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Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS

Câmpus de Dourados
PRÓ–REITORIA DE ENSINO - PROE
COORDENAÇÃO DO CURSO DE MATEMÁTICA

Geometria Diferencial de Curvas e


Superfı́cies

Gustavo da Silva Martins

Orientador: Jaime Rezende de Moraes

Dourados,
Janeiro – 2021
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS
Câmpus de Dourados
PRÓ–REITORIA DE ENSINO - PROE
COORDENAÇÃO DO CURSO DE MATEMÁTICA

Geometria Diferencial de Curvas e


Superfı́cies

Gustavo da Silva Martins

Orientador: Jaime Rezende de Moraes

Trabalho de conclusão de curso, apresentado à Univer-


sidade Estadual de Mato Grosso do Sul, como requisito
obrigatório para obtenção do tı́tulo de licenciatura em
Matemática.

Dourados,
Janeiro - 2021
M343g Martins, Gustavo da Silva
Geometria diferencial de curvas e superfícies / Gustavo da
Silva Martins. – Dourados, MS: UEMS, 2020.
121p.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) –


Matemática – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul,
2020.
Orientador: Prof. Dr. Jaime Rezende de Moraes.

1. Geometria 2. Geometria diferencial 3. Curvas 4.


Superfícies 5. Curvatura I. Moraes, Jaime Rezende de II.
Título
CDD 23. ed. – 516.36
Agradecimentos
Agradeço à minha famı́lia que me apoiaram sempre, desde a escolha acadêmica pela
matemática até o suporte psicológico e financeiro que possibilitou me manter focado no
meu objetivo de concluir o curso.
Ao professor doutor Jaime, que me orientou e me inspirou a escrever esse trabalho, e
principalmente me deu todo o apoio necessário, além de muito pontual.
Aos professores do curso de Matemática da Universidade Estadual de Mato Grosso do
Sul de Dourados, que com muita competência colaboraram com a construção da minha
aprendizagem.
Aos funcionários da UEMS em geral que trabalham e fazem o melhor para nos pro-
porcionar um ambiente agradável e aconchegante.
Dedico esse trabalho aos meus pais
e meu irmão, pessoas em que me
inspiro para sempre estar evoluindo
como ser humano.
Resumo
O presente trabalho é uma introdução à Geometria Diferencial de curvas e superfı́cies.
No primeiro capı́tulo dessa dissertação foi criado uma breve menção aos resultados ele-
mentares de Álgebra Linear, Análise Real e Cálculo Diferencial para tornar o texto mais
acessı́vel. A partir destes resultados, tratamos também no decorrer do trabalho noções
de Topologia, Equações Diferenciais, Geometria Analı́tica entre outros para o desenvol-
vimento de curvas e superfı́cies regulares. Com o estudo da Geometria Diferencial é
possı́vel verificar que em cada ponto pertencente a uma curva ou a uma superfı́cie regular
existe um espaço tangente bem definido, possibilitando encontrar entidades geométricas
que denomina-se curvatura e que são muito úteis para caracterizar seus comportamen-
tos. Para deixar o texto mais claro e interessante visualmente foi dado vários exemplos e
ilustrações com o auxı́lio do software GeoGebra.

Palavras–chave: Geometria, Geometria Diferencial, Curvas, Supefı́cies, Cur-


vatura.
Abstract
The present work is an introduction to Differential Geometry of curves and surfaces. In
the first chapter of this dissertation, a brief mention was made of the elementary results of
Linear Algebra, Real Analysis and Differential Calculus to make the text more accessible.
Based on these results, we also deal with the concepts of Topology, Differential Equations,
Analytical Geometry, among others, for the development of curves and regular surfaces.
With the study of Differential Geometry it is possible to verify that in each point belonging
to a curve or to a regular surface there is a well-defined tangent space, making it possible
to find geometric entities that are called curvature and that are very useful to characterize
their behaviors. To make the text clearer and more visually interesting, several examples
and illustrations were given with the aid of the GeoGebra software.

Keywords: Geometry, Differential Geometry, Curves, Surfaces, Curvature.


Sumário
1 Preliminares 14
1.1 Vetores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.2 Continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
1.3 Diferenciabilidade em Rn . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

2 Curvas 37
2.1 Curvas Parametrizadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
2.2 Comprimento de Arco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
2.2.1 Justificativa Geométrica Para a Definição do Comprimento de Arco
de uma Curva Parametrizada Regular . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
2.3 Teoria Local das Curvas Parametrizadas Pelo Comprimento de Arco . . . . 45

3 Superfı́cies 56
3.1 Superfı́cies Regulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
3.2 Mudança de Parâmetros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
3.3 Funções Diferenciáveis Definidas em Superfı́cies . . . . . . . . . . . . . . . 70
3.4 Plano Tangente e Diferencial de uma Aplicação . . . . . . . . . . . . . . . 74
3.5 Primeira Forma Fundamental e Área . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
3.6 Orientação de Superfı́cies e a Aplicação Normal de Gauss . . . . . . . . . . 87

4 A Geometria da Aplicação de Gauss 97


4.1 Propriedades Fundamentais da Aplicação Normal de Gauss . . . . . . . . . 98
4.2 Aplicação de Gauss em Coordenadas Locais . . . . . . . . . . . . . . . . . 109

5 Considerações Finais 121

Referências 122
Lista de Figuras
1 Triângulo formado por Ou e Ov. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2 Produto vetorial de u e v. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
3 Bola aberta no conjunto R. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
4 Bola aberta no conjunto R2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
5 Bola aberta no conjunto R3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
6 Aplicação contı́nua de U ⊂ R3 → R2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
7 Diferencial de uma aplicação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
8 Traço de α1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
9 Traço de α2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
10 Traço de α3 e α4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
11 Traço de α5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
12 Traço de α6 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
13 Traço de α7 e o vetor α70 (t0 ). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
14 Traço de α8 e o vetor α80 (t0 ). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
15 Poligonal inscrita na curva α. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
16 Vetores α0 e α00 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
17 Vetores t, n e b. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
18 Exemplo de superfı́cie regular. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
19 Esfera e as parametrizações Xi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
20 F aplicada na superfı́cie f −1 (a) ∩ V é levada ao plano t = a. . . . . . . . . 63
21 Toro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
22 A aplicação π projeta os pontos (x, y, z) ∈ S ⊂ R3 no R2 . . . . . . . . . . . 66
23 A aplicação h é dada pela composição h = X−1 ◦ Y. . . . . . . . . . . . . . 70
24 Aplicação f ◦ X é diferenciável em X−1 (p). . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
25 Aplicação X1 ◦ ϕ ◦ X−1
2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72

26 Aplicação diferencial e o plano Tp (S). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76


27 Cilindro sobre o plano xy. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
28 A área Rij é aproximada pela área do paralelogramo de lado w1 e w2 contido
em Tp S. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
29 Plano Tp S orientado. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
30 Aplicação da esfera para S 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
31 Faixa de Möbius. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
32 Aplicação de Gauss. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
33 Aplicação dN (p) mede a taxa de variação de N (p). . . . . . . . . . . . . . 96
34 Curvatura normal κn em p. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100
35 Seções normais de um cilindro defindo um reta, elı́pse e um cı́rculo de
acordo com os vetores v1 , v e v2 respectivamente. . . . . . . . . . . . . . . 103
36 Exemplos dos tipos de pontos dados pela Definição 34. . . . . . . . . . . . 107
37 Orientação preservada pela aplicação de Gauss. . . . . . . . . . . . . . . . 117
38 Orientação invertida pela aplicação de Gauss. . . . . . . . . . . . . . . . . 117
Introdução
No decorrer desse estudo usaremos alguns conceitos e resultados do Cálculo Diferencial
e Integral, Álgebra Linear, Topologia e da Análise em Espaços Euclidianos. Todos esses
assuntos são utilizados para a construção de uma Geometria Diferencial, a qual se trata
da Geometria com ideias e Técnicas do Cálculo Diferencial. Nesse trabalho daremos as
definições partindo das curvas parametrizadas definidas de forma a serem regulares, até
as superfı́cies também regulares, ressaltando entidades geométricas que surgem com esse
tratamento e criando ferramentas para o cálculo das propriedades locais.
Pode-se afirmar que essencialmente o estudo da Geometria Diferencial foi introduzido
por Carl Friedrich Gauss (1777-1855). No entanto, a história da Geometria se inicia na
antiga Grécia, cujo o significado é “medir a terra”, e seu desenvolvimento e escrita com
uma teoria lógico-dedutiva que conhecemos hoje está presente nos textos de Euclides de
Alexandria(325 a.C.-265 a.C.),ele foi responsável por compilar 13 volumes em uma obra
chamada de “Os Elementos”. Posteriormente veio outros grandes matemáticos como
Gottifried Leibniz(1643-1716) e Isac Newton (1649-1727) que descobriram de forma inde-
pendente algorı́tmos e os métodos do cálculo infinitesimal, destaca-se também Bernhard
Riemann(1826-1860) que junto de Gauss podem ser considerados como criadores da Geo-
metria Moderna e muitos outros matemáticos que fizeram grandes contribuições. Coimbra
[1] faz uma bela reunião desses fatos históricos e dos grandes nomes que se destacaram
nessa área.
Este trabalho está organizado em 4 capı́tulos. Logo no Capı́tulo 1 foi feita uma revisão
de conceitos tratados na Álgebra Linear, Cálculo e Análise Real destacando alguns dos
teoremas que será utilizado no decorrer do nosso estudo da Geometria Diferencial. Sendo
assim definimos um espaço vetorial na Seção 1.1, após isso determinamos a continuidade
de funções na Seção 1.2 e finalizamos com a diferenciabilidade na Seção 1.3.
Tratamos no Capı́tulo 2 o estudo das curvas definindo na Seção 2.1 a aplicação dita
vetorial, que constrói uma curva parametrizada, no espaço R3 . Apresentamos na Seção 2.2
o cálculo do comprimento de arco de uma curva parametrizada e ainda mostramos uma
justificativa geométrica para esse cálculo do comprimento dada na Subseção 2.2.1. En-

12
cerramos esse capı́tulo com a Teoria Local das Curvas Parametrizadas Pelo Comprimento
de Arco na Seção 2.3.
Já o Capı́tulo 3 estudamos as superfı́cies regulares, definindo-as através de parame-
trizações e critérios para que não tenhamos autointerseções e nem bicos demonstrando na
Seção 3.1, proposições que serão ferramentas importantes para identificarmos algumas su-
perfı́cies regulares. A fim de estudar os comportamentos das superfı́cies, veremos que uma
vizinhança de um ponto pode ser prametrizada por mais de uma aplicação diferenciável
que denominamos vizinhança coordenada, mostramos na Seção 3.2 que o comportamento
da superfı́cie independe da mudança de parâmetros. Com isso podemos definir na Seção
3.3 aplicações cujo o domı́nio encontra-se na superfı́cie e o contradomı́nio em R ou até
mesmo em outra superfı́cie regular. Com essa definição dada de superfı́cie regular é
possı́vel garantir também a existência de um plano tangente em cada ponto da superfı́cie,
assim na Seção 3.4 demonstramos e caracterizamos o espaço tangente através da diferen-
cial da aplicação. Com o estudo das propriedades locais da superfı́cie na Seção 3.5 po-
demos definir uma primeira forma fundamental quadrática possibilitando fazer medições
em uma superfı́cie como comprimento de curvas, ângulos entre superfı́cies e a área. No
final desse capı́tulo, na Seção 3.6 ressaltamos a orientação de uma superfı́cie e definimos
a aplicação normal de Gauss.
No Capı́tulo 4 damos continuidade no estudo da Geometria da aplicação de Gauss,
encontrando na Seção 4.1 a diferencial dessa aplicação e provando que ela é um espaço
vetorial autoadjunto, desta maneira será possı́vel definir uma segunda forma fundamental
possibilitando medir a curvatura normal de uma superfı́cie, analisaremos também outros
tipos de curvatura como as curvaturas principais e curvatura de Gauss entre outras pro-
priedades geométricas. Por fim traduzimos na Seção 4.2 todas essas propriedades em
coordenadas locais para o desenvolvimento de métodos para um cálculo mais sistemático
em situações especı́ficas.

13
1 Preliminares
Nesta seção será revisado alguns conceitos e assuntos muito importantes para esse es-
tudo, eles estão presentes na Álgebra Linear, Cálculo e Análise Real. Primeiramente será
abordado aqui a definição de vetores e algumas de suas propriedades, além do produto es-
calar e o produto vetorial, esse assunto não só nos dá uma base para o espaço vetorial como
também serão um ponto de partida para a introdução do conceito de curvas diferenciáveis
no R3 , em seguida trataremos da continuidade de aplicações no espaço Rn para o Rm ,
com m e n números naturais quaisquer, e por fim revisaremos a diferenciabilidade das
aplicações, esses dois últimos temas são bastante relevantes, pois deles tiraremos alguns
dos principais resultados do Cálculo e da Análise Real, dentro desse assunto ressaltamos a
definição de diferencial de uma aplicação, a qual será muito importante para definir uma
superfı́cie parametrizada e regular no Capı́tulo 3.

1.1 Vetores

Denotaremos por Rn o espaço (vetorial) euclidiano de n dimensões, isto é, o conjunto


de n-uplas (x1 , . . . , xn ) de números reais (em maioria, consideraremos apenas os casos
n = 2 e n = 3). Indicaremos ei o i-ésimo vetor da base canônica de Rn .
Assim todo vetor v ∈ Rn pode ser escrito como
n
X
v = (x1 , . . . , xn ) = xi ei = x1 e1 + . . . + xn en .
i=1

Os vetores ei da base canônica de R2 por exemplo são e1 = (1, 0) e e2 = (0, 1), enquanto
os da base canônica de R3 são e1 = (1, 0, 0), e2 = (0, 1, 0) e e3 = (0, 0, 1).
Dados dois vetores u = (u1 , . . . , un ) e v = (v1 , . . . , vn ) em Rn , definiremos o produto
interno do espaço Rn por
n
X
u·v = ui vi = u1 v1 + . . . + un vn .
i=1

O produto interno é comumente denotado também por hu, vi. Desta forma a norma de
um vetor fica definido como
q
|u|2 = u · u = u21 + . . . + u2n ⇔ |u| = u21 + . . . + u2n .

14
No olhar geométrico, |u| mede a distância de um ponto p = (u1 , . . . , un ) até a origem
0 = (0, . . . , 0). Também podemos definir o produto interno por

u · v = |u||v| cos θ,

onde u, v ∈ Rn e θ é o ângulo formado entre os vetores u e v, com 0 6 θ 6 π. A Figura 1


nos dá uma interpretação geométrica para a definição anterior, usando a lei do cosseno.

Figura 1: Triângulo formado por Ou e Ov.

Sejam u, v, w ∈ Rn e λ ∈ R. O produto interno apresenta as seguintes propriedades:

(P1 ) Dados u, v 6= 0, então


u · v = 0 ⇔ u ⊥ v,

ou seja, u é ortogonal a v;

(P2 ) u · v = v · u (comutativo);

(P3 ) λ(u · v) = λu · v = u · λv (associatividade por um escalar);

(P4 ) u · (v + w) = u · v + u · w (distributivo) .

Essas propriedades e a próxima não demonstraremos aqui, mas são alguns resultados
vistos na álgebra linear. O leitor poderá encontrar uma demonstração dessas propriedades
em [2].

Definição 1. Um espaço vetorial real V é um conjunto de objetos, denominados veto-


res, junto das operações binárias chamadas soma e multiplicação por um escalar e que
satisfazem dez axiomas que enumeramos a seguir

15
1. Se x ∈ V e y ∈ V , então x + y ∈ V

2. Para todo x, y, z ∈ V , (x + y) + z = x + (y + z)

3. Existe um vetor 0 ∈ V tal que, para todo x ∈ V , x + 0 = 0 + x = x

4. Se x ∈ V , existe um vetor −x ∈ V , tal que x + (−x) = 0

5. Se x, y ∈ V , então x + y = y + x

6. Se x ∈ V e α ∈ R, então αx ∈ V

7. Se x, y ∈ V e α ∈ R, então α(x + y) = αx + αy

8. Se x ∈ V e α, β ∈ R, então (α + β)x = αx + βx

9. Se x ∈ V e α, β ∈ R, então α(βx) = (αβ)x

10. Para cada vetor x ∈ V , 1x = x

Um exemplo de espaço vetorial é o espaço euclidiano Rn que tratamos até o momento,


considerando x = (x1 , · · · , xn ), y = (y1 , · · · , yn ) e z = (z1 , · · · , zn ) os vetores desse espaço,
é fácil verificar que os dez axiomas da definição acima são satisfeitos.

Definição 2. Um conjunto finito de vetores {v1 , v2 , · · · , vn } é uma base para um espaço


vetorial V se

1. Para quisquer a1 , a2 , . . . , an ∈ R não nulos simultâneamente, então a1 v1 + a2 v2 +


· · · + an vn 6= 0, ou seja, v1 . . . vn são linearmente independentes

2. {v1 , v2 , · · · , vn } geram o espaço V , ou seja, para todo x ∈ V , x = x1 v1 + . . . + xn vv


com x1 , x2 , . . . , xn ∈ R. Então diz-se que x é uma combinação linear dos vetores vi .

Definição 3. Seja V e W espaços vetoriais, com x, y ∈ V e α ∈ R, então a aplicação


T : V → W é uma transformação linear se

1. T (u + v) = T (u) + T (v)

2. T (αu) = αT (u)

16
É fácil notar que a tranformação T : R2 → R3 dada por T (x1 , x2 ) = (x1 , x2 , x1 − x2 ) é
uma transformação linear, pois satisfaz as condições acima.
Destacamos assim algumas propriedades relacionadas as bases de um espaço vetorial.
Sejam as bases ordenadas e = {e1 , · · · , en } e f = {f1 , · · · , fn }, de Rn ou em um caso
mais geral, de um espaço vetorial V qualquer. Elas têm a mesma orientação se a matriz
associada a transformação linear que muda a base, de e para f , tem o determinante
positivo. Essa relação fica representada por e ∼ f , definindo uma relação de equivalência.
Dados e, f e g bases de Rn , seguem as seguintes propriedades:

(a) e ∼ e;

(b) se e ∼ f , então f ∼ e;

(c) se e ∼ f, f ∼ g então e ∼ g.

Essas propriedades dão sentido à orientação de um espaço vetorial, ou seja, uma base
é positiva ou negativa apenas, uma vez que o determinante que transforma uma base
em outra é diferente de zero. Assim, supomos que a base canônica tem uma orientação
positiva. Logo qualquer outra base cuja a matriz que tranforma ela na canônica e tem o
determinante positivo, implicará que essa base será positiva, caso contrário, a orientação
será oposta, isto é, negativa.
A seguir, apresentamos alguns resultados para o caso particular n = 3, ou seja, R3 .

Definição 4. Sejam u, v ∈ R3 . O produto vetorial de u e v (nesta ordem) é o único vetor


u ∧ v ∈ R3 indicado por (u ∧ v) · w = det(u, v, w), para todo w ∈ R3 .

Escrevendo u, v e w na base canônica {e1 , e2 , e3 },


3
X 3
X 3
X
u= ui ei , v = vi ei , w = wi ei ,
i=1 i=1 i=1

17
a expressão det(u, v, w) torna-se

u1 u2 u3
det(u, v, w) = v1 v2 v3
w1 w2 w3
= (u1 v2 )w3 + (u2 v3 )w1 + (u3 v1 )w2 − (u3 v2 )w1 − (u1 v3 )w2 − (u2 v1 )w3

= (u2 v3 − u3 v2 )w1 + (u3 v1 − u1 v3 )w2 + (u1 v2 − u2 v1 )w3

= [(u2 v3 − u3 v2 )e1 + (u3 v1 − u1 v3 )e2 + (u1 v2 − u2 v1 )e3 ] · [w1 e1 + w2 e2

+w3 e3 ].

Consequentemente,

u2 u3 u1 u3 u1 u2
u∧v = e1 − e2 + e3 .
v2 v3 v1 v3 v1 v2

Alguns autores denotam o produto vetorial por u × v.


Sejam u, v, w ∈ R3 e α, β ∈ R. Seguem as seguintes propriedades quanto ao produto
vetorial.

(1) u ∧ v = −v ∧ u (anti-comutativa);

(2) (αu + βw) ∧ v = α(u ∧ v) + β(w ∧ v) (distributividade);

(3) u ∧ v = 0 se, e somente se u e v são linearmente dependentes;

(4) (u ∧ v) · u = 0, (u ∧ v) · v = 0 (ortogonalidade).

A propriedade (4) nos mostra que o produto vetorial u ∧ v (quando não nulo) é ortogo-
nal ao plano gerado pelos vetores u e v. No geral, essas propriedades seguem da mesma
maneira que a dos determinantes e o leitor também poderá encontrar uma demonstração
para elas em [2]. A seguir, daremos uma compreensão geométrica para a norma e a direção
do produto vetorial. Primeiramente vemos que

det(u, v, (u ∧ v)) = (u ∧ v) · (u ∧ v) = |u ∧ v|2 > 0,

isto é, o determinante dos vetores u, v, u∧v é sempre positivo, considerando que T (e1 ) = u,
T (e2 ) = v e T (e3 ) = u ∧ v, então {u, v, u ∧ v} é uma base positiva.

18
Proposição 1. Vale a seguinte igualdade

u·x v·x
(u ∧ v) · (x ∧ y) = .
u·y v·y

Demonstração. Considere os vetores

u = (u1 , u2 , u3 ), v = (v1 , v2 , v3 ), x = (x1 , x2 , x3 ), y = (y1 , y2 , y3 ).

Temos
u2 u3 u1 u3 u1 u2
u∧v = · e1 − · e2 + · e3
v2 v3 v1 v3 v1 v2

x2 x3 x1 x3 x1 x2
x∧y = · e1 − · e2 + · e3 .
y2 y3 y1 y3 y1 y2
Assim,

u2 u3 x2 x3 u1 u3 x1 x3 u1 u2 x1 x2
(u ∧ v) · (x ∧ y) = · + · + ·
v2 v3 y2 y3 v1 v3 y1 y3 v1 v2 y1 y2

u2 x2 + u3 y2 u2 x3 + u3 y3 u1 x1 + u3 y1 u1 x3 + u3 y3
= +
v 2 x2 + v 3 y 2 v2 x3 + v3 y3 v1 x1 + v3 y1 v 1 x3 + v 3 y 3

u1 x1 + u2 y1 u1 x2 + u2 y2
+ .
v 1 x1 + v 2 y 1 v1 x2 + v2 y2

Calculando os determinantes,

(u ∧ v) · (x ∧ y) = (u2 x2 + u3 y2 ) · (v2 x3 + v3 y3 ) − (u2 x3 + u3 y3 ) · (v2 x2 + v3 y2 )

+(u1 x1 + u3 y1 ) · (v1 x3 + v3 y3 ) − (u1 x3 + u3 y3 ) · (v1 x1 + v3 y1 )

+(u1 x1 + u2 y1 ) · (v1 x2 + v2 y2 ) − (u1 x2 + u2 y2 ) · (v1 x1 + v2 y1 )

= (u2 x2 · v2 x3 ) + (u2 x2 · v3 y3 ) + (u3 y2 · v2 x3 ) + (u3 y2 · v3 y3 )

−(u2 x3 · v2 x2 ) − (u2 x3 · v3 y2 ) − (u3 y3 · v2 x2 ) − (u3 y3 · v3 y2 )

+(u1 x1 · v1 x3 ) + (u1 x1 · v3 y3 ) + (u3 y1 · v1 x3 ) + (u3 y1 · v3 y3 )

−(u1 x3 · v1 x1 ) − (u1 x3 · v3 y1 ) − (u3 y3 · v1 x1 ) − (u3 y3 · v3 y1 )

+(u1 x1 · v1 x2 ) + (u1 x1 · v2 y2 ) + (u2 y1 · v1 x2 ) + (u2 y1 · v2 y2 )

−(u1 x2 · v1 x1 ) − (u1 x1 · v2 y1 ) − (u2 y2 · v1 x1 ) − (u2 y2 · v2 y1 ).

19
Somando e subtraindo (u1 x1 · y1 v1 ), (u2 x2 · y2 v2 ), (u3 x3 · y3 v3 ) da expressão teremos:

(u ∧ v) · (x ∧ y) = (u1 x1 · y1 v1 ) + (u2 x2 · y2 v2 ) + (u3 x3 · y3 v3 )

+(u2 x2 · v2 x3 ) + (u2 x2 · v3 y3 ) + (u3 y2 · v2 x3 ) + (u3 y2 · v3 y3 )

−(u2 x3 · v2 x2 ) − (u2 x3 · v3 y2 ) − (u3 y3 · v2 x2 ) − (u3 y3 · v3 x2 )

+(u1 x1 · v1 x3 ) + (u1 x1 · v3 y3 ) + (u3 y1 · v1 x3 ) + (u3 y1 · v3 y3 )

−(u2 x3 · v2 x2 ) − (u2 x3 · v3 y2 ) − (u3 y3 · v2 x2 ) − (u3 y3 · v3 y2 )

−(u1 x1 · y1 v1 ) − (u2 x2 · y2 v2 ) − (u3 x3 · y3 v3 ).

Colocando os termos semelhantes em evidência, e anulando os termos oposto, a nossa


equação ficará,

(u ∧ v) · (x ∧ y) = (u1 x1 + u2 x2 + u3 x3 ) · (v1 y1 + v2 y2 + v3 y3 ) − (u1 y1 + u2 y2

+u3 y3 ) · (v1 x1 + v2 x2 + v3 x3 )

= (u · x) · (v · y) − (u · y) · (v · x)
u·x v·x
= .
u·y v·y

Da Proposição 1, podemos concluir que

u·u v·u
|u ∧ v|2 =
u·v v·v
= |u|2 · |v|2 − (u · v)2

= |u|2 |v|2 − |u|2 |v|2 cos2 θ

= |u|2 |v|2 (1 − cos2 θ)

= |u|2 |v|2 sin2 θ

= A2 ,

onde θ é o ângulo entre u e v e A é a área do paralelogramo formado por esses vetores.


Veja a Figura 2.
Por fim, a seguinte proposição mostra que o produto vetorial não é associativo.

20
Figura 2: Produto vetorial de u e v.

Proposição 2. A seguinte igualdade é válida

(u ∧ v) ∧ w = hu, wiv − hv, wiu.

Demonstração. Defina uma base {fx , fy , fz } do R3 e sejam u, v e w vetores representados


nessa base, tal que u 6= 0 e u e v são linearmente independentes. Supomos que

i. u é paralelo a fx ;

ii. fy é coplanar com u e v;

iii. fz é paralelo a u ∧ v.

Logo, (u ∧ v) ∧ w é ortogonal a w e a u ∧ v. Assim sendo, (u ∧ v) ∧ w está contido no


plano gerado por u e v. Então podemos escrever (u ∧ v) ∧ w = αu + βv.
Além disto, conforme supomos, as coordenadas dos vetores u, v e w são descritas como

u = u1 fx = (u1 , 0, 0),

v = v1 fx + v2 fy = (v1 , v2 , 0),

w = w1 fx + w2 fy + w3 fz = (w1 , w3 , w3 ).

21
Desta forma, temos

u1 0
u∧v = fz = u1 v2 fz = (0, 0, u1 v2 ),
v1 v2

0 u1 v2 0 u1 v2
(u ∧ v) ∧ w = fx − fy
w2 v3 w1 w3
= −u1 v2 w2 fx + u1 v2 w1 fy = (−u1 v2 w2 , u1 v2 w1 , 0) (1)

e também,
αu + βv = α(u1 , 0, 0) + β(v1 , v2 , 0) = (αu1 + βv1 , βv2 , 0) (2)

Assim, igualando (1) e (2) pela direita, obtemos

(αu1 + βv1 , βv2 , 0) = (−u1 v2 w2 , u1 v2 w1 , 0).

Logo, 
 αu + βv = −u v w ,
1 1 1 2 2
 βv2 = u1 v2 w1 .
Resolvendo o sistema para achar o valor dos coefcientes α e β, teremos

β = u1 w 1 ,

α = −(v1 w1 + v2 w2 ).

É fácil ver que,


u1 w1 = hu, wi,

v1 w1 + v2 w2 = hv, wi.

Portanto, concluı́mos que

(u ∧ v) ∧ w = hu, wiv − hv, wiu.

22
1.2 Continuidade

Agora será feita uma breve revisão de Continuidade e Diferenciabilidade. Esses assuntos
estão muito presentes no Cálculo e na Análise Real. Para desenvolvermos a Geometria
Diferencial é importante ter esses conceitos bem estabelecidos, uma vez que algumas das
proposições e teoremas que será tratado mais a frente se utilizarão desses resultados para
serem demonstrados. Primeiramente vamos identificar de que maneira um ponto p ∈ Rn
está ε-próximo a um ponto qualquer p0 ∈ Rn .

Definição 5. Uma bola aberta em Rn centrada em p0 = (x01 , . . . , x0n ) e com raio ε > 0 é
o seguinte conjunto

Bε (p0 ) = {(x1 , . . . , xn ) ∈ Rn ; (x1 − x01 )2 + . . . + (xn − x0n )2 < ε2 }.

Exemplo 1. Podemos ver que uma bola aberta para o conjunto R é um intervalo aberto
cujo centro é em p e possui comprimento 2ε, como vemos na Figura 3.

Figura 3: Bola aberta no conjunto R.

Exemplo 2. No conjunto R2 , a bola aberta Bε (p) é a parte interna de um cı́rculo que


possui o centro em p e tem um raio ε, como podemos ver na Figura 4.

Exemplo 3. Em R3 , a bola aberta Bε (p) é o interior da região do espaço limitada pela


esfera que possui o centro em p e mede o raio ε, como podemos ver na Figura 5.

Um conjunto aberto U ⊂ Rn possui para cada ponto p ∈ U uma bola Bε (p) ⊂ U . Ou


seja, todo ponto em U , o quão próximo da fronteira que seja, estará envolto de pontos

23
Figura 4: Bola aberta no conjunto R2 .

Figura 5: Bola aberta no conjunto R3 .

que pertençam a U . Diremos também que conjuntos abertos no Rn que contém p, são
uma vizinhança de p.
Agora, vamos dar uma definição do que é uma aplicação contı́nua.

Definição 6. F : U ⊂ Rn → Rm é dita contı́nua em um ponto p ∈ U , se para todo ε > 0


existir δ > 0 tal que
F (Bδ (p)) ⊂ Bε (F (p)).

F é contı́nua em U se F for contı́nua em todo p ∈ U . Veja a Figura 6.

Definição 7. Para uma aplicação F : U ⊂ Rn → Rm , é possı́vel estabelecer m funções de


n variáveis fazendo p = (x1 , . . . , xn ) ∈ U e F (p) = (y1 , . . . , ym ). Desta forma, as funções
yi podem ser escritas como

y1 = f1 (x1 , . . . , xn ), . . . , ym = fm (x1 , . . . , xn ).

Chamamos as funções fi : U → R, i = 1, . . . , m de funções componentes de F .

24
Figura 6: Aplicação contı́nua de U ⊂ R3 → R2 .

Exemplo 4. A rotação em torno do eixo z descrita como Rz,θ é dada através de uma
aplicação F : R3 → R3 que leva a cada ponto p ∈ R3 na rotação de um ângulo θ em torno
do eixo z. Essa aplicação pode ser escrita como
q q 
2 2 2 2
F (x1 , x2 , x3 ) = x1 + x2 · cos(θ), x1 + x2 · sin(θ), x3 ,

onde as suas funções componentes são:


q q
y1 = x21 + x22 · cos(θ), y2 = x21 + x22 · sin(θ), y 3 = x3

Proposição 3. F : U ⊂ Rn → Rm é contı́nua se e somente se cada função componente


de fi : U ⊂ Rn → R, i = 1, . . . , m , é contı́nua.

Demonstração. Primeiramente, sejam p ∈ U e uma a aplicação F contı́nua nesse ponto.


Então podemos dizer que para ε > 0, existe δ > 0 tal que F aplicado a pontos próximos
(bola) de p estará contida em uma vizinhança (bola) de F (p) ou em outras palavras
F (Bδ (p)) ⊂ Bε (F (p)). Dessa forma, se um ponto q próximo a p de tal maneira que
q ∈ Bδ (p), então
F (q) ⊂ Bε (F (p)),

25
ou seja, pela definição

(f1 (q) − f1 (p))2 + . . . + (fm (q) − fm (p))2 < ε2 ,

em particular, cada (fi (q) − fi (p))2 < ε2 , i = 1, . . . , m. Logo, verificamos que dado ε > 0
existe δ > 0 tal que se q ∈ Bδ (p), implica em |fi (q) − fi (p)| < ε. Assim está provada a
continuidade de fi em p.
De forma recı́proca, supomos que fi , i = 1, . . . , m, são funções contı́nuas em p. Então
podemos dizer que dado ε > 0 existem δi > 0, tais que para q ∈ Bδi (p), implica em
|fi (q) − fi (p)| < ε, ou seja, como cada fi (p) = yi é uma coordenada do espaço Rm da
aplicação F (p), então Bε (fi (p)) é dada por

(fi (p) − fi (q))2 + . . . + (fi (p) − fi (q))2 < ε2 ,


onde são somados (fi (p)−fi (q))2 , m vezes. Assim, podemos ver que |fi (q)−fi (p)| < ε/ m.
Tomemos δ = min δi e seja q ∈ Bδ (p). Então para todo fi , i = 1, . . . , m verificamos
que
(f1 (q) − f1 (p))2 + . . . + (fm (q) − fm (p))2 < ε2 ,

E assim concluı́-se que F é contı́nua em p.

Exemplo 5. Veremos no próximo capı́tulo, aplicações do tipo α : (a, b) ⊂ R → R3 que


são descritas por
α(t) = (x(t), y(t), z(t)).

Essa aplicação é conhecida como função vetorial, em que para cada t no intervalo (a, b)
é associado um vetor (x, y, z). Quando as funções componentes x(t), y(t) e z(t) são
contı́nuas, então α será uma curva contı́nua no R3 .

Proposição 4. Uma aplicação F : U ⊂ Rn → Rm é contı́nua em p ∈ U se e somente


se, dada uma vizinhança V de F (p) em Rm existe uma vizinhança W de p em Rn tal que
F (W ) ⊂ V .

Demonstração. Primeiramente supõe-se que F é contı́nua em p ∈ U . Visto que V é um


conjunto aberto que contém F (p), então V contém uma bola Bε (F (p)) para algum ε > 0.

26
Como F é contı́nua, existe uma bola Bδ (p) = W tal que

F (W ) = F (Bδ (p)) ⊂ Bε (F (p)) ⊂ V.

Logo, uma vizinhaça de p após ser aplicado a F está de fato contido em uma vizinhança
de F (p) e desta forma está provada a primeira parte da proposição.
Reciprocamente, supomos que a condição é válida. Considere ε > 0 e seja agora o
conjunto V = Bε (F (p)). Pela hipótese, há uma vizinhança W de p em Rn de tal maneira
que F (W ) ⊂ V . Como W é aberto, é possı́vel obter uma bola Bδ (p) ⊂ W . Assim,

F (Bδ (p)) ⊂ F (W ) ⊂ V = Bε (F (p)),

e portanto concluı́mos que F é contı́nua em p.

Proposição 5. Sejam F : U ⊂ Rn → Rm e G : V ⊂ Rm → Rk aplicações contı́nuas,


onde U e V são conjuntos abertos tais que F (U ) ⊂ V . Então G ◦ F : U ⊂ Rn → Rk é
uma aplicação contı́nua.

Demonstração. Dado p ∈ U e W uma vizinhança de G ◦ F (p) em Rk . Como G é contı́nua,


então existe uma vizinhança Y de F (p) em Rm tal que G(Y ) ⊂ W . Como F também é
contı́nua, há uma vizinhança X de p em Rn tal que F (X) ⊂ Y . Desta forma

G ◦ F (X) ⊂ G(Y ) ⊂ W,

Portanto, concluı́mos que G ◦ F é contı́nua em U .

As vezes para uma aplicação contı́nua F : U ⊂ Rn → Rm é necessário um conjunto


D arbitrário em seu domı́nio, não necessariamente aberto. Desta forma, tomamos a
vizinhança V de F (p) ∈ Rm e U uma vizinhança de p ∈ D, assim se F (U ∩ D) ⊂ V
for contı́nua, a aplicação F : D ⊂ Rn → Rm será contı́nua em D. U ∩ D é chamado de
Vizinhança de p em D.

Exemplo 6. Seja a aplicação F : R2 → R3 definida por F (u, v) = (u, v, u2 − v 2 ) (pa-


rabolóide hiperbólico) e a projeção π : R3 → R2 , π(x, y, z) = (x, y), duas aplicações
contı́nuas, então
π ◦ F (u, v) = (u, v)

também é contı́nua.

27
Definição 8. Uma aplicação contı́nua F : D ⊂ Rn → Rn é um homeomorfismo sobre
F (D) se F é injetiva e F −1 : F (D) ⊂ Rn → Rn é contı́nua. Nesse caso o conjunto D e
F (D) são ditos conjuntos homeomorfos.

Proposição 6. (Teorema do Valor Intermediário). Seja f : [a, b] → R uma função


contı́nua definida em um intervalo fechado [a, b]. Suponha que f (a) e f (b) tenham sinais
opostos; isto é, f (a)f (b) < 0. Então existe um ponto c ∈ [a, b] tal que f (c) = 0.

Esse teorema é um caso particular do Teorema de Bolzano, o qual afirma-se que para
uma função contı́nua definida em um intervalo [a, b], existe d tal que f (a) ≤ d ≤ f (b) ou
f (a) ≥ d ≥ f (b), para pelo menos um valor c ∈ [a, b], f (c) = d.
Para demonstrar, supomos primeiramente que f (a) ≤ d ≤ f (b). O outro caso, a
demonstração é análoga.

Demonstração da Proposição 6. Primeiramente, supondo que f (a) ≤ d ≤ f (b) provare-


mos que existe c tal que f (c) = d para algum c ∈ [a, b]. Sejam a1 e b1 definido por

• a1 = (a + b)/2 e b1 = b, se f ((a + b)/2) ≤ d;

• a1 = a e b1 = (a + b)/2, caso contrário.

Desta forma,

a ≤ a1 ≤ b1 ≤ b, f (a1 ) ≤ d ≤ f (b1 ) e b1 − a1 = (b − a)/2.

Logo após, definimos pontos a2 e b2 a partir de a1 e b1 pelo mesmo processo, e assim,


iterando sucessivamente, considerando a = a0 e b = b0 temos uma sucessão ([an , bn ])n≥0
de intervalos decrescentes, isto é

[a0 , b0 ] ⊃ [a1 , b1 ] ⊃ [a2 , b2 ] ⊃ · · ·

Pelo Teorema dos Intervalos Encaixados, que não o demonstraremos aqui, mas assu-
miremos sua veracidade, existe um ponto c que pertence a todos os intervalos. Por outro
lado, como o comprimento de cada intervalo mede a metade do anterior, o comprimento

28
dos intervalos tende a 0. Logo, por esse fato e pela definição de c dada pelo teorema que
mencionamos, podemos ver que

c = lim an = lim bn .
n∈N n∈N

Então, como f é contı́nua em c e f (an ) ≤ d ≤ f (bn ), para todo natural n, temos

f (c) = lim f (an ) 6 d e f (c) = lim f (bn ) > d.


n∈N n∈N

Portanto, f (c) = d. Como consequência, para o caso em que f (a)f (b) < 0 existirá um
valor f (c) = d = 0 para algum c ∈ [a, b].

Proposição 7. Seja f : [a, b] → R uma função contı́nua definida em um intervalo fechado


[a, b]. Então f atinge seu valores máximo e mı́nimo em [a, b]; isto é, existem pontos
x1 , x2 ∈ [a, b] tais que f (x1 ) ≤ f (x) ≤ f (x2 ) para todo x ∈ [a, b].

Proposição 8. (Heine-Borel). Seja [a, b] um intervalo fechado e seja Iα , α ∈ A, uma


coleção de intervalos abetos em [a, b] tais que ∪α Iα = [a, b]. Então é possı́vel escolher um
número finito de intervalos abertos Ik1 , Ik2 , . . . , Ikn da coleção Iα tais que ∪α Iki = I, i =
1, . . . , n.

Para que possamos dar continuidade ao estudo, não demonstraremos essas últimas
proposições, visto que são algumas decorrências de um curso de Análise Real, o leitor
poderá encontrar uma demonstração para essas proposições no livro de Elon [3]

1.3 Diferenciabilidade em Rn

Será estudado agora a diferenciabilidade de aplicações no Rn . As aplicações dife-


renciáveis são uma condição necessária para conseguirmos aplicações “suaves” e poder-
mos desenvolver a Geometria Diferencial. Assim a diferenciabilidade de uma função fica
definida da seguinte forma.

Definição 9. Seja F : U ⊂ Rn → Rm , com

F (x1 , . . . , xn ) = (f1 (x1 , . . . , xn ), . . . , fm (x1 , . . . , xn )).

29
F é diferenciável em p ∈ U para um conjunto aberto U se as suas funções componentes
são diferenciáveis em p, ou seja, as funções fi , para i = 1, . . . , n, têm derivadas parciais
contı́nuas de todas as ordens em p. F é diferenciável em U se é diferenciável em todos
os pontos de U .

Exemplo 7. Dado um vetor w ∈ Rm e um ponto p0 ∈ U ⊂ Rm , podemos sempre


encontrar uma curva diferenciável α : (−ε, ε) → U com α(0) = p0 e α0 (0) = w, basta
definir α(t) = p0 + tw, t ∈ (−ε, ε). Escrevendo p0 = (x01 , . . . , x0m ) e w = (w1 , . . . , wm ), as
funções coordenadas de α são xi (t) = x0i +twi , para i = 1, . . . , m. Assim, α é diferenciável,
α(0) = p0 e
α0 (0) = (x01 (0), . . . , x0m (0)) = (w1 , . . . , wm ) = w.

Esse exemplo pode ser encontrado no livro de Carmo [4].


Introduziremos neste momento um conceito que utilizaremos muito no estudo de su-
perfı́cies, a diferencial de uma aplicação diferenciável.

Definição 10. Seja F : U ⊂ Rn → Rm uma aplicação diferenciável. Associamos a cada


p ∈ U uma aplicação linear dFp : Rn → Rm que é chamada a diferencial de F em p, e é
definida da seguinte maneira. Sejam w ∈ Rn e α : (−ε, ε) → U uma curva diferenciável
tal que α(0) = p e α0 (0) = w. Pela regra da cadeia, a curva β = F ◦ α : (−ε, ε) → Rm
também é diferenciável. Então
dFp (w) = β 0 (0).

Veja a Figura 7.

Proposição 9. A definição dada acima para dFp não depende da escolha da curva que
passa por p com vetor tangente w, e dFp é, de fato, uma aplicação linear.

Demonstração. Seja F : U ⊂ Rn → Rm e sejam (x1 , . . . , xn ) as coordenadas de Rn e


(y1 , . . . , ym ) as coordenadas em Rm . Sejam também {e1 , . . . , en } a base canônica de Rn
e {f1 , . . . , fm } a base canônica de Rm . Então escrevemos α(t) = (x1 (t), . . . , xn (t)), t ∈
(−ε, ε),
α0 (0) = w = x01 (0)e1 + . . . + x0n (0)en ,

30
Figura 7: Diferencial de uma aplicação.

F (x1 , . . . , xn ) = (y1 (x1 , . . . , xn ), . . . , ym (x1 , . . . , xn ))

e
β(t) = F ◦ α(t) = (y1 (x1 (t), . . . , xn (t)), . . . , ym (x1 (t), . . . , xn (t))).

Desta forma, utilizando a regra da cadeia e considerando derivadas em t = 0, obtere-


mos
   
0 ∂y1 dx1 ∂y1 dxn ∂ym dx1 ∂ym dxn
β (0) = + ··· + f1 + · · · + + ··· + fm
∂x1 dt ∂xn dt ∂x1 dt ∂xn dt
∂y1 ∂y1
  
dx1
···
 ∂x1 ∂xn   dt 
 . . ..   . 
=  . . . . .  . 
 . 
 
 ∂y ∂ym   dxn 
m
···
∂x1 ∂xn dt
= dFp (w).

Dessa maneira, representamos dFp através das bases canônicas dos espaços Rn e Rm ,
por uma matriz dependente apenas das derivadas parciais em p das funções coordenadas

31
(y1 , . . . , ym ) de F . Portanto, a diferencial dFp é uma aplicação linear, cuja matriz

∂y1 ∂y1
 
···
 ∂x1 ∂xn 
 . . .. 
 .. .. . 
 
 ∂y ∂y 
m m
···
∂x1 ∂xn
é a matriz associada a tranformação linear, além disto, é notório que dFp é obtido apenas
pelo vetor w que é escolhido independentemente de α.

A matriz da aplicação linear dFp : Rn → Rm nas bases canônicas de Rn e Rm , é


denominada matriz Jacobiana de F em p. Quando temos o caso de n = m, esta será uma
matriz quadrada. Assim, seu determinante é dito Jacobiano, e é usualmente denotado
por  
∂fi ∂(f1 , . . . , fn )
det = .
∂xi ∂(x1 , . . . , xn )
Alguns autores chamam a diferencial dFp de derivada de F em p e denotam por F 0 (p).

Exemplo 8. Dado F : R2 → R3 descrita por

F (u, v) = (u, v, u2 + v 2 ) (u, v) ∈ R2 (parabolóide)

é fácil notar que F é diferenciável, e a diferencial dFp em p = (u, v) é:


 
1 0
 
dFp =  0 1  .
 
 
2u 2v

para p = (1, 1) e w = (0, 2) temos:


   
1 0   0
 0  
   
0 1 · = 2 ,

  2  
2 2 4

ou seja, dF(1,1) (0, 2) = (0, 2, 4).

32
Proposição 10 (Regra da Cadeia para Aplicações). Sejam F : U ⊂ Rn → Rm e G : V ⊂
Rm → Rk aplicações diferenciáveis, onde U e V são conjuntos abertos tais que F (U ) ⊂ V .
Então G ◦ F : U → Rk é uma aplicação diferenciável, e

d(G ◦ F )p = dGF (p) ◦ dFp , p ∈ U.

Demonstração. Seja (x1 , . . . , xn ) ⊂ U ⊂ Rn , F (x1 , . . . , xn ) = (y1 (x1 , . . . , xn ), . . . , ym (x1 , . . . , xn )) ⊂


V ⊂ Rm e G(y1 , . . . , ym ) = (z1 (y1 , . . . , ym ), . . . , zk (y1 , . . . , ym )) ⊂ Rk aplicações dife-
renciáveis, assim

G ◦ F (x1 , . . . , xn ) = (z1 (y1 (x1 , . . . , xn ), . . . , ym (x1 , . . . , xn )),

...,

zk (y1 (x1 , . . . , xn ), . . . , ym (x1 , . . . , xn ))).

Logo G ◦ F será diferenciável se todas as funções componentes zi , i = 1, . . . , k forem


diferenciáveis, então derivando zi obtemos
∂zi (y1 , . . . , ym ) ∂zi (y1 , . . . , ym )
zi0 = + ... + ,
∂x1 ∂xn
como por hipótese G e F são diferenciáveis, então suas funções componentes também
são, logo zi0 é derivável e consequentemente diferenciável em todo zi . Portanto G ◦ F é
diferenciável.
Assim seja o vetor tangente w1 ∈ Rn da curva α : (−ε, ε) → U ⊂ Rn . Consideramos
também α(0) = p e α0 (0) = w1 . Define-se o vetor w2 por dFp (w1 ) = w2 . Desta forma, a
diferencial de G no ponto F (p) e direção w2 é a derivada da composição das aplicações G
com F da curvra α, ou em outras palavras
d
dGF (p) (w2 ) = (G ◦ F ◦ α)|t=0 .
dt
Assim, escrevendo a diferencial da composição das aplicações F e G temos a seguinte
igualdade
d
d(G ◦ F )p (w1 ) = (G ◦ F ◦ α)t=0 = dGF (p) (w2 ).
dt
Como w2 é a diferencial de w1 em p é fácil ver que a diferencial de w2 em F (p) é o
resultado da composição dGF (p) com dFp (w1 ), ou seja

dGF (p) (w2 ) = dGF (p) ◦ dFp (w1 ).

33
Portanto, concluı́mos que d(G ◦ F )p (w1 ) = dGF (p) ◦ dFp (w1 ).

Essa proposição tem o sentido de mostrar que a diferencial de uma composição de


aplicações pode ser traduzido em um produto das matrizes associadas a tranformação
linear dada por ela. Exemplificaremos isso com a diferencial de uma aplicação composta
G ◦ F : R2 → R2 , que futuramente trataremos delas como uma mudança de parâmetros
das aplicações entre superfı́cies.

Exemplo 9. Dadas as aplicações diferenciáveis F : U ⊂ R2 → R3 e G : V ⊂ R3 → R2 ,


com U e V conjuntos abertos tal que F (U ) ⊂ V , denotamos

F (u, v) = (x(u, v), y(u, v), z(u, v)),

G(x, y, z) = (ξ(x, y, z), η(x, y, z)).

Assim,
F G
U ⊂ R2 → V ⊂ R3 → R2
(u,v) (x,y,z) (ξ,η)

e pela regra da cadeia G ◦ F é diferenciável e pode ser escrita como

G ◦ F (u, v) = (ξ(x(u, v), y(u, v), z(u, v)), η(x(u, v), y(u, v), z(u, v))).

Então, ao calcular as derivadas parciais das funções componentes, como por exemplo,
da função ξ em relação a variável u, usando a regra da cadeia obtemos
     
∂ξ ∂ξ ∂x ∂ξ ∂y ∂ξ ∂z
= + + ,
∂u ∂x ∂u ∂y ∂u ∂z ∂u
e procedemos da mesma forma para calcular as derivadas parciais das outras funções
componentes.
Dessa maneira, pela proposição anterior ( d(G◦F )p = dGF (p) ◦dFp ), a matriz associada
à diferencial é equivalente ao produto das matrizes Jacobianas:
           

∂ξ ∂ξ
 ∂ξ ∂x ∂ξ ∂y ∂ξ ∂z ∂ξ ∂x ∂ξ ∂y ∂ξ ∂z
 ∂u ∂v   ∂x ∂u + ∂y ∂u + ∂z ∂u + +
∂x ∂v   ∂y ∂v   ∂z ∂v 
 ∂η ∂η  =  ∂η ∂x    
∂η ∂y
 
∂η ∂z
 
∂η ∂x ∂η ∂y ∂η ∂z 

+ + + +
∂u ∂v ∂x ∂u ∂y ∂u ∂z ∂u ∂x ∂v ∂y ∂v ∂z ∂v
∂x ∂x
 
∂ξ ∂ξ ∂ξ 
 
∂u ∂v 
 ∂x ∂y ∂z   ∂y ∂y 
=  ∂η ∂η ∂η    ∂u ∂v  .

 ∂z ∂z 
∂x ∂y ∂z
∂u ∂v

34
Assim, podemos notar que a expressão simples da regra da cadeia para aplicações
possui grande quantidade de informações a respeito das derivadas parciais das funções
coordenadas.

Esse exemplo também pode ser encontrado no livro Carmo [4].

Definição 11. Um conjunto U ⊂ Rn é conexo se dados dois pontos p, q ∈ U existe uma


aplicação contı́nua em α : [a, b] → U tal que α(a) = p e α(b) = q. Isso significa que dois
pontos de U podem ser ligados por uma curva contı́nua de U , ou que U é constituı́do por
apenas um “pedaço”.

Proposição 11. Sejam f : U ⊂ Rn → R uma função diferenciável definida em um


conjunto aberto e conexo U de Rn . Suponha que dFp : Rn → R é zero para todo p ∈ U .
Então f é constante em U .

Demonstração. Primeiro definimos p ∈ U e Bδ (p) ⊂ U uma bola aberta em torno de p e


que esteja contida em U . Então podemos ligar qualquer ponto q ∈ Bδ (p) por um segmento
“radial”dado por β : [0, 1] → U e descrita como β(t) = tq +(1−t)p, t ∈ [0, 1], ainda, como
U é um conjunto aberto podemos adicionar um acréscimo ε onde o segmento continua
contido em U assim β fica definido em (0 − ε, 1 + ε). Logo f ◦ β : (0 − ε, 1 + ε) → R é
uma função e está definida em um intervalo aberto, por conseguinte

d(f ◦ β)t = (df ◦ dβ)t = 0,

de acordo com a nossa hipótese df ≡ 0 então temos que

d
(f ◦ β) = 0, ∀t ∈ (0 − ε, 1 + ε),
dt

e daı́ podemos afirmar que f ◦ β = const.. Então f (β(0)) = f (p) = f (β(1)) = f (q). Isso
mostra que f é constante em Bδ (p).
Portanto, demonstramos que a proposição está correta localmente, ou seja, podemos
afirmar que na vizinhança de cada ponto p ∈ U , f é constante. Precisamos provar agora
que esta constante é a mesma para todo ponto de U , para isso, utilizaremos a conexidade
de U .

35
Supomos que existe um ponto arbitrário r ∈ U . Pela nossa hipótese, U é conexo e
podemos supor que existe uma curva α : [a, b] → U contı́nua e definiremos α(a) = p e
α(b) = r. Assim pela Proposição 3 a função f ◦α : [a, b] → R é contı́nua em [a, b]. Pelo que
mostramos até agora, para cada t ∈ [a, b], existe um intervalo It , aberto em [a, b], tal que
f ◦ α é constante em It . Ao aplicar a união desses intervalos temos ∪t It = [a, b]. Assim,
aplicando o Teorema de Heine-Borel (Propisição 6), podemos escolher um número finito
I1 , . . . , Ik de intervalos It tais que ∪i Ii = [a, b], i = 1, . . . , k. Desta maneira podemos
supor que dois intervalos consecutivos se intersectam, caso necessário renumerando os
intervalos. Decorre que f ◦ α é constante em [a, b], em outras palavras

f (α(a)) = f (p) = f (α(b)) = f (r).

Como supomos que r é arbitrário, podemos concluir que f é constante em todo seu
domı́nio U .

Por fim, falaremos de um dos teoremas mais impotantes do Cálculo Diferencial, de-
nominado como teorema da funação inversa. Vale lembrar também que uma aplicação
linear T é um isomorfismo se a matriz associada a T for invertı́vel.

Teorema 1 (Teorema da Função Inversa). Seja F : U ⊂ Rn → Rm uma aplicação


diferenciável e suponha que em p ∈ U a diferencial dFp : Rn → Rn é um isomorfismo.
Então existe uma vizinhança V de p em U e uma vizinhança W de F (p) em Rn tal que
F : V → W tem inversa diferenciável F −1 : W → V .

Novamente não iremos demonstrar esse teorema, pois não será o foco do nosso es-
tudo, no entanto pode ser visto geralmente em um curso de Análise Real, o leitor poderá
encontrar a demonstração em [5]

Definição 12. Sejam V e W conjuntos abertos. A aplicação F tal que F : V ⊂ Rn →


W ⊂ Rn é definida como difeomorfismo de V sobre W se F se é diferenciável e possui
uma inversa diferenciável.

Desta maneira o teorema da função inversa afirma que se no ponto p ∈ U tem uma
diferencial dFp isomorfa, então F é um difeomorfismo em uma vizinhança de p. Ou seja,
a afirmação da diferencial de F em um ponto do seu domı́nio implica em uma afirmação
similar sobre o comportamento da vizinhança da imagem desse ponto.

36
2 Curvas
Neste capı́tulo, é feita uma breve introdução à teoria das curvas parametrizadas. As
curvas no espaço R3 são caracterizadas como subconjuntos (que podem ser imaginados
unidimensionais), que permitem o desenvolvimento do Cálculo Diferencial. Desta ma-
neira, as curvas admitem, localmente, entidades geométricas como a curvatura e a torção.
Na Seção 2.1, é introduzido o que é uma curva regular diferenciável, elas também são
chamadas de funções vetoriais, trataremos principalmente dessas curvas no R3 . Caracte-
rizamos também o que é o vetor tangente, ou vetor velocidade da curva, e ainda nessa
seção mostraremos que o produto escalar e o produto vetorial aplicado à essas funções
são diferenciáveis e seguem à regra do pruduto para derivadas.
Na Seção 2.2 é definido o comprimento de arco de uma curva parametrizada dife-
renciável e regular, e ainda na Subseção 2.2.1 será dado a justificativa geométrica para
essa definição.
Para finalizar é tratado na Seção 2.3 da Teoria Local das Curvas Parametrizadas
Pelo Comprimento de Arco, aqui encontraremos o triedo de Frenet e os entes geométricos
mensionados acima, com eles surgem o Teorema Fundamental da Teoria Local das Curvas
que demonstraremos no final desse capı́tulo.

2.1 Curvas Parametrizadas

As curvas parametrizadas são definidas através de uma aplicação de um conjunto aberto


em R para o R3 , e para nosso estudo tomaremos as funções componentes da aplicação α
diferenciáveis, o que garante a continuidade e a regularidade da curva. Veja o Exemplo 5.
Em Cálculo uma função componente f : R → R é diferenciável se existir a sua derivada
em todos os pontos, aqui vamos considerar essa afirmação se f for infinitamente derivável,
ou seja, se pertencer a classe C ∞ .

Definição 13. Uma curva diferenciável parametrizada é uma aplicação diferenciável α :


I → R3 de um intervalo aberto I = (a, b) da reta real R em R3 .

O siginificado de aplicação diferenciável definida acima está na relação de α, que é


associado a cada t ∈ I (onde t é a variável que servirá de parâmetro da curva) em um

37
ponto α = (x(t), y(t), z(t)) ∈ R3 , de tal maneira que as funções de cada coordenada, ou
seja x(t), y(t) e z(t) são diferenciáveis. Também é importante mencionar que não serão
descartados os casos onde o domı́nio está definido em a = −∞, b = +∞. A imagem de
α(I) ∈ R3 é comumente chamada de traço da curva α.
Veja a seguir alguns exemplos de curvas parametrizadas no R2 e R3 :

Exemplo 10. Seja α1 : (−∞, ∞) → R2 dada por α1 (t) = (t3 , t2 ), é uma curva dife-
renciável parametrizada. Veja na Figura 8. De fato,

x = t3

y = t2

é infinitamente derivável, o que implica que ela pertence à classe C ∞ .

Figura 8: Traço de α1 .

Exemplo 11. Seja α : (0, 2π) → R2 dada por α2 (t) = (a cos t, b sin t). Essa curva
diferenciável parametrizada descreve uma elı́pse de equação
x2 y 2
+ 2 = 1.
a2 b
Veja na Figura 9.

Exemplo 12. A curva α3 : (−∞, ∞) → R2 dada por α3 (t) = (t, |t|) é uma curva
parametrizada porém essa curva não é difernciável no ponto (0, 0), pois não existe a
derivada para y = |t| = 0. Veja na Figura 10.

Exemplo 13. A curva α4 : (−∞, ∞) → R2 dada por α4 (t) = (t2 , t2 ) é uma curva
diferenciável parametrizada, note que essa curva possui o mesmo traço que a curva do
exemplo anterior, porém a função x = y = t2 é diferenciável. Veja na Figura 10.

38
Figura 9: Traço de α2 .

Figura 10: Traço de α3 e α4 .

Exemplo 14. A curva α5 : (−∞, ∞) → R3 dada por α5 (t) = (t, t, t), é uma curva
diferenciável parametrizada que descreve uma reta no R3 . Veja na Figura 11.

Figura 11: Traço de α5 .

Exemplo 15. Seja α6 : (0, ∞) → R3 dada por α6 (t) = (t cos t, t sin t, t), é uma curva
diferenciável parametrizada que descreve uma espiral no R3 . Veja na Figura 12.

Ao calcular as derivadas das funções x(t), y(t) e z(t) em um ponto t (denotando-as por
x0 (t), y 0 (t) e z 0 (t)), obtemos o vetor (x0 (t), y 0 (t), z 0 (t)) = α0 ∈ R3 que é denominado vetor
tangente (ou vetor velocidade) da curva α(t) em t.

39
Figura 12: Traço de α6 .

De fato, α0 é tangente à curva α, uma vez que suas funções coordenadas x(t), y(t) e
z(t) são diferenciáves, e podemos escrevê-las nas proximidades de um ponto t0 como

x(t) = x(t0 ) + a · (t − t0 ) + E(t),

y(t) = y(t0 ) + b · (t − t0 ) + E(t),

z(t) = z(t0 ) + c · (t − t0 ) + E(t).

A função E(t) é chamado de erro da aproximação linear, e é dado por

lim E(t) = 0.
t→t0

É fácil notar que a reta r(x(t0 ) + a(t − t0 ), y(t0 ) + b(t − t0 ), z(t0 ) + c(t − t0 )) é tangente
a α em t0 . Logo, o vetor diretor da reta (a, b, c) é tangente à curva, e da definição de
diferencial a = x0 (t), b = y 0 (t), c = z 0 (t). Portanto α0 é um vetor tangente a α.

Exemplo 16. A curva α7 : (−∞, ∞) → R3 dada por α7 (t) = (cos(t), sin(t), t), é uma
curva diferenciável parametrizada que descreve uma espiral no R3 , porém com o raio
constante. O vetor tangente de α7 é expresso por α70 (t) = (− sin(t), cos(t), 1), veja na
Figura 13 um exemplo do vetor tangente calculado em t0 .

Exemplo 17. A curva α8 : (0, 2π) → R2 dada por α8 (t) = (cos(t), sin(t)), é uma curva
diferenciável parametrizada que descreve uma circunferência no R2 . O vetor tangente
de α8 é expresso por α80 (t) = (− sin(t), cos(t)), veja na Figura 14 um exemplo do vetor
tangente calculado em t0 .

40
Figura 13: Traço de α7 e o vetor α70 (t0 ).

Figura 14: Traço de α8 e o vetor α80 (t0 ).

É importante ressaltar que para x0 (t) = y 0 (t) = z 0 (t) = 0 o vetor tangente à curva não
está bem definido. Para os pontos em que α0 (t) = (0, 0, 0) chamamos de ponto singular.
Veja que nos Exemplos 10 e 13, que para t = 0 tem-se α0 = (0, 0, 0), ou seja, essas curvas
possuem um ponto singular em t = 0.
Nas preliminares, definimos o produto interno e o produto vetorial de vetores no R3 .
Agora que definimos também as funções vetoriais, aplicando nelas o produto vetorial
obtemos novas funções. A proposição a seguir afirma que elas são diferenciáveis.

Proposição 12. Dado u(t) e v(t), t ∈ I curvas diferenciáveis, as seguintes funções são

41
diferenciáveis

F1 (t) = u(t) · v(t) : I → R,

F2 (t) = u(t) ∧ v(t) : I → R3 .

Também vale a seguinte regra do produto


d d d
(u(t) · v(t)) = u(t) · v(t) + u(t) · v(t),
dt dt dt
d d d
(u(t) ∧ v(t)) = u(t) ∧ v(t) + u(t) ∧ v(t).
dt dt dt
Demonstração. Já apresentamos as propriedades do produto interno e o produto vetorial.
Denotaremos agora, ambos por ∗. Note que eles compartilham das seguintes propriedades,
com u, v, w ∈ R3 e k ∈ R ( confira nas Preliminares, 1.1 Vetores):

1. (u + v) ∗ w = u ∗ w + v ∗ w;

2. u ∗ (v + w) = u ∗ v + u ∗ w;

3. (ku) ∗ v = k(u ∗ v) = u ∗ (kv).

Assim, pela definição de derivada, calcularemos o limite para ambas as funções F1 , F2


denotando-as por F :
F (t) − F (t0 ) u(t) ∗ v(t) − u(t0 ) ∗ v(t0 )
lim = lim .
t→t0 t − t0 t→t0 t − t0
Somando e subtraindo (u(t0 ) ∗ v(t)) e utilizando a Propriedade 3 obtemos
 
u(t) ∗ v(t) − u(t0 ) ∗ v(t) u(t0 ) ∗ v(t) − u(t0 ) ∗ v(t0 )
lim + .
t→t0 t − t0 t − t0
Pelas Propriedades 1 e 2,
 
(u(t) − u(t0 )) v(t) − v(t0 )
lim ∗ v(t) + u(t0 ) ∗ .
t→t0 t − t0 t − t0
Por fim, como o limite da soma é o mesmo que a soma dos limites, podemos escrever
d d
u(t) ∗ v(t) + u(t) ∗ v(t).
dt dt
Concluı́mos que as funções F1 e F2 são diferenciáveis e que de fato elas seguem a regra da
derivada do produto.

42
2.2 Comprimento de Arco

Conforme visto anteriormente, a curva α : I → R3 , para cada t ∈ I tal que α0 6= 0


admite uma reta tangente bem definida no ponto α(t). Desta maneira para desenvolver
o estudo da geometria diferencial será importante a existência da reta tangente em todos
os pontos da curva. Assim, onde α0 = 0 para um ponto t ∈ I é um ponto singular de α,
e levaremos em conta as curvas sem pontos singulares.

Definição 14. Uma curva diferenciável parametrizada α : I → R3 é chamada regular se


α0 (t) 6= 0 para todo t ∈ I.

Focaremos o nosso estudo nas curvas diferenciáveis parametrizadas regulares (por con-
veniência, será omitido a palavra diferenciável).

Definição 15. Seja t0 ∈ I. O comprimento de arco de uma curva parametrizada regular


α : I → R3 a partir do ponto t0 , é dado por
Z t
s(t) = |α0 (t)|dt,
t0

onde
p
|α0 (t)| = (x0 (t))2 + (y 0 (t))2 + (z 0 (t))2

é a norma do vetor α0 (t), com α0 (t) 6= 0.

O comprimento de arco s é uma função diferenciável de t e

ds
= |α0 (t)|.
dt

Em breve daremos uma justificativa geométrica para a definição acima. Caso o vetor
velocidade α0 (t) seja constante com comprimento igual a 1, isto é

ds
|α0 (t)| = 1 = ,
dt

o parâmetro t já mede o comprimento de arco a partir de um ponto t0 , ou seja.


Z t Z t
0
s(t) = |α (t)|dt = dt = t − t0 .
t0 t0

Então α é parametrizada pelo comprimento de arco.

43
Sempre podemos obter de uma curva qualquer α : I → R3 outra curva β : J → R3
parametrizada pelo comprimento de arco, cujo os traços são o mesmo. Com efeito, seja
Z t
s = s(t) = |α0 (t)|dt, t, t0 ∈ I.
t0

A função s = s(t) é sempre crescente, pois pela regularidade de α, ds/dt = |α0 (t)| 6= 0 e
|α0 (t)| > 0. Assim, s(t) tem uma inversa diferencável t = t(s), s ∈ s(I) = J que por abuso
de notação dizemos que a função t é a inversa s−1 da função s. Desta forma, podemos
fazer a composição β = α ◦ t : J → R3 . Assim, fica claro que β(J) = α(I), pois β(t)
descreve o mesmo conjunto de pontos de α, porém com uma “velocidade”t(s) e também
|β 0 (s)| = |α0 (t) · (dt/ds)| = 1, ou seja, β é parametrizada pelo comprimento de arco.
Geralmente, não é necessário mencionar a origem do comprimento de arco, uma vez
que a maioria dos conceitos são definidos apenas em termos das derivadas de α(s).
Também é importante ressaltar a mudança de orientação de uma curva α parametri-
zada pelo comprimento de arco, definida em s ∈ (a, b), basta considerar a curva β definida
em (−b, −a) por β(−s) = α(s), que possui o mesmo traço, mas é percorrida em sentido
oposto.

2.2.1 Justificativa Geométrica Para a Definição do Comprimento de Arco de


uma Curva Parametrizada Regular

Seja α : I → R3 uma curva diferenciável e seja [a, b] ⊂ I um intervalo fechado. Para toda
partição a = t0 < t1 < . . . < tn = b de [a, b], considere a soma
n
X
|(α(ti )) − α(ti−1 ))| = l(α, P ),
i=0

onde P designa a partição dada P = {t0 , · · · , tn }.


Geometricamente, l(α, P ) é o comprimento de arco de uma polı́gonal inscrita em
α([a, b]) com vértices em α(ti ), (ver Figura 15). Mostraremos que quando ti → ti−1 o
comprimento de arco do poligonal tende para o comprimento de arco da curva α. De

44
Figura 15: Poligonal inscrita na curva α.

fato,
n
X
l(α, P ) = |(α(ti )) − α(ti−1 ))|
i=0
n
X α(ti ) − α(ti−1 )
= (ti − ti−1 ).
i=0
ti − ti−1

Calculando o limite quando ti → ti−1 da somatória, obtemos


n
X α(ti )) − α(ti−1 )
lim (ti − ti−1 ).
ti →ti−1
i=0
t i − ti−1

Como ti − ti−1 = ∆ti e


α(ti ) − α(ti−1 )
lim = |α0 (t)|,
ti →ti−1 ti − ti−1
então,
n n Z t
X α(ti ) − α(ti−1 ) X
0
lim (ti − ti−1 ) = lim |α (t)|∆ti = |α0 (t)|dt
ti →ti−1
i=0
t i − ti−1 ti →ti−1
i=0 t0

2.3 Teoria Local das Curvas Parametrizadas Pelo Comprimento


de Arco

Enfim, a parte de maior relevância deste capı́tulo nesta seção será descrito os principais
resultados sobre curvas a serem utilizados nesse trabalho.
Partindo de uma curva α : I → R3 parametrizada pelo comprimento de arco s, o vetor
tangente é sempre unitário. Assim, ele pode ser descrito como α0 (s) = (cos(θ(s)), sin(θ(s)))

45
onde θ(s) é uma função diferenciável. Logo α00 (s) = θ0 (s)(− sin(θ(s)), cos(θ(s))), ou seja,
|α00 (s)| = θ0 (s) mede a taxa de variação que o ângulo das tangentes vizinhas faz com
a tangente em s, ou o quão rapidamente a curva se afasta em uma vizinhança de s da
tangente de s. Chamaremos por conveniência θ0 de κ. Assim, definimos.

Definição 16. Seja α : I → R3 Uma curva parametrizada pelo comprimento de arco


s ∈ I. O número |α00 (s)| = κ(s) chama-se curvatura de α em s. Veja a Figura 16.

Figura 16: Vetores α0 e α00

Note que ao mudar a orientação, o vetor tangente inverte o sentido, porém a curvatura
continua invariante, ou seja, se β(−s) = α(s), então

dβ dα
(−s) = − (s),
d(−s) ds

d2 β d2 α
(−s) = (s).
d(−s)2 ds2
Os pontos onde κ(s) 6= 0 estão bem definidos pela equação α00 (s) = κ(s)n(s), onde
n(s) = (− sin θ(s), cos θ(s)) é um vetor unitário (|n(s)| = 1), com a direção de α00 (s).
Podemos verificar que α00 é normal a α0 , derivando ambos membros da equação

α0 (s) · α0 (s) = 1

com relação a s. Assim,


d 0 d
(α (s) · α0 (s)) = (1) = 0. (3)
ds ds

46
Por outro lado, pela derivada do produto, temos

d 0
(α (s) · α0 (s)) = 2(α00 (s) · α0 (s)). (4)
ds

Logo, por (3) e (4) concluı́mos que

2(α00 (s) · α0 (s)) = 0 ⇔ α00 (s) · α0 (s) = 0.

Desta forma n(s) é normal a α0 (s) e é chamado de vetor normal em s. O plano formado
por α0 (s) e n(s) é chamado plano osculador em s. Certamente, nos casos onde κ(s) = 0
o vetor normal e consequentemente o plano osculador não estão definidos. Desta forma,
diremos que s ∈ I é um ponto singular de ordem 1 se α00 (s) = 0, (neste caso, quando
α0 (s) = 0, s é chamado de ponto singular de ordem 0).
Vamos nos restrigir às curvas parametrizadas pelo comprimento de arco de ordem
maior que 1, e também indicaremos t(s) = α0 (s). Assim, t0 (s) = κ(s)n(s).
Agora definimos o vetor b por b(s) = t(s) ∧ n(s). Assim, ele é unitário e perpendicular
ao plano osculador, e chamaremos de vetor binormal em s. Como b(s) é unitário, |b0 (s)|
mede a taxa de variação do ângulo que o plano osculador faz em relação aos seus vizinhos
em s. Veja na Figura 17.

Figura 17: Vetores t, n e b.

Vamos determinar b0 (s). Para isso, obervamos que por um lado, b0 (s) é normal a b(s)

47
pelo mesmo argumento que usamos para α0 e n(s), por outro lado,
d(t(s) ∧ n(s))
b0 (s) =
ds
= t (s) ∧ n(s) + t(s) ∧ n0 (s)
0

= t(s) ∧ n0 (s),

pois t0 (s) ∧ n(s) = 0 devido a t0 (s) = κ(s)n(s). Assim, b0 (s) é normal a t(s). Por
conseguinte, b0 (s) é paralelo a n(s) e podemos escrever

b0 (s) = τ (s)n(s),

onde τ : R → R é uma função que mede a taxa de variação do ângulo do plano osculador.
Observe que
(b0 )2 = |b0 |2 = |τ · n|2 = τ 2 .

Logo |b0 (s)| = τ (s).

Definição 17. Seja α : I → R3 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco s tal
que α00 (s) 6= 0, s ∈ I. O número τ (s) definido por b0 (s) = τ (s)n(s), é chamado de torção
de α em s.

Note que ao mudar a orientação, o vetor binormal mudará de sinal, pois

−t(−s) ∧ n(−s) = −b(−s).

Consequentemente b0 (s), e a torção, permanecem invariantes.


Vamos agora calcular n0 (s). É fácil notar que n = b ∧ t, pois eles são todos vetores
ortonormais. Assim,
d(b(s) ∧ t(s))
n0 (s) =
ds
= b (s) ∧ t(s) + b(s) ∧ t0 (s)
0

= (τ (s)n(s)) ∧ t(s) + b(s) ∧ (κ(s)n(s))

= τ (s)(n(s) ∧ t(s)) + κ(s)(b(s) ∧ n(s))

= −τ (s)b(s) − κ(s)t(s)

e encontramos novamente os entes geométricos curvatura e torção.

48
Resumindo, a cada valor do parâmetro s é possı́vel associar três vetores unitários e
ortogonais t(s), n(s), b(s). Esses vetores são denominadados Triedo de Frenet em s. Os
entes geométricos κ e τ são fornecidos pela base {t, n, b}, Isso informa o comportamento
de α nas vizinhanças de um ponto α(s0 ).
Agora frizamos o que os autores costumam chamar de fórmulas de Frenet (omitindo
o s por comodidade).

t0 = κn,

n0 = −τ b − κt,

b0 = τ n.

Além do plano osculador formado por tn, é comum chamar o plano tb de plano retifi-
cante e o plano nb de plano normal, também, quanto a reta que passa por n(s) é chamada
de normal principal e a que passa por b(s) de binormal. O inverso R = 1/κ da curvatura
é chamado raio da curvatura em s.
A proposição a seguir mostra alguns resultados quanto aos entes geomtétricos κ e τ .

Proposição 13. Seja α : I → R3 uma curva regular, (não necessariamente parametrizada


pelo comprimento de arco) e β : J → R3 uma reparametrização de α(I) pelo comprimento
de arco s = s(t), medido a partir de t0 ∈ I. Seja também t = t(s) a função inversa de s.
Então
dt 1
1. = 0 ;
ds |α |
d2 t (α0 · α00 )
2. = − ;
ds2 |α0 |4
3. A curvartura de α em t ∈ I é

|α0 ∧ α00 |
κ(t) = ;
|α0 |3

4. A torção de α em t ∈ I é

(α0 ∧ α00 ) · α000


τ (t) = − .
|α0 ∧ α00 |2

49
A demontração para as propriedades acima poderá ser encontrada no trabalho de
Coimbra [1].
Agora com os principais conceitos de curvas bem estabelecidos, nós podemos tratar
do teorema fundamental da teoria local das curvas.

Teorema 2. Teorema Fundamental da Teoria Local das Curvas. Dadas as


funções diferenciáveis κ(s) > 0 e τ (s), s ∈ I, existe uma curva parametrizada regular
α : I → R3 tal que s é o comprimento de arco, κ(s) é a curvatura e τ (s) é a torção de
α. Além disso, qualquer outra curva α̃, satisfazendo às mesmas condições, difere de α
por um movimento rı́gido; isto é, existe uma transformação linear ortogonal ρ de R3 , com
determinante positivo, e um vetor c tal que α̃ = ρ ◦ α + c.

Demonstração. Primeiramente consideraremos as equações de Frenet

dt
= κn,
ds
dn
= τ b − κt, (5)
ds
db
= τ n.
ds

Assim, podemos construir um sistema diferencial em I × R9 , da seguinte forma



dξ1
= f1 (s, ξ1 , . . . , ξ9 )


ds


..

. , s ∈ I,

dξ9 

= f9 (s, ξ1 , . . . , ξ9 ) 

ds
de tal maneira que

(ξ1 , ξ2 , ξ3 ) = t, (ξ4 , ξ5 , ξ6 ) = n, (ξ7 , ξ8 , ξ9 ) = b, fi , i = 1, . . . , 9,

são funções lineares (seus coeficientes são dependentes de s) das coordenadas ξi . Pre-
cisamos agora definir as condições iniciais. Assim, dados s0 ∈ I, (ξ1 )0 , . . . , (ξ9 )0 , existe
um intervalo aberto J ⊂ I que contém s0 além de uma aplicação única e diferenciável
α : J → R9 , com

α(s0 ) = ((ξ1 )0 , . . . , (ξ9 )0 ) e α0 (s) = (f1 , . . . , f9 ),

50
no qual cada fi , i = 1, . . . , 9, é calculado em (s, α(s)) ∈ J × R9 . Além disto, se o sistema
é linear, então J = I. Essa afirmação pode ser consultada em [6].
Logo, dado um triedo, ortonormal, orientado positivamente t0 , n0 , b0 em R3 e um
valor s0 ∈ I, com t(s0 ) = t0 , n(s0 ) = n0 , b(s0 ) = b0 . Precisamos mostrar que a famı́lia
t(s), n(s), b(s) obitida daquela maneira permanece ortogonal para todo s ∈ I. Faremos
isso da seguinte maneira, sejam os produtos internos

ht, ni, ht, bi, hn, bi, ht, ti, hn, ni, hb, bi,

onde pelo sistema (5), as derivadas dessas funções ficam

d
ht, ni = κhn, ni − κht, ti − τ ht, bi,
ds
d
ht, bi = κhn, bi + τ ht, ni,
ds
d
hn, bi = −κht, bi − τ hb, bi + τ hn, ni,
ds
d
ht, ti = 2κht, ni,
ds
d
hn, ni = −2κhn, ti − 2τ hn, bi,
ds
d
hb, bi = 2τ hb, ni.
ds

Pode-se verificar que para

ht, ni ≡ 0, ht, bi ≡ 0, hn, bi ≡ 0,

ht, ti ≡ 1, hn, ni ≡ 1, hb, bi ≡ 1,

é uma solução do sistema acima, então o sistema tem condições iniciais 0, 0, 0, 1, 1, 1. Logo
pela unicidade, fica provado que a famı́lia {t(s), n(s), b(s)} é ortonormal para todo s ∈ I
conforme afirmamos.
Assim, a partir de t(s), n(s), b(s) é possı́vel obter uma curva, basta fazer
Z Z Z Z 
α(s) = t(s)ds = ξ1 (s)ds, ξ2 (s)ds, ξ3 (s)ds , s ∈ I,

é evidente que α0 (s) = t(s) e também que α00 (s) = κ(s)n(s). Portanto, não há dúvidas
que κ(s) é a curvatura de α em s.

51
Além disto, para estabelecer a torção, vemos que

α000 (s) = κ0 n + κn0 = κ0 n − κ2 t − κτ b,

por conseguinte a torção de α será dada por

hα0 ∧ α00 , α000 i ht ∧ κn, −κ2 t + κ0 n − κτ bi


− = − = τ.
|κ|2 |κ|2

Portanto podemos afirmar que dadas as funções κ e τ , existe a curva α definida por
elas. Confira a Proposição 13.
Está provada a existência da curva α. Agora provaremos que essa curva é única a
menos de movimentos rı́gidos.
Os movimentos rı́gidos são a composição das tranformações A : R3 → R3 translação
por um vetor constante c ∈ R3 dada por A(p) = p + c, p ∈ R3 e a transformação linear
ρ : R3 → R3 ortogonal que é definida por ρu · ρv = u · v para u, v ∈ R3 vetores quaisquer,
ou seja,
M ◦ α = ρ ◦ α + c.

Primeiramente verificaremos que o comprimento de arco, a curvatura e a torção são


invariantes por movimentos rı́gidos. Seja uma curva α(t) : I → R3 uma curva parame-
trizada regular definida no intervalo I = [a, b] e seja M ◦ α um movimento rı́gido de α,
então
Z t

s1 = dt,
t dt
Z 0t
d(M ◦ α)
s2 = dt.
t0 dt

Notemos que
d(M ◦ α) d(ρ ◦ α + c) d(ρ ◦ α)
= = ,
dt dt dt
pois c é constante. Além disto, como ρ é uma transformação ortogonal, então
   
d(ρ ◦ α) dα
1. ρ ◦ α, = α, ;
dt dt
2. |ρ ◦ α| = |α|;
dα d(ρ ◦ α)
3. O ângulo θ entre α e é o mesmo para ρ ◦ α e .
dt dt

52
Essas são propriedades de uma transformação linear ortogonal, a demontração delas
podem ser encontradas no livro [2].
Pelo item 1 o produto de α com sua derivada é invariante pela tranformação ρ. Então
ao escrevermos
 
dα dα
α, = |α| · · cos(θ).
dt dt
 
d(ρ ◦ α) d(ρ ◦ α)
(ρ ◦ α), = |(ρ ◦ α)| · · cos(θ).
dt dt
Logo, que as equações acima são iguais pelo lado direito, e pelo item 3 o cos(θ) também
são iguais. Desta forma concluı́mos que
dα d(ρ ◦ α)
= ,
dt dt
ou seja a norma das derivadas também são invariantes pela tranformação linear. Esse
argumento pode ser estendido para a derivada de qualquer ordem de α desde que seja
uma curva regular conforme nós definimos. Portanto
Z t Z t Z t
dα d(ρ ◦ α) d(M ◦ α)
s1 = dt = dt = dt = s2 .
t0 dt t0 dt t0 dt
Assim, está provado que o comprimento de arco não varia por movimentos rı́gidos. Falta
mostrar que a curvatura e a torção também não variam.
Como a curvatura é definida por
d2 α
= κ(s),
ds2
então seja
d2 (M ◦ α)
= κ̃(s)
ds2
a curvatura de α após ser aplicado o movimento rı́gido. É fácil ver que
d2 (M ◦ α) d2 (ρ ◦ α) d2 α
κ̃(s) = = = = κ(s),
ds2 ds2 ds2
pois como já mencionado na demonstração anterior, as normas das derivadas de α são
invariantes por movimentos rı́gidos.
Por fim, a torção de α é dada por
hα0 ∧ α00 , α000 i
− = τ (s).
|κ2 |

53
Como dissemos anteriormente, podemos observar que o produto interno é invariante pela
transformação ortogonal, por conseguinte a torção também é invariante por movimento
rı́gido.
Agora que mostramos que M ◦ α preserva o comprimento de arco, a curvatura e a
torção provaremos a unicidade de α a menos de movimentos rı́gidos. Para isso, supomos
primeiramente que, dadas as curvas α(s) e α̃(s) satisfazem as condições κ(s) = κ̃(s) e
τ (s) = τ̃ (s), s ∈ I. Também, sejam t0 , n0 , b0 e t˜0 , n˜0 , b˜0 os triedos de Frenet em s = s0 ∈ I
de α e α̃ respectivamente. Sabemos que existe um movimento rı́gido que “leva”α̃(s0 ) em
α(s0 ) e t˜0 , n˜0 , b˜0 em t0 , n0 , b0 .
Assim, aplicando o movimento rı́gido sobre α̃, ficará α̃(s0 ) = α(s0 ) e os triedos de
Frenet t(s), n(s), b(s) e t̃(s), ñ(s), b̃(s) de α e α̃ satisfarão as equações de Frenet:

dt dt̃
= κn, = κñ,
ds ds
dn dñ
= τ b − κt, = τ b̃ − κt̃,
ds ds
db db̃
= τ n, = τ ñ,
ds ds

com t(s0 ) = t̃(s0 ), n(s0 ) = ñ(s0 ), b(s0 ) = b̃(s0 ).


Por conveniência e para termos uma função diferencável, trabalharemos com a função

1
{|t − t̃|2 + |n − ñ|2 + |b − b̃|2 }.
2

Pode-se observar que essa função calcula a metade do valor do quadrado da distância dos
vetores t(s), n(s), b(s) e t̃(s), ñ(s), b̃(s). Se optassemos por definir apenas a distância, essa
função não seria diferenciável em s0 .
Agora, usando as equações de Frenet, calcularemos a derivada da função definida
acima

1 d
{|t − t̃|2 + |n − ñ|2 + |b − b̃|2 } = ht − t̃, t0 − t̃0 i + hb − b̃, b0 − b̃0 i + hn − ñ, n0 − ñ0 i
2 ds
= κht − t̃, n − ñi + τ hb − b̃, n − ñi − κhn − ñ, t − t̃i

−τ hn − ñ, b − b̃i

= 0,

54
ou seja, a derivada é nula para todo s ∈ I. Por consequência, a função que definimos
acima é constante, e como é nula para s = s0 , é identicamente nula em todo o intervalo
I, ou seja t(s) = t̃(s), n(s) = ñ(s), b(s) = b̃(s) para todo s ∈ I. Como

dα dα̃
= t = t̃ = ,
ds ds
d
resulta que (α − α̃) = 0. Ocorre então que α(s) = α̃(s) + c, tal que c é um vetor
ds
constante. Mas como definimos que α(s0 ) = α̃(s0 ), logo temos que c = 0; Portanto,
α(s) = α̃(s) para s ∈ I. Concluı́mos assim a unicidade de α.

É importante ressaltar que essa demonstração pode ser extendida para qualquer curva
que esteja bem definida, sem necessariamente estar parametrizada por comprimento de
arco, uma vez que, conforme mencionamos na seção anterior, a curva poderá sempre ser
reparametrizada pelo comprimento de arco.
Uma última observação. Para o caso particular de uma curva plana α : I → R2 a
cuvatura κ possuı́ sinal, ou seja, partindo da base natural e1 , e2 de R2 e definindo o vetor
normal n(s), s ∈ I, tal que, as bases t(s), n(s) e e1 , e2 possuem a mesma orientação. Então
a curvatura ficará definida por
dt
= κn,
ds
que pode ser tanto positiva quanto negativa. Lembrando que |κ| ainda coincide com a
definição que demos anteriormente e que κ muda de sinal quando a orientação de α ou
a de R2 é mudada. Também pode-se Observar que no caso das curvas planas (τ ≡ 0) a
prova do teorema fundamental é mais simples.
A demonstração dessas últimas observações o leitor consultar consultar no trabalho
de Coimbra [1]

55
3 Superfı́cies
Neste capı́tulo dá-se o ı́nicio ao estudo das Superfı́cies Regulares. Será feita a definição
de três critérios, que ao contrário das curvas, vão além de uma aplicação, afim de caracteri-
zar quando um subconjunto de R3 pode ser dita uma superfı́cie regular. Essa regularidade
garante que em uma vizinhança de um ponto que pertença à superfı́cie se assemelhará ao
R2 , da mesma forma que quando ampliamos uma superfı́cie curva em um microscópio,
ela aparecerá com um plano.
Na Seção 3.1 é criado os critérios para obtermos uma superfı́cie regular e procede-se
com quatro proposições que nos auxiliam verificar se tal superfı́cie será de fato regular.
Um ponto da superfı́cie pode admitir mais de uma parametrização. Assim, na Seção 3.2
mostraremos que é possı́vel fazer uma mudança de parâmetros através de uma aplicação
que muda as coordenadas de uma parametrização para outra.
Desta maneira, mostraremos que uma superfı́cie independe da sua parametrização, e
na Seção 3.3 é determinado dois tipos de aplicações diferenciáveis definidas em superfı́ceis.
Já na Seção 3.4 mostrare-se que através da diferencial encontramos um plano tangente à
superfı́cie em um ponto p.
Será Trabalhado na Seção 3.5 a primeira forma fundamental e a partir dela poderemos
fazer cálculos geométricos, tais como medir áreas, comprimentos de curvas e ângulos nas
superfı́cies.
No final deste capı́tulo, é visto na Seção 3.6 de que forma podemos orientar uma
superfı́cie regular, e a relação com a Aplicação Normal de Gauss.

3.1 Superfı́cies Regulares

A ideia para definir uma superfı́cie regular está em tomar conjuntos abertos (“pedaços”)
do plano, deformá-los no R3 para colá-los entre si, com a possibilidade de se utilizar mais
de uma parametrisação, tendo o cuidado de não formar bicos, arestas e auto-interseções.
Assim teremos subconjuntos suaves no R3 , tal que essas superfı́cies admitem planos tan-
gentes e que possamos desenvolver a Geometria Diferencial.

Definição 18. Um subconjunto S ⊂ R3 é uma superfı́cie regular se, ∀ p ∈ S, ∃ uma

56
vizinhança V de p em R3 e uma aplicação X : U → V ∩ S de um aberto U de R2 sobre
V ∩ S ⊂ R3 tal que

1. X é diferenciável. Ou seja, se escrevemos

X(u, v) = (x(u, v), y(u, v), z(u, v)), (u, v) ∈ U,

as funções x(u, v), y(u, v), z(u, v) têm derivadas parciais contı́nuas de todas as or-
dens em U .

2. X é um homeomorfismo dos conjuntos U e V ∩S. Como X é contı́nua pela condição


1, isto significa que X tem inversa X−1 : V ∩ S → U contı́nua. Cujo X−1 é a
restrição de uma aplicação contı́nua e diferenciável ψ : W → R2 tal que V ∩ S ⊂
W ⊂ R3 .

3. Para todo q ∈ U , a diferencial dXq : R2 → R3 é injetiva.

Figura 18: Exemplo de superfı́cie regular.

Dizemos que X é a parametrização local ou sistema de coordenadas locais na vizinhança


V ∩ S de p, chamada de vizinhança coordenada.
Vamos analisar como as condições da Definição 18 descrevem o comportamento de uma
superfı́cie regular. A condição 1, de diferenciabilicade, é natural para o desenvolvimento
da geometria diferencial. A condição 2, de homeomorfismo, tem o intuito de excluir a

57
possibilidade de auto interseções de superfı́cies regulares por causa de sua injetividade.
Já a condição 3, da diferencial, exclui a existência de bicos em uma superfı́cie regular e
assim garante que há um plano tangente em todo os pontos de S.
Explicitaremos a condição 3 em uma forma mais clara. Para isso faremos o cálculo para
encontrar a matriz aplicação linear dXq na base canônica {e1 , e2 } de R2 para {f1 , f2 , f3 }
de R3 . Nas Prelininares, Seção 1.3, Definição 10 fizemos a definição da diferencial de
aplicações diferenciáveis.
Primeiramente tomamos q = (u0 , v0 ) e uma curva β(t) = (t, t0 ), onde u = t é variável
e v = t0 constante, essa curva é uma reta paralela ao eixo u e com vetor tangente e1 ,
denotaremos ela por u → (u, v0 ). Assim aplicando X à β teremos a curva

u → (x(u, v0 ), y(u, v0 ), z(u, v0 )).

A curva acima é chamada de curva coordenada v = v0 . É fácil notar que ela está
contida em S. Então, no ponto X(q) = p o vetor tangente será dado por
 
∂x ∂y ∂z ∂X
, , = .
∂u ∂u ∂u ∂u

Note que as derivadas são calculadas em q = (u0 , v0 ) e o resultado é um vetor representado


na base canônica {f1 , f2 , f3 }. Logo, pela definição de diferencial
 
∂x ∂y ∂z ∂X
dXq (e1 ) = , , = .
∂u ∂u ∂u ∂u

Para a curva coordenada v → (u0 , v) calculamos de forma análoga. Assim


 
∂x ∂y ∂z ∂X
dXq (e2 ) = , , = .
∂v ∂v ∂v ∂v

Por conseguinte, formamos a matriz da aplicação linear dXq

∂x ∂x
 
 ∂u ∂v 
 ∂y ∂y 
dXq =  ∂u ∂v 

 ∂z ∂z 
∂u ∂v
das bases consideradas de R2 para R3 .

58
Desta maneira é possı́vel ver que a condição 3 da Definição 18 é descrita por dXq e que
será injetiva se ambos os vetores colunas desta matriz forem linearmente independentes.
Podemos verificar isso calculando o produto vetorial ∂X/∂u ∧ ∂X/∂v 6= 0.
Ou ainda, para esta afirmação ser verdadeira basta apenas que um dos seguintes
determinantes Jacobianos das matrizes menores de posto 2

∂x ∂x
∂(x, y) ∂(y, z) ∂(x, z)
= ∂u
∂y
∂v
∂y , ∂(u, v) , ∂(u, v) ,
∂(u, v)
∂u ∂v
não seja igual a 0, quando calculada em q.

Exemplo 18. A esfera de raio unitário S 2 = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 + z 2 = 1} é uma


superfı́cie regular.
Incialmente mostraremos que X1 : U ⊂ R2 → R3 dada por
p
X1 (u, v) = (u, v, 1 − (u2 + v 2 )), U = {(u, v) ∈ R2 ; u2 + v 2 < 1}

é uma parametrização de S 2 . Note que a imagem de X1 (U ) é a parte superior aberta ao


plano xy de S 2 .
p
Como u2 + v 2 < 1, então as funções coordenadas x = u, y = v, z = 1 − (u2 + v 2 )
tem derivadas parciais de todas as ordens. Assim, a condição 1 é verificada.
É fácil observar que X1 leva um ponto (x, y) no plano (dentro da região x2 + y 2 < 1)
na “altura” z = 1 − (x2 + y 2 ) ⊂ S 2 . Assim, X−1
p
1 (x, y, z) = (x, y) e teremos u e v bem

definidos de maneira única por u = x e v = y. Logo X1 é bijetiva. X−1


1 é a projeção de

X1 (U ) em U , que é uma aplicação contı́nua. Portanto a condição 2 está verificada.


Para verificar a condição 3, é só verificarmos que o determinante Jacobiano da matriz
que é diferente de zero. A saber,
∂(u, v)
= 1.
∂(u, v)
Agora, parametrizaremos a parte inferior da superfı́cie por X2 : U ⊂ R2 → R3 dada
p
por X2 = (u, v, − 1 − (u2 + v 2 )), (u, v) ∈ U . Note que X1 ∪ X2 cobre S 2 a menos do
equador, ou seja {(x, y, z) ∈ R3 ; x2 + y 2 = 1 e z = 0}. Para cobrirmos toda superfı́cie

59
procedemos com as seguintes parametrizações:
p
X3 = (u, 1 − (v 2 + u2 ), v),
p
X4 = (u, − 1 − (v 2 + u2 ), v),
p
X5 = ( 1 − (v 2 + u2 , u, v),
p
X6 = (− 1 − (v 2 + u2 ), u, v).

Para X3 e X4 a superfı́cie é coberta a menos do plano xz, para X5 e X6 ela é coberta


a menos do plano yz, veja na Figura 19. Portanto S 2 é uma superfı́cie regular.

Figura 19: Esfera e as parametrizações Xi .

Nem sempre é fácil verificar se uma superfı́cie é regular, para isso há alguns resultados
que podem nos auxiliar.

Proposição 14. Se f : U → R é uma função diferenciável em um conjunto aberto U


de R3 , então o gráfico de f , isto é, o subconjunto de R3 dado por (x, y, f (x, y)) para
(x, y) ∈ U , é uma superfı́cie regular.

Demonstração. Para fazermos essa demonstração, precisamos verificar se a aplicação X :


U → R3 , que será definida por

X(u, v) = (u, v, f (u, v)),

cumpre os três critérios da Definição 18.

60
Note que X é uma vizinhança coordenada que cobre todo o gráfico. Como X é dife-
renciável, pois suas funções componentes

x(u, v) = u, y(u, v) = v, z(u, v) = f (u, v)

são todas diferenciáveis. Logo a condição 1 é verificada.


Para verificarmos a condição 2, veja que cada ponto (x, y, z) do gráfico é imagem única
de um ponto (u, v) = (x, y) ∈ U por X. Logo X é bijetiva, e ainda, como X−1 é a restrição
do gráfico de f em R3 sobre o plano xy, que é contı́nua, por consequinte X−1 é contı́nua.
Por fim, para verificar a condição 3, basta calcular

∂x ∂x
∂(x, y) 1 0
= ∂u
∂y
∂v
∂y = =1
∂(u, v) 0 1
∂u ∂v
Portanto, concluı́mos que o gráfico de f (x, y) é uma superfı́cie regular.

Essa proposição nos garante que qualquer função bem definida em um conjunto aberto
f : U → R e diferenciável é uma superfı́cie regular.
Daremos uma definição da regularidade de uma superfı́cie (excluindo os pontos crı́ticos),
antes de prosseguiremos com a Proposição 15.

Definição 19. Dada uma aplicação diferenciável F : U ⊂ Rn → Rm definida em um


conjunto aberto U de Rn , dizemos que p ∈ U é um ponto crı́tico de F se a diferencial
dFp : Rn → Rm não é uma aplicação sobrejetiva. A imagem F (p) ∈ Rm de um ponto
crı́tico é chamado um valor crı́tico de F . Um ponto de Rm que não é um valor crı́tico é
chamado de valor regular de F .

Proposição 15. Se f : U ⊂ R3 → R é uma função diferenciável e a ∈ f (U ) é um valor


regular de f , então f −1 (a) é uma superfı́cie regular em R3 .

Demonstração. Primeiramente definiremos uma aplicação

F : U ⊂ R3 → R3

(x, y, z) 7−→ F (x, y, z) = (x, y, f (x, y, z))

61
e consideraremos p = (x0 , y0 , z0 ) um ponto de f −1 (a), pela nossa hipótese, a é um valor
regular, assim ao menos umas das derivadas pariciais de f são diferentes de 0. Sem perda
de generalidade, supomos que fz 6= 0 no ponto p.
Um ponto no espaço onde está a imagem de F será indicado pelas coordenadas (u, v, t).
Agora calculamos o determinante Jacobiano da diferencial de F em p,

1 0 0
det(dFp ) = 0 1 0 = fz
fx fy fz

e conforme supomos, fz 6= 0.
Agora aplicamos o teorema da função inversa, confira as Preliminares, Seção 1.3, que
nos garante a existência de conjuntos abertos tal que W1 ⊆ V que contém p e W2 ⊆ F (V )
que contém F (p), de tal forma que F : W1 → W2 é inversı́vel e F −1 : W2 → W1 é
diferenciável. Logo as funções coordenadas de F −1 são diferenciáveis, essas funções são
dadas por x(u, v, t), y(u, v, t) e z(u, v, t). E assim

(u, v, t) = F ◦ F −1 (u, v, t) = F (x(u, v, t), y(u, v, t), z(u, v, t)) = (x, y, f (x, y, z)),

verificamos que x(u, v, t) = u, y(u, v, t) = v, em particular z(u, v, t) é diferenciável, veja


na Figura 20. Então podemos dizer que há uma função h(x, y) definida da projeção de
W1 com o plano xy dada por
h(x, y) = z(u, v, a)

também é uma função diferenciável.


E como já sabemos, pela Proposição 14, o gráfico de h é uma superfı́cie regular. Note
que a imagem de h é f −1 ∩ W1 é uma vizinhança coordenada de p. Por conseguinte, como
p ∈ f −1 é arbitrário, concluı́mos então que f −1 (a) é uma superfı́cie regular.

Exemplo 19. Seja a superfı́cie gerada pela rotação de um cı́rculo S 1 e raio r em torno
de um eixo a uma distância a > r do centro do cı́rculo, formando uma figura que se
assemelha com uma rosquinha (veja na Figura 21). Essa superfı́cie é denominada Toro,
ou Toróide.

62
Figura 20: F aplicada na superfı́cie f −1 (a) ∩ V é levada ao plano t = a.

Tomando o cı́rculo S 1 contido no plano xz, cujo o centro está em (0, a, 0), o lugar
geométrico de S 1 é dado por (y − a)2 + z 2 = r2 . Assim, o conjunto de pontos que descreve
o Toro ao longo da rotação de S 1 em torno do eixo Oz é dada pela equação:
p
z 2 = r2 − ( x2 + y 2 − a)2 .

Defina a função
p
f (x, y, z) = z 2 + ( x2 + y 2 − a)2 .

Assim, f (x, y, z) é a imagem inversa de r2 , ou seja f (x, y, z) = r2 .


Calculando as derivadas parciais de f teremos:
p
∂f 2x( x2 + y 2 − a)
= p ,
∂x x2 + y 2
p
∂f 2y( x2 + y 2 − a)
= p ,
∂y x2 + y 2
∂f
= 2z.
∂z

Desta maneira é fácil ver que f é diferenciável para (x, y) 6= (0, 0), logo r2 é um valor
regular de f . Segue pela Proposição 15 que o Toro é uma superfı́cie regular.

A proposição seguinte é localmente uma recı́proca da Proposição 14. Ela também


serve como uma ferramenta para mostrar quando uma superfı́cie não é regular.

63
Figura 21: Toro.

Proposição 16. Seja S ⊂ R3 uma superfı́cie regular e p ∈ S. Então existe uma vizi-
nhança V de p em S tal que V é o gráfico de uma função diferenciável que tem umas das
seguintes formas: x = f (y, z), y = g(x, z), z = h(x, y).

Demonstração. Supomos então que existe uma superfı́cie regular S e uma parametrição
X : U ⊂ R2 → R3 dada por X = (x(u, v), y(u, v), z(u, v)) em um vizinhança de p ∈ S,
e também definimos q = X−1 (p). Assim pela condição 3 da Definição 18, pelo menos um
dos determinantes Jacobianos

∂(x, y) ∂(y, z) ∂(x, z)


, , ,
∂(u, v) ∂(u, v) ∂(u, v)

não se anulará no ponto X−1 (p) = q. Sem perda de generalidade, provaremos para o caso
∂(x,y)
em que ∂(u,v)
6= 0. Consideraremos também a aplicação π ◦ X : U → R2 , onde π será a
projeção π(x, y, z) = (x, y) no plano. Logo a composição é descrita da forma

π ◦ X(u, v) = π(x(u, v), y(u, v), z(u, v)) = (x(u, v), y(u, v)).

Desta maneira, como ∂(x, y)/∂(u, v) 6= 0, aplicamos o teorema da função inversa, que
nos garante a existência das vizinhanças V1 ⊂ U de q e V2 ⊂ π ◦ X(U ) de π ◦ X(q), de tal
forma que a aplicação π ◦ X é um difeormorfismo entre as vizinhanças V1 e V2 . Ou seja,

(π ◦ X)−1 : V1 → V2

(x, y) → (u(x, y), v(x, y))

64
é diferenciável (veja a Figura 22). Agora observe que

X ◦ (π ◦ X)−1 (x, y) = X(u(x, y), v(x, y))

= (x(u(x, y), v(x, y)), y(u(x, y), v(x, y)), z(u(x, y), v(x, y))).

No entanto,

(π ◦ X) ◦ (π ◦ X)−1 (x, y) = (x, y)

= (x(u(x, y), v(x, y)), y(u(x, y), v(x, y))),

e por conseguinte, x = x(u(x, y), v(x, y)) e y = y(u(x, y), v(x, y))). Desta maneira,

X ◦ (π ◦ X)−1 (x, y) = X(u(x, y), v(x, y))

= (x, y, z(u(x, y), v(x, y))),

Então, seja V = X(V1 ). Temos,

X ◦ (π ◦ X)−1 : V2 → V

(x, y) → (x, y, z(x, y)),

e concluı́mos que V é localmente um gráfico z(x, y) . Para demonstrar os outros casos,


basta considerar as projeções π nos eixos (x, z) e (y, z) que nos fornecerá os gráficos x(y, z)
e y(x, z).

p
Exemplo 20. Seja o cone de uma folha C dado por z = + x2 + y 2 com (x, y) ∈ R2 ,
provaremos que não é uma superfı́cie regular.
p
Note que a parametrização X = (x, y, x2 + y 2 ) não é diferenciável no ponto (0, 0, 0),
porém, não é possı́vel afirmar que a superfı́cie é irregular partindo desse argumento, pois
pode haver outras parametrizações x = g(y, z), y = h(x, z) que sejam diferenciáveis. No
entanto, isso não ocorre nas vizinhança próximas ao (0, 0, 0), porque as projeções de g e
h no plano yz e xz não são injetivas, respectivamente. E qualquer outra função z teria
p
que coincidir com z(x, y) = + x2 + y 2 em uma vizinhança da origem. Entretanto é
impossı́vel, pois z não é diferenciável.

65
Figura 22: A aplicação π projeta os pontos (x, y, z) ∈ S ⊂ R3 no R2 .

Quando se tem conhecimento que uma superfı́cie é regular, um candidato a parame-


trização X por exemplo, não será necessário a verificação do segundo critério da Definição
18 caso ela já cumpre os critérios 1 e 3. A seguinte proposição nos garantirá essa afirmação.

Proposição 17. Seja p ∈ S um ponto de uma superfı́cie regular S e seja X : U ⊂


R2 → R3 uma aplicação com p ∈ X(U ) tal que as condições 1 e 3 da Definição 18 sejam
satisfeitas. Suponha que X seja bijetiva. Então X−1 é contı́nua.

Demonstração. Seja X(u, v) = (x(u, v), y(u, v), z(u, v)), (u, v) ∈ U e q ∈ U um ponto
arbitrário. Temos que ∂(x, y)/∂(u, v) 6= 0, pois a aplicação que nós definimos satisfaz as
condições 1 e 3 da Definição 18. Consideraremos também a projeção π : R3 → R2 tal que
π(x, y, z) = (x, y). Desta maneira, pelo teorema da função inversa, existem vizinhanças
V1 de q em U e V2 de π ◦ X(q) em R2 tal que π ◦ X é uma aplicação difeomórfica entre V1
e V2 .
Suponha agora que X é bijetiva. Então,

X−1 = (π ◦ X)−1 ◦ π.

Portanto X−1 é a composição de aplicações contı́nuas. Logo será contı́nua no ponto


q, que é arbitrário (confira as Preliminares, Seção 1.2). Logo X−1 é contı́nua.

Exemplo 21. Seja a esfera S 2 dada no Exemplo 19. Podemos parametrizá-la também

66
por X : U → R2
X = (sin(u) cos(v), sin(u) sin(v), cos(u)),

com U = {(u, v) ∈ R2 : 0 < u < π, 0 < v < 2π}. É comum dizer que a esfera está
parametrizada por coordenadas geográficas, ou coordenadas esféricas, onde v é a latitude
e u a colatitude. Para mostrar que X de fato é uma parametrização pra S 2 verificamos
primeiramente que x = sin(u) cos(v), y = sin(u) cos(v), z = cos(u) são diferenciáveis,
satisfazendo a condição 1 da Definição 18. Verificando agora a condição 3 calculamos os
determinantes:

∂(x, y) cos(u) cos(v) − sin(u) sin(v)


= = cos(u) sin(u)
∂(u, v) cos(u) sin(v) sin(u) cos(v)

∂(y, z) cos(u) sin(v) sin(u) cos(v)


= = sin2 (u) cos(v)
∂(u, v) − sin(u) 0

∂(x, z) cos(u) cos(v) − sin(u) sin(v)


= = − sin2 (u) sin(v)
∂(u, v) − sin(u) 0

que só se anulará quando a seguinte soma dos quadrados for zero:

cos2 (u) sin2 (u) + sin4 (u) cos2 (v) + sin4 (u) sin2 (v) = sin2 (u) = 0,

e como 0 < u < π isso nunca ocorre. Por conseguinte a condição 3 está satisfeita.
Por fim, analisaremos a condição 2, tomando o conjunto S 2 − C tal que

C = {(x, y, z) ∈ S 2 ; y = 0, x > 0},

é o semicı́rculo contido no plano xz, u = cos−1 (z) é determinado de maneira única, já que
está definido em 0 < u < π. Logo, dado u determinamos v de maneira única a partir de
x = sin(u) cos(v), y = sin(u) sin(v). Desta maneira X tem uma inversa X−1 , a verificação
da continuidade de X−1 não é necessária pela Proposição 17.
Vimos que a parametrização X cobre S 2 a menos do semicı́rculo C. Podemos cobri-lá
por mais duas prametrizações desse tipo.

67
3.2 Mudança de Parâmetros

No que diz a Definição 18, uma vizinhança de um ponto p ∈ S está coberto por uma
parametrização X homeomórfica, no entanto nem sempre essa parametrização é única,
tendo a necessidade de outras parametrizações que possam cobrir toda a superfı́cie, e
ainda que esse ponto p poderá pertencer ou não à essas outras parametrizações.
No estudo da Geometria Diferencial, é importante entender como essas parametrizações
se relacionam, por exemplo, seja duas vizinhanças coordenadas de p, parametrizadas por
(u, v) e (ũ, ṽ) respectivamente, será possı́vel passar de uma para a outra garantindo a
generalidade das parametrizações quanto ao comportamento de uma dada superfı́cie. E
assim, no decorrer do capı́tulo, poderemos apresentar conceitos que não dependam do
sistemas de coordenadas escolhido.

Proposição 18 (Mudança de parâmetros). Seja p um ponto de uma superfı́cie regular


S, e sejam X : U ⊂ R2 → S e Y : V ⊂ R2 → S duas parametrizações de S, tais que
p ∈ X(U ) ∩ Y(V ) = W . Então a Mudança de coordenadas h = X−1 ◦ Y : Y−1 (W ) →
X−1 (W ) é um difeormorfismo; isto é, h é diferenciável e tem uma inversa diferenciável
h−1 , veja na Figura 23.

Demonstração. Dadas as parametrizações

X(u, v) = (x(u, v), y(u, v), z(u, v)), (u, v) ∈ U,

Y(ũ, ṽ) = (x(ũ, ṽ), y(ũ, ṽ), z(ũ, ṽ)), (ũ, ṽ) ∈ V,

e a mudança de coordenada h = X−1 ◦ Y dada por

u = u(ũ, ṽ), v = v(ũ, ṽ), (ũ, ṽ) ∈ Y−1 (W ),

provaremos que h é diferenciável.


Primeiramente, seja r ∈ Y−1 (W ) e definindo q = h(r). Como X(u, v) = (x(u, v), y(u, v), z(u, v))
∂(x,y)
é uma parametrização, podemos supor, renomeando os eixos caso necessário, que ∂(u,v)
(q) 6=
0.
Estendemos X a uma aplicação F : U × R → R3 definida por

F (u, v, t) = (x(u, v), y(u, v), z(u, v) + t),

68
com (u, v) ∈ U e t ∈ R. Assim, F leva um cilindro vertical C sobre U em um “cilin-
dro”vertical sobre X(U ), Figura 23. De tal forma que a restrição F |U ×0 = F (u, v, 0) =
X(u, v).
Calculando o determinante da diferencial dFp , teremos
∂x ∂x
0
∂u ∂v
∂y ∂y ∂x ∂y ∂x ∂y ∂(x, y)
0 = − = .
∂u ∂v ∂u ∂v ∂v ∂u ∂(u, v)
∂z ∂z
1
∂u ∂v
em particular, se q = (q, 0) ∈ U × R então
∂(x, y)
6= 0
∂(u, v)
Pelo teorema da função inversa existe uma vizinhança M1 de q = (q, 0) ∈ U × R e M2
de F (q) = X(q) em R3 , tal que F −1 : M2 → M1 existe e é diferenciável em M2 .
Provaremos agora que h é diferenciável em r. Pela continuidade de Y, existe uma
vizinhança N de r em V tal que Y(N ) ⊆ M2 , veja nas Preliminares, Proposição 4. Note
que h = F −1 ◦ Y quando restrita a N ou seja F −1 ◦ Y | N é a composição de aplicações
diferenciáveis. Por conseguinte, concluı́mos que h é diferenciável em r. E como escolhemos
r de maneira abitrária, h será diferenciável em Y−1 (W ).
Ainda pelo mesmo argumento, pode-se mostrar que h−1 também é diferenciável, assim
h é um difeomorfismo.

Exemplo 22. Dada a esfera unitária S 2 , vimos duas maneiras de parametrizá-la, uma
pelas coordenadas esféricas (θ, ϕ), talque θ é a latitude e ϕ a colatitude. Assim X : U ⊂
R2 → R3 , fica
X(θ, ϕ) = (sin(θ) cos(ϕ), sin(θ) sin(ϕ), cos(θ)),

onde U = {(θ, ϕ) ∈ R2 ; 0 < θ < π e 0 < ϕ < 2π}.


Outra maneira de parametrizar S 2 é através da aplicação Y : V ⊂ R2 → R3 dada por
p
Y(u, v) = (u, 1 − (u2 + v 2 ), v).

Desta forma Y parametriza S 2 em y > 0, e o conjunto V = {(u, v) ∈ R2 ; u2 + v 2 < 1} é


um cı́rculo aberto no plano xz.

69
Figura 23: A aplicação h é dada pela composição h = X−1 ◦ Y.

Vamos considerar a parte da esfera onde y > 0, então as inversas X−1 e Y−1 ficam
 
−1 x
X (x, y, z) = (arccos(z), arctan ),
y
Y−1 (x, y, z) = (x, z).

Logo a mudança de parâmetro h será dada por


!
u
h = X−1 ◦ Y = X−1 (Y(u, v)) = (arccos(v), arctan p ),
1 − (u2 + v 2 )
h−1 = Y−1 ◦ X = Y−1 (X(θ, ϕ)) = (sin(θ) cos(ϕ), cos(θ)),

que são diferenciáveis.

3.3 Funções Diferenciáveis Definidas em Superfı́cies

Agora será tratado de dois tipos de aplicações diferenciáveis, ao qual estão definidas
em superfı́cies como f : V ⊂ S → R, onde V é um conjunto aberto de uma superfı́cie
regular que assume por f valores em R. E também ϕ : V ⊂ S1 → S2 , que parte de um
conjunto aberto contido em uma superfı́cie regular para outro conjunto contido noutra
superfı́cie que também é regular.

70
Além disso, será mostrado que, conforme a proposição da subseção anterior, essas
aplicações não dependem do conjunto U ⊂ R2 onde essas superfı́cies estão definidas.
Provaremos esse fato no final dessa subseção.

Definição 20. Seja f : V ⊂ S → R uma função, definida em um subconjunto aberto


V de uma superfı́cie regular S. Então f é diferenciável em p ∈ V se, para alguma
parametrização X : U ⊂ R2 → S, com p ∈ X(U ) ⊂ V , a composição f ◦ X : U ⊂ R2 → R
é diferenciável em X−1 (p). A função f é diferenciável em V se é diferenciável em todos
os pontos de V .

Figura 24: Aplicação f ◦ X é diferenciável em X−1 (p).

Exemplo 23. Seja p0 = (x0 , y0 , z0 ) um ponto qualquer de R3 , o quadrado da distância


desse ponto a outro p = (x, y, z) é dada pela função

d2 = (x − x0 )2 + (y − y0 )2 + (z − z0 )2 ,

consideraremos essa função pois d = |p − p0 | não é diferenciávem em p = p0 .


Desta maneira, seja a superfı́cie parabolóide hiperbólico definido por X(u, v) = (u, v, u2 −
v 2 ). Então

d2 ◦ X(u, v) = u2 + v 2 + (u2 − v 2 )2 = u4 + v 4 − 2(uv)2 + u2 + v 2 .

Logo d2 ◦ X será diferenciável para (u, v) qualquer, em particular será diferenciável em


p pertencente a superfı́cie.

71
Definição 21. Seja uma aplicação contı́nua ϕ : V1 ⊂ S1 → S2 de um conjunto aberto V1
de uma superfı́cie regular S1 em uma superfı́cie regular S2 , é diferencável em p ∈ V1 se,
dadas parametrizações

X1 : U1 ⊂ R2 → S1 , X2 : U2 ⊂ R2 → S2 ,

com p ∈ X1 (U1 ) e ϕ(X1 (U1 )) ⊂ X2 (U2 ) a aplicação

X−1
2 ◦ ϕ ◦ X1 : U1 → U2

é diferenciável em q = X−1
1 (p). A função ϕ será diferenciável em V1 se for diferenciável

em todos os pontos de V1 .

Afirmar que ϕ é diferenciável será equivalente a afirmação de que φ = X−1


2 ◦ ϕ ◦ X1 é

uma aplicação diferenciável em X−1


1 (V1 ). Veja a Figura 25.

Figura 25: Aplicação X1 ◦ ϕ ◦ X−1


2 .

Exemplo 24. Dada a esfera unitária x2 + y 2 + z 2 = 1 paramerizada por

X1 (θ, ϕ) = (sin(θ) cos(ϕ), sin(θ) sin(ϕ), cos(θ)),

onde U1 = {(θ, ϕ) ∈ R2 : 0 < θ < π e 0 < ϕ < 2π}.

72
Seja também a aplicação φ : R3 → R3 dada por φ(x, y, z) = (ax, by, cz), tal que a, b, c
são números reais quaisquer diferentes de 0. Desta maneira os pontos de S 2 são levados
no elipsóide
x2 y 2 z 2
+ 2 + 2 = 1,
a2 b c
que é uma superfı́cie regular, e pode ser parametrizada por

X2 (θ, ϕ) = (a sin(θ) cos(ϕ), b sin(θ) sin(ϕ), c cos(θ))

e U2 ≡ U1
Logo, a composição φ̃(θ, ϕ) = X−1 −1
2 ◦ φ ◦ X1 (θ, ϕ) = X2 ◦ X2 = (θ, ϕ), é uma aplicação

diferenciável.

Seja V ⊂ R3 um conjunto aberto, no geral uma aplicação diferenciável ϕ : V → R3


restrita a uma superfı́cie regular S1 que aplicará ela à S2 também regular, tal que S1 ⊂ V
e ϕ(S1 ) ⊂ S2 , logo ϕ|S1 : S1 → S2 será uma aplicação diferenciável.
Uma vez que X1 : U1 → S1 e X2 : U2 → S2 e ϕ(S1 ) ⊂ S2 , um ponto p ∈ X(U1 ) será
aplicado por ϕ (descrito acima) à superfı́cie S2 de forma diferenciável, pois

X−1
2 ◦ ϕ ◦ X1

é uma composição diferenicável.

Proposição 19. A definição de diferenciabilidade das aplicações de uma superfı́cie regular


para R e entre superfı́cies regulares independe da escolha da parametrização.

Demonstração. Para a demonstração dessa proposição, precisamos apenas mostrar que


a troca de parametrizações é contı́nua e diferenciável, pois podem ser escritas como a
composição de aplicações diferenciáveis, assim segue.
Provaremos inicialmente a segunda afirmação, então sejam S1 , S2 superfı́cies regulares
e ϕ : S1 → S2 uma aplicação diferenciável em um ponto p de S1 de acordo com as
parametrizações X1 de S1 e X2 de S2 .
Suponha que Y1 , Y2 sejam outras parametrizações de S1 , S2 respectivamente. Vamos
mostrar que, de acordo com estas parametrizações, ϕ também é diferenciável em p.

73
De fato, observe que Y−1 −1 −1 −1 −1
2 ◦ ϕ ◦ X2 = Y2 ◦ Y1 ◦ Y1 ◦ ϕ ◦ X1 ◦ X1 ◦ X2 = h2 ◦ Y1 ◦

ϕ ◦ X1 ◦ h1−1 .
−1
Como h−1
1 , h2 e Y1 ◦ ϕ ◦ X1 são diferenciáveis, sua composição também o é. Logo

Y−1
1 ◦ ϕ ◦ X1 é diferenciável em p com relação às parametrizações X2 e Y2 .

No caso das aplicações de uma superfı́cie regular para R, é análogo, basta ver que
para duas aplicações X1 e X2 , sendo h = X−1
1 ◦ X2 , então f ◦ X2 = f ◦ X1 ◦ h, que é a

composição de aplicações diferenciáveis. Portando também está provado para o primeiro


caso.

Vale ressaltar que, se tratando de diferenciabilidade, dizer que duas superfı́cies são
equivalentes ou difeomorfas se existir uma aplicação ϕ que aplique uma superfı́cie a outra
e tem uma inversa ϕ−1 diferenciável.

Exemplo 25. Se consideramos a parametrização X1 : U ⊂ R2 → S de uma superfı́cie


regular, então X−1 2
1 : X1 (U ) → R é direferenciável. Além disso, em qualquer p ∈ X1 (U )

e outra parametrização X2 : V ⊂ R2 → S em p, a composição X−1 −1


1 ◦ X2 : X2 (W ) →

X−1
1 (W ) sendo W a interseção de U e V é diferenciável. Assim com esse exemplo, podemos

ver que qualquer superfı́cie regular é, localmente, difeomorfa a um subconjunto aberto do
plano.

3.4 Plano Tangente e Diferencial de uma Aplicação

Foi visto que a condição 3 da Definição 18 é satisfeita quando dois vetores tangentes
em um ponto da superfı́cie (dados através da diferencial) são linearmente independen-
tes, veremos nesse capı́tulo, que essa condição gera um plano tangente a cada ponto da
superfı́cie.
Relembrando que, conforme nós definido a diferencial nas Preliminares Capı́tulo 1 e
também como tratamos nas curvas Capı́tulo 2, um vetor tangente à uma superfı́cie em
um ponto p, é dado por α0 (0) onde α : (−ε, ε) → S e que α(0) = p.

Proposição 20. Seja X : U ⊂ R2 → S uma parametrização de uma superfı́cie regular S


e seja q ∈ U . O subespaço vetorial de dimenção 2,

dXq (R2 ) ⊂ R3 ,

74
coincide com o conjunto de vetores tangentes a S em X(q).

Demonstração. Inicialmente, iremos mostrar que w = α0 (0) pertence à aplicação linear


dXq (R2 ).
Consideramos então uma superfı́cie regular, parametrizada por X : U ⊂ R2 → S e
um vetor w tangente a X(q), onde w = α0 (0) e α : (−ε, ε) → X(U ) ⊂ S é diferenciável,
também α(0) = X(q). De acordo com o que vimos no Exemplo 25 na seção anterior, U e
X(U ) são difeomorfos, assim, a curva plana β dada pela composição

β = X−1 ◦ α : (−ε, ε) → U

será, também diferenciável. Conforme supomos, temos que β(0) = q, desta maneira,
seja β 0 (0) = u e aplicando a diferencial (confira em Preliminares, Definição 4), teremos
dXq (u) = w. Por conseguinte w ∈ dXq (R2 ) e a primeira parte está provada.
Agora, por outro lado, seja dXq (v) = w, sabendo que v ∈ R2 , existe um curva γ :
(−ε, ε) → U definida por
γ(t) = tv + q, t ∈ (−ε, ε).

Fica evidente que v é o vetor velocidade dessa curva.


Aplicando X à curva γ temos α = X ◦ γ, e desta forma

α(0) = X ◦ γ(0)
d(X ◦ γ)
⇒ α0 (0) = (0) = dXγ(0) γ 0 (0)
dt
0
α (0) = dXq (v) = w

Portanto w é um vetor tangente.

Denotamos o plano tangente citado acima por Tp S, ou seja dado um ponto p ∈ S e uma
parametrização X(q) = p, a transformação linear dXq (R2 ) constitui esse plano. Porém,
de acordo com a proposição anterior, o plano tangente não depende dessa parametrização.
Ao escolher uma parametrização para a superfı́cie, ela produzirá uma base para Tp S,
 
∂X ∂X
(q), (q) .
∂u ∂v

Esses vetores são chamados de base associada a X(q).

75
Figura 26: Aplicação diferencial e o plano Tp (S).

Desse modo, as coordenadas de um vetor w ∈ Tp S representado na base associada X


será determinado da seguinte maneira: definimos α = X ◦ β e β(t) = (u(t), v(t)), tal que
β : (−ε, ε) → U , β(0) = q = X−1 (p) e também α0 = w.
Então vamos expressar w com os vetores da base associada. Será conveniente escrever
∂X/∂u = Xu e ∂X/∂v = Xv .
d d
α0 (0) = (X ◦ β)(0) = (X(u(t), v(t)))(0)
dt dt
= Xu (q)u (0) + Xv (q)v 0 (0) = w
0

Logo é evidente que w está sendo expressado pelas coordenadas (u0 (0), v 0 (0)) da base
associada {Xu , Xv }. Além de que, conforme nós dissemos anteriormente, w é o vetor
velocidade da curva α definida por X aplicada a β(t) = (u(t), v(t)).
Uma vez que a noção de plano tangente à uma superfı́cie está bem estabelecido, agora
é importante também definir a diferencial de aplicações do tipo f : V ⊂ S → R e
ϕ : V ⊂ S1 → S2 , faremos isso a partir de um vetor w tangente a uma curva contida em
V , e que se dá também através de uma aplicação linear. Essa definição será análoga para
as duas aplicações, desse modo faremos a demonstração que a diferencial é de fato linear
apenas para um caso, pois o racı́cionio é o mesmo para ambos. Veremos também que a
diferencial independe das curvas escolhidas.

76
Definição 22. Seja a superfı́cie regular S e a função f : V ⊂ S → R diferenciável em V a
cada p ∈ V , associamos uma aplicação linear dfp : Tp S → R que é chamada a diferencial
de f em p. Essa aplicação fica definida por w ∈ Tp S e a curva α : t ∈ (−ε, ε) → S
uma curva diferenciável tal que α(0) = p e α0 (0) = w, então β = f ◦ α é diferenciável e
dfp (w) = β 0 (0) = d
dt
(f ◦ α)(0), com β(0) = f (p).

Definição 23. Sejam as superfı́cies regulares S1 e S2 , e também a aplicação ϕ : V ⊂


S1 → S2 diferenciável V , a cada p ∈ V definimos uma aplicação linear

dϕp : Tp S1 → Tϕ(p) S2

de tal modo que o vetor tangente wp ∈ Tp S1 seja aplicado da seguinte forma:


Dada a curva diferenciável α : t ∈ (−ε, ε) → S1 , com α(0) = p e α0 (0) = wp , então
d
dϕp (wp ) = β 0 (0) = (ϕ ◦ α)(0),
dt
com β = ϕ ◦ α, β(0) = ϕ(p).

Proposição 21. A aplicação dϕp : Tp S1 → Tϕ(p) S2 definida por dϕp (w) = β 0 (0) é linear,
além disso o vetor tangente w não depende da escolha da curva α.

Demonstração. Seja uma curva α : (−ε, ε) → S1 , com α(0) = p e β = ϕ ◦ α, seja também


que X1 é a parametrização de S1 na vizinhança de p e X2 é uma parametrização de S2
em uma vizinhança de ϕ(p).
O primeiro passo é mostrar que a diferencial independe da escolha da curva α passando
por p. Para isso supomos duas curvas diferenciáveis:

α1 : (−ε, ε) → R3 ; α1 (0) = p; α10 (0) = w

α2 : (−ε, ε) → R3 ; α2 (0) = p; α20 (0) = w

dϕα1 (0) (α10 (0)) = dϕp (α10 (0)) = dϕp (w)

dϕα2 (0) (α20 (0)) = dϕp (α20 (0)) = dϕp (w)

Assim, podemos afirmar que dϕp não depende da curva α passando por p escolhida.
Agora mostraremos que dϕp é linear, para isso, reescrevemos a curva β = X2 ◦ X−1
2 ◦

ϕ ◦ X1 ◦ X−1
1 ◦ α. Como vimos na seção anterior, temos a mudança de parâmetros

77
h = X−1 −1 −1
2 ◦ ϕ ◦ X1 , desta maneira β = X2 ◦ h ◦ X1 ◦ α. Supomos ainda que q = X1 (p) e

que r = X−1
2 (ϕ(p)).

Definindo uma curva γ = X−1


1 ◦ α(t), com t ∈ (−ε, ε). Assim podemos escrever β

como
d
β = X2 ◦ h ◦ γ(t) ⇒ β 0 (0) = (X2 ◦ h ◦ γ)(0) = dX2(r) dhq γ 0 (0).
dt
Desse modo, sejam dois vetores w1 , w2 ∈ Tp S1 , k ∈ R e também as curvas

α1 : (−ε, ε) → S1 , w1 = α10 (0),

α2 : (−ε, ε) → S1 , w2 = α20 (0),

γ1 : (−ε, ε) → U,

γ2 : (−ε, ε) → U,

então

dϕp (kw1 + w2 ) = dϕp ◦ dX1(q) (kγ10 (0) + γ20 (0))

= dX2(r) ◦ dhq (kγ10 (0) + γ20 (0))

= kdX2(r) (dhq (γ10 (0)) + dX2(r) dhq (γ20 (0))

= kdϕp ◦ dX1(q) γ10 (0) + dϕp ◦ dX1(q) γ20 (0)

= kdϕp (w1 ) + dϕp (w2 )

Desta maneira verificamos que a tranformação de dois vetores qualquer de Tp S1 são


aplicados linearmente ao plano Tϕ(p) S2 . Portanto dϕp é linear.

Exemplo 26. Seja a função f : S → R dada no Exemplo 23, ou seja, f (p) = |p − p0 |2 ,


p ∈ S e um ponto fixo p0 ∈ R3 , tomando a curva α(t) ⊂ V ⊂ S, onde α(0) = p e
α0 (0) = w. Logo

d(f ◦ α)
dfp (w) = (0) = dfα(0) α0 (0) = 2w · (p − p0 ).
dt

Exemplo 27. Seja a superfı́cie regular S1 e a aplicação ϕ : R3 → R3 dada por ϕ(x, y, z) =


(x, y, −z), ou seja a reflexão em relação ao plano xy. Então ϕ(S1 ) terá por imagem a
superfı́cie S2 simétrica à S1 , como vimos no exemplo anterior ϕ|S1 → S2 é uma aplicação

78
diferenciável. Tomando p ∈ S1 e a curva α(t) ⊂ V ⊂ S1 , onde α(0) = (x(0), y(0), z(0)) =
p e α0 (0) = (w1 , w2 , w3 ) ∈ Tp S1 . Logo dϕp (w) é linear pois

d(ϕ ◦ α) dx dy dz
dϕp (w) = (0) = ( (0), (0), − (0)) = (w1 , w2 , −w3 )
dt dt dt dt

Desta maneira Tϕ(p) S2 será a reflexão do plano Tp S1 no plano xy.

Podemos apresentar também a noção de ângulo em um ponto de duas superfı́cies que


se intersectam através do plano tangente. Para isso tomamos o vetor unitário normal ao
plano tangente Tp S em p. No R3 existem dois vetores normais ao plano e a reta que passa
por p tem a direção de um dos vetores normais é denominada reta normal. O ângulo
da intersecção de duas superfı́cies no ponto p é determinada pelo ângulo entre os planos
tangentes dessas superfı́cies em p ou pelo ângulo entre as retas normais passando por p.
Dada a parametrização X : U ⊂ R2 → S em p ∈ S, podemos escolher o vetor normal
em cada ponto q ∈ X(U ) a partir da seguinte regra:

Xu ∧ Xv
N (p) = (q).
|Xu ∧ Xv |

E assim obtemos uma aplicação N : X(U ) → R3 que poderá ser diferenciável. Veremos
mais pra frente que há casos em que N não é diferenciável.

3.5 Primeira Forma Fundamental e Área

Uma vez que está definida a superfı́cie regular num olhar diferenciável, será feito
um estudo a partir de outra perspectiva afim de buscar novas estruturas geométricas,
tais como medidas de distâncias, ângulos entre curvas e áreas de regiões nas superfı́cies.
Quando pensamos em geometria, a primeira coisa que precisamos definir são as medidas,
assim nessa seção é tratado das medidas em superfı́cies sem fazer menção ao espaço R3 ,
onde elas estão emergidas.
A primeira forma quadrática, surge do plano tangente Tp S de uma superfı́cie regular,
que conserva as mesmas propriedades do produto interno de R3 ⊃ S, ou seja, dado
w1 , w2 ∈ S ⊂ R3 , o produto hw1 , w2 ip é o produto interno de vetores w1 , w2 do R3 .

79
Definição 24. A forma quadrática Ip em Tp S é chamada a primeira forma fundamental,
da superfı́cie S ⊂ R3 em p ∈ S que fica definida por

Ip : Tp S → R3

w → Ip (w) = hw, wip = |w|2 ≥ 0. (6)

Basicamente, a primeira forma fundamental se trata do produto interno usual do R3


herdado por S nos vetores do plano tangente Tp S.
Faremos agora a expressão da primeira forma fundamental na base {Xu , Xv } associada
à parametrização X(u, v) na vizinhança de p.
Seja w ∈ Tp S um vetor do plano tangente e a curva parametrizada β(t) = (u(t), v(t)) ⊂
U ⊂ R2 , onde t ∈ (−ε, ε). Seja também α(t) = X ◦ β(t) = X(u(t), v(t)), tal que
p = α(0) = X(u0 , v0 ) e w = α0 (0). Note que

α0 (t) = X0 (β(t))β 0 (t) = Xu (β(t))u0 (t) + Xv (β(t))v 0 (t),

onde β 0 (t) = (u0 (t), v 0 (t)). Assim obtemos

Ip (w) = hw, wip = hα0 (t), α0 (t)iα(0)

= hXu (β(0))u0 (0) + Xv (β(0))v 0 (0), Xu (β(0))u0 (0) + Xv (β(0))v 0 (0)ip

= hXu u0 + Xv v 0 , Xu u0 + Xv v 0 ip

= hXu , Xu ip (u0 )2 + 2hXu , Xv ip u0 v 0 + hXv , Xv ip (v 0 )2

Denotando E = hXu , Xu i, F = hXu , Xv i, G = hXv , Xv i (omitindo o p por con-


veniência), essas funções são chamadas de coeficientes da primeira forma fundamental, e
são calculadas em (u0 , v0 ), fazendo esses valores variarem em uma vizinhança de coorde-
nada de p, as funções E(u, v), F (u, v), G(u, v) serão diferenicáveis.

Exemplo 28. Seja um plano passando pelo ponto p ∈ R3 e que contém os vetores w1 ,
w2 ∈ R3 ortonormais entre si. Então podemos parametrizá-lo por X(u, v) = p0 +uw1 +vw2 ,
com (u, v) ∈ R2 . Por conseguinte Xu = w1 e Xv = w2 , desta maneira as funções E, F e G

80
será dado por

E = hXu , Xu i = 1,

F = hXu , Xv i = 0,

G = hXv , Xv i = 1.

Exemplo 29. Seja um cilindro vertical sobre o cı́rculo x2 + y 2 = 1, dado pela parame-
trização

X(u, v) = (cos(u), sin(v), v),

U = {(u, v) ∈ R2 ; 0 < u < 2π, −∞ < v < ∞}.

Assim Xu = (− sin(u), cos(u), 0), Xv = (0, 0, 1), logo os coeficientes E, F e G ficam

E = hXu , Xu i = sin2 (u) + cos2 (u) = 1,

F = hXu , Xv i = 0,

G = hXv , Xv i = 1.

Exemplo 30. Agora calcularemos a primeira forma fundamental em um ponto da vizi-


nhança coordenada de uma esfera de raio r dada pela parametrização

X(θ, ϕ) = (r sin(θ) cos(ϕ), r sin(θ) sin(ϕ), r cos(θ)),

com 0 < θ < π e 0 < ϕ < 2π. Desta forma

Xθ = (r cos(θ) cos(ϕ), r cos(θ) sin(ϕ), −r sin(θ)),

Xϕ = (−r sin(θ) sin(ϕ), r sin(θ) cos(ϕ), 0).

Logo,

E = hXu , Xu i = r2 ,

F = hXu , Xv i = 0,

G = hXv , Xv i = r2 sin2 (θ).

81
Uma vez que está bem definida a primeira forma fundamental, vejamos como tratar
das questões métricas mencionadas anteriormente sobre superfı́cies. Seja α(t) uma curva
parametrizada no intervalo I e pertencente a S, o cálculo do comprimento de arco se dá
por Z t Z tp
0
s(t) = |α (t)|dt = I(α0 (t))dt.
t0 t0

Em um caso mais particular, quando a curva está contida em uma vizinhança co-
ordenada X(u, v) o comprimento de arco poderá ser escrito através dos coeficientes da
primeira forma fundamental. Seja X : U → S uma parametrização de S, com U ⊂ R2 ,
e seja também a curva β(t) ⊂ U , t ∈ I, tal que X ◦ β(t) = X(u(t), v(t)) = α(t), assim
α0 (t) = Xu u0 (t) + Xv v 0 (t). Desta maneira
p
|α0 (t)| = hα0 (t), α0 (t)i
q
= Iα(t) (α0 (t))
q
= hXu , Xu ip (u0 )2 + 2hXu , Xv ip u0 v 0 + hXv , Xv ip (v 0 )2
p
= E(u0 )2 + 2F u0 v 0 + G(v)2 .

E assim para calcular o comprimento de arco de α num intervalo, de 0 a t por exemplo,


basta fazer Z tp
s(t) = E(u0 )2 + 2F u0 v 0 + G(v)2 dt.
0

Exemplo 31. Seja o cilindro vertical sobre o cı́rculo x2 + y 2 = r2 , dado pela parame-
trização

X(u, v) = (r cos(u), r sin(v), v),

U = {(u, v) ∈ R2 ; 0 < u < 2π, ∞ < v < ∞}.

Vimos no Exemplo 29 que E = r2 , F = 0 e G = 1.


Consideramos então a curva α1 (t) = X(t, t0 ), onde t ∈ (0, 2π) e t0 fixo. É fácil ver que
α é uma circunferência do cilindro na altura t0 . Logo o comprimento de arco será dado
por Z 2π p
s(t) = E(u0 )2 + 2F u0 v 0 + G(v)2 dt.
0

82
Como u(t) = t ⇒ u0 (t) = 1 e v(t) = t0 ⇒ v 0 (t) = 0. Então
Z 2π √
s(t) = r2 dt = rt|2π
0 = 2πr.
0

Se tomarmos a curva α2 (t) = X(t0 , t) com t ∈ (a, b) um intervalo qualquer e t0 fixo.


Assim u0 (t) = 0 e v 0 (t) = 1. Por conseguinte o comprimento de arco de α2 será
Z b√ Z b
s(t) = Gdt = 1dt = b − a.
a a

Figura 27: Cilindro sobre o plano xy.

Observe que o plano (Exemplo 28) e o cilindro (Exemplo 29) são superfı́cies distintas,
no entanto os coeficientes da primeira forma fundamental são os mesmos.
Vamos agora medir o ângulo entre duas curvas contidas na superfı́cie S e que se
intersectam.
Para isso seja α1 : I → S e α2 : J → S duas curvas que se cruzam em um ponto t = t0 ,
logo o ângulo θ (que fica entre 0 e π) dessas curvas é dado por
hα10 (t0 ), α20 (t0 )i
cos(θ) = .
|α10 (t0 )||α20 (t0 )|
Ou seja calculamos o ângulo dos vetores tangentes de α1 e α2 em t0 .

Exemplo 32. No caso particular, seja a parametrização X : U → S em uma vizinhança


de p ∈ S e as curvas coordenadas cujo vetor tangente são Xu e Xv respectivamente, então
o ângulo θ será
hXu , Xv i F
cos(θ) = =√ .
|Xu ||Xv | EG

83
Falaremos agora de uma outra questão métrica tratada com a primeira forma funda-
mental, que é a área de uma região limitada de uma superfı́cie regular S.
Seja S a superfı́cie regular, e X : U ⊂ R2 → S uma parametrização de S, seja também
R ⊂ S uma região limitada tal que R é a imagem por X(Q), ou seja, uma região Q ⊂ U
limitada.
Agora, definimos um número finito de partições P , que divide Q em regiões Qij , por
conseguinte, X(Qij ) divide R em um número finito de regiões Rij . Fazemos então

∆ui = ui − ui−1

∆vj = vj − vj−1

Assim, aproximamos a área de Rij pela área do paralelogramo em Tp S, onde p =


X(ui−1 , vj−1 ).
Tomamos w1 e w2 em Tp S as imagens dos lados do retângulo formado por Qij , tal que

w1 = ∆ui Xu

w2 = ∆vj Xv

Assim obtemos a área do paralelogramo formado pelos vetores w1 e w2 por

Aij = |w1 ∧ w2 | = ∆ui Xu ∧ ∆vj Xv = ∆ui ∆vj |Xu ∧ Xv |

Desta maneira, a área da região R é obtida quando somamos a área dos paralelogramos
e fazemos o número de partições Qij tenderem ao infinito, isto é, quando a norma delas
tendem a zero. Assim,

n X
X n
A = lim Aij
(ui ,vj )→(ui−1 ,vj−1 )
i=0 j=0
Xn X n
= lim ∆ui ∆vj |Xu ∧ Xv |
(ui ,vj )→(ui−1 ,vj−1 )
i=0 j=0
Z Z
= |Xu ∧ Xv |dudv
Q

84
Figura 28: A área Rij é aproximada pela área do paralelogramo de lado w1 e w2 contido
em Tp S.

Algo muito importante de ressaltar é o fato de que a área de regiões limitadas de S


independe da parametrização escolhida, para provarmos isso usamos o seguinte teorema.

Teorema 3. Seja f uma aplicação integrável sobre Q, sendo Q uma região fechada e
limitada no plano uv. Seja Q̃ uma região limitada no plano ũṽ e uma aplicação h : Q̃ → Q.
(u,v)
Se h for uma bijeção com derivadas parciais contı́nuas em Q̃ e se (ũ,ṽ)
não se anula em
Q̃, então Z Z Z Z
∂(u, v)
f (u, v)dudv = f (u(ũ, ṽ), v(ũ, ṽ)) dũdṽ.
∂(ũ, ṽ)
Q Q

Uma demonstração desse teorema pode ser encontrado no livro [7].


Sabemos que
∂(u, v)
∂(ũ, ṽ)
é a matriz jacobiana da mudança de parâmetros h = X−1 ◦ X̃, de modo que h : Q̃ → Q.
Consequentemente
Z Z Z Z Z Z
∂(u, v)
|X̃u ∧ X̃v |dũdṽ = |Xu ∧ Xv | dũdṽ = |Xu ∧ Xv |dudv.
∂(ũ, ṽ)
Q̃ Q̃ Q

Assim, podemos afirmar que a integral acima não depende da parametrização tomada.

85
Definição 25. Seja R ⊂ S uma região limitada de uma superfı́cie regular, contida em
uma vizinhança coordenada de uma parametrização X : U ⊂ R2 → S. O número positivo
Z Z
|Xu ∧ Xv |dudv = A(R),
Q

onde Q = X−1 (R), é chamado área de R.

É possı́vel escrever a área de R através dos coeficientes da primeira forma fundamental.


Para fazermos isso, calculamos inicialmente os seguintes produtos:

|Xu ∧ Xv |2 = |Xu |2 |Xv |2 sin2 θ

hXu ∧ Xv i2 = |Xu |2 |Xv |2 cos2 θ

sendo θ o ângulo formado por Xu e Xv .


Desta maneira

|Xu ∧ Xv |2 + hXu ∧ Xv i2 = |Xu |2 |Xv |2 sin2 θ + |Xu |2 |Xv |2 cos2 θ = |Xu |2 |Xv |2

Assim
p √
|Xu ∧ Xv | = |Xu |2 |Xv |2 − hXu ∧ Xv i2 = EG − F 2 .

Logo, a área de R pode ser dada pela integral


Z Z √
A(R) = EG − F 2 dudv.
Q
2
Exemplo 33. Seja a esfera S de raio r parametrizada por

X(θ, ϕ) = (r sin(θ) cos(ϕ), r sin(θ) sin(ϕ), r cos(θ)),

com 0 < θ < π e 0 < ϕ < 2π. Então podemos calcular sua área por

Z 2π Z π √
A(R) = EG − F 2 dθdϕ
Z0 2π Z0 π
= r2 sin θdθdϕ
0
Z 2π0 Z π 
2
= r sin θdθ dϕ
0 0
Z 2π
2
= r (− cos π + cos 0) dϕ
0
Z 2π
2
= r 2dϕ = 4πr2
0

86
Note que a região R do exemplo acima cobria toda a esfera a menos de uma circun-
ferência no plano xy (o equador) e uma semicircunferência no plano xz com x > 0. Como
essas curvas não contribuem com a área na esfera, então podemos afirmar que A(R) é o
valor da área total da esfera. Na maioria dos exemplos podemos encontrar uma parame-
trização que cobre toda a superfı́cie a menos de algumas curvas, quando isso ocorre, então
ao calcular a área da região encontraremos a área total dessa superfı́cie.

3.6 Orientação de Superfı́cies e a Aplicação Normal de Gauss

Como foi mencionado na Seção 3.4, cada ponto p de uma superfı́cie regular, admite um
plano tangente Tp S com um vetor normal bem definido. Escolhendo a orientação de Tp S
isso induzirá uma orientação da superfı́cie nas proximidades de p, nessa seção falaremos
como e em que sentido é possı́vel orientar uma superfı́cie regular.
Sabemos que ao determinar uma parametrização X(u, v) para S resulta em uma base
{Xu , Xv } para os planos tangentes em uma vizinhança coordenada de p. Ao tomar uma
outra parametrização X̃(ũ, ṽ) que contém p, então podemos expressar a base {X̃ũ , X̃ṽ }
como uma combinação linear da primeira por

∂x(u, v) ∂x(u, v)  
 
 ∂u
 ∂y(u, v) ∂v  ∂u
∂y(u, v) 
X̃ũ =   ∂∂vũ  ,

 ∂u ∂v  
∂z(u, v) ∂z(u, v)

∂ ũ
∂u ∂v
∂x(u, v) ∂x(u, v)  
 
 ∂u
 ∂y(u, v) ∂v  ∂u
∂y(u, v) 
X̃ṽ =   ∂ṽ ,

 ∂u ∂v   ∂v
∂z(u, v) ∂z(u, v)

∂ṽ
∂u ∂v
ou seja

∂u ∂v
X̃ũ = Xu + Xv , (7)
∂ ũ ∂ ũ
∂u ∂v
X̃ṽ = Xu + Xv . (8)
∂ṽ ∂ṽ

87
Lembrando que u = u(ũ, ṽ) e v = v(ũ, ṽ) são as funções que mudam as coordenadas (ũ, ṽ)
para (u, v) em uma vizinhança de p.
A mudança de orientação das bases {Xu , Xv } para {X̃ũ , X̃ṽ } só será positiva se, e
somente se a matriz Jacobiana
∂(u, v)
∂(ũ, ṽ)
tem o determinante positivo.

Definição 26. Uma superfı́cie regular S é orientável se for possı́vel cobrı́-la com uma
famı́lia de vizinhanças coordenadas, de tal modo que se um ponto p ∈ S pertence a duas
vizinhanças dessa famı́lia, então a mudança de coordenadas tem o Jacobiano positivo em
p. A escolha de uma tal famı́lia é chamada de uma orientação de S, e S neste caso,
diz-se orientada. Se uma tal escolha não é possı́vel, a superfı́cie é não orientável. Se S é
orientada, uma parametrização (local) X é compatı́vel com a orientação de S se, juntando
X à famı́lia de parametrizações dada pela orienção, obtém-se ainda uma (logo, a mesma)
orientação de S.

Figura 29: Plano Tp S orientado.

Nós destacamos na Seção 3.4 que em uma superfı́cie regular com a parametrização
X(u, v) em p, o vetor normal e unitário nesse ponto pode ser dado por
Xu ∧ Xv
N (p) = (q). (9)
|Xu ∧ Xv |

88
Ao tomar outra parametrização X̃(ũ, ṽ), obtemos um vetor normal pelo produto ve-
torial acima, mas pela equação 7 e 8 pode-se ver que
   
∂u ∂v ∂u ∂v
X̃ũ ∧ X̃ṽ = Xu + Xv ∧ Xu + Xv
∂ ũ ∂ ũ ∂ṽ ∂ṽ
   
∂u ∂u ∂v ∂v ∂u ∂v
= Xu ∧ Xu + Xv + Xv ∧ Xu + Xv
∂ ũ ∂ṽ ∂ṽ ∂ ũ ∂ṽ ∂ṽ
∂u ∂u ∂u ∂v ∂v ∂u ∂v ∂v
= Xu ∧ Xu + Xu ∧ Xv + Xv ∧ Xu + Xv ∧ Xv
∂ ũ ∂ṽ ∂ ũ ∂ṽ ∂ ũ ∂ṽ ∂ ũ ∂ṽ
∂u ∂v ∂v ∂u
= Xu ∧ Xv − Xu ∧ Xv
∂ ũ ∂ṽ ∂ ũ ∂ṽ
∂u ∂v ∂v ∂u
= (Xu ∧ Xu ) − .
∂ ũ ∂ṽ ∂ ũ ∂ṽ

Que reescrevemos como

∂(u, v)
X̃ũ ∧ X̃ṽ = (Xu ∧ Xv ) . (10)
∂(ũ, ṽ)

Fica evidente que o Jacobiano da mudança de coordenadas encontrado na equação


∂(u,v)
acima determina se o sinal do vetor N muda ou não, caso ∂(ũ,ṽ)
for positivo ou negativo.

Proposição 22. Uma superfı́cie regular S ⊂ R3 é orientável se e somente se existe um


campo diferenciável N : S → R3 de vetores normais em S.

Demonstração. Primeiramente supomos que a superfı́cie regular S é orientável, então


pela Definição 26 a superfı́cie é coberta por vizinhanças coordenadas, de tal forma que na
interseção de qualquer uma delas com a mudança de parâmetros produzirá um determi-
nante da matriz Jacobiana positivo. Seja os pontos p = X(u, v) = X̃(ũ, ṽ) contidos nas
vizinhanças dessas interseções, e definimos a aplicação N (p) = N (u, v) pela Equação 9.
Assim pela nossa hipótese N (p) fica bem definido, pois N (u, v) e N (ũ, ṽ) coincidem pela
Equação 10. Ressaltamos também que a aplicação N (p) da Equação 9 produzirá funções
coordenadas diferenciáveis de (u, v), porque a expressão é uma forma reduzida da soma
e produto das derivadas parciais de (u, v). Portanto está provado que N : S → R3 é
diferenciável.
Reciprocamente, sumpomos a aplicação diferenciável N : S → R3 de um campo de
vetores normais de S e tomamos uma famı́lia de vizinhanças coordenadas conexas cobrindo

89
S. Desta maneira, em cada ponto p = X(u, v) ∈ X(U ), com U ⊂ R2 pela continuidade
de N , intercambiando u e v caso necessário, é possı́vel escrever

Xu ∧ Xv
N (p) = (q).
|Xu ∧ Xv |

Desta forma calculamos o seguinte produto interno e obtemos:


 
Xu ∧ Xv
N (p), = f (p) = ±1.
|Xu ∧ Xv |

Vemos que f é uma função contı́nua em X(U ), e como é conexa, então f não muda
de sinal, caso f = −1 é possı́vel intercambiar u e v na parametização para obter um
resultado positivo.
Assim, procedemos dessa maneira com todas as vizinhanças coordenadas, encontra-
mos na interseção de qualquer duas delas, como por exemplo X(u, v) e X̃(ũ, ṽ), então o
∂(u,v)
Jacobiano ∂(ũ,ṽ)
só poderá ser positivo. Pois, caso não seja, teremos

X̃ũ ∧ X̃ṽ Xu ∧ Xv
= N (p) = − = −N (p)
|X̃ũ ∧ X̃ṽ | |Xu ∧ Xv |

e isso é uma contradição. Concluı́mos que para cada famı́lia de vizinhanças coordenadas,
satisfarão as condições da Definição 26, intercambiando u e v caso necessário. Logo S é
orientável.

Exemplo 34. Seja o Parabolóide parametrizado por X(u, v) = (u, v, u2 + v 2 ), essa su-
perfı́cie é coberta por uma vizinhança coordenada apenas, assim obtemos o campo dife-
renciável de vetores normais por

Xu ∧ Xv
N (u, v) =
|Xu ∧ Xv |
(1, 0, 2u) ∧ (0, 1, 2v)
=
|(1, 0, 2u) ∧ (0, 1, 2v)|
(−2u, −2v, 1)
= p
(−2u)2 + (−2v)2 + 12
 
−2u −2v 1
= √ ,√ ,√
4u2 + 4v 2 + 1 4u2 + 4v 2 + 1 4u2 + 4v 2 + 1

É fácil ver que a aplicação N é diferenciável, logo o parabolóide é uma superfı́cie


orientável.

90
Trivialmente, qualquer superfı́cie regular coberta por uma única vizinhança coorde-
nada é orientável.
Agora veremos um outro exemplo de uma superfı́cie que não é o gráfico de uma função
mas também é orientável.

Exemplo 35. Seja a esfera de raio r > 0 do Exemplo 30, parametrizada por X(θ, ϕ) =
(r sin(θ) cos(ϕ), r sin(θ) sin(ϕ), r cos(θ)), com 0 < θ < π e 0 < ϕ < 2π. Vamos calcular a
aplicação normal N nesta vizinhança coordenada:
((r cos(θ) cos(ϕ), r cos(θ) sin(ϕ), −r sin(θ)) ∧ (−r sin(θ) sin(ϕ), r sin(θ) cos(ϕ), 0))
N (p) =
|(r cos(θ) cos(ϕ), r cos(θ) sin(ϕ), −r sin(θ)) ∧ (−r sin(θ) sin(ϕ), r sin(θ) cos(ϕ), 0)|
= (sin(θ) cos(ϕ), sin(θ) sin(ϕ), cos(θ))

Note que N (p) aplica a vizinhança coordenada da esfera de raio r na esfera unitária
S 2 , onde cada ponto p é associado ao vetor p/|p|, logo essa aplicação é diferenciável,
pois |p| =
6 0 na superfı́cie. Para cobrir toda a esfera, como vimos anteriormente, basta
outras duas parametrizações semelhantes, que ao calcularmos N (p) chegaremos ao mesmo
resultado. Portanto a esfera é uma superfı́cie orientável, confira a Figura 30.

Figura 30: Aplicação da esfera para S 2 .

Podemos encontrar também superfı́cies regulares não orientáveis. Um grande exemplo


é a Faixa de Möbius (ou Fita de Möbius), que consiste em pegar uma faixa comprida o

91
suficiente, torcê-la e dobrá-la até que suas estremidades se concontrem porém invertidas,
confira a Figura 31.

Exemplo 36. Vamos obter uma parametrização da Faixa de Möbils. Primeiramente


descrevemos ela considerando o cı́rculo x2 + y 2 = 9 e o segmento aberto AB com y = 3 e
−1 < z < 1. Agora, girando o segmento AB com seu centro c contı́do na circunferência,
de tal modo que para cada ângulo u percorrido por c no cı́rculo, AB rotaciona u/2 no
plano formado por Oz e c. E assim, após u chegar a 2π, o segmento AB estará no mesmo
lugar de origem, mas invertido.
Para mostrar que não é uma superfı́cie orientável, parametrizamos a faixa pelo sistema
de coordenadas
u u u
X(u, v) = ((3 − v sin ) sin(u), (3 − v sin ) cos(u), v cos )
2 2 2

onde U é a região dada por 0 < u < 2π e −1 < v < 1. Note que essa vizinhança
coordenada omite apenas os pontos onde u = 0, para que possamos cobrir a superfı́cie,
basta considerar outra vizinhança coordenada, tal que a origem do segmaneto AB esteja
no eixo Ox, então seja

ũ π ũ π ũ π
X̃(ũ, ṽ) = ((3 − ṽ cos( + )) cos(ũ), (3 − ṽ cos( + )) sin(ũ), ṽ sin( + )),
2 4 2 4 2 4

com U = Ũ , assim essa parametrização omite o intervalo u = π/2. Com essas duas
parametrizações cobrimos a faixa de Möbius, os critérios da regularidade dessa superfı́cie
também é satisfeito. Agora note que a interseção das vizinhanças coordenadas obtida por
essas parametrizações não são conexas, mas sim formadas por duas partes conexas

π
V1 = {X(u, v) : < u < 2π},
2
π
V2 = {X(u, v) : 0 < u < }.
2
Para V1 obtemos a mudança de coordenadas por

π
ũ = u −
2
ṽ = v

92
e em V2


ũ = u +
2
ṽ = −v.

Tendo isso em vista, calculamos o Jacobiano dessa mudança de coordenadas em V1 e


V2 respectivamente
∂(ũ, ṽ)
=1>0
∂(u, v)
∂(ũ, ṽ)
= −1 < 0
∂(u, v)
Supondo agora que exista uma aplicação N diferenciável de vetores unitários normais
definido na superfı́cie, intercambiando u e v se necessário, então podemos escrever para
p ∈ X(u, v)
Xu ∧ Xv
N (p) =
|Xu ∧ Xv |
e da mesma forma para p ∈ X̃(ũ, ṽ)

X̃ũ ∧ X̃ṽ
N (p) = .
|X̃ũ ∧ X̃ṽ |
Com isso, sabemos que o Jacobiano da mudança de coordenadas será −1 em V1 ou
V2 , assim para p ∈ V1 ∩ V2 então N (p) = −N (p), ou seja, uma contradição, logo não é
orientável.
Isso tem o seguinte significado, um vetor normal a essa superfı́cie após ter dado uma
volta completa, retornará ao ponto de origem com a mesma direção porém com o sentido
oposto, Logo a faixa de Möbius é composta de um único “lado”por isso não é possı́vel
obter uma orientação.

Sabemos que a imagem inversa de um valor regular a em uma aplicação diferenciável


f : U ⊂ R3 → R é uma superfı́cie regular, a próxima proposição mostra que f (x, y, z) = a
tem imagem inversa uma superfı́cie que além de regular, também é orientável. Por conta
disso, encontrar superfı́cies regulares não orientáveis é uma tarefa difı́cil.

Proposição 23. Se uma superfı́cie regular é dada por S = {(x, y, z) ∈ R3 ; f (x, y, z) = a},
onde f : U ⊂ R3 → R é diferenciável e a é um valor regular de f , então S é orientável.

93
Figura 31: Faixa de Möbius.

Demonstração. Seja α(t) = (x(t), y(t), z(t)) ⊂ S uma curva parametrizada, definida em
I e contida na superfı́cie regular S, tal que α(t0 ) = p é um ponto qualquer de S. Assim,
aplicando f à curva temos que

f ◦ α(t) = f (x(t), y(t), z(t)) = a

em todos os pontos da curva. Desta forma, derivando os membros da última equação,


para t0 obtemos
     
dx dy dz
fx (p) (t0 ) + fy (p) (t0 ) + fz (p) (t0 ) = 0,
dt dt dt
e podemos escrever (considerando a base canônica)
*       !+
dx dy dz
(fx (p), fy (p), fz (p)) , , , = 0.
dt t0 dt t0 dt t0
Assim fica evidente que o vetor (fx , fy , fz ) é perpendicular ao vetor tangente α0 de S, como
p é arbitrário, então é perpendicular a qualquer ponto da superfı́cie, assim seja aplicação
normal dada por
!
f fy fz
N (x, y, z) = p 2 x2 2
,p 2 2 2
,p 2
fx + fy + fz fx + fy + fz fx + fy2 + fz2

94
de vetores unitários, é um campo diferenciável. Concluı́mos então que pela Proposição 22
S é orientável.

Ao decorrer dos próximos capı́tulos, passaremos a tratar de S como superfı́cies regu-


lares e orientáveis, e ainda que a aplicação normal N está escolhida determinando uma
orientação para S.

Definição 27. Seja S ⊂ R3 , uma supefı́cie com uma orientação N . A aplicação N : S →


R3 toma seus valores na esfera unitária

S 2 = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 + z 2 = 1}.

Essa aplicação N : S → S 2 que está definida é denominada de aplicação de Gauss de


S.

Conforme o que foi definido acima, a aplicação de Gauss é o conjunto de todos os


vetores ortonomais da superfı́cie na mesma origem, contidos em S 2 (esfera unitária),
Figura 32. Isso fica evidente no Exemplo 35, em que a aplicação N (p) de uma esfera
qualquer é o vetor p/|p| que está contido em S 2 .

Figura 32: Aplicação de Gauss.

O vetor N (p) em p ∈ S é normal a Tp S e também a Tp S 2 , e como tem a mesma


direção, então N (p) é paralelo para ambas as superfı́cies e assim descrevem o mesmo
espaço vetorial. Vamos analisar agora a forma que N (p) varia, ou seja a derivada da
aplicação de Gauss.

95
Temos que os espaços Tp S e Tp S 2 são paralelos, logo a aplicação dNp : Tp S → Tp S 2
é linear e atua da seguinte forma. Para uma curva parametrizada α(t) contida em S,
sendo α(0) = p, considere a curva N (t) = N ◦ α(t) em S 2 . Assim estamos descrevendo os
vetores normais restritos apenas à curva α(t).
Desta forma o vetor tangente em N (p) é dado por

N 0 (p) = dNα(0) ◦ α0 (0) = dNp (α0 (0)),

que mede a taxa de variação dos vetores normais nas proximidades de N (p) restrito a
curva α. Vimos no capı́tulo anterior que o número dado por essa taxa de variação é a
curvatura da α, já em uma superfı́cie, esta medida é caracterizado por uma aplicação
linear. Veja na Figura 33.

Figura 33: Aplicação dN (p) mede a taxa de variação de N (p).

Exemplo 37. Seja o cilindro {(x, y, z) ∈ R3 ; x2 + y 2 = 1} parametrizado por X : U ∈


R2 → R3 :
X(u, v) = (cos(u), sin(u), v)

onde U = {(u, v) ∈ R2 ; 0 < u < 2π e − ∞ < v < ∞}, fazemos agora

Xu = (0, 0, 1)

Xv = (− sin(v), cos(u), 0)

96
Desta forma, obtemos a aplicação de Gauss após alguns cálculos pela seguinte equação
N (p) = (sin(u), cos(u), 0), isto é N (p) = (x, y, 0).
Seja então α(t) = (x(t), y(t), z(t)) uma curva qualquer contida no cilindro, então
α0 (t) = (x0 (t), y 0 (t), z 0 (t)) é o vetor tangente, assim restringindo a N (p) a α(t) teremos

N (t) = (x(t), y(t), 0)

dN (α(t)) = N 0 (t) = (x0 (t), y 0 (t), 0).

Se α0 (t) = v1 é um vetor paralelo ao eixo Oz, então dN (v1 ) = 0 = 0 · v1 , por outro


lado, caso α0 (t) = v2 for um vetor paralelo ao plano xy então dN (v2 ) = −v2 = −1 · v2 .
Com isso podemos ver que v1 e v2 são autovetores da aplicação dN cujo os autovalores
são 0 e -1 nesta ordem.

4 A Geometria da Aplicação de Gauss


No segundo capı́tulo foi feito a definição de vetor tangente a uma curva e observamos
que podemos medir, pela variação da reta tangente, o quão rapidamente uma curva regular
deixa de ser reta, levando assim o cálculo da curvatura κ. Neste capı́tulo é feito o mesmo
a respeito das supefı́cies, medindo o quão rapidamente uma superfı́cie S deixa de ser
um plano, que é o mesmo que calcular a taxa de variação do vetor normal e unitário
N do plano tangnete Tp S em p ∈ S levando assim ao cálculo das curvaturas principais,
curvatura normal, curvatura média e curvatura gaussiana, entre outras propriedades locais
que podemos obter da Aplicação Normal de Gauss.
Na Seção 4.1 será visto que a taxa de variação da aplicação normal de Gauss é uma
transformação linear autoadjunto, a partir dessa afirmação, é possı́vel fazer as definições
das curvaturas mencionadas acima e a classificação de um ponto como elı́ptico, hiperbólico,
parabólico e planar, além das direções assintóticas e conjugadas. Todos esses resultados
foram dados ressaltando o aspecto geométrico delas.
Já na Seção 4.2 é retomado esses conceitos considerando as coordenadas locais da su-
perfı́cie afim de desenvolver ferramentas algébricas para o cálculo das entidades geométricas
obtidas na Seção 4.1.

97
4.1 Propriedades Fundamentais da Aplicação Normal de Gauss

Nessa seção será tratado das principais propriedades da Aplicação Normal de Gauss,
como as curvaturas principais e direções principais, curvatura de Gauss e curvatura média.
Essas propriedades são muito importantes para evidenciar as propriedeades geométricas
da aplicação de Gauss.
No capı́tulo anterior vimos que a aplicação Normal de Gauss é linear, a propoposição
a seguir mostra que essa aplicação é autoadjunta. A definição de tranformações lineares
autoadjuntas pode ser encontrada no livro [2].

Proposição 24. A diferencial dNp : Tp S → Tp S 2 da aplicação de Gauss é uma aplicação


linear autoadjunta.

Demonstração. Seja a superfı́cie S regular e uma parametrização X(u, v) de S em p. As-


sociamos a base {Xu , Xv } para Tp S. Sabemos que dNp é uma aplicação linear, precisamos
então verificar o seguinte produto interno hdNp (w1 ), w2 i = hw1 , dNp (w2 )i.
Primeiramente vamos escrever w1 e w2 em Tp S como combinação linear da base
{Xu , Xv }.

w 1 = au X u + av X v

w 2 = bu X u + b v X v

onde au , av , bu , bv ∈ R. Também, vamos escrever a aplicação dNp desses vetores como a


combinação linear da base {Nu , Nv }.

dNp (w1 ) = dNp (au Xu + av Xv ) = au dNp (Xu ) + av dNp (Xv ) = au Nu + av Nv

dNp (w2 ) = dNp (bu Xu + bv Xv ) = bu dNp (Xu ) + bv dNp (Xv ) = bu Nu + bv Nv

Agora calculando o produto interno de

hdNp (w1 ), w2 i = hdNp (w1 ), bu Xu + bv Xv i

= bu hdNp (w1 ), Xu i + bv hdNp (w1 ), Xv i

= bu hau Nu + av Nv , Xu i + bv hau Nu + av Nv , Xv i

= au bu hNu , Xu i + av bu hNv , Xu i + au bv hNu , Xv i + av bv hNv , Xv i,

98
e também

hw1 , dNp (w2 )i = au hXu , dNp (w2 )i + av hXv , dNp (w2 )i

= au bu hNu , Xu i + au bv hNv , Xu i + av bu hNu , Xv i + av bv hNv , Xv i

Note que para que ambos os produtos internos sejam iguais precisamos que hNv , Xu i =
hNu , Xv i. Como N é ortonormal a Xu e Xv , então

hN, Xu i = 0

hN, Xv i = 0

Vamos derivar as duas últimas igualdades, a segunda em relação a u e a primeira em


relação a v


hN, Xv i = hNu , Xv i + hNu , Xuv i = 0
∂u

hN, Xu i = hNv , Xu i + hNu , Xvu i = 0
∂v

No entanto hNu , Xuv i = hNu , Xvu i, logo hNu , Xv i = hNv , Xu i. Com isso concluı́mos
que hdNp (w1 ), w2 i = hw1 , dNp (w2 )i e portanto dNp é uma aplicação autoadjunta.

Visto que a aplicação Linear de Gauss é autoadjunta, será possı́vel associar à dNp
uma forma bilinear B : Tp S × Tp S → R definida por B(u, v) = hdNp (u), vi, a partir disso
escrevemos a forma quadrática Q(v) = B(v, v) = hdNp (v), vi, onde Q : Tp S → R. No
entanto, por conveniência usaremos −Q como forma quadrática, que mais adiante esse
motivo ficará claro.

Definição 28. A forma quadrática IIp , definida em Tp S por IIp = −hdNp (v), vi, é
chamada a segunda forma fundamental de S em p.

Agora vamos dar uma definição para a curvatura em superfı́cies, para isso considerare-
mos uma curva α(s) parametrizada pelo comprimento de arco e contida em uma superfı́cie
regular S, tal que α(0) = p e α0 (0) é o vetor unitário e tangente à superfı́cie em p, vimos
no Capı́tulo 2 que κ(s) = |α00 (s)| é o valor da curvartura de α(s). Seja θ o ângulo entre

99
α00 (s) e N ◦α(s), então pela definição geométrica do produto interno hn, N i = |n||N | cos θ,
onde n é o vetor normal de α e N é o vetor normal a S, logo hn, N i = cos θ, pois n e N
são unitários. Assim segue a definição

Definição 29. O número dado por κn = κ cos θ é chamada a curvatura normal de α ⊂ S


em p.

A definição de κn mede o comprimento da projeção do vetor κn = α00 (s) sobre a


normal a superfı́cie em p, onde o sinal é dado pela orientação N de S em p. Confira a
Figura 34.

Figura 34: Curvatura normal κn em p.

Daremos agora uma interpretação para a segunda forma fundamental IIp . Seja N (s)
os vetores normais de S restrito a curva α, ou seja N ◦ α(s). Como α0 (s) é ortogonal à
N (s), então hN, α0 i = 0, assim a derivada dessa igualdade nos fornecesse

hN 0 , α0 i + hN, α00 i = 0 ⇒ hN, α00 i = −hN 0 , α0 i

Por conseguinte

IIp (α0 (0)) = −hdNp (α0 (0)), α0 (0)i

= −hN 0 (α0 (0)), α0 (0)i = hN (0), α00 (0)i

= hN, κni(p) = κhN, ni(p)

= κ(p) cos(θ) = κn (p)

100
Com isso, podemos afirmar que a curvatura normal de α(0) = p ∈ S nos dá o valor
da segunda forma fundamental IIp de um vetor unitário α0 (0) = v ∈ Tp S. Note também
que o sinal negativo que definimos para IIp contribuiu para nos resultar κn .

Proposição 25. (Meusnier). Todas as curvas de uma superfı́cie S que têm, em um ponto
p ∈ S, a mesma reta tangente têm, a mesma curvatura normal, neste ponto.

Demonstração. A demonstração deste fato é simples, na aplicação acima onde encontra-


mos IIp (α0 (0)) = κn (p) está evidente que não depende da curva α e sim da direção do
vetor tangente α0 (0) = v que passa por p.

Com esse Teorema, é possı́vel falar de curvatura normal ao longo de uma direção v
em p. Daremos agora a seguinte definição.

Definição 30. Dado um vetor unitário v ∈ Tp S, a curva Cn dada pela interseção de S


com o plano contendo v e N (p) é chamada a seção normal de S em p segundo v.

Para uma vizinhança de p, Cn é uma curva regular plana contida em S, o vetor normal
dessa curva em p será n = ±N (p) ou n = 0. Assim o valor absoluto da curvatura de Cn e
a curvatura normal segundo v em p são iguais. Além disso, o sinal da curvartura é dado
pela concavidade de S, tal que se estiver no sentido de N (p) então a curvatura é positiva,
caso contrário será negativa.
Com isso, para estudar a curvatura normal da superfı́cie em p, basta verificar as
curvaturas das seções normais.

Exemplo 38. Para um plano, dado por P : ax + by + cz + d = 0, cujo vetor normal



unitário é dado por N = 1/ a2 + b2 + c2 · (a, b, c), qualquer seção normal em P será uma
reta, logo a curvatura normal é zero, ou seja, está em consonância com o fato de que
dNp = 0

Exemplo 39. Seja a curva z = y 2n com n ∈ IN , e então rotacionamos ela em torno do


eixo Oz, assim obtemos uma superfı́cie de revolução S, veremos que a partir da curvatura
normal podemos afirmar que dNp = 0 em p = (0, 0, 0). Primeiramente seja α(t) =
(t cos θ, t sin θ, t2n ), com 0 ≤ θ < 2π uma curva parametrizada e regular contida em S.

101
Note que com essa parametrização obtemos qualquer direção para α0 (t) ∈ Tp S, e ainda
que não a parametrizamos pelo comprimento de arco, nós podemos encontrar a curvatura
usando a Proposição 13. Assim seja:

|α0 (t) ∧ α00 (t)| (4n2 − 2n)t(2n−2)


κ(t) = = p 3
|α0 (t)|3
1 + (2nt(2n−1) )2

Como α(0) = p, temos que κ(0) = 0, veja também que o plano xy coincide como plano
tangente Tp S e assim N (p) tem a mesma direção que o eixo Oz, por conseguinte α(t) está
contida em qualquer seção normal em p. Logo podemos concluir que todas as curvaturas
normais são nulas em p e portanto dNp = 0.

Exemplo 40. Seja o cilindro do Exemplo 37 dado por {(x, y, z) ∈ R3 ; x2 + y 2 = 1},


temos que as seções normais em p variam de retas paralelas ao eixo Oz passando por
elı́pses até um cı́rculo paralelo ao plano xy, veja na Figura 35. Com isso as curvaturas
normais alternam de 0 na reta até 1 no cı́rculo, sendo estes os valores mı́nimo e máximo
que κn pode assumir. De acordo com o Exemplo 37 vimos que v1 e v2 são autovetores com
autovalores 0 e -1 nesta ordem, esses vetores correspondem as direções que determinam
os valores 0 e 1 respectivamente da curvatura normal. Concluı́mos que a segunda forma
fundamental assume os valores extremos (0 e 1) nesses vetores.

Para esclarecer isto, tomamos o plano Pv,N formado por v e N (p), conforme giramos
v no plano Tp S descrevemos um cı́rculo unı́tário contido nele. Assim, Pv,N gira em torno
de N (p) e obtemos as seções normais em todas as direções logo κn pode ser observada
como uma aplicação contı́nua, isto é κn (p) : S 1 ⊂ Tp S → R dado por κn (p)(v) = IIp (v).
Pela Proposição 7 nas preliminares, como S 1 é fechado e κn é contı́nua, então κn
assume seus valores máximo e mı́nimo para vetores e1 , e2 ∈ S respectivamente, ou seja
em κn (p)(e1 ) e κn (p)(e2 ).
Retomamos à aplicação linear dNp : Tp S → Tp S. Como dNp está associada a forma
bilinear simétrica

B : Tp S × Tp S → R

(v, w) → B(v, w) = −hdN (v), wi

102
Figura 35: Seções normais de um cilindro defindo um reta, elı́pse e um cı́rculo de acordo
com os vetores v1 , v e v2 respectivamente.

e que IIp (v) = Bp (v, v) = −hdNp (v), vi, que está definida em IIp : Tp S → R.
É possı́vel afirmar que Bp é simétrica, pois, como sabemos dNp é um operador auto-
adjunto, assim para v, w ∈ Tp S então

B(v, w) = −hdNp (v), wi = −hv, dNp (w)i = −hdNp (w), vi = B(w, v).

Assim dado e1 ∈ Tp S conforme citado acima, um vetor unitário tal que B(e1 , e1 ) =
IIp (e1 ) = −hdNp (e1 ), e1 i = κ1 o máximo da função κn .
Consideramos agora e2 ∈ Tp S o vetor unitário perpendicular a e1 , tal que {e1 , e2 , N }
é uma base positva. Desta maneira poderemos escrever um vetor tangente v ∈ Tp S de
norma 1 por v = cos(t)e1 + sin(t)e2 .
Vamos então aplicar a forma quádrática Q(v)

Q(v) = B(v, v) = hdNp (cos(t)e1 + sin(t)e2 ), cos(t)e1 + sin(t)e2 i

= cos2 (t)hdNp (e1 ), e1 i + 2 sin(t) cos(t)hdNp (e1 ), e2 i + sin2 (t)hdNp (e2 ), e2 i

= cos2 (t)B(e1 , e1 ) + 2 sin(t) cos(t)B(e1 , e2 ) + sin2 (t)B(e1 , e2 ).

Mas como definimos B(e1 , e1 ) = κ1 = a e escrevemos também B(e1 , e2 ) = b e

103
B(e1 , e2 ) = c, logo
dQ
= −2a sin(t) cos(t) + 2b(− sin2 (t) + cos2 (t)) + 2c sin(t) cos(t)
dt
Por outro lado, sabemos que em t = 0, a forma quadrática Q assume seu valor máximo,
ou seja Q(v) = κ1 e assim Q0 (v) = 0. Logo, da equação acima podemos observar que
 
dQ
= 2b = 0
dt 0
e portanto b = 0. Logo podemos concluir que Q(v) = a cos2 (t) + c sin2 (t).
Sabemos que κ1 = a é o valor máximo, vamos agora encontrar o valor mı́nimo, assim

Q(v) = κ1 cos2 (t) + c sin2 (t) ≥ c(sin2 (t) + cos2 (t)) = c

desta maneira κ1 ≥ c.
Por conseguinte, para todo t, B(e2 , e2 ) = c = c cos2 (t) + c sin2 (t) ≤ κ1 cos2 (t) +
c sin2 (t) = B(v, v). Logo κn (p)(e2 ) = κ2 é o valor mı́nimo da função κn .
Com isso, para cada p ∈ S há uma base ortonormal {e1 , e2 } em Tp S, tal que dNp (e1 ) =
−κ1 e1 , dNp (e2 ) = −κ2 e2 . Também, κ1 e κ2 com κ1 ≥ κ2 são o máximo e mı́nimo da
segunda forma fundamental IIp restrita ao cı́rculo unitário de Tp S; ou seja, são os valores
extremos da curvatura normal em p.

Definição 31. O máximo da curvatura normal κ1 e o mı́nimo da curvatura normal κ2


são chamados curvaturas principais em p; as direções correspondentes, isto é, as direções
dadas pelos autovetores e1 e e2 são chamadas direções principais em p.

No Exemplo 38, todas as direções em todos os pontos no plano são principais. Na


esfera isso também ocorre, pelo fato de que em ambas as superfı́cies a IIp em todos os
pontos e restrita a vetores unitários é constante, por conseguinte, todas as direções são
extremos para a curvatura normal.
No cilindro do Exemplo 40, temos as direções principais nos vetores v1 associado a
curvatura principal 1 e v2 com curvatura principal 0.

Definição 32. Se uma curva regular é conexa C em S é tal que para todo p ∈ C a reta
tangente a C é uma direção principal em p, então dizemos que C é uma linha de curvatura
de S.

104
Proposição 26. (Olinde Rodrigues). Uma condição necessária e suficiente para que
uma curva conexa e regular C em S seja uma linha de curvatura de S é que

N 0 (t) = λ(t)α0 (t),

para qualquer parametrização α(t) de C, onde N (t) = N ◦ α(t) e λ(t) é uma função
diferenciável de t. Nesse caso, −λ(t) é a curvatura (principal) segundo α0 (t).

Demonstração. Note que se N 0 (s) = λ(s)α0 (s), então α0 é um autovetor de dNp e por
consequência, α0 (s) é uma direção principal, ou seja, α0 (s) será uma linha de curvatura.
Reciprocamente se α(s) é uma linha de curvatura, então α0 (s) = κ1 ou α0 (s) = κ2 .

Visto que as curvaturas principais foram bem definidas em p, agora às utilizaremos
para calcular facilmente a curvatura normal segundo uma direção v ∈ Tp S, sendo |v| = 1,
como e1 e e2 é uma base ortonormal de Tp S então temos

v = e1 cos θ + e2 sin θ,

tal que θ é o ângulo de e1 a v na orientação de Tp S. E assim calculamos κn na direção v


por

κn = IIp = −hdNp (v), vi

= −hdNp (e1 cos θ + e2 sin θ), e1 cos θ + e2 sin θi

= he1 κ1 cos θ + e2 κ2 sin θ), e1 cos θ + e2 sin θi

= κ1 cos2 θhe1 , e1 i + κ1 cos θ sin θhe1 , e2 i + κ2 cos θ sin θhe2 , e1 i + κ2 sin2 θhe2 , e2 i

= κ1 cos2 θ + κ2 sin2 θ

A expressão encontrada é denominada de fórmula de Euler, a qual trata-se da repre-


sentação da segunda forma fundamental na base {e1 , e2 }.
Daremos mais algumas definições a respeito da aplicação linear dNp : Tp S → Tp S e
a base formada por autovetores {e1 , e2 } de Tp S. Sabemos que a matriz (aij ) associada a
dNp é da forma  
−κ1 0
 .
0 −κ2

105
Logo o determinante desta matriz é o produto (−κ1 )(−κ2 ) = κ1 κ2 que não se alteram
ao mudar a orientação da superfı́cie, já o traço da matriz é dado por −(κ1 + κ2 ) e neste
caso uma mudança de orientação mudará seu sinal.

Definição 33. Seja p ∈ S e seja dNp : Tp S → Tp S a diferencial da aplicação de Gauss.


O determinante de dNp é chamada a curvatura Gaussiana K de S em p. O negativo da
metade do traço de dNp é chamado de curvatura média H de S em p.

Ou seja descrevemos a definição acima com os termos κ1 e κ2 da forma

K = κ1 κ2
κ1 + κ2
H =
2
Definição 34. Um ponto p ∈ S é chamado:

1. Elı́ptico, se det(dNp ) > 0, logo κ1 e κ2 possuem o mesmo sinal.

2. Hiperbólico, se det(dNp ) < 0, logo κ1 e κ2 possuem sinais diferentes.

3. Parabólico, se det(dNp ) = 0, com dNp 6= 0, ou seja K = 0 e H 6= 0, logo uma das


curvaturas principais será nula.

4. Plano, se dNp = 0, ambas as curvaturas principais serão nulas.

É evidente o fato de que essas definições de dNp não dependem da orientação da


superfı́ce, pois o determinante, ou seja K não altera seu valor por essa mudança.

Definição 35. Se em p ∈ S, κ1 = κ2 , então p é chamado um ponto umbı́lico de S; em


particular, os pontos planares (κ1 = κ2 = 0) são pontos umbı́licos.

Note que para um plano, todos os pontos são umbı́licos, é possı́vel verificar isto em
uma esfera também, já no ponto (0,0,0) do parabolóide z = x2n + y 2n temos um ponto
umbı́lico (não-planar).

Definição 36. Seja p um ponto em S. Uma direção assintótica de S em p é uma direção


de Tp S para a qual a curvatura normal é zero. Uma curva assintótica de S é uma curva
conexa e regular C ⊂ S tal que para cada p ∈ C a reta tangente a C em p é uma direção
assintótica.

106
Figura 36: Exemplos dos tipos de pontos dados pela Definição 34.

A indicatriz de Dupin nos fornece uma interpretação geométrica para a definição dada
acima, então vamos deixar isso claro.

Definição 37. Seja p um ponto em S. A indicatriz de Dupin em p é o conjunto de vetores


de Tp S tais que IIp (w) = ±1.

Descrevemos a indicatriz de Dupin através das coordenadas cartesianas (α, β) no plano


Tp S referente a base ortonormal {e1 , e2 }, tal que, essa base é formada por autovetores de
dNp . Tomando w, v ∈ Tp S onde v = e1 cos θ + e2 sin θ é um vetor unitário e w = ρv,
logo w está definido pelas coordenadas polares ρ, θ. Para ρ 6= 0, obtemos pela fórmula de
Euler

±1 = IIp (w) = ρ2 IIp (v)

= κ1 ρ2 cos2 θ + κ2 ρ2 sin2 θ

= κ1 α2 + κ2 β 2 .

Como o vetor w é a expressão dada por w = αe1 + βe2 , logo um ponto (α, β) da
indicatriz de Dupin satizfará a equação

κ1 α2 + κ2 β 2 = ±1.

107
Assim fica evidente que a indicatriz de Dupin representa a união de cônicas em Tp S,
também podemos observar com isso que a curvatura normal ao longo da direção de w é
1
κn (v) = IIp (v) = ± .
ρ2
Analisando nessa perspectiva, em um ponto elı́ptico a indicatriz de Dupin é uma
elı́pse, pois as curvaturas principais possuem o mesmo sinal e se torna um cı́rculo quando
κ1 = κ2 6= 0 (um ponto umbı́lico não planar). Podemos ver também que os pontos
elı́pticos não possuem direções assintóticas.
Como no ponto hiperbólico κ1 e κ2 possuem sinais opostos, desta maneira a indica-
triz de Dupin tem forma de duas hipérboles com um par de linhas assintóticas, onde a
curvatura normal nessas linhas é igual a zero, ou seja, são direções assintóticas.
Em um ponto parabólico, a indicatriz de dupin é uma parábola, pois umas das curva-
turas pricipais é zero, degenerando-se em um par de retas paralelas, contudo essa única
direção em que a curvatura normal é zero, sendo assim a direção assintótica de p.
Trataremos de um conceito interessante e que tem relação com as direções assintóticas,
são as direções conjugadas, segue a definição.

Definição 38. Seja p um ponto de uma superfı́cie S. Dois vetores não nulos w1 , w2 ∈ Tp S
são conjugados se hdNp (w1 ), w2 i = hw1 , dNp (w2 )i = 0. Duas direções r1 e r2 em p são
conjugados se um par de vetores não nulos w1 , w2 , paralelos, respectivamente a r1 e r2 ,
são conjugados.

Desta definição, a direção conjugada não depende de w1 e w2 em r1 e r2 , pois dado


quaisquer outros vetores v1 = k1 w1 e v2 = k2 w2 com k1 , k2 ∈ R então

hdNp (v1 ), v2 i = hv1 , dNp (v2 )i = k1 k2 hw1 , dNp (w2 )i = 0

Por conseguinte, uma direção assintótica é conjugada a si mesma, pois seja w1 uma
direção conjugada, então −IIp (w1 ) = hdNp (w1 ), w1 i = hw1 , dNp (w1 )i = −κn = 0 ,
Além disso, as direções principais também são conjugadas, pois hdNp (e1 ), e2 i = he1 , dNp (e2 )i =
he1 , −κ2 e2 i = 0 pela perpendicularidade de e1 e e2 . Ainda, em um ponto umbı́lico não
planar, todo par de direções ortogonais é um par de direções conjugadas; e em um ponto
umbı́lico planar, para qualquer vetor, é direção conjugada a outro vetor.

108
Proposição 27. Seja p ∈ S um ponto que não seja umbı́lico e uma base ortonor-
mal formada por autovetores de dNp em Tp S, β = {e1 , e2 }, ou seja dNp (e1 ) = −κ1 e1 ,
dNp (e2 ) = −κ2 e2 , seja também φ e θ os ângulos formado por e1 com um par de direções
r1 e r2 respectivamente. Então r1 e r2 são conjugados se e somente se

κ1 cos θ cos φ = −κ2 sin θ sin φ

Demonstração. Primeiramente, seja w1 , w2 ∈ Tp S vetores não nulos paralelos às direções


conjugadas r1 e r2 respectivamente, então escrevemos eles na base β por w1 = e1 cos θ +
e2 sin θ e w2 = e1 cos φ + e2 sin φ. Assim

hdNp (w1 ), w2 i = hdNp (e1 cos θ + e2 sin θ), e1 cos φ + e2 sin φi

= hdNp (e1 ) cos θ + dNp (e2 ) sin θ, e1 cos φi

+hdNp (e1 ) cos θ + dNp (e2 ) sin θ, e2 sin φi

= h−κ1 e1 cos θ, e1 cos φi + h−κ2 e2 sin θ, e1 cos φi

+h−κ1 e1 cos θ, sin φe2 i + h−κ2 e2 sin θ, e2 sin φi

= −κ1 cos θ cos φ − κ2 sin θ sin φ

= 0.

Logo, −κ1 cos θ cos φ = κ2 sin θ sin φ


Por outro lado, como temos uma relação de igualdades, podemos tomar como ponto
de partida −κ1 cos θ cos φ = κ2 sin θ sin φ e pelo caminho inverso chegar em hdNp (w1 ), w2 i.
Também é possı́vel chegar em hw1 , dNp (w2 )i , pelo mesmo raciocı́nio. Logo hdNp (w1 ), w2 i =
hw1 , dNp (w2 )i = 0, isto mostra que w1 e w2 são conjugados. Portanto r1 e r2 são direções
conjugadas.

4.2 Aplicação de Gauss em Coordenadas Locais

Na seção anterior vimos a aplicação de Gauss num ponto de vista geométrico, e assim
definimos as propriedades da segunda forma fundamental, a curvatura normal, direções
principais, curvatura média, entre outras, evitando mencionar às coordenadas locais.
Nessa seção a segunda forma fundamental e a diferencial da aplicação de Gauss será

109
expressada no sistema de coordenadas locais construindo assim um aspecto algébrico.
Desta maneira teremos um método sistemático para lidar com exemplos mais especı́ficos.
Nesta seção será considerada as parametrizações X : U ⊂ R2 → S cuja a orientação
N seja compatı́vel com a orientação de S tomada. Ou seja,

Xu ∧ X v
N (U ) = .
|Xu ∧ Xv |

Dada a superfı́cie S e uma parametrização X(u, v) da vizinhança de p ∈ S, seja


α(t) = (u(t), v(t)) uma curva parametrizada em S, com α(0) = p. Afim de simplificar as
próximas notações, vamos considerar que todas as funções encontradas apresentam seus
valores em p. Sabemos que o vetor tangente α0 em p é α0 = Xu u0 + Xv v 0 . Sabemos
também que a diferencial é dada por

dN (α0 ) = N 0 (u(t), v(t)) = Nu u0 + Nv v 0 .

Vimos na seção anterior que Nu , Nv ∈ Tp S, vamos então escrever esses vetores como

Nu = a11 Xu + a21 Xv

Nu = a12 Xu + a22 Xv .

Essas equações são conhecidas como as equações de Weingarten. Por conseguinte,

dN (α0 ) = (a11 Xu + a21 Xv )u0 + (a12 Xu + a22 Xv )v 0

= (a11 u0 + a12 v 0 )Xu + (a21 u0 + a22 v 0 )Xv .

Reescrevendo em uma forma matricial


    
u0 a11 a12 u0
dN   =    .
0 0
v a21 a22 v
Podemos ver assim que dN descrita na base {Xu , Xv } é representada pela matriz
(aij ), i, j = 1, 2. Note que a matriz acima não é simétrica, isso só ocorrerá caso essa base
for ortonormal.

110
Assim sendo, vamos escrever a expressão da segunda forma fundamental na base
{Xu , Xv }

IIp (α0 ) = −hdN (α0 ), α0 i = N 0 (u(t), v(t))

= −hNu u0 + Nv v 0 , Xu u0 + Xv v 0 i

= −(u02 hNu , Xu i + u0 v 0 hNu , Xv i + v 0 u0 hNv , Xu i + v 02 hNv , Xv i).

Como hN, Xu i = hN, Xv i = 0, então −hNv , Xu i = hN, Xuv i = hN, Xvu i = −hNu , Xv i.
Logo,

IIp (α0 ) = −(u02 hNu , Xu i + 2u0 v 0 hNu , Xv i + v 02 hNv , Xv i)

Que denotaremos

−e = hNu , Xu i

−f = hNu , Xv i = hNv , Xu i

−g = hNv , Xv i.

Assim, e, f e g são os coeficientes da segunda forma fundamental. Portanto, nossa


expressão ficará
IIp (α0 ) = e(u0 )2 + 2f u0 v 0 + g(v 0 )2 .

Podemos agora obter os coeficientes aij em termos de e, f, g. Assim,

−e = hNu , Xu i = ha11 Xu + a21 Xv , Xu i = a11 hXu , Xu i + a21 hXv , Xu i

−f = hNu , Xv i = ha11 Xu + a21 Xv , Xv i = a11 hXu , Xv i + a21 hXv , Xv i

−f = hNv , Xu i = ha12 Xu + a22 Xv , Xv i = a12 hXu , Xv i + a22 hXv , Xv i

−g = hNv , Xv i = ha12 Xu + a22 Xv , Xv i = a12 hXu , Xv i + a22 Xv , Xv .

Substituindo os termos da primeira forma fundamental nas expressões acima

−e = a11 E + a21 F

−f = a11 F + a21 G

−f = a12 E + a22 F

−g = a12 F + a22 G.

111
Que podemos escrever na seguinte forma matricial
    
e f a a E F
−  =  11 12   ; (11)
f g a21 a22 F G

denotando ()−1 como a matriz inversa de (), então


    −1
a11 a12 e f E F
  = −  
a21 a22 f g F G

Entretanto, é possı́vel calcular a matriz inversa obtendo


 −1  
E F 1 E −F
  =  
EG − F 2
F G −F G

Consequentemente, as expressões dos coeficientes (aij ) da matriz dN na base {Xu , Xv }


fica determinado como

f F − eG
a11 = ,
EG − F 2
gF − f G
a12 = ,
EG − F 2
eF − f E
a21 = ,
EG − F 2
f F − gE
a22 = .
EG − F 2

A curvatura Gaussiana pode ser obtida da Equação 11 (ver Definição 33)

eg − f 2
K = det(aij ) = .
EG − F 2

Na seção anterior vimos que −κ1 e −κ2 são os autovalores de dN , afim de obter a
curvatura média e sabendo que κ1 e κ2 satisfazem a equação

dN (v) = −κv = −κI(v)

para algum vetor v ∈ Tp S, v 6= 0, e I a aplicação identidade em v. Assim temos


 
a11 + κ a12
dN + κI =   = 0.
a21 a22 + κ

112
Logo, a soma dessas matrises não é invertı́vel. Desse modo
 
a11 + κ a12
det   = κ2 + κ(a11 + a22 ) + a11 a22 − a21 a12 = 0.
a21 a22 + κ

As raı́ses da equação quadrática acima serão κ1 e κ2 . E usando a propriedade da soma


das raı́zes de um polinômio de segundo grau, temos

κ1 + κ2 = −(a11 + a22 )/1.

Assim é fácil ver que (Definição 33),


1 1 1 eG − 2f F + gE
H = (κ1 + κ2 ) = − (a11 + a22 ) = ;
2 2 2 EG − F 2
Tendo isso em vista, então podemos escrever

κ2 + 2Hκ + K = 0.

Portanto,

κ=H± H 2 − K.

Segue da relação acima que, tomando κ1 (p) ≥ κ2 (p), e variando p em sua vizinhança,
ou seja p ∈ V ⊂ X(U ) ⊂ S, então as funções

κ1 = H + H2 − K

κ2 = H − H2 − K

são contı́nuas, além disso, elas são diferenciáveis com exceção dos pontos umbı́licos de S
onde H 2 = K.
Nas preliminares nós definimos que det(u, v, w) = hu ∧ v, wi para vetores u, v, w ∈ R3 ,
nos cálculos posteriores deste capı́tulo, faremos a seguinte abreviação desse determinante

hu ∧ v, wi = (u, v, w).

Proposição 28. Seja p ∈ S, um ponto elı́ptico de uma superfı́cie S. Então existe uma
vizinhança V ⊂ S de p, tal que todos os pontos de V estão do mesmo lado do plano
tangente Tp S. Seja p ∈ S um ponto hiperbólico. Então em cada vizinhança de p existem
pontos de ambos os lados de Tp S.

113
Demonstração. Parametrizamos a vizinhança de p por X(u, v), tal que X(0, 0) = p, o
cálculo da distância d de um ponto q = X(u, v) ao plano tangente Tp S é dado por

d = hX(u, v) − X(0, 0), N (p)i.

Pela diferenciabilidade de X(u, v), a reescrevemos na fórmula de Taylor:

1
X(u, v) = X(0, 0) + Xu u + Xv v + (Xuu u2 + 2Xuv uv + Xvv v 2 ) + R̃.
2

Tal que as derivadas parciais são calculadas em (0, 0) e R̃ é uma função que corrige a
diferença da supefı́cie S com o parabolóide descrita nas outras parcelas da equação. Em
outras palavras, R̃ satisfaz

lim = 0.
(u,v)→(0,0) u2 + v2
Substituindo a fórmula de Taylor no cálculo da distância obtemos

d = hX(u, v) − X(0, 0), N (p)i


1
= hX(0, 0) + Xu u + Xv v + (Xuu u2 + 2Xuv uv + Xvv v 2 ) + R̃ − X(0, 0), N (p)i
2
1
= uhXu , N (p)i + vhXv , N (p)i + (u2 hXuu , N (p)i + 2uvhXuv , N (p)i + v 2 hXvv , N (p)i) + R
2
1 2
= (u hXuu , N (p)i + 2uvhXuv , N (p)i + v 2 hXvv , N (p)i) + R
2
1 2 1
= (eu + 2f uv + gv 2 ) + R = IIp (w) + R
2 2

Com w = Xu u0 + Xv v 0 e R = hR̃, N (p)i, assim

R
lim = 0.
(u,v)→(0,0) |w|2

Note que d pode ser descrito pela segunda forma fundamental em um vizinhança muito
próxima de p e como vimos na seção anterior, em um ponto elı́ptico IIp não muda de sinal,
logo em pontos próximos de p, d não muda de sinal, assim todos os pontos estão no mesmo
lado do plano nessa vizinhança.
Por outro lado, quando p é um ponto hiperbólico, em cada vizinhança de p há pontos
(u1 , v1 ) = w1 e (u2 , v2 ) = w2 , tal que IIp (w1 ) tem sinal oposto de IIp (w2 ). Isso implica
que nesses pontos próximos a p estão em lados distintos do plano Tp S.

114
Podemos afirmar também que a utilização das coordenadas locais para expressar a
segunda forma fundamental é muito útil para estudar as direções principais e a as direções
assintóticas.
Então tomando a parametrização X(u, v) de p ∈ S, tal que X(0, 0) = p, e seja e(u, v) =
e, f (u, v) = f , e g(u, v) = g coeficientes da segunda forma fundamental da parametrização
considarada, então vamos determinar as direções assintóticas (confira Definição 36, Seção
4.1). Lembre-se de que uma curva regular conexa C é chamada de curva assintótica se
e somente se, uma parametrização sua dada por α(t) = X(u(t), v(t)), t ∈ I, teremos
IIp (α0 (t)) = 0, ∀t ∈ I. Ou seja, quando

e(u0 )2 + 2f u0 v 0 + g(v 0 )2 = 0

para todo t ∈ I. Essa última equação é denominada de equação diferencial assintótica.


Disso concluı́mos que em uma vizinhança parametrizada de p onde eg − f 2 < 0 (um
ponto hiperbólico), para que uma curva coordenada da parametrização seja assintótica,
uma condição necessária e suficiente é de que e = g = 0.
Essa afirmação é verdadeira, uma vez que para u(t) costante, v(t) = v, e u(t) = u,
v(t) constante, então e = g = 0. Por outro lado, se vale a condição e = g = 0 e f 6= 0
então temos f u0 v 0 = 0, logo u ou v será constante.
Mantendo essas notações, trataremos agora das curvas principais. Uma curva regular
e conexa C de uma vizinhança coordenada X é chamada linha de curvatura (veja a
Definição 32, Seção 4.1), se e somente se, para uma parametrização qualquer α(t) =
X(u(t), v(t)), t ∈ I, temos
dN (α0 (t)) = λ(t)α0 (t)

(confira a Proposição 26, Seção 4.1).


Segue que u0 (t), v 0 (t) satisfazem as seguintes equações
f F − eG 0 gF − f G 0
u + v = λu0 ,
EG − F 2 EG − F 2
eF − f E 0 f F − gE 0
u + v = λv 0 .
EG − F 2 EG − F 2
Ao eliminar λ desse sistema de equações ficamos com

(f E − eF )(u0 )2 + (gE − eG)u0 v 0 + (gF − f G)(v 0 )2 = 0,

115
que é o sistema de equação diferencial das linhas de curvatura. Reescrevemos ela na forma
matricial e mais simétrica
(v 0 )2 −u0 v 0 (u0 )2
E F G =0
e f g
Sabendo que as direções principais são ortogonais, então para que uma curva coorde-
nada parametrizada seja uma linha de curvatura é suficiente e necessária a condição que
F = f = 0.
Para encerrar essa seção, vamos dar uma interpretação geométrica da curvatura Gaus-
siana nos termos da aplicação de Gauss N : S → S 2 . Sendo essa a forma que Gauss fez
a introdução do conceito de curvatura. Mas antes, segue algumas definições.

Definição 39. Sejam S e S duas superfı́cies regulares orientadas. Seja ϕ : S → S


uma aplicação diferenciável e suponha que para algum p ∈ S, dϕp não seja singular.
Dizemos que ϕ preserva orientação em p se dada uma base positiva {w1 , w2 } em Tp S,
então {dϕp (w1 ), dϕp (w2 )} é uma base positiva em Tϕ(p) S. Se {dϕp (w1 ), dϕp (w2 )} não é
uma base positiva, dizemos que ϕ reverte orientação em p.

Como as superfı́cies S, S 2 ⊂ R3 , então uma orientação N em S induz uma orientação


N em S 2 . Seja p ∈ S tal que dNp é não-singular. Como, para uma base {w1 , w2 } em Tp S,

dNp (w1 ) ∧ dNp (w2 ) = det(dNp )(w1 ∧ w2 ) = Kw1 ∧ w2 ,

a aplicação de Gauss N preserva a orientação em p ∈ S se K(p) > 0 e reverte a orientação


em p ∈ S se K(p) < 0. Ou seja, uma orientação de Tp S induz uma orientação em curvas
pequenas e fechadas de S, ao redor de p. Na imagem por N dessas curvas poderá ocorrer
duas situações:

1. Se p é um ponto elı́ptico e V uma vizinhança conexa de p em S tal que K > 0 em


todos os pontos da vizinhança, seja uma curva fechada α(t) : I ⊂ R → V ao redor
de p, então a imagem de α por N possuirá a mesma orientação. Confira a Figura
37.

116
Figura 37: Orientação preservada pela aplicação de Gauss.

2. Se p é um ponto hiperbólico e V uma vizinhança conexa de p em S tal que K < 0


em todos os pontos da vizinhança, seja uma curva fechada α(t) : I ⊂ R → V ao
redor de p, então a imagem de α por N possuirá uma orientação oposta. Confira a
Figura 38.

Figura 38: Orientação invertida pela aplicação de Gauss.

Vamos encerrar esse capı́tulo enunciando a proposição que trará um sentido na inter-
pretação geométrica da curvatura Gaussiana K, com K 6= 0.

Proposição 29. Seja p um ponto de uma superfı́cie S tal que a curvatura Gaussiana

117
K(p) 6= 0, e seja V uma vizinhança conexa de p onde K não muda de sinal. Então
A0
K(p) = lim ,
A→0 A

onde A é a área de uma região B ⊂ V contendo p, A0 é a área da imagem de B pela


aplicação de Gauss N : S → S 2 , e o limite é tomado através de uma sequência de regiões
Bn que convergem para p, no sentindo em que toda esfera centrada em p contém todos
Bn , para n suficientemente grande.

Demonstração. Dada a parametrização X : U ⊂ R2 → S que contém uma vizinhança V


do ponto p ∈ V . A área A de uma região B é calculada por
Z Z
A= |Xu ∧ Xv |dudv,
R

com R sendo a região do plano uv, tal que X(R) = B. Já a área A0 calculada em N (B) é
Z Z
0
A = |Nu ∧ Nv |dudv,
R

Lembrando que

Nu = a11 Xu + a21 Xv

Nu = a12 Xu + a22 Xv

e pela definição de K, então escrevemos A0 como

Z Z
0
A = |Nu ∧ Nv |dudv
Z RZ
= |(a11 Xu + a21 Xv ) ∧ (a12 Xu + a22 Xv )|dudv
Z RZ
= (a11 a22 − a21 a12 )|Xu ∧ Xv |dudv
Z RZ
= K|Xu ∧ Xv |dudv.
R

Agora calularemos o limite da função A0 /A com A → 0, desta maneira a área da região


R também tenderá a zero (denotaremos a área da região R pela mesma letra).

118
A0
A0 R
lim = lim A
A→0 A A→0
R
1
RR
limR→0 R
|Xu ∧ Xv |dudv
R
= 1
RR
limR→0 R
K|Xu ∧ Xv |dudv
R
|Xu ∧ Xv |
= K = K.
|Xu ∧ Xv |

Para as igualdades acima utilizamos o teorema do valor médio para integrais duplas
que poderá ser encontrado no livro [7]. E assim concluı́mos a demonstração.

Exemplo 41. Tomando a superfı́cie do Exemplo 19, faremos o cálculo da curvatura


Gaussiana dos pontos p contidos no Toro, seja a parametrização

X(u, v) = ((a + r cos(u)) cos(v), (a + r cos(u)) sin(v), r sin(u)),

U = {(u, v) ∈ R2 : 0 < u < 2π, 0 < v < 2π}.

Vamos destacar aqui as seguintes derivadas parciais que utilizaremos para o cálculo
de e, f, g.

Xu = (−r sin u cos v, −r sin u sin v, r cos u),

Xv = (−(a + r cos(u)) sin v, (a + r cos(u)) cos v, 0),

Xuu = (−r cos u cos v, −r cos u sin v, −r sin u),

Xuv = (r sin u sin v, −r sin u cos v, 0),

Xvv = (−(a + r cos(u)) cos v, (a + r cos(u)) sin v, 0).

Com esses valores obtemos os coeficientes da primeira forma fundamental por

E = hXu , Xu i = r2

F = hXu , Xv i = 0

G = hXv , Xv i = (a + r cos(u))2 .

Calcularemos também os seguintes determinantes

119
−r sin u cos v −r sin u sin v r cos u
det(Xu , Xv , Xuu ) = −(a + r cos(u)) sin v (a + r cos(u)) cos v 0
−r cos u cos v −r cos u sin v −r sin u
= r2 (a + r cos u),

−r sin u cos v −r sin u sin v r cos u


det(Xu , Xv , Xuv ) = −(a + r cos(u)) sin v (a + r cos(u)) cos v 0
r sin u sin v −r sin u cos v 0
= 0,

−r sin u cos v −r sin u sin v r cos u


det(Xu , Xv , Xvv ) = −(a + r cos(u)) sin v (a + r cos(u)) cos v 0
−(a + r cos(u)) cos v (a + r cos(u)) sin v 0
= r(a + r cos(u))2 cos u.

Agora podemos calcular os coeficientes da segunda forma fundamental

r2 (a + r cos u)
 
X u ∧ Xv (Xu , Xv , Xuu )
e = , Xuu = √ = =r
|Xu ∧ Xv | EG − F 2 r(a + r cos u)
(Xu , Xv , Xuv )
f = =0
r(a + r cos u)
(Xu , Xv , Xvv )
g = = cos u(a + r cos u),
r(a + r cos u)

e por fim
eg − f 2 r(a + r cos u) cos u cos u
K= = = .
EG − F 2 r2 (a + r cos u)2 (a + r cos u)
Com isso vemos que para 0 < u < π/2 ou 3π/2 < u < 2π a curvatura Gaussiana
resulta em K > 0, se u = π/2 ou u = 3π/2 então K = 0 e em π/2 < u < 3π/2, então
K < 0. Concluı́mos que o Toro é uma superfı́cie que contém pontos elı́pticos, parabólicos
e hiperbólicos.

120
5 Considerações Finais
A construção da Geometria Diferencial se dá de maneira incrı́vel através da união
de muitos resultados dos mais elementares aos mais elaborados. Através dos anos os
matemáticos fizeram grandes inovações, principalmente com a criação do cálculo, que foi
uma ferramenta muito últil e pôde aprimorar a geometria clássica, dando origem à uma
geometria moderna, que conhecemos como Geometria Diferencial. Essa combinação nos
trouxe um novo olhar nessa área da matemática, possibilitando construir novas entidades
geométricas. Ela facilitou o cálculo das tangentes e curvaturas em curvas e superfı́cies,
calcular comprimentos e áreas, e ainda criar a primeira e segunda forma fundamental,
entre muitas outras aplicações que poderı́amos citar.
Essa teoria matemática é ampla e ainda podemos contruir com ela por exemplo a “Ge-
ometria Intrı́seca das Superfı́cies”e o grande “Teorema de Gauss-Bonnet”. Esses assuntos
são de grande importância nessa área e pretendo ter um maior aprofundamento nisso.
Para mim, foi um grande desafio o estudo feito desse trabalho, uma vez que a dis-
ciplina de geometria diferencial não faz parte do currı́culo do curso de licenciatura em
matemática. Entretanto, também foi um grande prazer me dedicar nele, e me trouxe
muito conhecimento, não só dessa área em especı́fico, mas também na investigação da
matemática teórica, no desenvolvimento das minhas habilidades de formalização e a es-
crita da linguagem matemática.
Enfim espero que o estudo que feito nesse trabalho possa servir a outros acadêmicos
e pessoas que buscam mais conhecimentos e que desejam aprender sobre geometria dife-
rencial.

121
Referências
[1] COIMBRA, J. R. V., Uma Introdução à Geometria Diferencial, Dissertação de Mes-
trado, São Paulo, UNICAMP, 2008.

[2] LIPSCHUTZ, S. and LIPSON, M., Álgebra Linear, 4.ed. Rio Grande do Sul, UFRGS,
2011.

[3] ELON, L. L., Análise Real, Vol.1. Rio de Janeiro, IMPA, 2016.

[4] CARMO, M. P., Geometria Diferencial de Curvas e Superfı́cies, 6.ed. Rio de Ja-
neiro,IMPA, 2014.

[5] ELON, L. L., Análise no Espaço Rn, 2.ed. Rio de Janeiro, IMPA, 2016.

[6] BOYCE, W. E. and DIPRIMA, R. C., Equações Diferenciais Elementares e Proble-


mas de Valores de Contorno. 10.ed. Rio de Janeiro, LTC, 2015.

[7] GUIDORIZZI, H. L., Um Curso de Cálculo, Vol 1 e 2, 5 ed., Ed. LTC, 2002.

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