e se distinguem? O que é alfabetizar? E letrar? Nossas práticas pedagógicas
contemplam a alfabetização e o letramento?

Nesse capítulo discutiremos, através de alguns gêneros e autores,


a importância da leitura/escrita em nossa vida e, consequentemente, em
nosso trabalho docente, além de conceituar a alfabetização e o letramento,
contextualizando-os no Brasil. Refletiremos sobre o letrar e alfabetizar, sem perder
de vista os gêneros orais e escritos como práticas sociais. Estaremos também
propondo algumas atividades que privilegiem a alfabetização e o letramento
nas primeiras séries/anos do ensino fundamental. Finalizaremos analisando o
letramento no contexto escolar.

Alfabetizar e Letrar: Texto e


Contexto

Para iniciar os nossos estudos, convidamos vocês para a leitura atenta do
poema abaixo.

Palavras Mágicas

Palavras a gente escreve,


Palavras a gente lê,
Palavras a gente fala
E ouve, sei lá por quê!

Palavras pedem palavras,


Mal acabam de ser ditas:
Tanto faz se são faladas
Ou se apagam com borracha...

Há palavras esquisitas,
Complicadas de falar;
Há palavras já tão ditas
Que eu me cansei de escutar!

39
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

E deve haver as que escondem


Algum tipo de poder:
Condão, magia ou encanto
Pra fazer e desfazer.

Mas quais? São muitas, são tantas!


Quem poderá me dizer?
São mágicas as palavras?
É o que eu queria saber...

Fonte: RIOS, Rosana. Palavras Mágicas.


São Paulo: Ed. Studio Nobel, 2010, p.15.

Ao ler o poema, não fizemos somente uma decodificação de palavras, versos


e estrofes, ou seja, não lemos somente o texto, mas também as entrelinhas, o
seu contexto.

Para realizarmos a leitura do texto, tivemos que fazer uso de


nossas capacidades de decodificação: conhecimento alfabético,
relação entre grafema e fonema, pontuação etc. Essas capacidades
básicas são aprendidas durante o processo de alfabetização.

Já para entendermos o contexto do poema são necessárias


capacidades de compreensão, interação com o texto, inferências,
produção de sentidos, interdiscursividade, intertextualidade,
apreciação, frutos do letramento, dos usos sociais da leitura e da
escrita. A riqueza e a diversidade de letramento(s), nesse sentido,
são múltiplas, pois o texto ganha diferentes valores nos mais diversos
contextos.

Solicitamos que você faça a leitura dos textos a seguir e procure captar quais
sentidos podemos atribuir à palavra, seja escrita ou falada.

40
Capítulo 2 A Articulação entre
Alfabetização e Letramento(s)

A palavra é expressão, sentimento,


Para mim a palavra é texto e contexto,
ponto de vista, pergunta, resposta,
pensamento e ação... Com ela podemos
representação do que pensamos e somos.
falar sério e brincar, nos esconder e nos
A palavra falada pode...
declarar. A palavra é romance, poema,
Provocar
poesia, conto, crônica, teoria...
Acalmar
É a pá
Libertar
Que lavra
Atrair
A alma
Violar
E faz brotar
Recuperar
Os sentidos
Aproximar
Dos pensamentos
Enfim, palavras fertilizam os espaços e
Às ações
desatam amarras. As palavras, se bem
Fazendo-nos humanos
faladas, podem mover as mais altas
Despertando o pior e o melhor de nós
barreiras, mas, se mal faladas, podem
A vida é mesmo feita de escolhas
erguer muralhas.
Então, irriguemos nossos dias
Palavras são poderosas.
Buscando as mais belas palavras
Para cultivar as melhores ações
Autora: Rosangela

Autora: Nice

O poema do célebre poeta, Lindolf Bell, retrata a complexidade da palavra.


Leia e reflita acerca do uso da palavra.

PROCURO A PALAVRA PALAVRA

Não é a palavra fácil


que procuro.
Nem a difícil sentença,
aquela da morte,
a da fértil e definitiva solitude.
A que antecede este caminho sempre de repente.
Onde me esgueiro, me soletro,
em fantasias de pássaro, homem, serpente.
Procuro a palavra fóssil.
A palavra antes da palavra.
Procuro a palavra palavra.
Esta que me antecede
41
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

E se antecede na aurora
E na origem do homem
Procuro desenhos
dentro da palavra.
Sonoros desenhos, tácteis,
Cheiros, desencantos e sombras.
Esquecidos traços. Laços.
Escritos, encantos re-escritos.
Na área dos atritos.
Dos detritos.
Em ritos ardidos da carne
e ritmos do verbo.
Em becos metafísicos sem saída.
Sinais, vendavais, silêncios.
Na palavra enigmam restos, rastos de animais,
Minerais da insensatez.
Distâncias, circunstâncias, soluços,
Desterro.
Palavras são seda, aço.
Cinza onde faço poemas, me refaço.
Uso raciocínio.
Procuro na razão.
Mas o que se revela, arcaico, pungente,
eterno e para sempre, vivo,
vem do buril do coração.

Fonte: Disponível em: <http://www.antoniomiranda.com.br/


iberoamerica/brasil/lindolfo_bell.html>. Acesso em: 10 out. 2011.

Outro texto que nos remete à complexidade da palavra é o texto do escritor


Monteiro Lobato, do livro “Memórias da Emília”. Leia o texto e reflita acerca do
processo de escrita do próprio autor.

[...] Isso de começar não é fácil. Muito mais simples é acabar.


Pinga-se um ponto final e pronto; ou então, escreve-se um
latinzinho: FINIS. Mas começar é terrível. Emília pensou,
pensou, e por fim disse:
- Bote um ponto de interrogação; ou, antes, bote vários pontos
de interrogação.
Bote seis...
O Visconde abriu a boca.
- Vamos, Visconde. Bote aí seis pontos de interrogação,
insistiu a boneca.
- Não vê que estou indecisa interrogando-me a mim mesma?
E foi assim que as “Memórias da Marquesa de Rabicó”
principiaram dum modo absolutamente imprevisto. (LOBATO,
1994,p. 10)

42
Capítulo 2 A Articulação entre
Alfabetização e Letramento(s)

Atividade de Estudos:

1) Agora, em meio a tantos pontos de vista, expressos em diferentes


gêneros textuais, escreva o que para você é a palavra. Você pode
fazer uso de poema, poesia, crônica, cartaz, acróstico... Pense no
valor da palavra em sua vida, na profissão, nos relacionamentos,
na construção de seus conhecimentos e descobertas...

Figura 4 - Frase ilustrada


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Fonte:Disponível em: <http://frasesilustradas.wordpress.


com/page/26>. Acesso em: 15 out. 2011.

Depois de aquecer a mente com muitas palavras, vamos descobrir qual é o


sentido da palavra letramento para nós, neste capítulo.

Letramento
O Dicionário de Análise do Discurso (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU,
2004) aponta três sentidos para o termo letramento:

• o primeiro sentido remete a um conjunto de saberes elementares, em


parte, mensuráveis: saber ler, escrever, contar, oriundas das pesquisas
43
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

internacionais que avaliam os níveis de letramento dos países a partir de


indicadores comuns;

• o segundo designa os usos sociais da escrita: ler, escrever e questionar os


materiais escritos. Devido às diferentes esferas sociais, parece legítimo
conceber vários tipos de letramentos: o familiar, o escolar, o religioso, o digital;
• o último concebe o letramento como uma cultura que se opõe à cultura da
oralidade. Estudar o letramento nessa perspectiva é analisar os usos da
escrita, a divisão social dos saberes, os valores particulares veiculados pelo
mundo letrado.

Como podemos observar na primeira explicação, o letramento


Letramento não
aparece como indicador de leitura com caráter avaliativo. É bom
é só saber ler
e escrever, e esclarecer aqui que letramento não é só saber ler e escrever, e sim
sim saber usar saber usar socialmente a escrita. Então, esse sentido atribuído ao
socialmente a termo não será utilizado em nossa abordagem.
escrita.

Na última concepção, há uma ampla valorização da “cultura


escrita” em detrimento da cultura oral. Também não é esse entendimento que
desejamos dar ao letramento neste caderno.

Queremos, sim, entender letramento(s) como práticas sociais


de leitura e de escrita, observando os diferentes contextos em que
acontecem as situações comunicativas. Assim, é possível que em
diversos contextos sociais haja também diferentes letramentos.

Letramento é, pois,
o resultado da ação Soares, pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita
de ensinar ou de (CEALE) da Universidade Federal de Minas Gerais, nos apresenta uma
aprender a ler e ampla discussão em torno de alfabetização e letramento, definindo o
escrever; o estado
ou a condição último como uma versão da língua inglesa literacy, que vem do latim
que adquire um littera (letra), mais o sufixo cy (qualidade, condição, estado). “Literacy
grupo social ou é o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e
um indivíduo como escrever” (SOARES, 1998, p. 17). Sendo assim, “letramento é, pois, o
consequência de
ter-se apropriado da resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever; o estado
escrita.” (SOARES, ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como
1998, p. 18 consequência de ter-se apropriado da escrita.” (SOARES, 1998, p. 18).

44
Capítulo 2 A Articulação entre
Alfabetização e Letramento(s)

A autora entende o letramento sob duas dimensões: a individual e a social.


Na dimensão individual são consideradas as habilidades de leitura e de escrita,
o que nos leva a pensar em alfabetização, no sentido do código escrito. Já o
letramento como dimensão social é um fenômeno cultural, entendido nas
atividades sociais que demandam o uso da escrita, que, por sua vez, compreende
também duas perspectivas: a revolucionária ou radical, relacionada ao processo
de transformação social, caracterizando o modelo ideológico de letramento; e a
progressista ou liberal, preocupada com o processo de adaptação social dos
indivíduos, identificando-se com o modelo autônomo de letramento.

Somos letrados à medida que sabemos ler em diferentes lugares


Somos letrados
e sob diversas condições, não somente na escola, quando usamos à medida que
a leitura como fonte de informação e interesse, fazendo uso dela em sabemos ler em
nossa vida diária. O mesmo acontece com a escrita: fazemos uso diferentes lugares
e sob diversas
de mapas, placas, lista de compras, Orkut, MSN, receitas culinárias,
condições, não
PowerPoint e outras formas escritas para nos orientar no mundo, somente na escola,
fazemos compras, tiramos extratos bancários, preparamos pratos quando usamos a
saborosos, apresentamos trabalhos acadêmicos. leitura como fonte
de informação e
interesse, fazendo
É importante registrar que o letramento tem aspectos ideológicos uso dela em nossa
e políticos, considerando sua estreita relação para com a cidadania, vida diária.
pois novas realidades exigem o aprimoramento dos usos sociais da
leitura e da escrita nos diferentes gêneros, inclusive no mundo profissional. Assim,
o letramento permite ao indivíduo uma maior participação ou inserção na cultura
letrada. Poderíamos dizer até que é uma forma de adaptação, de sobrevivência
do indivíduo na sociedade atual.

Atividade de Estudos:

O letramento envolve diversas situações de escrita e de leitura


que inserem o indivíduo numa sociedade letrada. Agora observe o
cartoon de Luciano Rocha e responda:

45
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

Figura 5 – Cartoon sobre a leitura

Fonte: Disponível em: <http://luccianorocha.blogspot.com/2009/03/eleitos-


os-melhores-cartoons-do-mundo.html>. Acesso em: 15 out. 2011.

1) Qual é a intenção visível dos leitores?


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2) Avaliando o contexto no qual os leitores se encontram, o que


você vê?
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Capítulo 2 A Articulação entre
Alfabetização e Letramento(s)

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3) Qual é a relação que você faz entre o cartoon e o uso social da


leitura e da escrita?
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Analise as propostas a seguir:

• Proposta 1:

Esta proposta está relatada no livro Alfabetização e Letramento


na Sala de Aula e foi escrita por um grupo que compõe o CEALE
(Centro de alfabetização, leitura e escrita – FaE - UFMG).

Leia os nomes dos livros, recorte os títulos e organize-os em


ordem alfabética:

47
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

No caso desta atividade, quando pensamos na ordem alfabética tendo


em vista seus usos sociais, podemos afirmar que se trata de uma atividade
escolarizada e não uma atividade de letramento social, pois no sistema de
classificação e organização de bibliotecas, por exemplo, o acervo está reunido por
assunto e não em ordem alfabética.

Atividades como essa fazem parte do processo de alfabetização e ensinam a


utilizar a ordem alfabética, porém não o seu uso social.

• Proposta 2:

Organize a agenda telefônica do grupo de alunos da nossa sala,


colocando os sobrenomes em ordem alfabética.

Esta é uma proposta de atividade que utiliza o uso social da


ordem alfabética, portanto é uma atividade de letramento.

Quando a criança recorrer ao uso de catálogos, dicionários, listas telefônicas


ou na lista de chamada da escola, irá encontrar a ordem alfabética. Assim, o
professor poderá trabalhar a ordem das letras do alfabeto para que a criança saiba
localizar o endereço ou telefone de alguém numa lista, procurar lojas, produtos
48
Capítulo 2 A Articulação entre
Alfabetização e Letramento(s)

e serviços em catálogos, encontrar determinada palavra no dicionário, localizar


nomes em listagens de concursos. Fica claro que aprender a ordem das letras do
alfabeto tem usos sociais.

• Proposta 3:

Cada aluno deverá copiar o nome completo de um colega


numa tira de papel. Quando todos tiverem copiado, os nomes serão
embaralhados e depois colocados em ordem alfabética.

Esta proposta está no livro “Uma professora muito maluquinha”,


do Ziraldo.

Leia um trecho do livro:

“Gastamos quase a aula inteira só para descobrir que o nome de


um colega chamado Pedro da Silva Marins tinha que ficar na frente
do nome de outro colega que, imaginem só! Chamava-se Pedro da
Silva Martins. Em compensação ficamos craques em dicionários e
catálogos”. (ZIRALDO, 1995, p.24).

Essa atividade apresenta o uso social da escrita, pois em dicionários é


utilizada a ordem alfabética. Esta atividade também é uma atividade muito
utilizada no letramento escolar, que estudaremos mais adiante.

Atividade de Estudos:

1) Apresentamos propostas que envolvem alfabetização e propostas


que envolvem letramento. Agora é a sua vez de selecionar
atividades que apresentem a perspectiva do alfabetizar letrando.
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Letramentos Múltiplos na Alfabetização

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Letramento no Brasil
Segundo Soares (2003), nos países desenvolvidos, o letramento, usando a
palavra empregada no Brasil, surge a partir da constatação de que a população,
embora alfabetizada, não usava de forma competente seus conhecimentos de
leitura e de escrita nas diversas situações de comunicação. Assim, em Portugal
surge literacia, nos países de língua inglesa, literacy, e nos de língua espanhola,
literacidad, um novo termo para explicar essa nova realidade ou fenômeno.

Já no Brasil o movimento acontece em direção contrária, pois os índices


de nossas pesquisas se referiam mais ao analfabetismo do que à competência
leitora propriamente dita. Isso explica porque até hoje usamos dois termos:
alfabetização e letramento.

A palavra letramento aparece pela primeira vez em nosso país, na década de


80, com a publicação de “No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística”,
de Mary Kato.

É interessante observar que também no meio acadêmico o uso dos termos


letramento e alfabetização é bastante comum e frequente.

[...] no Brasil, a discussão do letramento surge sempre


enraizada no conceito de alfabetização, o que tem levado,
apesar da diferenciação sempre proposta na produção
acadêmica, a uma inadequada e inconveniente fusão dos dois
processos, com prevalência do conceito de letramento, [...] o
que tem conduzido a um certo apagamento da alfabetização
[...]. (SOARES, 2003, p.08).

A problematização do uso indevido dos dois termos, apesar dos esforços da


academia, tem trazido prejuízos à alfabetização e, principalmente, à sua prática
nas escolas. Discutiremos a seguir essa questão. Antes, porém, procuraremos
entender o que é alfabetização.
50
Capítulo 2 A Articulação entre
Alfabetização e Letramento(s)

Alfabetização
Em “Letramento e alfabetização: as múltiplas facetas”, um artigo retomado
pela própria autora, Magda Soares, na Revista Brasileira de Educação, em 2003,
há uma ampla apresentação e discussão do que é alfabetização e letramento.
Define alfabetização como processo de aquisição e de apropriação do sistema de
escrita, alfabético e ortográfico.

A autora ainda nos mostra que muitos foram os fatores que interferiram
no processo de alfabetização em nosso país e que resultaram em baixos
desempenhos nas provas realizadas em nível estadual, nacional e até
internacional. Para o nosso estudo, gostaríamos de destacar apenas um
destes fatores: a forte influência da perspectiva psicogenética na alfabetização.
Inegavelmente, muitas foram as contribuições dessa mudança paradigmática
para a alfabetização. Mas, por outro lado, parece que o ensino da língua materna,
em seus aspectos fonéticos, fonológicos, ortográficos, ficou desfavorecido. Houve
uma valoração no contexto da linguagem, entendido como práticas de letramento,
enfraquecendo o texto, tomado aqui como a estrutura da língua, aprendida em
práticas de alfabetização.

É fundamental que tenhamos clareza do que é alfabetização É fundamental que


para resgatar seu sentido linguístico em nossas práticas pedagógicas. tenhamos clareza do
Além dos conhecimentos psicológicos, pedagógicos, sociológicos, que é alfabetização
matemáticos, científicos, também são necessários conhecimentos de para resgatar seu
sentido linguístico
fonética, fonologia, morfologia, sintaxe, semântica, pragmática, análise do em nossas práticas
discurso, psicolinguística, sociolinguística. pedagógicas.

Quando nos referimos à alfabetização nessa perspectiva mais


Não podemos
linguística, nossa intenção não é resgatar o ensino das cartilhas, que esconder as
veem o método somente. Não podemos esconder as crianças atrás crianças atrás
das letras ou dos métodos, nosso foco está em suas aprendizagens das letras ou dos
quanto à leitura e à escrita e seus sentidos construídos socialmente. métodos, nosso
foco está em suas
aprendizagens
quanto à leitura e
Sugestão de livros de conhecimentos linguísticos e práticos à escrita e seus
de alfabetização sentidos construídos
socialmente.

51
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetizando sem o Bá-Bé-Bi-Bó-Bu. São


Paulo: Editora Scipione, 2002.

_____. Alfabetização e Linguística. São Paulo: Editora Scipione,


2000.

Atividade de Estudos:

Vimos algumas distinções entre alfabetização e letramento.


São dois processos diferentes que se complementam quando
concebemos a linguagem como interação, diálogo, práticas sociais,
conforme estudamos no capítulo I.

Figura 6 - Frase ilustrada sobrea a escrita

1) O que você entende por letramento?


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2) O que é alfabetização?
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Fonte: Disponível em: <http://frasesilustradas.wordpress.


com/page/27>. Acesso em: 20 out. 2011.

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Capítulo 2 A Articulação entre
Alfabetização e Letramento(s)

Algumas Considerações a Cerca da


Alfabetização
Nosso papel não é promover a alfabetização, em defesa do sistema
convencional da escrita, ou o letramento, reforçando a importância dos usos
sociais da leitura e da escrita. Muito pelo contrário, para a aprendizagem da língua
escrita é essencial que os dois processos caminhem simultaneamente, embora
sejam

[...] de natureza fundamentalmente diferente, envolvendo


conhecimentos, habilidades e competências específicos,
que implicam formas diferentes de aprendizagens e,
consequentemente, procedimentos diferenciados de ensino.
(SOARES, 2003a, p.15).

Nesse sentido, a autora também propõe:

1) reconhecer a alfabetização como um processo específico de apropriação e


aquisição do sistema da escrita, alfabético e ortográfico;

2) alfabetizar num contexto de letramento, desenvolvendo habilidades Alfabetizar


num contexto
de uso da leitura e da escrita nas práticas sociais que envolvem a
de letramento,
escrita, com atitudes positivas em relação a essas práticas; desenvolvendo
habilidades de
3) entender que tanto a alfabetização quanto o letramento têm uso da leitura e
diferentes naturezas, conforme já explicamos, o que implica da escrita nas
práticas sociais
metodologias diferentes: na alfabetização, por exemplo, o ensino
que envolvem a
é direto, explícito e sistemático, enquanto que no letramento, é escrita, com atitudes
incidental, indireto, subordinado a possibilidades e motivações das positivas em relação
crianças; a essas práticas.

4) rever a formação de professores das séries/anos iniciais do ensino


fundamental para estudar e melhorar a aprendizagem inicial da língua escrita
nas escolas brasileiras.

Podemos concluir que as práticas de alfabetização e de letramento exigem


um olhar diferenciado do professor, as primeiras são mais sistematizadas,
enquanto que as de letramento são contextualizadas social e culturalmente.

Poderíamos finalizar dizendo que alfabetizar letrando é oportunizar às nossas


crianças o domínio do código escrito e a adequação oral e escrita às situações
diversas de comunicação, dentro e fora da escola.

53
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

E para contemplarmos tanto o alfabetizar quanto o letrar, os gêneros orais e


escritos podem ser “instrumentos” de grandes descobertas e novas aprendizagens,
não para serem estudados em suas características ou estruturas textuais, tão
somente, mas para seus devidos usos sociais, conforme já acentuamos no
capítulo anterior.

Práticas de Letramento e de
Alfabetização
Segundo Barbato (2008, p. 46),

[...] é importante que os planejamentos e as práticas de ensino


considerem o que é significativo para o aluno: as práticas de
cultura da comunidade da qual faz parte, introduzindo outras
práticas próprias da escola. Agindo assim, a escola passa
a ter uma postura inclusiva, tendo como início do trabalho o
reconhecimento de práticas culturais que a criança traz e
construindo novas formas de resolver os problemas.

A mesma autora aponta também para a importância do professor ouvir


seu aluno de modo sensível às diversas maneiras de aprender e produzir
conhecimento.

Veremos, mais adiante, no capítulo IV, práticas de letramento e de


alfabetização, desde a etapa do planejamento até a avaliação. Poderemos
perceber o quanto a participação dos próprios alunos já no planejamento é uma
atitude que valoriza a inclusão de todos nos processos de ensinar e de aprender.

Recomendamos a leitura dos volumes:

1 e 2 da SÉRIE ENSINAR LEITURA E ESCRITA NO ENSINO


FUNDAMENTAL:

Falar, ler e escrever em sala de aula: do período pós-


alfabetização ao 5º ano. Stella Maris Bortoni-Ricardo, Maria Alice
Fernandes de Sousa. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

Integração de crianças de 6 anos ao ensino fundamental.


Silviane Bonaccordi Barbato. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

54
Capítulo 2 A Articulação entre
Alfabetização e Letramento(s)

Os seis episódios narrados no volume 2 são transcritos de


dados coletados com professores e crianças de 6 anos do
1º ano de alfabetização da rede pública do Distrito federal. O
1º episódio apresenta um evento de letramento em que duas
meninas brincam de vendedora e compradora de produtos
de beleza. O 2º e o 3º episódios estão relacionados, pois
registram comentários da professora, que tenta relacionar
“bagunça” com o processo de ensino-aprendizagem e o
uso da fala egocêntrica por um menino a partir do trabalho
da professora no quadro. No 4º, 5º e 6º episódios, meninos
desenvolvem atividades espontâneas de comparação de
imagens e brinquedos. (BARBATO, 2008, p. 11)

Os volumes nos trazem informações com fundamentação teórica em torno


da linguagem, subsidiando o ensino da língua materna no ensino fundamental;
fornecem sugestões de atividades para a sala de aula; facilitam aos professores
a preparação de aulas, aliando teoria e prática; além de orientar pesquisas
etnográficas que os docentes poderão aproveitar em suas comunidades e
investigações bibliográficas.

No site a seguir você encontrará jogos e materiais didáticos que


poderá confeccionar com os alunos em sala de aula.
http://www.projetospedagogicosdinamicos.com/jogosalfa.htm

A criança de 6 Anos...
A criança chega hoje na escola brasileira com 6 anos, em conformidade com
a lei que amplia de oito para nove a duração do ensino fundamental. Essa criança
que outrora era da educação infantil passa a integrar a escola. Vale ressaltar que
precisamos ter um olhar mais sensível e menos escolarizado para essa criança e
lembrar que sua linguagem ainda é a brincadeira, ou seja, é interessante enxergar
o mundo sob a ótica da ludicidade.

LEI Nº 11.274, DE 06 DE FEVEREIRO DE 2006.

Altera a redação dos artigos 29, 30, 32 e 87 da Lei nº 9.394, de


20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para

55
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis)


anos de idade.

Fonte: Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-


2006/2006/Lei/L11274.htm>. Acesso em: 10 out. 2011.

Como nesta fase a criança gosta de se expressar pelo desenho,


Não basta ler ou podemos nos apropriar dessa linguagem em atividades de sala de
ouvir passivamente,
aula para trabalhar a construção da escrita e da leitura. Por exemplo,
nossa escuta e
ela poderá recontar uma história, desenhando os personagens, a
leitura precisam
estar ativadas, sequência dos fatos, o cenário (lugar onde acontece a história) e explicar
antenadas na fala, oralmente os seus desenhos para a professora, que, por sua vez,
para que a resposta poderá ser o “escriba” e anotar as informações no trabalho da criança.
seja adequada. Também é possível desenhar objetos, animais, brinquedos, amigos etc
e depois nomeá-los. Nesse processo as crianças irão construindo suas
hipóteses de escrita. É importante que esses momentos de comunicação sejam
dialógicos. “Desde o início, porém, o enunciado se constrói levando em conta as
atitudes responsivas, em prol das quais, ele, em essência, é criado” (BAKHTIN,
2003, p.301). Pensando assim, não basta ler ou ouvir passivamente, nossa escuta
e leitura precisam estar ativadas, antenadas na fala, para que a resposta seja
adequada, podendo haver concordância, discordância, complementação, silêncio,
observando sempre o contexto social no qual a interação acontece.

Quando o professor participa, lendo o que o aluno escreveu em voz alta e


discutindo com ele os sons e as partes da palavra, produz um retorno, oferecendo
as condições para que ele possa comparar, produzir analogias e novos elementos
explicativos sobre como funciona a escrita. Essas estratégias têm surtido efeito, os
alunos aprendem, passando de pré-silábicos para silábicos e silábico-alfabéticos
ao longo do primeiro ano do ensino fundamental. (FERREIRO, 2000)

A sala de alfabetização poderá ser bem sugestiva, motivadora de leituras e


de escrita, despertando não só o interesse da criança, mas também oferecendo
estímulos, recursos e informações para a construção do conhecimento coletivo e
também individual. Vários tipos de letras, murais relacionando, por exemplo, som
e letra, palavra e figura, quadro de recados, alfabeto móvel, jogos como boliche
de palavras, bingo, cartaz de aniversariantes (com os nomes dos colegas da
turma), calendário, cartaz da rotina do dia, mapas localizando a sala na escola, ou
a escola na rua, ou o município no estado, parlendas e assim por diante. Ter um
ambiente que motive a alfabetização, o letramento e a ludicidade é proporcionar
à criança o contato com diferentes materiais e estímulos, enriquecendo as
possibilidades de interação e produção do conhecimento. Uma sala sem recursos
desfavorece a ativação mental e a interação entre o professor e os alunos, entre a
turma e os diversos gêneros que, por sua vez, têm uma função social. Como uma
56
Capítulo 2 A Articulação entre
Alfabetização e Letramento(s)

criança irá construir sentidos para as práticas de leitura e de escrita se


Uma sala
não tiver estímulos visuais, sonoros, lúdicos?
sem recursos
desfavorece a
As atividades planejadas e realizadas pelo professor e pelas ativação mental e
crianças precisam promover a interação, o diálogo, o uso de diferentes a interação entre
gêneros textuais e discursivos, o trabalho com os sons, as letras, as o professor e os
palavras, além do trabalho em grupo, em duplas. Devem ser também alunos, entre a
muito bem planejadas e contextualizadas, levando em consideração turma e os diversos
os conhecimentos prévios da turma. Algumas sugestões: gêneros que, por
sua vez, têm uma
• Jogo de memória relacionando a palavra com o desenho. função social.

• Dominó associando uma figura com o seu som e letra iniciais.

• Brincar com os sons através de parlendas, poemas e rimas, trava-línguas,


canções...

• Contar histórias imitando barulhos, ou seja, fazer sua sonoplastia.

• Promover a escrita espontânea.

Veja, a seguir, o poema de Cecília Meireles. Com sua leitura, podemos “brincar”
com a letra C e seu som, além de se “encantar” com a sonoridade das rimas...

Colar de Carolina

Com seu colar de coral,


Carolina
corre por entre as colunas
da colina.

O colar de Carolina
colore o colo de cal,
torna corada a menina.

E o sol, vendo aquela cor


do colar de Carolina,
põe coroas de coral

nas colunas da colina.

(Grifos nossos)

Fonte: Disponível em: <http://www.revista.agulha.nom.br/


ceciliameireles05.html>. Acesso em: 21 out. 2011.

57
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

Segue abaixo um texto que descreve o projeto intitulado “A


Sacola Viajante”, criado e desenvolvido pela professora de 1º ano
Monica Weingärtner Otte, numa instituição particular de Blumenau,
SC. É uma atividade que envolve a leitura e a escrita, de forma
lúdica, incluindo a participação das famílias. As crianças socializam
entre si suas produções escritas e também ilustram a própria sacola,
representando a si próprios com desenhos, fotos e nomes.

Figura 7 – Sacola Viajante

Fonte: As autoras.

Sou a “Sacola Viajante” e quero fazer um convite bem especial


para você e sua família. Comigo, vocês poderão viajar pela
imaginação, desvendar diferentes mundos, registrar experiências e
ler muito...

Curiosa, adoro passear pelas casas das crianças e conhecer


suas histórias! Gostaria de ser apresentada às famílias, pois acredito
que família é a melhor coisa que existe no mundo. É com ela que
aprendemos a amar!!!

Dentro de mim tem um caderno: como se fosse um cérebro.


Nele guardo palavras, desenhos, fotos, colagens, pinturas, frases,
histórias, lembranças, emoções. Como acompanharei você num
final de semana, é sua chance de completar o caderno e deixar meu
cérebro cheio de boas lembranças.

Também carrego responsabilidade, respeito ao próximo,


vontade de dividir as coisas boas com os outros, desejo de ser cada
vez melhor.
Participe da minha vida e registre, do seu jeito, o que você
considera importante. Peça ajuda a sua família, use a criatividade e
viaje comigo.
58
Capítulo 2 A Articulação entre
Alfabetização e Letramento(s)

Um abraço, da sua companheira,

Sacola Viajante

“Entre as heranças simbólicas que passam de pais para filhos,


certamente, é de inestimável valor a importância dada à ficção no
contexto de uma família. Afinal, uma vida se faz de histórias – as que
vivemos, as que contamos e as que nos contam.” (CORSO; CORSO,
2006, p. 23). Este texto seguiu na primeira página do caderno de
produções escritas que fica no interior da sacola.

É Importante utilizar estratégias que envolvam a família da


criança que está aprendendo a ler e a escrever.

É bastante estimulante para a criança interagir, principalmente É bastante


com a família, quando está construindo sua identidade de leitor e autor. estimulante para
Cabe ao professor criar estratégias que favoreçam tal interação, pois a criança interagir,
isso potencializa os sentidos entendidos e produzidos em relação aos principalmente com
a família, quando
processos de alfabetização e letramento.
está construindo
sua identidade
O jogo também pode ser uma prática de alfabetização e de de leitor e autor.
letramento, porém precisa ser bem planejado, com objetivos claros, Cabe ao professor
que atendam às necessidades e aos interesses da turma. Leia a criar estratégias
aproveite a proposta abaixo. que favoreçam tal
interação, pois isso
potencializa os
sentidos entendidos

Jogo Indicado para a Apropriação da e produzidos


em relação aos

Escrita Alfabética processos de


alfabetização e
letramento.
A prática de jogos em sala de aula é uma excelente oportunidade
para a reflexão e a aprendizagem, inclusive para o professor.
É fundamental que
Contudo, o jogo deve ser bem selecionado para atender aos objetivos haja um registro
propostos para aquela determinada aula, contextualizando-o com das facilidades e
as demais atividades. Uma aula com jogo deve ser bem planejada, dificuldades que o
motivada, mediada e registrada pelo professor. É fundamental que jogo promove.
59
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

haja um registro das facilidades e dificuldades que o jogo promove, pois o


docente poderá pensar em “modificar” o jogo ou confeccionar outro que atenda
melhor às necessidades individuais ou da turma.

As sugestões dadas nesse caderno podem ser adaptadas às


diferentes realidades, bem como servirem de inspiração, de modelo
para o professor colocar em prática a sua criatividade.

Agora, veremos um jogo que poderá ser aproveitado por você. Lembramos
que todas as sugestões propostas neste Caderno podem ser adaptadas às
diferentes realidades, bem como servirem de inspiração ou referência para colocar
em prática novas ideias, recursos ou estratégias, fazendo uso de sua criatividade
e de seu conhecimento da turma.

a) O jogo das vogais

Criação: Ana Célia Guimarães, Maria de Fátima Cavalcante Fernandes,


Sandra de Sousa da Silva, Sônia Melo da Silva e Vânia Maria das Chagas.

Objetivo pedagógico: Promover a reflexão sobre a escrita das palavras,


valendo-se, sobretudo, de uma análise fonológica das vogais que aparecem em
suas sílabas.

Componentes: 1 dado “de vogais”, com uma vogal em cada face e a última
contendo a figura de um rato; 22 cartelas de palavras, cartelas de vogais avulsas.

Finalidade: Completar, primeiro, cinco cartelas de palavras.

Número de participantes: 2

Regras:

• As cartelas de palavras ficam empilhadas sobre a mesa, viradas para baixo.

• As cartelas de letras ficam espalhadas sobre a mesa.


• Inicia o jogo quem ganha no “par ou ímpar”.

60
Capítulo 2 A Articulação entre
Alfabetização e Letramento(s)

• Perde a vez o jogador que sortear o rato no dado.

• O jogador da vez retira uma ficha de palavra e joga o dado. A vogal que for
sorteada deve ser retirada das cartelas de letras espalhadas.

• O jogador deverá confirmar se a letra da cartela preenche a lacuna vazia ou


não.

• Não utilizando a cartela de vogal, o jogador a retém, podendo utilizá-la em


outras rodadas.

• O jogador só poderá pegar outra cartela de palavras quando completar


corretamente a cartela de palavras que esteja em suas mãos.

• Ganha o jogo quem completar primeiro cinco cartelas corretamente, ou seja,


fazendo a correta colocação da vogal.

• Será permitido, durante o jogo, tirar dúvidas com o professor ou professora,


porém ele não pode dar as respostas.

Este jogo foi retirado do fascículo 5 de “O Lúdico na Sala de Aula: Projetos


e Jogos”, elaborado por Telma Ferraz Leal, Márcia Mendonça, Artur Gomes
de Morais e Margareth Brainer de Queiroz Lima, da Universidade Federal de
Pernambuco – UFPE. Este fascículo compõe o programa “Pró-Letramento,
Alfabetização e Linguagem”, organizado pelo Ministério da Educação, Secretaria
de Educação Básica, Brasília, 2008.

O objetivo do material é auxiliar na formação continuada de professores dos


anos/séries iniciais do Ensino Fundamental. Às vezes, esses e outros materiais,
chegam nas escolas e não são lidos, nem consultados. Leia, pesquise, faça a
diferença como professor, pesquisador, leitor.

Atividade de Estudos:

1) Agora, inspire-se no cartoon de Luciano Rocha e redija um


pequeno texto. Observe o leitor que aparece na imagem. Qual
é a atitude dele? Lembre-se de relacionar suas ideias com o que
estudamos sobre alfabetização, letramento, interação entre leitor
e autos, leitura de mundo, práticas de letramento etc.
Figura 8 – Cartoon da leitura

61
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

Fonte: Disponível em: <http://luccianorocha.blogspot.com/2009/03/eleitos-


os-melhores-cartoons-do-mundo.html>. Acesso em: 10 out. 2011.

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Após o término sua produção escrita, estudaremos o letramento no contexto


escolar e suas múltiplas possibilidades...
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Capítulo 2 A Articulação entre
Alfabetização e Letramento(s)

Letramento Escolar
Figura 9 – Caderno de uma aluna de 3º ano

Fonte: As autoras.

Depois de compreendermos o que é alfabetização e letramento, e o quanto


um processo se vincula ao outro, precisamos repensar o papel da escola, como
um espaço social, repleto de diversidades culturais e individuais. Entender a
escola como instituição social que agrega múltiplas realidades e diferentes
necessidades é considerar a criança e o seu contexto de vida. Se nos importamos
com os diversos contextos que as crianças trazem consigo, e que compõem a
comunidade escolar, estamos acreditando nos múltiplos letramentos
como possibilidades de aproximação entre os saberes do cotidiano e O conceito de
os saberes escolares. letramentos
múltiplos é ainda
O conceito de letramentos múltiplos é ainda um um conceito
conceito complexo e muitas vezes ambíguo, complexo e muitas
pois envolve, além da questão da multissemiose vezes ambíguo,
ou multimodalidade das mídias digitais que pois envolve, além
lhe deu origem, pelo menos duas facetas: a da questão da
multiplicidade de práticas de letramento que multissemiose ou
circulam em diferentes esferas da sociedade e a
multimodalidade
multiculturalidade, isto é, o fato de que diferentes
das mídias digitais
culturas locais vivem essas práticas de maneira
diferente. (ROJO, 2009, p.108-109). que lhe deu origem.
(ROJO, 2009,
A escola é, portanto, um espaço legitimado socialmente, com
p.108-109).
características e linguagens próprias, repleta de atividades educativas,

63
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

regras, normas e rotinas. O diário, a chamada, o conselho de classe, os boletins,


as avaliações, o recreio, caracterizam o ambiente escolar, contextualizando-o.
É necessário compreender a escola como um espaço institucionalizado, letrar-
se nela e através dela. Há muitos espaços de letramento social: universidades,
aeroportos, bancos... a escola é apenas um deles, reconhecida pela sociedade
como o lugar da alfabetização e do letramento.

Leite (2001, p. 64) define o letramento escolar como:

a ocorrência de eventos de letramento no contexto escolar,


construídos no processo de interação entre professor e
aluno, para que o aluno identifique a relação entre situações
de letramento durante as aulas de alfabetização e as
necessidades do uso da escrita no cotidiano.

Para inserir o aluno no processo de letramento escolar considerando as


práticas sociais, o professor precisa levar em conta a bagagem que a criança
traz consigo, ou seu conhecimento prévio, e construir propostas a
Compreender o partir da leitura de mundo que contextualiza o aluno e que precede
que se lê, fazer
a leitura da palavra. Ler o mundo (Freire, 1997), compreender o que
relações acerca
do que foi lido, se lê, fazer relações acerca do que foi lido, essas são algumas das
essas são algumas competências que devem ser desenvolvidas na escola, e isso não
das competências acontece somente nos primeiros anos de escolarização, mas durante
que devem ser todo o período escolar e, porque não dizer, durante toda a nossa vida.
desenvolvidas na “[...] competências e capacidades abrangem modos de fazer algo,
escola.
processos mentais ou comportamentos como, por exemplo, saber ler
e escrever, desenhar, costurar, dirigir um carro.” (PRÓ-LETRAMENTO,
2007, p.15).

É preciso que, cada vez mais, a escola possibilite práticas de leitura e de


escrita que circulem na sociedade. Nesse sentido, não deveriam existir conteúdos
que circulam somente na escola, que não têm relação com o cotidiano. Não nos
referimos a uma educação reduzida, voltada a um conhecimento utilitário, mas a
práticas de leitura e escrita que possibilitem a apropriação do sistema alfabético-
ortográfico e o uso adequado dessas práticas sociais.

Soares (2003b, p.92) nos coloca o quão ampla e complexa é a condição


de sermos leitores e autores efetivamente competentes, implicando habilidades
várias, como:

capacidade de ler ou escrever para atingir diferentes


objetivos, para informar ou informar-se, para interagir com os
outros, para imergir no imaginário, no estético, para ampliar
conhecimentos, para seduzir ou induzir, para divertir-se, para

64
Capítulo 2 A Articulação entre
Alfabetização e Letramento(s)

orientar-se, para apoio à memória, para catarse...: habilidades


de interpretar e produzir diferentes tipos de gênero de textos;
habilidades de orientar-se pelos protocolos de leitura que
marcam o texto ou de lançar mão desses protocolos, ao
escrever: atitudes de inserção efetiva no mundo da escrita,
tendo interesse e informações e conhecimentos, escrevendo
ou lendo de forma diferenciada, segundo as circunstâncias, os
objetivos, o interlocutor [...].

As atitudes efetivas de inserção no mundo utilizando os múltiplos usos e


funções da escrita na sociedade possibilitam uma leitura crítica e levam
o aluno a compreender como as relações sociais são representadas e Portanto, a
construídas por meio da escrita. Ampliam também a compreensão do alfabetização
mundo, das relações sociais, políticas e econômicas. e o letramento,
trabalhados no
contexto escolar,
As possibilidades de construir sentidos aumentam quando temos
não são conceitos
o domínio da leitura e da escrita, porém é necessário também que singulares, já que
sejam adequadas às situações de comunicação vivenciadas. Portanto, existem os múltiplos
a alfabetização e o letramento, trabalhados no contexto escolar, não letramentos. (Rojo,
são conceitos singulares, já que existem os múltiplos letramentos. 2009).
(Rojo, 2009).

Defendemos a posição de que é possível alfabetizar letrando,


pois a sala de aula é um espaço que pode promover o domínio das As práticas de
competências específicas da alfabetização e o domínio dos diversos leitura e escrita
usos sociais da leitura e da escrita. O equilíbrio entre o uso destes estão presentes
dois domínios permite uma compreensão e significação do processo em todas as áreas
do conhecimento
de aquisição destas duas habilidades.
e não podem ficar
relacionadas apenas
Afirmamos também que as práticas de leitura e escrita estão à disciplina de
presentes em todas as áreas do conhecimento e não podem ficar língua portuguesa.
relacionadas apenas à disciplina de língua portuguesa, pois, como já
vimos anteriormente, referem-se à linguagem usada por todos os cidadãos nos
mais variados contextos e situações. As pessoas letradas compreendem o mundo
e participam efetivamente da cultura letrada. Soares (apud Castanheira 2009,
p.14), afirma que

para entrar e viver nesse mundo de conhecimento, o aprendiz


necessita de dois passaportes: o domínio da tecnologia escrita
(o sistema alfabético e ortográfico), que se obtém por meio
do processo de alfabetização, e o domínio de competências
de uso dessa tecnologia (saber ler e escrever em diferentes
situações e contextos), que se obtém por meio do processo de
letramento.

A metáfora utilizada pela autora coloca que o aluno precisa ter o domínio
da língua como sistema convencional, o que acontece através da alfabetização,
65
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

e ser um competente leitor/autor, fruto de múltiplos letramentos. Conhecendo o


código, seus usos sociais e adequações, o aluno torna-se cidadão do mundo e
rompe fronteiras, participando de um mundo globalizado e multicultural. Os
conhecimentos adquiridos nas diferentes áreas do saber (língua portuguesa,
matemática, ciências, arte, história, geografia, educação física, língua estrangeira,
ensino religioso...), possibilitam a compreensão dos diferentes contextos sociais ou
campos de atividades humanas, através das práticas sociais da leitura e da escrita.

A partir destas reflexões, leia o texto de Paulo Freire e reflita.

A ESCOLA

“Escola é...
o lugar onde se faz amigos
não se trata só de prédios, salas, quadros,
programas, horários, conceitos...

Escola é, sobretudo, gente,


gente que trabalha, que estuda,
que se alegra, se conhece, se estima.

O diretor é gente,
O coordenador é gente, o professor é gente,
o aluno é gente,
cada funcionário é gente.

E a escola será cada vez melhor


na medida em que cada um
se comporte como colega, amigo, irmão.

Nada de ‘ilha cercada de gente por todos os lados’.


Nada de conviver com as pessoas e depois descobrir
que não tem amizade a ninguém
nada de ser como o tijolo que forma a parede,
indiferente, frio, só.

Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar,


é também criar laços de amizade,
é criar ambiente de camaradagem,
é conviver, é se ‘amarrar nela’!

Ora , é lógico...
numa escola assim vai ser fácil
estudar, trabalhar, crescer,

66
Capítulo 2 A Articulação entre
Alfabetização e Letramento(s)

fazer amigos, educar-se,


ser feliz.”

Fonte: Disponível em: <http://www.paulofreire.org/


escola_p.hm>. Acesso em: 10 out. 2011.

Atividade de Estudos:

1) O que é escola para você?


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2) Paulo Freire concebe a escola como um lugar que valoriza o


contexto social de seus integrantes e que oportuniza as práticas
de letramento? Justifique sua resposta.
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Letramentos Múltiplos na Alfabetização

Algumas Considerações
Neste capítulo abordamos o letramento no Brasil, assim como o processo
de alfabetização. Identificamos o papel da criança de seis anos que está inserida
na escola. Para finalizar os nossos estudos começar a estudar o letramento no
contexto escolar.

No último capítulo nos propomos a compreender através da teoria e da prática


o que é fazer uso competente da(s) linguagem(s), desenvolvendo habilidades
e atitudes. Para tanto, apresentaremos uma proposta prática de planejamento
para o 1º ano do Ensino Fundamental, que propicia o trabalho com os múltiplos
letramentos. Planejamento e avaliação também serão discutidos no capítulo.

Referências
BAKHTIN, Mikhail M. (1979) Os gêneros do discurso. In M. Bakhtin. Estética da
Criação Verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2003.

BARBATO, Silviane Bonaccorsi. Integração de crianças de 6 anos ao ensino


fundamental. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

CASTANHEIRA, Maria Lúcia; MACIEL, Francisca Izabel Pereira; MARTINS,


Raquel Márcia Fontes. (orgs) Alfabetização e letramento na sala de aula. Belo
Horizonte: Autêntica Editora: Ceale, 2009.

CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do


discurso. Tradução de Fabiana Komesu. São Paulo: Contexto, 2004. p. 300 e
301.

CORSO, Diana Lichtenstein e Corso, Mário. Fadas no divã: psicanálise nas


histórias infantil. Porto Alegre: Artmed, 2006.

FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 2000.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia


do oprimido. São Paulo : Paz e Terra, 1997.

LEITE, Sérgio Antônio da Silva. Alfabetização e letramento: contribuições para


as práticas pedagógicas. Campinas: UNICAMP, Komedi, 2001. 413 p, il. (ALLE:
alfabetização, leitura e escrita).
68
Capítulo 2 A Articulação entre
Alfabetização e Letramento(s)

LOBATO, Monteiro. Memórias da Emília. 43ª Edição. São Paulo: Brasiliense,


1994.

PRÓ-LETRAMENTO: Programa de Formação Continuada de Professores


dos Anos/Séries Iniciais do Ensino Fundamental: alfabetização e linguagem.
Edição revisada e ampliada incluindo SAEB/Prova Brasil matriz de referência.
Secretaria de Educação Básica, Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Básica, 2008.

ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo:


Parábola Editorial, 2009.

RIOS, Rosana. Palavras Mágicas. São Paulo: Ed. Studio Nobel, 2010.

SOARES, Magda (2003). Letramento e alfabetização: as muitas facetas.


In: GT Alfabetização, Leitura e Escrita. Anais da 26ª reunião anual da ANPED,
Poços de Caldas. Disponível em http://www.anped.org.br/26/outrostextos/
semagdasoares.doc, acessado em dez./2004. (a)

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte:


Autêntica, 1998.

SOARES, Magda. Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, Vera. M. (org.)


Letramento no Brasil. São Paulo: Global, 2003. (b)

ZIRALDO. Uma professora muito maluquinha. São Paulo: Editora


Melhoramentos, 1995.

69
C APÍTULO 3
Muitas Linguagens,
Múltiplos Letramentos

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Compreender o letramento escolar e o papel da escola nos processos de


alfabetização e letramento.

33 Conceituar os letramentos múltiplos: científico, digital/tecnológico,


cartográfico, letramento em história e letramento matemático,
contextualizando-os no espaço escolar.

33 Apresentar atividades escolares que possibilitem práticas de letramentos


múltiplos.

33 Tecer alguns comentários reflexivos para provocar discussões em


ambientes virtuais ou em grupos com os colegas de trabalho.
Capítulo 3 Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos

Contextualização
Vivemos num mundo letrado, repleto de diferentes contextos. Cada contexto
tem suas características e linguagem própria. Conforme já vimos no primeiro
capítulo, linguagem é entendida como “um processo de interlocução que se
realiza nas diferentes práticas sociais existentes nos diferentes grupos de uma
sociedade, nos distintos momentos da sua história.” (BRASIL, 2001, p.22)

Trazemos uma reflexão sobre a escola e o seu papel de contribuir na


formação individual e coletiva, sistematizando o conhecimento construído pela
humanidade e contemplando as diversas linguagens nos diferentes contextos,
já que a entendemos como um lugar (esfera social) de múltiplos letramentos
e de alfabetização. Apresentaremos os conceitos dos letramentos: escolar,
matemático, geográfico/cartográfico, científico, digital e letramento em história.

Conceituar os letramentos múltiplos fará com que você reflita sobre


a importância da utilização de várias linguagens no processo de ensino
aprendizagem e as vantagens de alfabetizar com essa perspectiva.

As possibilidades de trabalho pedagógico nesse sentido também se tornam


múltiplas. Lembramos que manuais com receitas de atividades “prontas” não
permitem a interação dos participantes, nem seu processo de construção,
contudo, traremos algumas sugestões de atividades com o objetivo de relacioná-
las aos conceitos teóricos apresentados. É importante considerar a realidade de
cada escola, seus aspectos culturais, locais e globais.

Letramentos Múltiplos
Iniciaremos nossa abordagem teórica acerca dos letramentos múltiplos
observando as seguintes fotos:

Figura 10 – Viagem de estudo: Cultura Indígena, relógio do Sol

Fonte:
As autoras.

73
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

Figura 11 – Uso do CD (Arte e Tecnologia)

Fonte:
As autoras.

Figura 12 – Concerto didático-musical (linguagem musical)

Fonte:
As autoras.

Figura 13 – Visita aos arenitos ( Linguagem Cartográfica)

Fonte:
As autoras.

74
Capítulo 3 Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos

As ilustrações são registros de atividades de letramentos realizadas em


escolas.

Na figura 10, podemos ver um registro escrito, em língua portuguesa,


por uma tribo indígena de Santa Catarina. A placa em madeira está perto de
um relógio do sol e explica como o mesmo foi feito. Um grupo de alunos visitou
a tribo e descobriu que os índios também estudam numa escola estadual e lá
aprendem sua língua materna e a língua portuguesa, além de outras disciplinas.
Viram também que os índios plantam, cuidam da natureza, cantam, dançam
e lutam para manter sua cultura, incluindo a língua. Aqui podemos perceber
fortemente o quanto essa visita oportunizou múltiplos letramentos: histórico (em
seus aspectos culturais e sociais), geográfico (no que diz respeito ao tempo e à
localização do sol, às estações do ano, às fases da lua representadas no relógio
do sol), linguístico (em relação ao registro na placa e à língua indígena falada
por eles), matemático (na contagem dos dias da semana, tempo de colheita
das plantas, controle de mudas e sementes usadas no cultivo da terra), corporal
(dança e canto), científico (cuidados com o meio ambiente), dentre outros. Esses
são alguns possíveis desdobramentos do letramento que nossa experiência como
educadoras e pesquisadoras nos permitiram enxergar.

Lembrete: Mais adiante apresentaremos cada um destes


letramentos!

Na figura 11 nos mostra um mural confeccionado com materiais


recicláveis para decoração natalina. Esse trabalho permitiu uma discussão
sobre a velocidade das mudanças tecnológicas, como por exemplo, os CDs que
eram novidades há bem pouco tempo, e agora já deram lugar aos pen-drives.
Além da questão dos avanços tecnológicos, também surgiu a preocupação
do que fazer com o lixo tecnológico. Há como reaproveitá-lo? No caso desses
alunos, surgiu uma proposta de mural com decoração natalina para reaproveitar
os CDs descartados. Outras ideias de reaproveitamento foram discutidas e
realizadas. A atividade permite que exploremos o letramento tecnológico,
através da velocidade das mudanças; o histórico relacionando as mudanças
com os diferentes contextos de cada tempo; o científico, com as preocupações
ambientais; o geográfico, analisando a modificação de paisagens em função dos
avanços tecnológicos.

Um concerto didático-musical é o que representa na décima segunda


ilustração. Foram apresentados para as crianças e também para a comunidade
escolar os instrumentos que compõem uma orquestra, além de alguns estilos
musicais. Os alunos também ouviram e perceberam as notas musicais, viram

75
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

ainda um caderno de partituras, ficando claro que a música também tem um


código universal, uma linguagem que o mundo inteiro entende. Esse concerto
possibilita, além do letramento musical, o histórico, trabalhando a história da
música e seus reflexos nos tempos atuais; o artístico, discutindo a música como
arte, produto cultural, e como produto de consumo; o matemático, estudando a
divisão dos tempos (frações), por exemplo.

O mapa que aparece na Figura 13 faz parte de uma placa que informa e indica
a localização das Furnas, da Lagoa Dourada e dos Arenitos, região visitada por
um grupo de estudantes e que fica no Paraná. A intenção do material expositivo
é dar informações cientificas do sítio geológico, mostrando as transformações
geológicas ocorridas através dos tempos. Mapas, gráficos, texto escrito, legendas,
fotografias e outros gêneros compõem o material, informando, localizando e
letrando cientificamente os visitantes. Essa diversidade de gêneros, envolvendo as
múltiplas linguagens, possibilita o trabalho pedagógico com diversos letramentos,
ampliando as diferentes práticas de leitura.

Refletir acerca dos letramentos múltiplos promove a possibilidade


de representar e compreender o mundo de diferentes formas, utilizando
diferentes linguagens.

Alguns dos letramentos múltiplos, inseridos nos contextos sociais e escolares,


podem ser: matemático, geográfico/cartográfico/histórico, científico e digital/
tecnológico. Esses letramento podem ser representados através de múltiplas
formas de linguagem: oral, gráfica, simbólica, musical, corporal, plástica, lúdica e
midiática, dentre tantas outras.

Como autoras, fizemos a escolha de algumas possibilidades de


letramentos, mas queremos lembrar que há múltiplos letramentos,
dependendo do contexto.

Rojo (2009, p.119) conceitua letramentos múltiplos como “as competências


básicas para o trato com as línguas, as linguagens, as mídias e as múltiplas
práticas letradas, de maneira crítica, ética, democrática e protagonista”. As
múltiplas práticas letradas, a criticidade, a ética e a democracia permitem que os
indivíduos participem efetivamente da sociedade e compreendam o mundo no
qual estão inseridos, colaborando para transformá-lo.

Reforçando esse conceito, Cavalcante Júnior (2001, p.3) argumenta:


“uma pessoa letrada é uma boa usuária das múltiplas formas de linguagem
que são usadas para descreverem o mundo onde vivem e expressam os seus
pensamentos e sentimentos” (grifos nossos). Relembrando que a concepção de
76
Capítulo 3 Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos

linguagem, apresentada no capítulo I deste Caderno, é dialógica e pressupõe


a interação.

Os letramentos múltiplos envolvem diferentes situações que


Na sociedade
utilizam a leitura e a escrita como práticas sociais e estão presentes nos
atual, os indivíduos
variados contextos sociais, incluindo o escolar. Na sociedade atual, estão inseridos em
os indivíduos estão inseridos em meios cada vez mais letrados. meios cada vez
Isso significa que, para sobrevivermos no mundo e participarmos mais letrados. Isso
dele como cidadãos, os letramentos tornam-se indispensáveis. É significa que, para
possível que você conheça um adulto que não saiba ler, nem escrever, sobrevivermos
mas faz muito bem o uso do dinheiro, pagando, recebendo, dando no mundo e
troco, calculando juros. Esse cidadão, mesmo não sendo alfabetizado, participarmos dele
como cidadãos, os
usa socialmente e com adequação o dinheiro, sendo letrado nesse
letramentos tornam-
aspecto. O mesmo pode acontecer com a criança que, antes de entrar
se indispensáveis.
na escola, tem contato com diversos letramentos.

Soares (1998, p.24) reforça essa ideia, dizendo que:

Da mesma forma, a criança que ainda não se alfabetizou, mas


já folheia livros, finge lê-los, brinca de escrever, ouve histórias
que lhe são lidas, está rodeada de material escrito e percebe
seu uso e função, essa criança é ainda “analfabeta”, porque
não aprendeu a ler e a escrever, mas já penetrou no mundo do
letramento, já é, de certa forma, letrada.

Queremos usar o exemplo abaixo para demonstrar como é possível uma


criança descobrir a função social de um bilhete numa situação corriqueira de vida.

Figura 14 – Bilhete: Tchau, eu vou na casa do vô.

Fonte: As autoras (Dez, 2010 - Joana).

Este bilhete foi deixado por uma menina de 7 anos que frequentava o
primeiro ano do ensino fundamental, numa escola pública da região de Blumenau,
SC. Enquanto seus pais saíram para trabalhar, ela permaneceu dormindo. Ao sair

77
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

para ir até a casa de seus avós, que moravam ao lado da sua casa, deixou um
bilhete para que seus pais soubessem onde ela estava. A menina descobriu um
jeito de se comunicar através de um simples bilhete.

No caso da escola, o bilhete é um gênero bastante utilizado para


comunicações com a família. Os bilhetes talvez sejam os primeiros gêneros
dos quais a criança perceba o uso social, pois dizem algo para alguém que não
está perto, sendo impossível falar pessoalmente. Aparece nessa situação de
comunicação uma utilidade imediata para a leitura e para a escrita.

O bilhete pode atender a uma necessidade social, familiar no


O letramento
exemplo citado acima, ou escolar, acontecendo dentro ou fora do
envolve diferentes
situações de leitura contexto da escola. “O letramento envolve diferentes situações
e de escrita que de leitura e de escrita que inserem o indivíduo numa sociedade
inserem o indivíduo letrada e está presente nos ambientes social e escolar.” (LEITE,
numa sociedade 2001, 61).
letrada e
está presente Reflita sobre a questão dos múltiplos letramentos e os contextos
nos ambientes sociais nos quais vive. Depois, responda as questões abaixo,
social e escolar.”
considerando o que vimos teoricamente até aqui.
(LEITE, 2001, 61).

Atividade de Estudos:

1) Liste abaixo experiências de letramentos múltiplos que você tenha


vivenciado.
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Capítulo 3 Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos

Maurits Cornelis Escher ficou mundialmente conhecido por


Maurits Cornelis
representar construções impossíveis, preenchimento regular do plano
Escher ficou
e explorações do infinito. Foi um gênio da imaginação lúdica e um mundialmente
artesão habilidoso nas artes gráficas, mas a chave para muitos dos conhecido por
seus efeitos surpreendentes é a matemática, utilizada de uma forma representar
intuitiva. Assim, suas obras permitem múltiplas leituras: gráfica, lúdica, construções
matemática, artística. impossíveis,
preenchimento
Figura 15 – Obra de Maurits Cornelis Escher regular do plano e
explorações
do infinito.

Fonte: Disponível em: <http://ensinarevt.com/


ilusoes_optic/>. Acesso em: 15 set. 2011.

Atividade de Estudos:

1) No seu ponto de vista, para que lado os pássaros voam?


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2) A figura nos permite uma leitura diferente: não é uma decodificação


de palavras. Que linguagem Escher usa para comunicar sua
mensagem?
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Letramentos Múltiplos na Alfabetização

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3) Só conseguiremos interpretar suas obras matematicamente se


formos letrados na linguagem matemática. Vemos o lúdico se
estivermos ludicamente letrados e assim por diante. Como você
vê a figura acima? Quais as possibilidades de leitura que a obra
apresenta?
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Cenas de letramento:

Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=0ub-GbVRZAo

Cem linguagens:

Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=i7KYp55R3TQ

É importante
delimitarmos um
pouco a nossa
discussão, pois A seguir, apresentaremos o que nos dizem alguns autores acerca
os múltiplos dos letramentos, sem perder de vista nosso contexto escolar, de sala
letramentos de aula. É importante delimitarmos um pouco a nossa discussão,
possibilitam um pois os múltiplos letramentos possibilitam um leque bastante amplo e
leque bastante
complexo. Assim, vamos pensar no assunto trazendo-o sempre para
amplo e complexo.
nossa realidade de professor, de aluno, de sala de aula, de escola.
80
Capítulo 3 Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos

a) Letramento Científico

Vamos iniciar nossa discussão sobre o letramento científico


Podemos afirmar
relembrando que ser alfabetizado é dominar o código da leitura e da
que ser letrado
escrita, enquanto que ser letrado é praticar a leitura e a escrita nos cientificamente
diversos contextos: sociais, escolares, científicos, artísticos e assim significa sentir-
por diante. Se transportarmos esses termos e entendimentos para o se parte da
campo da ciência, teremos também a alfabetização e o letramento cultura científica,
científicos. Assumindo a linguagem como uma concepção ampla, exercendo-a e
lembramos que é compromisso de todas as disciplinas compreender praticando-a
e utilizar as práticas de leitura e de escrita. Podemos afirmar que ser socialmente,
letrado cientificamente significa sentir-se parte da cultura científica, enquanto que
alfabetizar-se
exercendo-a e praticando-a socialmente, enquanto que alfabetizar-se
cientificamente
cientificamente significa conhecer e dominar a linguagem científica, significa conhecer
apropriar-se dos conhecimentos e saberes científicos. e dominar a
linguagem científica,
Não há um consenso entre os autores da educação científica apropriar-se dos
quanto ao uso dos termos alfabetização e letramento. O termo conhecimentos e
letramento científico é considerado inapropriado, segundo alguns saberes científicos.
autores, “para designar todos os compromissos da Educação em
Ciências” (PAULA; LIMA, 2007, p. 8). Mas concordam e acreditam que letramento
e Educação em Ciências são compromissos fundamentais da escola.

O importante para nós, professores dos anos iniciais do ensino fundamental,


não é discutir a terminologia, e sim enxergar nas ciências e tecnologias
possibilidades de construir conhecimentos, fazer experiências, vivenciar situações
de aprendizagens, enfim, oportunizar práticas de leitura e de escrita nas quais as
crianças inscrevam-se como sujeitos ativos, desenvolvendo o espírito científico
e crítico, o raciocínio lógico, a inventividade, a formulação de hipóteses e de
problemas científicos no espaço escolar.

A ciência como construção mental, promove o desenvolvimento


intelectual infantil e ainda contribui positivamente para o
desenvolvimento de outras áreas, como o da linguagem e
da matemática. Como ideias das crianças sobre o mundo
que as rodeia são construídas durante os primeiros anos de
escolarização, não ensinar Ciências nessa idade significa
ignorar esse processo, abandonando a criança a seus próprios
pensamentos, privando-a de um contato mais sistematizado
com a realidade. (UNESCO, 2003, p.8).

Trazendo a ciência para o campo da educação, mais especificamente para o


do letramento, Santos (2007, p.10) argumenta o seguinte:

A educação científica na perspectiva do letramento como


prática social implica um desenho curricular que incorpore
práticas que superem o atual modelo de ensino de ciências

81
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

predominante nas escolas. Entre as várias mudanças


metodológicas que se fazem necessárias, três aspectos
vêm sendo amplamente considerados nos estudos sobre as
funções da alfabetização/letramento científico: natureza da
ciência, linguagem científica e aspectos sócio-científicos.

Refletindo sobre o que o autor nos coloca tão claramente, o modelo de


ensino que favorece a memorização de vocábulos, de sistemas classificatórios e
de fórmulas através de estratégias didáticas, descontextualizando e distanciando
o conhecimento científico da realidade cotidiana, deve ser revisto, considerando:

• a natureza da ciência, ou seja, aprender como se faz pesquisa, como os


cientistas trabalham, quais suas limitações, buscando também conhecimentos
históricos, filosóficos e sociológicos;

• a linguagem científica, que deve ser compreendida como um gênero do


discurso, ou melhor, como discurso científico. Isso significa interpretar suas
fórmulas, esquemas, gráficos, diagramas, tabelas, dados etc. Os alunos
precisam ler, compreender e produzir textos científicos.

• os aspectos sócio-científicos, entendidos como uma abordagem


contextualizada dos saberes científicos, ressignificando os conteúdos
científicos estudados na escola.

Podemos dizer, baseados nos PCNs, que o ensino de Ciências deverá


promover a compreensão da natureza e a representação de mundo (como se
entende o universo, o espaço, o tempo, a matéria, o ser humano, a vida), além da
descoberta e explicação dos novos fenômenos naturais, organização e síntese do
conhecimento em teorias. (BRASIL, 1997).

Diante disso, o professor precisa planejar, organizar e


O professor precisa
problematizar suas aulas, considerando seu aluno como um ser social,
planejar, organizar
e problematizar capaz de construir conhecimentos. Alguns procedimentos fundamentais
suas aulas, indicados pelas diretrizes nacionais são a investigação, a comunicação,
considerando o debate de ideias e fatos, a observação, a experimentação, a
seu aluno como comparação, a articulação entre fatos, fenômenos e ideias, a leitura e a
um ser social, escrita de textos informativos, desenhos, tabelas, gráficos, esquemas e
capaz de construir textos, a elaboração de hipóteses etc. (BRASIL, 1997).
conhecimentos.
Os PCNs de Ciências também nos trazem uma concepção mais
ampla de conteúdo, abrangendo três dimensões: conceitual, procedimental e
atitudinal. Os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais têm como
princípios norteadores o aprender, o aprender a fazer e o aprender a ser,
importantes para todas as áreas do conhecimento.

Aliar o conhecimento construído cientificamente aos conhecimentos do

82
Capítulo 3 Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos

cotidiano das crianças é um bom começo para aproximá-las da Ciência e


da Tecnologia. Experiências simples, como fazer uma gelatina ou um bolo,
confeccionar papel reciclado, fazer um “minhocário”, catalogar folhas ou plantas,
acompanhar as fases de vida de um animal (sapo, borboleta, galinha), registrando
as observações com fotos, pesquisas e escrita, poderão render bons projetos
de trabalho, aproximando conceitos científicos com a realidade vivenciada pelo
professor e seus alunos.

O trabalho do docente torna-se mais desafiador sob essa ótica, e a concepção


de Ciências assume uma perspectiva de letramento, pois leva em consideração o
contexto no qual a aprendizagem ocorre.

Veja como o exemplo a seguir esclarece a importância do letramento


científico em nossas vidas:

As pessoas lidam diariamente com dezenas de produtos


químicos e têm que decidir qual devem consumir e como fazê-lo. Esta
decisão poderia ser tomada levando em conta não só a eficiência
dos produtos para os fins que se desejam, mas também seus efeitos
sobre a saúde, seus efeitos ambientais, seu valor econômico, as
questões éticas relacionadas à sua produção e comercialização. Por
exemplo, poderia ser considerado pelo cidadão, na hora de consumir
determinado produto, se na sua produção é usada mão-de-obra
infantil ou se os trabalhadores são explorados de maneira desumana;
se em alguma fase, da produção ao descarte, houve geração de
resíduos que agridem o ambiente; se ele é objeto de contrabando ou
de outra contravenção etc. (SANTOS, 2007, p. 7).

Considerando esse exemplo, poderíamos afirmar que pensar os sentidos do


ensino de Ciências na sociedade de hoje, além de necessário, é desafiador, tanto
para professores como para os pesquisadores também. Isso nos faz refletir sobre
o quão importante é estimular, orientar e fazer pesquisa na escola já nos primeiros
anos da trajetória escolar.

Atividade de Estudos:

Considere o que você leu até agora e “arregace as mangas”.


Alie o fazer com a pesquisa e o registro.

Ciência e tecnologia é uma boa combinação. Há sites, blogs,

83
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

enfim, espaços virtuais, nos quais você pode pesquisar vários


experimentos, possíveis de aplicar em casa ou na escola, com seus
alunos. Mas, lembre-se, o experimento deverá estar contextualizado
com o que você está trabalhando em sala, de preferência com um
projeto. É importante que a criança crie sentidos sobre que está
realizando, caso contrário a prática do experimento perde o seu valor.
“Fazer por fazer” somente não agrega conhecimento, é necessário
que haja observação, registros, hipóteses e conclusões.

1) Visite o site http://chc.cienciahoje.uol.com.br/revista/experimentos,


escolha um dos experimentos e descreva-o abaixo.
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2) Registre também suas observações, hipóteses e conclusões.


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3) O que você aprendeu vendo ou realizando o experimento? É


possível fazer uma relação entre a experiência (Ciências) com a
vida das pessoas (contexto social)? Justifique sua resposta.
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Capítulo 3 Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos

É importante lembrar sempre às crianças que os experimentos


devem ser realizados com a mediação do professor ou adulto
responsável, pois há alguns cuidados necessários ao realizá-los.

• Letramento científico, tecnologia e sociedade

Norris e Phillips (2003 apud SANTOS, 2007), ao revisar as diferentes


concepções e perspectivas sobre o Letramento ou Alfabetização Científica,
identificaram os seguintes significados para essa educação:

a) conhecimento do conteúdo científico e habilidade em


distinguir ciência de não-ciência;
b) compreensão da ciência e de suas aplicações;
c) conhecimento do que vem a ser ciência;
d) independência no aprendizado de ciência;
e) habilidade de usar conhecimento científico na solução de
problemas;
f) conhecimento necessário para participação inteligente em
questões sociais relativas à ciência:
g) compreensão da natureza da ciência, incluindo as suas
relações com a cultura;
h) apreciação do conforto da ciência, incluindo apreciação e
curiosidade por ela;
i) conhecimento dos riscos e benefícios da ciência; ou
j) habilidade para pensar criticamente sobre ciência e
negociar com especialistas. (NORRIS e PHILLIPS, 2003 apud
SANTOS, 2007, p. 6).

Refletindo sobre essas significações para a Educação em Ciências, podemos


nos considerar letrados, científico e tecnologicamente, à medida que os nossos
conhecimentos e habilidades nos deixam mais autônomos, críticos, políticos,
responsáveis, éticos, com consciência cidadã - individual e coletiva.

Nesse sentido, conhecimento científico não pode ser compreendido como


produto da academia científica tão somente, como verdade única e incontestável,
mas como cultura presente no cotidiano, podendo ser observado em
desenhos animados, filmes, internet, literatura e, principalmente, no Vivemos um tempo
uso das tecnologias para construção de inúmeros objetos e produtos. em que a ciência
e a tecnologia têm
Vivemos um tempo em que a ciência e a tecnologia têm funções funções sociais
sociais importantes para a história, economia e cultura. É por essa importantes para a
história, economia
razão que quando os conteúdos são contextualizados abrangendo
e cultura.
conceitos, fazeres e atitudes, conforme vimos anteriormente, o ensino
85
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

de Ciências faz sentido para as nossas crianças, servindo também de base para
seu desenvolvimento cognitivo, emocional, cultural e social.

A escola, nesse contexto social, precisa valorizar a Ciência e aproximá-la


da vida real. Atividades como fazer uma horta, semeando, cuidando, colhendo,
preparando alimentos com verduras e hortaliças e alimentando-se destes produtos
naturais, faz com que as crianças entendam que plantas são seres vivos, que se
não houver cuidados especiais, podem morrer, que quando cuidamos das plantas
e mexemos na terra, precisamos cultivar também os hábitos de higiene, e assim
por diante. Fazer coleções de folhas, rochas, pesquisando nomes científicos e
demais informações, para depois registrar e expor à comunidade escolar. Estas
são atividades que as crianças dos primeiros anos do ensino fundamental
gostam de realizar, aprendendo a conhecer o ambiente natural que as cercam,
observando-o e tomando consciência de que a natureza precisa de cuidados.

Se você tiver dúvidas sobre como montar uma horta, consulte


um manual de orientação no site: www.turminha.mpf.gov.br/para-o-
professor/para-o.../Manual-da-horta.pdf .

Tanto na horta, quanto na sala de aula, ou no laboratório de Ciências, as


crianças precisam ser lembradas e orientadas a terem atitudes científicas na
hora de perguntar, observar, registrar, debater, apresentar ideias, concluir. O
computador também poderá ser um grande aliado na pesquisa, porém o seu uso
também deve ser orientado e acompanhado.

Sugerimos, abaixo, alguns sites com experiências, informações,


atividades e curiosidades de Ciências. Esses recursos tecnológicos
poderão ajudá-lo no planejamento e execução de suas aulas,
servindo como fonte de pesquisa para você e seus alunos.

http://www.on.br/pequeno_cientista/nave.html

http://www2.tvcultura.com.br/x-tudo/arquivo/listadeexperiencias.htm

http://www2.tvcultura.com.br/aloescola/ciencias/index.htm

http://universoneo.com.br/fund/

http://www.eciencia.usp.br/laboratoriovirtual/index.html

86
Capítulo 3 Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos

A ciência e a tecnologia acompanham a sociedade em seus aspectos


científicos, sociais, culturais e econômicos. A escola tem diante disso o papel de
alfabetizar e letrar seus alunos nessas linguagens, e o professor poderá fazer do
ensino de Ciências uma “porta aberta” que dá passagem a esse mundo cheio de
novas descobertas científicas, de mudanças tecnológicas, de invenções digitais.

Propiciar, portanto, a educação científica como um processo


de domínio cultural dentro da sociedade tecnológica, em que
a linguagem científica seja vista como ferramenta cultural na
compreensão de nossa cultura moderna, é o grande desafio
na renovação do ensino de ciências. (SANTOS, 2007 p.12).

Para finalizar, de modo bem especial, essa discussão acerca do letramento


científico, queremos sugerir que você assista ao documentário “O lixo
extraordinário”, de Vik Muniz, com direção de Lucy Walker e co-direção de João
Jardim e Karen Harley. O documentário nos mostra a realidade dos catadores de
lixo, a dignidade humana, a junção da arte e do lixo, com uso de equipamentos
tecnológicos. A partir do documentário, podemos discutir letramento(s), recursos
humanos e tecnológicos, mudanças sociais, sustentabilidade.

Leia, agora, uma sinopse do documentário:

Filmado ao longo de dois anos (agosto de 2007 a maio de


2009), “Lixo Extraordinário” acompanha o trabalho do artista plástico
Vik Muniz em um dos maiores aterros sanitários do mundo: o
Jardim Gramacho, na periferia do Rio de Janeiro. Lá, ele fotografa
um grupo de catadores de materiais recicláveis, com o objetivo
inicial de retratá-los. No entanto, o trabalho com esses personagens
revela a dignidade e o desespero que enfrentam quando sugeridos a
reimaginar suas vidas fora daquele ambiente. A equipe tem acesso a
todo o processo e, no final, revela o poder transformador da arte e da
alquimia do espírito humano.

Atividade de Estudos:

Lembre-se, o letramento permite aproximações entre ciência,


tecnologia e contextos sociais.

1) Você percebe isso lendo a sinopse do documentário? De que


maneira? Descreva suas ideias:

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Letramentos Múltiplos na Alfabetização

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Depois de refletirmos sobre o letramento científico e tecnológico, nada mais


sugestivo do que abordar também o letramento digital, visto que, na atualidade, a
sociedade não é mais analógica, exigindo das pessoas habilidades digitais.

b) Letramento Digital

Os homens e as mulheres no construir a sua história


inventaram, pela sua capacidade de inteligir e de criar e para as
suas próprias sobrevivências, as tecnologias. Todas “de ponta”,
que instauraram, em tempos, avanços antes nunca vistos. O
plantio, a irrigação, a roda, a escrita e a leitura, a imprensa,
a bússola, as navegações, o comércio, a máquina a vapor, a
indústria moderna, o trem, a luz elétrica, o telefone, o rádio, o
automóvel, o avião, a TV, o VT etc... encaminharam-nos para a
“era da comunicação”. (FREIRE apud SILVA, 2003, p. 59).

O texto que introduz as discussões acerca do letramento digital é de Ana


Maria Freire (Nita Freire), esposa de Paulo Freire, que leva-nos a refletir sobre
os grandes avanços tecnológicos com os quais a sociedade convive diariamente.

Um dos avanços tecnológicos mais atuais e que trouxe maiores


Um dos avanços mudanças certamente foi o surgimento da internet. Ela demarca um novo
tecnológicos mais modo de convívio social e traz a linguagem escrita para o cotidiano de
atuais e que trouxe
crianças, jovens, adultos e idosos. Sim, idosos, pois a distância familiar,
maiores mudanças
entre outros fatores, tem aproximado os idosos de seus familiares através
certamente foi
o surgimento do computador. Não é mais novidade encontrar pessoas com mais de
da internet. sessenta anos na frente de uma tela de computador conversando com
os filhos ou netos pelo Skype, Facebook ou e-mail.

Diante dessa nova realidade, o tempo e o espaço não são mais obstáculos e
“deixaram de ser um fator limitante para as relações interpessoais de centenas de
milhões de pessoas.” (SANTIAGO; CRUZ e LUZ, 2009, p.5)
88
Capítulo 3 Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos

A utilização da internet como um meio de comunicação no mundo


contemporâneo possibilita inúmeras situações de leitura e de escrita e, por
constituir-se uma prática social, exige que os seres humanos sejam alfabetizados
e letrados digitalmente.

Segundo Barros (2011, p.136),

O surgimento da Internet não somente indicou novos modos


de estar na sociedade como trouxe a linguagem escrita para o
cotidiano de crianças e jovens em idade escolar. Utilizando a
internet, esses jovens se constituem como sujeitos de práticas
letradas diversas- criam Web logs (ou blogs), administram-
nos, colocam suas mensagens na rede quase diariamente,
fazem amigos virtuais, constituídos a partir da capacidade de
expressão escrita, visitam salas de bate-papo, interagem de
maneiras diversas, por exemplo, através de jogos criados a
partir de narrativas fantásticas, construídas coletivamente em
ambiente virtual.

A explosão de novas práticas de leitura e escrita apresenta o letramento digital


como um tipo de letramento que tem tido uma grande repercussão na construção de
sentidos e no papel da leitura e da escrita. Para Soares (2002, p. 1) “a introdução,
na sociedade, de novas e incipientes modalidades de práticas sociais de leitura e
de escrita, propiciadas pelas recentes tecnologias de comunicação eletrônica, o
computador, a rede (WEB), a Internet”, tem contribuído para compreender como
estão se instituindo as práticas de leitura e de escrita digitais.

Para Carmo (2003), letramento digital é um conjunto de Para Carmo (2003),


conhecimentos que permite às pessoas participarem, por meio letramento digital
de práticas letradas mediadas por computadores e outros meios é um conjunto de
eletrônicos, desta nova era digital, deste novo mundo, onde um clique conhecimentos que
nos leva a uma infinidade de dados. permite às pessoas
participarem, por
meio de práticas
• O letramento digital e a escrita letradas mediadas
por computadores
A escrita precisa de um espaço, um lugar, onde possa ser e outros meios
registrada. Soares (2002) faz um resgate histórico desses espaços eletrônicos, desta
nova era digital,
da escrita lembrando que no início da história da escrita a superfície
deste novo mundo,
usada era uma pequena tábua de argila ou madeira, ou então, uma
onde um clique
superfície polida de pedra; mais tarde foi a superfície interna de um nos leva a uma
rolo de papiro ou de pergaminho, que o escriba dividia em colunas; infinidade de dados.
finalmente, com a descoberta do códice, temos a superfície bem
delimitada da página, sendo primeiramente de papiro, depois de pergaminho
até chegarmos à superfície branca da página de papel. Com o surgimento do
computador, esse novo espaço é a tela.

O espaço condiciona o tipo de escrita, a maneira como se escreve e também

89
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

as relações entre escritor e leitor, leitor e texto, escritor e texto. Sabemos, por
experiência, que ler ou escrever um livro, página a página, relendo ou reescrevendo,
quando necessário, é bem diferente que ler ou escrever no computador. O que
chamamos de texto no papel é hipertexto na tela do computador. O texto deve
ser lido linearmente, numa determinada sequência, pois é estático, enquanto que
o hipertexto permite múltiplas possibilidades de leitura, sendo dinâmico e móvel.

Para Xavier (2002), o hipertexto on-line é a página eletrônica da


Para Xavier (2002), internet onde o leitor encontra textos, sons e imagens, de maneira
o hipertexto on-
não-linear e de forma interativa, com possibilidades de visitar outras
line é a página
páginas, podendo controlar até certo ponto sua leitura-navegação na
eletrônica da
internet onde o grande rede de computadores.
leitor encontra
textos, sons e No letramento digital, o espaço de escrita e de leitura é uma tela,
imagens, de que pode ter vários tamanhos, possibilitando
maneira não-
linear e de forma novas formas de acesso à informação, mas também novos
interativa, com processos cognitivos, novas formas de conhecimento, novas
possibilidades maneiras de ler e de escrever, enfim, um novo letramento, isto
é, uma nova condição para aqueles que exercem práticas de
de visitar outras
escrita e de leitura no computador. (PINHEIRO, 2011, p.8)
páginas, podendo
controlar até certo
ponto sua leitura- Markusky e Xavier (2004) trazem também à nossa reflexão a questão
navegação na dos gêneros digitais, que são configurações textuais como os bate-papos
grande rede de escritos, os fóruns eletrônicos, as comunidades virtuais, os e-mails, a
computadores. simultaneidade de textos, sons e imagens, que dividem um mesmo
espaço de interpretação (hipertexto). Os gêneros digitais exigem novas
competências que precisam ser trabalhadas de modo que eles sejam compreendidos
e utilizados adequadamente, como práticas sociais de leitura e de escrita.

Considerando a escrita neste contexto digital, a escola, mais uma vez, tem
um papel fundamental como agente transformador, pois as crianças não podem
ficar à margem dessa nova realidade social. É necessário alfabetizar e letrar
digitalmente para que nos tornemos cidadãos do mundo e sobrevivamos ao
século do conhecimento.

Para tanto, é fundamental que o professor conheça os gêneros digitais,


trazendo-os para dentro da escola e praticando-os. Fazer um blog e postar o
trabalho dos alunos, através de texto escrito, foto, vídeo é uma das múltiplas
maneiras de digitalizar o que acontece no cotidiano, dentro e fora da sala de aula.

• As gerações tecnológicas e a escola

Atualmente, recebemos nas escolas, crianças que já nasceram nessa era


das novas tecnologias utilizando, por exemplo, recursos disponíveis nas máquinas
fotográficas, filmadoras, celulares, agenda eletrônica, calculadora. Sabem baixar

90
Capítulo 3 Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos

músicas da internet, gravar voz, vídeos e arquivos de texto, participar de redes


sociais, jogar etc. Fazem isso tudo com naturalidade e desenvoltura.

Segundo Palfrey e Gasser (2008),

[...] a Geração Y é formada pelos nativos digitais, ou seja,


sujeitos que nasceram no início dos anos 1990 quando
as novas tecnologias entraram nas sociedades com muita
intensidade. Essa geração vem crescendo com grande
acesso a tecnologias, como plataformas de jogos eletrônicos,
computadores e telefones celulares multifuncionais. (PALFREY
E GASSER, 2008 apud XAVIER, 2011, p. 3-4)

Essa realidade traz para a escola um compromisso ainda maior com as


tecnologias. Xavier (2011), ao parafrasear o pesquisador americano Tapscott,
em um dos seus artigos, postado em seu blog, comenta que o professor precisa
mudar a sua prática pedagógica, sendo mais pesquisador e menos repetidor,
mais articulador do saber, precisa ser um gestor de aprendizagens e não um
instrutor, um líder, e não um professor autoritário, motivando a “aprendizagem
pela descoberta”.

Como estamos nos referindo a crianças de 1º ano, nascidas


a partir de 2005, sugerimos que você, caro pós-graduando,
procure ler a respeito da Geração Z, que tem as características
tecnológicas potencializadas da Geração Y. Segundo estudiosos do
comportamento humano, essa geração, nascida a partir da metade
da década de 90, gosta e lida muito bem com a tecnologia avançada,
apresentando novas formas de pensar e de agir. “Z” vem de zapear.
“Zap” em inglês significa “fazer algo muito rapidamente” e também
“energia” ou “entusiasmo”.
Podemos dizer
que, por efeito da
globalização, o
O professor precisa, então, conceber a leitura e a escrita com mundo mudou muito
bastante mobilidade, dependendo dos gêneros, digitais, nesse caso, nas duas últimas
que irá trabalhar com seus alunos. décadas. Em termos
de exigências de
Rojo (2009) aborda a questão do internetês ou bloguês como um novos letramentos,
exemplo de letramento que, muitas vezes, não é bem aceito pelos é especialmente
professores. Argumenta dizendo que “internetês é uma linguagem importante destacar
social adaptada à rapidez de escrita de gêneros digitais em que circula” as mudanças
relativas aos meios
(ROJO, 2009, p.103), não podendo ser marginalizada pela escola.
de comunicação
Devemos lembrar mais uma vez que a linguagem deve estar adaptada
e à circulação da
ao seu contexto de uso. Cabe a nós, professores, acompanharmos as informação (ROJO,
mudanças tão rápidas e atuais, inclusive no âmbito da comunicação, 2009, p.105).
como no caso da internet.
91
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

Podemos dizer que, por efeito da globalização, o mundo


mudou muito nas duas últimas décadas. Em termos de
exigências de novos letramentos, é especialmente importante
destacar as mudanças relativas aos meios de comunicação e
à circulação da informação (ROJO, 2009, p.105).

Leia o texto que segue:

Eu blogo, tu blogas, ele bloga, nós blogamos

Pesquisas internacionais apontam para um fenômeno


interessante: a blogosfera é um território dominado por jovens. Mais
de 90% dos blogueiros têm 13 e 29 anos; 51,5% entre 13 e 19 anos.

Surpreendente? Nem tanto. Se considerarmos que os jovens de


hoje são nativos digitais (ou seja, pessoas que nasceram depois do
surgimento das novas tecnologias), faz sentido que sejam eles os
principais “habitantes” do ciberespaço. E que se sintam à vontade
para utilizar todos os recursos que ali encontram à sua disposição.
Outro exemplo eloquente da presença dos jovens no ciberespaço
são as redes sociais, como o MySpace e o Orkut. Lançado em janeiro
de 2004, o Orkut alcançou, três anos depois, mais de 40 milhões de
usuários em todo mundo.

Mais uma vez, os jovens são maioria: 61,52% dos membros do


Orkut têm entre 18 e 25 anos (incluídos aí todos os menores que
declaram ter 18 anos quando criam seus perfis). Entre as intenções
declaradas para aderir a essa rede social, um motivo destaca-se:
fazer amigos (64,22%).

Seja nos blogs ou nas redes sociais, a adesão apaixonada


dos jovens às novas formas de relacionamento possibilitadas pela
internet é um fenômeno de evidente impacto social.

Fonte: SANTIAGO, Weberson; CRUZ, Thiago; LUZ, Klayton. ÍNDIGO.


O colapso dos bibelôs. São Paulo: UNO Educação, 2009. p. 7 e 8.

Atividade de Estudos:

1) Você se considera da Geração Y? Justifique sua resposta:


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92
Capítulo 3 Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos

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2) Quais são os gêneros digitais que você mais usa?


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3) Cite algumas diferenças entre texto e hipertexto.


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• Conversando sobre algumas práticas de letramento digital

Temos a tendência em pensar somente no computador quando nos referimos


ao trabalho com tecnologias em sala de aula. Podemos nos aproveitar de
atividades que envolvem, por exemplo, calculadora, celular, máquina fotográfica.

Com a calculadora, podemos trabalhar os números e suas posições, o que


vem antes de 5 e depois, o que está à direita do 8, e à esquerda, além
de pequenas somas, subtrações, multiplicações. Somar o 2, 5 vezes
Porém, tanto as
(2+2+2+2+2), multiplicar 5 por 2 (5x2) ou 2 por 5 (2x5) dá o mesmo fotos quanto os
resultado? Por que será? É claro que a atividade vai depender dos filmes podem
conhecimentos prévios de seus alunos e do seu objetivo pedagógico. ser aproveitados
como materiais
Do celular poderemos aproveitar o calendário, a agenda do de observação,
dia, horários, além de enviar torpedos. É possível utilizarmos esses pesquisa e
orientação, dentro
recursos pedagogicamente. Quanto às fotos, poderão ser tiradas
da sala.
tanto de celular quanto de máquinas digitais. É bastante comum

93
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

professores registrarem com fotos ou filmagens momentos marcantes das


crianças na escola. Muitas vezes esses registros são colocados em sites, no
mural da escola ou na sala de aula. Porém, tanto as fotos quanto os filmes
podem ser aproveitados como materiais de observação, pesquisa e orientação,
dentro da sala. Filmar a apresentação de uma parlenda e ouvi-la na sala,
observando a dicção, a postura, o tom de voz, a expressão corporal é um retorno
riquíssimo que o professor pode dar aos seus alunos, além de proporcionar ao
aluno momentos de autoavaliação.

O uso do computador deve ser sempre orientado. Visitar sites


interessantes, conhecer lugares e culturas diferentes, jogar com
A tela do
computador objetivos não competitivos, brincando, aprendendo ou reforçando
é um espaço aprendizagens anteriores, ler textos, ver animações, escrever
que favorece a pequenas mensagens são alguns exemplos de atividades que podem
interdisciplinaridade ser realizadas no computador da escola. No entanto, exigem que
e isso é mais
o professor planeje, organize e pesquise sua aula, lembrando de
um motivo para
aproveitarmos essa contextualizar bem as atividades para dar sentido a elas. A tela do
riqueza tecnológica. computador é um espaço que favorece a interdisciplinaridade e isso é
mais um motivo para aproveitarmos essa riqueza tecnológica.

Deixamos algumas sugestões para que você pesquise e


aproveite em suas aulas.

http://educarparacrescer.abril.com.br/comportamento/sites-
educativos-504552.shtml

h t t p : / / w w w. c r i a n c a e n a t u r e z a . p t / s c i d / w e b n a t u r e /
defaultProductViewOne.asp?articleID=151&categoryID=798

Apresentaremos, em seguida, o letramento cartográfico em seus aspectos


conceituais, bem como sugestões práticas de como letrar considerando a
linguagem cartográfica.

c) Letramento em Linguagem Cartográfica

Gostaríamos de começar nossa abordagem recuperando a figura 13 do início


desse capítulo.
94
Capítulo 3 Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos

Figura 16: Visita aos arenitos (Linguagem Cartográfica)


Almeida (2010)
Fonte: As autoras.
aponta para a
cartografia como
Veja como a linguagem cartográfica está presente na fotografia, uma forma de
juntamente com a língua escrita. Através das imagens de mapas, linguagem muito
ilustrações e palavras, podemos entender a localização geográfica dos antiga, até mais
arenitos, bem como as transformações geológicas que aconteceram antiga que a
no decorrer dos anos. A intenção do cartaz é explicar, elucidar esses escrita. Os povos
pré-históricos
fenômenos naturais, localizando-nos.
registravam os
acontecimentos com
Almeida (2010) aponta para a cartografia como uma forma de expressões gráficas,
linguagem muito antiga, até mais antiga que a escrita. Os povos utilizando o mapa
pré-históricos registravam os acontecimentos com expressões como meio
gráficas, utilizando o mapa como meio de comunicação. de comunicação.

Entende-se por cartografia o conjunto de estudos e


operações lógico-matemáticas, técnicas e artísticas que, a partir
de observações diretas e da investigação de documentos e dados,
intervém na construção de mapas, cartas, plantas e outras formas
de representação, bem como no seu emprego pelo homem.
Assim, a cartografia é uma ciência, uma arte e uma técnica.
(CASTROGIOVANNI, 2009, p. 38).

A familiarização com a linguagem cartográfica também deve iniciar muito


cedo e com uma leitura crítica. Quando a aprendizagem ocorre de maneira
crítica, além da decodificação dos símbolos, há também a compreensão das
informações aprendidas. Essa compreensão poderá ser observada nas atividades
cotidianas das crianças, suas representações gráficas, seus comentários quanto
às problemáticas da realidade geográfica.

95
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

Segundo Almeida e Passini (2010), vale lembrar que tanto a produção quanto
a leitura de mapas, relacionadas com atividades e aprendizagens significativas,
contribuem para a resolução de problemas, para a comunicação, explorando
informações. Apropriar-se da linguagem cartográfica não significa pintar ou
contornar mapas, mas fazê-los, acompanhando o processo metodológico de sua
construção, utilizando a proporcionalidade, estabelecendo um sistema de signos
ordenados e a descentralização espacial. O Google Maps também é um recurso
acessível, que une o letramento digital ao cartográfico, desempenhando a função
social de localização, podendo ser aproveitado pela escola.

Interpretar e produzir mapas são habilidades construídas gradualmente.


Desde a educação infantil é possível propor atividades que desenvolvam a leitura
cartográfica. A partir da alfabetização cartográfica, a localização, a perspectiva,
a proporção, a simbolização, a lateralidade e outros conceitos começam a ser
assimilados através de representações.

A finalidade da alfabetização e do letramento cartográfico é formar um leitor


crítico e um fazedor consciente de mapas. É preciso considerar também que, para
fazer mapas, faz-se necessário apropriar-se de alguns conceitos relacionados à
leitura e produção de mapas, conforme já mencionamos anteriormente.

Desde muito pequenas, as crianças que frequentam instituições escolares


convivem com mapas. Muitas veem os mapas pendurados nas paredes das
salas de aula, nas bibliotecas e demais espaços escolares, ou até mesmo
em casa, com o globo terrestre, por exemplo. As crianças são alfabetizadas
cartograficamente à medida que entendem como o mapa é composto e dividido,
quais os oceanos, continentes, países, estados, municípios. Podemos ler o mapa
regionalmente, observar o relevo, o clima etc... Agora, o letramento cartográfico
acontece quando se compreende a utilidade de um mapa. Com ele em mãos,
poderemos, por exemplo, viajar e nos situar em lugares desconhecidos, desenhar
rotas, trajetos, trilhas, com o objetivo de comunicar ou informar os outros. O GPS
também poderá ser utilizado como recurso tecnológico e cartográfico pela escola.

É importante lembrarmos que os mapas não são os únicos


É importante
instrumentos de alfabetização e letramento geográficos. Caça ao
lembrarmos que os
tesouro, labirintos, esconde-esconde, pequenas expedições, visitações,
mapas não são os
únicos instrumentos trilhas no mato, maquetes e outras atividades desenvolvem noções
de alfabetização geográficas e poderão ser exploradas pelo professor.
e letramento
geográficos. Conhecer a criança e tentar compreender como aprende são
atitudes fundamentais de um bom professor. Selecionar e organizar
os conteúdos/conceitos básicos a serem trabalhados, objetivando a formação da
consciência espacial e o desenvolvimento do raciocínio lógico é o grande desafio
da Geografia.

Para Almeida e Passini (2010), a dificuldade inerente ao nível da realidade em

96
Capítulo 3 Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos

que as crianças se encontram e a forma como, na escola, os conceitos relativos


à noção de espaço são trabalhados, ocasionam a falta de compreensão. Veja um
desses exemplos:

Clássico esquema do movimento de translação da Terra


pela posição da Terra no início de cada estação do ano. Ao
assistirem a uma exposição de slides com essa ilustração,
dois alunos da escola primária se admiraram ao
ver quatro terras. Um deles comentou: “Eu não Conforme Filizola
sabia que existiam quatro terras. Você sabia?” Ao (2009, p.36 e 37, é
que o outro indagou: “Em qual delas nós estamos “na perspectiva de
agora?” (ALMEIDA; PASSINI, 2010, p.9) um ensinar a pensar
o espaço, a pensar
Podemos perceber claramente que o conceito trabalhado é muito geograficamente a
abstrato para a criança, tornando-se complexa a compreensão. As realidade, o aluno
crianças do ensino fundamental precisam experienciar, vivenciar deve ser orientado
situações reais de aprendizagem, letrando-se geograficamente, sem a utilizar o mapa
perder de vista o pensar. [...]. O mapa deve
ser tomado como
um poderoso
Conforme Filizola (2009, p.36 e 37, é “na perspectiva de um
instrumento para
ensinar a pensar o espaço, a pensar geograficamente a realidade,
a leitura e a
o aluno deve ser orientado a utilizar o mapa [...]. O mapa deve ser interpretação da
tomado como um poderoso instrumento para a leitura e a interpretação realidade”.
da realidade”.

Observe o desenho de uma aluna do terceiro ano sobre o seu endereço.

Figura 17 - Mapa da escola até a minha casa

Fonte: As autoras.

97
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

É importante lembrar ao professor dos anos iniciais do ensino


Para o primeiro fundamental que a percepção espacial da criança é centrada em si e
ciclo do ensino
revela o momento cognitivo em que se encontra. Nessa atividade, não
fundamental, os
PCNs de Geografia há certo ou errado, mas há o ponto de partida do trabalho do professor.
(BRASIL,1998)
recomendam Para o primeiro ciclo do ensino fundamental, os PCNs de Geografia
que se aborde (BRASIL,1998) recomendam que se aborde questões relativas à
questões relativas presença e ao papel da natureza e suas relações com a sociedade.
à presença e ao Paisagem, local e espaço são os conceitos chaves.
papel da natureza
e suas relações
Também propõe atividades como: roda de conversa, busca de
com a sociedade.
Paisagem, local informação em diferentes fontes, observação e descrição das diferentes
e espaço são os formas de apresentação da natureza, caracterização da paisagem local,
conceitos chaves. produção de mapas e roteiros, leitura de mapas, valorização de formas
não predatórias de exploração e transformação dos recursos naturais.

Atividade de Estudos:

1 - Explique o que você entende por:

a) Alfabetização cartográfica.
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b) Letramento cartográfico.
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Capítulo 3 Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos

2) Pesquise o que é maquete. Faça uma representando sua casa,


escola ou outro espaço.
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3) Represente seu quarto, desenhando a porta, a janela, a cama, o


roupeiro etc.
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Veremos agora como é possível abordar a perspectiva do letramento em


História. Vale ressaltar, mais uma vez, que nossa intenção não é fragmentar
as disciplinas em letramentos singulares. Nossa proposta é refletir sobre
a multiplicidade dos letramentos, e isso acontece de modo simultâneo,
contextualizado e significativo.

d) Letramento em História

O ensino da ciência histórica não se resume mais em ensinar um acúmulo


de informações sobre o passado da humanidade. Esse ensino se propõe a
compreender que as pessoas fazem história o tempo todo em todos os lugares.

A história é antes de tudo uma prática social, construída na


vida real por homens e mulheres. Mas essa história vivida e
transformada em conhecimento é a história ensinada nas
escolas? É possível relacionar a história ação-vida e a história
conhecimento transmitida nos livros? (FONSECA, 2009, p.50)

O mesmo autor defende a ideia de que é na escola que os saberes

99
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

históricos são sistematizados e reconstruídos. Nos primeiros anos, por exemplo,


a escola tem o papel de colaborar na construção da identidade do sujeito,
conhecendo-se a si próprio e aos outros, construindo-se também como cidadão
do mundo, dentro de um tempo, ocupando espaços geográficos e sociais.

A cidadania vai sendo exercida à medida que a criança se percebe


historicamente, descobrindo semelhanças e diferenças entre as pessoas,
permanências e transformações de costumes, modalidades de trabalho,
organização dos grupos sociais de convívio e o relacionamento destes grupos
com a natureza. (BRASIL,1997).

Se entendermos o aluno como um ser histórico e social, estaremos


considerando o letramento uma das condições fundamentais para a cidadania e,
consequentemente, para o ensino da história e das outras disciplinas nas escolas.

Para nós, alfabetizar-se em história é conhecer fatos do passado e do


presente, situar-se no tempo, reconhecer aspectos políticos, artísticos,
sociais, culturais de um povo. Letrar-se, historicamente falando, é reconhecer
e valorizar as memórias da própria família; conhecer culturas diferentes;
visitar museus; apreciar a arte como expressão humana; ser solidário, ético.
A alfabetização e o letramento na área de história partem da leitura do
conhecimento produzido pela humanidade e essa leitura não pode se reduzir
a decodificar o que está escrito. É preciso ser capaz de compreender e utilizar
esse conhecimento socialmente.

Professor, você poderá pesquisar com seus alunos e


comunidade escolar se há, entre os conhecidos, alguém que tenha
participado de algum fato ou acontecimento histórico para ser
entrevistado pela turma ou pela escola. Lembre-se de que a entrevista
precisa ser previamente preparada pelos envolvidos e muito bem
conduzida para que o momento seja valorizado e memorável.
Para Santos (2008,
p. 4), “a leitura
em um sentido
amplo e articulado Para Santos (2008, p. 4), “a leitura em um sentido amplo e
do fazer história, articulado do fazer história, configura-se como um processo que
configura-se como envolve uma postura de percepção da historicidade do próprio texto”.
um processo Ler não é só decodificar o texto, mas compreender as questões que
que envolve perpassam esse texto, ou seja, lê-lo criticamente, identificando as
uma postura de
intenções do autor.
percepção da
historicidade do
Se ler é ler o mundo, não podemos aprender a ler as palavras
próprio texto”.
sem a busca da compreensão da História e da Geografia

100
Capítulo 3 Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos

construídas pelos homens, sem a busca da compreensão


das coisas do mundo, das experiências humanas, das
relações sociais, de trabalho, de tempo. (FONSECA, 2009,
p.91),

O processo de alfabetização e letramento histórico pode ocorrer utilizando


diferentes gêneros textuais e utilizando diferentes linguagens: oral, gráfica,
leitura de fotos, observação de obras de arte, desenho e pinturas, brincadeiras
e dramatizações, sendo imprescindíveis para uma aprendizagem significativa e
interdisciplinar.

Textos de diferentes áreas do saber também trazem conceitos históricos


que podem ser discutidos e repensados, considerando que o conhecimento das
diferentes áreas estão interligados.

Um texto que as crianças dos primeiros anos do ensino fundamental


gostam e que instiga o grupo a refletir acerca dos governos é o texto “Se criança
governasse o mundo”, do autor Marcelo Xavier (2004).

SE CRIANÇA GOVERNASSE O MUNDO

Se a criança governasse o mundo...a Terra jamais seria


castigada e tudo seria plantado com amor e carinho, para que fosse
dado fim à fome.

Se a criança governasse o mundo...a água seria, para sempre,


pura e cristalina, alimentando todas as plantas, animais e humanos.

Se a criança governasse o mundo...o ar seria sempre limpo, e


nele voariam pássaros, pipas e até aviões, que não poluíssem.

Se a criança governasse o mundo...o fogo seria usado com


cuidado, para iluminar e aquecer.

Se a criança governasse o mundo...cada um teria sua casa,


móveis, camas quentinhas e carinho, muito carinho.

Se a criança governasse o mundo... a TV e o rádio só dariam


boas notícias.

Se a criança governasse o mundo...uma banda tocaria música


todo dia.

Se a criança governasse o mundo...economizaria energia e


utilizaria a luz do sol.

101
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

Se a criança governasse o mundo...o jornal seria feito em papel


reciclado e publicaria ideias para um mundo melhor.

Se a criança governasse o mundo...a saúde teria prioridade.

Se a criança governasse o mundo...todos os bichos seriam


amigos.

Se a criança governasse o mundo...a Terra seria um jardim, com


um tapete de flores sem fim!

Se a criança governasse o mundo...o lixo que se produz todo


dia teria lugar certo.

Se a criança governasse o mundo...não haveria animais em


extinção.

Se a criança governasse o mundo...nosso país, o Brasil, teria


muito a ganhar, seria um Brasil mais justo e sem desigualdades.

Se a criança governasse o mundo...o trânsito seria uma


maravilha, nada de acidentes e, leis sempre respeitadas.

Se a criança governasse o mundo...a amizade iria existir entre


todos os povos.

Se a criança governasse o mundo...violência já não existiria.

Se a criança governasse o mundo...ninguém ficaria sem escola.

Se a criança governasse o mundo...iria existir o Dia do Abraço, o


Dia da Alegria, o Dia de Brincar com os Adultos o Dia Inteiro.

XAVIER, Marcelo. Se criança governasse o mundo.


Editora Formato, 2004.p. 4-31.

O texto desencadeia uma série de reflexões acerca do mundo ideal.


Talvez, para muitos professores, a política não seja um conceito escolhido para
se trabalhar nos primeiros anos do ensino fundamental. Mas, se observarmos
as crianças brincando, perceberemos o quanto são políticas criando suas
brincadeiras e estabelecendo formas de governo. Portanto, é necessário trabalhar
política, sim!
102
Capítulo 3 Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos

Atividade de Estudos:

Que tal refletir um pouco sobre política, realizando a atividade!!!!!

1) Selecione uma das frases do texto Se Criança Governasse o


Mundo e procure imagens que justifiquem sua escolha.
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Carlos Drummond de Andrade, em seu texto “Governar”, do


livro “Contos plausíveis”, da Editora Olympio (1995, p. 83), também
apresenta uma reflexão cerca desta brincadeira tão séria de repensar
o mundo.

Confira o texto:

GOVERNAR

Os meninos da rua resolveram brincar de Governo, escolheram


o Presidente e pediram-lhe que governasse para o bem de todos.

• Pois não, aceitou Martim. – Daqui por diante vocês farão os


meus exercícios escolares e eu assino. Clóvis e mais dois de
vocês formarão minha segurança, Januário será meu Ministro da
Fazenda e pagará meu lanche.
• Com que dinheiro? - atalhou Januário.
• Cada um de vocês contribuirá com um real por dia para a caixinha
do governo.
• E que é que lucramos com isso? – perguntaram em coro.
• Lucram a certeza de que têm um bom Presidente. Eu separo as
brigas, distribuo tarefas, trato de igual para igual os professores.
Vocês obedecem, democraticamente.
• Assim não vale. O presidente deve ser nosso servidor, ou pelo
menos saber que todos somos iguais a ele. Queremos vantagens.
103
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

• Eu sou o Presidente e não posso ser igual a vocês, que são


presididos. Se exigirem alguma coisa de mim, serão multados
e perderão o direito de participar da minha comitiva nas festas.
Pensam que ser Presidente é moleza? Já estou sentindo como
esse cargo é cheio de espinhos.

Foi deposto e dissolvida a República.

Fonte: ANDRADE, Carlos Drummond de. Governar. Contos


plausíveis. São Paulo: Editora Olympio,1995, p. 83

A partir da leitura desse texto, é possível pensar que as crianças


desse grupo tinham um conceito de governo e que possivelmente esse
conceito foi construído no espaço social de sua vivência.

2) Reflita acerca do letramento histórico deste grupo. Proponha uma


atividade para trabalhar os conceitos construídos pelo grupo.
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As atividades propostas objetivam ampliar o seu repertório


didático-pedagógico e poderão somar-se aos demais textos
conhecidos e que abordam essa questão.

Para o primeiro ciclo do ensino fundamental, os PCNs de História (1997)


recomendam que se dê preferência aos trabalhos com fontes orais e iconográficas

104
Capítulo 3 Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos

para depois utilizar a linguagem escrita. Sugerem também os padrões


Para o primeiro
de medida de tempo, como o uso do calendário que permite entender
ciclo do ensino
a ordenação temporal do seu cotidiano. Atividades como: rodas de fundamental,
conversa, busca de informação em diferentes fontes, observação de os PCNs de
fotografias ou outras imagens, comparação de informações sobre um História (1997)
mesmo assunto, formulação de hipóteses e registros de diferentes formas recomendam que se
para auxiliar na compreensão dos conceitos históricos para o 1º ciclo, dê preferência aos
também são propostas apresentadas por essas diretrizes nacionais. trabalhos com fontes
orais e iconográficas
Vejamos outra sugestão de trabalho através da observação para depois utilizar a
linguagem escrita.
de uma obra de arte, de Pieter Brueghel, também conhecido como
“O Velho”. É considerado um dos melhores pintores Flandres do
século XVI. Provavelmente nasceu em Breda, nos Países Baixos (popularmente
conhecida como Holanda).

Figura 18 – Obra de arte de Pieter Brughel

Fonte: Disponível em: <www.portaldoprofessor.mec.gov.br>.


Acesso em: 10 out. 2011.

Observe a obra e veja quantas crianças e jovens aparecem brincando.


Brincadeira é um dos assuntos preferidos das crianças. O quadro permite fazer uma
descrição das brincadeiras do século XVI. E hoje, como brincamos? São as mesmas
brincadeiras, ou mudaram? De que brincamos hoje? As observações podem suscitar
pesquisas sobre o autor da obra, o contexto histórico e as brincadeiras da época,
bem como o contexto histórico atual e as brincadeiras de hoje. Provavelmente falar-
se-á de tempos espaços, culturas, transformações etc, partindo da arte.

Algumas dicas para desenvolver a proposta sugerida:

• é possível fazer uma encenação recriando as brincadeiras


daquela época e as de hoje;
105
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

• fazer um quadro comparativo utilizando fotos, desenhos de


brincadeiras;

• entrevistar pessoas de diferentes idades para que contem como


brincavam quando eram crianças;

• relacionar brincadeiras com espaços: de casa, da escola, da


rua, casa dos amigos... As brincadeiras mudam de acordo com o
espaço ou são sempre as mesmas?

• fazer um reflexão sobre os brinquedos de hoje. Como são feitos?


É melhor brincar com os amigos ou com os brinquedos?

Pesquise http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.
html?aula=5331 e descubra um projeto bem interessante e
interdisciplinar a partir desta obra de Pieter Brueghel. Você vai
apreciar!!!

Não poderíamos deixar de abordar o letramento matemático. Em seguida,


veremos sua importância nas práticas sociais, dentro e fora da escola.

e) Letramento Matemático
A matemática faz
parte das atividades
A matemática faz parte das atividades cotidianas das pessoas,
cotidianas das
pessoas, pois pois permite resolver problemas. Ela é “um componente importante na
permite resolver construção da cidadania, à medida que a sociedade se utiliza, cada vez
problemas. Ela é mais, de conhecimentos científicos e recursos tecnológicos, dos quais
“um componente os cidadãos devem se apropriar.” (BRASIL, 1998, p.19).
importante na
construção da Por fazer parte das atividades cotidianas, D’Ambrósio (1990, p. 16-
cidadania, à medida 19) apresenta as seguintes justificativas para trabalhar a Matemática
que a sociedade na escola:
se utiliza, cada
vez mais, de por ser útil como instrumentador para a vida, por ser útil
conhecimentos como instrumento para o trabalho, por ser parte integrante de
científicos nossas raízes culturais, porque ajuda a pensar com clareza
e recursos e raciocinar melhor, por sua universalidade, por sua beleza
tecnológicos, intrínseca como construção lógica, formal etc.
dos quais os
cidadãos devem se Partindo da concepção acerca do ensino da matemática citada
apropriar.” (BRASIL, acima, poderíamos afirmar que o processo de alfabetização e
1998, p.19). letramento matemático é um processo que ocorre naturalmente, porém,

106
Capítulo 3 Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos

não é isso que ocorre na escola. Schliemann (apud Gonçalves, 2011, p.15) faz
uma afirmação que denuncia a matemática ensinada na escola. Ela nos diz
que “fora da escola, as pessoas resolvem problemas mentalmente e encontram
respostas corretas; na escola, utilizam procedimentos escritos e erram com
muita frequência”.

Mediante a afirmação de Schliemann, poderíamos dizer que o processo de


construção do conhecimento matemático que acontece no espaço escolar é muito
diferente do processo que acontece nos espaços sociais de convívio da criança.

Parece um paradoxo falar de algo tão presente na vida diária


e tão complexo na vida escolar. A partir deste paradoxo podemos
perguntar: o que é letramento matemático? É possível falar em
letramento matemático se a transposição e aplicação de conceitos
apresentam inúmeros problemas? A matemática escolar é realmente
dissociada da matemática do dia a dia?

Para responder tais perguntas, inicialmente vamos trazer alguns conceitos


de letramento matemático.

Optamos por utilizar o termo letramento matemático, considerando que é


o mais utilizado pelos pesquisadores da área, devido à amplitude que o próprio
termo letramento carrega.

Gonçalves (2011, p. 10) apresenta o seguinte conceito de letramento


matemático:

a condição a partir da qual um indivíduo compreende e


elabora de forma reflexiva, textos orais e escritos que contém
conceitos matemáticos e, transcende esta compreensão
para uma esfera social e política. (grifo nosso)

Quando pensamos em práticas sociais, parafraseamos D’Ambrósio (2004),


que aponta várias práticas como a leitura e interpretação crítica de noticiários e
programas de televisão; calcular distâncias; ler mapas e sinopses internacionais;
administrar seu próprio dinheiro; compreender questões demográficas, ambientais,
econômicas; lidar com tratamento de dados; organizar e interpretar tabelas;
interpretar dados estatísticos, dentre outras.

A partir desses exemplos de letramento matemático, afirmamos que


os conceitos matemáticos podem ser transferidos para todos os contextos e

107
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

que há muitos caminhos para se trabalhar esses conceitos. O próprio conceito de


letramento matemático pode ser construído a partir da experiência de cada um.

Ao letramento matemático poderemos aliar também o lúdico


através de brincadeiras, como minimercado ou miniloja, distribuindo
diferentes funções para as crianças: um poderá ser o comprador e
outro, o vendedor. As compras poderão ter desconto ou não, à vista
e a prazo. As meninas poderão montar lojas de roupas, sapatos,
brinquedos, e os meninos, postos de gasolina, revendedora de
carros, para respeitar e trabalhar a questão do gênero (masculino e
feminino) na escola.

Para Fonseca (2004, p.27), o uso do letramento matemático justifica-se

pela concepção de habilidades matemáticas como constituintes


das estratégias de leitura que precisam ser implementadas
para uma compreensão da diversidade de textos que a vida
social nos apresenta com frequência e diversificação cada vez
maiores.

A diversidade de textos que se apresenta na vida social de qualquer


A diversidade
indivíduo confirma que o mais significativo é que os alunos aprendam
de textos que
se apresenta na a ler e interpretar representações gráficas e que usem conhecimentos
vida social de matemáticos para interpretar sua realidade. (BRASIL, 1998).
qualquer indivíduo
confirma que o A leitura e interpretação de representações gráficas são iniciadas
mais significativo na educação infantil e nos primeiros anos de escolarização. Nas
é que os alunos
classes de alfabetização passa a ser o aspecto mais trabalhado com as
aprendam a ler
e interpretar crianças, porque ler números e numerais e interpretar representações
representações gráficas faz parte do processo de construção da linguagem matemática,
gráficas e que usem partindo sempre de uma situação concreta. Por exemplo, fazer um
conhecimentos senso na escola para descobrir quantos meninos e quantas meninas
matemáticos para há ao todo na escola ou em cada turma. Depois do levantamento,
interpretar sua
realidade. (BRASIL, construir gráficos para representar os números.
1998).
Kamii (1991, p.15) nos diz que “a criança progride na construção
do conhecimento lógico-matemático pela coordenação das relações simples que
anteriormente ela criou entre os objetos”. Para compreender melhor o significado
da coordenação das relações, podemos ler o exemplo descrito pela autora.

108
Capítulo 3 Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos

[...] ao coordenar as relações de igual, diferente e mais, a


criança se torna apta a deduzir que há mais contas no mundo
que contas vermelhas e que há mais animais do que vacas. Da
mesma forma, é coordenando a relação entre “dois” e “dois”
que ela deduz que 2+2=4, e que 2x2=4. (Kamii, 1991, p.15).

Não vamos nos aprofundar na construção do número a partir das


contribuições de Piaget, porém é necessário considerar que “a criança não poderia
construir o conhecimento físico se ela não tivesse um sistema de referência
lógico-matemático que lhe possibilitasse relacionar novas observações com um
conhecimento já existente”. (Kamii, 1991, p.17 e 18).

As crianças estabelecem contato com os números quando


Soares (2009,
começam a falar. Um exemplo disso é quando solicitamos que a p.46) afirma que
criança mostre com os dedinhos quantos anos ela tem. Certamente “os autores que
essa quantidade representada não tem muito significado para ela, comentam a
mas é dessa forma que ela vai aprendendo que há uma sequência maneira como as
crianças aprendem
numérica determinada: um, dois, três e assim por diante. A ideia de
números sempre
número aparece inicialmente na fala e assim podemos considerar o enfatizam o fato
quanto a oralidade pode contribuir nos processos de letramentos. de que essa
aprendizagem
ocorre no meio
Soares (2009, p.46) afirma que “os autores que comentam a
de cultura, sem a
maneira como as crianças aprendem números sempre enfatizam necessidade de uma
o fato de que essa aprendizagem ocorre no meio de cultura, sem a atuação específica
necessidade de uma atuação específica da escola”. da escola”.

Dizer que essa aprendizagem independe da escola é afirmar


que, independente da escola, as pessoas aprendem o conceito de
número. Independente da cultura, todos vão adquirindo o letramento As atividades
matemático, pois são inumeráveis as experiências com quantidades desenvolvidas
nas classes de
em qualquer atividade que exercemos. Seria interessante realizar uma
alfabetização
pesquisa com os alunos para investigar, entre os familiares, quem usa deveriam partir de
números em sua profissão e depois socializar os resultados numa roda situações concretas
de conversa. e lúdicas, pois
existem brincadeiras
e músicas
A escola é então o espaço que reforça e sistematiza o letramento que envolvem
matemático, pois ela constrói formas mais elaboradas de cálculo contagens,
e abstração, que em alguns casos poderão servir somente para quantificação,
atividades específicas. seriação,
conservação etc. e
que apresentam a
As atividades desenvolvidas nas classes de alfabetização deveriam matemática de uma
partir de situações concretas e lúdicas, pois existem brincadeiras e maneira mais lúdica.

109
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

músicas que envolvem contagens, quantificação, seriação, conservação etc.


e que apresentam a matemática de uma maneira mais lúdica. Não podemos
esquecer que uma das linguagens pelas quais a criança compreende o mundo
é a lúdica. Quanto mais nos utilizarmos desta linguagem para nos comunicarmos
com ela, maior será a chance de nos fazermos entender. Isso vale não só para a
matemática, mas para todas as áreas de conhecimento.

Para Smole (2007, p.11), a ludicidade é uma mudança significativa no


processo de ensino e aprendizagem, pois

O trabalho com jogos nas aulas de matemática, quando


bem planejado e orientado, auxilia o desenvolvimento de
habilidades como observação, análise, levantamento de
hipóteses, busca de suposições, reflexão, tomada de decisão,
argumentação e organização, que estão estreitamente
relacionadas ao chamado raciocínio lógico.

Segundo a autora, os jogos são recursos que possibilitam situações de


prazer e aprendizagem significativa, além de favorecer a interação entre os
alunos, desenvolvendo a linguagem, os diferentes processos de raciocínio, as
relações e a autoconfiança.

Discutimos e refletimos acerca do papel da matemática na escola e os


conceitos de letramento matemático que permeiam os espaços educacionais,
considerando que o letramento matemático ocorre a partir da “aquisição de
aptidões para o uso de sistemas notacionais escritos para a prática da integração
de significados da Matemática na linguagem.” (MACHADO, 2011, p. 148)

Para finalizar as discussões acerca do letramento matemático gostaríamos


também de reafirmar que a leitura e a escrita são fundamentais para a construção
do raciocínio lógico matemático e que o letramento matemático é um tema
complexo, pois de um lado aparece a matemática do cotidiano e do outro lado a
matemática dos programas escolares. A inter-relação entre os conhecimentos do
cotidiano e os escolares depende exclusivamente da atuação do professor e da
sua compreensão de ensino e de aprendizagem.

Baseadas em nossas experiências escolares, percebemos que é


preciso resgatar e valorizar a geometria, que parece estar esquecida até nos
materiais didáticos, aparecendo nas últimas páginas dos livros. É possível
trabalhar conceitos de arte, de matemática, de espaço, geometricamente, com
aproveitamento da realidade, pois muitos lugares, objetos e materiais têm formas
geométricas que podem ser exploradas.

110
Capítulo 3 Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos

A geometria, os jogos, os materiais concretos devem partir de


situações concretas, vivenciadas pela criança, pois ainda não abstrai
conceitos complexos sem primeiramente manusear, brincar, contar,
selecionar, classificar, seriar etc.

Propostas práticas

• Observando a planta do apartamento retirada de um panfleto de propaganda


de uma imobiliária, o professor poderá explorá-lo como um gênero textual
que circula socialmente. Poderá aproveitar, por exemplo, as figuras
geométricas, propondo aos alunos que contem quantos quadrados, círculos
e retângulos existem na figura. As crianças também poderão desenhar a
casa delas por dentro.

Figura 19 – Planta de casa

Fonte: As autoras.

• Criar um quadro individual para registrar as atividades que realiza num dia,
registrando o horário em que realizou cada atividade. Num segundo momento,
construir um relógio ilustrando cada hora com a atividade que foi realizada.

• Selecionar a receita de uma das suas comidas preferidas. Desenhar as


quantidades apresentadas na receita.

111
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

Atividade de Estudos:

Agora é a sua vez de brincar matematicamente com os livros.

Você poderá adaptar essa atividade aos seus alunos,


adequando-a aos conhecimentos da turma. Divirta-se!

A Borboleta Azul A Galinha que Sabia Nadar


Autor: Nicolas Van Pallandt Autor: Paul Adshead
Preço: R$ 15,00 Preço: R$ 15,00
Número de páginas: 28 Número de páginas: 32

A Ilha de Nim Agora é a minha vez


Autor: Wendy Orr Autor: Zeca Sampaio
Preço: R$ 29,00 Preço: R$ 31,80
Número de páginas: 120 Número de páginas: 28

112
Capítulo 3 Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos

1) Quantos livros são?


_____________________________________________________
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_____________________________________________________
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2) Qual é o mais barato?


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3) E o mais caro?
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4) Quais são os livros que têm o mesmo preço?


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5) Qual é o mais grosso?


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_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________

6) E o mais fino?
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_____________________________________________________

113
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

_____________________________________________________
_____________________________________________________

7) Quais são os livros que têm o mesmo número de páginas?


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_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________

8) Quanto você pagará pela compra dos quatro livros?


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_____________________________________________________

10) À vista, você ganha 20% de desconto. Quanto pagará?________


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_____________________________________________________
_____________________________________________________

11) Você pode efetuar a compra em duas parcelas sem desconto.


Quanto pagará cada parcela?
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________

Matemática nos Anos Iniciais: Compromisso com o Ensino e a


Aprendizagem. Plano de Ações Articuladas – PAR (MEC-UNISINOS
e NUPE)

Caderno do Mathema-Jogos de Matemática de 1º a 5º ano. Kátia


Stocco Smole, Maria Ignez Diniz e Patrícia Cândido. Ed. Artmed.

Desafios Matemáticos - desafios e possibilidades. Eduardo


Soares. Ed. Dimensão

114
Capítulo 3 Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos

Algumas Considerações
Não poderíamos deixar de comentar que o trabalho na perspectiva dos
múltiplos letramentos não se limita a uma disciplina somente. Aliás, o currículo nos
anos iniciais deveria ser concebido como integral, sem fragmentar as disciplinas.

Os letramentos apresentados nesse capítulo não contemplaram todas as


disciplinas separadamente, pois concebemos a construção do conhecimento
em eixos ou áreas de estudo. Seguindo esse pressuposto, apresentamos
os letramentos múltiplos compatíveis com as atividades sugeridas, até para
contextualizá-las.

A atividade de observar o interior de um apartamento, descrita no letramento


matemático, pode ser explorada também no letramento cartográfico, enfatizando
conceitos relacionados ao espaço, por exemplo. Ainda é possível aproveitá-la
para artes, com uso de cores e formas geométricas.

Outro exemplo é a proposta do quadro Pieter Brueghel, sugerida no


letramento em história. Além do conceito de tempo, trabalhado através das
brincadeiras do século XVI e das atuais, podemos trabalhar conceitos de
movimento, abrangendo aulas de educação física, ou contagem e agrupamento
dos personagens presentes na obra, que focam conceitos matemáticos. Em artes,
seria possível fazer uma releitura da obra, considerando o passado e o presente,
observando cores, descrevendo cenas.

Considerando essas breves sugestões, podemos perceber claramente


que a prática docente pode e deve abranger os múltiplos letramentos, sem
restringir-se aos limites de cada disciplina. Torna-se evidente a importância
de objetivar os conceitos de cada uma, sem perder de vista o todo, evitando,
assim, a fragmentação.

Nesse sentido, podemos sugerir o trabalho com projetos, que possibilita


aprender os diferentes conhecimentos construídos na história da humanidade de
modo relacional e não-linear, propiciando às crianças o contato com as múltiplas
linguagens e, ao mesmo tempo, a reconstrução do que já foi aprendido.

A função do projeto é favorecer a criação de estratégias de


organização dos conhecimentos escolares em relação a: 1) o
tratamento da informação, e 2) a relação entre os diferentes
conteúdos em torno de problemas ou hipóteses que
facilitem aos alunos a construção de seus conhecimentos,
a transformação procedente dos diferentes saberes
disciplinares em conhecimento próprio. (HERNÁNDEZ;
VENTURA, 1998, p.61).

115
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

Assim, é possível articular os saberes escolares com os saberes sociais


de maneira que, ao estudar, o aluno não sinta que aprende algo abstrato ou
fragmentado. O aluno e o professor que compreendem o valor do que estão
aprendendo, desenvolvem uma postura indispensável: a necessidade de
aprender sempre.

O conhecimento que vamos adquirindo ao longo da nossa vida não é guardado


em compartimentos. Somo seres integrais, fazemos perguntas, procuramos
respostas, tentamos compreender o mundo e conviver em sociedade utilizando
os conhecimentos de maneira articulada, pois é assim que eles se constroem
em nossas mentes. Somos um emaranhado de informações e articulamos
todos os saberes aprendidos, quando precisamos deles para compreender o
mundo a nossa volta. Nossas ideias circulam e se cruzam com outras ideias,
constantemente, e formam teias de relações e, por isso, o conhecimento não
pode ser aprendido de maneira estática, compacta.

Figura 20 - Disciplinas escolares

Fonte: HARPER, Babette et al. Cuidado, Escola!


São Paulo: Brasiliense, 1980, p. 32.

116
Capítulo 3 Muitas Linguagens, Múltiplos Letramentos

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XAVIER, Marcelo. Se criança governasse o mundo. Editora Formato, 2004.

120
C APÍTULO 4
A Prática de Múltiplos Letramentos
Implica no uso Competente das
Linguagens

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Compreender através da teoria e também por atividades práticas


o que é fazer uso competente da(s) linguagem (s).

33 Apresentar uma proposta de planejamento para o 1º ano do ensino

33 fundamental, teoricamente fundamentada, que propicie o trabalho com os


múltiplos letramentos.

33 Refletir sobre planejamento e avaliação, principalmente,


no primeiro ano do Ensino Fundamental.
Capítulo 4 A Prática de Múltiplos Letramentos
Implica no uso Competente das Linguagens

Contextualização
Este último capítulo abordará o uso “competente” de linguagens no
primeiro ano do Ensino Fundamental. Depois de entendermos a concepção de
linguagem que fundamenta todo esse Caderno, de percebermos que tanto a
alfabetização quanto o letramento devem acompanhar nossas práticas docentes,
sem desmerecer uma ou outra, é hora de refletirmos sobre conceitos como
competências, habilidades, atitudes, planejamento e avaliação.

É inconcebível refletirmos sobre aprendizagens, sem levar em consideração


o planejamento e a avaliação que acompanham todo o processo, em todos os
momentos. Apresentaremos um projeto didático, pois acreditamos que o trabalho
com projetos permite o uso de múltiplas linguagens, conforme afirmamos no final
do terceiro capítulo. Fundamentados por Hernández (1998), Hoffmann (2005) e
por documentos nacionais como PCNs e Pró-letramento, discutiremos de modo
prático como se dá o planejamento e a avaliação da aprendizagem, considerando
o uso competente das habilidades de ouvir, falar, ler e escrever no 1º ano do
ensino fundamental.

Como avaliar tendo em vista as individualidades e as diversidades, inclusive


de linguagens, durante as aprendizagens de nossas crianças? São novos olhares
que exigem novas posturas.

Planejar com a Participação das


Crianças Como seres
humanos, nossa
Somos diferentes. Essa é a nossa condição dignidade depende
humana. Pensamos de jeitos diferentes, agimos substancialmente
de formas diferentes, sentimos com intensidades da diversidade,
diferentes. E tudo isso porque vivemos e da alteridade,
aprendemos o mundo de forma diferente. A porque precisamos
questão não é se queremos ser diferentes. Mas garantir o caráter
que, como seres humanos, nossa dignidade subjetivo de nossa
depende substancialmente da diversidade, da
individualidade
alteridade, porque precisamos garantir o caráter
subjetivo de nossa individualidade (HOFFMANN,
(HOFFMANN,
2005, p. 39). 2005, p. 39).

Nos capítulos anteriores, refletimos acerca da leitura e da escrita, do


uso de diferentes linguagens e dos múltiplos letramentos que nos rodeiam.
Compreendemos que a construção do conhecimento se dá através do uso de
múltiplas linguagens, podendo acontecer dentro ou fora da escola.
123
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

Cabe agora pensar em como podemos proporcionar aos alunos a construção


do conhecimento dentro do espaço escolar. Qual o caminho que poderá levar
as crianças a construírem o conhecimento? Como organizar as propostas para
que as crianças sejam, juntamente com o professor, protagonistas do seu próprio
processo de construção do conhecimento? Gostaríamos de refletir sobre essas
questões considerando inicialmente o planejamento.

O planejamento é um instrumento teórico-metodológico que leva em conta a


realidade e todos os envolvidos no aprender e no ensinar, criando possibilidades
de entender, vivenciar e fazer as coisas de forma participativa e dialógica, além de
promover a reflexão individual e coletiva. Em outras palavras, é a sistematização
do trabalho do professor, seja como postura, como forma de organizar a reflexão
e a ação, como estratégia global de posicionamento diante da realidade
(VASCONCELOS, 1999). A previsão da ação no contexto educativo
No coletivo da
é necessária pela constituição organizacional da escola, porém “no
escola as ideias
surgem como coletivo da escola as ideias surgem como tempestades, há sempre
tempestades, há alguém ou alguma situação que promove ideias novas” (BERTRAM,
sempre alguém ou 2010, p. 44). Por isso, não podemos conceber o planejamento como
alguma situação um instrumento estático, centrado no professor, pelo contrário, deve ser
que promove ideias flexível e levar em conta a participação das crianças. Existem várias
novas (BERTRAM,
maneiras e diferentes teorias que nos ajudam a entender, a organizar e
2010, p. 44).
a executar o planejamento.

Considerando que a concepção de linguagem empregada nesse Caderno


abrange pessoas, códigos, contextos sociais, situações de comunicação, múltiplos
letramentos, não é possível abordar um modelo único de planejamento, pois
tanto o falante quanto o ouvinte participam da interlocução (diálogo), construindo
o planejamento na coletividade. Por esse motivo, optamos por socializar com
você um planejamento que podemos chamar de projeto coletivo, pois representa
os interesses e as necessidades de um grupo específico, sendo construído
coletivamente, entre a professora Vânia Regina Engel e os alunos que frequentam
o 1º ano de uma escola particular, do município de Timbó, região de Blumenau,
Estado de Santa Catarina.

Antes de apresentar algumas atividades e o relato da professora,


Com o queremos fundamentá-lo com breves pressupostos teóricos, a
envolvimento
fim de clarear nossa ótica e situar você no momento da leitura e
coletivo, todos são
corresponsáveis acompanhamento das atividades.
pelo
desenvolvimento do São múltiplas as possibilidades de trabalho com projetos
trabalho e sentem- educativos que integram e valorizam atitudes interdisciplinares,
se importantes no planejamento conjunto, participação ativa e compartilhada entre
processo.
professores e professoras e seus alunos e alunas, considerando a

124
Capítulo 4 A Prática de Múltiplos Letramentos
Implica no uso Competente das Linguagens

realidade de cada um (a). Com o envolvimento coletivo, todos são corresponsáveis


pelo desenvolvimento do trabalho e sentem-se importantes no processo. A
organização do trabalho docente através de projetos coletivos exige flexibilidade,
numa perspectiva não linear, promovendo a articulação entre as diferentes fontes
e a integração das disciplinas.

Para Hernández (1998), o trabalho com projetos compreende as seguintes


etapas:

• determinar com o grupo a temática a ser estudada e princípios norteadores;

• definir etapas: planejar e organizar as ações - divisão dos grupos, definição


dos assuntos a serem pesquisados, procedimentos e delimitação do tempo de
duração;

• socializar periodicamente os resultados obtidos nas investigações


(identificação de conhecimentos construídos);

• estabelecer com o grupo os critérios de avaliação;

• avaliar cada etapa do trabalho, realizando os ajustes necessários;

• fazer o fechamento do projeto propondo uma produção final, como elaboração


de um livro, apresentação de um vídeo, uma cena de teatro ou uma exposição
que dê visibilidade a todo processo vivenciado e possa servir de foco para um
outro projeto educativo.

Queremos ressaltar que cada etapa de trabalho poderá ser avaliada, assim
como o projeto num todo, levantando pontos positivos e negativos, não somente
em relação às atividades, mas também ao comportamento, à participação, ao
comprometimento dos envolvidos.

Tomando como base esses pressupostos teóricos, veremos agora as etapas


do trabalho da professora, juntamente com os alunos do 1º ano.

Primeiramente, a turma elencou diversos temas e depois realizou uma


votação para a escolha do tema a ser estudado. Como o “beija – flor” foi o mais
votado, tornou-se o primeiro tema de estudo do 1º ano, possibilitando aprimorar
os conhecimentos nas diversas linguagens. Após o tema escolhido, os alunos
conversaram sobre o mesmo e a professora registrou o conhecimento prévio de
cada um (a). Os questionamentos também foram elaborados, registrando assim o
que cada aluno gostaria de aprender sobre o tema, conforme podemos ver abaixo:
125
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

• Conhecimentos prévios sobre o beija-flor

Aluno I – Eu sei que os beija-flores tomam o mel das flores.


Aluna 2 – Os beija-flores são as únicas aves que conseguem voar
para trás.
Aluno 3 – Eu sei que os beija-flores voam bem rápido, são os
menores pássaros do mundo e adoram pegar o néctar
das flores.
Aluna 4 – O beija – flor voa mais rápido que qualquer outro
pássaro.
Aluna 5 – Os beija-flores comem formigas, aranhas e moscas.
Aluno 6 – Eu sei que os beija-flores batem bem as asas e gostam
de comer o néctar das flores.
Aluno 7 – Os beija-flores voam, e voam bem alto.
Aluno 8 – Os beija-flores batem as asas, bem rápido. Se eu contar
até um, eles já bateram dez vezes as asas.
Aluno 9 – Eu sei que os beija-flores gostam de tomar bastante
água.
Aluno 10 – Eu sei que os beija-flores gostam muito de plantas, na
verdade eles gostam de flores.
Aluno 11 – Eu sei que o beija-flor gosta de comer as frutas das
árvores.
Aluna 12 – Todos os beija-flores que eu já vi são coloridos.
Aluno 13 – O beija-flor é uma das menores aves do mundo.
Aluna 14 – Eu acho que os beija-flores cantam.
Aluna 15 – Eu já vi um beija-flor que achou que o cata-vento era
uma flor.
Aluna 16 – Os beija – flores tomam água doce.

• Questionamentos

Aluno 1 - Os beija-flores são diferentes uns dos outros?


Aluna 2 - Quanto tempo os beija-flores vivem?
Aluno 3 - O que os beija-flores gostam de tomar?
Aluna 4 - Por que os coloridos das flores chamam os beija-flores?
Aluna 5 - Será que todos os beija-flores são pequenos?
Aluno 6 - Os beija-flores tomam água doce ou água pura?
Aluno 7 - Por que os beija-flores pegam o néctar das flores?
Aluna 2 - Quantas vezes eles batem as asas?
Aluna 1 - Os beija-flores voam sem parar?
Aluno 8 - Eles param de voar para beber água?
126
Capítulo 4 A Prática de Múltiplos Letramentos
Implica no uso Competente das Linguagens

Aluna 2 - Será que se colocar água com açúcar no bebedouro, faz


mal para o beija-flor?
Alunos 4 e 9 - Os ovos dos beija-flores são pequenos, mas quantos
ovos ele coloca?
Aluna 2 - Por que os beija-flores gostam das flores?
Aluna 9 - Será que o beija-flor pega mel das flores?
Aluno 10 - O néctar é o pozinho ou o mel das flores?
Aluno 11 - Será que os beija-flores conseguem voar bem alto?
Aluna 12 - Será que os beija-flores conseguem voar na lava do
vulcão?
Aluno 13 - Será que os beija-flores comem frutas?
Aluna 14 - Por que o beija-flor tem o bico pontudo?
Aluna 15 - Qual é o tempo que os beija-flores têm para cuidar dos
seus bebês?
Aluna 16 - Será que eles pousam na árvore?

Depois que a professora e seus alunos decidiram o tema, fizeram o


levantamento do que já sabiam e os questionamentos do que ainda gostariam
de descobrir, a professora organizou uma “teia interdisciplinar”. Essa teia,
embora organizada por áreas de conhecimento, engloba os múltiplos
letramentos. Observe quantas possibilidades de trabalho são traçadas A utilização do termo
“teia interdisciplinar”
nesta teia, em que cada assunto está interligado com o outro, tendo
representa um
como o grande desafio conhecer mais sobre o BEIJA-FLOR. A conjunto de fios que
utilização do termo “teia interdisciplinar” representa um conjunto de dependem um do
fios que dependem um do outro e todos juntos se mantêm. Cada fio outro e todos juntos
da teia funciona como um condutor do conhecimento. Isso também se mantêm. Cada
fio da teia funciona
acontece com as disciplinas, todas apresentam conceitos próprios que como um condutor
bem articulados se entrelaçam e se complementam. Assim também do conhecimento.
acontece com o planejamento coletivo, não bastando colher somente
as ideias, cada aluno é como se fosse um precioso fio dessa teia, tem sua
responsabilidade na sustentação das diferentes etapas de realização do projeto,
lembrando que, nesse sentido, nada está acabado e pronto, tudo precisa ser
construído na coletividade.

O planejamento proposto pela professora apresenta os conhecimentos do


tema como possibilidades de trabalhado com os alunos e faz conexões entre
esses conhecimentos, podendo se modificar à medida que as pesquisas acerca
do tema vão evoluindo, pois é dinâmico e flexível. Com base nos conceitos
apresentados em cada disciplina é possível trabalhar na perspectiva do currículo
integrado ou da interdisciplinaridade, pois uma vez que os conceitos ficam claros,
127
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

não há fronteiras entre as disciplinas. Por exemplo, a elaboração de perguntas


e de respostas, bem como o levantamento de hipóteses são competências
propostas na disciplina de Língua Portuguesa, mas valem para todas as outras e
para a iniciação científica, de modo especial.

Santomé (1998) esclarece que currículo integrado pode ser


Santomé (1998)
entendido como uma tentativa de contemplar uma compreensão global
esclarece que
currículo integrado do conhecimento, favorecendo a interdisciplinaridade e ressaltando a
pode ser entendido unidade que deve existir entre as diferentes disciplinas e formas de
como uma tentativa conhecimento construídas nas escolas. Assim, o currículo integrado
de contemplar uma
organiza o conhecimento e desenvolve o processo de ensino-
compreensão global
do conhecimento, aprendizagem, de forma que os conceitos sejam apreendidos como
favorecendo a uma rede de relações de uma totalidade concreta que se pretende
interdisciplinaridade explicar ou compreender.
e ressaltando
a unidade que
deve existir entre Como podemos perceber, o planejamento da professora incluiu
as diferentes a participação dos alunos já no levantamento dos conhecimentos que
disciplinas e formas possuíam sobre o tema, bem como nas questões que se propuseram
de conhecimento
a estudar. Neste caso, o aluno, além de participar e de decidir sobre o
construídas nas
escolas. que o foi estudado, exercitou sua autonomia e cidadania.

Podemos nos arriscar e afirmar que não há um método ou uma fórmula


pronta para desenvolver projetos, mas sim uma concepção diferenciada do/a
professor/a em relação ao ensinar e aprender, baseada numa relação de troca e
de construções sociais e interativas, nas quais todos são importantes parceiros
e colaboradores.

Veja a seguir a “Teia Interdisciplinar”, uma tentativa de integrar o


currículo. Vale lembrar que a professora conectou os conhecimentos
relacionados ao tema beija-flor, articulando-os entre si. Depois da
teia, você verá algumas atividades propostas em sala de aula, que
exemplificam bem como essa interligação acontece.

128
Capítulo 4 A Prática de Múltiplos Letramentos
Implica no uso Competente das Linguagens

129
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

Selecionamos algumas das atividades que a professora Vânia


Vale lembrar, desenvolveu com sua turma. Observe que, em cada atividade,
mais uma vez,
destacamos os conhecimentos trabalhados. Procuramos selecionar
que os múltiplos
letramentos algumas atividades que contemplem também os múltiplos letramentos.
podem e devem Vale lembrar, mais uma vez, que os múltiplos letramentos podem e
ser trabalhados devem ser trabalhados simultaneamente, sem barreiras disciplinares,
simultaneamente, pois como vimos anteriormente, há conceitos que transcendem os
sem barreiras limites de cada disciplina. Aliás, somos favoráveis à não fragmentação
disciplinares,
dos conteúdos, a um currículo integrado, interdisciplinar. Acreditamos
pois como vimos
anteriormente, que o foco precisa ser a aprendizagem e não os conteúdos e o aluno,
há conceitos que por sua vez, deve ser compreendido como um sujeito ativo, que
transcendem os toma decisões e participa de todos os processos, com autonomia e
limites de cada responsabilidade. Cada atividade terá um breve comentário sobre as
disciplina. possibilidades de letramento que sugerem.

a) Atividade de Língua Portuguesa/Ciências

A principal fonte de alimento dos beija – flores é o néctar retirado das


flores, mas eles não dispensam o açúcar encontrado nas frutas suculentas.
ABC ... das frutas

a–
b–
c–
d–
e–
f–
g–
h–
i–
j–
k–
l–
m–
n–
o–
p–
q–
r–
s–
t–
u–

130
Capítulo 4 A Prática de Múltiplos Letramentos
Implica no uso Competente das Linguagens

v–
w–
x–
y–
z–

Conhecimentos envolvidos na atividade: alfabeto minúsculo,


letras, sons iniciais, escrita de palavras, beija – flor e frutas.

Observe que, nessa atividade, as crianças escreveram o nome de frutas


conhecidas que iniciam com as letras do alfabeto. Houve uma dificuldade natural
para algumas letras como k, s, w e y. A teacher de Inglês contribui com algumas
palavras: kiwi, strawberry (morango), watermelon (melancia). As letras y, w e k
não pertenciam ao nosso alfabeto, por isso, nenhuma fruta de nossa língua inicia
com estas 3 letras.

As crianças dessa turma fazem uso da escrita espontânea, escrevendo como


sabem as palavras. O objetivo da atividade não é fazer a correção ortográfica, nem
tampouco promover a competição de quem sabe mais ou menos nomes de frutas,
e sim trabalhar a escrita das palavras relacionando sons e letras, observando os
sons iniciais e a escrita de palavras com letras minúsculas, além de relacionar
a alimentação do beija-flor com a alimentação humana. Isso acontece de modo
interativo, as crianças podem completar o alfabeto, trocando ideias e experiências
entre si. Se refletirmos sobre essa proposta, encontraremos nela um “gancho”
para trabalhar a alfabetização, a alimentação, a consciência fonológica, a cadeia
alimentar, noções matemáticas (contagem de palavras, de letras, classificação
de frutas: pequenas/grandes, amarelas/vermelhas, doces/azedas), cores, saúde,
hábitos de higiene etc.

1) Agora é a sua vez! Consulte a teia elaborada pela professora


e sugira outras possibilidades que possam ser trabalhadas a
partir do ABC das frutas. Dicas: você pode explorar o desenho,
o canto, a contagem, trazer frutas, higienizá-las e saboreá-las
etc...
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________

131
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

___________________________________________________
___________________________________________________

A próxima atividade dá continuidade à questão da alimentação. Veja que


interessante!

b) Atividade de Ciências

O caminho dos alimentos

Conhecimentos envolvidos na atividade: Alimentação, sabores dos alimentos


e corpo humano.

Na língua
sentimos os
diferentes sabores
dos alimentos.

Com os dentes
cortamos e
mastigamos os
alimentos.

Depois
de mastigados,
engolimos os
alimentos.
Então eles vão
para o estômago
e dele para os
intestinos.

O que é
bom para o
corpo vai para
o sangue; o que
não tem
aproveitamento
forma as
fezes.

132
Capítulo 4 A Prática de Múltiplos Letramentos
Implica no uso Competente das Linguagens

Nessa proposta, as crianças desenharam ao lado dos círculos


Nesse dia, um beija-
o caminho dos alimentos, desde o momento que os colocamos na boca
flor visitou a turma
até a saída do corpo humano, contemplando assuntos de Ciências. para tomar água
Foi discutida oralmente a função da língua no ser humano e também dos bebedouros que
no beija-flor. Nesse dia, um beija-flor visitou a turma para tomar água as crianças fizeram
dos bebedouros que as crianças fizeram com garrafas pet e restos com garrafas pet e
de E.V.A. As crianças viram um beija-flor bem de perto. Sua língua restos de E.V.A. As
era fina e comprida. Observe que tanto essa atividade quanto a outra crianças viram um
respondem às perguntas feitas pelas crianças no início do projeto: será beija-flor bem de
que os beija-flores comem frutas? Os beija-flores tomam água doce ou perto. Sua língua
água pura? Também foi explorada a questão da alimentação saudável era fina e comprida.
para os seres humanos: comidas leves e sem muito sal ou açúcar são
indicadas para o bom funcionamento do organismo.

A próxima atividade é de matemática, mas veja que continua falando em


alimentação.

c) Atividades de Matemática

Para retirar o néctar do interior das flores, o beija – flor utiliza seu longo bico e
sua língua, longa e tubular, permitindo capturar o néctar. a extremidade da língua
também é dividida em duas partes e recoberta de minúsculos pelos.

SUGANDO O NÉCTAR

Com um canudo, cada aluno sugará dois papéis contendo números escritos,
localizados na dobradura de uma flor. com o canudo na boca, o aluno imitará o
beija-flor, sugando os dois papéis. após identificar os dois números sugados, o
aluno deverá somar e registrar a cada rodada sua pontuação, verificando quem
fez o maior número.

133
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

A foto abaixo representa a atividade realizada pelos alunos A e F (iniciais do


nome da dupla participante).

Figura 21 – Registro da Atividade de Matemática

Fonte: As autoras.

Conhecimentos envolvidos na atividade: beija - flor, dobradura


da flor, formas geométricas, escrita, números, adição, maior e menor.

Ao retirar os dois números para realizar a adição, os alunos se colocaram


no lugar do beija-flor, só que ao invés de sugar o néctar, sugaram os números
necessários para a realização do jogo. Esses números foram escritos em
pequenos papéis amassados, como se fossem sementes, e colocados no interior
da dobradura da flor. Veja que fantástica essa atividade!

Atividade de Estudos:

Agora é a sua vez de brincar...

Observe as instruções abaixo, faça a dobradura das flores e


divirta-se!

Figura 22 – Dobradura de Flor

134
Capítulo 4 A Prática de Múltiplos Letramentos
Implica no uso Competente das Linguagens

1 (1)- Corte o papel formando um quadrado e dobre na diagonal.


2 (1)- Dobre uma ponta do papel para a frente.
3 (1)- Dobre a outra ponta para a frente, também. Está pronta!
4 (1)- Para fazer o modelo 2, dobre a ponta de baixo para trás.
Nota: Esta dobradura lembra a flor tulipa.

Fonte: Disponível em: <http://www.lendorelendogabi.com/


fazendo_arte/dobradura_flor.htm>. Acesso em: 12 nov. 2011.

A proposta a seguir continua sendo de matemática e envolve o dinheiro,


assunto que pode ser aproveitado em História e Informática.

Agora eu me lembro!

Figura 23 – Cédula de 1 Real

Fonte: As autoras.

Todas as notas brasileiras (cédulas) possuem em anexo a Efígie Simbólica


da República, tendo em cada cédula uma imagem. Por exemplo, a nota de um
real possui um beija-flor.
135
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

Todos nós devemos cuidar muito bem das cédulas de dinheiro, pois elas são
feitas com papel e podem rasgar facilmente.

PENSE, CALCULE E RESOLVA

____________________________ TINHA 3 REAIS E GASTOU


1 REAL COMPRANDO UM PIRULITO. QUANTOS REAIS
SOBRARAM?

_____________________________________ GANHOU 6 REAIS


PARA COMPRAR SEU LANCHE. O LANCHE CUSTOU APENAS 4
REAIS. QUANTOS REAIS SOBRARAM?

_____________________________________ TINHA 5 REAIS E


GANHOU MAIS 2 REAIS DE SEU PAI. QUANTOS REAIS ELE TEM
AGORA?

________________________________________ TEM 2 REAIS EM


CÉDULAS E MAIS 7 REAIS EM MOEDAS. QUANTOS REAIS ELE
TEM?

Conhecimentos envolvidos na atividade: beija – flor, cálculos


mentais, adição, subtração, sistema monetário e escrita de nomes.

A atividade sugere que os alunos usem seus próprios nomes nas


situações-problema e também poderá suscitar uma pesquisa para saber mais
sobre a nota de um real. Será que ela foi extinta, mesmo? Por que aparece o
beija-flor na cédula? Seriam boas perguntas para se pesquisar no laboratório
de informática da escola. Além do letramento digital, outra possibilidade é
conhecer um pouco mais sobre a Casa da Moeda ou a História do Dinheiro
envolvendo conhecimentos históricos. Como surgiu o dinheiro? Para qual
finalidade? Mais uma vez, percebemos que uma atividade pode ser concebida
sob várias óticas, o que proporciona condições reais para os múltiplos
letramentos.

Para finalizar essa etapa, apresentaremos a última atividade selecionada:


a confecção de um calendário. Os alunos o construíram com a professora,
observando e registrando o tempo de incubação dos ovos de beija-flor. Na
segunda página do calendário há o seguinte texto escrito:

136
Capítulo 4 A Prática de Múltiplos Letramentos
Implica no uso Competente das Linguagens

O NINHO DO BEIJA-FLOR É CONSTRUÍDO PELA FÊMEA.


ELA LOCALIZA UM GALHO ELEVADO E FORA DO ALCANCE DOS
PREDADORES. O NINHO TEM FORMA DE XÍCARA, COM 2 A 3 CM DE
DIÂMETRO, FEITO COM PELOS E CAMUFLADO COM LÍQUEN.

DOIS OVOS BRANCOS, DO TAMANHO DE UMA ERVILHA, SÃO


POSTOS EM CADA NINHADA, NASCENDO OS FILHOTES APÓS DUAS
SEMANAS (14 A 16 DIAS).

Na terceira página começa a contagem dos dias do calendário.


Aqui podemos
Para cada dia, os alunos fizeram somas e subtrações que deram perceber claramente
o resultado correspondente ao dia. Por exemplo, no primeiro dia, a dimensão
todos os resultados foram iguais a um, no segundo, iguais a dois, no do letramento
terceiro, a três, e assim por diante, até completar o décimo quinto, matemático
tempo em que dura a incubação. Aqui podemos perceber claramente relacionado
ao período da
a dimensão do letramento matemático relacionado ao período da
incubação.
incubação. Os cálculos, a contagem dos dias que os filhotes levam Os cálculos, a
para nascer, têm sentidos reais de aplicação. Os letramentos científico contagem dos dias
e matemático se fundem numa perspectiva de currículo integrado, que os filhotes
como vimos anteriormente. levam para nascer,
têm sentidos reais
de aplicação.
Na penúltima página do calendário, estão todos os meses do
Os letramentos
ano, destacando com cores os meses de março até julho, período científico e
de reprodução da espécie. Para encerrar o calendário, as crianças matemático se
desenharam o ovo antes e depois do nascimento do filhote. fundem numa
perspectiva de
Confira algumas fotos: currículo integrado,
como vimos
anteriormente.
Figura 24 – Calendário Figura 25 – O ninho do Beija- Flor

Fonte: As autoras. Fonte: As autoras.

137
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

Figura 26 – Atividade de Matemática Figura 27 – Atividade de Matemática

Fonte: As autoras. Fonte: As autoras.

Figura 28 – O ovo do Beija-Flor Figura 29 – Nascimento do Beija- Flor

Fonte: As autoras. Fonte: As autoras.

Conhecimentos envolvidos na atividade: tempo, dias de


incubação dos ovos do beija-flor, adição, subtração, tamanhos,
meses do ano.

138
Capítulo 4 A Prática de Múltiplos Letramentos
Implica no uso Competente das Linguagens

DESCOBERTAS SOBRE PROJETO BEIJA-FLOR...

O projeto retratou o estudo realizado sobre a menor e mais


extraordinária ave do mundo, o beija – flor.

O beija-flor, colibri ou cuitelo é uma ave da ordem Apodiformes,


que inclui apenas a família Trochilidae e seus 108 gêneros.

Entre as características distintivas do grupo, contam-se o bico


alongado, a alimentação à base de néctar, 8 pares de costelas, 14 a
15 vértebras cervicais, plumagem iridescente e uma língua extensível
e bifurcada.

Os beija-flores são aves de pequeno porte, que medem em


média 6 a 12 centímetros de comprimento e pesam entre 2 a 6
gramas. O bico é normalmente longo, mas o formato preciso varia
bastante de acordo com a espécie e está adaptado ao formato da flor
que constitui a base da alimentação de cada tipo de beija-flor. Uma
característica comum é a língua bifurcada e extensível, usada para
extrair o néctar das flores.

O esqueleto e a constituição muscular dos beija-flores estão


adaptados de forma a permitir um voo rápido e extremamente ágil.
São as únicas aves capazes de voar em marcha-ré e de permanecer
imóveis no ar. O batimento das asas é muito rápido e as espécies
menores podem bater as asas 70 a 80 vezes por segundo. Em
contraste, as patas dos beija-flores são pequenas demais para a ave
caminhar sobre o solo. As fêmeas são em geral maiores do que os
machos, mas apresentam coloração menos intensa. Seu tempo de
incubação é de 13 a 15 dias.

Tal como a maioria das aves, o sentido do olfato não está muito
desenvolvido nos beija-flores; a visão, no entanto, é muito apurada.
Além de poderem identificar cores, os beija-flores são dos poucos
vertebrados capazes de detectar cores no espectro ultravioleta.

A alimentação dos beija-flores é baseada em néctar (cerca de


90%) e artrópodes, em particular, moscas, aranhas e formigas. Os
beija-flores são poligâmicos.

Fontes de pesquisa para a construção dos textos no decorrer do


projeto Beija- Flor: <http://recreionline.abril.com.br/> e <http://www.
nossoamoguinho.com.br> e <http://www.ninhodebeijaflor.com.br>.

139
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

Estas informações foram registradas em atividades realizadas e nos cadernos,


adequando-as ao que as crianças estavam estudando no momento. Os registros
são muito importantes e, nesse caso, deram um caráter científico ao que os alunos
estavam interessados em descobrir, aproximando a realidade da cientificidade.

Além da síntese em que era escrita as descobertas sobre o projeto Beija- Flor,
é importante que o professor faça uma reflexão sobre o seu trabalho pedagógico,
então, vamos ler o depoimento da professora Vânia, a cerca do aprendizado delas
com as crianças sobre o Beija- Flor.

PALAVRAS DA PROFESSORA VÂNIA

Ao iniciar o nosso projeto, aprendemos muito sobre essa ave


tão pequenina. Nossos primeiros conhecimentos foram comprovados
com a visita de um lindo beija – flor em nossa sala de aula, para a
alegria de todos.

Através dessa maravilhosa experiência, observamos o seu


magnífico voo e o barulhinho de suas asas, o tamanho de seu bico e
o pólen grudado nele. Também observamos suas penas brilhantes e
sua energia.

Descobrimos que existem mais de 322 espécies de beija – flores


espalhadas pelo mundo, tanto em lugares quentes como frios, em
florestas ou cidades. Aproveitamos para estudar paisagens naturais
e modificadas.

Elaboramos um cartaz de estimativas com diversas flores,


descobrindo que cada pequenina ave precisa visitar 1.500 flores por
dia para saciar a sua fome.

Criamos um alfabeto com o nome de várias flores, alimentação


preferida dos beija – flores, e fizemos o mesmo com as frutas, pois
se alimentam de frutas docinhas também.

Confeccionamos dobraduras de beija – flor e de flores,


trabalhando as formas geométricas.

Aprendemos também que a visão dos beija – flores é muita boa,

140
Capítulo 4 A Prática de Múltiplos Letramentos
Implica no uso Competente das Linguagens

isso facilita a busca por néctar. Brincamos com as cores, misturando


as primárias e as secundárias na pintura com guache.

Como o beija – flor gosta de doce e 90% de sua alimentação é


baseada no néctar, descobrimos qual a parte de nossa língua que
é responsável pelo gosto doce, amargo, azedo e salgado. Também
estudamos a pirâmide alimentar, pois apesar de gostarmos de
guloseimas e comidas doces, necessitamos de uma alimentação
balanceada para ter uma vida saudável.

Trabalhamos as horas, afinal de contas o beija – flor bate


suas asas super rápido, são 70 a 80 batidas por segundo. O seu
voo também atinge velocidades consideráveis, de 80 a 100 km
por hora. Para perceber essa velocidade, pedimos ajuda aos pais
que, dirigindo seus carros, fizeram – nos sentir essa velocidade,
lembrando sempre dos cuidados e responsabilidades que devemos
ter no trânsito, respeitando o limite de velocidade permitido, indicado
através das placas nas ruas. Houve a observação e a leitura de
placas de trânsito.

Estudamos os meios de transporte e a velocidade que um


homem pode alcançar com e sem eles. Brincamos de corrida do
beija – flor, percebendo que alguns conseguem correr bem rápido,
mas não tanto quanto o beija – flor.

Plantamos sementes de girassóis, pois percebemos a relação


existente entre as plantas e os animais. As plantas servem de casa
e de alimento para os beija – flores e estes fazem a polinização das
flores em troca.

Onde houver um recanto florido, os beija-flores estarão lá,


com sua beleza a nos encantar, por isso, criamos um recanto com
diversas flores artificiais para atrair essas lindas aves. Com garrafas
pet de 500 ml e flores de E.V.A. conseguimos fazer bebedouros
artificiais.

Para apropriação de todos esses conhecimentos, utilizamos


as mais diversas linguagens. Fizemos acrósticos, paródias, textos
coletivos, caça – palavras, gráficos, dezenas e unidades, situações
– problemas, sistema monetário - identificando o beija – flor na
cédula de 1 real - medidas utilizando a régua, números maiores e
menores, jogo dos sete erros, lista com nome de flores, calendário de
incubação, ordem alfabética, escrita espontânea e as horas.

141
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

Todas as atividades realizadas foram de fundamental


importância para a aquisição e aprimoramento dos conhecimentos
sobre o beija-flor.

A avaliação aconteceu durante todo o processo educativo


de forma oral e escrita, através de pesquisas, apresentações de
trabalhos e atividades, com afetividade, participação, envolvimento
e interesse dos alunos. A avaliação global e holística foi de certa
maneira “imperceptível” aos alunos, estando presente em todos
os momentos.

Como a avaliação acompanha todo processo ensino-


aprendizagem, torna-se fundamental entender sua concepção,
principalmente no 1º ano do ensino fundamental.

Como Avaliar no 1º Ano?



Tomemos como ponto de partida da a nossa discussão a concepção de
avaliação apresentada pela professora no último parágrafo de seu relato sobre
o projeto beija-flor. Ela usou instrumentos de avaliação como a expressão oral, a
escrita, as atitudes de participação e envolvimento dos alunos nas atividades. O
que nos chama atenção é que as crianças se envolvem tanto que nem percebem
que estão sendo avaliadas e que também avaliam.
Hoffmann (2005)
coloca-nos o Esse exemplo ilustra bem a dimensão que queremos dar à
desafio de prestar avaliação, mais especificamente a do 1º ano, mas também do 2º e
atenção em cada 3º anos, que compõem o primeiro ciclo de escolaridade. Hoffmann
criança, procurando
(2005) coloca-nos o desafio de prestar atenção em cada criança,
ampliar a visão
de como cada procurando ampliar a visão de como cada uma aprende, de conhecer
uma aprende, de mais a sua história, dando-nos elementos para pensar e interpretar.
conhecer mais a As individualidades e a coletividade (a criança e a turma) precisam
sua história, dando- estar sob a vista dos professores durante a “ensinagem” e a
nos elementos para
aprendizagem, partindo do ponto que sempre aprendemos um com o
pensar e interpretar.
outro, pela interação.
142
Capítulo 4 A Prática de Múltiplos Letramentos
Implica no uso Competente das Linguagens

A avaliação é um processo complexo, repleto de possibilidades


e de limitações, envolvendo valores que mudam em função da
organização escolar, dos projetos pedagógicos, das concepções e
de convicções de cada professor. Aqui a avaliação é concebida como
reguladora e orientadora do processo de aprendizagem e apresenta
duas funções ou ações avaliativas: o diagnóstico e o monitoramento.
Para tanto é necessário avaliar não somente as aprendizagens dos
alunos, como também o processo de ensino, a organização e a
execução do planejamento, os programas e projetos da escola ou da
rede de ensino. Depois de diagnosticar os problemas, é necessário
monitorá-los com ações de acompanhamento. (BRASIL, 2007).

Dentre as orientações do referido documento, podemos destacar algumas


propostas, tendo em vista a alfabetização e o letramento nos primeiros anos do
ensino fundamental:

• Trabalho em equipe, oportunizando aos educadores: reflexão, estudo,


planejamento e avaliação das ações pedagógicas.

• Valorização de experiências bem sucedidas de alfabetização e letramento


através de relatos, estudos de caso, oficinas, projetos e portifólios, envolvendo
professores e alunos.

• Reflexão crítica sobre as práticas de avaliação realizadas na escola,


redimensionando-as, se necessário.

• Análise das concepções de avaliação presentes nos documentos da escola e


que servem como referência para a instituição.

• Clareza quanto às capacidades e objetivos correspondentes a cada etapa dos


anos iniciais do Ensino Fundamental.

• Elaboração de critérios ou indicadores observáveis para avaliar cada etapa


dos anos iniciais.

• Organização de conselhos de classe, incluindo educadores, pais, alunos.

• Comunicação aos pais dos resultados dos alunos abrangendo sempre os


avanços, o que está em desenvolvimento e as dificuldades.

• Comunicação do alcance das metas estabelecidas pelo planejamento,


percebidas através da avaliação e das próximas ações (reflexão-ação-reflexão).
143
Letramentos Múltiplos na Alfabetização

Não poderíamos finalizar essa rápida abordagem sobre avaliação


Por isso, cabe sem comentar um pouco a questão das notas. Sabemos que muitos
à escola, mais
sistemas escolares atribuem notas no processo avaliativo de crianças
especificamente ao
professor, ampliar a partir do 1º ano do Ensino Fundamental. Temos clareza que a nota
seu olhar avaliativo não é parâmetro justo de medida quando a avaliação é entendida
observando e como reflexão e não como julgamento. Por isso, cabe à escola, mais
registrando os especificamente ao professor, ampliar seu olhar avaliativo observando
avanços, as e registrando os avanços, as dificuldades e as superações de cada
dificuldades e as criança durante o processo ensino-aprendizagem. Acompanhar
superações de cada a criança em todos os momentos do processo, diversificando os
criança durante o
instrumentos e as situações de aprendizagem, além de refletir sobre
processo ensino-
aprendizagem. o planejamento e a execução das ações propostas faz parte de uma
avaliação consciente e colaborativa.

Uma maneira prática de registro é o diário, no qual o professor registra suas


observações sobre comportamentos, posturas, atitudes e participação dos alunos
diante das diferentes situações vivenciadas na escola, dentro e fora da sala de
aula. Outros instrumentos que poderão servir como avaliação são o caderno, o
portifóllio, as tarefas realizadas, lembrando que os critérios de avaliação devem
ficar bem claros para as crianças e para o professor.

Outra forma de avaliação é propiciar ao aluno e à turma momentos de


autoavaliação, que poderão ser realizados oralmente, ou por escrito, já que as
crianças participam de todo o processo ensino-aprendizagem e têm condições, se
os critérios forem claros, de avaliar seu desempenho.

Outro aspecto importante da avaliação como processo amplo e complexo


é a linguagem, pois é através dela que expressamos nossos pensamentos e
avaliamos, lembrando que a escola é um espaço de aprendizagens, de partilha,
de trabalho coletivo e de expressão individual. Por isso, apresentaremos em
seguida o que entendemos como uso competente da linguagem.

O que é Fazer uso Competente da


Linguagem?

No caderno de Teorias do Letramento: as práticas sociais de


Leitura e de escrita, foi possível estudar e compreender de forma
detalhada os eixos da alfabetização e da linguagem, vamos relembrá-
los brevemente?

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Capítulo 4 A Prática de Múltiplos Letramentos
Implica no uso Competente das Linguagens

O fascículo um do Pró-Letramento, alfabetização e linguagem, revisado e


ampliado em 2007, apresenta cinco eixos de capacidades a serem focalizadas
nos processos de alfabetização e letramento, que são os seguintes:

• compreensão e valorização da cultura escrita;


• apropriação do sistema da escrita;
• leitura;
• produção de textos escritos;
• desenvolvimento da oralidade.

Esse documento norteador escolhe o termo “capacidades” por entender sua


amplitude, abrangendo desde os desempenhos mais simples da criança, como
seus primeiros atos motores, aos mais elaborados, como a leitura, a escrita ou a
abstração de um conceito.

Na organização de um currículo ou de um programa de ensino,


“conhecimentos” costumam se referir a “conteúdos” (como,
por exemplo, “a vegetação de uma região”). O termo “atitudes”
se refere a crenças, disposições ou preconceitos em relação
a algo. “Habilidades”, “procedimentos”, “competências”
e “capacidades” abrangem modos de fazer algo, processos
mentais ou comportamentos como, por exemplo, saber ler e
escrever, desenhar, costurar, dirigir um carro. (BRASIL, 2007,
p.15- grifos nossos).

Quando nosso objetivo é fazer com que o aluno use competentemente


a linguagem, não estamos somente querendo transmitir conhecimentos
específicos da língua, para que se comunique com excelência oralmente e por
escrito. Queremos mais, que o aluno saiba se comunicar bem tanto numa roda
de conversa, entre amigos, quanto num seminário de trabalho acadêmico; que
escreva bem um bilhete carinhoso para mãe ou um artigo para publicar em um
jornal; que saiba ouvir um pedido de socorro e ajudar, ou, diante de um juiz,
possa ouvir e argumentar; que saiba ler uma bula de remédio e fazer seu uso
corretamente; que leia com prazer uma obra de Guimarães Rosa ou de Saramago.
Esses exemplos talvez mostrem com clareza o que para nós significa fazer uso
competente da fala, da escuta, da leitura e da escrita. Ler, escrever, falar e escutar
são habilidades que podem ou não ser usadas de modo competente.
Portanto, fazer o uso
competente de ouvir,
Trabalhar com essas quatro habilidades é compromisso de todas
falar, ler e escrever
as disciplinas e a perspectiva dos múltiplos letramentos contempla a é saber usar
não fragmentação dos conhecimentos, reforçando a ideia da teia que adequadamente a
articula os conhecimentos nas diferentes áreas em busca de sentidos voz, a vez, a escrita
construídos coletivamente. e a leitura em todas
as situações sociais
Portanto, fazer o uso competente de ouvir, falar, ler e escrever que possam surgir
na vida.
é saber usar adequadamente a voz, a vez, a escrita e a leitura em
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Letramentos Múltiplos na Alfabetização

todas as situações sociais que possam surgir na vida. A criança precisa entender
que a linguagem depende do contexto no qual as pessoas estão inseridas. Não
é possível mandar um bilhete para um advogado solicitando direitos, assim como
não é adequado escrever uma petição para a mãe. Também seria muito estranho
apresentar um trabalho científico falando gírias, por exemplo. Entender que cada
área tem a sua linguagem é muito importante. Assim, não podemos esperar um
discurso científico num concerto, no qual a linguagem utilizada é a musical.
Exemplificando, no projeto sobre o beija-flor, foram criadas diferentes situações de
uso da língua oral e da escrita: roda de conversa, recontação de histórias, leituras
diárias de diferentes gêneros, relato de experiências e narrações de acontecimentos,
escrita do nome e de palavras referentes ao tema, elaboração de perguntas e
respostas, argumentação de ideias, atividades escritas, dentre outras. À medida
que as crianças vivenciam diferentes situações de uso de linguagem, entenderão a
importância da adequação desses usos aos diferentes contextos sociais.

Atividade de Estudos:

Agora é a sua vez de refletir e de registrar:

1) Como deve ser a avaliação numa prática docente que considere


os múltiplos letramentos?
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2) Explique o que é fazer o uso competente da linguagem e dê dois


exemplos.
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3) Pense e escreva uma atividade criativa que poderá ser aplicada


em sala de aula para desenvolver cada uma das habilidades:

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Capítulo 4 A Prática de Múltiplos Letramentos
Implica no uso Competente das Linguagens

Figura 30 – Falar e Ouvir

Fonte: Disponível em: <http://sorayafarias.blogspot.com/2011/05/


quando-nao-posso-ouvir.htmlOuvir>. Acesso em: 12 out. 2011.

a) Ouvir:
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b) Falar:
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c) Ler:
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Letramentos Múltiplos na Alfabetização

d) Escrever:
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Algumas Considerações

CAIXINHA MÁGICA

Fabrico uma caixa mágica

Figura 31 - Caixa para guardar o que não cabe
em nenhum lugar:
a minha sombra
em dias de muito sol,
o amarelo que sobra
do girassol,
um suspiro de beija-flor,
invisíveis lágrimas de amor.

Fabrico a caixa com vento,


palavras e desequilíbrio,
e para fechá-la
com tudo o que leva dentro,
basta uma gota de tempo.
FONTE: Disponível em: <http://

www.imagina.pt/wp-content/ O que é que você quer
esconder
uploads/Caixa-de-imagens-v-002. na minha caixa?
png>. Acesso em: 13 out. 2011.
Fonte: Disponível em:
<http://www.roseanamurray.
com/poemas.asp>. Acesso em:
13 out. 2011.

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Capítulo 4 A Prática de Múltiplos Letramentos
Implica no uso Competente das Linguagens

Gostaríamos que esse Caderno representasse uma caixinha mágica para


você. Nessa caixa, guardamos um pouco do que somos: algumas ideias, um
tanto de experiências, vozes de autores, brincadeiras diversas, uma porção de
sugestões, atividades e poemas, perguntas e afirmações...

Que você tenha sempre vontade de abrir a caixa e fazer novas leituras e
interessantes descobertas, que ela lhe traga ao mundo real e imaginário. Você
também poderá fechá-la “com tudo o que leva dentro”, conforme o poema acima.

Só desta forma poderemos nos reencontrar: folheando o Caderno, lendo as


páginas. Estamos na caixa mágica da interlocução entre autor e leitor!

Esperamos que as nossas vozes tenham eco em seus pensamentos e façam


uma pequena e marcante diferença em sua prática profissional.

Procuramos enriquecer a “caixa mágica” com conceitos e pressupostos


teóricos básicos para quem pensa em alfabetizar letrando, numa perspectiva
de múltiplos letramentos. Conceitos como linguagem, língua, leitor, texto,
autor, escrita, leitura, alfabetização, letramento, letramento escolar, científico,
tecnológico, digital, cartográfico, matemático, habilidades e competência em
linguagem, planejamento e avaliação estão guardados nessa caixa. Para que tudo
isso fizesse sentido, tentamos relacionar esses conceitos a atividades práticas,
sugestões de leituras, navegações em sites, ilustrações, fotos, mapeamentos.

Precisamos nos permitir conhecer cada vez mais as múltiplas linguagens


para que seja possível alfabetizar letrando, descobrir o(s) letramento(s) múltiplo(s)
que nos constituem como sujeitos, seja como professor, aluno, artista, cientista,
poeta! Temos um pouco a ensinar e muito a aprender.

Diante de um mundo com tantas possibilidades de escolha, temos a


responsabilidade de estudar, selecionar e adequar nossa proposta de trabalho às
necessidades e interesses dos alunos, considerando-os em todos os processos.
Ofereça o melhor de si aos seus alunos e você terá também o melhor deles.

Por último, deixamos muitos abraços em nossa caixa mágica, especialmente


para você que nos acompanhou do início ao fim do Caderno.

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Letramentos Múltiplos na Alfabetização

Referências
BERTRAM, Rosangela Cristina Machado. Planejamento educacional:
representação social de professores em formação. 2010. 175 f, il. Dissertação
Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro de
Ciências da Educação, Universidade Regional de Blumenau, Blumenau, 2010.
Disponível em: <http://www.bc.furb.br/docs/DS/2010/341767_1_1.pdf>. Acesso
em: 4 mai. 2010.

BRASIL, Secretaria de Educação Básica. Pró-Letramento: Programa de


Formação Continuada de professores dos Anos/Séries Iniciais do Ensino
fundamental: alfabetização e linguagem. Ed. revista e ampliada. Brasília:
2007.

GUIMARÃES, Luciana Ribeiro. Série professor em ação: atividades para as


aulas de ciências: ensino fundamental, 6º ao 9º ano. 1. ed. - São Paulo: Nova
Espiral, 2009.

HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos


de trabalho. Porto Alegre: Artmed,1998.

HOFFMANN, Jussara. O jogo do contrário em avaliação. Porto Alegre:


Mediação, 2005.

SANTOMÉ, J. Globalização e Interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto


Alegre; Artes Médicas, 1998.

VASCONCELOS, Celso dos Santos. Projeto de Ensino-Aprendizagem e


Projeto Político-Pedagógico: elementos metodológicos para elaboração e
realização. 8ª Ed. São Paulo: 1999.

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