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Contos Tradicionais

do Povo Português
(uma seleção)

Teófilo Braga
TEÓFILO BRAGA

10 o príncipe, veio à corte deitar-se aos pés do rei para lhe


valer:

Supondo servo de Deus,


Na terra fazeis de rei,
E que sempre sem suspeita
Fazeis justiça direita;
Pois, alto rei, sabei
Que a mim um cavaleiro,
Com um amor verdadeiro,
Protestou ser meu marido,
E entrou no meu aposento,
Conseguiu o seu intento;
E eu como humilde criada,
Batida e infamada,
Neste campo de mudança,
Peço aos vossos pés vingança.
Contos Tradicionais do Povo Português

O rei disse: 11

Levantai-vos nobre dama,


Cobrarás crédito e fama,
Que será bem castigado
O que vos tem desonrado.

E mandou chamar o príncipe, que estava passeando no


jardim, para vir à sua presença; o príncipe veio suspirando:

A ela trago no pensamento,


Por ela estou num tormento.

O Conde-Soldadinho, que o acompanhava, disse: — Pois


por uma pobre pastora suspirais!
— Calai-vos, meu amigo, que também eras soldado,
e meu pai vos fez conde sem o teres merecido.
Quando chegou à presença do rei, contou-lhe tudo,
e o rei deu-lhe ordem para casar com a pastora.

(Algarve)
TEÓFILO BRAGA

38 o chapéu de bicos enterrado até às orelhas; depois disse


que trouxessem o cavalo branco de Dom Caio para o al-
faiate montar. Ajudaram-no a subir para o cavalo, e ele
já estava a tremer como varas verdes; assim que o cavalo
sentiu as esporas, botou à desfilada, e o alfaiate a gritar:
— Eu caio, eu caio!
Todos os que o ouviam por onde ele passava, diziam:
— Ele agora diz que é o Dom Caio; já temos homem.
O cavalo, que andava costumado às escaramuças, cor-
reu para o sítio em que andava a guerreia, e o alfaiate com
medo de cair ia agarrado às clinas, a gritar como desespe-
rado:
— Eu caio, eu caio!
O inimigo assim que viu vir o cavalo branco do gene-
ral valente, e ouviu o grito: “Eu caio, eu caio!”, conheceu
o perigo em que estava, e disseram os soldados uns para
os outros:
— Estamos perdidos, que lá vem o Dom Caio; lá vem
o Dom Caio.
E botaram a fugir à debandada; os soldados do rei fo-
ram-lhe no encalço e mataram neles, e o alfaiate ganhou
assim a batalha só em agarrar-se ao pescoço do cavalo
e em gritar: “Eu caio.” O rei ficou muito contente com ele,
e em paga da vitória deu-lhe a princesa em casamento,
e ninguém fazia senão louvar o sucessor de Dom Caio pela
sua coragem.

(Porto)

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