Você está na página 1de 19

VIOLÊNCIA, CRIME E DIREITO À

SEGURANÇA COMO CONTROLE SOCIAL:


A CIDADANIA E VIOLÊNCIA URBANA NO
BRASIL

VINÍCIUS PEREIRA JUSTINO DA SILVA


INTRODUÇÃO
contextualização e problemática
Violência é geralmente definida como o uso de força física, que causa dano a outros. Definições mais amplas
incluem dano psicológico e privação material. A maioria das definições reconhece que a violência envolve o
exercício do poder para legitimar o uso da força para fins específicos ou ganhos. As definições de violência
muitas vezes se sobrepõem às de conflito e crime, embora existam distinções importantes (LIMA, 2002).

Conceitualmente, a violência urbana nada mais é do que é o conjunto de ações que infringem à lei e a ordem
pública nos centros urbanos e metrópoles (CARVALHO, 2016; NETO, 2010). No Brasil, é amplamente
evidenciada em regiões de norte a sul, e apresenta políticas públicas mistas, muitas vezes determinadas pelo
próprio estabelecimento do governo local, sempre na busca de categorizar o direito à cidadania, que está
interpelado pelas perspectivas da dignidade humana estabelecida nos direitos humanos.

Nesse sentido, é importante, a fim de determinar o estado da arte da segurança pública no Brasil – e sua
relevância em face do desenvolvimento da cidadania – estabelecer estudos que possam quantificar e,
principalmente, qualificar os parâmetros da violência urbana no Brasil, sua relação com o direito e segurança
pública e as políticas que formação que foram e são desenvolvidos pelos entes federativos do Estado.
objetivos do estudo
geral
Avaliar a violência urbana e direito à cidadania, estabelecendo as
políticas públicas previstas pelos governos atuais e o impacto na
redução dos números

específicos
classificar conceitualmente o direito à cidadania, dignidade
humana e a violência urbana bem como realizar uma crítica
quanto ao processo democrático de desenvolvimento cidadão,
avaliando a perspectiva do profissional de segurança e do Estado
nestas atividades.
aspectos metodológicos
Natureza: Revisão Narrativa

(ferramenta secundária de pesquisa científica cujo objetivo é resumir dados de pesquisas


primárias, com avaliação exaustiva da literatura científica relacionada a um determinado
tópico e com uma atenção especial às fontes; sem necessidade de filtros ou de palavras-
chaves ou pesquisas específicas; GIL, 2014).

Tipo: Mista (Qualitativa e Quantitativa)

(implica numa avaliação de estudos de origem quantitativa (a partir de uma dados gerais) e
qualitativa (a partir de uma inspeção integrativa do conteúdo abordado pelas pesquisas, ou
seja, das considerações dos autores; esta pesquisa mostra os dois campos da pesquisa,
portanto; GIL, 2014)
DIREITO À SEGURANÇA
&
SEGURANÇA PÚBLICA
Segurança na Constituição

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV -
os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e V - o pluralismo político (BRASIL, 1988)

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (BRASIL, 1988)
Conceito de Segurança Pública
O conceito de segurança pública é muito típico do cenário pré-Guerra Fria, bem como das visões que dão
maior centralidade ao Estado na teoria e prática das relações internacionais. Seu significado remete às mais
antigas concepções de segurança e sua origem pode ser encontrada no paradigma realista da teoria das
relações internacionais (BENEVIDES, 2018).

Segurança é entendida como a ausência de ameaças ao Estado, e os meios que focam a atenção para
atingir esse objetivo são, antes de tudo, proteção e organizacional social, política e também com uma
origem econômica (BENEVIDES, 2018).

À visão do Di Pietro (2009), é importante acrescentar que, conforme mencionado acima, o conceito de
segurança pública está relacionado aos de segurança nacional, segurança interna e ordem pública. Ele
compartilha com todos estes a ideia de que as intervenções contra o crime e a violência visam a segurança
do Estado, segurança que se consegue com a proteção de uma determinada ordem política, jurídica,
econômica ou social através de políticas públicas que estejam destinadas a sanar as grandes problemáticas
que são vistas na sociedade como, por exemplo, a violência urbana, o consumo de drogas ilícitas e/ou os
acidentes de trânsito.
VIOLÊNCIA URBANA
NO BRASIL
NA ESTATÍSTICA
Dados de Violência no Brasil
O Brasil sozinho responde por uma média de 12% dos homicídios do mundo, embora tenha apenas cerca de
3% da população total. Desde a década de 1980, a taxa nacional de homicídios cresceu em média 20% ao
ano. Em 2016, atingimos 61.000 mortes violentas intencionais por ano ou 29,7 mortes a mais por 100.000
habitantes. É importante ressaltar que essa taxa inclui os números inaceitáveis e de vitimização policial: 11
pessoas são mortas todos os dias pelas forças policiais e o risco de um policial ser morto é três vezes maior
do que a população geral (IPEA, 2021).

De acordo com outra pesquisa realizada pela FBSP em 2017, um em cada três adultos com 16 anos ou mais
conhece alguém que foi assassinado (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2017). A maioria dos
homicídios se concentra no Nordeste do país e são vítimas entre 15 a 24 anos, em suas maiorias jovens
afro-brasileiros que vivem em contextos de vulnerabilidade social e urbana e conflitos interpessoais
(moradores de favelas, brigas de bar, violência doméstica, abuso de mulheres, entre outros). Além disso, a
violência urbana ocorre em maior proporção em determinados bairros e territórios. Em 2015, 71,9% dessas
foram cometidas com armas de fogo, enquanto na Europa, por exemplo, a taxa é de 21%, a partir dos dados
divulgados pelo IPEA (2021).
Dados de Violência no Brasil
Em uma flagrante evidência da importância do fator racial no país, o risco relativo de um jovem negro
morrer é 2,71 vezes maior do que o de um jovem branco. Nos estados de Alagoas e Amapá, esse risco é
ainda maior, chegando a 12,68 e 11,94 vezes, respectivamente (Secretaria Nacional da Juventude, 2017).
Fora tal, 62% dos mortos pela polícia [uso de força letal pela polícia] eram negros, assim como 56% dos
policiais mortos, que também eram negros (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e Fórum Brasileiro
de Segurança Pública 2017; Fórum Brasileiro de Segurança Pública 2017).

As forças policiais devem lidar com o fato de que a violência se manifesta de muitas outras formas e
efeitos e não podem se concentrar apenas nos casos de violência letal. Há também as constantes ameaças
de crime organizado, corrupção, aumento de roubos, linchamentos, assassinatos de indígenas e conflitos
fundiários.

No mesmo aspecto, a sociedade brasileira ainda enfrenta altos índices de impunidade (menos de 10% dos
homicídios cometidos no país são solucionados; em algumas cidades, como Belo Horizonte, Minas Gerais,
leva até 9,5 anos para que um réu identificado seja levado a julgamento. Ao mesmo tempo, o Brasil tem
que administrar cerca de 725 mil presos cumprindo pena no sistema prisional do país, embora 40% deles
ainda aguardem julgamento – grande parte dos programas de redução da violência não tratou da
dimensão carcerária e/ou incentivou a crescimento das prisões.
Observações Finais
A linha de fundo desta pesquisa sobre o significado de violência urbana adquire contornos empíricos
quando se constata que dos 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal, apenas cinco mostraram uma
diminuição no número de uso de força letal policial entre 2015 e 2021; e entre as Unidades da Federação
(UFs) com programas especiais de redução, apenas duas das oito UFs analisadas apresentaram resultados
positivos. Essa tendência se repete em termos de policiais mortos, de aumento de usuários de drogas, de
roubos e, sem sombra de dúvidas, da constituição de homicídios ocorridos na população brasileira.

Apenas cinco UFs tiveram redução no número de policiais mortos em serviço e, entre aquelas com
programas especiais de redução de homicídios, apenas duas conseguiram reduzir esse dado. Ou seja, para
diminuir a violência, aceita-se que a polícia mate e morra em proporções consideradas exageradas pela
literatura internacional especializada (BUENO, 2014), mas a única maneira de se consolidar o direito à
segurança e a cidade é basear o desenvolvimento de políticas públicas, tais como as apresentadas na
próxima seção.
POLÍTICAS
PÚBLICAS
E
POLÍCIA NA
GARANTIA
DA CIDADANIA
Política e Ação de Segurança Pública Estados Participantes
SP. RJ. MG. PR. SC. RS. ES. BA. PA. AC. AP. CE. GO.
Investimento em sistemas de informação

SP. PR. SC. RS. ES. BA. PA. AC. AP. CE. MS. PI. PE. RO. .
Sistema de metas e monitoramento (gestão por resultados)

Remuneração variável por desempenho SP. PE. RO. RR. AM.


Gestão de coordenação intersetorial com outras secretarias SP. RJ. MG. PR. SC. BA. PA. AC.
SP. RJ. MG. PR. SC. RS. ES. BA. PA. AC. GO. MA. MT. PE. RO.
Definição de territórios prioritários de hot spots de assassinato com verbas acessórias

RJ. MG. PR. SC. RS. ES. BA. PA. PE. RO. AM. SP.
Compatibilidade das áreas de Polícia Civil e Militar com objetivos compartilhados

Institucionalização de um programa de redução da ES. BA. PA. AC. AP. CE. GO. MA. MT. MS. PI. PE. RO. RR. AM.
Violência Letal
SP. RJ. MG. PR. SC. RS. ES. BA. PA. AC. AP. CE. PE. RO. RR.
Criação/Fortalecimento de departamentos especializados na investigação de homicídios
AM.
Controle de armas, política de mitigação de riscos através de ONGs e associações e SP. RJ. MG. PR. SC. RS. ES. BA. PA. AC. AP. CE. GO.
receitas vinculadas
SP. RJ. ES. BA. PA. AC. AP. CE. GO. MA. MT. RR. AM.
Repressão/Apreensão de Drogas

SP. RJ. MG. PR. SC. RS. ES. BA. PA. AC. AP. CE. GO. AM.
Mecanismo ou objetivo de controlar o uso da força letal pela polícia

SP. RJ. MG. RS. ES. BA. PA. AC. AP. MT. MS. PI. PE. RO. RR.
Prisão de assassinos em série (programas de ressocialização dos infratores)
AM.
Programas de prevenção com foco em jovens SP. RJ. MG. PR. SC. RS. CE. GO.
Mobilização de atores não estatais para violência urbana SP. PA. AC. AP. CE. GO. MA.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A violência urbana é um fator relevante e existente, em números, no Brasil.
Existem políticas jurídicas e públicas buscando reduzir os números e melhorar a cidadania presente no caso da
criminalidade no Brasil, mas não se mostram relativamente eficazes.
Há necessidade de mais políticas para melhorar o cenário atual, que está longo do que CF88 define.

A violência continua sendo vista como uma resposta legítima ao crime, em um movimento que reforça a
manutenção da ordem como imposição de um modelo único e hegemônico de comportamento e projeto
nacional, embora elaborado antes do ciclo de transição democrática. Nesse movimento, parece que a cidadania
continuará sendo garantida apenas para uma parcela da população, ou seja, aqueles que merecem o rótulo de
“bons cidadãos”. O drama contemporâneo é que as declarações universais de direitos, entre outras normas
nacionais e internacionais, ao menos conseguiram mudar tais discursos.
Se realmente se quer reverter essa tragédia mais do que anunciada, é mais do que urgente interditar a
violência moral e politicamente; e, para isso, um projeto de mudança precisa mobilizar diferentes segmentos
da sociedade em torno desse objetivo. Este projeto requer mais do que práticas baseadas em evidências e
vontade política. Novos marcos institucionais devem ser construídos na busca da cidadania.
REFERÊNCIAS
AVARESCO, R. Estado Neoliberal e Violência Urbana. Anais do 5° Seminário Nacional Estado e Políticas Sociais,
Cascavel, 09 a 12 out. 2011.
BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política social: fundamentos e história. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
BENEVIDES, M. V. Violência, povo e polícia. São Paulo: Brasiliense, 2018.
CARBONARI, F. A. WILLMAN, R. LIMA, P. Learning from Latin America: Policy Trends of Crime Decline in 10 Cities
Across the Region. Background paper. Ending Violence in Childhood Global Report 2017.
CARLOS, A. F. A.; ALVES, G.; PADUA, R. F. (orgs.) Justiça espacial e o direito à cidade. Editora: Contexto, 2017.
CARVALHO, A. A. X. Ronda Escolar para Além-muros: percepções, práticas, possibilidades e ressignificação. 117 f.
il. 2016. Dissertação (Mestrado) – Escola de Administração, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016
CASTILHO, Cláudio Jorge Moura de; LEANDRO, Paulo Ricardo Ferreira. Políticas Públicas e (re) produção
sustentável do espaço urbano: “Programa Recife sem Palafitas” – Seus Benefícios e Sua Natureza Social. Acta
Geográfica, Roraima, v. 6, n. 13 (2012).
CRUZ, S. H. R.; CASTRO, E. R.; SÁ, M. E. R. Grandes projetos urbanos em metrópoles amazônicas: modernização
e conflito. Novos Cadernos NAEA, v. 14, p. 89-116, 2016
Departamento Penitenciário Nacional. INFOPEN.: Informativo Penitenciário de 2017. Editorial 2017-2021.
Disponível em: < http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen>. Acesso em 28 abr. 2023.
DI PIETRO, M S. A. Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo, Atlas, 2009
Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Editorial: 2017. Disponível em: <
https://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2017/12/ANUARIO_11_2017.pdf>. Acesso em 28 abr.
2023.
GOLDSTEIN, H. Policing a free society. Cambridge, MA: Ballinger, 2017.
IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Atlas da Violência 2021. Editorial: 2021. Disponível em:
<https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/publicacoes>. Acesso em 28 abr. 2023
LIMA, R. S. Conflitos sociais e criminalidade urbana: uma análise dos homicídios cometidos no Município de São
Paulo. São Paulo: Sicurezza, 2002.
MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Trad. De Meton Porto Gadelha. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
MARTINS-FILHO, P. R. S, et al. Femicide trends in Brazil: relationship between public interest and mortality rates.
Arch Womens Ment Health, v. 21, p. 579-582, 2018
NETO, J. B. M. Ronda Escolar nas Escolas Públicas De Fortaleza: Uma Análise do Programa ROPE: O Caso da
Escola Municipal de Ensino Fundamental José Ayrton Teixeira. Especialização em Policiamento Comunitário, pela
Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza (Ceará), 2010
Secretaria Nacional da Juventude. Índice de Vulnerabilidade Juvenil à violência 2017. Editorial: 2017. Disponível
em: < https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/fbsp-vulnerabilidade-juveni-violencia-
desigualdade-racial-2017-relatorio.pdf>. Acesso em 28 abr. 2023
WAISELFISZ, J. J. Mapa da Violência 2015: homicídios de mulheres no Brasil. Brasília: Organização Pan-Americana
da Saúde/Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres/Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos
Direitos Humanos/Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais; 2015

Você também pode gostar