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ECLESIASTES 6:1-6

Imediatamente deparamo-nos com o fato de que o “poder” de desfrutar os


dons de Deus, que nos foi apresentado em 5:19, é em si mesmo um dom que
pode ou não nos ser concedido. Podemos ser privados dele de diversas
maneiras. Em 5:13ss., temos o fracasso nos negócios: aqui tudo foi sacrificado
por um futuro que nunca se concretizou. Para este homem nunca houve uma
manhã. Mas a vida pode ter longos períodos de brilho e de alegria, e ainda
assim sucumbir em trevas, que parecerão ainda mais profundas por causa da
luz que desfizeram.

O homem do versículo 2, exatamente por ser notável, tem mais a perder do


que o lerdo que nunca chega a nada. E ele pode muito bem perder tudo sem
ter culpa alguma: é só vir a guerra, a enfermidade ou a injustiça e lançar tudo
no colo de outra pessoa. Uma pessoa pode ter tudo que os homens sonham (o
que nos termos do Antigo Testamento significava filhos às dezenas e anos de
vida aos milhares) e ainda assim partir sem ser percebido ou lamentado e sem
ter satisfação.

A esta altura podemos protestar dizendo que afinal de contas a fida não é tão
negra assim para a maioria das pessoas. Normalmente, podemos aceitar as
dificuldades junto com as alegrias, achando que a vida decididamente vale a
pena ser vivida. É claro que isto é verdade e está muito bem fundamentado, se
somos homens de fé como aqueles que conhecemos no final do capítulo cinco.
Mesmo que não o sejamos, ainda assim podemos viver satisfeitos, como
milhares de pessoas vivem, sem nos preocupar com o significado final das
coisas.
Se esta vida é tudo, oferecendo a algumas pessoas mais frustração do que
satisfação e nada lhes deixando para dar àqueles que delas dependem; se,
além disso, todos igualmente aguardam a sua vez de ser esquecidos (v.6c)
então alguns realmente podem invejar os natimortos, que tiveram mais
proveito. Em certas horas, Jó e Jeremias teriam concordado com isso
fervorosamente (Jó 3; Jr 20:14ss.);
Tudo isto estraga qualquer quadro cor-de-rosa que se tenha do mundo; a BLH
destaca isso dizendo “tenho visto outra coisa muito triste que acontece neste
mundo...” (6:1), e faz 6:2 dizer: “e não está certo” . Coelet está muito longe de
afirmar que o homem tem direitos que Deus ignora; antes, o homem tem
necessidades que Deus denúncia. Algumas delas, como já vimos, são de um
tipo que o mundo temporal não pode nem começar a usufruir, uma vez que
Deus “pôs a eternidade no coração do homem” (3:11); outras, mais limitadas,
são de um tipo que o mundo pode satisfazer um pouco e por algum tempo;
nenhuma delas, porém, com certeza e em profundidade. Se isto é sofrimento e
pesa sobre os homens (v.1), também é uma coisa muito salutar. O próprio
mundo no-lo diz com a única linguagem que geralmente entendemos: “não é
lugar aqui de descanso”
7-12
As idéias e as perguntas do parágrafo final do capítulo voltam a tocar em
alguns assuntos que já vimos antes, para consubstanciar o lema do livro,
“vaidade de vaidades!”.
A primeira delas (v.7) insiste em um ponto que é tão real para o homem
moderno em sua rotina industrial quanto o era para o lavrador primitivo que
mal tirava da terra o seu sustento: que se trabalha para comer, a fim de ter
forças para continuar trabalhando e continuar comendo. Mesmo quando se
gosta do que faz – e do que se come – a compulsão continua existindo. Quem
governa, parece, é a boca e não a mente.
Quando objetamos que os homens tema algo mais do que isso, e coisas
melhores pelas quais viver, o versículo 8 não permite que tal argumentação
fique sem resposta. A sabedoria, por exemplo, pode ser infinitamente melhor
que a loucura, como já vimos numa passagem anterior (2:13); mas será que o
sábio vive em melhores condições do que o tolo? Materialmente, tanto pode ser
que sim como não, embora ele certamente o mereça; e nós já vimos que a
morte vai nivelar os dois com total indiferença. Quanto à felicidade, a clareza
de visão do homem sábio não se constitui só de alegria: “Porque na muita
sabedoria”, como vimos em 1:18, “há muito enfado; e quem aumenta ciência,
aumenta tristeza.”

Por mais palavras magníficas que multipliquemos acerca do homem ou contra o


seu Criador, os versículos 10 e 11 nos fazem lembrar que não podemos alterar
a maneira como nós e o nosso mundo foram feitos. Estas coisas já receberam
um nome e sabe-se (v.10) o que são, o que é uma outra maneira de dizer,
como o restante das Escrituras, que devem a sua existência à ordem de Deus;
e esta ordem inclui agora a sentença passada a Adão na Queda. É claro que
achamos tal sentença dura e queremos protestar. A idéia de discutir com o
Todo-poderoso (VS. 10b,11) fascinava Jó, que a abandonou apenas depois de
muito sondar o seu coração; a mesma ideia recebeu uma repreensão clássica
em Isaías 45:9ss., com o exemplo do barro dando ao oleiro um conselho
intrometido. Mas nós continuamos achando mais fácil exagerar a maneira como
achamos que as coisas deveriam ser do que enfrentar a verdade do que elas
são.

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