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MARRIAGE STORY – cena completa

Campainha toca. Nicole está na porta de casa de Charlie.

NICOLE: Oi.

CHARLIE: Oi. Cadê o Henry?

NICOLE: Está com Cassie e os filhos no paintball.

CHARLIE: Quer beber alguma coisa? Tem água, cerveja e suco.

NICOLE: Não colocou nada na parede?

CHARLIE: Só tenho a arte do Henry, que está emoldurada.

NICOLE: Eu posso te passar algumas coisas até você ter o que pendurar. Quer a foto do Henry
na barca de Staten Island?

CHARLIE: Você não está nela?

NICOLE: Acho que você poderia me tirar...

CHARLIE (cortando Nicole): Volto no dia 22, um dia antes do previsto. Posso ficar com o Henry
na sexta?

NICOLE: No dia 22? Ou seja, no dia 21? Hum. A gente já tem compromisso. Vamos ao Museu
de Los Angeles com os primos.

CHARLIE: Pode mudar pra eu pegá-lo?

NICOLE: É só uma noite. Ele tá todo animado.

CHARLIE: Sério?

NICOLE: É a minha noite, nós combinamos.

CHARLIE: Ok, tá bom.

NICOLE: Que foi?

CHARLIE: Só quero que seja flexível.

NICOLE: Eu sou flexível. Você chega, e eu mudo a minha rotina. Nessa noite, acontece que
vamos...

CHARLIE (cortando Nicole): Não é só essa noite, mas tá.

NICOLE: A professora quer nos conhecer.

CHARLIE: Você quis dizer a professora de Los Angeles?

NICOLE: Pode responder o e-mail pra gente marcar?

CHARLIE: É, eu ando distraído.

NICOLE: Eu entendo. Só querem analisar os problemas de leitura dele.

CHARLIE: Acho que ele fica muito ansioso e se cobra demais. Dizem que ele arrasa em
matemática.
NICOLE: Ele desiste fácil quando tem dificuldade. Assim como nós, ele é teimoso. É péssimo no
Monopoly porque quer poupar tudo.

Os dois riem juntos.

NICOLE: Então... Achei melhor a gente conversar. As coisas passaram dos limites. Minha mãe
pegou um empréstimo para me ajudar a pagar a Nora.

CHARLIE: Eu não pago a Nora?

NICOLE: Você só paga 30%.

CHARLIE: Também estou com dificuldade financeira se serve de consolo. Vou dirigir duas peças
de merda. A poupança para faculdade do Henry já era.

NICOLE: É que até agora conseguimos deixar o Henry de fora, mas isso vai mudar. Temos que
protegê-lo.

CHARLIE: Eu concordo.

NICOLE: Nora disse que a avaliadora vai entrar nas nossas casas, entrevistar o Henry e nós dois,
nossos amigos, familiares, inimigos... E nos observar com ele, ver como somos enquanto pais.

CHARLIE: Isso é péssimo.

NICOLE: Com alguém me observando acho que nem fico com a guarda. Isso foi uma piada.

CHARLIE: Eu sei. Eu me sinto do mesmo jeito.

NICOLE: Ótimo. Então, talvez a gente consiga se entender.

CHARLIE: Lembra que eu quis isso desde o começo?

NICOLE: Eu sei, mas as circunstâncias mudaram.

CHARLIE: Eu previ essas circunstâncias.

NICOLE: Enfim, vamos tentar?

CHARLIE: Ok.

Silêncio entre os dois. Os dois ficam se encarando e Nicole faz gesto com a cabeça esperando
uma resposta dele.

CHARLIE (segurando o riso): Eu não sei como começar.

NICOLE: Você entende porque eu quero ficar em Los Angeles?

CHARLIE: Não.

NICOLE: Isso não é... Charlie, isso não é um bom começo.

CHARLIE: Eu não entendo.

NICOLE: Não lembra que prometeu que ficaríamos um tempo aqui?

CHARLIE: Nós conversamos sobre. Éramos casados e conversávamos sobre certos assuntos.
Falamos de morar na Europa. Falamos de comprar um bufê ou sei lá como se chama... Um
aparador! Para colocar atrás do sofá. Não fizemos nada disso.
NICOLE: Recusou a oferta do Geffen. Teríamos ficado aqui por um ano.

CHARLIE: Não era algo que eu queria. Tínhamos a companhia de teatro e uma ótima vida lá.

NICOLE: Aquela vida era ótima?

CHARLIE: Você entendeu o que eu disse. Não estou falando do casamento, mas da vida no
Brooklyn. Profissionalmente. Sinceramente, nunca cogitei nada diferente.

NICOLE: Bem, o problema é esse, né? Eu era sua mulher. Devia ter pensado na minha
felicidade.

CHARLIE: Ah, pelo amor de Deus. Você era feliz. Agora, resolveu que não era feliz.

NICOLE: Ok... Eu trabalho aqui agora. Minha família mora aqui.

CHARLIE: O Henry veio estudar, porque a série foi aprovada. Fiz isso sabendo que, no final, ele
voltaria pra lá.

NICOLE: Nunca falamos isso. Pode ter suposto, mas nunca falamos.

CHARLIE: Falamos sim.

NICOLE: E quando falamos?

CHARLIE: Não sei quando falamos, mas falamos.

NICOLE: Eu pensei que...

CHARLIE (interrompendo Nicole): Naquela vez na ligação.

NICOLE: Para de me interromper. Desculpe. Eu fico repetindo isso. Eu pensei que, se o Henry
gostasse daqui e a minha série continuasse, fôssemos dar um tempo em Los Angeles.

CHARLIE: Nunca fui informado desse raciocínio.

NICOLE: A gente só não morava aqui porque você não pensa em vontades além das suas. A
não ser que imponham a você.

CHARLIE: Ok. Você não queria ter casado comigo. Queria ter tido uma vida diferente. Mas foi
isso que aconteceu.

NICOLE: O que vamos fazer?

CHARLIE: Não sei.

NICOLE: Nora disse que não tem como voltar atrás.

CHARLIE: Que se foda a Nora. Odeio quando ela diz que eu sempre morei aqui apesar de eu
nunca ter morado. Como deixou ela falar mal de mim assim?

NICOLE: Jay também falou mal de mim. Não devia ter demitido o Bert.

CHARLIE: Precisei de um escroto também.

NICOLE: Vamos concordar que os 2 advogados falaram muita merda da gente.

CHARLIE: Nora foi pior.

NICOLE: Fui chamada de alcoólatra.


CHARLIE: Você puxou meu tapete e me jogou no inferno.

NICOLE: Você me jogou no inferno durante nosso casamento.

CHARLIE: Foi isso? Um inferno?

NICOLE: Agora vai sofrer só pra, mais uma vez, ter o que quer!

CHARLIE: Não é o que quero. Sim, quero, mas era pra ser o que fosse... Fosse... melhor pra ele.

NICOLE: Ah bem. Já estava querendo saber quando se lembraria do que ele quer.

CHARLIE: Vai se foder!

NICOLE: Vai você se foder! Se ouvisse seu filho ou qualquer um, ele diria que prefere morar
aqui.

CHARLIE: Pare de projetar tudo no Henry.

NICOLE: Ele me diz que gosta mais daqui.

CHARLIE: Porque ele sabe que é o que você quer ouvir.

NICOLE: Ele diz que você vive no celular e nem brinca com ele.

CHARLIE: Porque me divorcio em Los Angeles e dirijo uma peça em Nova York. E fechou por eu
não estar lá. Perdi uma chance enorme.

NICOLE: Luta por algo que nem quer. Está agindo igual seu pai.

CHARLIE: Não me compare com ele!

NICOLE: Não comparei, só disse que está agindo como ele.

CHARLIE: E age como sua mãe. Faz o que sempre reclamou dela. Você sufoca o Henry .

NICOLE: Primeiro: Eu a amo. Ela foi maravilhosa comigo

CHARLIE (cortando Nicole): Só repeti o que me falava.

NICOLE: Segundo. Como você ousa me comparar como mãe à minha mãe? Posso ser como
meu pai, mas não como minha mãe.

CHARLIE: É, sim! E é como meu pai. E também como minha mãe. Reúne os defeitos de todos
eles! Principalmente da sua mãe. Na cama às vezes, olhava pra você e eu a via. Eu sentia nojo.

NICOLE: Seu toque me causava repulsa.

CHARLIE: É uma desleixada. Eu fazia a cama e fechava tudo.

NICOLE: Transar com você me dava vontade de arrancar a pele!

CHARLIE: Nunca vai ser feliz. Nem aqui e nem em lugar nenhum. Pensará que achou o cara
oposto melhor que eu, mas se rebelará contra ele em alguns anos. Porque você diz que quer
ter sua própria voz, mas não é isso. Só quer reclamar pra caralho que não tem voz.

NICOLE: A mulher que foi casada com você é uma estranha pra mim. Foi um casamento de
brincadeira.

CHARLIE: Você regrediu! Voltou à vida que tinha antes, é ridículo.


NICOLE: As pessoas me diziam que você era egoísta demais pra ser um grande artista. E eu te
defendia. Elas tinham toda razão.

CHARLIE: O seu talento já era. Virou uma canastrona.

NICOLE: Você me sabotava. Você é um babaca!

CHARLIE: Quer bancar a vítima? Beleza. Mas nós dois sabemos que você escolheu aquela vida!
Você a quis até mudar de ideia. Você me usou pra sair de Los Angeles.

NICOLE: Eu não usei você.

CHARLIE: Usou sim. E agora me culpa. Me avisava do que eu fazia errado, de onde eu
decepcionava. A vida com você era cinzenta.

NICOLE: E você foi comer outra mulher?

CHARLIE: Não deveria ficar triste porque eu transei com ele, deveria estar triste porque eu ri
com ela.

NICOLE: Você a ama?

CHARLIE: Não. Mas ela não me odiava. Você me odiava.

NICOLE: Você me odiava. Comeu uma pessoa que trabalhava com a gente.

CHARLIE: Você já não transava mais comigo! Nunca te traí.

NICOLE: Aquilo foi traição!

CHARLIE: Mas eu podia ter feito muito mais! Era um diretor de 20 anos que de repente estava
na capa da Time Out New York! Eu era o fodão, podia comer todas, mas não comi. Eu te amava
e não queria te perder. Mas ainda estou nos meus 20 e poucos anos e não quis perder isso
também, mas meio que perdi. E você queria tanto tão depressa. Eu nem queria me casar. Que
merda! Há muitas coisas que eu deixei de fazer!

NICOLE: hahahaha obrigada por isso.

CHARLIE: De nada!

NICOLE: Não acredito que vou te conhecer pra sempre!!!

CHARLIE (socando a parede): Você é uma maluca de merda! E está ganhando, porra!

NICOLE: Está brincando? Eu queria estar casada. Eu já perdi. Não me amou o quanto eu te
amei.

CHARLIE: O que isso tem a ver com Los Angeles? O que foi?

NICOLE: Você é tão mergulhado no seu próprio egoísmo que nem reconhece mais como
egoísmo! Você é um filho da puta!

CHARLIE: Todo dia eu acordo desejando que você esteja morta! Morta! Se eu pudesse garantir
o bem-estar do Henry, queria que pegasse uma doença, fosse atropelada e morresse!

Charlie cai no choro. Se ajoelha no chão. Nicole coloca a mão do ombro dele para consolá-lo.

CHARLIE: Me desculpa.
NICOLE: Me desculpa também.

Charlie está ajoelhado aos pés de Nicole e abraça suas pernas.

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