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MIÚDA E O GUARDA-CHUVA

PRÓLOGO

(Miúda sentada no banco em frente à sua casa observa o movimento das pessoas que passam por
ela. Miúda joga açúcar na grama em frente ao banco. Ela cata algumas formigas no chão usando
hashis e guardando-as num frasco de maionese, seu kit-caça-formigas. Canta a Música de chamar
formigas.)

MIÚDA – Chega perto/ Sei que vou te machucar/ Pode parecer cruel/Mas não posso evitar/ Me
desculpe/ Não quero te ver sofrer/ Mas meu coração tem fome/ E precisa te comer/ Como posso
compensar?

(Ameaça de chuva. Miúda quase abre o guarda-chuva.)

CENA I

(Dois homens de terno. Sapateado espetacular. Finda o número, finda o entusiasmo. Eles só
mostram a frente de seus corpos.)
F. A. – A vida não tem a menor perspectiva, meu caro.
F. B. – Impressionante.
F. A. – A gente trabalha, trabalha, trabalha e mal consegue o bastante para viver.
F. B. – Nos tempos de hoje quem não come é comido.
F. A. – Que aspereza, meu irmão! Que aspereza...
F. B. – São os tempos.
F. A. – Você conseguiu resolver o problema no banco?
F. B. – Que nada! Só peguei fila o dia inteiro. Fui mudando de fila, mudando de fila, mudando de
fila para ver se adiantava. E acabei não chegando.
F. A. – Mas precisamos resolver isto.
F. B. – É. Não tem porta de saída!
F. A. – Lamentável...
F. B. – Lamentável...
F. A. – E o que vamos comer agora no jantar?
F. B. – Ainda continuamos de dieta?
F. A. – Mas é lógico! Senão não me agüento nas pernas...
F. B. – Nem eu... Olha o tamanho delas...
F. A. – Folhas. Só folhas.
F. B. – Nem um docinho?

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F. A. – Nada. Está me ouvindo? Açúcar é um veneno para as pernas.
F. B. – Hum... mas é tão bom...
F. A. – O auto-controle é o caminho da auto-preservação.
F. B. – Transformação.
F. A. – Como?
F. B. – O auto-controle é o caminho da auto-transformação.
F. A. – Ora, essas... eu não gosto que me corrijam.
F.B. - Castanholas sacrossantas!
(Saem discutindo. E sapatandando.)

CENA II

(Miúda quase abre o guarda-chuva. Não chove. Ela volta a catar formigas, cantando a Música de
chamar formigas).

MIÚDA - Como posso compensar?/ Posso te oferecer/ Nesse último momento/ Uma vida mais
feliz/ Indizivelmente doce/ Puro açucar branco e blue.

(Miúda tampa o frasco do seu kit-caça-formigas e permanece sentada, observando. Seu Zé, o
carteiro, bate à porta da casa de Miúda.)

SEU ZÉ (chamando à porta) – Dona Miúda! A senhora está em casa? Dona Miúda! Estranho.
Espero que esteja tudo bem.
MIÚDA – Está tudo bem sim, seu Zé. Obrigada.
SEU ZÉ – Vejo que acordou bem disposta! Até saiu para passear.
MIÚDA – Não estava passeando. Gosto de me sentar naquele banco. Ali em frente. Por horas a fio.
SEU ZÉ – Quase havia me esquecido.
MIÚDA – Dali posso observar o suor nas mãos das pessoas...
SEU ZÉ – A jornada diária das formigas...
MIÚDA – E o trânsito aéreo dos mosquitos. Gosto de ver também a minha casa. Ela parece maior
vista de lá. Talvez seja por causa do ângulo do meu olhar.
SEU ZÉ – Ou da capacidade que o banco tem de aumentar as coisas que a senhora vê.
MIÚDA – Olhando de lá (aponta para o banco como se estivesse apontando para espectador) as
coisas ganham outra perspectiva. O senhor me trouxe alguma correspondência?
SEU ZÉ – Hoje não. Só vim ver como estava a senhora.
MIÚDA – Muito agradecida.
SEU ZÉ – Não por isso.
MIÚDA – O senhor não gostaria de entrar para tomar uma xícara de café.

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SEU ZÉ – Se não for dar trabalho...
MIÚDA – De jeito algum.
SEU ZÉ – Depois da senhora.
(Miúda entra. Seu Zé caminha em direção à porta mas quando está perto da entrada, pára abrupta e
enrijecidamente.)
MIÚDA – Seu Zé, o senhor pode entrar.
(Seu Zé balança a cabeça negativamente, amedrontado.)
MIÚDA – Vamos, seu Zé, não faça cerimônia! (Pausa) O que foi? Aconteceu alguma coisa?
SEU ZÉ – Aquele bicho está em casa?
MIÚDA – Não é bicho, é planta.
SEU ZÉ – Mas parece um monstro!
MIÚDA – Não fale assim dela. É lembrança de amor.
SEU ZÉ – Tem coisa que não vale a pena guardar, Dona Miúda.
MIÚDA (depois de refletir) – Venha. Ela não vai te machucar. Está lá em cima no
quarto.
SEU ZÉ – E não virá até a sala?
MIÚDA – Plantas não tem pernas!
SEU ZÉ – Se é assim...
(Eles entram. Miúda e seu Zé sentam-se na sala de visitas.)
MIÚDA – Sente-se, seu Zé, enquanto preparo café para o senhor.
SEU ZÉ – Obrigado, Dona Miúda.
(Miúda vai até a cozinha que fica numa parte não visível do cenário.)
MIÚDA – O senhor aceita broas de milho?
SEU ZÉ - Eu gosto muito de broas. Aceito! Se não for abusar demais, é claro.
(Entra, trazendo nas mãos um prato com broas.)
MIÚDA – Não é.
SEU ZÉ – A senhora é muito gentil.
PLANTA (Fora de cena. ) – Me acuda! Me acuda!
MIÚDA (para a planta) – O que foi? Aconteceu alguma coisa?
PLANTA – Estou com fome.
(Seu Zé estremece. Miúda observa a reação de seu Zé.)
MIÚDA – Espere só um pouquinho, meu bem, estou com visitas.
PLANTA – Visitas! Quem está aí? Deixe que eu adivinho. Hum... Sinto cheiro de carneiro, quero
dizer carteiro.
(Seu Zé treme feito vara verde.)
MIÚDA – Não tenha medo, seu Zé. Como é que uma planta pode lhe fazer mal?
SEU ZÉ – A senhora fala como se eu estivesse com medo de uma margarida! Devo te lembrar que
estamos falando de uma planta carnívora?! E que eu sou quase todo feito de carne?
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MIÚDA – Ela é muita pequena.
SEU ZÉ – Está crescendo.
MIÚDA – Porque todo mundo tem medo de planta carnívora?
SEU ZÉ – Porque todo mundo tem medo de planta carnívora!
PLANTA – Me acuda, minha Ínfima, estou com fome!
SEU ZÉ – Vou-me embora.
MIÚDA – Fique mais um pouco. Termine, pelo menos de tomar o seu café.
PLANTA – Eu quero comer! Preciso de sangue para viver, esqueceu?
SEU ZÉ – Muito obrigado, dona Miúda, e me desculpe a desfeita. Mas eu não fico nessa casa nem
mais um minuto! Até breve, dona Miúda.
MIÚDA – Até amanhã, seu Zé.
(Seu Zé sai.)
PLANTA – Me acuda! Me acuda!
MIÚDA – Estou indo, estou indo...

CENA III
(Miúda trás a planta para a sala.)
MIÚDA – Muito desagradável a senhora! Você sabe que ele tem medo de você.
PLANTA – Eu estou com fome...
MIÚDA – Não podia esperar?
PLANTA – Não.
MIÚDA – Devia te deixar sem comer. De castigo!
PLANTA – Você não faria isso comigo.
MIÚDA – Não.
PLANTA – Você catou as minhas formigas?
MIÚDA – Você não me leva a sério.
PLANTA – Você não respondeu o que te perguntei.
MIÚDA – Catei.
PLANTA – Do jeito que te pedi?
MIÚDA – É Claro! Nem muito magras, nem muito gordas, nem muito grandes, nem muito
pequenas... O que é que eu não faço por você, meu bem?
PLANTA – Eu te amo.
MIÚDA – Você não tem coração. Não sabe o que quer dizer a palavra amor.
PLANTA – Mas sei o que você quer ouvir.

(Anoitece)

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CENA IV

(Miúda arrumando a mesa de jantar. Ela acomoda sua planta carnívora do outro lado da mesa.)
MIÚDA (olhando o verde) – Verde é uma cor que sobra, você não acha?
PLANTA CARNÍVORA – Não. Acho suficiente.
MIÚDA – Essa casa afunda nele para trás.
PLANTA CARNÍVORA – Não é culpa do verde. Foi o arquiteto.
MIÚDA – É bonito de ver.
PLANTA CARNÍVORA – Eu sou verde.
MIÚDA – Eu sei. (na mesa) Quer broa? Pão? Café? Nem uma sopinha?
PLANTA CARNÍVORA – Não. Você sabe que eu só como formigas. Deliciosamente amargas.
(Miúda despeja as formigas do seu kit-caça-formigas no prato da planta carnívora.)
MIÚDA – Eu fico pensando em quantos caminhos eu interrompo quando tiro as formigas do lugar
para que você possa comer.
PLANTA CARNÍVORA – Pense que elas voltam para o verde quando eu as como.
MIÚDA – Você é muito pretensiosa
PLANTA CARNÍVORA – Você está usando uma palavra comprida.
MIÚDA – Você é muito grande para palavras pequenas.
PLANTA CARNÍVORA – Obrigada, minha ínfima.
MIÚDA – Meu nome é Miúda. Eu já te ensinei isso. Você só me chama dessa palavra difícil. Tanta
língua enjoa o dente.
PLANTA CARNÍVORA – É porque você é míope.
MIÚDA – Hum? Você me confunde.
PLANTA CARNÍVORA – É natural.
MIÚDA (olhando o verde) – A noite está sem movimento.
PLANTA CARNÍVORA – O movimento é uma coreografia diurna, você sabe.
MIÚDA – E só dá para ver de lá do banco. Aqui no fundo só tem verde.
PLANTA CARNÍVORA – As formigas estão ótimas. Obrigada.
MIÚDA – É bom ter olhos, meu bem. É muito bom.
PLANTA CARNÍVORA – Que seja... Posso dormir sem escovar os dentes hoje?
MIÚDA – Não. (na mesa) Eu não consigo dormir sem escovar todos os dentes vivos da casa.
PLANTA CARNÍVORA – Eu sei. Mas eu sou uma planta.
MIÚDA – Eu sei. Só que é viva. E morde.
PLANTA CARNÍVORA – Eu sou uma planta carnívora, minha ínfima. O que mais você poderia
esperar de mim?
MIÚDA – Que você me chamasse pelo meu nome.
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PLANTA CARNÍVORA – Minha ínfima, nós temos um acordo claro. Eu sou a única coisa viva
que você alimenta. E eu sinto muita fome. Eu continuo existindo e você me traz as formigas.
MIÚDA – O amor é um sentimento estranhíssimo. Eu morro de medo que você me devore, mas
continuo tirando as formigas do lugar para que você fique satisfeita e cresça. E se você ficar do
tamanho da casa toda? Onde eu vou morar?
PLANTA CARNÍVORA – Eu sou feliz com você.
MIÚDA – Mas corta no dedo.
PLANTA CARNÍVORA – E arde? E consome?
MIÚDA – Pacientemente.
PLANTA CARNÍVORA – Como o amor. Você não vê, minha ínfima?
MIÚDA – Talvez seja melhor amar aquilo que corta a não amar nada.
PLANTA CARNÍVORA – Eu confio em você.
MIÚDA – O cuidado pode ser maior que o desejo, você não acha?
PLANTA CARNÍVORA – Talvez. Vamos aos dentes?

CENA V

(Miúda pega a planta e segue em direção ao seu quarto. Antes de entrar no cômodo, ouve uma voz
gritando seu nome)
INÉRCIA – Miúda! Miúda!
MIÚDA (para a planta) – Quem será a essa hora da noite?
PLANTA CARNÍVORA – Você está exigindo demais dos meus neurônios hoje, minha ínfima.
INÉRCIA – Miúda! Miúda! Miúda!
(Nesse momento, Miúda observa uma trilha de formigas de bundas acesas. Elas atravessam seu
caminho e seguem em direção à porta de saída da casa. Ela resolve seguir a trilha, levando consigo
sua planta carnívora. Pára ao chegar na porta fechada.)
MIÚDA – Meu bem, formiga tem dente?
PLANTA CARNÍVORA – Hum... salivei...
MIÚDA – Deixa pra lá. (Ouve o silêncio). Vamos escovar os dentes e dormir!
(Miúda vai para o seu quarto. Acomoda a planta do lado da cama e se dirige à janela de onde pode
avistar o banco, para ver se consegue localizar o caminho das formigas. Do outro lado da rua, está a
trilha de formigas. Juntas elas quase podem revestir o banco todo de preto com bunda acesa.
Espanto crescente de Miúda. )
MIÚDA – Meu bem, as formigas. De novo.
PLANTA CARNÍVORA (da cômoda) – Minha ínfima, eu não tenho pernas.
MIÚDA – Meu bem, são muitas.
PLANTA CARNÍVORA – Salivei...
MIÚDA – Está tarde para tirar as formigas do lugar.
PLANTA CARNÍVORA – Hum...

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MIÚDA – O que aconteceu da porta de casa até o banco?
PLANTA CARNÍVORA – Não estou conseguindo controlar a minha saliva.
MIÚDA – Nunca pensei que as formigas pudessem ser tantas e distribuídas em intervalos.
PLANTA CARNÍVORA – É a descrição do paraíso. Eu morri e não sei. É isso?
MIÚDA – Não. Meu bem, as bundas das formigas estão acesas.
PLANTA CARNÍVORA – Eu adoro a palavra bunda. Uma palavra sonora, que alegra, que traz de
volta o que ficou lá atrás. Literalmente. (Rindo).
MIÚDA – Silêncio. Elas estão se organizando. (Lendo). “Miúda, o guarda-chuva”.
PLANTA CARNÍVORA – Como?
MIÚDA – Ãhn?
PLANTA CARNÍVORA – O que você disse?
MIÚDA – Eu não disse nada. Elas estão dizendo.
PLANTA CARNÍVORA – Como?
MIÚDA – Com as bundas acesas.
PLANTA CARNÍVORA – Um fato extraordinário, sem dúvida!
MIÚDA – Está escuro, você não vê?
PLANTA CARNÍVORA – Não. Você é que não deve estar enxergando bem as coisas.
MIÚDA – Eu tenho dificuldade de enxergar as coisas de longe.
PLANTA CARNÍVORA – Que seja... Estou com fome.
MIÚDA – “Miúda, o guarda-chuva”.
PLANTA CARNÍVORA – Formigas enigmáticas de bundas acesas... Tem gosto de quê?
MIÚDA – “Miúda, o guarda-chuva”.
PLANTA CARNÍVORA – Parece crocante...
MIÚDA – “Miúda, o guarda-chuva”.
PLANTA CARNÍVORA – Deve ser presente de algum admirador secreto que descobriu que você
coleciona guarda-chuvas. Estou com fome.

CENA VI

(Entram os homens de terno, F.A. e F.B)


F.A. – Nada a fazer. Você ouviu o que eu disse?
MIÚDA (em outro plano) - “Miúda, o guarda-chuva”.
F.B. – Não. O que foi?
F.A. – Eu disse que a vida não tem a menor perspectiva, meu caro.
F.B. – O que você quer dizer com isso?
MIÚDA (em outro plano) - “Miúda, o guarda-chuva”.
F.A. – Sumiram mais três.

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F.B. – Mesmo? Só soube de um.
F.A. – O primeiro estava na minha frente. O segundo era meu irmão. O outro não sei.
F.B. – O terceiro foi aquele que a Tereza deu a mão.
MIÚDA (em outro plano) – “Miúda, o guarda-chuva”.
F.A. – Isso não vai acabar nunca?
F.B. – O que?
F.A. – Esse zumbido!
F.B. – Não há mesmo nada a fazer.
F.A. – Num momento estamos aqui. No outro não estamos mais: fomos engolidos pela grande boca
do universo.
F.B. – Não tem porta de saída!
F.A. – Você anda muito amargo.
F.B. – Você acha? Estou até contente.
F.B. – Devia mesmo estar.
F.A. – Amanhã será um grande dia.
F.B. – Hoje poderia ter sido um de nós.

CENA VII

(Quarto de Miúda.)
MIÚDA – “Miúda, o guarda-chuva”
PLANTA – Estou com fome, minha Ínfima.
MIÚDA – Acabou de comer.
PLANTA – Você tem me dado cada vez menos formigas.
MIÚDA – Estão escassas.
PLANTA – O que?
MIÚDA – As formigas.
PLANTA – Não parece. Disse a pouco que elas podiam cobrir todo o banco da praça. Hum...
Salivei.
MIÚDA – O banco era pequeno e elas eram intervaladas. (Pausa) Você não disse que formigas são
amargas?
PLANTA – Disse.
MIÚDA – Então por que deseja tanto comê-las?
PLANTA – De doce já basta a vida, não acha?
MIÚDA – A minha vida não é tão doce.
PLANTA – Suas papilas devem estar gastas.
MIÚDA – Silêncio, meu bem. Por favor. Ainda estou em estado de espanto. O que poderia
significar essa frase bordada em bundas de formiga?

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PLANTA – "Miúda, o guarda-chuva".
MIÚDA – Preciso pensar.
(Miúda se dirige à sua cama. No caminho pega um livro de Ana Cristina César. Caminha com ele, o
coloca em baixo do travesseiro. Miúda dorme. Inércia entra de patins, no sonho de Miúda.)

CENA VIII

(Amanhece. Ainda é muito cedo. Miúda em baixo dos lençóis.)


INÉRCIA – Miúda! Miúda!
MIÚDA (num susto) – De novo! (pegando o livro embaixo do travesseiro e deixando-o à vista).
PLANTA CARNÍVORA – Não gosto de gritos de manhã cedo... Capaz de interromper minha
fotossíntese.
MIÚDA – Você tem as formigas. (lembrando-se da noite anterior) As formigas!
(Miúda corre até a janela, mas vê que nada mais existe sobre o banco)
PLANTA CARNÍVORA – E então?
MIÚDA – Está claro demais. Longe demais. Não consigo enxergar.
PLANTA CARNÍVORA – Definitivamente míope.
MIÚDA – A senhora deve se achar muito esperta, não é, meu bem?
PLANTA CARNÍVORA – Positivo.
MIÚDA – Sempre me fazendo tirar as formigas do lugar.
PLANTA CARNÍVORA – Positivo.
MIÚDA – Mas na hora de escovar os dentes... A única coisa que lhe peço...
PLANTA CARNÍVORA – Hum...
MIÚDA – Você escapole pelas minhas mãos.
PLANTA CARNÍVORA – Foi o sono, minha ínfima... E também você não tinha condições de se
preocupar com escova, e pasta, e dentes, e água, e esfregação. Seu nome escrito por bundas acesas
de formigas deliciosas, digo, enigmáticas...
MIÚDA – “Miúda, o guarda-chuva”. O que isso pode significar? Cuidado ou desejo? Formiga tem
dente?
PLANTA CARNÍVORA – Perguntas, perguntas, perguntas...
MIÚDA – Esse dia tem cheiro de coisa perdida...
PLANTA CARNÍVORA – Como sempre acontece com os guarda-chuvas, por sinal...
(Desfalece embaixo dos lençóis.)

CENA IX

(Inércia entra, em patins, e nunca pára. Ela carrega uma bolsa da qual tira objetos surpreendentes
enquanto fala e anda.)

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INÉRCIA – Não, Miúda, eu nunca afoguei peixe algum seu. Está claro isso. Onde já se viu? Ele se
afogou por que o seu aquário era fundo demais para ele. Eu avisei. Mas foi sozinho. Trouxe essas
mantinhas de copos para você. São bordados. Belíssimos! Renda antiga. Mamãe fez ontem. Ela se
mudou para a casa B-612, te falei? Onde coloquei os sequilhos? Miúda, precisamos devolver o
peixe ao mar. Mas será que eu trouxe mesmo os sequilhos ou deixei em cima da prateleira esquerda
do móbile da sala de receber visitas? Hoje estou azeda. E o pior é que devo permanecer assim o dia
todo. (Tomba e cai. Barulho.)

CENA X

PLANTA CARNÍVORA – Minha ínfima? Minha ínfima!


MIÚDA (levantando o lençol, ainda sonolenta) – Acho que sonhei com Inércia.
(Miúda começa a jogar um minigame)
PLANTA CARNÍVORA – Você não vai trabalhar hoje?
MIÚDA – Não. Hoje vou viver de sorte.
PLANTA CARNÍVORA – De um jeito ou de outro, sempre se vive.
MIÚDA – Morri.
PLANTA – Não parece.
MIÚDA – Game over.
PLANTA – Acabou?
MIÚDA – Vou recomeçar.
PLANTA – Estou com fome.
MIÚDA – Espere só um minuto. Já vamos comer.
PLANTA – Que graça tem isso?
MIÚDA – É divertido.
PLANTA – Inutilidade!
MIÚDA – Cultura.
PLANTA – Cultura inútil!
MIÚDA – As coisas que me agradam para você são amargas.
PLANTA – Não. Formigas são amargas.
MIÚDA – Nunca comi.
(Pausa. Miúda continua jogando.)
PLANTA – Estou com fome, minha Infima!
MIÚDA – Já vamos comer. Espere só mais um pouquinho, meu bem.
(Miúda tira a mão do minigame e a estende para alisar a planta)
MIÚDA – Ai! Você me mordeu!
(Miúda leva o dedo indicador até a boca.)
MIÚDA – Gosto de jasmim.

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PLANTA – O que?
MIÚDA – Você é doce.
PLANTA – Ninguém diz que é doce alguém que acaba de lhe morder.
MIÚDA – É melhor amar aquilo que corta a não amar nada.
PLANTA – Que disse?
MIÚDA – Algo diferente do que gostaria de pensar... Por que me mordeu? Eu ia te acarinhar.
PLANTA – Carinho não enche barriga, eu quero comida! E se eu pegar quem fez esse jogo dou-lhe
também uma mordida!
MIÚDA – Vai passar um dia inteiro mordendo pessoas.
PLANTA – Por que? Precisa de mais de um ser humano para fazer um jogo desses?
MIÚDA – Na maioria dos casos sim.
(A campanhia toca. Miúda começa a se levantar.)
PLANTA – Você não vai abrir a porta, vai?
MIÚDA – Claro que vou!
PLANTA – Assim no meio da conversa? Deixa tocar!
MIÚDA – Deve ser o carteiro. Não vai demorar.
PLANTA – Seja breve.

CENA XI

(Miúda abre a porta para o carteiro, está com a planta na mão.)

MIÚDA – Bom dia, seu Zé.


SEU ZÉ (recuando visivelmente assustado) – Bom dia, Dona Miúda.
MIÚDA – O senhor pode entrar.
SEU ZÉ – Dessa vez não entro de jeito nenhum, Dona Miúda.
MIÚDA – O senhor não gostaria de tomar uma xícara de café.
SEU ZÉ – Não. Muito obrigado.
MIÚDA – Mas por que, seu Zé?
SEU ZÉ – Tenho medo.
MIÚDA – Do café?
SEU ZÉ – Não. Desse bicho.
MIÚDA – Não é bicho, seu Zé. Já lhe disse: é lembrança.
SEU ZÉ – Tem coisa que não vale a pena guardar, Dona Miúda. Isso não é coisa de Deus.
MIÚDA – E formiga de bunda acesa é coisa de Deus?
SEU ZÉ – Hein?
MIÚDA – Nada não. O senhor trouxe algo para mim?

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SEU ZÉ – Uma caixa.
MIÚDA – Um momento. Já volto. (deixa a planta carnívora na mesa de jantar).
SEU ZÉ – Aqui está.
MIÚDA – Obrigada.
SEU ZÉ – Está na minha hora, Dona Miúda. Até breve.
MIÚDA – Até amanhã, seu Zé.

CENA XII

(Inércia entra pela porta que Miúda deixou aberta, depois que o carteiro foi embora.)
INÉRCIA – Miúda! Miúda!
MIÚDA (para o público) – Meu nome nunca foi chamado tantas vezes no mesmo dia.
(Inércia entra, em patins, permanecendo em seu estado de andar/falar, casa afora.)
INÉRCIA – Desde ontem de noite que eu te grito sem parar. Alternando os intervalos, mas sem
parar.
MIÚDA – Era você? Eu não reconheci a sua voz.
INÉRCIA – São os patins.
MIÚDA – Como?
INÉRCIA – O movimento aproxima e distancia a minha voz.
MIÚDA – O movimento é uma coreografia diurna.
INÉRCIA – Não no meu caso. Desde ontem de noite que estou assim. Andando e te gritando sem
parar. O problema é que não dá para você me ouvir quando estou te chamando lá da padaria. Isso
aqui corre, viu?
MIÚDA – Inércia, você sabe que tem que tomar cuidado com as permanecências...
INÉRCIA – Permanecências? Palavra inventada e muito comprida.
MIÚDA – Desculpe. Minha planta só cabe em palavras grandes, peguei costume.
INÉRCIA – Estou ficando cansada.
MIÚDA – Imagino.
INÉRCIA – A gente tem que ter muito cuidado com as caixas que abre.
MIÚDA – Hum?
INÉRCIA – A gente tem que ter muito cuidado com as caixas que abre.
MIÚDA – Hum... Foi seu marido que mandou os patins?
INÉRCIA – Sim.
MIÚDA – Onde ele está dessa vez?
INÉRCIA – Longe.
MIÚDA – Deve ser bom ser caixeiro-viajante.
INÉRCIA – Não para quem fica.
MIÚDA – Se você fosse, ia continuar indo.
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INÉRCIA – Até que alguém me parasse.
(Miúda pára Inércia)
MIÚDA – Ou você fizesse esse esforço. Pronto! Senta.
INÉRCIA – É que dá uma moleza... (Bêbada de sono) Cadê a planta? Saudade daquele gosto de
jasmim que ela deixa no dedo da gente quando mord...
(Inércia cai em sono profundo)
MIÚDA – Pronto! Agora ninguém mais acorda essa mulher... (pegando novamente a caixa).
Cuidado com as caixas que abre... (abrindo a caixa). Cada idéia...
(Miúda tira da caixa um pedaço de pano muito quadrado. Vermelho de bolinhas brancas. Fica com
aquele espanto na mão.)

CENA XIII

(Entram os homens de terno, F.A. e F.B. Caminham cansados, sapatandando.)


F. A. – Meus dentes estão doendo.
F. B. – Você comeu rapadura de novo?
F. A. – Não. Açúcar é um veneno para as pernas. Eu só como folhas.
F. B. – Sei... sei...
F. A. – Eu devo ter mordido alguma coisa dura no meio das folhas que almocei.
F.B. – Talvez um pedaço de arame.
F. A. – Uma pedra.
F.B. – Ou talvez uma bolinha branca.
F.A. – Um quadrado vermelho!
F.B. – Lembrou de escovar os dentes?
F.A. – Não esqueci.
F. B. – Eucaliptos selvagens!
(Foco de luz repentino. Breve hesitação.)
F. A. – A vida não tem a menor perspectiva, meu caro.
F. B. – São os tempos.
(Sapateado espetacular.)

CENA XIV

(Miúda retorna com o pano na mão. Conversa com Inércia, que dorme em sua sala de visitas.)
MIÚDA – Esse pano não me é estranho. Inércia? Olha.
(Silêncio.)
MIÚDA – Minha mãe lavava as minhas mãos na pia do banheiro. As duas. Isso é uma coisa boa de
guardar. Lavar bem as mãos era a desculpa que a saúde arranjava para a gente ficar muito tempo

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com as mãos juntas, sem pressa. Só a água corria entre elas. Eu era miúda e tinha medo de dar
cambalhota. Agora, eu cresci? (Pega o pano, cheira, tenta reconhecer.) De onde eu conheço esse
pano? Onde está a memória da minha retina? Inércia?
(Silêncio. Subitamente, chove.)
MIÚDA – Chuva? (Vai fechar as janelas da casa e observa uma aglomeração de formigas no banco
em frente à sua casa.) As formigas! De novo. (Grita). Inércia? Meu bem? (Sem resposta, vai até a
sua coleção de guarda-chuvas) Qual eu escolho? Meu bem? Onde está você, meu bem? Inércia,
você viu a...? Deixa pra lá... Esta planta depende de mim e agora eu não sei onde ela está. Que
desleixo! Isso só pode ser coisa de Seu Zé. Será que ele levou a minha planta bem no meio da
distração? Que absurdo! Que impropério! Que inconstância! Vou ligar para os correios e dar queixa
desse abuso! Não gosto de falar palavras aborrecidas! Alô? (som de voz irreconhecível do outro
lado da linha) Eu gostaria de... (Vê que a planta carnívora estava precisamente no último lugar em
que a havia posto por causa do medo de seu Zé.). Nada não. Desculpe. Não, não. Eu estou bem.
Estou em estado de exclamação. (Voz.). Gastei palavras aborrecidas, sem economia. Palavra é uma
coisa muito séria. (Voz. Desliga o telefone). Vou preparar broas fresquinhas para seu Zé amanhã.
(para a planta). Estou com raiva da falta que você me faz quando desaparece. Você não me ouviu te
procurando?
PLANTA CARNÍVORA – Você não me chamou.
MIÚDA – Você também não me chama.
PLANTA CARNÍVORA – Não pelo nome.
MIÚDA – Mas eu sempre venho.
(Miúda passa a mão pelas pétalas da planta, que, irritada, a morde. Miúda leva o dedo mordido à
boca. Cheiro de jasmim no ambiente.)
PLANTA CARNÍVORA – Desculpe. Eu sou uma planta carnívora. (Miúda vai até a janela). Minha
ínfima. (gritando) Minha ínfima
MIÚDA (olhando a chuva da janela) – Cada gota pode lavar um sonho.
PLANTA – Ou levar que fica mais esperançoso.
MIÚDA – Levar pra onde? (Silêncio). Adoro fazer perguntas que ninguém pode responder.
PLANTA – Vai sair?
MIÚDA – Vou até o banco. Ver se as formigas ainda estão lá . Eu tenho dificuldade de enxergar as
coisas de longe.
PLANTA – Hum... Salivei. Não esqueça o guarda-chuva. Não vá se molhar.
MIÚDA – Qual escolho?
PLANTA – Que tal o décimo terceiro?
MIÚDA – Pode ser. Mas, por que?
PLANTA – Dizem que 13 dá sorte.
MIÚDA – Ou azar. Ninguém sabe.
PLANTA – Melhor assim: você escolhe no que quer acreditar.
MIÚDA – Está bom. Vou levar.

CENA XV

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(Ainda chove. Miúda pega o décimo-terceiro guarda-chuva da sua coleção, abre a porta de saída e
atravessa a rua até o outro lado. Dentro do guarda-chuva chove intensamente. Chove quadrado e
Miúda se dá conta de que recebera de manhã bem cedo, das mãos de seu Zé, um pedaço quadrado
do seu guarda-chuva vermelho com bolinhas brancas, o décimo-terceiro de sua coleção. Miúda
senta pasma no banco. Silêncio.)
MIÚDA – Estou muito cansada aqui do outro lado. Onde estão as formigas e as bundas acesas?
Estou cansada da travessia das palavras.
(A chuva continua a cair quadrada na cabeça de Miúda, inundando o banco de sentimentos que ela
não quer ou não sabe como dizer. A noite tomba em seus ombros.)
MIÚDA – O tempo é uma coisa que não se pode pegar com as mãos. Hoje eu não senti fome.

CENA XVI

(Entram os homens de terno. F.B. traz uma escova de dentes na mão.)

F.A. – Ainda está chovendo.


F.B. – Abra a boca!
F.A. – A vida não tem a menor perspectiva, meu caro. (abre a boca).
(F.B. escova os dentes de F.A.)
F.B. –Telescópios flamejantes!
F.A. – O que foi?
F.B. – Tem de tudo nessa boca!
F.A. (grunhindo) – Hum... Hum...
F.B. – Calma!
F.A. (grunhindo) – Hum... Hum...
F.B. – Calma!
F.A. (grunhindo) – Hum... Hum...
F.B. (retirando muitos metros de arame da boca de F.A.) – Dois centímetros de arame!
F.A. – Nada a fazer. A vida está passando diante dos olhos. Sem a menor perspectiva.
F.B. – Tem alguma coisa muito estranha aqui.
F.A. – Seja o que for, tire!
F.B. – Uma bolinha branca. De papel. Vou abrir!
F.A. (tomando o papel das mãos de F.B. – Um poema!
F.B. – Que poema?
F.A. – O preferido dela.
F.B. – Ela quem?
F.A. – Aquela que alimenta a grande boca do universo.

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CENA XVII

(Miúda está sentada no banco. De casa, Inércia chama,)


INÉRCIA – Miúda! Miúda! Miúda!
(Miúda levanta e entra em casa para ver o que aconteceu com Inércia. Chegando lá, vê que Inércia
sumiu.)
MIÚDA – Inércia? Inércia?
(Corre os quatros cantos atrás da vizinha. Dá por falta das mantinhas rendadas que costumam ficar
sobre os seus copos.)
MIÚDA – Onde está Inércia? Mistério tem limite! Em algum lugar deve haver alguma coisa que
sobre nisso tudo!
PLANTA CARNÍVORA – Você vai acabar ficando em estado de exclamação de novo. Ou de
espanto. Ou de confusão.
MIÚDA – Você viu Inércia?
PLANTA CARNÍVORA – Eu não tenho olhos, minha ínfima. Eu sou uma planta carnívora. Porque
você está metade molhada?
MIÚDA – Porque metade de mim está seca. (pausa). Os guarda-chuvas!
(Miúda vai verificar os outros guarda-chuvas de sua coleção. Abre um por um e absolutamente
todos estão com partes cortadas à semelhança de letras.)
MIÚDA – O que é isso?. Quem fez isso? Meus guarda-chuvas estão todos recortados
PLANTA CARNÍVORA – São letras!
MIÚDA – Palavras, palavras, palavras...
INÉRCIA (ao fundo) – Que gritaria é essa?
(Inércia volta trazendo as mantinhas rendadas dos copos.)
MIÚDA – O que aconteceu? Onde você estava?
INÉRCIA – Espirrando.
MIÚDA – Espirrando? Como assim?
INÉRCIA – Eu acordei com uma crise de espirros fenomenal! Aí te chamei, clamando por socorro.
Mas, agora, toda vez que eu te chamo você não vem. Virou uma tradição já!
MIÚDA – Quando eu cheguei aqui você havia desaparecido.
INÉRCIA – Claro! O que você queria? Que eu continuasse espirrando para sempre?
MIÚDA – Você é dada a permanecências.
INÉRCIA (mostrando alguns paninhos rendados) – Esses foram presente da mamãe, não?
MIÚDA – Foram! (pegando as mantinhas) Eca...
INÉRCIA – Entrei na cozinha e peguei os primeiros paninhos que achei. Fui ao banheiro lavar as
narinas e a banheira me pareceu tão confortável. Hibernei.
MIÚDA – Quem hiberna é urso. Gente dorme.
(Inércia cai novamente no sono)

1
MIÚDA – Inércia, meus guarda-chuvas. Estão todos recortados! (Inércia ronca) Inércia? (Inércia
ronca) Inércia! Meu bem, e agora, o que a gente faz com as letras?
PLANTA CARNÍVORA – Caça palavras, ora!
(Miúda corre pelo palco caçando palavras até cair. Entram Formiga Azul e Formiga Branca e
desmontam a casa de Miúda. No percurso da mudança, deixam ver suas bundas acesas.)
MIÚDA (tonta) – Puro açúcar branco e blue... Puro açúcar branco e blue!
(Em outro plano, as formigas estão visivelmente cansadas. Conversam, tirando os sapatos.)
FORMIGA AZUL – Está quente demais hoje, não é?
FORMIGA BRANCA – São os tempos.
FORMIGA AZUL – Acho que estou com indigestão.
FORMIGA BRANCA – Lamentável...
FORMIGA AZUL – Lamentável...
(No plano de Miúda. Ainda deitada no chão.)
MIÚDA – Tão simples, tão simples... Meu bem, formiga tem dente?
PLANTA CARNÍVORA – Hum... Salivei.
MIÚDA – As minhas tem.
(Miúda sai, deixando a planta carnívora sozinha.)
PLANTA CARNÍVORA – Minha ínfima? Minha ínfima? (Silêncio.) Miúda.
(Miúda vai ao banco em frente a sua casa. No plano das formigas, barulho de passos. Muito
pesados.)
FORMIGA BRANCA – Que barulho é esse?
(Olhando para cima)
FORMIGA AZUL – São as obras.
FORMIGA BRANCA – Estão reformando o banco?
FORMIGA AZUL – Creio que sim.
FORMIGA BRANCA – E nós?
FORMIGA AZUL – Não seremos atingidos.
FORMIGA BRANCA – Tanto melhor! (Pausa) Será que hoje vai chover?
FORMIGA AZUL – Já deu seis horas?
FORMIGA BRANCA – Já tocou a ave-maria.
FORMIGA AZUL – Então, daqui a pouco ela vem.
(Miúda joga açúcar na grama em frente ao banco. No plano das formigas, subitamente, chove.)
FORMIGA BRANCA – Impressionante!
FORMIGA AZUL – Não falei?
FORMIGA BRANCA – A chuva é branca.
FORMIGA AZUL – É azul.
FORMIGA BRANCA – E canta.
FORMIGA AZUL – E é indizivelmente doce.
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MIÚDA (cantando um verso da “Música de chamar formigas”) – Puro açúcar branco e blue.
(Breu. Só as vozes de Inércia e Miúda, de fora.)
MIÚDA – Inércia! Ôh! Inércia!
INÉRCIA – Não vou!
MIÚDA – Você não tem porque não vir.
INÉRCIA – Preguiça... Insegurança...
MIÚDA – Tome vergonha que passa!
INÉRCIA – Vende onde? Tem em garrafa?

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