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Autora: Renata Pereira Vidal

ANÁLISE DE TÓPICO DISCURSIVO

O que explica a redução de homicídios no Brasil?


Embora Bolsonaro e seus apoiadores tenham tentado receber crédito por essas quedas, há outros
fatores que pouco tem a ver com suas atitudes

ROBERT MUGGAH
13 SEPT 2019 - 23:17 BRT

O Brasil é a capital mundial de assassinatos. Nenhum país sequer chega perto. Por essa razão, foi
extensamente noticiado quando o Ministro da Justiça anunciou que as taxas de homicídios caíram mais de 20%
em 2019 em comparação com o mesmo período do ano passado. O que ele não mencionou, entretanto, é que as
taxas de homicídio estão em declínio desde 2018, bem antes da eleição de Jair Bolsonaro, no final do ano. Embora
Bolsonaro e seus apoiadores tenham tentado receber crédito por essas quedas, há outros fatores que pouco tem a
ver com suas atitudes.
Primeiro: no que tange a homicídios, 2017 foi o annus horribilis do Brasil. Mais pessoas foram
assassinadas naquele ano – quase 64.000 – do que em qualquer outro momento da história do país. A explosão de
violência ocorreu em grande parte devido à ruptura de uma trégua entre as duas facções rivais que dominavam o
tráfico de drogas no país – o PCC e o CV – e as consequentes disputas pelo controle. Além disso, a violência ainda
coincidiu com um boom na produção de cocaína nos vizinhos Colômbia e Peru. O declínio parcial dos homicídios
em 2018 e 2019 pode ser interpretado como uma espécie de "correção".
Segundo: uma série de medidas introduzidas pelo governo Temer em 2017 e 2018 também podem ter tido
uma responsabilidade parcial na redução de assassinatos. Algumas dessas medidas foram as melhorias na
coordenação e gerenciamento das forças policiais e melhorias nas capacidades investigativas do nível federal para
o nível estadual. Também foram feitas várias intervenções em prisões estaduais para separar líderes de facção
violentos de outros presos. Operações policiais e militares foram realizadas em alguns estados, com a intenção de
conter a violência urbana. Entretanto, esses investimentos não podem ser superestimados: as taxas de homicídios
também começaram a cair em estados como Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e outros que não
receberam muita atenção federal.
Terceiro, e sem dúvida o fator mais importante: diversas inovações já haviam sido lançadas pelos próprios
estados bem antes das eleições de 2018. Por exemplo, intervenções integradas de segurança pública que focavam
em medidas de prevenção social e de policiamento preditivo foram realizadas por governadores de estados
brasileiros como Ceará, Espírito Santo, Pará e Pernambuco. Controles mais rigorosos também foram impostos a
algumas instalações prisionais, embora isso não tenha evitado surtos brutais de violência prisional em 2019 em
algumas partes do país.
Quarto: fatores estruturais. O crime é um fenômeno multifatorial. A recessão econômica brasileira
iniciada em 2014 pode ter tido como consequência o aumento em crimes relacionados a propriedades, enquanto a
melhoria econômica a partir de 2018 pode tê-los reduzido. A redução de longo prazo na população jovem do país
– em mais de 12% desde 2000 – também pode ter desempenhado seu papel. O fato é que esses e outros fatores
provavelmente contribuíram em diferentes graus, embora certamente mais estudos sejam necessários para entender
melhor a influência precisa de cada um.
O considerável declínio dos homicídios em 2019, embora positivo, tem um preço. Apesar dos níveis
gerais terem diminuído nos últimos 20 meses, os assassinatos cometidos por policiais aumentaram 23% em 2019,
atingindo uma alta histórica. E não só: a violência sexual e a racial também aumentaram. Ainda mais assustador,
desaparecimentos aumentaram e foram encontradas múltiplas sepulturas clandestinas, provavelmente alvo de
operações de limpeza social perpetradas pela polícia e/ou pelas milícias.
Embora as taxas de homicídios estejam em declínio, o Brasil ainda tem um histórico arrepiante para
superar. O ministro da Justiça informou que houve "apenas" 21.289 assassinatos nos primeiros seis meses do ano.
Isso se compara a 27.371 na mesma época do ano passado, de acordo com o Monitor da Violência. Apesar de a
redução ser nacional, a queda mais nítida ocorreu no Nordeste, região onde a violência entre facções disparou nos
últimos anos. Entretanto, não se engane: o Brasil ainda é o país mais violento do mundo em números absolutos.
A retórica anticrime do governo Bolsonaro está encorajando a polícia a usar força letal excessiva. No Rio,
onde Bolsonaro fez sua carreira, as mortes causadas por policiais atingiram a maior alta em 20 anos. A polícia
matou ao menos 881 pessoas nos primeiros seis meses de 2019, cerca de cinco pessoas por dia. Pelo menos 120
snipers foram espalhados pela região metropolitana do Rio de Janeiro, com ordens para atirar em qualquer um que
esteja armado, sem questionamento. De fato, considerando assassinatos da polícia, a "redução" de homicídios no
Rio foi de apenas 1% ao longo do ano.
O presidente pede por mais impunidade policial e suas decisões de flexibilizar as leis de controle de armas
também estão incentivando mais vigilância. Desde 2018, centenas de milhares de armas de fogo podem ter sido
registradas nacionalmente, mesmo que ninguém saiba exatamente os números, já que os relatórios divulgados
pelas autoridades públicas são paradoxais. No pequeno Estado de Santa Catarina, por exemplo, uma arma de fogo
foi registrada a cada 35 minutos em 2019. Isso é perigoso em um país onde praticamente três quartos de todos os
assassinatos envolvem armas.
Estratégias repressivas e duras podem gerar um efeito temporário de “congelar” o crime violento. Porém,
estudos sobre intervenções latino-americanas no estilo mano dura indicam que esses impactos tendem a ser
transitórios e temporários. Eles também são frequentemente seguidos por um forte aumento da violência letal, à
medida que as facções adotam táticas cada vez mais violentas em resposta. Não são apenas dolorosamente
ineficazes a médio prazo, mas também são economicamente ineficientes. Com a economia do Brasil em queda e
o país enfrentando austeridade, isso é algo que o governo deveria considerar.

https://brasil.elpais.com/brasil/2019/09/14/opinion/1568421039_616695.html
1 ANÁLISE

1.1 Tópico discursivo e suas propriedades

O tópico discursivo constitui uma categoria analítica que tem como propriedade
básica a centração e a organicidade. A centração abrange as seguintes propriedades, todas elas
focadas no processo interativo: (i) concernência, relativa à interdependência existente entre os
elementos do texto, de modo que constituam um conjunto referencial integrado; (ii) relevância,
atinente à proeminência de elementos do texto na constituição desse complexo referencial; e
(iii) pontualidade, relacionada à localização desse conjunto referencial em um dado ponto do
texto, com base na concernência e na relevância de seus elementos constitutivos (JUBRAN,
2006). Quanto à organicidade, com base em Jubran (1992 apud PINHEIRO, 2005), devemos
descrevê-la a partir de dois planos, o sequencial e o hierárquico; no plano sequencial, os tópicos
são descritos tendo em vista a sua linearidade discursiva, que se caracteriza pela continuidade,
em que a inserção de um tópico novo se realiza somente quando o anterior é encerrado, e pela
descontinuidade, quando ocorre uma suspensão ou cisão do tópico; no plano hierárquico, os
tópicos são descritos levando-se em consideração as subdivisões do conteúdo do texto, entre as
quais se estabelece uma relação hierárquica de constituência, baseada na centração em um
tópico de natureza mais ampla e na divisão interna em tópicos coconstituintes que, por sua vez,
podem subdividir-se sucessivas vezes.
É pertinente frisar que, embora o conceito tenha surgido a partir da observação do
texto conversacional, a topicalidade é entendida hoje como um processo pertencente a ordem
do texto, independentemente da modalidade da língua usada (se falada ou escrita) e dos gêneros
pelos quais se manifesta, conforme pontua Jubran (2006).
O tópico discursivo é, grosso modo, aquilo sobre o que se está falando, estando,
dessa maneira, relacionado à função representativo-informacional da linguagem, mas também
à função interacional, à vista de o falante/escritor orientar suas escolhas linguístico-discursivas
levando em consideração o(s) interlocutor(es), presente(s) ou visado(s), da situação
comunicativa, com base em Jubran (2006).
1.2 Organograma

1.2.2.1 Fator I
(medida de
1.2.1 Coincidência "correção")
1.1 Causas possíveis com o 1º ano (2019)
da criminalidade do governo
Bolsonaro 1.2.2.2 Fator II
(medidas governo
Temer)
1.2 Declínio das 1.2.2 Fatores
taxas de homicídio responsáveis 1.2.2.3 Fator III
(medidas por parte
1. Homicídio no dos governos de
Brasil 1.2.3 Custo do estado)
declínio
1.2.2.4 Fator IV
(conjuntura de
fatores estruturais)
1.3.1 Prática da
homicídios
1.3 Relação com o
governo Bolsonaro 1.3.2 Avaliação
sobre o uso de
estratégias
repressivas

1.3 Explicação do organograma

A seleção do supertópico se deu em razão de o texto centar-se abrangentemente na


temática do homícidio no contexto brasileiro. Três quadros tópicos, com relação aos quais
outros tópicos mais específicos são desenvolvidos, foram identificados dentro desse tópico mais
abrangente.
O quadro tópico 1.1 foi inserido na organização tópica dada a presença de alguns
segmentos tópicos que trazem informações acerca de causas de homicídios e da criminalidade
em geral (“A explosão de violência ocorreu em grande parte devido à ruptura de uma trégua
entre as duas facções rivais que dominavam o tráfico de drogas no país (...) a violência ainda
coincidiu com um boom na produção de cocaína nos vizinhos Colômbia e Peru.”, “A recessão
econômica brasileira iniciada em 2014 pode ter tido como consequência o aumento em crimes
relacionados a propriedades”). Embora o referido quadro tópico não receba muita atenção, ele
exerce um papel importante na hora de expor alguns dos fatores responsáveis pela redução da
taxa de homicídios (cf. parágrafos 2 e 5).
O quadro tópico 1.2 é o mais produtivo e poderia, inclusive, ser tomado como o
supertópico em uma proposta de organização tópica mais concisa. A partir dele, são definidos
os tópicos: 1.2.1, em que se estabelece uma mera coincidência da redução da taxa de homicídios
com o primeiro ano do governo de Bolsonaro, uma vez que o mérito não é propriamente do
referido governo; 1.2.2, em que se desenvolvem os fatores realmente responsáveis pelo
declínio, que, a propósito, ocorreram anteriormente a esse governo (por isso, a mera
coincidência); 1.2.3, tópico que aborda o preço que a sociedade pagou pela redução de
homicídios, conforme indicam determinados segmentos tópicos (“assassinatos cometidos por
policiais aumentaram 23% em 2019 (...) violência sexual e a racial também aumentaram (...)
desaparecimentos aumentaram (...)”). No que se refere ao tópico 1.2.2, temos uma divisão em
quatro subtópicos, cada um deles responsável por abordar um fator chave para explicar a
redução da taxa de homicídios de 2019.
Quanto ao quadro tópico 1.3, temos uma divisão em 2 tópicos. A seleção do quadro
tópico 1.3 se justifica pelas associações que o autor faz entre o governo Bolsonaro e os casos
de homicídio no Brasil, devido ao encorajamento dado à polícia para o uso de força letal, à
impunidade policial e à flexibilização das leis de controle de armas, posturas que caracterizaram
dito governo. Ainda com relação à presidência de Bolsonaro, o autor faz um parecer sobre a
aplicação de estratégias repressivas de combate à violência, que apresenta efeito temporário e
acaba sendo respondida com mais violência. (“Estratégias repressivas e duras podem gerar um
efeito temporário de “congelar” o crime violento (...) são frequentemente seguidos por um
forte aumento da violência letal (...)”).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

JUBRAN, Clélia. Revisitando a noção de tópico discursivo. Cadernos de estudos


linguísticos, 48 (1): 33-41, 2006.

PINHEIRO, Clemilton. Organização tópica do texto e ensino de leitura. Linguagem & Ensino.
Vol. 8, n. 1, 2005.

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