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RA 082223
Esse estudo tem como objetivo comparar a música e alguns fatores socio-culturais dos
Iorubás da Baixa Guiné com a nação dos Ijexás que se instalaram na Bahia. Para isso,
foram utilizadas transcrições das músicas dos Iorubás e dos Ijexás tanto quanto dados
que especificam a vinda dos Iorubás, suas nações e os fatores exteriores que provocaram
mudanças em alguns dos seus ritos e costumes. Com isso, esperamos definir os recursos
rítmicos característicos dos repertórios de origem, dos Iorubás da Baixa Guiné, e
verificar as adaptações feitas pelos Ijexás, além de apresentar outras semelhanças socio-
culturais que as duas comunidades possuem.
1 INTRODUÇÃO
Ao longo de séculos, homens foram caçados em solo africano para servir como
escravos nas américas. Misturaram-se negros, índios e brancos de diversas localidades
para construir o Brasil que existe hoje.
O negro manteve-se forte para preservar o que mais lhe dava forças: sua cultura
e sua crença. Alguns ritos e músicas, parte do dialeto e até as cores de suas peles
mudaram, mas a essência da cultura africana prevaleceu e foi reconstruído no Brasil o
cenário mais importante da África, uma África simbólica que alivia o sofrimento e
motiva.
Vieram escravos de diversos lugares, com diferentes línguas e costumes. Mas a
predominância foi dos negros Iorubás de origem banta e sudanesa. Os Iorubás
constituíam grande parte da população da Nigéria. Durante os ciclos da escravidão, os
iorubanos vieram em quantidades diferentes e se alojaram em lugares distintos. Cada
grupo desse teve um nome diferente. Aqui no Brasil formaram o Candomblé, também
conhecido como Sangô ou Xangô no nordeste, Xamba na região Norte, Ketu, Nagô no
Rio de Janeiro, Ketu-Nagô e Ijexá na Bahia. Com tantas condições adversas para a
sobrevivência de pequenas nações de escravos no Brasil, muitas delas se fundiram,
inclusive com os índios. Com a repressão às suas práticas, os negros mudavam em
partes seus rituais, e davam nome de santos aos seus orixás, para que pudessem venerá-
los. Mesmo com tantos fatores modificando alguns costumes e usos, o rito e a música
permaneceram em sua essência.
A importância da música nos rituais do candomblé é indiscutível. Tem a função
de estruturar os rituais. Nesse caso a associação da estesis com a adoração aumenta a
fixação do conteúdo cantado e a importância do deus adorado.
Existem vários estudos sobre a influência africana na cultura popular brasileira.
Igualmente variadas são as vertentes utilizadas pelos pesquisadores para analisar os
acontecimentos devido às divergências nos documentos na época da escravatura e
1
diferentes opiniões de pessoas que possuem ângulos de visão alterados pela época,
localização e pré-conceitos.
Apontarei aqui estudos feitos sobre a música de candomblé e escravos vindos do
litoral da África para cruzar dados e encontrar semelhanças entre os Iorubás da baixa
Guiné e uma das nações da mesma linhagem que se estabeleceu principalmente na
Bahia, os Ijexás. Transcrições foram realizadas com amostras de músicas tanto de
grupos tradicionais de candomblé, quanto de grupos populares de afoxé.
1
Discussão de F. Van Noten com Pierre de Maret e D. Cohem, “L’Afrique Centrale”, em
UNESCO histoire génerale de l’Afrique. Paris, 1980.
2
THORNTON,J. A África e os africanos na formação do mundo atlântico. Rio de Janeiro,
2004. Cap. 7, Pag. 260.
3
Idem.
2
Observa-se nesse mapa uma região denominada Lucumí. Algumas pesquisas
apontam os Lucumí e Nagô com a mesma etnia, iorubá. Apenas foram nomeados
diferente ao chegarem nos lugares em que foram escravizados, América central e Brasil,
respectivamente.
3
A tabela a seguir mostra a quantidade, em centenas, de Iorubás trazidos para o
Brasil entre 1651 e 18674:
Nordeste Bahia Sudoeste
1651-75
1676-1700 4.8
1701-25 0.1 9.1 0.1
1726-50 0.7 4.7
1751-75 0.7 50.6
1776-1800 79.3
1801-25 3.8 175.2 0.977
1826-50 1.7 116.2 28.4
1851-67 2.2
Todos os anos 6.9 439.8 31.7
Observando a tabela, é nítido a concentração de Iorubás na Bahia.
O seguinte mapa mostra a distribuição e a quantidade de escravos vindos da
África e sua distribuição nas Américas5:
4
produtoras de tabaco e os negociantes da Bahia só conseguiam vender seu fumo de má
qualidade na Costa de Mina.
A cada ciclo da escravatura, os traficantes de negros buscavam prisioneiros em
diferentes lugares:
- Século XVI, Ciclo da Guiné, os prisioneiros eram Sudaneses da região norte do
Equador. Guiné. (Ketu)
- Século XVII, Ciclo de Angola, Bantos ao sul do Equador. Congo e Angola.
(Congos/cabindas, benguelas e ovambos).
- Século XVIII, Ciclo da Costa da Mina (atual Benin e Daomé), os escravos
eram sudaneses da Costa Ocidental. (Iorubás/nagôs, geges/jejes/daomeanos, minas,
hauçás, tapas e bornus).
- Século XIX, escravos de todas as regiões, predominando Angola e
Moçambique. Iorubás do Golfo de Benim.
Existiram várias teorias sobre as nações e origens dos escravos importados pelo
Brasil, mas a que perdurou foi a teoria de Nina Rodrigues, especificada no seguinte
quadro feito por Roger Bastide:
“1. As civilizações sudanesas representadas especialmente
pelos ioruba (nagô, ijexá, egbá, ketu, etc), pelos daomeanos do
grupo gêge (ewe, fon...) e pelo grupo fanti-axanti chamado na
época colonial mina, enfim pelos grupos menores dos krumans,
agni, zema, timini;
2. As civilizações islamizadas representadas sobretudo pelos
peuhls, pelos mandingas, pelos haussa e em menor número pelos
tapa, bornu, gurunsi;
3. As civilizações bantos do grupo angola-congolês
representadas pelos ambundas de Angola (cassangues, bangalas,
inbangalas, dembos), os congos ou cabindas do estuário do
Zaira, os venguela dos quais Martius cita numerosas tribos
escravizadas no Brasil;
4. Por fim, as civilizações bantos da Contra-Costa
representadas pelos moçambiques (macuas e angicos).”6
Antes de serem transportados para o Brasil, os africanos não possuíam
autodenominações tão laterais. À medida que chegavam ao Brasil, os senhores
catalogavam os escravos por semelhanças de componentes culturais, como língua,
hábitos e costumes. Henrique Dias, chefe dos Homens Pretos, escreveu uma carta na
época da guerra contra os holandeses em Recife, em 1647, que dizia: “De quatro nações
se compõe esse regimento: Minas, Ardas, Angolas e Crioulos”, relacionando as nações
com os ciclos da escravatura.7 Essas denominações metaétnicas (externas) se tornaram
também étnicas (internas).
O jesuíta André João Antonil cita em “Cultura e Opulência do Brasil”, texto
significativo que descrevia o cenário escravocrata brasileiro e ensinava como os
6
BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil, vol.I, p. 67.
7
Rodrigues, Os africanos..., p. 35; Freire, Casa-grande, p. 301. Segundo Rodrigues, a
carta data de 1648.
5
senhores deviam lidar com seus escravos e sua lavoura, além de citar os nomes de
algumas nações: “Os que vêm para o Brasil são ardas, minas, congos, de São Tomé, de
Angola, de Cabo Verde e alguns de Moçambique, que vêm nas naus das Índia.” Antonil
instrui os senhores de engenho a não agirem contra seus escravos, uma das medidas
cautelosas dos brancos para prevenir a união das diversas nações negras e uma futura
rebelião desses:
“Negar-lhes totalmente os seus folguedos, que são o único
alívio do seu cativeiro, é querê-los desconsolados e
melancólicos, de pouca vida e saúde. Portanto, não lhes
estranhem os senhores o criarem seus reis, cantar e bailar por
algumas horas honestamente em alguns dias do ano, e o
alegrarem-se inocentemente à tarde depôs de terem feito pela
manhã suas festas de Nossa Senhora do Rosário, de São
Benedito e do orago da capela do engenho, sem gasto dos
escravos, acudindo o senhor com sua liberalidade aos juízes e
dando-lhes algum prêmio do seu continuado trabalho. Porque se
os juízes e juízas da festa houverem de gastar do seu, será causa
de muitos inconvenientes e ofensas a Deus, por serem poucos os
que o podem licitamente ajuntar.”8
Antonil exigia que os dias das festas religiosas, tanto africanas quanto católicas,
coincidissem. Além de requisitar a mudança dos nomes de algumas dessas festas para
nomes de santos.
As festas afro-brasileiras traziam outro ponto positivo para os senhores. Além de
aliviar as dores dos escravos, a dança parecia-lhes uma técnica de excitação sexual, um
incentivo à procriação. Assim seu investimento teria um retorno mais rápido com o
crescimento da população no seu engenho. Os brancos escolheram o folclore com a
marca simbólica da umbigada, de origem banta, como o samba, côco, batuque, jongo,
lundu. Eram todas feitas com a escolha de um parceiro sexual e um ritual de excitação.
Os negros disfarçavam seus altares e danças com imagens de santos e da Virgem,
quando na verdade traçavam sobre a terra os mitos dos orixás ou dos voduns.
As condições de escravidão no litoral eram bem diferentes das zonas de
mineração, por isso essas religiões não sobreviveram nesse último. Por conta do alto
valor da mercadoria que os escravos tinham contato e pela facilidade de esconder nos
cabelos/unhas o que achavam, eram postos em vigilância até nas horas vagas.
Os rituais que poderiam ser reinterpretados e adaptados ao catolicismo
prevaleceram. O Conde dos Arcos, no começo do século XIX, definiu:
“Batuques olhados pelo Governo são uma cousa, e olhadas
pelos Particulares da Bahia são outra diferentíssima. Estes
8
ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. Cap IX - Como se há de haver
o senhor do engenho com seus escravos. 3 ed. Belo Horizonte : Itatiaia/Edusp, 1982.
(Coleção Reconquista do Brasil).
6
olham para os batuques como para um ato ofensivo dos direitos
dominicais, uns porque querem empregar seus escravos em
serviço útil ao domingo também, e outros porque os querem ter
naqueles dias ociosos à sua porta, para assim fazer parada de sua
riqueza. O Governo, porém, olha para os batuques como para
um ato que obriga os negros, insensível e maquinalmente de oito
em oito dias, a renovar as idéias de aversão recíproca que lhes
eram naturais desde que nasceram, e que todavia se vão
apagando pouco a pouco com a desgraça comum; idéias que
podem considerar-se como o Garante mais poderoso da
segurança das grandes cidades do Brasil, pois que se uma vez as
diferentes Nações da África se esqueceram totalmente da raiva
com que as natureza as desuniu, e então os de Agomés vierem a
ser irmãos com os Nagôs, os Gêges com os Haussas, os Tapas
com os Sentys, e assim os demais; grandíssimo e inevitável
perigo desde então assombrará e desolará o Brasil. E quem
duvidará que a desgraça tem poder de fraternizar os
desgraçados? Ora, pois, proibir o único ato de desunião entre os
negros vem a ser o mesmo que promover o Governo
indiretamente à união entre eles, do que não posso ver senão
terríveis consequências.”
A dificuldade para cultuar seus deuses aumentava com as imposições dos
brancos. Para sobreviver a mais esse obstáculo, os negros se aproximaram,
desenvolveram uma hierarquia e cultuavaram os deuses de todas as crenças que estavam
envolvidas.
3 OS IORUBÁS
A Terra Iorubá vai além da demarcação feita por colonizadores. Expande-se pela
Nigéria, Togo e República do Benin (antiga Daomé), e influencia também o baixo
Níger, em direção ao norte, adentrando a Terra Nupe.
Os Iorubás pertencem aos estados de Ogun, Oyo, Ondo, Kwara e Lagos, na
Nigéria e onde dividem espaço com vários grupos étnicos como: Anang, Batawa, Edo,
Efik, Fulani, Hausa, Idoma, Igbira, Ibibio, Ibo, Igda, Igbo, Igbomna, Ijaw, Ijo, Itsekiri,
Kanuri, Nupe e Tio. A maioria dominante nesses estados são os Hausa, Iorubá e Ibo.
O seguinte mapa mostra a Terra Iorubá9:
9
Mapa retirado do livro Yoruba Ritual de DREWAL, Margaret Thompson.
7
Johnson (1921) afirma que os iorubás originaram-se em Lamurudu, um dos reis
de Meca, atual Arábia Saudita. Vieram do Oriente, como provam seus hábitos e
costumes, porém, não pertencem à família árabe. Existe a hipótese de que os iorubás
teriam vindo do Alto Egito ou Núbia, súditos do conquistador egípcio Nimrod, que os
conduziu à Arábia para guerrear. Lá moraram por um tempo, e devido à perseguição
religiosa, se mudaram para a África. Fixaram-se em Yarbá, terra que originou o nome
Iorubá.
Na Nigéria, os Iorubás constituem o segundo maior grupo étnico. A
diversificação da população da Nigéria é muito ampla, existindo aproximadamente 250
grupos étnicos com dialetos próprios.
Devido à tradição oral, uma rica história reconstrói a origem dos Iorubás e se
perpetua entre as gerações. Essa história conta que os Iorubás se originaram de
Lumurudu, um dos reis de Meca. Oduduwa, filho de Lumurudu foi fundador das tribos
Iorubás. Durante o reinado do seu pai, Oduduwa construiu várias mesquitas,
transformando-as em templos de adoração de ídolos e atraiu vários seguidores.
Influenciava os homens e os conduzia à expedições de caça, que duravam três dias, em
preparação para honra e culto dos seus deuses. Em uma dessas expedições, Braima
aproveitou a oportunidade e a ausência dos homens e tomou a cidade, destruindo-a por
inteiro, inclusive seus ídolos. Quando voltaram da expedição, ao verem a cidade
destruída, foram atrás de Braima para queimá-lo vivo, desencadeando uma guerra civil.
8
Lumurudu foi morto e seus filhos expulsos de Meca. Oduduwa e seus seguidores
conseguiram escapar, com dois ídolos e foram para Ilê Ifé, onde deixou sete princesas e
príncipes, originando as tribos Iorubás. Cada princesa teve um filho que se tornou rei.
Olowu, rei de Egbá; Alaketu, rei do povo Ketu; o terceiro tornou-se rei do povo de
Benin; Oragun, rei de Ila. Onisabe, rei de Savé. O sexto filho, tornou-se rei dos Poopos.
O sétimo e último era Oranyan (odede) que se tornou progenitor dos iorubás. Construiu
a cidade de Oyó Ajaka, conhecido hoje apenas por Oyó. De Ilê Ifé, os descendentes de
Oduduwa foram para outras regiões iorubá. Fundaram outros estados, como Ijesha
(Ijexá), Ekiti, e Ondo a Leste; Ketu, Sabe e Egbado a oeste; Oyó a norte e Ijebu ao sul.
Outro mito, cultuado na Nigéria, afirma que os ancestrais dos Iorubás seriam
cananeus vindos da Síria e da Palestina.
Segundo Perkins & Stembridge (1977), os mais antigos habitantes da Nigéria
eram negros. Ilé-Ifé é a cidade “onde ocorreu a criação do mundo”, possibilidade
constatada como verdadeira devido às descobertas feitas em Assilar. Esqueletos de tipo
negróide de várias épocas sugerem que o foco original desse tipo humano foi
precisamente o Saara e a África Meridional.
Ao chegarem ao Brasil, os Iorubás foram chamados pelos Fons de Ànagô (que
significa piolhento, sujo). O nome se transformou em Nagô com o tempo, e foi aceito e
usado para denominar o povo com raízes Iorubás.
9
grandes festas, as cerimônias sejam celebradas por um grão-
sacerdote ligado a cada deus (...) O membro celebrante da
família chama-se Aboxá, o sacerdote da comunidade, Ajê. 10
Os Iorubás possuíam aspecto dualista: tanto religião quanto linhagem e
comunidade. A religião foi se desfazendo no Brasil, pois o número de mulheres
escravas era bastante inferior ao número de homens escravos. As uniões não eram
estáveis e muitas vezes as mulheres não podiam definir a paternidade dos filhos. Como
os orixás ou voduns eram herdados em linha masculina, e não feminina, o culto
doméstico fora impedido11. Fato que mudou nas casas de candomblé, que foram
fundadas por mulheres, e assim são as heranças.
A organização social e política é monárquica, articulada com as leis
civilizatórias ditadas pela constituição Republicana dos países que compõe a Terra
Iorubá. Os reinos ‘dualistas’ aparecem como confederações de clãs autônomos onde o
rei tinha por função manter o equilíbrio e a coesão. A monarquia não nasceu na
sociedade iorubá. Ela foi trazida por migrações e contatos culturais com outros povos.
A forma tradicional de moradia é o agbo-ile, que consiste em uma taipa coberta
com folhas de palmeira. Atualmente são construídas com objetos modernos, como tijolo
e cimento. A estrutura tradicional do agbo-ile compreende em um grande corredor
central, com várias portas onde se localizam os recintos de componentes do clã. No
grande corredor central são feitas as festividades, recebidos os visitantes e feitas as
refeições.
A sociedade Iorubá é patriarcal, onde o poder se concentra na figura que
comanda. Os laços de parentesco constituem a maior força na vida tradicional e
determinam a posição e comportamento de cada indivíduo em relação à comunidade. 12
A tradição oral é importantíssima nas comunidades Iorubás. Possui uma alta
eficácia em manter tradições. O homem permanece ligado à palavra que profere. A
palavra é considerada como exteriorização das vibrações das forças interiores,
considerada uma dádiva de Deus.13 Essa tradição evoca a importância da palavra
verdadeira. Quando um homem mente, ele se separa de si mesmo, pois a mentira não
faz parte do homem. Essa disciplina ajudou a manter a veracidade e preservou o legado
dos seus ancestrais.
Em todas essas tradições podemos ver a importância do axé: força invisível,
mágico-sagrada de toda coisa. Segundo as crenças dos Iorubás, cada ser escolhe seu
destino, seu ori e o próprio Odu - signo regente de seu destino. O mais desenvolvido
sistema divinatório é o recurso de Ifá, associado ao culto de Orumilá.
10
FROBENIUS, L. Mythologie de l’Atlantide, pp. 122-23.
11
FREYRE,G. op. cit., pag. 611. Alexander CALDELEUCH, Travels in South America,
I, p. 25.
12
RIBEIRO, Ronilda I. Alma africana no Brasil. São Paulo, 1996.
13
idem.
10
As divindades cultuadas passaram por uma seleção. Na África, os negros pediam
fertilidade para as mulheres e boas colheitas. Mas aqui no Brasil isso não os
beneficiava. Então os orixás mais cultuados foram os da vingança e da guerra.
Em 1630, o Iorubá a língua principal na costa de Benin. Suas divindades eram
idolatradas e eles possuíam dominação política. Mas eles não se unificaram como um
povo. Só após a diáspora, os Iorubás foram definidos como tal. Existem diversas
citações que relacionam os Iorubás como Lucumí na América Central e Nagô no Brasil.
Eram conhecidos também como Aku, uma forma comum de saudação dos negros aqui
no Brasil.
Segundo Nina Rodrigues, os Nagôs eram bem diferentes uns dos outros. Na
Bahia existiam dois tipos: um com a cor negra carregada, características marcantes,
dolicocéfalos, prognatas, lábios grossos e pendentes, nariz chato, cabelo bem carapinha,
talão saliente, gastrocnêmicos pouco desenvolvidos, altos, corpulentos e vigorosos;
outros com a cor clara, quase mulato escuro, menos desenvolvidos e parecendo menos
fortes, mas com as mesmas características marcantes. Usavam saias de cores vivas,
rodadas. O pano vinha da Costa. Usava uma espécie de xale quadrado de grosso
algodão.
4 SINCRETISMO
11
Existe uma grande dificuldade em definir as características da Umbanda devido
ao sincretismo de diversos corpos doutrinários: Religiões africanas, dos povos
Sudaneses e Banto; Catolicismo; Espiritismo Kardecista e Religiões Indígenas (Adjunto
de Jurema). Entre os angoleses existe o termo Kimbanda, que significa sacerdote,
feiticeiro, o que cura doenças, etc. O radical foi conservado pela tradição oral e daí
originou Umbanda.
Outros exemplos de sincretismos, citados por Bastide (1971), são os candomblés
e xangôs, candomblés de caboclo e angola, umbanda, catimbó, pajelança, macumba,
tambor-de-mina, xambá e encantaria.
4.3 O CANDOMBLÉ
5 OS IJEXÁS
12
Segundo Nei Lopes, em Kitabu: O livro do saber e do espírito negro-africano, os
Ijexás descendiam de antigos escravos que eram mantidos ao norte de Ondô e a nordeste
de Ifé, cuidados como se fossem gado e se destinavam ao sacrifício. Daí o nome Ijexá,
“alimento dos orixás, ou eborás”. Os Ijexás fixaram-se em Ilexá, e fundaram a capital
do reino.
Esse mesmo autor descreve um provérbio sobre o primeiro rei, ou Ouá Ajacá,
filho de Ododuwa com a irmã de uma de suas esposas. Ajacá fez uma longa viagem até
o litoral para buscar água salgada e dar alívio à cegueria de Ododuwa, já na velhice.
Durante sua ausência, os outros príncipes, receberam a herança e foram fundar os novos
reinos fora de Ifé, sobrando para Ajacá apenas uma espada. Quando voltou a Ifé, foi
recebido com “O wa!” (“Ah, está de volta!”), e respondeu “mo b’okun” (“Eu trouxe
água do mar”). E essa foi a origem do título do rei dos Ijexás, Owa, enquanto Ajacá
adotou Obocum como novo nome. Após lavar os olhos de Oduduwa, devolvendo-lhe a
visão, este deu a espada, símbolo do seu poder. Entretanto, quando Ajacá retornou a Ifé
mais uma vez, confundiu o pai que tinha o rosto coberto por uma coroa de franjas com
um dos irmãos. Tentou matá-lo com a espada, mas apenas alcançou suas franjas,
revelando assim o rosto de Oduduwa. Mesmo sendo perdoado, recebeu uma coroa de
adê diferente dos outros reis, sem franjas na frente. Ajacá-Obocum foi até Ibadá, onde
terminou seus dias. Seu filho fixou-se em Ilouá. O rei seguinte tomou Ilemurê, trocando
o nome para Ibocum.
Durante o reinado de Oguê, os Ijexás fixaram-se em Ilexá e a fundaram como
capital do reino. Ilexá originou-se de Ilê Ixá, “a cidade dos cântaros”.
Após serem trazidos para o Brasil no colonialismo, a maioria dos Ijexás
permaneceram na Bahia. Devido às diferenças linguísticas dos escravizados e dos
oficiais que registravam a vinda destes, muitos nomes foram trocados. Os iorubanos
pronunciam Ijesá como “Idjexá”. Pelas diferenças entre a sonoridade e a escrita, muitos
Ijexás foram sofrendo adaptações nos registros, tendo alguns até a notação de Gexás.
Ijexá aqui no Brasil denomina também um ritmo suave, normalmente tocado
para algum orixá das águas, como Oxum e Iemanjá. Em festas chamadas Afoxés, vemos
grupos de músicos que se dedicam apenas a esse ritmo.
6 QUADRO COMPARATIVO
6.1.1 SEMELHANÇAS
13
1. A crença em um deus supremo, chamado Olorun, Olodumarê ou Obatalá,
criador de todos os outros seres;
2. Crença no jogo dos búzios, sistema divinatório de Ifá;
3. Importância da força vital, o axé.
4. A preparação do indivíduo para se tornar instrumento de seu orixá na Terra;
5. Crença no renascimento;
6. Atenção aos espíritos vivos assim como os mortos;
7. Crença nos espíritos divinizados, portadores do axé, que necessitam de
rituais e sacrifícios periódicos;
8. O culto privado permanece quase intacto;
9. Duas espécies de deuses: Oxalá ou Shangô, adorados dentro da casa e Exu
ou Omulu, que possuem templos particulares no terreno do candomblé, mas
são adorados fora da casa. Essa oposição existe também na região africana
Iorubá entre os orixás que têm seus templos nas cidades e outros que têm no
mato.14
6.1.2 ADAPTAÇÕES
14
RIBEIRO, R. Novos Aspectos do Processo de Reinterpretação nos Cultos Afro-brasileiros do Recife, p
481-86.
14
7. Cultos dos orixás coincidem com o culto dos santos católicos;
8. Cargos religiosos eram apenas para mulheres. Futuramente houve a introdução
da participação masculina.
6.2 DA MÚSICA
15
atabaque, berimbau, sekere (chocalho iorubá) e xerê como instrumentos utilizados tanto
no candomblé da Bahia, quanto nos xangôs do Recife.
O componente essencial da música do candomblé, a percussão rítmica, segue a
tradição iorubá, fon e banta. Entre os instrumentos, os atabaques, também chamados de
rum, rumpi e lé são os principais formadores dos padrões rítmicos, completados pelo
solista. Cada ritmo é designado de acordo com a função do ritual e o orixá.
Podemos ver a seguir na transcrição feita de uma peça intitulada Kiriboto, de
origem iorubá, tocada por uma orquestra Bata para a cerimônia de Egun em Benin. Os
batas existiram na primeira metade do século XX como parte da música ritual do
candomblé. Apesar de sumirem do cenário sagrado, seus valores foram transferidos para
outros instrumentos, mantendo a base rítmica. Não há mistura de timbres diferentes.
Esse recurso é utilizado apenas para invocação.
A transcrição a seguir baseia-se em três alturas. O Omele abo (tambor-suporte)
é mais grave e evidencia a base rítmica ternária, seguido pelo Omele ako (outro tambor-
suporte) mais agudo, que reforça essa base. O Ako contrapõe os dois tambores, fazendo
um pulso em quatro. A polirritmia tão comum na música africana se torna evidente.
O orixá Oxum era o mais cultuado em Ijexá. Cada lugar na África cultuava um
orixá diferente, apesar de alguns serem nacionais. Sendo assim, utilizei algumas
gravações de nações Ijexás em homenagem á Oxum como referência. Observa-se,
16
considerando a organização rítmica como quaternária, que existe reforço nos tempos 1 e
3, principalmente.
O toque ijexá apresenta uma diferença dos outros toques de candomblé, que se
assemelha com o toque iorubá: todos os instrumentos preferem executar organizações
rítmicas diferentes, enquanto outros costumam dobrar alguma linha. A configuração
rítmica dos Ijexás é multiforme. Apresenta diferentes encontros entre seus elementos
rítmicos. Possui estrutura interna simétrica, com 16 batidas (ou 16 semicolcheias), numa
assimetria regular entre os padrões rítmicos.
Os padrões rítmicos a seguir são os mais comuns dos Ijexás. As duas figuras são
tocadas concomitantemente, por grupos instrumentais diferentes e pode sofrer variações
de acordo com o grupo instrumental presente, etc.
17
7 CONCLUSÃO
Os vários fatores que alteraram a cultura africana, quando essa chegou ao Brasil,
contribuíram para aumentar ainda mais sua riqueza. Diante dos materiais coletados,
registros históricos e fonográficos, observamos que apesar das transformações, o que
movia a crença, e o que move a música dos descendentes africanos, foi perpetuado.
A música, como parte essencial do rito, permaneceu com sua base e com seus
padrões rítmicos, apesar de algumas mudanças de instrumentação e textura. Foram
construídas novas abordagens, mas com as mesmas significações, com o mesmo intuito.
A polirritmia e as inserções do tambor solista estão sempre presente na composição
textural africana. Para ouvidos ocidentais, parece ser caótico, quando na verdade são
estruturas assimétricas regulares, aparecem ciclicamente. Os ritmos cruzados, padrões
tímbricos, textura polifônica e jogo de pergunta e resposta, são utilizados
circunstancialmente, de acordo com as necessidades e as intenções. Assim como a
estética vocal, associada ao tonalismo da língua iorubá, a valorização da palavra
verdadeira, a iteração, a melopéia, o curto fraseado e a melodia penetrante continuarão
presentes nessa cultura, pois a intenção e a função da música no rito continuarão sendo a
mesma.
8 BIBLIOGRAFIA
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BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1971.
BENISTE, José. Mitos Yorubás. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
CHERNOFF, John Miller. African Rhythm and African Sensibility. Chicago: The Uni-
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