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História de Angola Da Pré-História Ao Início Do Século Xxi,: de Alberto Oliveira Pinto
História de Angola Da Pré-História Ao Início Do Século Xxi,: de Alberto Oliveira Pinto
edição e propriedade
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Av. Professor Aníbal de Bettencourt, 9
1600-189 Lisboa Portugal — analise.social@ics.ul.pt
https://doi.org/10.31447/as00032573.2019230.08
de Angola” sem elas), são autores inad- Delgado). Autores notoriamente ausen-
missivelmente ausentes Joseph Miller tes são (numa indicação sumária, já que
(Way of Death) e José Curto, para indi- facilmente se encontrarão as referências
car os mais óbvios. Ao século xix, para o online) Maria Emília Madeira Santos,
qual a historiografia vem cobrindo, tam- Beatrix Heintze (para além de duas obras
bém há décadas, quase todo o território citadas) Roquinaldo Ferreira, Mariana
angolano, são dedicadas 140 páginas Cândido, Linda Heywood, Jan Vansina
(pp. 477-617). Ou seja, o livro reserva (How Societes are Born), entre outros.
a estes dois séculos apenas 200 das suas Um exemplo bastará: apesar de ser o
mais de 700 páginas. Assim, quando pre- comércio de marfim, cera, oleaginosas
cisamente se entra no período em que e, depois, borracha, a alimentar a econo-
podemos, com mais segurança, integrar mia de Angola quando declina o tráfico
na “história de Angola” regiões e povos de escravos, nos capítulos xiv, xv e xvi
que virão a constituir “Angola” atual, o que cobrem a segunda metade do século
autor volta as costas à bibliografia essen- xix não se mostra interesse pela expan-
cial e parece reduzir o seu interesse pelos são dos Cokwe nem pelo comércio de
processos em curso nas sociedades afri- longa distância dos Ovimbundu ou dos
canas independentes. Bazombo.
Alguma disparidade entre povos e Quanto ao século xx, com cerca de
áreas geográficas seria sempre inevitá- 150 páginas, bastaram 17 para “resolver”
vel, dado o contraste entre zonas “ricas” o período 1961-1974 (pp. 710-727), no
e zonas onde a escassez de fontes dispo- qual esperaríamos ver, por um lado, o
níveis deixa vazios dificilmente superá- desenrolar da guerra pela independência
veis. Porém, não seria difícil referir com (várias organizações, várias frentes e for-
mais destaque as regiões do leste, do mas de luta) e, por outro lado, mudan-
centro e do sul. Esta é uma “história de ças legislativas, económicas e sociais que
Angola” centrada no noroeste angolano, acompanharam a resposta militar por-
incluindo a colónia portuguesa que, até tuguesa e sem as quais não se entende
meados do século xix, se limita a uma a sociedade angolana na altura da inde-
parte dessa região, à excepção do eixo pendência. De novo, mais do que apontar
Benguela-Caconda, mais a sul. O argu- os erros factuais, criticaremos a ausência
mento de falta de estudos para o resto do de autores obrigatórios: John Marcum,
território, legítimo para épocas anterio- René Pélissier (La colonie do Minotaure),
res, não faz sentido para os séculos xviii Christine Messiant, Marcelo Bittencourt,
e xix. O autor ignorou tanto a bibliografia Jean-Martial Mbah, Didier Péclard,
contemporânea como a ajuda de docu- Franz Heimer, entre outros.
mentação publicada desde os tempos Não se trata de exigir um saber enci-
coloniais sobre as terras “do sul” (como clopédico ou obra definitiva, que não
os dois volumes de Ao Sul do Cuanza ou existe em história, mas de reconhecer que
A Famosa e Histórica Benguela de Ralph qualquer história de Angola “condensada
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num só livro” (p. 31) deve trazer ao leitor Grandes desequilíbrios cronológicos,
um quadro equilibrado e o mais abran- regionais e temáticos (as questões eco-
gente possível. Como justificar a não nómicas perdem, de longe, para as lite-
utilização de bibliografia que permitiria rárias…) pesam sempre negativamente
cumprir, apesar de inevitáveis lacunas, em obras deste tipo e impedem que
esse objetivo? possamos considerar o livro de Oliveira
Fica também por explicar a distinção Pinto uma boa “síntese” da história de
“Angola” e “Cabinda” nos títulos (ver Angola, muito menos um “manual” para
capítulo xii e seguintes). Deduz-se das universitários. Os programas de História
indicações do próprio autor que pre- de Angola em vigor em universidades
tendeu escrever uma história das socie- angolanas há décadas, ou as atas publi-
dades existentes no espaço que veio a cadas de várias conferências internacio-
ser ocupado pelo país (atual) Angola, nais de História de África e de História
cujas fronteiras não faz sentido projetar de Angola, algumas organizadas ou co-
para o passado. Por isso, não se entende -organizadas pelo Ministério da Cultura
destacar “Cabinda” a partir de certa angolano, revelam uma história (e uma
altura quando, na mesma época (século historiografia) mais diversificada do que
xviii), também o reino do Kongo não o autor faz supor.
era “Angola”, nem a Matamba o era, nem Propositadamente mencionamos An
Kasanje, Mbalundu ou Viye nem, na ver- gola, pois é estranho que Oliveira Pinto,
dade, a maior parte do que no futuro faria visitando Luanda várias vezes, ignore o
parte da colónia portuguesa. Além disso, que tem sido publicado, de angolanos e
Oliveira Pinto parece usar “Angola”, em não angolanos, pelas editoras Kilombe-
capítulos seguintes, para designar o limi- lombe, Nzila, Mayamba, Mulemba e pelo
tado espaço dominado por Portugal ou próprio Arquivo Nacional de Angola.
com relações diretas com ele. Introduz- Não se trata de sobrevalorizar a modesta
se, assim, um elemento de confusão no historiografia angolana, mas da obri-
leitor sobre o que é “história de Angola”, gação de conhecer não só resultados de
ou “história da colónia portuguesa de investigações como reflexões metodoló-
Angola”, ou “história da presença portu- gicas que, dentro e fora de Angola, vêm
guesa em Angola”, confusão que, noutras permitindo aprofundar a sua história.
ocasiões, o próprio autor rejeitou. São muitas as dificuldades no cami-
O índice remissivo (pp. 803-820), ins- nho de quem pretenda fazer obra deste
trumento inegavelmente útil, ganhará género, sintetizando o melhor da histo-
em ser revisto em próximas edições. Nele riografia existente e, simultaneamente,
se encontram “telefones” e “queimadas” cartografando os vazios que se fazem
mas não chefes políticos referidos no sentir, quer se considerem horizontes
texto como Ndunduma, Ekwikwi ii e o geográficos, temporais ou epistemológi-
seu sucessor Numa, Sihetekela, e outras cos. O insucesso de tentativas anteriores
personalidades e lugares importantes. (p. 31) justificou os aplausos ao facto de
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