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Devassando o Invisível

14.501
Este livro foi composto na ortografia usada pela Editora, ou seja, a de 1943, com
algumas das modificações propostas pela de 1915.

Yvonne A. Pereira

Devassando o Invisivel

(€eludo sobre en3meno e ,tato &ancendentee devaMado pela mediunidade, ob a


orientação
dc €ipíriloe-Gtiía4 da médium)

2 edição
Do 6’ ao 15’ milhar

FEDERAÇÃO ESPIRITA BRASILEIRA


(Departamento Editorial)
Rua Souza Valente, 17 e Avenida Passos, 30
RIO, Gb — ZC-08

Composto e impresso nas oficinas da


— FEDERAÇÃO — 73-RA; 1O.006-L; 1964

Indice
Pág.
Introdução . 7
Cap. 1 — Nada de novo 9
Cap. II — Como se trajam os Espiritos 39
Cap. III — Frederico Chopin, na Espiritualidade 61
Cap. IV — Nas Regiões Inferiores 84
Cap. V — Mistificadores Obsessões 103
Cap. VI — Romances mediúnicos 116
Cap. VII O amigo beletrista 145
Cap. VIII Sutilezas da Mediunidade 174
Cap. IX — As virtudes do Consolador 198
Cap. X Os grandes segredos do Além 215
Introdução

Apresentando estas páginas ao público, nada mais fazemos que obedecer às


instruções da entidade espiritual Charles, amigo desvelado que há sido o anjo
bom de nossa vida. Nenhum sentimento de vaidade animou o nosso lápis, quando
traçávamos fatos ocorridos com nossa própria mediunidade, pois de longa data
fôramos informada de que, se eles assim se desenrolaram, isso não significava
privilégio à nossa pessoa, mas porque nossa faculdade a tanto se presta, por
predisposições particulares, no desdobrar natural de suas forças; e, ademais, para
que viéssem a público testemunhar, ainda uma vez, o que outros adeptos do
Espiritismo testemunharam também, visto ser de interesse geral que se
patenteiem sempre, por múltiplos sinais, os fatos que o Além-Túmulo, desde
tempos remotos, tem concedido aos homens. Quanto escrevemos aqui, existe nos
códigos doutrinários espíritas. Não se trata, pois, de obra pessoal, mesmo porque
o personalismo, se se infiltrar na Doutrina Espírita, acarretará a sua corrupção,
como sucedeu ao próprio Cristianismo. Não apresentamos, tão-pouco, frutos da
nossa escolha, porquanto as observações que aqui vêm anotadas foram
selecionadas pelos instrutores espirituais, e nem sequer tivemos desejo de
organizar o presente volume. Cumprimos ordem do Além, apenas, como
instrumentação que fomos das intuições positivas de amigos espirituais como
Charles, Bezerra de Menezes, Léon Denis, Inácio Bittencourt e Leão Tolstoi, que
nos assistiam durante a tarefa, levando-nos a compilar recordações de
ocorrências passadas, que jaziam adormecidas, e indicando até mesmo os
trechos das obras de Allan Kardec a citar, como tese, no cabeçalho de cada
capítulo.

Devassando o Invisível

No entanto, se algo arrogamos para nós própria, é


o direito de afirmar os fatos positivos apreciados no Invisível, aqui citados.
Afirmamo-los, pois, com todas as nossas forças e convicções, porque os vimos,
apresentados por nossos mentores espirituais, examinámo-los, apreciámo-los. E
de tão longa data esses acontecimentos de Além-Túmulo se sucedem em nossa
vida; e tão habituada nos achamos, no presente, à sua realidade, que o Além-
Túmulo para nós, deixou de ser uma sensação, para se tornar sequência diária da
nossa vida.., a tal ponto que, às vezes, confundimos os dois mundos, não
lembrando, de momento, se tal ou qual acontecimento foi ocorrido aqui, na Terra,
ou além, no Invisível; e muitas vezes acontece, outrossim, que amigos nossos, do
imvisível, costumam ser confundidos, de imediato, com outros tantos da Terra..
Possam estas páginas despertar, no coração do leitor,
o amor ao estudo, tão necessário, da Revelação Espírita;
e que a observação e a análise Se sucedam, de sua parte,
ao ponto final das lições ventiladas.
Quanto a nós, continuaremos a fazer coro a um dos
maiores devassadores do Invisível que a Terra conheceu.
— William Crookes —, quando afirmou:
«Não digo que isto é possível; digo: isto é real!”

Rio de Janeiro, 15 de Dezembro de 1962.

YVONNE A. PEREIRA

CAPÍTULO 1

Nada de novo...

— “O vácuo absoluto existe em alguma parte no Espaço universal?”


“Não, não há vácuo, O que te parece vazio está ocupado por matéria que te
escapa aos
sentidos e aos instrumentos.”
(ALLAN KARDEC — O Livro dos Espíritos”, Pergunta 36,)
Adeptos há da Doutrina Espírita que rejeitam, até hoje, a versão intimamente
muito ventilada pelos Espíritos desencarnados, através de obras ditadas
psicogràficamente, de um mundo material, invisível aos olhos carnais, mundo esse
vibrátil e intenso, onde existirá, em estado aperfeiçoado, ampliado até à vertigem,
muito do que na Terra existe. Respeitamos, certamente, a opinião dos refratários a
essa revelação, visto que, se é dever de qualquer cidadão respeitar opiniões
alheias, ao espírita, com muito maior razão, assistirá o dever de consideração à
opinião do próximo, ainda quando antagônica ao seu modo de ver e pensar. Não
seria, porém, ocioso raciocinarmos sobre ensinamentos particulares aos domínios
da Doutrina Espírita, raciocínios que, se nenhum proveito trouxerem à instrução
que nos cumpre dilatar diàriamente, ao menos nos auxiliarão no aprendizado da
meditação, exercitando-nos o pensamento para voos mais arrojados.
Estas páginas, como as demais que compõem o presente

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volume, não são frutos do nosso raciocínio pessoal, como o não são de nossas
concepções doutrinárias, visto que temos o cuidado de jamais estabelecer
concepções pessoais em assuntos de Espiritismo. Certa da nossa fragilidade,
renunciámos bem cedo à vaidade das opiniões próprias, para nos achegarmos
aos mestres e grandes vultos da Doutrina e junto deles buscar o ensinamento
seguro, aceitando igualmente o que o Invisível espontâneamente nos revela,
quando concorde com os ensinamentos básicos, revelações que, algumas vezes,
têm contrariado mesmo as ideias que havíamos feito sobre mais de um assunto.
Temos sido, portanto, tão somente um veículo transmissor das idéias e do
noticiário do Espaço, e, a mercê de Deus, empenhamo-nos esforçadamente em
ser passiva aos dedicados amigos invisíveis, ao se valerem da nossa faculdade.
E, por isso mesmo, o que aqui se afigura escrito por nossa pena mais não será do
que o murmúrio das vozes de amigos espirituais que nos dirigem o cérebro e
impulsionam o lápis, depois de haverem arrebatado o nosso Espírito a giros
instrutivos pelo Mundo Invisível, as mais das vezes.
*

**
Desde o advento da Doutrina Espírita, os nobres habitantes do mundo espiritual
que se têm comunicado com os homens, através de grande variedade de
médiuns, afirmam ser a Terra um pálido reflexo do Espaço. O Livro dos Médiuns»,
de Allan Kardec, no belo capítulo VIII — «Do Laboratório do Mundo Invisível» — é
fecundo em explicações que oferecem base para estudos e conclusões muito
profundas quanto à vertiginosa intensidade do plano invisível, a possibilidade de
realizações, ali, por assim dizer, «materiais», que as entidades desencarnadas
sempre afirmaram e que nos últimos tempos

DEVASSANDO O INVISÍVEL 11

vêm confirmando com insistência e pormenores dignos de atenção. E no precioso


compêndio «A Gênese», também de Allan Kardec, lemos o seguinte, no capítulo
XIV, sob o título — Ação dos Espíritos sobre os fluidos — Criações fluídicas —
Fotografias do pensamento:
«Os fluidos espirituais, que constituem um dos estados do fluido cósmico
universal, são, a bem dizer, a atmosfera dos seres espirituais; o elemento donde
eles tiram os materiais sobre que operam; o meio onde ocorrem os fenômenos
especiais, perceptíveis à visão e à audição do Espírito, mas que escapam aos
sentidos carnais, impressionáveis somente à matéria tangível; o meio onde se
forma a luz peculiar ao mundo espiritual, diferente, pela causa e pelos efeitos, da
luz ordinária; finalmente, o veículo do pensamento, como o ar o é do som.
«Os Espíritos atuam sobre os fluidos espirituais, não manipulando-os como os
homens manipulam os gases, mas empregando o pensamento e a vontade. (O
grifo é nosso.) Para os Espíritos, o pensamento e a vontade são o que é a mão
para o homem. Pelo pensamento, eles imprimem àqueles fluidos tal ou qual
direção, os aglomeram, combinam ou dispersam, organizam com eles conjuntos
que apresentam uma aparência, uma forma, uma coloração determinadas;
mudam-lhes as propriedades, como um químico muda a dos gases ou de outros
corpos combinando-os segundo certas leis. É a grande oficina ou laboratório da
vida espiritual. » (Parágrafos 13 e 14.)
E, no parágrafo 3, desse mesmo capítulo, encontraremos:
«No estado de eterização, o fluido cósmico não é uniforme: sem deixar de ser
etéreo, sofre modificações tão variadas em gênero e mais numerosas talvez do
que no estado de matéria tangível. Essas modificações constituem fluidos distintos
que, embora procedentes do mesmo princípio, são dotados de propriedades
especiais e

12 DEVASSANDO O INVISIVEL
dão lugar aos fenômenos peculiares ao mundo invisível. Dentro da relatividade de
tudo, esses fluidos têm para os Espíritos, que também são fluídicos, uma
aparência tão material, quanto a dos objetos tangíveis para os encarnados, e são,
para eles, o que são para nós as substâncias do mundo terrestre. Eles os
elaboram e combinam para produzirem determinados efeitos, como fazem os
homens com os seus materiais, ainda que por processos diferentes.»
Os próprios Espíritos ditos sofredores, até mesmo os criminosos, que se
costumam apresentar em bem dirigidas sessões práticas, narram acontecimentos
reais, positivos, que no Invisível se sucedem, um modo de viver e de agir, no
Espaço, muito distanciado daquele estado vago, indefinível, inexpressivo, que
muitos entendem seja o único verdadeiro, quando a Revelação propala, desde o
início, um mundo de vida intensa, mundo real e de realidades, onde o trabalho se
desdobra ao infinito e as realizações não conhecem ocasos. Nas entrelinhas de
grandes e conceituadas obras doutrinárias, existem claras alusões a sociedades,
ou «colônias», organizadas no Além-Túmulo, onde avultam cidades, casas,
palácios, jardins, etc., etc. Na erudita e encantadora obra «Depois da Morte», do
eminente colaborador de Allan Kardec, Léon Denis, o qual, como sabemos, além
de primoroso escritor foi um grande inspirado pelos Espíritos de escol, à página
235 da 7ª edição (FEB), Cap. XXXV, a exposição dessa tese não somente é
fecunda e expressiva, como também mesclada de grande beleza, como tudo o
que passou por aquele cérebro e aquela pena. Diz Léon Denis, na citada obra:
«O Espírito, pelo poder da sua vontade, opera sobre os fluidos do Espaço,
combina-os e os dispõe a seu gosto, dá-lhes as cores e as formas que convêm ao
seu fim. É por meio desses fluidos que se executam obras que desafiam toda
comparação e toda análise. Construções

DEVASSANDO O INVISÍVEL 13
aéreas, de cores brilhantes, de zimbórios resplandecentes: circos imensos onde
se reúnem em conselho os delegados do Universo; templos de vastas proporções,
donde se elevam acordes de uma harmonia divina; quadros variados, luminosos:
reproduções de vidas humanas, vidas de fé e de sacrifício, apostolados dolorosos,
dramas do Infinito (1). Como descrever magnificências que os próprios Espíritos
se declaram impotentes para exprimir no vocabulário humano? É nessas moradas
fluídicas que se ostentam as pompas das festas espirituais. Os Espíritos puros,
ofuscantes de luz, se agrupam em famílias. Seu brilho e as cores variadas de seus
invólucros permitem medir a sua elevação, determinar os seus atributos. » (Os
grifos são nossos.)
E ainda outros trechos desse belo volume trazem informações a respeito do
assunto, bastando que o leiamos com a devida atenção, bem assim vários
capítulos de outra obra sua — «O Problema do Ser, do Destino e da Dor».
Em outro magnífico livro do grande Denis — «No Invisível» —, à página 470, no
cap. XXVI, da 3ª edição (FEB), há também este pequeno trecho,
profundocomplexo, sugestivo, descortinando afirmações grandiosas:
«Dante Alighieri é médium incomparável. Sua «Divina Comédia» é uma
peregrinação através dos mundos invisíveis. Ozanã, o principal autor católico que
já analisou essa obra genial, reconhece que o seu plano é calcado nas grandes
linhas da iniciação nos mistérios antigos, cujo princípio, como é sabido, era a
comunhão com o oculto.» (Os grifos são nossos.)
Assim se expressa o grande inspirado Léon Denis,
(1) São essas reproduções de vidas humanas que os Instrutores Espirituais dão a
ver aos médiuns, no Espaço, durante o sono letárgico, ou desdobramento, e dos
quais se originam os romances mediúnicos, sempre tão atraentes. Vêde capitulo
VI.

14 DEVASSANDO O INVISIVEL
em suas obras, e, se mais não transcrevemos aqui, será por economia de espaço,
que precisaremos atender. Do exposto, no entanto, deduziremos que a «Divina
Comédia» não apresenta tão somente fantasias, como imaginaram os próprios
eruditos, mas ocorrências reais do Além-Túmulo, que o poeta visionário mesclou
de divagações, talvez propositadamente, numa época de incompreensões e
preconceitos ainda mais intransigentes que os verificados em nossos dias (2).
Os preciosos volumes escritos pelo sábio psiquista italiano Ernesto Bozzano,
produto de severa análise científica, são férteis em apontar esses mesmos locais
do Invisível, revelados por Espíritos desencarnados de adiantamento moral-
espiritual normal, cujas comunicações, psicografadas por vários médiuns
desconhecidos uns dos outros, alguns até completamente alheios ao Espiritismo,
foram examinadas e cientificamente analisadas por aquele ilustre autor. Ser-nos-á
impossível transcrever, aqui, muitos trechos de Bozzano a respeito, visto que em
suas obras encontramos fartas observações em torno da tese em apreço. Limitar-
nos-emos a citar alguns trechos do interessante livro «A Crise da Morte», onde
substancioso noticiário encontraremos sobre o assunto, além de alguns «detalhes
fundamentais» da sua análise sobre comunicações com Espíritos desencarnados.
Assim é que, no «Décimo-quarto caso», analisando uma das comunicações
inseridas no mesmo volume, Bozzano observa que
— «a paisagem «astral» se compõe de duas séries de
(2) Dante Alighieri —Ilustre poeta e pensador italiano, nascido em 1265 e falecido
em 1321, autor do poema épico “Divina Comédia”, considerado “uma das mais
altas concepções do espírito humano”. Esse poema contém as ideias e a filosofia
da Idade Média e se divide em três pontos: o Inferno, o Purgatório e o Paraíso, e
figura uma viagem do poeta ao Mundo Invisível. Pode-se acrescentar que essa
obra imortal criou a poesia e a linguagem italianas.

DEVASSANDO O INVISIVEL 15
objetivações do pensamento, bem distinta uma da outra. A primeira é permanente
e imutável, por ser a objetivação do pensamento e da vontade de entidades
espirituais muito elevadas, prepostas ao governo das esferas espirituais inferiores;
a outra é, ao contrário, transitória e muito mutável; seria a objetivação do
pensamento e da vontade de cada entidade desencarnada, criadora do seu
próprio meio imediato. » (3) (Os grifos são nossos.)
À página 153 da referida obra, nas «Conclusões» relativas ao último caso,
leremos o seguinte, no «detalhe
fundamental» n9 6:
«Terem-se achado (os Espíritos recém-desencarnados) num meio espiritual
radioso e maravilhoso (no caso de mortos moralmente normais), e num meio
tenebroso e opressivo (no caso de mortos moralmente depravados).»
No «detalhe» n9 7:
(3) Certa vez, durante um transporte em corpo astral, tivemos ocasião de visitar,
no Espaço, conduzida pelo Espírito de nossa mãe, uma tia falecida havia três
anos, Sra. Ernestina Ferraz, de quem fôramos muito amiga e de quem
recebêramos, sempre, muitas provas de dedicação e ternura maternal, sobre a
Terra. Recebeu-nos em “um meio imediato”, segundo as expressões de Bozzano,
criado por ela própria, pois havia um salão de visitas idêntico ao de sua antiga
residência terrena, com o velho piano de carvalho que fora seu (ou a sua
reprodução fluidica), e que, presentemente, se encontra em nosso poder. Aberto,
com a partitura no local devido, o piano fluídico era dedilhado por sua irmã caçula,
Luísa, também já falecida, a qual ela própria educara, inclusive ensinando-lhe
música. Tal a realidade da criação que, talvez perturbada com a situação frisante,
exclamámos, algo vexada:
— Oh, titia! O seu piano está necessitado de um reparo.., está desafinado.., mas
prometo que o mandarei consertar.
E ela, prontamente:
— Não te incomodes, minha filha, com este meu piano...
Presentemente, o piano, devidamente conservado, é mantido como recordação da
boa amiga que tanto nos serviu.

16 DEVASSANDO O INVISIVEL
«Terem reconhecido que o meio espiritual era um
novo mundo objetivo, substancial, real, análogo ao meio
terrestre espiritualizado. »
No «detalhe» n9 8:
«Haverem aprendido que isso era devido ao fato de que, no mundo espiritual, o
pensamento constitui uma força criadora, por meio da qual todo Espírito existente
no mundo «astral» pode reproduzir em torno de si o meio de suas recordações.»
No «detalhe» n’ 12:
«Terem aprendido que os Espíritos dos mortos gravitam fatalmente e
automàticamente para a esfera espiritual que lhes convém, por virtude da lei de
afinidades.» (Os grifos são nossos.)
E ponderamos nós: Se os Espíritos dos mortos fatalmente e automàticamente
gravitam para a esfera espiritual que lhes convém, é que tais esferas existiam
mesmo antes de eles para lá gravitarem, criadas, certamente, por outros Espíritos,
com os quais passarão a colaborar, na medida das próprias forças. Com efeito. No
«detalhe secundário» 11’ 4, do mesmo caso, Bozzano analisa:
«Acham-se de acordo (as almas dos mortos) em afirmar que, embora os Espíritos
tenham a faculdade de
criar mais ou menos bem, pela força do pensamento, o
que lhes seja necessário, todavia, quando se trata de
obras complexas e importantes, a tarefa é confiada a
grupos de Espíritos que nisso se especializaram. »
Dentre as comunicações analisadas por Bozzano, ressaltaremos as concedidas
pelo Espírito do inesquecível artista cinematográfico Rodolfo Valentino, falecido
em Agosto de 1926, à sua esposa Natacha Rambowa, nas sessões realizadas em
Nice, na França, e consideradas cientificamente muito importantes, nas quais são
citados pormenores desse mundo espiritual, e que muito edificam os estudiosos.
Não nos furtaremos ao prazer de

DEVASSANDO O INVISIVEL 17
oferecer ao leitor um substancioso trecho das mesmas comunicações. Assim se
expressa o Espírito do célebre «astro», através da psicografia do médium norte-
ameri cano, Jorge Benjamim Wehner, dirigindo-se à sua esposa:
— «Aqui, tudo o que existe parece constituído em virtude das diferentes
modalidades pelas quais se manifesta a força do pensamento. Afirmam-me que a
substância sobre que se exerce a força do pensamento é, na realidade, mais
sólida e mais durável do que as pedras e os metais no meio terrestre. Muitas
dificuldades encontrais, naturalmente, para conceber semelhante coisa, que,
parece, não se concilia com a ideia que se pode formar das modalidades em que
devera manifestar-se a força do pensamento. Eu, por minha parte, imaginava
tratar-se de criações formadas de uma matéria vaporosa; elas, porém, são, ao
contrário, mais sólidas e revestidas de cores mais vivas, do que o são os objetos
sólidos e coloridos do meio terrestre... As habitações são construídas por Espíritos
que se especializaram em modelar, pela força do pensamento, essa matéria
espiritual. Eles as constroem sempre tais como as desejam os Espíritos, pois que
tomam às subconsciências destes últimos os gabaritos mentais de seus desejos. »
(Os grifos são nossos.)
Um livro ainda mais antigo do que as obras de Bozzano — «A Vida Além do Véu»
— obtido também mediiinicamente pelo pastor protestante Rev. G. Vale Owen,
tornou-se célebre no assunto, pois que o Espírito da genitora do próprio médium
narra ao filho, em comunicações periódicas, as mesmas construções fluídicas do
mundo espiritual, isto é, jardins, estradas pitorescas, habitações, cidades, etc.
Semelhante médium é, certamente, insuspeito, visto que, como protestante,
seriam bem outras as ideias que alimentaria quanto à vida espiritual. Tais
comunicações, em sua maioria, datam do ano de 1913. Convém deliciarmos,
ainda, as nossas almas

18 DEVASSANDO O INVISÍVEL
com alguns pequenos trechos de tão interessante livro:
— «Pode agora fazer-me o favor de descrever sua casa, paisagens, etc. ?
pergunta o Rev. Vale Owen
ao Espírito de sua mãe.
E este responde:
— «E’ a Terra aperfeiçoada. Certo, o que chamais quarta dimensão, até certo
ponto existe aqui, mas não podemos descrevê-la claramente. Nós temos montes,
rios, belas florestas, e muitas casas; tudo foi preparado pelos que nos
precederam. Trabalhamos, atualmente, por nossa vez, construindo e regulando
tudo para os que, ainda durante algum tempo, têm que continuar a sua luta na
Terra. Quando eles vierem, encontrarão tudo pronto e preparado para recebê-los.
»
— «O tecido e a cor do nosso vestuário tomam a sua qualidade do estado
espiritual e do caráter de quem o usa. (O grifo é nosso.) O nosso ambiente é parte
de nós mesmos e a luz é um importante componente do nosso ambiente.
Entretanto, é de poderosa aplicação, debaixo de certas condições, como
poderemos ver naqueles salões .
«Não teriam de ser demolidas (as edificações), para aproveitar-se depois o
material em nova construção. Seria ele aproveitado com o prédio em pé. O tempo
não tem ação de espécie alguma sobre as nossas edificações. Elas não se
desfazem nem se arruínam. Sua durabilidade depende apenas da vontade dos
donos, e, enquanto eles quiserem, o edifício ficará de pé, podendo ser alterado ou
modificado consoante seus desejos.
— «...porque estas esferas são espirituais e não materiais.» (Grifo nosso.)
E o livro todo assim prossegue, em revelações belas e simples, lógicas e
edificantes, o que confirma o noticiário de muitos médiuns, que também chegam a
verificar tais realidades do mundo invisível durante seus desdobramentos em
espírito.

DEVASSANDO O INVISÍVEL 1
Mas não é só. Um livro encantador, «No Limiar do Etéreo», publicado em 1931, de
autoria do ilustre Dr.
J. Arthur Findlay, pesquisador dos fenômenos espíritas na erudita Inglaterra, que
tantos excelentes investigadores do Psiquismo concedeu ao mundo, conta, no
capítulo X — Noites de Instrução» —, o diálogo mantido, du- rante uma sessão
íntima com o célebre médium Sloan, com um Espírito que lhe respondia através
do fenômeno da voz direta e do qual destacamos os seguintes trechos:
— «Poderá dizer-me algo com relação ao vosso mundo?
— Todos os que estão num mesmo plano podem, como já disse, ver e tocar as
mesmas coisas. Se olhamos para um campo, é um campo o que todos vemos.
Cada coisa é a mesma para os que se acham nas mesmas condições de
desenvolvimento mental. Não é um sonho. Tudo é real para nós outros. Podemos
sentar-nos juntos e gozar da companhia uns dos outros, precisamente como
fazeis na Terra. Temos livros e podemos lê-los. Temos as mesmas sensações que
vós. Podemos dar longos passeios por uma região e encontrar um amigo a quem
não víamos desde muito tempo. Das flores e dos campos aspiramos os aromas,
como vós aí. Apanhamos flores, como o fazeis. Tudo é tangível, porém num grau
mais alto de beleza do que tudo na Terra.
— Assemelha-se à nossa a vossa vegetação?
— De certo modo, mas é muito mais linda.
— Como são as vossas casas?
— São quais as queremos. As vossas aí são primeiro concebidas em mente,
depois do que se junta a matéria física para construí-las de acordo com o que
imaginastes. Aqui, temos o poder de moldar a substância etérea, conforme
pensamos. Assim, também as nossas casas são produtos das nossas mentes.
Pensamos e cons
DEVASSANDO O INVISÍVEL
truímos. E’ uma questão de vibração do pensamento e, enquanto mantivermos
essas vibrações, conservaremos o objeto que, durante todo esse tempo, é objetivo
para os nossos sentidos. »
Tão explicativo esse X capítulo de «No Limiar do Etéreo», que temos pesar de não
ser possível transcrever mais alguns trechos para as nossas páginas, os quais,
acreditamos, edificariam os leitores, se se tornassem conhecidos. Também os
livros recebidos pela médium Zilda Gama, ditados pelo Espírito de Vítor Hugo,
num total de cinco boas obras, referem os mesmos noticiários, não obstante o
fazerem mui discretamente, destacando-se, dentre todos, um que já se tornou
célebre, porque editado em Esperanto pela FEB (tradução do Prof. Porto Carreiro
Neto) e correndo o mundo inteiro: «Na Sombra e na Luz».
Não relataremos aqui, por muito conhecidas dos leitores, as obras ditadas pela
entidade desencarnada André Luiz, e tão-pouco «Memórias de um Suicida», onde
o assunto é pormenorizado com as maiores franquezas. Fica ao leitor o cuidado
de estudar, portanto, as obras básicas, em geral, e as comunicações isoladas,
mesmo as provenientes de entidades sofredoras, com atenção e amor, meditando
e refletindo sobre tudo, sem espírito de prevenção, porque nas suas entrelinhas e
nos seus detalhes encontrará referências positivas sobre o interessante assunto.
E vale, ainda, declarar que não deveremos julgar sejam tais revelações realidades
existentes em outros planetas. Não! Os termos dos Espíritos são categóricos:
trata-se de esferas fluídicas do mundo invisível. Ao contrário, aos médiuns
inclinados a acreditarem que aquelas descrições traduziriam a vida em diferentes
planetas, os próprios Espíritos instrutores advertiram, chamando-
-lhes a atenção para o fato de que não se tratava de planetas materiais e sim do
Mundo Espiritual, a verdadeira pátria do Espírito.

DEVASSANDO O INVISÍVEL 21
Costumam alegar, os contraditores, que as obras ditadas mediinicamente,
contendo tais conceitos, seriam mistificações (o eterno recurso, ou o escudo de
que se servem aqueles que se sentem contrariados, sempre que assuntos novos
e, sobretudo, inéditos, são apresentados), ou «fantasias do cérebro de médiuns
ignorantes», como se expressam alguns, em oratórias entusiastas. Lembraremos,
porém, que as obras de Léon Denis estão recheadas dessas informações, e Léon
Denis, o grande continuador de Kardec, foi um filósofo, um escritor grande- mente
inspirado pelas forças superiores do Alto, e não um ignorante; que Ernesto
Bozzano afirmou, cientificamente, a mesma coisa, após suas admiráveis análises,
e Bozzano era um sábio, dos mais ilustres psiquistas do século XX; que o Rev.
Vale Owen, obtendo do Espírito de sua veneranda mãe as mesmas revelações,
não poderia ser um «médium ignorante», cujo cérebro criasse extravagâncias,
porque, como pastor protestante inglês, teria curso brilhante de algum seminário e
nem seria espírita; que o Sr. J. Arthur Findlay era um cérebro vigilante, eminente e
idôneo perquiridor do Psiquismo experimental, escritor e intelectual de renome,
não podendo, portanto, ser tachado de ignorante; que Zilda Gama, em cujas obras
encontramos as mesmas revelações, conquanto mais discretas, é uma professora
assaz culta e não um «médium ignorante» que Francisco Cândido Xavier não é
douto, mas tem dado a público livros de valor incontestável, que honrariam a
memória de muitos doutos, se estes pudessem escrever coisas semelhantes; e os
dois Espíritos — Emmanuel e André Luiz — que a esse médium ditam as obras,
têm dado testemunhos de muita lucidez e sabedoria, abordando teses variadas,
sempre analisadas por pessoas cultas e muito capazes, para serem tachados de
mistificadores. . . E que os próprios livros de Allan Kardec, oferecendo, à farta,
base para todas essas revelações e noticiários, conforme ci-

22 DEVASSANDO O INVIStVEL
támos linhas atrás, jamais foram considerados frutos de
mistificações.
De outro modo, se um médium que ama a Doutrina Espírita e por ela se sacrifica,
sem outro interesse senão o de servi-la; que a tudo no mundo renuncia, a fim de
conservar sua independência, para melhor se dedicar aos deveres que ela impõe,
até mesmo as mais santas aspirações do coração; se um médium que
moralmente se renova para Deus, através das mais duras provações e
humilhações diárias, sofrendo ataques de adversários até no seio da própria
Doutrina e padecendo, não raro, perseguições e vitupérios dentro do próprio lar;
se um médium, que morreu para si mesmo, a fim de melhor ressurgir para Deus e
tornar-se digno de se comunicar com os Espíritos iluminados, no intuito de bem
servir ao próximo e à Causa, não obtiver do seu Mestre Jesus -Crist e dos bons
Espíritos, a quem procurou honrar, senão mistificações de tal vulto, será melhor a
todos os adeptos do Espiritismo fechar os códigos da Doutrina e cuidar de vida
nova! Atribuir as revelações sobre a realidades do mundo invisível a mistificações
de entidades inferiores é desconhecer que, presidindo ao movimento do
Consolador neste mundo — como tão bem esclareceu Allan Kardec — há um
Espírito Celeste, a quem o Criador outorgou direitos sacrossantos sobre a Terra, o
qual não seria capaz de consentir, certamente, que essa Humanidade, pela qual
ele próprio se imolou em suplício numa cruz, fôsse tão grosseiramente iludida por
tanta gente, deste e do outro mundo... quando, afinal de contas, o Consolador, em
si mesmo, é fruto tão só da mediunidade.
Prosseguiremos, portanto, visto que o tema é profundo, prestando-se a
desdobramentos.
*
**

DEVASSANDO O INVISÍVEL 23
Quem, dentre nós, já assistiu aos últimos momentos de um moribundo poderá,
muitas vezes, observar os fatos aqui ventilados. O decesso de uma criatura que
retorna à verdadeira pátria — a espiritual —, tais sejam as circunstâncias, oferece
lições tão elucidativas quanto comoventes e belas. Durante o nosso longo trabalho
de assistência a enfermos e moribundos, tivemos ocasião para as mais edificantes
observações. Os tuberculosos, principalmente, que comumente expiram em plena
consciência dos seus últimos momentos sobre a Terra, apresentam vasto cabedal
para estudo.
Durante o período da agonia, eles como que desmaiam. Será o chamado estado
de coma. Um tênue fio fluídico os prende, ainda, ao fardo material que vai ser
abandonado. Foge-lhes a pulsação mantenedora da vida orgânica. Palidez
impressionante recobre suas feições, que descaem e se enrijecem. As pálpebras
cerradas encobrem os olhos, que as nuanças da morte já velaram de um
embaciamento significativo, mas suores abunda.ntes e fugitivo pulsar do coração
avisam que não foi ainda de todo libertada a pobre alma cativa naquele corpo. Ali
estão, porém, à beira do leito mortuário, a mãe angustiada, o pai acabrunhado, a
esposa lacrimosa, o filho inconsolável... Um choro violento, um brado de dor
pungente, a grita atormentada dos que ficam, sem poderem reter o ser amado que
se vai, quebra o silêncio augusto que deve presidir à cena patética de uma alma
que entrou em trabalho de libertação para a verdadeira vida. Então, o agonizante,
a custo, descerra as pálpebras. Volta-lhe a pulsação, volta-lhe até mesmo a
palavra. Um impulso de vontade e apego aos que lhe fora.m caros ao coração fá-
lo reviver, por instantes, num corpo que se achava quase definitivamente
abandonado. Com voz sussurrante, débil, balbucia:
— Oh! Porque me chamaram?... Eu estava tão bem.., num lugar tão belo!...

24 DEVASSANDO O INVISÍVEL
Foram as frases que pronunciou, certa vez, uma jovem agonizante de dezoito
primaveras, a cuja cabeceira
nos postávamos em prece, quando sua mãe, inconsolável,
e as irmãs se debulhavam em pranto desesperado... Ouvindo-a, perguntámos-lhe,
baixinho, enquanto rogávamos
a assistência dos seus tutelares, para que a ajudassem
a desprender-se dos pesados liames carnais: (4) Em que lugar te encontravas,
minha filha?...
Como era esse local?
Ela respondeu naturalmente, como se não fora uma
agonizante:
— Ah! Mas era um jardim delicioso e fresco... Cheio de flores lindas e
perfumosas... como nunca havia visto iguais... Um luar azul coloria-o todo...
— Viste alguém?
Sim... Umas sombras vaporosas me rodeavam...
Quem eram?
— Não pude reconhecê-las.., eu dormitava.., estou com tanto sono...
— Estavas sentada, caminhavas?
— Não, estava deitada, assim.., sobre a relva dos canteiros... E’ um jardim tão
lindo.., estou tão cansada...
Cerrou novamente os olhos e silenciou. Alguns minutos depois, expirava, serena e
docemente, sob nossas preces, sem que ninguém mais da família se animasse a
perturbá-la na sua consoladora paz.
Na década de 1930, as revelações sobre as realidades do mundo espiritual já
eram conhecidas dos adeptos
(4) Srta. Aldacira Figueiras, falecida na cidade de Barra do Pirai, Estado do Rio de
Janeiro, no ano de 1942, filha do Sr. Sebastião Figueiras, antigo Comandante da
Força Pública local, também já falecido.
DEVASSANDO O INVISIVEL

mais estudiosos da Doutrina Espírita, visto que elas foram concedidas aos
homens, como vimos, desde muito. André Luiz, porém, a eminente entidade
espiritual que tão substanciosos esclarecimentos nos vem ministrando através da
mediunidade de Francisco Cândido Xavier, não aparecera ainda com as
minudências explicativas da vida em Além-Túmulo. Guardávamos, pois,
desencorajada de apresentá-las a público, três das nossas obras já hoje editadas
(5), e isso em virtude de, na época em que foram as mesmas psicografadas,
conhecermos poucos livros doutrinários, não tendo ainda meditado satisfatà
riament
nem mesmo sobre as obras de Allan Kardec, como posteriormente os próprios
instrutores espirituais nos levaram a fazer. Receávamos que as revelações nelas
contidas fôssem fruto de lamentável engano, e nos detínhamos, conservando as
ditas obras no esquecimento, mas desencorajada de destruí-las. Também nós
acreditávamos a vida espiritual abstrata, indefinível, e quando nosso Espírito era
arrebatado, constatando a vida intensa dos planos espirituais, e suas belezas
ambientes, supúnhamos haver gravitado para um planeta melhor, um mundo
material, tais como Saturno, Júpiter ou outro qualquer, ignorando, pela época,
quão difícil é isso, tanto para um encarnado como para um desencarnado, não
obstante as suposições em contrário. Nossos amigos espirituais, porém, corrigiam
nosso entusiasmo interplanetário, se assim nos podemos expressar, e diziam, sem
serem por nós acatados em tais asserções durante mui-

to tempo:
— Não se trata de ambientes planetários... São realizações fluídicas do próprio
Espaço. . . Não saíste dos ambientes terrenos. . Procura aprender. . . Estuda,
estuda..

(5) ‘Nas Telas do Infinito”, “Memórias de um Suicida” e “Amor e Ódio”.

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26 DEVASSANDO O INVISIVEL
Ora, no mês de Julho de 1935, esposando nós ainda a mesma ideia, de que
visitávamos outros planetas durante o fenômeno do desdobramento espiritual,
tivemos a mão sàbitamente acionada pelo Espírito daquele que fora o nosso pai
terreno, antigo médium de boas faculdades curadoras, mas cuja instrução
doutrinária não passara da leitura de «O Livro dos Espíritos» e do Evangelho
segundo o Espiritismo», ambos de Allan Kardec. Havia ele falecido a 25 de
Janeiro do mesmo ano, e era a primeira vez que se comunicava mais
demoradamente, tudo indicando que assim fazia no intuito de esclarecer
justamente aquilo em que nos reconhecia equivocada.. Dizia ele,
psicogràficamente, descrevendo as impressõe5 vividas durante a rápida agonia
que teve, e depois as estranhezas no Além-Túmulo:
— «. . . Acabei por perder mesmo os sentidos ou adormecer, não sei ao certo... e
não pude ver mais nada... Quando despertei, já não me encontrava deitado em
meu leito, o que me surpreendeu, pois não me lembrava de tê-lo abandonado
antes. Fui despertando com lentidão. Eu ouvia e percebia muita coisa, mas
confusamente, e não me podia mexer nem abrir os olhos, e sentia frio. Parecia
antes um entorpecimento, que se desfizesse ao poucos, em vez do despertar de
um sono, o estado em que me encontrava. Sentia-me sentado numa cadeira de
balanço e compreendia que fora transportado para local muito aprazível, fresco,
ameno. O dia estava lindíssimo, com um céu muito claro, sol faiscante, e suave
brisa baloiçava uns galhos de flores trepadeiras, que eu vaga- mente percebia
junto de mim, os quais cheiravam muito agradàvelmente, pois me encontrava
numa espécie de varanda orlada de trepadeiras floridas, em uma casa igualmente
aprazível, mas desconhecida para mim. Fazia muito silêncio e eu me encontrava
só. O único rumor partia do orquestrar longínquo de uns pássaros, verdadeira
melodia que ressoava aos meus ouvidos com delicadeza e

-
DEVASSANDO O INVIStVEL 27
ternura (6). A princípio, imaginei encontrar-me em casa de minha cunhada
Ernestina, onde havia também uma varanda e pássaros cantadores presos em
gaiolas. Posteriormente, porém, verifiquei tratar-se de uma residêneia fluídica de
Além-Túmulo, onde morava minha mãe e onde eu próprio iria residir como
desenca.rnado...»
Mais adiante, continuava a narrativa, recordando as
primeiras impressões de recém-liberto:
— «Não compreendia bem o que se passava. Espreguicei-me muito, pois sentia
os órgãos (do perispírito) meio entorpecidos. Bocejei e tossi com estrondo, como
habitualmente fazia, e fumei um cigarro (7). O dia era tão lindo, com a atmosfera
mesclada de azul, que me levantei, reanimado, e debrucei-me à varanda, a fira de
apreciar a paisagem. Sentia-me bem de saúde, nenhum mal-estar físico me
importunava. Procurei ver os pássaros, que continuavam a cantar, mas não
consegui avistá-los. Aspirei os perfumes das flores trepadeiras e pus-
-me a assoviar minhas melodias preferidas. Sentia-me satisfeito e não pensava
absolutamente nada. Dir-se-ia que minha mente repousava. Li, depois, um jornal,
ali mesmo, na varanda, e tomei uma xícara de café, como de hábito. Penso que
me encontrava assaz abstraído, pois não percebi quem me servira o café e me
obsequiara com o jornal... Resolvi, então, fazer um passeio, o que havia muito não
me era permitido. Mas, si’ibitamente, lembrei-me de que não deveria fazê-lo,
porque me encontrava debilitado, doente... Pus-me a relembrar de tudo o que se
passara comigo mesmo, nos últimos tempos, e a confusão estabeleceu-se.., e
terminei desconfiando que algo irremediável, mas muito importante, adviera em mi
(6 A entidade comunicante amava os pássaros e costumava deter-se longo tempo
a ouvir o cântico dos canárlos
que possuía, quando encarnada.
(7) Vêde “O Livro dos Médiuns”, Cap. VIII — “Laboratório do Mundo Invisível”.
28 DEVASSANDO O INVISIVEL
nha vida... A morte é tão simples, tão pouco diferente da vida, que opera essa
confusão... Em geral se espera encontrar, depois da morte, coisas fantásticas,
imaginárias, impossíveis e pouco lógicas, ao passo que, em verdade, o Além-
Túmulo nada mais é que a continuação da vida que deixámos... Pelo menos,
assim o foi para mim. O senso da responsabilidade, o exame angustioso dos de-
méritos, assim como o reconforto do dever que se observou, sàmente advêm mais
tarde. . . »
Alongam-se os detalhes, narrando a presença de entidades amigas, que de início
não reconheceu, e conclui:
— «Então, surpreendido, vi mamãe aproximar-se de mim, caminhando ao longo
da varanda. Trajava longo vestido branco e achei-a bonita e rejuvenescida, tal
como na época em que enviuvara, isto é, nos seus vinte e cinco anos de idade.
Curvou-se afetadamente diante de mim, para cumprimentar, como se desejasse
brincar, e exclamou, risonha: — «Louvado seja Deus, meu filho! Que boa
surpresa, você poder vir para junto de sua mãe!. . . » Sàmente então, caindo em
mim, recebi um como choque de espanto, como quem despertasse de um
marasmo metal, e compreendi o que se passava. Em rápido rememorar, deslizou
à minha imaginação tudo quanto ocorrera, tal se uma faixa luminosa reproduzisse
diante dos meus olhos as cenas que eu necessitava ver para meu esclarecimento:
meu corpo inerte dentro de um caixão mortuário, vocês chorando por mim, meu
enterro, humilde e pobre, e minha sepultura coberta de flores ainda frescas. Havia
três dias que se dera o decesso. Então, eu chorei também, comovido e
amedrontado...
.0 lugar onde vivo é uma pequena «cidade», pobre, mas pitoresca. Muito
aprazível, sossegada, indicada para a convalescença daqueles que, como eu,
atravessaram uma existência de penúrias e provações, e convidativa para a
meditação e a reorganização das ideias para as futuras tentativas espirituais e
terrenas. Há, aqui,

DEVASSANDO O INVISIVEL 29
jardins, lagos e rios muito belos e muito azuis, como refletindo o céu, tal como os
daí. Tenho observado, no entanto, que nem os rios nem os lagos serão
prôpriamente formados pela água, como aí. Dir-se-ia tratar-se de gases
singulares, de líquidos fluidificados que imitariam ou equivaleriam às águas
terrenas. Silêncio constante, só quebrado pelo cântico de mil pássaros, que não
se deixam ver. Como ainda não trabalho, pois sou convalescente de uma
existência de sofrimentos e amarguras intensas, faço passeios e admiro as
belezas do ambiente, o qual, não obstante modesto, é a que de mais agradável eu
poderia aspirar. E’ uma coisa tão linda e singular que me faltam palavras para
descrevê-la... Não pensei, quando «vivo», pudesse alguém residir em local assim,
depois de desencarnado, e ainda não compreendi bem como pode ser tudo isso...
Mas o Dr. Carlos (8) diz que farei um estudo sobre todos esses assuntos e os
compreenderei integralmente, muito breve, porquanto este ambiente em que vivo
é espiritual e não planetário...»
Presentemente, esse Espírito, que em 1935 assim se expressava, encontra-se
internado em um «Reformatório» do Invisível, para fazer um curso, ou
aprendizado, de cuja natureza não fomos informada, mas tendo em vista uma
próxima encarnação, em que grandes responsabilidades lhe caberão.
Um raciocínio sereno, ponderado, isento de prevenções, levar-nos-á a concluir,
por tudo isso, que o Mundo Invisível não poderia, mesmo, ser uma abstração, o
vácuo onde nada existisse, pois semelhante hipótese seria a negação do próprio
Poder Divino, seria quase o «nada» dos negativistas, depois da morte. A própria
qualificação «Mundo Invisível» está a indicar que algo
(8) A entidade espiritual Charles, Espírito-guia da família.

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existe, sim, mas que os olhos carnais do homem são impotentes para contemplar.
De outro modo, declarando os Espíritos esclarecidos, como sempre o fizeram, que
a vida de Além-Túmulo é intensíssima, real; que lá as entidades desencarnadas (e
até as encarnadas, com especialidade as almas aplicadas a um desejo de
progresso mais rápido ou a um ideal a favor da Humanidade) fazem aprendizados,
estudos variados, realizam tarefas e missões em torno de causas nobres e a bem
do próximo; que existem regiões no Espaço (esferas) (9) interditadas a entidades
inferiores, pontos onde se aglomeram Espíritos de sábios, e ainda outros onde se
reúnem artistas, etc., necessàriamente estarão afirmando, em essência, que na
vida espiritual existirá tudo o que necessitaremos para a realização dos mesmos
aprendizados, estudos, tarefas e missões. E se tudo isso existe, porque não
existirão as demais realidades que vêm sendo reveladas desde sempre?... Ao
demais, todos os Espíritos que se referem à vida do Além asseveram não
encontrar palavras bastante expressivas para descreverem não só a intensidade,
como a harmonia e a beleza do mundo espiritual. Suas palavras, as descrições
que fazem desses locais, ou criações do Invisível, e que dão a ver aos médiuns,
estes só poderão transmitir empalidecidas pelo constrangimento da palavra
humana, tão pobre e imperfeita que até mesmo as regiões mais simples do plano
astral não são descritas a contento.
Para transmitirem o que até hoje há sido trazido às criaturas pelos Guias
Espirituais, é-lhes necessário criar imagens para os médiuns, imagens estas
subordinadas ao grau de concepção e poder assimilativo dos mesmos, o que
obrigará à própria faculdade mediúnica uma operação mental, um jogo de
tradução, se de tal expressão nos poderemos servir, que nem sempre reproduzirá
com
(9) “O Livro dos Espíritos” — Perguntas 87 e 402.

DEVASSANDO O INVISÍVEL
fidedignidade as informações e os esclarecimentos que o Espírito comunicante
pretende prestar. Ainda assim, para que tais coisas se façam, verdadeiras torturas
serão necessárias ao médium e ao seu Instrutor Espiritual. Em primeiro lugar, o
médium deverá redobrar esforços no sentido de renovar-se, moral e mentalmente,
durante o período de adestramento das faculdades, a fim de, na época oportuna,
conseguir fácil intercâmbio com a Espiritualidade mais alta, comunhão que terá de
ser constante, permanente, através dos atos cotidianos e não sômente às horas
de trabalho objetivo, de modo a que a permuta de vibrações o prepare
satisfatôriamente para o melindroso ministério e o conserve unido a seus
dedicados mentores espirituais.
Tal como esclarecem os códigos da Doutrina Espírita e a prática da mediunidade
confirma, suas vibrações, suas faculdades em geral, no momento do intercâmbio
mediúnico, terão de ser potenciadas ao máximo que sua natureza física, psíquica
e mental suportarem, o que para ele equivalerá a uma operação transcendental
algo torturante, enquanto a entidade instrutora comunicante deverá rebaixar suas
próprias vibrações e demais faculdades, até equipará-las, ou harmonizá-las, com
as do médium, o que, igualmente, para aquela entidade, será como tortura e uma
abnegação dignas do nosso respeito e da nossa veneração. Em tais ocasiões, o
médium poderá entrever o mundo invisível. Frequentemente ele o percebe.., e o
que aí enxerga ou apreende não consegue explicar integralmente, porquanto não
dispõe o cérebro humano dos necessários recursos para uma transmissão
perfeita. Durante suas fugas em corpo astral, pelo Espaço em fora, o que ele vê e
presencia, com seus Guias, não é, de forma alguma, um aglomerado de sombras,
o vácuo ou o invisível inexpressivo (10). É, sim, uma
(10) Em muitas reuniões de experimentação, é frequen

32 DEVASSANDO O INVISIVEL
vida intensa, real, ativa, superior, espiritualizada, onde o que existe é
superlativamente melhor e mais belo do que o existente na Terra, referência feita
aos planos felizes do mesmo Invisível. Está acima de tudo quanto o seu cérebro
pudesse inventar, pois não percamos de vista o fato de que, geralmente, os
médiuns não têm cultura intelectual tão sólida para poderem criar, por si mesmos,
assuntos dos quais, às vezes, jamais ouviram falar, senão vasto cabedal psíquico
armazenado, em sua subconsciência, desde passadas existências, fáceis de seus
Guias-Instrutores acionarem, a fim de poderem transmitir, ou compreender, o que
vêem.
De tudo quanto a respeito observamos, e do que a Revelação Espírita nos
participa, chegaremos, pois, às conclusões seguintes, as quais, para a maioria dos
adeptos do Espiritismo, não serão, certamente, surpreendentes novidades:
As construções do meio invisível são edificadas com
as essências disseminadas pelo Universo infinito, para a
te o médium que obtém a comunicação, ou outros que a elas assistem,
distinguirem o panorama ou os ambientes mentais que circundam o Espírito
comunicante. Recentemente, em certa sessão para cura de obsessões, realizada
num Centro Espírita do Méier, E. da Guanabara, durante a manifestação do
Espírito de um infeliz ébrio, que atuava sobre um pobre homem, chefe de
numerosa família, impelindo-o à embriaguez, foram vistos, pelos médiuns
presentes, um barril de aguardente e um cenário como de taverna, enquanto forte
cheiro de álcool, percebido por todos os presentes, se derramava pela sala. Na
cidade de Pedro Leopoldo, em uma sessão do Grupo “Meimei”, na qual tomava
parte o conceituado médium Francisco Cândido Xavier, em Março de 1956,
comunicava-se, por um dos médiuns presentes (Geraldo Rocha), o Espírito de um
bispo católico. Essa entidade não só se deixou ver, por várias das pessoas
presentes, envergando trajes sacerdotais, como também o ambiente em que vivia
como desencarnado: um belíssimo recanto de Catedral, com os vitrais fluindo
luzes multicores de grande efeito.

DEVASSANDO O INVISIVEL 33
realização dos desígnios da Providência a nosso respeito, isto é, para a criação de
quanto seja útil, necessário e agradável ao nosso Espírito, quer se encontre este
sobre a Terra, reencarnado, ou fruindo os gozos da Pátria Espiritual; trata-se do
fluido cósmico universal, ou de certas modificações deste, de que se origina o
fluido espiritual; do éter fecundado, fonte geradora de tudo quanto há dentro da
Criação, inclusive os próprios planetas materiais e o nosso perispírito.
Daremos a essas realizações espirituais o nome que quisermos, ou que a pobreza
da nossa linguagem puder interpretar. O certo é que tais essências, tais fluidos, ão
tão reais, tão concretos para os desencarnados como os elementos do mundo em
que vivemos o são para nós. Ünicamente, os desencarnados construirão, no
mundo espiritual, de maneira bem diversa daquela que empregamos na Terra. No
Espaço, como, aliás, na Terra, a vontade é soberana, o pensamento é motor, é
produtor, é criador. Reúne-se, por exemplo, um grupo, uma falange de Espíritos
evoluídos, que resolvem criar uma comunidade social no Espaço, destinada a
acelerar seus trabalhos e iniciativas em prol do progresso e do bem comum. São
espiritualmente homogêneos, dotados de elevadas capacidades morais,
intelectuais e artísticas, além de serem técnicos no assunto. Seus pensamentos
vibram uníssonos, do que resultam irradiações e movimentações poderosas,
coordenadoras, intensas até ao deslumbramento e ao incompreensível para nós
outros, os mortais inferiores. Eles já teriam programado o que desejavam produzir:
uma escola para a reeducação geral de Espíritos frágeis que delinquiram nas
experiências terrenas; um asilo ou reformatório, um hospital para o reajustamento
mental ou vibratório de pobres sofredores que partiram da Terra envoltos em
complexos deploráveis; um palácio para reuniões solenes, uma cidade. A força
motora dos seus pensamentos poderosamente associados
2

34 DEVASSANDO O INVIStVEL
e disciplinados, irradiando energias cuja natureza o homem ainda não poderá
conceber, agirá sobre aqueles fluidos e essências e edificará o que antes fora
delineado e desejado. Comumente, esse trabalho é lento e requer perseverança
para o seu aperfeiçoamento. Será tanto mais rápido quanto maiores forem as
potências mentais criadoras reunidas. Essas criações, tais como forem
— belas, artísticas, verdadeiros trabalhos de ourivesaria fluídica, deslumbrantes,
mesmo, por vezes — obedecerão, no entanto, às recordações ou gosto estético
dos opera- dores, razão por que se parecem com as da Terra, sem que as da
Terra se pareçam com elas, como afirmou algures a ilustre entidade espiritual
André Luiz, pois que muito mais perfeitas são elas do que os homens julgam.
Não obstante, somos levada a julgar, graças às mesmas observações a que nos
conduz a Revelação, que essas edificações não serão permanentes nem fixas
numa determinada região. Serão antes móveis, transplantando-
-se para onde se faça necessária a presença da falange que as criou. Serão
passíveis de se dissolverem sob o desejo dos seus criadores, ou de se
modificarem segundo as conveniências. Se essa falange receber em seu seio
discípulos e pupilos, estes poderão tornar-se cooperadores, exercitando os
próprios poderes mentais na criação de detalhes, sujeitos ao veredicto dos
mestres, e assim progredirão em saber, desenvolvendo forças latentes, evoluindo
e se engrandecendo, pois tudo isso é caminhar para a perfeição.
Tratando-se de entidades inferiores, dá-se idêntico fenômeno de criação mental,
não obstante a diferença impressionante na direção criadora, uma vez que estes
operadores ignoram sejam os ambientes que os rodeiam criações de suas
próprias mentes, pois que o feito também se poderá operar à revelia da vontade
premeditada e intencional, sob o choque emocional da mente exacerbada,
bastando apenas que seus pensamentos trabalhem

DEVASSANDO O INVISÍVEL
ou se impressionem com imagens fortes, como acontece com os suicidas, que
vivem rodeados de cenas macabras de suicídio. Certamente que, deseducadas,
criminosas, muitas vezes dadas ao mal, com suas irradiações mentais
contaminadas pelo vírus de mil prejuízos, essas entidades se cercarão, no Além-
Túmulo, de criações grosseiras, dramáticas, mesmo trágicas, que a elas mesmas
horrorizam, pois que eivadas de todas as artimanhas e ciladas oriundas dos
pensamentos inferiores. E, reunidos tais Espíritos em grupos e falanges, em
virtude da lei de similitude, que os leva a se atraírem uns aos outros, terão criado,
então, seus próprios infernos, suas próprias prisões, seus antros ignóbeis, a que
nada sobre a Terra poderá assemelhar-se. E os criam servindo-se das mesmas
forças motoras do pensamento, agindo sobre as mesmas essências, os mesmos
fluidos, as mesmas ondas vibratórias do éter. Tais, porém, sejam as necessidades
de interesse geral, essas regiões, e com elas os Espíritos inferiores seus
criadores, serão localizadas num ponto ermo do Invisível ou da Terra mesma,
temporàriamente, a fim de que eles se não imiscuam com os homens e
vislumbrem, na forja dos sofrimentos, o imperativo de regeneração e progresso. E’
a isso que os instrutores espirituais denominam «Invisível Inferior», porque nós
outros precisaremos de alguma expressão, de um vocábulo para nos apossar dos
ensinamentos fornecidos pelo Espaço.
Nós mesmas, as criaturas encarnadas, estaremos dentro de «regiões» criadas
pelo nosso pensamento, além de permanecermos na crosta do planeta. Nossos
pensamentos estarão estereotipados, concretizados pelo poder motor das nossas
energias mentais atuando sobre os fluidos sublimes em que mergulha o Universo
criado pelo Todo-Poderoso, embora não se trate de movimento tão intenso nem
tão real como os de um desencarnado. Mas, ainda assim, é devido a isso que os
desencarnados

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y
44

T
36 DEVASSANDO O INVISIVEL
surpreenderão o que pensamos, o que são o nosso caráter e o nosso sentimento,
as nossas intenções e tendências, pela natureza das «edificacões» mentais que
nos acompanham. «O reino de Deus está dentro de vós, asseverou o Cristo. E
nós outros certamente poderemos acrescentar: «E também o nosso inferno!
Eis porque nossos Guias Espirituais, tal como a advertência invariável das
filosofias religiosas, nos aconselham a educar nossas mentes, impelindo-as para
as nobres e elevadas expressões da alma. E’ que visam a guiar-nos para um
estado vibratório futuro, no Além-
-Túmulo, que nos abrigue de desditas e vexames. A tese, como bem se percebe, é
complexa, intensa até à vertigem... pois tudo o de que tratamos aqui se desdobra
em modalidades e matizes infinitos, e não será em uma crônica ligeira que a
poderemos desenvolver perfeitamente, muito embora o façamos sob orientação
dos mentores espirituais.
Ora, foi-nos dito pelo Divino Mestre que éramos
deuses...
Sim, somos deuses! Possuímos, sim, em modesta dinamização, mas passível de
se desenvolver, pela ação do
progresso, o gérmen de todos os atributos que o Ser Todo-Poderoso possui em
grau supremo e infinito. Aí está um desses atributos — o poder mental criador —
que há passado despercebido a muitos de nós! Nosso pensamento é, pois,
criador, porque é centelha do Pensamento Supremo; por conseguinte, cria, em
torno de nós mesmos, pequenos universos e mundos para nossa ventura,
necessidade ou desdita, enquanto não aprendermos a utilizar as energias
superiores para fins sublimes. Nas próprias ações e realizações meramente
terrenas, não é o pensamento o primeiro a tudo planejar mentalmente, para em
seguida edificar objetivamente?... Porventura, quando um grupo de homens
resolve construir um palácio ou uma cidade, ou ainda qualquer empreendimento
gran

dioso, não foi a sua mente que primeiro agiu e esboçou a obra, sob a ação da
própria vontade? Quando a lavoura do linho ou dos cereais triunfa, dando-nos
seus primorosos produtos, sustentando a vida do homem, não se serviu este,
primordialmente, da sua mente, para conseguir a grande vitória? E quando, no
Além-Túmulo, falanges de Espíritos elevados se reúnem para criar, com as forças
mentais, essas «colônias», que fazem?.
Estudam, habilitam-se, exercitam-se em aprendiza- dos sublimes, através dos
tempos. .. Até que, um dia, Espíritos imortais, já glorificados pelo domínio de
excelsas virtudes, sejam capazes de criar também um planeta, uma habitação
para as experiências redentoras de uma Humanidade em marcha para o
progresso — tal como Jesus em relação à Terra, no princípio das coisas deste
mundo, dentro das leis e da orientação da Criação
Suprema.

Tais estudos, todavia, pertencentes à iniciação superior do Espírito, — e apenas


vislumbrados, no momento terreno, pelas almas fortes —, serão de preferência
realizados na vida invisível, onde muito se dilatam as capacidades de
compreensão da criatura. Mas, dia virá em que, na própria Terra, tais
conhecimentos serão banais, como banal é o estudo da Geografia... pois,
efetivamente, não passa de um estudo geográfico mais vasto... ampliado até à
quarta dimensão... ou ao estado fluídico transcendental...

**

De posse de tão importantes cabedais, fornecidos pela Nova Revelação, que é o


Espiritismo, o que temos a fazer não é acoimar de ignorantes, intrujões e
mistificadores os médiuns que os têm recebido do Mundo Espiritual, mas procurar
estudar, investigar e devassar, a

DEVASSANDO O INVISÍVEL

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38 DEVASSANDO O INVISÍVEL
fim de que a Verdade se patenteie, para proveito de todos, imitando os
verdadeiros sábios e psiquistas, como Allan Kardec, Willia.m Crookes, Frederico
Myers, Léon Denis, Ernesto Bozzano, Roberto Dale Owen, J. Arthur Findlay, César
Lombroso, Alexandre Aksakof e tantos outros luminares de coração simples, aos
quais o orgulho não cegou...

CAPITULO II

Como se trajam os Espíritos...

“Os fluidos espirituais, que constituem um dos estados do fluido cósmico universal,
são, a bem dizer, a atmosfera dos seres espirituais; o elemento donde eles tiram
os materiais sobre que operam; o meio onde ocorrem os fenômenos especiais,
perceptíveis à visão e à audição do Espírito, mas que escapam aos sentidos
carnais, impressionâveis sômente à matéria tangível; o meio onde se forma a luz
peculiar ao mundo espiritual, diferente, pela causa e pelos efeitos, da luz ordinária;
finalmente, o veículo do pensamento como o ar o é do som. Os Espíritos atuam
sobre os fluidos espirituais, não os manipulando como os homens manipulam os
gases, mas empregando o pensamento e a vontade. Para os Espíritos, o
pensamento e a vontade são o que é a mão para o homem. Pelo pensamento,
eles imprimem àqueles fluidos tal ou qual direção, os aglomeram, combinam ou
dispersam, organizam com eles conjuntos que apresentam uma aparência, uma
forma, uma coloração determinadas; mudam-lhes as propriedades, como um
químico muda a dos gases ou de outros corpos, combinando-os segundo certas
leis. E’ a grande oficina ou laboratório da vida espiritual.”

(ALLAN KÁRDEC — À Gênese, Cap. XIV, Os Fluidos. Parágrafos 13 e 14.)

Quando Joana d’Arc, a donzela de Orleães, era submetida a um daqueles terríveis


interrogatórios que a História registou, no curso do processo da sua condena-

j
-‘, :

40 DEVASSANDO O INVISÍVEL
ção, movida pela chamada Santa Inquisição, na França, um dos seus mais
encarniçados verdugos, ou juíes, justamente o Bispo de Beauvais, fêz-lhe esta
pergunta ardilosa, tentando confundi-la:
— «São Miguel te aparece desnudo?.. .» pois sabe-se que um dos Espíritos que a
assistiam era por ela mesma considerado como sendo aquele santo da Igreja
Católica, uma das imagens que ela se habituara, desde a infância, a ver e a
venerar na pequena igreja da aldeia de Domremy, seu berço natal.
Prontamente respondeu a donzela com outra interrogação, mas tão profunda, tão
sutil e complexa que não a poderia ter compreendido a crueldade do estreito
cérebro dos seus algozes, mas que a posteridade, nos dias atuais, devidamente
compreende e explica à luz dos estudos transcendentais feitos pela Terceira
Revelação, ou
Espiritismo:
— «Pensas que Deus não tem com que vesti-lo?. . »
— respondeu Joana.
Sim! Deus, o Criador Onipotente, o Artista inimitável, Senhor da Beleza Suprema,
possui, espalhados pela sua criação infinita, até dentro das próprias possibilidades
psíquicas-vibratórias-mentais de seus filhos, os elementos e as energias que lhes
permitem ataviar-se, uma vez desencarnados, consoante os seus próprios gostos
artísticos ou simplesmente práticos, tais quais os encarnados. A Revelação
Espírita fornece as bases necessárias à compreensão do atraente fato, pois tanto
nas obras de Allan Kardec como nas do seu eminente colaborador Léon Denis
encontraremos fartos esclarecimentos quanto à possibilidade da confecção
espiritual de um traje, deste ou daquele «figurino», usado pelos habitantes do
mundo invisível. Citaremos alguns desses trechos esclarecedores, apenas, visto
ser impossível citar todos eles, dada a variedade do que poderemos a respeito
encontrar. Além

DEVASSANDO O INVISÍVEL 41
dos parágrafos de «A Gênese», citados acima, leremos,
ainda, no 3° do mesmo capítulo:
«No estado de eterização, o fluido cósmico não é uniforme; sem deixar de ser
etéreo, sofre modificações tão variadas em gênero e mais numerosas talvez do
que no estado de matéria tangível. Essas modificações constituem fluidos distintos
que, embora procedentes do mesmo princípio, são dotados de propriedades
especiais e dão lugar aos fenômenos peculiares ao mundo invisível. Dentro da
relatividade de tudo, esses fluidos têm para os Espíritos, que também são
fluídicos, uma aparência tão material quanto a dos objetos tangíveis para os
encarnados, e são, para eles, o que são para nós as substâncias do mundo
terrestre. Eles os elaboram e combinam para produzirem determinados efeitos,
como o fazem os homens com os seus materiais, ainda que por processos
diferentes.
No Cap. VIII de «O Livro dos Médiuns» (Do Laboratório do Mundo Invisível), existe
longa e substanciosa revelação da força criadora dos Espíritos desencarnados, os
quais, utilizando-se da matéria própria do Invisível, ou seja, do fluido cósmico que
enche os espaços sem fim, a este manejam de sorte a construírem o que bem
desejarem, com o poder que o pensamento e a vontade lhes concedem.
O assunto das citadas revelações se refere a uma aparição masculina, que trazia
nas mãos uma caixa de rapé. Dentre a copiosa contribuição, que servirá de base
para a nossa exposição, destacaremos os trechos seguintes, das perguntas feitas
por Allan Kardec e das respostas fornecidas pelo Espírito de São Luís, um dos
iluminados reveladores dos códigos do Espiritismo:

_ fl,_
DEVASSANDO O INVISIVEL
— «Dizes que era uma aparência — pergunta AJlan Kardec —; mas, uma
aparência nada tem de real, é como uma ilusão de óptica. Desejaríamos saber se
aquela caixa de rapé era apenas uma imagem sem realidade, ou se nela havia
alguma coisa de material?»
Resposta de São Luis:
— «Certamente. E’ com o auxílio deste princípio material que o perispírito toma a
aparência de vestuários semelhantes aos que o Espírito usava quando livo.» (O
grifo é nosso.)
Segue-se o comentário de Allan Kardec, elucidativo e oportuno, para o qual
remetemos o leitor, e depois encontraremos o prosseguimento da lição, com nova
pergunta do Codificador:
— «Dar-se-á que a matéria inerte se desdobre? Ou que haja no mundo invisível
uma matéria essencial, capaz de tomar a forma dos objetos que vemos? Numa
palavra, terão estes um duplo etéreo no mundo invisível, como os homens são
nele representados pelos Espíritos?»
Resposta:
— «Não é assim que as coisas se passam. Sobre os elementos materiais
disseminados por todos os pontos do espaço, na vossa atmosfera, têm os
Espíritos um poder que estais longe de suspeitar. Podem, pois, eles concentrar à
sua vontade esses elementos e dar-lhes a forma aparente que corresponda à dos
objetos materiais.» (Grifo nosso.)
— «Formulo novamente a questão, de modo ca 7
A

tegórico, a fim de evitar todo e qualquer equívoco:


São alguma coisa as vestes de que os Espíritos se cobrem?»
— «Parece-me que a minha resposta precedente resolve a questão. Não sabes
que o próprio perispírito é alguma coisa?»
— «Resulta, desta explicação, que os Espíritos fazem passar a matéria etérea
pelas transformações que queiram e que, portanto, com relação à caixa de rapé, o
Espírito não a encontrou completamente feita, fê-la ele próprio, no momento em
que teve necessidade dela, por ato de sua vontade. E, do mesmo modo que a fêz,
pôde desfazê-la. Outro tanto naturalmente se dá com todos os demais objetos,
como vestuários, jóias, etc. Será assim?» (Grifo nosso.)
— «Mas, evidentemente. »
— «A caixa de rapé se tornou tão visível para a senhora de que se trata, que lhe
produziu a ilusão de uma tabaqueira material. Teria o Espírito podido torná-la
tangível para a mesma senhora?»
— «Teria. »
— «Tê-la-ia a senhora podido tomar nas mãos, crente de estar segurando uma
caixa de rapé verdadeira ?»
— «Sim.»
— «Se a abrisse, teria achado rapé? E, se aspirasse esse rapé, ele a faria
espirrar?»
— «Sem dúvida.»
— «Pode então o Espírito dar a um objeto, não só a forma, mas também
propriedades especiais?» (11)

(11) Muitos Espíritos, antes de se deixarem ver pelos médiuns, ou de se


comunicarem, revelam sua presença através do perfume que lhes é mais grato, ou
que o foi quando encar DEVASSAND
O INVISÍVEL

43

44 DEVASSANDO O INVISÍVEL
— «Se o quiser. Baseado neste princípio foi que respondi afirmativamente às
perguntas anteriores. Tereis provas da poderosa ação que os Espíritos exercem
sobre a matéria, ação que estais longe de sus. peitar, como eu disse há pouco.»
(Grifo nosso.)
E assim prossegue a lição, num encadeamento atraente, que conviria o leitor
apreciar. Ainda no volume «A Gênese», também no Cap. XIV, parágrafo 14,
veremos o seguinte:
«Algumas vezes essas transformações (dos fluidos espirituais) resultam de uma
intenção; doutra, são produto de um pensamento inconsciente. Basta que o
Espírito pense numa coisa, para que esta se produza, como basta que modele
uma ária, para que esta repercuta na atmosfera. E’ assim, por exemplo, que um
Espírito se faz visível a um encarnado que possua a vista psíquica, sob as
aparências que tinha
nados. As entidades espirituais Charles e Frederico Chon se revelam pelo perfume
de violeta, com certo detalhe que torna inconfundível um perfume do outro, ou
seja, a presença de um desses Espíritos da presença do outro, tal se se tratasse,
antes, de particularidades de vibrações. O Espírito “Scheilla”, ex-enfermeira
alemã, morta em uni bombardeio aéreo, durante a guerra mundial, e que se
comunica com o médium Francisco Cândido Xavier, revela-se por um forte e muito
materializado cheiro de éter, lembrando a sua profissão, em cujo exercício
desencarnou. Espíritos sofredores e inferiores costumam fazer-se notados pelo
cheiro de bebidas alcoólicas, de fumo, de podridão e até de decomposição
cadavérica. E aqueles vitimados em desastres, e que vêm a morrer durante a
estada nos hospitais, costumam desprender o cheiro do iodofórmio, do iodo, do
formol, etc. E não é muito raro um Espírito amigo, familiar, dar ao seu médium o
perfume que sabe este aprecia, o que representa uma das muitas formas de
afetividade e carinho com que tão bondosos amigos brindam seus aparelhos
mediúnicos.

DEVASSANDO O INVISIVEL 45
quando vivo na época em que o segundo o conheceu, embora haja ele tido,
depois dessa época, muitas encarnações. Apresentam-se com o vestu,rio, os
sinais exteriores — enfermidades, cicatrizes, membros amputados, etc. — que
tinham então.» (O grifo é nosso.)
Nas obras de Léon Denis vamos encontrar o precioso argumento a cada passo,
confirmando tudo quanto os videntes têm revelado sobre o vestuário dos Espíritos.
No capítulo XX de «No Invisível» — «Aparições e materializações de Espíritos» —
é farto e encantador o noticiário a respeito, desenvolvendo explicações sobre o
modo por que operam as entidades desencarnadas, ao desejarem criar algo, e
dos elementos, ou matérias sutis, de que se servem para tanto. Citaremos
pequenos trechos, convidando o leitor a uma consulta a todo o belo capítulo:
«As próprias nebulosidades, agregados de matéria cósmica condensada, germens
de mundos, que na profundeza dos espaços nos mostram os telescópios, vão
reaparecer na primeira fase das materializações dos Espíritos. E’ assim que a
experimentação espírita conduz às mais vastas consequências. A ação do Espírito
sobre a matéria nos pode fazer compreender de que modo se elaboram os astros
e se consuma a obra gigantesca do Cosmos. »
Mais adiante, destacaremos:
«Numa sessão, o Espírito de Lélia forma com um sopro, aos olhos dos
assistentes, um tecido levo de gaze branca, que se estende pouco a pouco e
termina por cobrir todas as pessoas presentes. E’ um exemplo de criação pela
vontade, que vem confirmar o que dizíamos no começo deste capítulo. »
E mais além ainda:
li

46 DEVASSANDO O INVISIVEL
«Recordamos também o caso de Emma Hardinge, assinalado pelo Sr. Colvilie:
apareceu ela com o vestido de rainha das fadas, que trouxera muito tempo antes,
em sua mocidade. Nesse caso, como em alguns outros, a aparição parece não ser
mais que simples imagem mental exteriorizada pelo Espírito, e que adquire
bastante consistência para ser percebida pelos sentidos.» (O grifo é nosso.)
«Não sômente o Espírito domina os elementos sutis da matéria, de modo a
impressionar a placa sensível e os órgãos dos videntes, mas nas aparições
visíveis para todos pode ainda reproduzir, pela ação da vontade, as formas que
revestiu e os trajes que usou na Terra e que lhe permitem fazer-se reconhecer.
Esse é, com efeito, o objetivo essencial de tais manifestações. Daí as roupagens,
vestes, armas e acessórios com que se apresentam as aparições.»
Na excelente obra «O Problema do Ser, do Destino e da Dor», capítulo XX — «A
Vontade» — também de Léon Denis, encontraremos este pequeno trecho, além
de outros favoráveis à nossa tese e que seria fastidioso citar:
«Em todos os domínios da observação achamos a prova de que a vontade
impressiona a matéria e pode submetê-la a seus desígnios. Esta lei manifesta-se
com mais intensidade ainda no campo da vida invisível. E’ em virtude das mesmas
regras que os Espíritos criam as formas e os atributos que nos permitem
reconhecê-los nas sessões de materialização . »
Ora, assim sendo, sentindo-nos à vontade sobre tão sólidas bases para descrever
o que desejamos, não recorreremos aqui a Ernesto Bozzano, nem a William
Crookes ou a Aksakof, embora certa de que também em suas

DEVASSANDO O INVISÍVEL

obras encontraríamos elementos que confirmariam o que conosco se tem passado


no decurso de nossas atividades mediúnicas.

**

Durante as numerosas ocasiões em que, como vidente, temos observado


entidades desenearnadas, quer em

nosso estado normal, quer quando nos há sido possível penetrar o mundo
invisível, levada em corpo espiritual (perispírito) pelos Guias e Instrutores que nos
deferem essa honra, grande número de Espíritos temos visto, e até com eles
convivido, se deste modo nos podemos expressar, de variada gradação moral e
intelectual, e apenas uma vez nos recordamos de ter percebido um intei rament
desnudo. Contràriamente, o que temos presenciado nos confere o direito de
categàricamente afirmar que — sim! — os Espíritos se trajam e modificam a
aparência das vestes que usam conforme lhes apraz, exclusão feita de alguns
muito inferiores e criminosos, geral-

mente obsessores da mais infima espécie, cuja mente não possui vibrações à
altura de efetuar a admirável

«operação plástica» requerida. Por isso mesmo, a aparência destes últimos


costuma ser chocante para o vidente, pela fealdade, ou simplesmente pela
miséria, pois se apresentam cobertos de andrajos e farrapos, como que
empapados de lama, ou embuçados em longos sudários negros, com mantos ou
capas que lhes envolvem os ombros e a cabeça e, não raro, mascarados por um
saco negro enfiado na cabeça, com duas aberturas à altura dos olhos, tais os
antigos verdugos da Inquisição, uniformizados para operações nas salas de
suplícios, de que nos dão conhecimento as gravuras antigas. Longos chapéus
costumam trazer também, assim como botas de canos altos, conquanto muito
difícil seja ao médium dis 47
48 DEVASSANDO O INVISIVEL
tinguir-lhes os pés. Tais Espíritos procuram, frequentemente, esconder o rosto e
insultam rudemente o médium, se este os surpreende com a visão. Certamente
que o instrumento mediúnico, diante de uma aparição dessa categoria, precisará
estar de posse de toda a tranquilidade fornecida pela fé e pela confiança
adquiridas através do exercício mediúnico, a fim de se não deixar envolver pelas
faixas daninhas expelidas pela entidade, cuja presença, se se tornar constante,
poderá produzir, a um médium pouco experimentado, desequilíbrios graves e até
mesmo a obsessão. A prece será sempre a melhor defesa contra essa espécie de
habitantes do mundo invisível. Se a prece for feita com a necessária confiança,
levando o médium a se harmonizar com as vibrações superiores do Além,
geralmente tais entidades se afastam com rapidez, apavoradas e contrafeitas.
Tais aparições, no entanto, não são frequentes, parecendo-nos mesmo que as que
temos surpreendido sômente nos foram permitidas sob a direção dos nossos
Instrutores Espirituais, para a necessária observação e estudo. Raramente
aceitam elas uma conversação doutrinária. Cremos que sômente a reencarnação,
num trabalho de educação pela dor dos aprendizados pungentes, terá eficiência
no seu soerguimento moral.
Ainda que tal revelação — a do vestuário dos Espíritos - desagrade a alguns
estudiosos, que não admitem tal possibilidade, e que têm os Espíritos como seres
diferentes dos homens, abstratos, vagos, não poderemos afirmar senão que, pelo
menos os que se conservam chegados à Terra, pelas lembranças de terem sido
homens muitas vezes, são eles tão simples e naturais que nos dão a impressão
de homens apenas algo mais frágeis na sua estrutura, mais belos alguns, porque
lucilantes e delicadíssimos na sua feição perispiritual, mas hediondos e repulsivos
outros, porque de aparência inferior ao comum dos mortais terrenos, mais
desagradáveis à vista.
DEVASSANDO O INVISÍVEL 49
1&uitas vezes, durante nossas orações diárias, nos vemos rodeada de entidades
sofredoras, que, ao que parece, até nós são encaminhadas pelos Guias
Espirituais a fim de participarem não sômente das preces consolativas que
fazemos, mas também da leitura doutrinária que sistemàticamente realizamos
todas as noites, leitura que parece instruí-las, norteá-las, consolá-las de suas
dúvidas:
e infortúnios e dos desapontamentos próprios do mundo invisível, pois, quando
lemos, as vibrações da nossa mente repercutem no entendimento dessas
entidades como a palavra enunciada e somos ouvidos e compreendidos por elas
tal se falássemos em voz alta. Daí porque deverá o médium, principalmente, se
conservar sempre vigilante com as leituras que fizer, as quais poderão torná-lo um
pólo de atrações afins, ao sabor da sua mesma natureza. Nessas ocasiões, isto é,
quando oramos ou estudamos, somos visitada por suicidas chorosos e desolados,
por pobres criaturas surpreendidas pela desencarnação em desastres, etc.
Mostram, então, chorando, braços esmagados, pernas amputadas, ferimentos
variados, de onde corre o sangue, trazendo eles próprios vestes ensanguentadas.
Suicidas se apresentam contorcendo-se em dores ocasionadas pelo
envenenamento, ou asfixiados pelo enforcamento, e um mundo extenso de dores
e desolações se delineia à nossa visão. Muitos desses se têm reanimado com as
páginas do capítulo VI de O Evangelho segundo o Espiritismo», de Allan Rardec
(O Cristo Consolador), pois a esses é de dispensar, antes de mais nada, as
consolações do amor do Cristo, as esperanças no amparo e na misericórdia do
Eterno. As explicações da Ciência e as elucidações da Filosofia, tão sômente, não
farão eco sobre suas desgraças. Serã& necessários o Evangelho e a prece para
fortalecê-los e serená-los na confiança de um socorro celeste, para, depois, então,
adquirirem a compreensão da Filosofia e a provas irrefutáveis da Ciência.

11

50 DEVASSANDO O INVISTVEL
Certa vez, o Espírito de um jovem, que aparentava 18 ou 20 anos de idade,
apresentou-se à nossa visão, todo envolvido em ataduras de gaze, da cabeça aos
joelhos, braços, mãos, rosto. Chorava; e um cheiro forte de iodofórmio anunciou
sua presença antes mesmo da materialização. Compreendemos que seu
trespasse se efetivara por uma explosão e que falecera no hospital; pois o
panorama dos acontecimentos relacionados com a desencarnação da entidade
comunicante, ou mesmo passagens de seu drama íntimo, são revelados ao
médium através das suas próprias irradiações (ou de sua aura), o que produz
intuições quase instantâneas, espécie de conversação telepática, ou vibratória,
que desvenda as cenas e enseja esclarecimentos para o que se há-de tentar, a
fim de minorar a sua aflição. Como sempre, em presença desse Espírito,
procurámos fazer leitura amena e esclarecedora, convidando-o a ouvi-la, o que fêz
com grande respeito e atenção. Orámos juntos e conversámos depois, embora
ligeiramente. E tivemos a satisfação de vê-lo sorrir e agradecer, ao se afastar.
Nenhuma conquista humana, nenhum prazer ou alegria deste mundo se poderá
comparar à felicidade de um médium que já se viu envolvido em tarefa desse
gênero. O consolo que ele próprio recebe, se sofre, a doçura inefável de que se
sente invadir, ao verificar que conseguiu auxiliar um desses pequeninos a quem
Jesus ama e recomenda, ultrapassa todas as venturas e triunfos terrenos. E’ como
se ele próprio, o instrumento mediúnico, houvesse mergulhado em vibrações
celestes, através das lágrimas do sofredor do Invisível, as quais procurou enxugar.

Evidentemente que um serviço dessa natureza, realizado por um médium


desacompanhado de colaboradores, nem será de fácil realização nem deverá ser
encetado levianamente. Será antes espontâneo, provocado e dirigido tão sàmente
pelos Instrutores Espirituais, assim

DEVASSANDO O INVISÍVEL 51
mesmo quando acharem o médium em condições vibratórias adequadas para o
feito. Parece que o médium, então, é imunizado de perigos por processos que
escapam à nossa compreensão, o que indica não dever ele jamais desejar ou
provocar semelhantes experiências. Ao demais, antes que tais labores sejam
confiados à responsabilidade de um aparelho mediúnico, será necessário que ele
se tenha preparado longamente através de um tirocínio ininterrupto, que se tenha
desprendido, muitas vezes, do mundo e de si mesmo, através de renúncias e
dolorosos testemunhos, de forma a que o coração, ferido por dores inconsoláveis
na Terra, esteja preparado para a compreensão exata das lides do invisível.
Muitas dessas entidades, porém, se debruçam sobre o nosso ombro e lêem
conosco, interessadas, naquilo que estudamos, o que testemunha ser a vida
espiritual sim- pies como a nossa própria vida, a continuação desta, tão sômente.
Temos observado que algumas de tais entidades colocam os óculos a que
estavam habituadas, quando encarnadas, para lerem melhor, conosco... Ge-
ralmente são, como ficou dito, leituras escolhidas as que fazemos, ou do
Evangelho, que projetem com vigor a personalidade e os feitos do Cristo, ou de
obras espíritas que melhor toquem o coração. Assim sendo, esses pequeninos e
sofredores se afeiçoam ao médium que os ajudou nos dias difíceis e se tornam
amigos fervorosos para todo o sempre, estabelecendo-se, então, indissolúveis
elos de fraternidade.
Há cerca de um ano, pela madrugada, estando nós ainda desperta, apresentou-se
à nossa visão um Espírito cujo decesso carnal se teria dado entre os seus trinta e
oito ou quarenta anos de idade. Trajava-se pobremente, com terno azul-marinho,
já usado, camisa branca também bastante usada, gravata preta, atada com certo
desleixo. Esquálido e abatido, infinitamente triste, mas

‘:• 1

DEVASSANDO O INVISÍVEL

já resignado à própria condição, colocou a mão sobre a nossa, num gesto fraterno,
e disse:
— Venho agradecer-lhe os votos feitos, em minha intenção, à bondade de Deus...
Suas preces me auxiliaram tanto que até minha família, que deixei na Terra, foi
beneficiada... Chamo-me Joaquim... e meu nome está no registo do seu caderno
de apontamentos...
Constatámos, então, que esse visitante fora suicida... e, materializado, pudemos
observar que havia terra em sua indumentária, isto é, impressões da porção de
terra em que fora sepultado, assim como sua mente permanecia afeita ao
vestuário que habitualmente usava quando vivo, e com o qual fora também para a
sepultura. Como, efetivamente, possuímos um caderno onde registamos nomes
de suicidas e pessoas falecidas em geral, conhecidos ou colhidos dos noticiários
dos jornais, procurámos verificar se realmente existia nos ditos apontamentos
aquele singelo nome. E encontrámos, de fato, entre os suicidas, um Joaquim
Pires; tratava-se, portanto, de um dos destacados dos noticiários dos jornais,
recomendado para as preces e as leituras diárias. E estamos certa de que será
um bom amigo, cuja afeição nos acompanhará pelo futuro afora...

**

Até o momento presente, os Espíritos mais bem «trajados e mais belos que
tivemos ocasião de observar através de materializações, durante a vigília e
também no mundo invisível, por ocasião do desdobramento do corpo astral, foram
os que passamos a citar. A entidade que se denomina Charles, martirizado por
amor ao Evangelho, no século XVI, na França, durante a célebre matança de São
Bartolomeu, comumente se deixa ver em trajes de iniciado hindu, tendo-se
mostrado, uma única

52

DEVASSANDO O INVISWEL 53
vez, em trajes de príncipe indiano, visto que no século XVII foi soberano na India.
Frederico Chopin, que já variou a indumentária quatro vezes em suas aparições,
deixando-se perceber, em duas delas, apuradamente trajado à moda da sua
época (reinado de Luís Filipe, na França), mas todo envolto num como luar azul
trans- lúcido, como neblina. Vítor Hugo, a quem só pudemos distinguir o busto,
também envolto em neblinas lucilantes, argênteas, com reflexos azuis
pronunciados, sem que pudéssemos destacar o «feitio» dos trajes. A falange de
iniciados hindus, de que somos pupila espiritual, com todos os seus integrantes
esforçando-se por serem contemplados em seu «uniforme» característico, as
gemas do anel e do turbante inclusive, envoltos em neblinas lucilantes, com
reflexos azuis. Lázaro Zamenhof, o criador do Esperanto, vaporoso mas muito
humanizado em seu terno do século XX, circundado de um halo como que
formado de ondas concêntricas, que indicaria o elevado trabalho intelectual
(detalhe também observado em Vítor Hugo), e esbatida a sua configuração
perispiritual por um jacto de luz radiosa, verde-claro, igualmente de forma
concêntrica. E, finalmente, um vulto muito nobre, observado no ano de 1930, cuja
identidade ignoramos, mas a quem denominámos Anjo Guerreiro, pelas
particularidades do quadro em que se deixou contemplar. Acreditamos, porém,
tratar-se de algum integrante da legião protetora do Brasil, ou do movimento
espírita no Brasil. O certo era que trajava uma túnica grega, curta, atada por um
cinto dourado; um diadema discreto, um simples friso de ouro, à cabeça, e
guiando uma biga romana como que construída de alabastro. Com a destra,
empunhava as rédeas, sem que, todavia, aparecessem os cavalos, e, com a
sinistra, uma flâmula de grandes dimensões, alvinitente, onde se lia — Salve,
Brasil imortal!»
Estampava-se visivelmente, nessa entidade, assim

DEVASSANDO O INVISÍVEL
materializada, o tipo oriental, o árabe, evocando também o tipo brasileiro muito
conhecido no Estado de Goiás. Era jovem, belo e sorridente, e um luzeiro cor-de-
rosa envolvia-o, espraiando-se em torno e se estendendo longamente sobre uma
multidão que cantava hosanas e empunhava pequenas flâmulas, multidão que
seguia em cortejo atrás da biga. Não nos estenderemos em particularidades
quanto a essa visão, por não julgá-la interessante para estas páginas. No entanto,
jamais fomos informada da identidade de tão formoso Espírito. Acrescentaremos,
apenas, que sua aparição assinalou etapa definitiva em nossa vida e em nossos
labores espíritas.
*
**
Comumente, os Espíritos se nos apresentam trajados conforme o fizeram durante
a existência carnal: os homens, com o terno que habitualmente usavam,
acentuando este ou aquele detalhe que melhor os identifique; as mulheres, com
os vestidos que, igualmente, de preferência usavam. Mais raramente, alguns se
deixam ver com a indumentária com que foram sepultados, e ainda outros com os
trajes que desejariam possuir, mas que não chegaram a usar. Dois meses após o
falecimento de nossa mãe, nós e mais três pessoas da família vimo-la, assistindo
a uma reunião de preces em sua intenção, trajando um costume de gabardine
azul-marinho, com um «cachecol» de seda quadriculada branca e preta, vestes
por ela preferidas para as viagens que fazia em visita aos filhos, nos últimos
meses que viveu. Uma tia nossa, a Sra. C. A. S., falecida no interior do Estado de
São Paulo, em 1950, cerca de vinte dias após o trespasse apresenta-se à nossa
visão, no Rio de Janeiro, dizendo ter vindo visitar-nos, pois se sentia saudosa.
Vestia um costume preto, e um véu de rendas negras cobria-lhe

DEVASSANDO O TNVIStVEL

inteiramente o corpo, partindo da cabeça e atingindo os pés. Sua configuração


perispiritual, como vemos, era chocante, O véu incomodava-a horrivelmente e ela
se debatia, aflita e irritada, tentando em vão retirá-lo de si. Agradecemos-lhe a
visita e o interesse pela solidão em que vivíamos, pois, na ocasião, asseverou-nos
encontrar-
-se penalizada ante as provações com que nos debatíamos, e convidamo-la a
orar, a fim de se poder libertar daquele incomodativo manto, sem que, no entanto,
nos fôsse possível compreender o que poderia causar semelhante fenômeno.
Cerca de um mês mais tarde, porém, soubemos, por pessoa da família presente
ao seu funeral, que nossa tia fora sepultada com um costume azul-marinho escuro
e um véu de rendas negras cobrindo-lhe o rosto e o corpo, exatamente a mantilha,
tipo espanhol, que usava ao assistir a missas e tomar a comunhão, como boa
católica que fora.
Uma filha do espiritista Sr. Antônio Augusto dos Santos, residente em Belo
Horizonte, três dias após a morte de sua irmã Elizabeth, menina de catorze anos
de idade, viu-a, pela madrugada, no seu próprio quarto de dormir, pairando no ar e
trajando um suntuoso vestido de baile, tipo «Imperatriz Eugênia». Tão feérica a luz
que a circundava que, clareando todo o aposento, permitiu à vidente observar
detalhes, tais como o desenho das rendas que ornavam o vestido, babados, fitas,
flores, etc, Assevera a jovem vidente que o vestido era salpicado de pequenas
pérolas, corno gotas de orvalho, detalhe por nós também observado em duas das
quatro indumentárias perispirituais apresentadas pela entidade Frederico Chopin.
Porque seja inspirada e futurosa pintora, a filha do Sr. Antônio dos Santos, no dia
seguinte, desenhou, com minúcias, a visão que tivera pela madrugada, dando a
ver os detalhes do vestido que a menina morta absolutamente não possuíra
quando viva.
Semelhante materialização, espontânea e inesperada,

55

1’

56 DEVASSANDO O INVISÍVEL
teve o dom de reanimar e consolar os desolados pais da jovem falecida, que se
mantinham sucumbidos ante a acerba provação. Referir-nos-emos ainda ao
mesmo fato, em capítulo posterior.
De outro modo, Espíritos plenamente espiritualiza-
-dos, como Adolfo Bezerra de Menezes e Bittencourt Sampaio, foram por nós
distinguidos envergando longa túnica vaporosa, nívea, cintilante, levemente
esbatida de azul, O primeiro costuma deixar-se ver, também, trajando avental de
médico, com barrete, ao passo que o segundo, isto é, Bittencourt, a quem uma
única vez vimos, em dia de grande provação, há muitos anos, talvez pela sua
qualidade de «poeta do Evangelho», trazia uma coroa de louros, ou de mirto ou
carvalho, como os antigos intelectuais gregos e latinos,
*
**
Alguns adeptos do Espiritismo, talvez demasiadamente ortodoxos, talvez pouco
observadores, dogmatizan do um ensino que, sabemos, ainda não foi
completamente revelado, pois o próprio Codificador afirmou seria evolutivo, alguns
adeptos, dizemos, combatem tais relatórios mediúnicos, afirmando que assim não
deverá ser, porque Espíritos não precisam vestir-se.
Ora, se os próprios Espíritos afirmaram a Allan
Kardec que o perispírito é semimaterial, que é a forma,
o modelo onde se esboça o corpo carnal, e, portanto,
é um corpo, seria o caso de relembrarmos a impertinêneia astuciosa do Senhor de
Beauvais para com a donzela
de Orleães:
— «São Miguel te aparece desnudo?. . . — ou seja:
Eles, os Espíritos, com os seus perispíritos semimateriais, como são, e, portanto,
tratando-se de um corpo,
aparecerão desnudos aos médiuns?.
L

DEVASSANDO O INVISÍVEL 57
Teríamos que responder, visto que o dever de um
médium é revelar com sinceridade, com a consciência
voltada para Deus, o realismo do mundo invisível.
— Sim, há Espíritos desencarnados, aqueles que fo-’ ram homens ou mulheres de
baixa condição moral, que se arrastaram em existências consagradas aos
excessos carnais, à devassidão dos costumes, que podem, com efeito, aparecer
desnudos aos médiuns, revelando mesmo, em cenas degradantes, que lhes foram
habituais no estado humano, a degradação mental em que ainda permanecem. E
o vidente, cujo compromisso é exatamente esse, de se tornar intermediário entre
os dois planos da Vida, há-de contemplar e revelar, embora estarrecido e
contrafeito, o realismo que seus instrutores espirituais lhe permitem surpreender
no Além-Túmulo, para satisfazer àqueles que desejarem informações sobre o
palpitante assunto. Todavia, o comum é se apresentarem os desencarnados sob
as aparências que mais lhes agradem. Os fatos mais antigos aí estão, espalhados
pelos séculos, atestando que, seja de fluido cósmico universal, de éter sublimado
ou de fluido espiritual, de matérias quintessenciadas, de gases ou de
vaporizações, ou simplesmente como decorrência de força mental projetada sobre
as fibras supersensíveis do perispírito, o certo é que a maioria dos habitantes do
Além se deixa ver com roupagens que variam do belo esplendoroso ao miserável
e ao horrível.
Também os médiuns espíritas supunham que os desencarnados não se
vestissem. Mas, diante do que a sua própria visão constata, que deverão eles
afirmar senão o que lhes dão a ver do mundo invisível? Isto é, que vêem os
Espíritos «trajados» de vários modelos, e que isso é o comum no plano espiritual?
E, por vezes, até muito artística e suntuosamente trajados? Lembremo-nos, então,
da admirável resposta de Joana d’Are aos seus juízes, tratando de São Miguel,
compreendendo

58 DEVASSANDO O INVISÍVEL
que ela, há cinco séculos, não ignorava o que hoje a
Doutrina Espírita expõe:
— «Pensas que Deus não tem com que vesti-lo?. . . »
Ou seja:
Sim! Os Espíritos podem vestir-se, servindo-se dos ricos elementos esparsos pelo
Universo, aos quais acionam voluntária ou insensivelmente, valendo-se das forças
do pensamento e da própria vontade!
Ora, de tudo o que acabámos de observar, e atentos ao que expõem Allan Kardec,
Léon Denis, Ernesto Bozzano, William Crookes, e outros, bem ao que os próprios
desencarnados são incansáveis em confirmar, extrairemos as seguintes
deduções:
— Que a mente do Espírito desencarnado cria para a sua configuração individual
a indumentária que deseja, valendo-se da própria vontade, segundo o próprio
gosto artístico, a necessidade, a singeleza dos hábitos, a humildade do caráter e o
grau de elevação moral-mental-espiritual, pois o Espírito possui liberdade e
aptidões naturais para assim se conduzir.
2° — Que a mente do desencarnado também poderá evocar os hábitos e usos
passados, conservar as imagens dos trajes que preferiu, mesmo em existência
remota, e imprimi-las na sensibilidade plástica do perispírito, e assim se
apresentar aos seus iguais de Além-Túmulo, como aos médiuns, em
materializações espontâneas e individuais, ou provocadas para visão coletiva.
3° — Que o Espírito do recém-desencarnado poderá padecer o fenômeno de
repercussão vibratória dos acontecimentos verificados no corpo carnal, durante a
crise do lento desligamento das energias fluídicas que o prendiam àquele, por
ocasião do desenlace, sobressaindo no dito fenômeno o detalhe assaz
impressionante da natu

DEVASSANDO O INVISÍVEL

L

59

reza da indumentária com a qual o sepultaram, fenômeno este, no entanto,


geralmente ocorrido com as entidades muito arraigadas à matéria.

49 — Que o perispírito, cujas essências e propriedades são impressionáveis e,


portanto, amoldáveis à ação plástica do pensamento, com uma sutileza
indescritível; sendo expansível e contrátil; e exercendo a energia mental, sobre as
mesmas propriedades, uma ascendência irresistível, dá-lhe aquela forma que
desejar ou que puder, mesmo inconscientemente, mesmo à sua revelia, pois que
esse poder mental é natural no ser psíquico, um atributo do Espírito, ainda que
este o ignore, tal como a inspiração e a expiração são atributos irresistíveis e
quase imperceptíveis da organização físico-material.

59 — Que, possuindo propriedades plásticas tão sutis e melindrosas, e sendo o


Espírito arraigado à matéria, não obstante já desencarnado, repercutirão, por isso
mesmo, em sua mente, ou no seu perispírito, as impressões mais fortes, ou
acontecimentos, que afetem o próprio cadáver, dado que poderosas,
transcendentes atrações magnéticas ligam ao corpo carnal o ser espiritual, para a
boa marcha da encarnação terrestre, e que, em muitos casos, tais afinidades se
prolongam por algum tempo ainda após a morte do envoltório carnal, e até mesmo
após a sua total decomposição.

6° — Finalmente, que, a par de tal fenomenologia da mente e da vontade, existem


no mundo espiritual elementos, fluidos, essências, gases, energias, matérias mui
transcendentais, desconhecidas dos homens e das entidades inferiores e
medíocres, as quais, acionadas pela vontade do desencarnado de elevada
categoria moral-intelectual, se poderão transfundir em formosas aparências de
indumentárias variadas, que ao vidente pareceriam muito

60 DEVASSANDO O INVISÍVEL
concretas (como realmente o são para o mundo espiritual), estruturadas em raios
luminosos ou em vaporizações cintilantes.
Os homens, por sua vez, não se trajam, igualmente, com os produtos da própria
mente? Porventura a lavoura do linho e do algodão, como a produção da seda; a
maquinaria das fábricas que tecem os seus fios, transformando-os em vistosos
brocados e rendas custosas, não foram antes criações mentais para, em seguida,
se concretizarem em vestuários ricos e suntuosos? Quando o homem deseja
alindar-se, não é a sua mente a primeira a criar aquilo que ele desejou, para
depois ele próprio concretizar esse desejo, na matéria de que dispõe no plano
terreno?. . . E o Universo Infinito, concreto, estável, eterno, não é o produto da
Mente Divina? E não herda a Humanidade, do seu Criador, parcelas da Sua
Superioridade?...
Trabalhemos, pois, e vigiemos, para que um dia o
produtos da nossa força mental nos possam glorificar
em vestes de luz, na realidade da vida espiritual...

CAPITULO III
Frederico Chopin, na Espiritualidade
“— Durante o sono, a alma repousa como o
corpo?
— Não, o Espírito jamais está inativo. Durante o sono, afrouxam-se os laços que o
prendem ao corpo e, não precisando este então da sua presença, ele se lança
pelo Espaço e entra em relação mais direta com os outros Espiritos.”
(ALLAN KARDEC — “O Livro dos Espíritos”, Cap. VIII. Pergunta 401.)
No importante livro «Fatos Espíritas», de WilIiam Crookes, o sábio investigador
das personalidades invisíveis, existem estes dois tópicos: o primeiro referente a
aparições de «mãos luminosas visíveis à luz ordinária», o segundo tratando das
célebres materializações do Espírito Katie King. Transcrevemos ambos no início
da presente crônica, porque os julgamos testemunhos adaptáveis a outras
materializações que hemos presenciado, não obstante serem estas
categàricamente espontâneas, e não provocadas, como as primeiras:
«Nem sempre ela (a mão) é uma simples forma, pois algumas vezes parece
perfeitamente animada e graciosa: os dedos movem-se e a carne parece ser tão
humana quanto a de qualquer das pessoas Presentes.» (Página 42, da 5 edição
da FEB.)
«Katie nunca apareceu com tão grande perfeição.
Durante perto de duas horas passeou na sala, conversan

do familiarmente com os que estavam presentes Várias vezes tomou-me o braço,


andando, e a impressão sentida por mim era a de urna mulher viva que se achava
a meu lado, e não de um visitante do outro mundo.» (Página 70, da 5 edição da
FEB.)

**

Sendo a faculdade mediúnica o meio de que a cria-. tura encarnada dispõe para
se tornar intérprete do mundo espiritual, e estando tal faculdade prevista nas leis
da Natureza, não será impossível, dentro de certo limite, a um médium que se
haja dedicado convenientemente ao exercício da faculdade, comunicar-se com
este ou aquele Espírito, que tanto poderá ser entidade normal e es-clarecida como
inferior e obsessora. Ernesto Bozzano, sábio psiquista itAllano, que os espiritistas
estudiosos tanto acatam, em uma de suas admiráveis obras (12) declara que,
entre as entidades inferiores, talvez sõmente os chamados «réprobos» jamais
possam comunicar-se com os médiuns, o que nos induz a concluir que tais
Espíritos, os réprobos, portadores de vibrações viruladas por múltiplos prejuízos,
tão contagiosas quanto a mais perigosa peste, poderiam, com sua presença, no
fenômeno de incorporação, quando é franca a permuta de vibrações, levar os
médiuns a enfermarem gravemente ou até mesmo a morrer. Os grandemente
iluminados lutariam, de seu lado, com dificuldades para plena harmonização com
o médium, dada a inferioridade moral-
-vibratória deste.
Não obstante, possuem eles tantos meios, que os homens ignoram, de transmitir
seus pensamentos e ideias,
suas influenciações se infiltram tão sutilmente e de for-
(12) “A Crise da Morte” — XVI Caso.

62 DEVASSANDO O INVISÍVEL

1
/

DEVASSANDO O INVISÍVEL 63
ma tão variada nos meandros de uma faculdade mediúnica, que frequentemente
os homens recebem lições e conselhos dessas entidades grandiosas, ignorando
que sejam delas, pois, de regra, individualidades espirituais dessa categoria,
sobretudo aqueles cujos nomes foram conhecidos na Terra, tomam pseudônimos
a fim de se fazerem acreditados, visto que a verdadeira identidade seria posta em
dúvida ou causaria escândalo, ao mesmo tempo que acarretaria dissabores ao
médium, o que um Espírito elevado sempre costuma evitar.
Camilo Castelo Branco, o eminente escritor lusitano, amplamente conhecido, um
dos nossos mais antigos amigos espirituais, que desde os nossos doze anos de
idade nos aparecia em visões nítidas, queixava-se amargamente, como Espírito,
de se ver, com frequência, corrido de junto dos médiuns, com quem gostaria de se
comunicar, enxotado dos Centros Espíritas, sob acusação de mistificador, apenas
porque o seu maior prazer seria testemunhar ao mundo a própria imortalidade e o
noticiário copioso do Além, o que o levava, necessàriamente, a se apresentar com
a sua verdadeira identidade. No entanto, aceitavam-no, sem objeções, quando
ele, no desejo de falar com os mortais, passava a mentir e enganar, afirmando
chamar-se Camilo da Silva aqui, José Camilo Botelho ali, e mais além Camilo da
Fonseca, pobre professor português que tivera a desdita de se suicidar por motivo
de dificuldades financeiras.
Mas, porque não aceitavam Camilo, o escritor? Porque o grande Camilo não se
poderia comunicar com qualquer médium, em qualquer Centro Espírita, para falar
aos seus irmãos de humanidade, como tanto desejava, se, como Espírito
desencarnado, não passava de entidade sofredora, carente de consolo e estímulo
para a reabilitação, embora na Terra houvesse sido mestre da língua portuguesa,
romancista emérito? Pois sabemos que o talento, o saber, os títulos honorificos
conferidos pela

DEVASSANDO O INVISÍVEL
Terra, a um cidadão desprovido dos dotes morais e qualidades honrosas do
caráter e do coração, nada representam na Pátria Espiritual, e até que, na maioria
das vezes, sômente servem para confundi-lo e sobrecarregá-lo de
responsabilidades, porquanto justamente os cérebros mais burilados de cultura
são os que deveriam conhecer melhor as leis do Bem e da Justiça, únicas moedas
valorizadas no Além-Túmulo. Por isso mesmo, o amigo Camilo Castelo Branco,
Espírito necessitado de aprendizado rigoroso, ansioso por servir à causa da
Verdade entre os homens, buscando lenitivo para suas muitas dores nas
narrativas e lições que, extraídas da própria experiência, sempre desejou oferecer
aos encarnados, a fim de aplanar caminhos para os seus resgates futuros, não
conseguiu nem médiuns nem Centros Espíritas que lhe aceitassem a palavra,
porque os homens o endeusaram tanto, graças a sua copiosa literatura, que até
mesmo os espíritas esqueceram que ele, espiritualmente, não passava de
entidade vulgar, pela situação moral que seus desacertos terrenos lhe acarretaram
no mundo invisível. Muito mais radiosos e sublimes serão Bezerra de Menezes e
Emmanuel, almas peregrinas, cuja inefável bondade e elevação de vistas as
tornam angelicais por excelência, podendo mesmo asseverar-se que são das
individualidades espirituais mais elevadas que se têm comunicado iltimamente
com a Terra. E, no entanto, aí estão, sem se diminuírem ao se comunicarem
conosco. E todos nós os aceitamos, com raríssimas exceções.
Assim pensando e refletindo é que nos propomos a tratar da individualidade
espiritual Frederico Francisco Chopin, um dos maiores gênios da Música que a
Terra há tido a honra de hospedar, o que se dá sempre que necessitam as
gerações de um vigor novo, de nova seiva para a expansão do Belo entre os
homens. Esse encantador Espírito, não obstante nossa insignificância pes
—.

1•

64

‘4

DEVASSANDO O INVISIVEL

65

soai — tal como Camilo Castelo Branco, Bezerra de Menezes, Léon Denis,
Charles, Leão Tolstoi, D. Pedro de Alcântara, Vítor Hugo, Padre Vítor, Dr. Augusto
Silva, Inácio Bittencourt, César Gonçalves e outros, inclusive suicidas, alguns
muito conhecidos pela nossa sociedade, obsessores, criminosos, etc. —, tem sido
um dos mais ternos amigos que adquirimos através da mediunidade. E se, como
os primeiros, não nos concedeu, até agora, mensagens literárias escritas,
concede-as verbalmente, em aparições e materializações edificantes, e ainda
porque, em vez de escritor ou beletrista, foi músico; daí — afirma ele próprio —,
sômente saberá bem expressar-se por música, ao passo que nós, como médium
que somos e não musicista, não estamos preparada para que ele venha ditar, ao
em vez de romances ou livros doutrinários, prelúdios e noturnos, valsas ou
«polonaises», visto a psicografia musical ser obra mediúnica infinitamente mais
melindrosa e difícil que a literária, requerendo, mesmo, da parte do médium, uma
boa dose de cultura musical. Entretanto, tem ele endereçado páginas carinhosas,
como cartas, a alguns amigos que dele solicitaram, por nosso intermédio,
conselhos e sugestões sobre música. Assim sendo, e não se tratando, a nossa
afinidade com o Espírito Frederico Chopin, de atração motivada pela música, mas
simplesmente questão pessoal, nenhuma admiração ou estranheza deverá causar
a notícia de que entidades como ele próprio, e mais Camilo Castelo Branco, Vítor
Hugo ou Castro Alves e Bilac, se dirijam a este ou àquele médium, com quem
sentiram afinidades, as quais também podem não ser literárias ou artísticas, mas
sentimentais e afetivas, para uma confabulação amistosa, amorável, sobretudo
quando o fruto que apresentarem esteja à altura daquilo que deixaram ao partirem
para o Além. Os Espíritos gostam de ser amigos e de serem amados pelos
homens, e a grandiosidade da Doutrina dos Espíritos é justamente esta: per
ç

r
66 DEVASSANDO O INVISÍVEL
mitir que se derruam as barreiras da morte, para que os
homens e os Espíritos se entendam, num intercâmbio glo rios de afetos e labores.
Geralmente, os Espíritos se apresentam aos médiuns
voluntàriamente, e gostam de contar-lhes o que sentem,
14 o que fazem, como vivem, as primeiras impressões e de sapontamento que os
surpreenderam, o que sofrem e o
rque pretendem, seja no intuito de instruírem os homens,
ajudando-os no progresso a realizar, seja testemunhando
H a própria imortalidade ou visando a se tornarem lem brado dos seres queridos
aqui deixados, amigos e admi radores ou, ainda, fiéis aos labores de um resgate
ne cessári à sua honra espiritual. Alguns, como o próprio
Chopin, gostam da Terra, visto que é sempre vivamente
atraído para os planos terrestres por forças telepáticas
poderosas. Ele próprio afirma, em confabulações com
que nos tem honrado, em ocasiões encantadoras para a
nossa sensibilidade mediúnica, que aqui, no Brasil, exis tem reencarnadas,
personalidades que lhe foram muito
caras no passado, e que, no momento, lhe é muito grato
enviar notícias aos homens. Interessa-se profundamente
pela Doutrina dos Espíritos, pois confessa que, em suas
existências passadas, não chegou a se dedicar fielmente
a nenhum credo religioso, não obstante estivesse conven cid da ideia de Deus, da
imortalidade da alma e da eter nidad e imutabilidade das leis divinas. Sua religião
tem
sido, através dos milênios, as Artes, pois afirma ter vi vid em várias épocas sobre
a Terra, sempre como artista
destacado. Ele serviu mesmo, como gênio inesquecível,
as Belas Artes, a Arquitetura, a Pintura e finalmente a
Música, que parece ser o ponto culminante das Artes em
nosso planeta, o ápice da sensibilidade que um gênio da
Arte pode galgar no estado de encarnação. Interessa-se
igualmente, enternecido, pelo Esperanto, cuja perspectiva
abrange numa visão futura deslumbradora, ainda porque
se sensibiliza com o fato de haver sido polonês o gênio

DEVASSANDO O INVISÍVEL
criador do brilhante idioma, Lázaro Zamenhof, seu compatriota, pois Frederico
Chopin, apesar de ser entidade evoluída, conserva ainda certos preconceitos
muito humanos, como, por exemplo, a reminiscência do seu amor pelo berço
natal, a Polônia, sempre que paira pelas atmosferas terrenas, o que nos leva a
confirmar o esclarecimento contido nas obras doutrinárias, de que um século
seria, para um Espírito desencarnado, como algum pouco tempo para nós. E não
será o grande músico um caso isolado. Léon Denis, considerado apóstolo do
Espiritismo, é tão patriota como Espírito como o foi em vida terrena, e o nosso
Bezerra de Menezes revela visivelmente a sua predileção pelas coisas do Brasil,
sempre que possível.
No entanto, seria erro supor que artistas geniais, só pelo fato de o serem, se
santificassem ou se tornassem espiritualmente superiores, após o decesso
corporaL Como homens, eles cometeram, muitas vezes, deslizes graves,
rastejaram pelas camadas inferiores da moral, o que os fêz sofrer, no Espaço,
períodos críticos, humilhações e vexames, de que estariam isentos se, a par do
ideal superior que abraçaram, como veros artistas, cultivassem também sólida
crença em Deus, respeito por suas leis e moral elevada. Basta retrocedermos ao
passado, examinando a vida de sofrimentos e provações que a maioria dos
artistas geniais houve de enfrentar neste mundo, para aquilatarmos do grau dos
seus deslizes anteriores, muito embora fôssem gênios consagrados à Arte, desde
períodos milenares, talvez, através das reencarnações. Referindo-se a artistas
geniais, assim se expressa Léon Denis no Cap. XXVI da sua obra «No Invisível».
«São homens, sim, em tudo que têm de terrestre, por suas fraquezas e paixões.
Padecem todas as misérias da carne, as doenças, as necessidades, os desejos
materiais, O que, porém, os faz mais que homens, o que neles constitui o gênio, é
essa acumulação dos tesouros

67 u
DEVASSANDO O INVIStVEL
do pensamento, essa lenta elaboração da inteligência e do sentimento através de
inumeráveis existências, tudo fecundado pelo influxo, pela inspiração do Alto, por
unia assídua comunhão com os planos superiores do Universo. O gênio, sob as
mil formas que reveste, é unia colaboração com o Invisível, unia assunção da
alma humana à divindade.,,
Por isso mesmo, muitos deles retornaram a reencarnações obscuras na própria
Terra, após curto estágio no Além, assim acontecendo ao próprio Chopin,
considerado «suicida inconsciente» na Espiritualidade, o qual se submeteu a uma
nova existência, curta, humilde e apagada, mas triunfante e meritória para si
próprio, depois da glória imortal com que presenteou o mundo. No momento,
porém, podemos afirmar, convincentemente, graças a um convívio assíduo e
fecundo com beneméritos amigos invisíveis, que os nobres artistas do passado,
exceção feita de alguns poucos, se encontram reunidos na Pátria Espiritual, onde
progridem e se habilitam para. em ocasião oportuna, voltarem em falanges
brilhantes, a fim de viverem nas sociedades terrenas servindo à Arte, a qual,
então, alcançará um inconcebível fastígio, como ao Amor, a que não serviram
ainda, pois eles próprios têm feito tais confissões sempre que lhes é permitido
confabular com os médiuns. Confessam, outrossim, o grande desgosto que os
acompanha quando reconhecem que, no estado de encarnação, arrebatados pela
Arte, esqueceram os caminhos luminosos conducentes à redenção espiritual, o
que nos leva à conclusão de que a Arte, por si só, não redime ou santifica o
artista. Ele necessitará, além dela, do cultivo do amor a Deus e ao próximo, da
excelência de uma fé inquebrantável nos princípios divinos, pois a lei que do Todo-
Poderoso emanou, para orientar o trajeto evolutivo das criaturas, não foi diferente
para os artistas. Foi, sim, a mesma, invariá 68
vel, eterna: Amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo Como a si mesmo.
Não obstante, é fato observado que o verdadeiro artista, o artista enamorado do
ideal da perfeição no Belo, ou gênio, e não apenas o artista mercenário, jamais
carrega perversidade nos próprios atos. Naturalmente bondosos, parece que a
comunhão constante com o Belo isenta-os da prática de perversões contra o
próximo, e seus infortúnios, muitas vezes acres, e a dedicação ao grande ideal
que alimentam, são levados em conta na Espiritualidade, concedendo-lhes méritos
apreciáveis, sendo que a subsequente existência que alguns deles tiveram,
escolhida voluntàriamente e não imposta, conquanto obscura, não chegou a
estabelecer expiação ou provação, mas testemunho honroso de um caráter leal a
si mesmo, cuja consciência se inquietara pela falta do cumprimento de uns tantos
deveres, de que se descuraram como gênios da Arte que foram, pois tudo indica
que a Arte tanto empolga e arrebata o seu cultor que frequentemente o aparta dos
caminhos da redenção, ou do amor a Deus e ao próximo.
*
**
Confessamos que sômente começámos a nos interessar verdadeiramente por
esse inconfundível gênio da Arte, que foi Frederico Chopin, depois que, através da
mediunidade, nos vimos surpreendida pela sua presença espiritual. E’ bem
verdade que, desde nossa infância, certas composições dele, ouvidas de quando
em vez, reproduzidas em pianos da vizinhança, exerciam sobre nossa
sensibilidade fortes impressões, extraindo da subconsciência algo comovente, que
provocava as lágrimas do coração, a ansiedade singular de regressar a um local
ignorado, cuja lembrança as barreiras corporais obsta-

A’

DEVASSANJyj o JNVIS!VEL

69

70 DEVASSANDO O INVISÍVEL
vam vir à superfície das recordações prôpriamente ditas, ansiedade que, algumas
vezes, se transformava em verdadeira inquietação.
Pelo ano de 1931, entretanto, na noite de 30 de Junho, médium já desenvolvida,
com a particularidade de nos afastarmos do cárcere corporal com muita lucidez,
vivendo, assim, muito da vida espiritual, e dela nos recordando, por vezes, ao
despertar do transe, deu-se o nosso primeiro encontro com a entidade
desencarnada Frederico Chopin. Nosso Espírito familiar Charles, que afirma ter
vivido sua última existência terrena na época do grande artista (reinado de Luís
Filipe, na França, na mesma época de Vítor Hugo, Allan Kardec e outras
eminentes figuras da Literatura, das Artes e da Filosofia), Charles deu-nos a
conhecer, na data mencionada, um pungente drama a que assistira à mesma
época, em Paris. Esse drama, iltimamente escrito pelo próprio Charles através de
nossa faculdade mediúnica, foi dado a público, pela FEB, sob o nome de «Amor e
Õdio». No ambiente espiritual inesquecível a que então fomos transportada,
encontravam-se várias personagens, além do próprio Charles e da entidade
«Gaston d’Aberville», figura principal daquela obra, a quem Charles conhecera
pessoalmente em Paris; destacavam-se dentre elas Vítor Hugo e Frederico
Chopin, que se deixara ver tocando em um piano de dimensões mais avantajadas
do que o comum dos pianos que conhecemos.
Observámos que o grande músico se apresentava elegantemente trajado, como
para um concerto, e sua aparência, inteiramente humanizada, porque
materializada, prestava-se à observação, impressionando a memória como sói
acontecer na Terra, onde guardamos a recordação da indumentária usada pelos
nossos amigos e comparsas da sociedade. Assim sendo, recordamo-nos de que
as calças que trajava eram diferentes, no tom do colorido, da casaca, pois
acusava nuança de azul mais

——

DEVASSANDO O INVISÍVEL 71
pálido, estando como que salpicada por gotas de orvalho,
traduzindo, toda a indumentária, a delicadeza característica
do plano espiritual, isto é, era visivelmente
fluídica, ao passo que sobre toda a configuração do artista
incidia um luzeiro azul, impressionante e lindo.
À volta dele, enquanto tocava, tudo se transformava:
em vez do local azul, florido, paradisíaco, em que nos
achávamos a princípio, começaram a se esboçar, lenta-
mente, até dominar toda a paisagem em derredor, pobres
árvores da Terra, estradas tristes quais as que nos são
comuns, campos de cultura de cereais, nostálgicos, como
pincelados de tons amarelos e rústicos, destituídos daquela
fecundidade vibratória própria dos ambientes fluídicos
do Espaço, bosques torturados por algo indefinível,
como contundidos vibratôriamente pelos malefícios terrestres,
e casario modesto, lembrando pequena aldeia de
padrão europeu. Tivemos a impressão de que fôramos
insensivelmente transportada de regresso à Terra e que
nos encontrávamos em local desconhecido.
Tão intensamente se impunha esse panorama à nos- W sa perspectiva, que
tivemos a sensação de caminhar por
uma estrada que — tínhamos certeza — iria findar em
local determinado. Era como a perspectiva apresentada
num filme cinematográfico, com a particularidade, porém,
de sugerir ao observador que ele se encontrava
dentro da paisagem, em vez de a estar apreciando externamente.
Notando nossa estranheza, ou desejando, mais provàvelmente,
proporcionar elementos para estudos e meditações,
Charles explicou:
«São paisagens da antiga Polônia, que ele gosta
de recordar e reter, tornando-a presente, aprofundando-
-se mentalmente pelo passado... pois ainda é sensível à
lembrança da casa paterna, ao seu antigo berço natal...
Ele gosta da Terra. . . » — o que mais uma vez indicará
que os cenários fluídicos são realizações da mente de

4
‘1

DEVASSANDO O INVISÍVEL

cada um ou de um agrupamento de pensamentos eixi quaisquer harmonização de


vontades, que se servem, para a efeti- bora o 11v vação do que desejam criar, do
fluido radioso do éter nível, que sublimado, tal como nós, encarnados, nos
servimos da Ignoramos matéria ao nosso dispor, na Terra, para as nossas rea-
vida, como lizações. com violei
A partir dessa data, frequentemente nosso espírito na Espirit era posto em
contacto com o dele, sempre sob a influên- vez, que i cia e a proteção de Charles,
afigurando-se-nos que, ou sonalidade foram ambos bons amigos aqui na Terra,
quando encar- comentárh nados, ou data do estágio espiritual a visível solidarie-
tos aspect dade que suas aparições e manifestações demonstram. genial ou E
esse contacto vem sendo, por assim dizer, ininterrupto, fias que como o foi com o
saudoso Camilo e demais amigos es- durante o pirituais, quer favorecido pelo
estado de desdobramento noticiários consciente da nossa personalidade
espiritual, quer atra- seus passe vês de materializações muito nítidas durante a
vigília. tórias poc Por vezes, sua presença se revela apenas através do per-
avivando fume. Assim sendo, deixa recender o aroma da violeta, de fatos às vezes
também percebido por outrem. Mas, esse aro- De outro ma, não tão
espiritualizado como outros que o Além igualment costuma oferecer aos médiuns,
afigurou-se-nos, a prin- cessos, as cípio, trazer a particularidade da violeta colhida
em dia gosta, hui chuvoso, pois dir-se-ia mesclado de um sutil cheiro de que um j
terra molhada. Mais tarde, porém, o próprio Chopin massem apresentou-se,
sorridente, e deu-nos a contemplar duas tristece, violetas acompanhadas de uma
folha, rematando o gesto sucessivas com a seguinte explicação: deslizes,
— «Não é cheiro de «terra molhada».., mas da algumas . folha de violeta colhida
em dia de chuva. . . » surável.
Ora, esse pormenor identifica sua presença, quando desse gra não se materializa,
e o diferencia de qualquer outro Es- liberdade pírito, de Charles, por exemplo, que
igualmente se re- ciação da vela através de um mui sutil e espiritualizado perfume
De oi de violeta, mas sem o característico da folha molhada. que tudo
Não conseguimos, jamais, terminar a leitura de em nossa

72

DEVASSANDO O INVISÍVEL

quaisquer narrativas da vida de Frederico Chopin, embora o tivéssemos tentado


algumas vezes. Algo indefinível, que nos perturba e atormenta, impede-nos fazê-
lo. Ignoramos, portanto, quase tudo acerca de sua passada vida, como ignoramos
se ele, como homem, se perfumava com violeta. Se não se perfumava, perfuma-
se hoje, na Espiritualidade, com essa essência. Pediu-nos, certa vez, que não
lêssemos noticiário algum sobre sua personalidade humana, revelando, com isso,
desgosto pelos comentários que o mundo ainda tece a respeito de certos aspectos
de sua vida. Cremos que nenhum Espírito, genial ou não, vê com satisfação
comentários ou biografias que tratem de alguns deslizes por ele cometidos
durante o estado humano. Tantas mentes a lerem tais noticiários, tão variadas
trocas de ideias, em torno dos

seus passados atos, estabelecem correntes magneto-vibratórias poderosas, que


têm a propriedade de atingi-los, avivando em suas potencialidades anímicas a
lembrança de fatos passados que eles próprios desejariam esquecer. De outro
lado, os amigos e comparsas de Além-Túmulo igualmente passarão a conhecer,
através de tais processos, as mesmas particularidades, o que muito os desgosta,
humilha e envergonha, não raro. Será, pois, como que um jornal, um comentário
radiofônico que os difamassem pi’iblicamente, o que muito os constrange e
entristece, sem falar no desgosto de constatar que as

sucessivas gerações terrenas também conhecerão seus deslizes, de que tanto se


arrependem, com a agravante, algumas vezes, de os imitarem no que praticaram
de censurável. Assim, pois, os fatos que conhecemos da vida desse grande vulto
são poucos, o que nos deixa mais liberdade para traçar estas páginas e submetê-
las à apreciação daqueles que melhor os conheçam.
De outro modo, interessa-nos a experiência espírita
que tudo isso representa, e é exatamente o que nos atrai
em nossa convivência mediúnica com a entidade espi 73
74 DEVASSANDO O INVISIVEL
ritual Frederico Chopin. Dessa convivência temos colhido a observação de que, no
Além, ele se mostra grandemente polido de maneiras, mesmo aristocrata, porém,
tímido, desencorajado de transmitir mensagens escritas, porque, afirma quase
infantilmente: «Só sei expressar-
-me por música. . . »
Mostra-se afetuoso e discreto, pouco expansivo e, geralmente, entristecido. Uma
única vez vimo-lo sorrir. Esta última qualidade, a melancolia, parece ser
predisposição natural do seu caráter e não motivada por provações ou
recordações de vidas passadas. No entanto, já o vimos chorar copiosamente,
recordando sua última existência terrestre.
Quando se deixa ver, não conseguimos conter as lágrimas, o que é
compreensível, pois a presença real de um habitante do Invisível é sempre
impressionante, e um médium não enfrentará um fenômeno dessa natureza sem
lágrimas de muito grata emoção, sobretudo em se tratando de entidade evoluída
espiritualmente. Todavia, mesmo a presença de um obsessor, um suicida, se
verdadeira, provocará igualmente lágrimas, pois a Verdade impõe-se com muita
força, chocando sempre a nossa sensibilidade. E Frederico Chopin nos tem
suscitado lágrimas pela ternura com que nos trata, pela confiança que em nós
deposita, o que, aliás, é comum no trato dos Espíritos amigos ou instrutores, para
conosco.
*
**
No dia 3 de Janeiro de 1957, ou na madrugada desse dia, verificou-se a mais
positiva e curiosa manifestação de Frederico Chopin, que tivemos a honra de
espontâneamente obter, pois jamais temos provocado quaisquer das
manifestações que recebemos, nem sequer desejando-as. Tais fatos, como os que
passaremos a narrar, são, aliás, comuns nas atribuições de um médium, pois para

DEVASSANDO O INVISÍVEL 75
isso recebeu ele o dom de intérprete do Mundo Invisível; do contrário não os
citaríamos aqui, máxime por ser o manifestante um vulto que mais amado se torna
quanto mais recuada fica a data em que viveu sobre a Terra.
Como de hábito, independente sempre da nossa vontade, tivemos o espírito
arrebatado para um voo pelo Espaço, cuja finalidade se manteve velada ao nosso
entendimento terreno até hoje, pois de coisa alguma conseguimos recordar-nos ao
despertar. Apenas pudemos perceber que fôramos atraida sob as injunções de
Charles, pois que o víramos aproximar-se, distintamente, antes de lançar a
descarga fluídica que nos levou a adormecer magnèticamente, no transe que se
seguiu. Ao regresso, porém, mal despertávamos, notámos estar acompanhada
também por outra entidade, além de Charles, reconhecendo tratar-se de Frederico
Chopin, já nosso conhecido desde o ano de 1931. Totalmente desperta, mas ainda
imobilizada sob a dormência da letargia, compreendemos que se acentuava a
materialização das duas individualidades em apreço, pois jamais os amigos
espirituais abandonam seus médiuns antes que se desfaça a ação melindrosa de
um transe dessa natureza. Ao contrário, trazem-nos sempre até ao aposento onde
se encontra o corpo semimorto, ajudando-os na operação penosa de se
reapossarem definitivamente do mesmo. No entanto, o amigo Chopin, sentando-
se numa cadeira colocada em frente ao nosso leito, deixou-se materializar tão
perfeitamente que apresentou todas as caracterísücas humanas, enquanto, de pé,
fluídico e transparente, levemente lucilante, com a sua indumentária de iniciado
hindu, Charles como que assistia, ou presidia, o fenômeno, pois os iniciados
gostam de provocar sempre, para os seus médiuns, fenômenos empolgantes, a
fim de instruí-los, preferindo, contudo, as manifestações tipicamente espirituais.

4pj

76

DEVASSANDO O INVISÍVEL

Chopin entrou a narrar, então, os sofrimentos por que passou desde que se
reconheceu irremediàvelmente doente, atacado pela tuberculose. Disse da
desolação que o dominou ante a impossibilidade de se dedicar aos trabalhos que
pretendia levar a efeito, e aludiu às dificuldades financeiras que o afligiram, às
humilhações e desgostos daí decorrentes, sem se referir, jamais, à sua grande
amiga George Sand. Mas, à proporção que narrava, evocando o próprio passado
terreno, revivendo-o, em si mesmo, transformava-se: voltou àquela fase da sua
existência, mostrou-se enfermo, tuberculoso, abatido, rouco, os olhos profundos e
pisados, o peito arquejante, cansado pelo esforço da conversação. Vimo-lo tossir
dolorosamente, expectorar, levar o lenço à boca, ter hemoptise! Vimo-lo suar e
enxugar a fronte e o rosto, com o lenço, e sentimos o seu hálito de doente do peito
sem o devido trato! Não mais um Espírito desencarnado, mas um homem
gravemente enfermo, com todos os complexos do estado de encarnação!
Chorava, revelando grande sofrimento moral, além do físico.
Assaltada, então, por um intenso e indefinível sentimento de angústia e
compaixão, mas ainda meio atordoada pelas últimas gradações do transe,
levantámo-nos do leito, ajoelhámo-nos diante dele e nos pusemos a chorar
também, pois o médium canaliza para si todas as impressões da entidade com
que se comunica - Então, tínhamos os braços apoiados sobre seus joelhos e as
mãos cruzadas como em prece, e ele nos pareceu tão sólido e material como
qualquer ser humano - Dizia sentir febre e tocou nossas mãos com as suas,
provando o que dizia:
sentimos, com efeito, que aquelas mãos estavam quentes e húmidas, acusando
temperatura elevada - Queixou-
-se de que tinha o estômago e os intestinos inchados e doloridos, devido à
doença, a qual àqueles órgãos também afetara, e, ao dizê-lo, comprimia-os com
as mãos.
O sofrimento que nas atingia era intenso e insupor

DEVASSANDO O INVISIVEL 77
tável. Charles interveio, levantando-o docemente e furtando-o, e a si próprio, de
nossa visão. Mas, antes que se desfizesse de vez o fenômeno, tomámos de suas
mãos e beijámo-las, exclamando: «Adeus, Fred!», pois esse é o tratamento que
lhe damos sempre, durante os transes dessa natureza. Esse fenômeno deixou-
nos entristecida e abalada durante muitos dias.
De outra feita, isto é, a 10 de Março de 1958, materializado plenamente à nossa
frente, recordando seu estado humano, deixou-se contemplar muito agasalhado
com roupa de lã e envolvido num pequeno cobertor, ou manta, que lhe tomava a
cabeça e os ombros, emprestando-lhe aspecto feio. Dizia passar mal durante o
jnverno e no período das chuvas, e mostrou os pés, que estavam inchados, coisa
difícil de um médium poder observar, os pés, numa entidade desencarnada,
mesmo quando materializada. Observámos novamente que suas calças eram de
«tecido de lã azul», com a particularidade de mostrar pequenos pontos reluzentes
em alto relevo, como gotas de orvalho, as meias também eram de lã, de cor
branco marfim, quase creme, e que usava chinelos muito grandes, arrastando-os
ao caminhar, parecendo que não lhe pertenciam. Essa materialização, tão perfeita
quanto a antecedente, fêz-nos vê-lo sentar-se ao nosso lado, num divã. Sentimos
o contacto da sua presença, a impressão do calor natural a um corpo carnal, como
se, realmente, se tratasse de uma pessoa humana que nos visitasse. Não nos
recordamos, porém, de ne nhuma conversação substancial, ou doutrinária, que
tivéssemos. Jamais lhe perguntamos algo, e nunca somos a primeira a falar, o
que, de igual modo, acontece sempre que nos comunicamos com outros Espíritos.
Note-se que a conversação assim realizada nunca se processa através da palavra
enunciada, mas telepàticamente, o que é tanto ou mais eficiente do que o verbo
falado, a tal ponto que o médium distingue as vibrações de todos

—z------- 7 DEVASSANDO O INVISVJ


os seus Guias e amigos espirituais, e reconheceos Cofio
se se tratasse do tom vocal de cada um deles.
E’ possível que durante a emancipação do nosso espírito pelo transe letárgico, ou
desdobramento tenhamos conversações substancjos com esse encantador
Espírito. Mas, em vigília, noSsos entendimentos são curtos, embora afetuosos e
muito interessantes, servindo, ger&mente, para identifjcálo Pediu-nos, certa vez,
muito delicadamente, que tomássemos um professor de música e
aperfeiçoássemos o fOsso conhecimento de piano, com fervor e vontade, porque,
se assim fôsse, afirmou ele:
«Eu poderia realizar o que desejo, por seu intermédio. Então, dar-lhe-ia
mensagens do gênero que mais me interessaria. . . pois sômente me expressarei
pela música...) Mas, não sendo possível atendê-lo, porquanto sabemos que a Arte
arrebata o espírito e julgamos serem outros os nossos compromissos com a
Doutrina Espírita, resignámo-nos ao pesar de não satisfazer o desejo do querido
amigo, nesse particular.
Asseverounos que sabia ser ele muito amado pelos brasileiros, o que
particularmente o enternece. Mas observa que ninguém lhe dirige uma prece, e
que necessita desse estímulo para as futuras tarefas que empreenderá, ao
reencarnar, quando pretende servir a Deus e ao próximo, o que nunca fêz através
da música. Declarou que, salvo resoluções posteriores, pretende reencarnar no
Brasil, país que futuramente muito auxiliará o triunfo moral das criaturas
necessitadas de progresso, mas que tal acontecimento só se verificará do ano de
2000 em diante, quando descerá à Terra brilhante falange com o compromisso de
levantar, moralizar e sublimar as Artes. Não poderá precisar a época exata. Só
sabe que será depois do ano de 2000, e que a dita falange será como que
capitaneada por Vítor Hugo, Espírito experiente e orientador (a quem se acha
ligado por afinidades espi

79
rituais seculares), capaz de executar missões dessa na-
*
**
Na Espiritualidade prôpriamente dita, Frederico Chopin se apresenta assaz
diferente da forma por que se deixa ver nas pesadas paragens terrenas. Tal como
é ali, ou seja, no seu estado normal de Espírito, fluídico, leve, não se poderá
mostrar na Terra. Será necessário então que o médium, em espírito, durante um
desdobramento, possa ir até ele, desde que auxiliado ou «preparado» por seus
Guias espirituais. Esse fenômeno, conquanto difícil, não será impossível a
qualquer médium, desde que se haja desprendido razoàvelmente das atrações
humanas para aliar vibrações com certos estados especiais do Invisível.
Char]es proporcionou-nos, há cerca de dois anos, um desprendimento dessa
categoria. Então, pudemos entre- ver o amigo Chopin «na glória do seu triunfo
espiritual», como se expressam os instrutores do Mundo Invisível. Tivemos a
impressão de nos encontrarmos, então, diante de um anjo, tal o encantamento
que de sua individualidade irradiava. Lucilante, angelical, todo envolvido em jactos
de luz azul feérica, pudemos contemplá-lo na plenitude da sua candura pessoal,
da sua formosura morai:
terno, afável, preocupado em ser amável, mas tímido e tristonho sempre, simples
até ao enternecimento. Diante de tão fulgurante visão espiritual, nosso espírito
naturalmente curvou-se de joelhos e se desfez em lágrimas, pois nenhum médium
contemplaria com indiferença um Espírito no seu verdadeiro elemento espiritual.
Contudo, ele estava, ainda, trajado, e por mais que tal revelação contrarie o leitor,
não nos será possível afirmar outra coisa, porquanto aqui nos propusemos revelar
o que nos

DEVASSANDO O INVIStVEL

tureza.

1.

DEVASSANDO O INVISÍVEL
sa faculdade mediúnica tem captado no Além-Túmulo, e foi isso, e não outra
coisa, que conseguimos entrever. Notámos, pois, que se trajava como um
elegante fidalgo do século XVIII: calções de seda azul até aos joelhos,
rebrilhantes, salpicados de gotas de orvalho; blusa de mangas amplas, ajustadas
nos punhos, de cetim brai co, brilhante, mas sem trazer o casaco clássico, da
época. Não vimos os pés, porque o luzeiro azul que o envolvia como que os
encobria. Compreendemos, então, que ele tivera uma existência ao tempo da
Regência, na França, ou de Luís XV, na qual pertencera à nobreza, existência que
lhe fora muito grata. Todo o seu aspecto irradiava vibrações reveladoras de um
grande poeta, de um profundo pensador. Beijámos-lhe, como sempre, as mãos,
que ele não negou estender, e de joelhos, e em lágrimas, despedimo-nos, como
da primeira vez: «Adeus, Fred!»
Ainda na mesma oportunidade, afirmou o instrutor espiritual Charles que Frederico
Chopin seria a reencarnação do poeta romano Ovídio (13), que viveu cerca de
quarenta anos antes do Cristo, falecido no ano 16 da nossa era, e do pintor
itAllano Rafael Sanzio (14), pois que o intelectual, o artista, na sua evolução pelo
roteiro do Saber, dentro da Arte, há-de passar por todas as suas facetas,
sublimando-se até à comunhão com o Divino. E que Espíritos como Chopin,
Beethoven, Mozart, Beluni, Rossini, etc., naturalmente bondosos, embora ainda
não santificados ou plenamente redimidos, não têm gran (13 Públio Ovidio Naso
— poeta latino, fácil e brilhante, amigo de Vergilio e de Horácio. (43 a. .7. O.)
(14) Rafael Sanzio — pintor, escultor e arquiteto itilano, 1483-1520. O seu gênio
reunia todas as qualidades: perfeição do desenho, vivacidade dos movimentos,
harmonia das linhas, delicadeza do colorido. Deixou grande número de obras-
primas. E’ considerado o poeta da Pintura, como Ovídio foi considerado o músico
da Poesia e como Chopin é considerado o poeta da Música.

80

DEVASSANDO O INVISÍVEL

de necessidade da reencarnação, porque progredirão mesmo no Espaço — a


habitação normal dos seres espirituais, a verdadeira Pátria, como casa paterna;
que vêm à Terra quando o desejam, e por uma especial solidariedade para com os
humanos, a fim de estimularem entre estes o amor pelo Belo, pois que esse
atributo, o Belo, é tão necessário às almas em progresso quanto o Amor, visto
tratar-se também de um dos atributos do próprio Criador de Todas as Coisas, e
que, sendo o Uni-

verso uma expressão da Beleza Divina, e sendo o homem destinado a se tornar a


imagem e a semelhança de Deus, deverá igualmente comungar com o Belo, a fim
de poder compreender o Universo e com ele vibrar em toda a sua arrebatadora,
feérica e harmoniosa beleza.

No entanto, todos os grandes artistas e gênios consagrados ao Belo deverão


passar, outrossim, pelos ásperos caminhos das experiências e dos testemunhos,
embora muitas vezes sem o caráter expiatório, até que, como toda a Humanidade,
cumpram os ditames da lei de amor a Deus e ao próximo, a par da própria
característica de intérpretes do Belo através das Artes
Presentemente, essa entidade se preocupa, na Espiritualidade, com um curso de
Medicina Psíquica. Ela
própria participou-nos o acontecimento, acrescentando

que, por essa razão, não tem visitado a Terra com frequência, àltimamente.
Ouvindo-a, perguntámos-lhe, então, com toda a naturalidade, como sói acontecer
quando conversamos com qualquer amigo do mundo invisível:

— Quer dizer que... ao voltar à reencarnação será médium curador, talvez


receitista?..

Sorriu, satisfeita, e sacudiu a cabeça, afirmativa-

mente

— Então, não virá mais como artista?... — voltámos a indagar.


E a resposta veio, cheia de animação:

81

82 DEVASSANDO O INVISIVEL
Porque não poderei aliar as duas qualidades, se os artistas, muitas vezes, não
passam de médiuns?... O problema estará na boa orientação da faculdade que se
disponha... Nada me impede, entretanto, de continuar como artista nas
reencarnações vindouras, pois não profanei as Artes nem cometi quaisquer
deslizes nesse setor. Dependerá, apenas, do meu livre arbítrio... Mas, no
momento, o que me preocupa mais é o desejo de servir aos pequeninos e
sofredores, aos quais nunca protegi. Em minhas passadas existências, apenas
servi aos grandes da Terra. Futuramente, porém, será a vez dos humildes... E não
desejo nem mesmo auferir proventos monetários, pessoais, da Música. As Artes,
em geral, deverão ser praticadas gratuitamente, com amor e unção religiosa...
A nós própria admirou a notícia inesperada e sugestiva, que não seria possível
calar nestas páginas. Ele próprio, Frederico Chopín, autorizou sua revelação,
visitando-nos enquanto fazíamos o presente trabalho. E suas palavras foram,
textualmente, as acima citadas.
Eis, pois, o que espontâneamente — pois, repetimos, jamais solicitámos algo — o
Invisível nos concedeu acerca de Frederico Chopin, além de mais algumas
informações que não julgamos interessantes para estas páginas. Não poderemos,
é certo, provar com fatos concretos o noticiário de que nos vemos intérprete, visto
tratar-se de assunto transcendental, que atinge a categoria de revelação. Mas a
Deus tomando por testemunho da sinceridade com que aqui nos externamos,
deixamos aos nobres pesquisadores da Revelação o labor sagrado de obterem a
confirmação lógica e insofismável do que fica exposto. Aliás, cumprimos apenas
um dever de consciência, pois, se, como sabemos, a função da mediunidade é
desvendar os segredos da morte, transmitir notícias do mundo invisível ao mundo
terreno, nada mais fazemos, com efeito, do que desincumbir-nos de um de-

DEVASSANDO O INVISIVEL 83
ver, não guardando, avaramente, fragmentos da vida espiritual, a nós revelados,
de um vulto que ao passar pela Terra a encantou com o seu gênio de artista e cuja
imorredoura lembrança faz vibrar, ainda, o coração de quantos sintam na alma
inclinações para as arrebatadoras expressões do Ideal sublimado no Belo.

CAPÍTULO IV
Nas Regiões Inferiores.
“Pergunta — Então, poderia também (o Espírito) fazer uma substância alimentar?
Suponhamos que tenha feito uma fruta, uma Iguaria qualquer: se alguém pudesse
comer a fruta ou a Iguaria, ficaria saciado?
Resposta — Ficaria, sim; mas não procures tanto para achar o que é tão fácil de
compreender. Um raio de sol basta para tornar perceptivais aos vossos órgãos
grosseiros essas partículas materiais que enchem o espaço onde viveis. Não
sabes que o ar contém vapores d’água? Condensa-os e os farás voltar ao estado
normal. Priva-
-as de calor e eis que essas moléculas impaipáveis e invisíveis se tornarão um
corpo sólida e bem sólido, e, assim, muitas outras substâncias de que os químicos
tirarão maravilhas ainda mais espantosas. Simplesmente, o Espírito dispóe de
instrumentos mais perfeitos do que os vossos: a vontade e a permissão de Deus.”
(ALLAN KARDEC — “O Livro dos Médiuns”. Cap. VIII — Do Laboratório do Mas-
do Invisível, 13’ pergunta.)
Nem sempre será dado ao médium, durante o desdobramento da sua
individualidade espiritual, visitar as formosas estâncias fluídicas onde a paz e a
beleza, a fraternidade e a luz, o consolo e a alegria revigoram o seu espírito para o
prosseguimento da marcha terrena. Os deveres da mediunidade também o
requisitam para os locais inferiores, antros de miséria e degradação loca-

DEVASSANDO O INVISÍVEL 85
lizados, às vezes, nos próprios perímetros terrenos, como nas suas regiões
atmosféricas, onde se aglomeram entidades ainda inferiorizadas pelo erro e a
materialidade, e aos quais, por isso mesmo, chamaremos regiões inferiores.
Nesses locais, de que os bairros miseráveis de uma grande cidade darão ideia
aproximada, exercerão os médiuns, acompanhados sempre de seus Guias e
Instrutores espirituais, tarefas melindrosas nos setores da legitima fraternidade,
podendo-se, mesmo, asseverar que nesse delicado exercício espiritual é que se
acentua a significação da sua qualidade de médium, ou intermediário.
Esses agrupamentos de entidades desajustadas, aos quais se têm denominado
regiões Inferiores, por não se conhecer outro vocábulo que melhor os defina e
retrate, tanto poderão existir no Espaço, dentro da densidade atmosférica, como
na própria Terra, pois estarão sempre onde se encontrarem as entidades que os
compõem, o que quer dizer que sua configuração poderá ser móvel. Suponhamos
uma das favelas de má fama, aqui no Rio de Janeiro, cujos habitantes se
mudassem, ora para Copacabana, ora para a Cinelândia, ora para Jacarèpaguá
ou para o Pão de Açúcar. Todos esses locais nada mais passariam a ser senão a
região trevosa criada pelos hábitos inveterados dos favelados, por sua educação
ínfima ou deficiente e suas vibrações e atos viciados, pois é sabido que cada um
de nós carrega consigo próprio o seu inferno ou o seu paraíso. De forma idêntica
serão as regiões inferiores do Mundo Invisível: criações mentais coletivas de
entidades afins, que praticarão, além da morte, os mesmos hábitos e os mesmos
atos a que se arraigaram no estado humano. E todos esses locais, assim
construídos, ainda que se estabeleçam nos âmbitos da Terra, pertencerão sempre
ao Invisível, mas não pràpriamente à Espiritualidade, pois esta implica a
emancipação do Espírito das atrações da matéria, o domínio

DEVASSANDO O INVISIVEL
mental elevado ou superior, a ascensão a planos transcendentes do Infinito.
A essas regiões, portanto, as inferiores, impulsiona- dos pelos obreiros da Verdade
incumbidos da missão do momento, servindo-lhes de porta-voz, representando-os,
mesmo, porque ínterpretando-os para outrem, hão-de os médiuns, para lá
transportados em corpo espiritual, levar o consolo e a esperança, o
esclarecimento e o estímulo às almas aflitas, mergulhadas no desalento ou no
ostracismo, levantar-lhes o ânimo, expondo ao entendimento de cada uma as
doçuras da Boa-Nova do Cristo; reanimar-lhes a coragem, ao influxo do
entusiasmo que transborda dos seus próprios corações de crentes da verdade
eterna, da ciência do Espírito, as quais a eles mesmos, médiuns, têm amparado
diàriamente, nos fogos dos testemunhos terrenos, pois que o fato de ser médium,
de conviver com as entidades desencarnadas e conhecer certos segredos do
Invisível, não exclui o imperativo das provações para que reencarnaram. De outro
modo, ser médium não implica tão sômente obter manifestações ostensivas de
entidades elevadas ou inferiores do Invisível, no recinto de uma agremiação de
experimentações espíritas, transmitir receituário e passes ou escrever belas
páginas, para edificação geral, sob impulsão do Alto. Sua aptidão lhe confere
também o dever de se consagrar a tarefas quiçá mais amplas e melindrosas,
durante as horas de emancipação do seu espírito, através do sono natural, ou do
letárgico, que seus Guardiães gostarão de provocar, para que mais eficientes se
tornem a liberdade e a desenvoltura indispensáveis à movimentação a realizar-se.
Em geral, os médiuns se prestam a tais operações psíquicas, seja voluntàriamente
ou obrigados pelo império da irresistível lei a que se subordina a faculdade
mediúnica, conquanto sejam preferidos, pelos Instrutores e Guias, os que acusam
maior energia de caráter, adquirida e retemperada

DEVASSANDO O INVISÍVEL 87
nas retortas das experiências, através do sofrimento. Todavia, é comum não se
lembrarem de nada, ao despertar, a não ser que a pressão magnética elucidadora
dos próprios Guias a tanto os habilite, e, é claro, sempre para fins de utilidade
geral.
Como os demais médiuns, portanto, desde nossa primeira juventude vimos
exercendo tarefas mediúnicas nas «regiões inferiores» do Invisível, onde a
desgraça e a dor, a desordem e o vício, o opróbrio e a miséria, a maldade e o
remorso, o ódio e a vingança, e até a licenciosidade e o crime lavram
desequilíbrios mentais-vibratórios impossíveis de ser relatados a rigor, os quais,
de tão intensos, se afigurariam inacreditáveis às mentalidades pouco afeitas a
análises profundas sobre assuntos transcendentais. E porque os desprendimentos
espirituais peculiares às nossas faculdades, através do transe letárgico, trazem a
singularidade de permitir lembranças, por vezes minuciosas, do que nos é dado
presenciar no Espaço, procuraremos descrever, nestas páginas, algo de nossas
experiências, já que o fazemos ao sabor das intuições dos amigos espirituais que
nos assistem e cumprindo, por sinal, suas próprias determinações.
**
Geralmente é a entidade radiosa Adolfo Bezerra de Menezes, o coração fraterno e
generoso do médico que ainda hoje, na Espiritualidade, prefere clientela obscura e
sofredora, quem nos arrebata o espírito para operosidades de ordem espiritual em
torno de desencarnados, de mnfima classe, das sociedades invisíveis. Os
mentores hindus preferem levar seus pupilos, geralmente discípulos espirituais, a
regiões paradisíacas do Espaço, onde lhes proporcionam visões e panoramas de
arrebatadora beleza, a título de estímulo para o progresso e lições

88 DEVASSANDO O INVISfVEL
a
preciosas, muito embora, para tais realizações, lhes exijam disciplinas tão severas
que recordam o preparo austero da iniciação antiga. Não sabemos, no entanto, se
tão dedicados amigos, ao se servirem dos médiuns encarnados para tais labores,
têm como único intuito a instrução dos homens em geral e o auxílio ao progressõ
do próprio veículo mediúnico, o qual, desse modo, se beneficiaria de inestimáveis
cabedais. Sabemos é que, frequentemente, somos levada a verdadeiros antros de
trevas, para serviços de esclarecimento em torno de pobres entidades sofredoras
e endurecidas; que os Instrutores sobre nós projetam intuições vigorosas, para
distribuirmos o devido socorro, e que por essa forma transmitimos doutrinação,
conselhos, advertências e até passes.
Há cerca de um ano, fomos arrebatada em espírito para visitação a entidades
desencarnadas obsessoras, já em vias de arrependimento. Porque fôsse muito
pronunciada a emancipação de nosso ser espiritual, pudemos observá-las, e ao
panorama que as rodeava, com clareza suficiente para permitir o presente estudo.
Detalhe importante: o médium jamais se admira, se assusta ou se perturba, ao
penetrar a vida espiritual. Tudo se lhe afigura, então, natural, familiar, comum,
como se habituado se encontrasse, de longa data, ao que vê, ao que faz e ao que
assiste, o que vem provar que o Invisível é, com efeito, a verdadeira pátria de
todos nós. Aquelas entidades visitadas, porém, se encontravam apavoradas ante
as consequências do longo percurso pelos canais do crime, por elas vislumbradas
em suas intuições, pois vinham todas, desde época recuada, servindo ao mal, não
apenas no estado humano, terreno, mas ainda durante o estágio no plano
invisível. Eram da mais horripilante categoria. E, defrontando-as, tivemos a
imprsão de que nos encontrávamos em presença de criaturas


DEVASSANDO O INVISÍVEL 89
fantasiadas com «dominós» inteiramente negros (15), com o respectivo capuz. De
seu aspecto geral se desprendiam fealdade, baixeza de sentimentos e vibrações,
grosseria, inferioridade, incapazes, todos, de impulsos voluntários para o
progresso, mendigos espirituais, na absoluta dependência dos obreiros da
Caridade, os quais, dominando a repulsa que poderiam sentir em presença de tão
extrema miséria, os auxiliavam de boamente, revigorando-lhes as forças para
novas tentativas de recuperação e progresso. Verificamos que, em tais ocasiões,
somos sempre vista e compreendida por essas entidades, mas que os Instrutores,
sob cuja tutela nos encontramos, jamais o são. Nós mesma, nessas emergências,
a estes entrevemos com dificuldade, certificando-nos de sua presença não tanto
pela visão, mas através das vibrações por eles emitidas, à guisa de palavreado
sonoro, a fim de recomendar os trabalhos a desenvolver, e por um sentimento
indefinível de confiança e felicidade, uma sen. sação singular, espécie de intuição
poderosa, que substitui a visão prôpriamente dita.
Eram cerca de dez as entidades então visitadas. Encontravam-se como
aprisionadas em pequeno e miserável compartimento, em promiscuidade
chocante. Haviam sido homens quando encarnados, conservando os seus
Espíritos, agora, por isso mesmo, os característicos masculinos. Vibratàriamente,
encontravam-se muito fracas, como alguém em convalescença de grave
enfermidade, apavoradas, desencorajadas para o recurso da oração, porque ainda
ímpios os seus sentimentos; temerosas de se verem em presença de Deus,
porque certas da própria culpabilidade, atormentadas pelas visões alucinatórias
dos crimes praticados. Essas visões, frutos das suas vibrações mentais, nós as
víamos tão bem quan (15 Espécie de túnica ampla, comprida, que antigos
carnavalescos usavam durante os folguedos do Carnaval.

90 DEVASSANDO O INVISÍVEL
to elas próprias, infestando o perímetro em que permaneciam. Eram dramáticas:
contendas, lutas corporais, assaltos, seduções de menores, roubos, assassínios,
obsessões, suicídios! Ou obscenas, sórdidas, vis, maléficas, atrozes!
Desesperados, esses infelizes se debatiam, encobrindo os olhos com as mãos ou
ocultando a cabeça com os braços, ou com os trapos que sempre encontravam ao
alcance, na ingênua suposição de que, assim agindo, se furtariam ao horror das
próprias ações passadas, a ecoarem nos refolhos da consciência, como se
pirogravadas estivessem nas suas sensibilidades mentais; estiravam-se,
chorando, em tumultuoso vozerio, sobre um como tablado imundo, em
promiscuidade repulsiva; refugiavam-se por entre coberturas esfarrapadas, aos
gritos e uivos de revolta e horror, quais verdadeiros loucos em momento de
aflitivas crises; levantavam-se em seguida, sem jamais lograrem repouso, os olhos
em fogo, dilatados como se tocados de assombro, os cabelos eriçados, o corpo
(perispírito) tremente, como sacudido por violento nervosismo, os dentes cerrados
como se dolorosos ataques epilépticos se anunciassem, irremediáveis. Quanto às
«vestes)>, quando não se apresentassem com os já meucionados «dominós»
negros, eram rotas e imundas: empapadas de sangue ou de lama, a exibir as
fases da putrefação cadavérica, ou de matérias asquerosas como o pus e o
sangue putrefato. Um fétido nauseabundo e pestilento tresandava deles,
repugnando também a nós outra, de início, para desaparecer, depois, da
sensibilidade do nosso olfato. O solo do compartimento em que se detinham,
espécie de quarto ou sala, de mui pequenas dimensões, com uma janela
gradeada à esquerda e urna porta à direita, era tão imundo quanto eles próprios,
igualmente empapado de sangue e humores fétidos, a tal ponto que os infelizes se
horrorizavam de si mesmos, sentindo-se tolhidos, amesquinhados, incapazes de
reagir

DEVASSANDO O INVISÍVEL 91
contra tão miserável estado de coisas. A porta deitava para um pequeno terreno e
permanecia aberta, permitindo passagem aos prisioneiros, caso desejassem sair.
Ocorria, no entanto, um fato curioso: os pobres voluntàriamente permaneciam
naquele covil, presidiários de si mesmos, isto é, do próprio passado!
O terreno acima citado dividia-se em dois por uma cerca, que se nos afigurou
construída em arame farpado. No trecho à esquerda, para o qual deitava a porta,
erguia-se uma cobertura tosca, espécie de pequeno galpão, muito sólido aos
nossos olhos, onde uma mulher de cor negra (Espírito desencarnado,
voluntàriamente materializado, em serviços de resgates ou beneficência),
lembrando o tipo das antigas escravas africanas, ao tempo do Império, sorridente
e simpática, deixando entrever certa luminosidade no seu envoltório perispirítico,
parecia «cozinhar» para os «habitantes locais». Sentimos o aroma apetitoso da
comida e espionámos: preparada em grandes tachos de cobre, como os que se
usavam outrora para o fabrico doméstico da goiabada, afigurou-se ao nosso
entendimento tratar-se de leguminosas e hortaliças, as quais se nos desenharam
à visão como alfaces, tomates, cenouras, batatas, azeitonas, cebolas, em salada
(16). Esse local era agradável pela presença da negra, em quem, com efeito,
reconhecemos Espírito ope (16 Evidente é que, no panorama fluídico dessa
cozinha, existia o trabalho mental realizado pela vontade da entidade espiritual
responsável pela vigilância das entidades sofredoras, a qual teria sido, quando
encarnada, alguma escrava ou serviçal encarregada de cozinhas terrenas. Pela
ação da vontade sobre os fluidos e as matérias essenciais do mundo invisível, ela
teria criado o panorama citado, para a caridosa assistência aos seus pupilos em
precário estado de materialidade, pois é sabido que o Espírito possui liberdade de
ação, no Além-Túmulo, para as tentativas em torno da recuperação dos infelizes
desajustados das normas ou leis espirituais.

92 DEVASSANDO O INVISIVEL
roso, pelos labores de vigilância a favor dos delinquentes confiados à sua guarda,
como pela visão das iguanas, que nos pareceram saborosas. O quintal da direita,
p0- rém, dir-se-ia tétrico e singular cemitério, pois que do solo fétido e lodoso
emergiam mãos humanas súplices, cabeças desgrenhadas, de olhos
aterrorizados, bradando por socorro e piedade, cadáveres estirados, a se
desfazerem em sangue e matérias putrefatas, que encharcavam a terra, e braços
e pernas humanos dispersos por aqui e por ali; visão macabra, que perturbaria a
mente do vidente, se para tais serviços o médium não fôsse prèviamente
fortalecido por assistência especial.
Ora, conhecedores da existência desse extravagante cemitério, os criminosos,
apesar dos remorsos alucinadores, preferiam a permanência indefinida no
pequeno compartimento a tentarem a fuga, pois sabiam que teriam de cruzar o
cemitério e divisar, naqueles impressionantes despojos, as vítimas da sua
maldade de homicidas e obsessores que haviam levado, igualmente, tantas
criaturas incautas à prática de homicídios e ao suicídio.
À nossa chegada, um dos prisioneiros, exatamente daqueles trajados de «dominó
negro, aproximou-se, como que nos recebendo. Notámos que esse já não trazia
capuz, sinal de melhoria de vibrações. Seu semblante, muíto visível à nossa
observação, indicaria um homem que houvesse falecido aos cinquenta anos de
idade, e mostrava-se branco marmóreo e infinitamente triste, como marmóreas se
apresentavam também as mãos, largas e compridas. Compreendemos que ele
absolutamente não distinguia Bezerra de Menezes, mas sômente a nós. Nenhum
pavor ou sobressalto perturbou nossa confiança Sentimo-nos antes possuída de
grande compaixão e desejo de auxiliar. Ele, porém, falou, com voz e modos rudes
e impertinentes, como pessoa de pouca educação:
— Tenho fome! Porque não me trazem um verdadeiro almoço?. . Oh! Há quanto
tempo não posso comer!

DEVASSANDO O INVISÍVEL

Lágrimas lhe corriam dos olhos. O infeliz, materializado ainda e espiritualmente


desajeitado e tardo, realmente sofria o suplício da fome!
Habituada aos costumes terrenos, que nos levam a servir um prato de comida a
quem bate à nossa porta alegando fome, nosso impulso foi correr à «cozinha» e
solicitar o favor àquela serviçal, atenta aos misteres culinários. Acedendo ao
pedido, exclamou ela:
— Oxalá, minha amiga, hoje, com a vossa presença (referia-se igualmente a
Bezerra de Menezes), o pobre pecador consiga serenidade bastante para
compreender o que se passa e dispor-se ao progresso! Que ele realmente possa
saciar a fome que o tortura e ver-se aliviado, eis o meu maior desejo!
Tomámos do prato, onde se via um almoço belo e magnífico, com legumes
cheirosos, e nos encaminhámos para o quarto, sem prever qualquer incidente,
antes persuadida de que a tortura do infeliz irmão seria de todo removida, O ex-
obsessor arrebatou-o de nossas mãos, insofrido e faminto, e levou a colher à
boca, sem mais rodeios, como o teria feito uma pessoa encarnada. Súbitamente,
porém, repudiou o prato com asco e horror, arremessando-o ao longe, e entrou a
chorar e a lamentar-
-se entre uivos e imprecações de verdadeiro réprobo. Sem nos poder eximir a uma
forte impressão de assombro, verificámos que os apetitosos legumes haviam
desaparecido do prato, mas que, em seu lugar, espalhados em torno, viam-se
postas de carne humana, línguas, mãos, dedos, orelhas, corações, pés, cabeças,
etc!
Acudiu a boa vigilante, compungida e explicativa.
enquanto o réprobo se desfazia em prantos de demente
e os companheiros de infortúnio procuravam esconder-se:
— São as recordações do caliginoso passado, alimentadas por cruciantes
remorsos, que os levam a encontrar vestígios de suas vítimas onde quer que
estejam e em tudo o que vêem e fazem, sob a intensidade da

93

1
—‘
DEVASSANDO O INVISIVEL
auto-sugestão, que já descambou para uma desconcertante auto-obsessão. Todo
o ambiente que distingues aqui, minha irmã, excetuando-se a cozinha, é criação
mental vibratória destes dez criminosos, cujo caráter começa a ser desafogado
das ondas da perversão, através das dores do remorso! Não existe aqui cemitério
nem prisão, como não há imundícies, na expressão formal do termo, tal como os
entendem os encarnados. Eles, porém, criam e mantêm tal ambientação,
concretizando-a, sem o saberem, com as próprias forças mentais, na retrospecção
de atos passados, e vivem nela, dentro da mais positiva realidade, sem mesmo
saberem avaliar a profundidade e importância do fenômeno que se estabelece. A
própria fome que os tortura nada mais representa do que o estado de suas
consciências feridan pelos atos passados: estes pobres sofredores de hoje,
quando encarnados, assassinaram pais de família para roubar, e, como
obsessores, uma vez desencarnados, levaram outros tantos ao suicídio, ao
homicídio, etc. Ora, muitas das suas vítimas deixaram viúvas e órfãos na miséria,
padecendo necessidades extremas. Eles sabem disso.
e, recordando os órfãos famintos, sentem o reflexo consciencial e padecem mil
torturas e ultrajes, a fome inclusive, enquanto vêem, em visões macabras, os
despojos que suas armas assassinas levaram ao túmulo... A si próprios castigam,
pois, com uma severidade satânica, uma justiça implacável! Porque foram
obsessores, habituados a criarem sugestões infernais para atormentarem o
próximo, viciaram a própria mente em criações macabras e agora obsidiam a si
próprios, originando, com toda a força mental própria do Espírito, este tétrico
panorama, resultado do reflexo dos atos passados nas próprias vibrações da
consciência. Enredaram-se de tal forma nos delitos cometidos que agora vêem,
sentem e como que descobrem tudo quanto possa evocá-los e revivê-los! Não!
Ninguém os castiga a não ser a consciência deles

:e
94

mesmos, desarmonizada com o Bem, na desoladora convicção, em que estão, de


que muito e muito transgrediram as leis do Amor e da Fraternidade! Muitos
caridosos filhos de Deus, mesmo da Terra, até eles vêm, em visitação piedosa,
oferecer-lhes o reconforto de orações e conselhos amorosos, tentando aliviá-los
da tensão opressiva em que se encontram e encorajá-los aos trabalhos do
progresso, que serão árduos. Mas, até agora, não se animaram a atender a tão
preciosos incentivos, bloqueados como se encontram pela complexidade
deplorável dos próprios impasses. A reencarnação ser-lhes-á refrigério salutar,
dado que, por ela protegidos, esquecerão, pareialmente, o tenebroso passado, daí
advindo vigores novos e serenidade para os empreendimentos da expiação e do
resgate. Mas, certamente, compreenderás em que estado lamentável renascerão
sobre a Terra, modelando um corpo carnal aos empuxões vibratórios das mentes
doentias que presencias... Serão, inevitàvelmente, auto -obsidiado incuráveis,
desde o nascimento, pois, tanto atormentaram o próximo no pretérito, conforme
dissemos, com o produto maléfico das próprias mentes, que o malefício, viciando-
as, reduziu ao que vês as suas individualidades. . . Destes, minha amiga,
infelizmente, encontra-se repleta a sociedade terrena. . . E que os Céus a todos
nos ajudem a suportá-los, a amá-los e a servi-los, amparando-os no carreiro da
reabilitação.
*
**
Entrementes, adviera ordem do generoso amigo Bezerra de Menezes, em cuja
companhia nos encontrávamos, para que nos dirigíssemos ao «dominó negro»,
único dentre os dez algo acessível às nossas intenções, pois os restantes
pareciam mal distinguir até mesmo a nós outra, apavorando-se com nossa
presença.
— Fala-lhe! — ordenou Bezerra.

DEVASSANDO O INVISIVEL

1.

96 DEVASSANDO O INVISÍVEL
E’ raro que um médium, nessa situação, possa falar ao seu Guia ou interrogá-lo, e
ainda menos resistir às suas ordens. Geralmente, ele se conserva silencioso e
passivo, a tudo obedecendo de boamente e agindo como sob o efeito da hipnose.
Acreditamos, mesmo, residir aí o segredo de certas atuações audazes dos
médiuns, no estado letárgico e até mesmo em vigília: o seu Guia Espiritual impõe-
lhe a hipnose e o leva a agir com oh’diência passiva, tal como no fenômeno, tão
conhecido entre nós, em que o magnetizador dá uma ordem ao «sujet» e é
obedecido, às vezes, um mês, ou mais, após o comando transmitido no transe
hipnótico. Será, pois, o médium, principalmente no estado letárgico, um autômato,
servindo ao verdadeiro servo do Amor; é uma vontade dominada por outra
vontade maior, um ser confiante que nada teme e cujas impressões de felicidade
espiritual são indescritíveis e indefiníveis. Todavia, assustada pela ideia de falar a
um obsessor de tal natureza, os quais geralmente odeiam os médiuns, porque são
estes que os desmascaram, ousámos interrogar o nobre instrutor:
— Que lhe direi?...
Não sabemos se o Guardião respondeu à nossa impertinência, pois não nos
recordamos da resposta. Talvez a pergunta fôsse dirigida a nós mesma e não a
Bezerra de Menezes. Sabemos sàmente que nos aproximámos,
Çconfiante, do infeliz culpado, que descansámos a mão so br sua cabeça, e o
interpelámos:
— Porque choras, filho?...
Sincera compaixão invadia nossa alma. Sentíamo-nos
envolvida por singular doçura, e todo o nosso ser era uma
‘ terna vibração de fraternidade. Aquele ser, tão desa gradáve pelos próprios erros,
afigurou-se-nos, de súbito,
um irmão muito querido, uma criança ignorante e infeliz, a quem devíamos
proteção e amor Mas, estamos
convencida de que tais sentimentos e impressões mais

DEVASSANDO O INVISIVEL 97
não seriam do que os amorosos reflexos da superioridade moral do dedicado
instrutor, que de nossas faculdades se utilizava para destilar o consolo e a
esperança no ânimo apoucado do pecador. Ouvindo-nos, voltou-se aquele e
respondeu, já agora com humildade e desânimo:
— Tenho fome.., mas não posso comer.., e sofro muito...
— Isso prova, meu amigo, que o alimento de que careces não será bem esse,
mas, um outro, de natureza diversa, que esqueces de desejar e solicitar. . . E’ a
prece! O pão do Céu, que descerá, até as tuas necessidades, do amor generoso
de Jesus-Cristo, a fim dc te reconfortar, saciando as ânsias do teu desespero...
— Não! Esse pão eu não posso desejar! Sou um miserável, desgraçado de mais
para elevar tão alto os meus desejos. . . e a mim, certamente, seria negado esse
pão...
— Mas.., foi para os pecadores como tu, de preferência, que Jesus se apresentou
em nosso círculo de progresso, ou seja, em nosso mundo. . . O pecadores e os
réus obterão de sua complacência todo o auxílio possível para se reerguerem em
demanda dos caminhos do dever, bastando que, para tanto, o invoquem através
da oração bem sentida, demonstrando boa vontade para a regeneração...
— Como poderei serenar-me, para algo tentar em meu próprio benefício, se me
sinto completamente subjugado por estas malditas visões, que esvoaçam ao redor
de mim quais vampiros em torno de detritos?... Oh! Estarei condenado a este
inferno eterno! Para os meus crimes não existirá perdão na lei de...
— . . . de Deus, dize, confiante! Pronuncia sem temer o nome sagrado!
— Não posso pronunciá-lo! Tenho medo! Tenho medo! — bradou o infeliz,
recomeçando a chorar convulsivamente.
4

fl\
E-
98 DEVASSANDO O INVISÍVEL
— Como assim!? — ressoaram as, advertências do amigo presente, obrigando-
nos ao entendimento com o mísero delinquente. — És filho de Deus e não queres
reconhecer sua paternidade, voltando-te para Ele, a lhe solicitar socorro? És
criação d’Ele, herdeiro do seu amor, destinado a um esplendoroso porvir no seio
da Eternidade, e não te animas a elevar o pensamento ao teu Criador, sequer
através de uma singela homenagem de respeito? Não queres, porventura, o seu
amor, o seu perdão? Sim! Sim! Eleva teu coração numa. súplica de proteção, para
retornares ao dever.., e Jesus, que é o Mestre da Humanidade, investido, por
Deus, de plenos poderes para o auxílio à nossa redenção, saberá enviar-te os
recursos que te afastarão desse tremedal de trevas em que te sufocas...
O recalcitrante prostrou-se de joelhos, abatido por lágrimas cruciantes, que
ecoavam em nossa sensibilidade mediúnica com o travo de um arrependimento
inconsolável, angustiando-nos penosamente:
— Não posso, não ouso! Sou um zéprobo, que não merece a graça do perdão!...
— Meu amigo! Compreendo que fazes uma falsa ideia do perdão que Deus
concede às suas criaturas, para retirá-las dos despenhadeiros do erro e do
sofrimento. Entretanto, esse perdão, pelo Eterno concedido aos pecadores, que
somos todos nós e não sômente tu, encontra-se no ensejo, na oportunidade, que
suas Leis apresentam ao delinquente, de reparar o mal praticado no passado,
através da prática do verdadeiro bem nos dias do futuro. Nos trabalhos de
reparação, realizados por ti mesmo a benefício do teu próximo, portanto a teu
próprio beneficio, poderás reabilitar-te do estado pecaminoso e deplorável em que
te encontras! Não se trata de um perdão gracioso, que não te expungiria as culpas
da consciência, mas sim de uma ocasião, uma oportunidade de reparares teus
maus atos, com ações nobres e

—F--

DEVASSANDO O TNVISfVEL

meritórias, que te levem a esquecer os primeiros... Trazemos-te, como sempre,


hoje, a certeza de que possuis amigos que te auxiliarão com a maior dedicação
nesse serviço de soerguimento de ti mesmo, para o culto do dever... Basta que os
aceites de boamente e os chames

através de pensamentos igualmente amorosos, fraternos e obedientes a Deus. . .


Voltaremos a visitar-te, em outra ocasião. . . Até lá, reflete melhor. . para que nos
seja possível um entendimento mais amplo, a teu benefício.

**

Retornando ao fardo carnal, sempre sob a assistência do dedicado amigo, que


jamais deixaria seus médiuns entregues às aventuras perigosas do mundo
invisível, durante um desprendimento letárgico, lembramo-nos ainda de que ia ele
dizendo, completando a lição do momento, e ordenando-nos, como sempre, que
tudo escrevêssemos, para ensinamento geral: (17)

(17) Quando, no estado letárgico, o médium recebe uma ordem do seu Instrutor
Espiritual, verifica-se a sugestão hipnótica, que ele será levado, fatalmente, a
executar, uma vez desperto. Agindo ao influxo do comando recebido, como no
caso presente, o médium escreverá posteriormente, mas o trabalho será
mediúnico, de qualquer forma, visto que já lhe imprimiram no ser o que deveria
escrever, embora não haja prôpriamente a psicografia. Esta faculdade mostra-se,
por isso mesmo, assaz delicada, e mesmo perigosa, pois, quando a hipnose é
exercida por entidades mal intencionadas, ou obsessoras, o “passivo” poderá
cometer desatinos variados, como até mesmo o assassinio e o suicídio, sem que
jamais se saiba que ele agiu por uma ordem estranha. O conhecimento do
Espiritismo, porém, bem assim o cultivo das faculdades mediúnicas à luz de
ensinamentos sólidos de moral, evitarão tais desarmonias, pois, reeducando o
adapto, coloca o médium na situação de um agente lúcido, responsável pelas

100 DEVASSANDO O INVISÍVEL


1° — «Que estados espirituais (mentais-vibratórios), como os referidos nesta
narrativa, geralmente são insolúveis no Além, porquanto, ainda que a entidade
culpada permanecesse no Espaço durante séculos, necessitaria, de qualquer
forma, e em qualciuer tempo, de uma ou mais reencarnações sobre a Terra, uma
vez que esse será
o mais eficiente recurso concedido pelas leis eternas, a fim de tentar novas
experiências para a corrigenda dos vícios, dos desvios mentais, das vibrações,
dos sentimentos, dos hábitos, das ações, através das expiações e reparações
necessárias, expiações e reparações que ao culpado acompanharão como
resultado lógico dos feitos passados, como repercussão moral da desarmonia com
a Justiça e o Dever.
— Que tais existências primarão pelas desventuras, visto que, divorciados do bem
desde um passado remoto, tais entidades por si mesmas prepararam situações
irremediáveis, como tantas observadas nas sociedades terrenas, onde a miséria, a
dor e a desgraça desafiam toda possibilidade de suavização.
3° — Que, às vezes, almas muito culpadas poderão ingressar em níveis sociais
algo elevados, desde que reencarnadas entre devedores de idênticos desatinos,
ou entre corações generosos que se prontificam a auxiliá-las, pelo amor de Deus,
renascendo então, como seria de esperar, enfermiças, nervosas, retardadas, auto-
obsidiadas, etc., pois, psiquicamente enfermas, suas mentes estenderão até ao
novo envoltório carnal os prejuízos ocasionados pelo pretérito de erros e de
remorsos, verdadeiros pesadelos seculares para o delinquente em trabalho de
recuperação.
próprias tarefas. A melhor oratória que já nos foi dado praticar em tribunas de
Centros Espíritas não passou de fenômeno mediúnico dessa natureza.

DEVASSANDO O INVISIVEL
49 Que assim se arrastarão até que suas condições gerais lhes granjeiem valores
pessoais bastantes para as responsabilidades das realizações, quando, então,
entrarão a construir no sentido do bem, refazendo o que destruíram e aviltaram,
conluiados com o mal.

50 — Que tais dramas, comumente, terão por palco a própria Terra, visto que, se
em seus âmbitos sobrevie ra
as quedas para o mal, igualmente aí se efetivará a
ascensão para o melhor, por mais fácil a tarefa para o
culpado e menos penosa a assistência a ele devida pelos

seus tutelares, pois que as leis divinas aplicam, quanto possível, a sua
misericórdia nesses lamentáveis caaos.

6 — E, por tudo isso, para que um serviço de saneamento moral, equilibrado e


eficiente, se imponha
nas sociedades terrenas, trazendo termo às desordens e

anomalias nelas reinantes, a fim de que o Planeta se eleve à categoria de mundo


regenerador — conforme definiu a Revelação Espírita —, é que os servos do
Senhor, da Espiritualidade, se multiplicam em dedicações para a propagação, na
Terra como no Espaço, da moral evangélica e da Ciência do mundo invisível,
únicas vias capazes de levarem o sentimento e a razão da alma humana a uma
remodelação geral de si mesma, cumprindo, portanto, aos adeptos encarnados da
Terceira Revelação incentivarem os próprios labores no sentido de uma estreita
cooperação com aqueles, sob a forma que a cada um for possível, nem que seja
sômente com o trabalho amoroso da prece, pois que será, esta, poderoso auxílio
para o progresso das almas necessitadas de forças para a reabilitação . »

Já à frente do corpo carnal, estirado, semimorto, sobre o leito, interrogámos


ousadamente da nobre entidade protetora, o que, conforme anotámos, não é
frequente o médium tentar:

101

DEVASSANDO O INVISÍVEL

— E os pecadores a quem visitámos... Eles se alimentam realmente, conforme o


entendimento humano?... Que se me afigurou, ali, o delicado almoço, uma vez
que este será mero produto físico-terreno?
Acariciou-nos paternalmente a cabeça, como lhe é antigo hábito, e, impelindo-nos
docemente para o retorno à vida corporal, despertando-nos da letargia,
respondeu, sorridente e bondoso, recordando o diapasão da resposta do Mestre
Nazareno às indagacões do Senador Nicodemos, que o visitara dentro da noite:
— Oh! Tu te dizes espírita e médium e desconheces tão importante tese
doutrinária?. .. Não leste, porventura, os códigos compilados por Allan Kardec, há
um século dados à luz da publicidade?... Procura relê-los, com atenção, e
encontrarás resposta à pergunta feita.
De outro modo, por acréscimo de misericórdia concedida pela lei da Criação aos
sofredores e desajustados espirituais, teremos o direito de prover certas
necessidades imaginárias que, como Espírito, já não poderão sentir, mas que a
mente conserva, pelo seu retardamento evolutivo... E o faremos de bom grado, até
que se reequilibrem as suas impressões, reconfortando-os, serenando-
-os, para o advento do verdadeiro raciocínio, de que resultará a adaptação ao
estado espiritual .. (18)
No dia seguinte, impressionada, iniciávamos novas consultas às citadas obras, à
procura de uma base para o que se acabava de passar... e encontrámos, com
efeito, resposta à pergunta feita ao desvelado Instrutor e, também, a tese para
estas páginas.

102

(18) Vejam-se, também, as obras de Ernesto Bozzano.

CAPITULO V
Mistificadores — Obsessores
— “O invólucro semimaterial do Espírito tem formas determinadas e pode ser
perceptível?
— Tem a forma que o Espírito queira. E’ assim que este vos aparece algumas
vezes, quer em sonho, quer no estado de vigília, e que pode tomar forma visível,
mesmo palpável.”
(ALLÁN KARDEC — “O Livro dos Espíritos”. Pergunta nG 95.)
Tão variada é a classe das entidades mistificadoras desencarnadas, que chega a
haver confusão com a das entidades obsessoras, tornando-se difícil, em
determinados casos, separar uma da outra. Procuraremos tratar aqui de uma
modalidade de mistificadores que poderá também ser considerada especialidade
de obsessores, visto que participa de uns e de outros.
Mistificar é, na palavra dos dicionários, o ato de
— enganar, iludir, lograr, abusar da credulidade de alguém, engodar —, valendo-
se de ardis e subterfúgios, malícia e mesmo maldade. Existem os mistificadores
inofensivos, brincalhões apenas, que levam o tempo alegremente, se bem que
também levianamente, cujas ocioidades e futilidades só a si mesmos prejudicam,
e que todos consideram irresponsáveis quais crianças travessas, e a quem
ninguém levará a sério. Na Terra como no Espaço, eles proliferam, sem realmente
prejudicar senão a si próprios. Existem os hipócritas, perigosos, portanto,
104 DEVASSANDO O INVISÍVEL
que sabem enganar porque se rodeiam de falsa seriedade, a qual mantêm,
apoiados em certa firmeza de lógica, e a quem sômente observadores muito
prudentes saberão descobrir. Na Terra como no Espaço, proliferam também
esses, quer encarnados, como homens, quer como Espíritos já desencarnados,
causando no seio das duas sociedades sérios desequilíbrios e danos vultosos,
não raro desorganizando a vida e os feitos dos incautos que se deixam embair
pelas suas atitudes dúbias. Dentro do Espiritismo, costumam estes, os
desencarnados, causar sérios prejuízos aos médiuns orgulhosos e insubmissos à
disciplina em geral, que a boa prática da Doutrina recomenda, e também entre
diretores de organizações espíritas pouco competentes, moral e intelectualmente,
para o importante mister. Suas atitudes mistificadoras, porém, serão fàcilmente
observadas e desmascaradas por um adepto prudente, bom conhecedor do
terreno prático da Doutrina, como da sua filosofia, e, acima de tudo, por alguém
que, portador de qualidades morais elevadas, se haja tornado bem inspirado e
assistido pelos planos superiores do Invisível, pois de tudo isso mesmo nos
adverte o estudo da Doutrina Espírita. Muito conhecidas são ambas as classes de
mistificadores para que nos ocupemos a repetir o que todo aprendiz do Espiritismo
conhece.
Há, todavia, ainda uma terceira classe, a mais impressionante que se nos tem
deparado no longo exercício da nossa mediunidade, a mais perturbadora,
perigosa e difícil de ser combatida, porque geralmente ignorada sua existência
pelos próprios adeptos do Espiritismo, e a qual age de preferência nas próprias
paisagens invisíveis, em torno de entidades desencarnadas não devidamente
moralizadas, mas também podendo interferir na vida dos encarnados,
prejudicando-os e até os levando aos estados alucinatórios ou mesmo ao estado
de obsessão, pelo simples prazer de praticar o mal, divertindo-se.

DEVASSANDO O INVISfVEL 105


Tais entidades são perversas, enquanto que as simplesmente mistificadoras nem
sempre se apresentam verdadeiramente malvadas. Obtêm aquelas resultados
satisfatórios, na torpe tarefa de perseguição e engodo, contra pessoas que, com a
devida confiança, não exerçam a oração e a vigilância mental de cada dia, como
defesa contra males psíquicos, as quais atraem para seus detestáveis
agrupamentos espirituais durante o sono corporal, e também contra Espíritos
desencarnados frágeis, revoltados, descrentes ou levianos, que a tempo não se
harmonizaram com o dever, o que lhes evitaria tais situações após o decesso
corporal.
Geralmente, esses a quem aqui denominamos mistificadores-obsessores não
foram inimigos das suas vítimas através das existências, nem mesmo as
conheceram anteriormente, às mais das vezes. Se exercem a perseguição e o
assédio, alcançando funestos êxitos, será porque encontram campo aberto para
suas operações nos sentimentos bastardos das mesmas, afinidades morais e
mentais de má categoria, naqueles a quem se agarram, tornando-se, então, para
estes, tais acontecimentos, o prêmio-castigo da sua incúria na prática de ações
reformadoras, ou da má vontade em se voltarem para os aspectos superiores da
vida. A encarnados e desencarnados que lhes ofereçam, pois, afinidades, essas
desagradáveis criaturas invisíveis frequentemente desgraçam, impelindo-as a
desastrosas ações, até mesmo nos setores da decência dos costumes, cujas
consequências, sempre lamentáveis, requererão, daqueles que se deixarem
embair por suas artimanhas, longos períodos de sofrimento e reparações
inapeláveis, muitas vezes através de reencarnações amargurosas.
O leitor que, atento, perlustrar as páginas de algumas obras doutrinárias,
mormente as psicografadas, há-de observar citações sobre falanges inferiores do
mundo invisível, que afligem e perturbam os recém-desencarnado

*4

desprevenidos, falanges cujos integrantes seriam vultos disformes, grotescos,


extravagantes, e cujas configurações e ações pareceriam fruto de pesadelos
àqueles que não se afinam com as blandícias da Espiritualidade. Provocam-nos,
seduzem-nos, aterrorizam-nos, criando mil fantasmagorias que às pobres vítimas
parecerão aucinações diabólicas, das mesmas se servindo, ainda, como

joguetes para a realização de caprichos, maldades e até obscenidades.


Comumente, queixam-se o suicidas de tais

falanges, cujo assalto lhes agrava, no pélago de males para onde o suicídio os
atirou, o seu já insuportável suplício. E nas sessões práticas, ou mediúnicas, da
Doutrina Espírita, quando bem organizadas e dirigidas, não é difícil ouvirem-se
queixas idênticas da parte de Espiritos comunicantes muito inferiores, ou ainda de
suicidas.
Que aspecto mostrariam essas entidades, porém, para serem consideradas tão
feias e repulsivas, por tod’#s quantos a elas se referem, revelando-as aos
homens?... Que espécie de deformidades, para torturarem até à loucura um
recém-desencarnado ou a um homem, a este, porém, perseguindo de preferência
no estado de sono,

até ao extremo de uma obsessão?... Confessamos que tais cogitações jamais nos
preocuparam e, por isso, nossa atenção não se voltaria para o assunto se nossos
próprios Guias Espirituais para ele não nos despertassem o interesse, embora já
tivéssemos notícias da sua existência no mundo invisível. Ora, foi uma dessas
falanges estranhas, surpreendentes, extra-

vagantes, que nosso instrutor espiritual Charles nos levou a conhecer e examinar
durante certo desprendimento sob a ação letárgica, em memorável lição, que aqui
tentaremos descrever por sua ordem e sob suas intuições vigorosas, em a noite
de 18 de Março de 1958.

106
DEVASSANDO O INVISÍVEL

*
**

DEVASSANDO O INVISÍVEL

107

Uma de nossas parentas, menina de dez anos de idade, justamente a caçula


dentre seis irmãos, acusava anormalidades nos modos comuns a uma criança,
anormalidades que uma razão esclarecida em assuntos espiritas compreenderia
provirem de influenciações da parte de seres desencarnados inferiores.
Caracterizavam-se os seus modos por trejeitos cômicos, carantonhas horríveis,
palavreado piegas ou atrevido, desagradável, tolo, que a todos da família irritava e
aos estranhos escandalizava, e tornando necessária toda a paciência e boa-
vontade, que a Doutrina Espírita recomenda, •para que se pudesse suportar tal
estado de coisas, pois, além do mais, a dita criança se rebelava contra qualquer
disciplina, desobedecendo a tudo, renitente, odiosa, dando mesmo impressão de
se encontrar desequilibrada das faculdades mentais. Tentaram-se castigos
variados, sem serem esquecidas as clássicas sovas de chinelos. Tais, porém, os
escândalos por ela provocados nessas ocasiões, tais cenas se desenrolavam,
então, dentro do lar, com repercussões desagradáveis até pela vizinhança, que
substituída foi a prática dos castigos pela de conselhos, amabilidades, persuasão,
etc. A criança, no entanto, resistia irritantemente a todas as afabilidades, como
resistira aos castigos, rejeitava a prece e os «passes» que lhe desejavam aplicar,
continuando com as mesmas atitudes impertinentes. Fora das crises, no entanto,
mostrava-se perfeitamente normal: conversava com inteligência e demonstrava
até precocidade, e era aplicada nos estudos. coir boas notas no curso primário
que então concluía. Consultou-se, por isso mesmo, o Espaço, como seria natural
em família espírita, e o Espírito «Charles», desvelado amigo e instrutor espiritual
da família, após prescrever medicamentação para o sistema nervoso da paciente,
afirmou sem rebuço:
— «Ela afinou-se com entidades inferiores durante o estágio no Espaço, antes da
reencarnação. Arrependi

r
108 DEVASSANDO O INVISÍVEL
mento sincero, porém, levou-a, a tempo, a se retrair das mesmas, e desejar
encaminhar-se para melhores planos. E’ médium, ou antes, possui faculdades
mediúnicas, que futuramente poderão frutificar generosamente, a serviço do
próximo, se bem cultivadas. Os antigos companheiros do Invisível assediam-na,
tentando reavê-la para o sabor de velhos conluios. Conheceis o remédio para tais
desarmonias. Aplicai-o !»
Sim! O remédio único seria o traba!ho de reeducação da menina à base do
Evangelho, preces, paciência, vigilância, amor, disciplina rigorosa, sem
concessões que redundassem em cumplicidade com caprichos prejudiciais,
fraternidade e caridoso interesse para com os infelizes sedutores desencarnados.
Na noite de 18 de Março de 1958, no entanto, encontrando-nos, durante uma
temporada, na resi&ncia daqueles nossos familiares, eis que a figuração espiritual
de Charles, envolvida na sua luminosa e bela roupagem de iniciado hindu,
apresentou-se à nossa visão e, adormecendo-nos em sono magnético, como
habitualmente, arrebatou nosso espírito, deixando o corpo carnal imerso em
letargia. Passado o primeiro atordoamento, fenômeno invariável nesse gênero de
desprendimento, nós nos reconhecemos no recinto da própria residência da
paciente, sem alçar ao Espaço, acompanhada pelo nobre amigo, mas rodeada de
seres disformes, extravagantes, feios, grotescos, repulsivos. E Charles
apresentava-os:
— «São estes os antigos companheiros da menina B..., durante seu estágio no
Invisível, antes da reencarnação presente. Pertencem a uma classe especial de
mistificadores, a qual descai para a de obsessores... Não são inimigos dela,
segundo a terminologia humana, e nem se vingam, porque ela nenhum mal
cometeu contra eles... Porém, não são também amigos, porquanto não o são de
quem quer que seja, visto que ainda não adquiriram
o senso da fraternidade nem a favor de si próprios...
L

DEVASSANDO O INVISÍVEL 109


Simplesmente, seduziram-na, quando no Espaço... e ela, inconsequente, leviana,
prazenteira, sedenta de novas sensações e — porque não dizê-lo? — inferior,
carente de ideais generosos que a impelissem para o Alto, mas também sem
maldade, deixou-se embair pelas suas mistificações e engodos e afinou-se com
eles, no simples intuito de se divertir, supondo-os inofensivos, tal como o homem
folgazão que se mistura a um bando de carnavalescos a fim de se distrair das
preocupações fatigantes, sem medir quaisquer consequências. Com o tempo, no
entanto, verificou o erro que cometera e retraiu-se, procurando, na prece, o
auxílio, que lhe não faltou... E asilou-se entre vós, reencarnada, como se o fizera
no seio de um reformatório onde se reeducasse, impulsionando-
-se para progressos novos. Observa-os... Eles não vêem a mim, mas a ti sômente.
. . e, quais crianças travessas, exibirão suas peraltices, as quais eles próprios
julgam irresistíveis, pensando em seduzir-te para seu bando. .
Revelou, então, Charles, a identidade espiritual da menina em questão, a qual
existira, ainda neste século, no ambiente doméstico que fora o nosso próprio,
porém, sem laços consanguíneos, e durante nossa infância, proibindo, todavia,
revelássemos seu antigo nome e condição a quem quer que seja.
Entrementes, as entidades em apreço iam e vinham pela casa, ocultavam-se
umas das outras atrás das portas, por baixo das mesas e das cadeiras, como
quem brincasse de esconde-esconde; batiam-se mituamente, com socos e ponta-
pés violentos, pavorosos, o que as levava a gritar e chorar; davam saltos
altíssimos, como se fôssem acrobatas, cabriolavam, faziam piruetas de todos os
modelos, caminhavam sobre as mãos, com os pés voltados para cima, quais
palhaços no picadeiro de um circo de diversões; penduravam-se às bandeiras das
portas, rindo-se às gargalhadas, num bulício ensurdecedor, o qual ouvíamos como
se se tratasse de rumores mate-

riais, pregavam dentadas umas nas outras, puxavam-se os respectivos cabelos,


aos berros, cuspinhavam-se reciprocamente, quais moleques que brigassem;
choravam de dor, corriam atrás do agressor, esbofeteando-se miituamente!
Vestiam-se grotescamente e eram como que carnavalescos fantasiados: vestes
extravagantes, de cores muito vivas, bimbalhando guizos quais bufões medievais,
algumas berrantemente listradas, outras apresentando biusões ou camisolões
excessivamente grandes no corpo, enquanto ainda outras, com calções curtos e
muito apertados, deixavam à mostra pernas marmóreas e como que ressequidas,
verdadeiros caniços; ou, muito grossas, revestidas de meias berrantes, tortas,
deformadas. Suas cabeleiras dir-se-iam postiças: excessivamente abundantes,
caindo em manto pelas costas e ombros e semiocultando o rosto; ou curtas,
excessivamente ralas, mas endurecidas, como revestidas de arame; ruivas,
eriçadas para cima ou para os lados, até ao horrível; negras, amarelas, roxas,
vermelhas, verdes.., o que, ajuntado à indumentária extravagante, as tornava
verdadeiros fantasmas assombradores! Algumas dessas pobres entidades traziam
capas escarlates recamadas de guizos, ou listradas em cores vivas, pés enormes,
calçados de botas ou sapatos muito pontudos — coisa rara de se poder observar
em Espíritos desencarnados, mesmo em estado de transe — e tocavam flautins
muito primitivos e pequenas gaitas, próprias de crianças; dançavam
desagradàvelmente, notando-se que o faziam com ares de provocação,
mostrando na fisionomia trejeitos e esgares, carantonhas horripilantes à guisa de
sorrisos. Trajava, uma delas, manto roxo, exibindo cabeleira até os ombros,
encaracolada, coroa de espinhos e um caniço nas mãos, displicentemente
parodiando a imagem do «Senhor dos Passos» observada nas procissões do culto
católico, e o fazia usando sapatos desmedidamente grandes e semblante
grotescamente compungido. Outras entidades se

.1

110

DEVASSANDO O INVISÍVEL

DEVASSANDO O INVISWEL 111


apresentavam com gorros, becas, funis com borlas pendentes ou faixas de fitas,
chapéus de três bicos, com ebas enormes ou copas excessivamente altas,
exatamente como gostariam de ostentar os carnavalescos humanos. Acreditamos,
mesmo, que tais falanges influenciam, durante o Carnaval, os incautos que se
deixam arrastar pelas paixões de Momo, impelindo-os a excessos lamentáveis,
comuns por essa época do ano, e através dos quais eles próprios, Espíritos, se
locupletam de todos os gozos e desmandos materiais, valendo-se, para tanto, das
vibrações viciadas e contaminadas de impurezas dos mesmos adeptos de Momo,
aos quais se agarram.
Algumas dessas feias criaturas espirituais traziam uma feicão ainda mais singular,
completamente impossível a um cérebro humano engendrar, a qual seria, antes de
tudo, grotesca e cômica, não fora a dramaticidade que, em essência, conserva,
com a possibilidade de levar à loucura alucinatória não apenas os Espíritos recém-
desencarnados que caem em suas garras, no Além-Túmulo, mas também
pessoas encarnadas, que por elas se deixem influenciar, até a possibilidade de
enxergá-las com frequência e plenamente se afinarem, por isso mesmo, com suas
vibrações. Mostrava-se uma delas excessivamente alta, roliça, qual tronco de
árvore. De certa altura saíam os braços, que mais pareciam longas tiras de cipó, e
que se moviam em reviravoltas, como os tentáculos de um polvo, distribuindo
chicotadas em torno de si. Do corpo assim roliço desciam, então, as pernas, varas
finíssimas, com enormes sapatos pretos, quais pequenas canoas. Os traços
fisionômicos eram desenhados quase no ápice do rolo, isto é, do inacreditável
corpo. Não havia pescoço e ombros e nem roupas, mas o chapéu lá estava,
completando a monstruosidade. Essa horrível entidade fazia-se acompanhar de
outra que se diria o seu contraste, propositado e caprichoso: excessivamente
pequena, rotunda, com um rosto de dimensões desproporcionadas

112 DEVASSANDO O INVISIVEL


para o tamanho do corpo, faces gordíssimas, vermelhas, como se o infeliz vivesse
eternamente soprando alguma coisa; chapéu com abas enormes, botas, esporas e
chicote, tudo desconforme e impressionante pela fealdade e pela desarmonia.
Dentre as duas, não se saberia qual a mais desagradável e chocante, mas era
certo que tais arremedos humanos causavam mal-estar insuportável, pavor
mesmo, não tanto, talvez, pela grosseria da forma, mas pelas influenciações
nocivas e contaminantes que suas mentes, desajustadas da harmonia da Criação,
deixavam irradiar, pois que o médium, assim arrebatado do corpo físico, para
estudos e observações no Invisível, adquire percepções pasmosas, não lhe
escapando à visão ou ao entendimento nenhum pormenor daquilo que os
Instrutores lhe dão e auxiliam a examinar.
Outra entidade, do novo grupo que acábamos de descrever, medindo cerca de
metro e meio de altura, usando sapator grotescos, muito grandes, calçados em
pés trocados, e um paletó demasiadamente amplo para o volume do corpo e da
estatura, mostrava a particularidade de bigodes tão extensos que se arrastavam
pelo chão, até uma distância aproximada de três ou quatro metros! Ela os exibia
provocantemente, qual palhaço, soprando-os de quando em vez, e aquela ridícula
metragem de bigodes, então, se levantava no ar, ondulante, para se enrolar
depois, tomando a posição natural dos bigodes humanos. Não nos foi possível
conter o riso diante desse infeliz mistificador, que se nos afigurou mais leviano e
cômico do que mau. Porém, incontinenti, Charles nos repreendeu, com
vivacidade, e, segurando nossa mão com força, disse num murmúrio:
«Rir-se é aplaudir, louvar seus atos, e, portanto, afinar-se com eles. . . Haverá
troca de vibrações. . . e de qualquer forma se estabelecerá o malefício. .. Será
necessário ao médium, como ao Espírito, diante deles, o domínio de toda e
qualquer impressão ou emoção, um

DEVASSANDO O INVISÍVEL 118


equilíbrio isolante, que traduza superioridade moral.. .
Alguns outros pareciam aleijados, pois se mostravam com pernas e braços tortos,
bocas retorcidas cm esgares e carantonhas chocantes, olhar estrábico, enquanto
suas vestes seriam antes andrajos, e não fantasias. Gemiam e choravam,
bradando pelo socorro de alguém que os ajudasse a se recompor, pois não
conseguiam reequilibrar-se no estado que lhes era natural antes das farsas
mistificadoras, que criavam no intuito de atormentar o próximo. Pareciam sofrer
superlativamente, aterrorizados, deprimidos, decepcionados. E Charles tornou,
explícito:
— «Esse o final de tantas leviandades e inconsequências por eles praticadas.
Como ninguém mais ignora, o perispírito é um corpo semimaterial, sutil,
impressionável, sensível, registrando em suas potencialidades vertiginosas até as
ondulações dos mais suaves pensamentos. Agindo sobre esse envoltório tão
delicado quão sublime, a mente e a vontade individuais farão dele o que
desejarem, visto que a mente — ou o pensamento, a vontade, a energia psíquica,
a essência do ser — cria, produz, edifica, realiza, conserva, aplica, modifica,
servindo-se das poderosas forças que lhe são naturais.
Dedicadas ao exercício contínuo de tantas ações desarmoniosas, afeitas a tantas
inconveniências e inconsequências, comumente durante longas décadas, essas
entidades terminam por viciar não apenas a própria mente. como ainda as
próprias essências, ou matérias sutis e maleáveis do perispírito, o qual se deforma
ante os choques, por assim dizer magnéticos, das vibrações emitidas para o
lamentável feito, se afeiam ante o domínio mental de tantas carantonhas e
desfiguração da forma deaI perispirítica imaginada pela Criação. Mal-
intencionadas e avessas ao Bem, tanto se fazem de feias e desagradáveis,
deformando voluntriamente o perispírito, no s6 intuito de infelicitarem o próximo,
mistificando-o até à

DEVASSANDO O INVISÍVEL
obsessão, através do pavor e da alucinação que infundem, que, depois, quando
percebem a conveniência de se deterem, porque prejudicam a si próprias, já não
conseguem forças para se refazerem e voltarem ao natural.
Não é em vão que se abusa das leis gerais da Criação, na Terra como no Espaço,
e, por isso mesmo, esses infelizes assim permanecerão, sob sua inteira
responsabilidade e por livre e espontânea vontade: contundidos pela mente,
feridos pelos choques desarmoniosos das próprias vibrações dirigidas a atos
contrários ao alvo estabelecido pela Divindade Suprema. E, tais como se
encontram, serão encaminhados para a reencarnação, como infratores da ordem
pública o seriam para um presídio, único recurso da atualidade — a reencarnação
— para, lentamente, reequilibrá-los na harmonia geral, visto que as formas
pesadas da matéria carnal serão como que fôrmas ortopédicas necessárias à
minoração de tais enfermidades vibratórias, de origem moral-consciencial. Mas,
como fàcilmente se compreenderá, os pobres folgazàos, inconsequentes e
malvados, renascerão doentes f’isicarnente, já que doentes graves são como
Espíritos, arrastando o corpo intermediário, ou perispírito, brutalizado como vês...
Serão, portanto, enfermiços, raquíticos, retardados, vítimas de males
incompreensíveis, que a Medicina terrena diagnosticará como de origens sifilíticas;
serão feios, tristes, doloridos, tardos de movimento e ação, porque tardos de
vibrações, sofredores e até dementes, tolos, medíocres... causando, muitas vezes,
repugnância e compaixão a quem os conhecer. A sentença cristã — A cada um
segundo as próprias obras — é artigo mais elástico do que os homens têm
imaginado. Esses infelizes que aí vês, ferindo, atraiçoando, mentindo, perseguindo
seus irmãos de Humanidade, na Terra como no Invisível, a si próprios feriram,
atraiçoaram, mentiram, perseguiram. . - E assim sendo, as más ações,
engendradas por suas mentes desorganizadas, reduziram-nos a sofredores em
luta

114

DEVASSANDO O INVISÍVEL

com provações melindrosas, a convalescentes psíquico -conscienciai que


demandarão períodos seculares, até que atinjam o necessário equilíbrio, isto é, a
regeneração e a reparação completa do mal praticado.
Do que fica exposto, depreenderás as responsabilidades que pesam sobre os
ombros dos espiritistas, médiuns ou não. Através deles, será necessário que os
ensinamentos e revelações que a Espiritualidade concede sejam
conscienciosamente propagados entre os homens, a estes auxiliando na
reeducação de si mesmos, a fim de não mais se deixarem enredar nas teias
obsessoras de criaturas de tal espécie, que agem de preferência através do sono
corporal de cada noite, pois as vossas sociedades estão repletas de casos
lamentáveis, originados do conluio das paixões de uns e de outros.. . assim como
repletas estão de reencarnações expiatórias desses mistificadores terríveis, que
acabas de surpreender em ação - - - E que leigos e espíritas meditem, a tempo,
sobre o prigo dos desequilíbrios no mundo mental de cada um. que bem poderão
fornecer acesso a uma invasão análoga do Invisível. . - »
Resta-nos acrescentar que a criança que deu motivo à presente lição se corrigiu
das anormalidades apresentadas - E o que mais contribuiu para tão feliz desfecho
foi o serviço de conselhos e preces a favor das entidades influenciadoras, durante
as fraternas e tão belas reuniões do Culto do Evangelho no Lar, que os espíritas
há algum tempo tão amorosamente praticam, recordando os tempos apostólicos

115
1

CAPfTULO VI
Romances mediúnicos
“A primeira condição para se granjear a benevolência dos bons Espiritos é a
humildade, o devotamento, a abnegação, o mais absoluto desinteresse moral e
material
“A mediunidade é coisa santa, que deve ser
praticada sensatamente, religiosamente.”
(ALLAN KARDEC — “O Evangelho segundo o Espiritismo”, Cap. XXVI, 8 e 10.)
Frequentemente, amigos nossos, igualmente afeitos às lides espiritas, solicitam-
nos esclarecimentos sobre o modo pelo qual são ditados, do Além, os romances
sempre tão atraentes, da já vasta bibliografia espírita.
— Tomarão, os autores espirituais, da mão do seu aparelho mediúnico, tão
sômente? — indagam aqueles observadores. — Atuarão também sobre o cérebro
do seu intérprete, seguindo a linha conhecida da faculdade psicográfica? Servir-
se-ão da audição, porventura? Talvez tia intuição? - - -
De princípio, afirmaremos que dependerá, racional- mente, da classificação do
médium, tal como no-la explicam as obras básicas da Doutrina, podendo, portanto,
um romance provir do Além através de qualquer daquelas vias mediúnicas e
também pela inspiração, e até pela incorporação, para que alguém escreva
enquanto o aparelho receptor, ou o médium, dita, sob impulso do ser comunicante
- Não obstante, acrescentaremos que, além

DEVASSANDO O INVISÍVEL

da psicografia mecânica, da semimecânica, da intuição e da audição, etc.,


poderão verificar-se, num ditado mediúnico, para romance, pelo menos, outros
meios igualmente concludentes e detalhados, que ao próprio médium fortalecem
na fé e nas corajosas disposições que lhe serão indispensáveis ao melindroso
mister, ao passo que um mundo novo, um novo horizonte e uma sociedade rica de
belezas e harmonias se desvendam para seu espírito, encantando-o, até ao
indefinível, com uma felicidade cliferente de tudo o que na Terra se conhece por
esse nome, inconcebível, portanto, aos entendimentos que não a tenham
penetrado.

Tratando-se de um ensaio complexo, preferiremos sobre o assunto afirmar


sômente aquilo que particular- mente nos disser respeito, visto ignorarmos
particularidades de recepção mediúnica de outros instrumentos. Assim sendo,
começaremos declarando que — receber obras mediúnicas, quer se trate de
romances ou não, se para alguns médiuns constitui missão, como presenciamos
suceder a Francisco Cândido Xavier, para outros constituirá provação e resgate de
algo mal interpretado ou realizado no passado reencarnatório. Nesta última
calegoria nos colocamos a nós mesma, pois não ignoramos sejam resgate as
terríveis peripécias que hemos sustentado e vencido até agora, para conseguir
apresentar, à bibliografia espírita, a pequena contribuição que nos tem cabido. De
outro modo, verifica-se tratar-se de um dom especial, pois o médium psicógrafo,
simplesmente, não se prestará ao feito literário mediúnico se não trouxer nos
meandros psíquicos, além dessa, também a qualidade de «literário», como tão
bem definiu Allan Kardec. O

médium literário do momento, portanto, teria sido escritor em vidas pregressas ou,
pelo menos, um intelectual inclinado às letras e ao Belo, razão pela qual, na atua-

lidade, possuirá aptidão para obter do Espaço obras supcriores aos seus próprios
conhecimentos do presente.

117

118 DEVASSANDO O INVISÍVEL


No entanto, quer se trate de missão ou provação, o que é certo para todos os
médiuns é a tremenda responsabilidade que assumem no dia em que colocarem o
seu nome e a sua personalidade no seio de um movimento dessa natureza.
Não desejaremos abordar a iniciação, por assim dizer, necessária a um médium, a
fim de servir de instrumentação fácil sob direção dos amigos espirituais que dele
desejarem utilizar-se, para labores mediúnicos em geral. Como tão bem apontou o
grande educador espiritual Emmanuel: «Há, nos remos do espírito, leis e
princípios, novas revelações e novos mundos a conquistar. Isso, entretanto, exige,
antes de tudo, paciência e trabalho, responsabilidade e entendimento, atenção e
suor» (19). O que implicará renovação, severos trabalhos de reforma interior, de
parte do candidato a intérprete dos Espíritos.
Certamente, não ignoramos que a faculdade mediúnica, em si mesma, independe
de qualidades morais excelentes, ou de virtudes, visto que Allan Kardec, assim
como os Espíritos elevados que lhe revelaram a Doutrina Espírita, explicaram que
até mesmo um médium analfabeto pode escrever belas páginas de literatura.
Todavia, o mesmo Kardec classificou de muito raros, quase excepcionais mesmo,
tais médiuns, e nós outros, os espíritas em geral, com a longa experiência
adquirida no aprendizado diário, também temos constatado que, se é fato que a
faculdade mediúnica, em si mesma, independe de qualidades morais excelentes,
os feitos edificantes que pode ela produzir s?mente advêm, no entanto, após
renovação geral de seu portador, ou, pelo menos, após a demonstração, de parte
deste, de boa vontade em se harmonizar com a Espiritualidade superior, mediante
a observância de severos deveres e disciplinas.
(19) “Seara dos Médiuns”, Cap. 5, pág. 23.

DEVASSANDO O INVISÍVEL 119


Por outro lado, não conhecemos nenhum médium verdadeiramente analfabeto
que apresentasse obra lite- rária escrita, embora tenhamos conhecimento de
alguns poucos exemplos desses, havidos na história da mediu- nidade (20).
Parece-nos, mesmo, que tal fenômeno será cada vez mais raro, tendendo a
desaparecer. Temos compreendido que, dadas as dificuldades a vencer para o
ditado mediúnico da literatura, os Instrutores Espirituais preferirão que os seus
instrumentos se apliquem a boas leituras e estudos em geral, a observações e
meditações profundas, o que não deixaria de estabelcer um preparo prévio, uma
iniciação, a fim de adquirirem e arquivarem cabedais capazes de tornar sua mente
maleável e obe (20 Na cidade de Lavras, Minas Gerais, durante o período 1926-
1930, conhecemos como médium do Centro Espírita de Lavras uma senhora de
cor, cujo coração bonissimo soube muito bem assimilar a Doutrina dos Espíritos,
mas analfabeta, pois mal sabia assinar o próprio nome e apenas lia, com grande
esforço, as preces contidas no final de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, de
Allan Kardec. Chamava-se Eugênia da Conceição e residia numa travessa da
antiga rua do Cônego. Recebendo, em memoráveis reuniões realizadas por
aquele Centro, presididas então pelo Coronel Cristiano José de Souza e o seu
Vice-Presidente, Sr. Augusto Paiva, o Espírito do Padre Vítor, através da
incorporação, essa médium fazia os mais belos discursos filosóficos e de alta
moral que jamais ouvimos, os quais, às vezes, levavam trinta minutos e mais
ainda, lembrando, efetivamente, o sermão de um sacerdote, no púlpito das igrejas.
Recebia, também, o Espírito do Dr. Augusto José da Silva, que igualmente
discursava de modo edificante, embora apresentando assunto e estilo diversos. Ao
receber Espíritos sofredores, essa médium admirável, já falecida, relatava aos
presentes a vida no Além-
-Túmulo, descrevendo-a como André Luiz hoje no-la tem revelado, e de tal forma o
fazia que estas manifestações se tornavam altamente elucidativas e instrutivas
para os adeptos. Tais discursos, no entanto, apresentavam frequentes erros de
português, visto que, médium analfabeta, não oferecia maleabilidade suficiente
aos Espíritos comunicantes para uma transmissão mais completa.

120

DEVASSANDO O INVISÍVEL

cliente ao escritor espiritual. Isso, porém, não é tudo, pois, como ficou dito, sem
um ressurgimento de valores pessoais no íntimo do próprio médium, nada se
conseguirá de apreciável, por não se haver ele ajustado às faixas vibratórias aptas
ao feito. Seria igualmente errôneo o julgamento de que pessoas muito ilustradas e
doutas seriam melhores instrumentos para um escritor da Espiritualidade do que
um simples estudioso, um autodidata, destituído de títulos e diplomas. Não!
Sabemos, porque ficou dito pelos maiores do Espiritismo, que o cérebro menos
assoberbado de teorias e sistemas preconcebidos se presta melhor aos ditados
espíritas mediúnicos, não só por positivar o fato mais concludentemente, como
também porque, graças à sua singeleza, não seria interceptada, ou desfigurada,
com ideias pessoais, alguma revelação nova que adviesse em contraposição a
teorias que devessem ser renovadas, antes a traduziria sem mesclas nem
preconceitos, porque, assim, não possuiria barreiras mentais capazes de
impugnar um noticiário que fôsse contrário às opiniões já implantadas pela cultura
daquele que muito se demorou no recesso das Academias.

**

Desde o aparecimento da Codificação, queixam-se as entidades espirituais


elevadas da deficiência do vocanulário humano para expressar a vertiginosidade
da palavra dos Espíritos, das dificuldades, das barreiras contra que lutam nossos
Guias para descreverem as grandezas do mundo invisível. Quem é médium
transmissor de revelações e ditados instrutivos de qualquer natureza,
especialmente romances desenvolvidos no Além, sabe das torturss psíquicas
indefiníveis a que se vê submetido quando o seu Instrutor se dispõe a transmitir
algo que vive ou existe nas regiões felizes do Invisível, as quais

—-------

...

DEVASSANDO O INVIStVEL 121


desconhece porque, quando desencarnado, ele, o médium, não as pudera atingir;
e também sabe que isso a que denominamos «tortura», à falta de outro
qualificativo mais exato, não atinge sômente a si próprio, mas também ao Instrutor
comunicante, que se entregará a disciplinas mui penosas a fim de se conseguir
fazer compreender, disciplinas a que só se anima pelo muito amor à causa das
Verdades Eternas e pelo cumprimento de um sagrado dever. Por isso mesmo,
entristecemo nos quando alguns oradores, empolgados pelo ardor da própria
palavra, ao emitirem opiniões meramente pessoais, vão ao extremo de atacar os
médiuns com ruposições e críticas impróprias e humilhantes, revelando dessarte o
pequeno conhecimento da causa que tentam defender, e também leviandade na
apreciação de um campo delicado e complexo, que requer mais serenidace e
espírito de observação, para ser devidamente estudado.
E’ certo que o estudo da mediunidade deverá ser acompanhado de cautelosas
pesquisas para que se possam remover as numerosas dificuldades de que
comumente se rodeia, como deslindar as múltiplas causas que a poderão
desfigurar, levando-a mesmo ao ridículo e à nulidade. Tratando-se de uma
faculdade por assim dizer celeste, destinada a realizações imprevisíveis, conviria
aos seus detratores pois os há mesmo dentro da grei espírita — antes investigá-la
com espírito de proteção e fraternidade do que depreciá-la com observações
desanimadoras e antidoutrinárias. Ora, as modalidades de meios de comunicação
com o Invisível têm preocupado àltimamente certos pensadores, que leram os
códigos do Espiritismo mais como passatempo do que mesmo com o sincero
desejo de realmente aprender. Algumas dessas modalidades, consideradas
«novidades», criticadas por uns, incompreendidas por outros, negadas por mu.tos,
relegadas por alguns a título de «fantasias do cérebro de médiuns ignorantes, são,
não obstante, tão antigas, e já

122 DEVASSANDO O INVISIVEL


conhecidas dos velhos povos do passado, como o são a psicografia, a
incorporação e as demais, estudadas por Allan Kardec e seus colaboradorer.
Ninguém há que ignore a singular faculdade mediúnica de João, o Evangelista,
dentre outras que possuiria o chamado tdiscípulo amado», cujo espírito era
arrebatado do corpo material durante o transe lúcido de desdobramento, era
alçado ao Espaço e, uma vez ali, via Jesus — a quem chamava Senhor — e com
ele conversava, recebendo preciosas instruções. O que, porém, Jesus dizia ao
seu discípulo seria não sàmente ouvido, mas também visto por João, pois a
palavra do Mestre tomava forma, transformava-se em fatos e ocorrências diante
do Apóstolo, depois do que o próprio Senhor Jesus o mandava escrever em livro
tudo quanto presenciara. Daí surgiu o célebre livro «Apocalipse», o último dos
belos volumes de que se compõe o Novo Testamento de Jesus-Cristo, obra
essencialmente mediúnica não muito clara à compreensão vulgar, em virtude de
sua feição esotérica e das dificuldades com que o Divino Mestre, ou um dos seus
agentes, teria lutado para tentar transmitir o transcendentalismo profético
servindo-se do vocabulário e das imagens da época, bem mais deficientes do que
as atuais, como foi o caso, por exemplo, para descrever a aviação moderna, tão
claramente ali revelada, não obstante a deficiência das imagens (21). Tão bela
faculdade não foi isolada, ou particular a João. Os profetas do Velho Testamento
sucintamente explanai am os mesmos pormenores, afirmando, com frequência,
que eram arrebatados em espírito, repetindo sempre:
— «O Senhor disse, e eu vi. . . »
ao passo que os médiuns atuais não cessam de afirmar
que vêem quadros fluídicos através de descriçõs dos
(21) Apocalipse, 9:1 a 21.

LJ

DEVASSANDO O INVISÍVEL

seus Instrutores desencarnados, ao receberem obras, mensagens vistas e não


apenas escritas, avisos de futuras ocorrências narradas em cenas vivas,
principalmente de morte próxima de algum ser amado, e romances e revelações
novas.
E não sômente com os médiuns declaradamente espíritas tais fenômenos se
verificam. A vida de cada criatura está repleta desses fenômenos, embora a
maioria não ligue ao fato a devida importância. Igualmente, a vida de muitos
artistas célebres — médiuns quase todos, sem o saber, alguns demonstrando
mesmo faculdades positivas —, enumera fatos idênticos: visões, transportes em
corpo astral, ou arrebatamento do espírito, de que trata João. Contam que
Vincenzo Bellini, o grande compositor itAllano, durante um sono que tudo indica
tenha sido um transe letárgico, ou um estado de sonambulismo, «sonhou» que
assistia a uma festa no «Céu». De lá mesmo, onde pairava o seu espírito
temporàriamente afastado do corpo, isto é, do local feliz do Inv’sível onde se
encontrava — certamente algum ponto de reunião de Espíritos artistas — aciona o
corpo, que dorme, e escreve a ária vitoriosa da sua ópera «Norma», pois que a
anterior fora vaiada durante a récita de estreia.
Na empolgante obra «No Invisível», Léon Denis cita o caso do pintor alemão
Alberto Dürer, o qual, preocupado por não se sentir inspirado para a criação de um
quadro que reproduzisse os quatro evangelistas, debruça-se à janela da sua
«água-furtada», na cidade de Nuremberg, Alemanha, e faz sua invocação aos
poderes espirituais (22). Pouco a pouco, desenham-se no espaço, à sua vista,
materializadas, as quatro figuras que ele desejava pintar. A riqueza dos tons
luminosos que envolvem essa obra-prima dos céus clareia a parte da cidade al (22
“Ãgua-furtadct” — Sótão. Pequena dependência de uma casa, localizada
imediatamente sob o telhado, muito usa-

123

124 DEVASSANDO O INVISÍVEL


cançada pelo artista da janela da sua humilde habitação, e este, deslumbrado,
plenamente harmonizado com as vibrações das esferas artísticas da Pátria
Espiritual, pode observar os pormenores do modelo insólito concedido por seus
amigos do mundo invisível. Daí a reproduzi-lo mais tarde, obedecendo ao capricho
dos claros e das sombras, da harmonia das cores e da pureza das linhas seria
fácil, pois Alberto Dürer é um grande artista, um sensitivo cujas vibrações
penetram as camadas superiores do Invisível, e aquela visão sublime se decalcou
nos refolhos da sua alma, em formas indeléveis, o que lhe permitiu reproduzir a
obra em toda a sua magnificência (23).
Não raro, o mesmo estranho fenômeno se verifica com os médiuns espíritas em
relação às obras românticas que lhes concedem os mentores espirituais. Quadros
belíssimos, sequências admiráveis de cenas coloridas, detalhes singulares, etc.,
tudo sublimado por um jogo de luzes indescritível, são fornecidos àqueles no
momento em que recebem a obra, ou antes da sua recepção, quando do transe
letárgico provocado por seus Instrutores durante
o preparo da mesma e a adaptação do médium para o feito. Dá-se mesmo o fato
de que, algumas vezes, uma só obra terá dois autores — um que a conta, ou
narra em cenas, no Espaço, e outro que a escreve mais tarde, através da
psicografia. Neste caso, ao transcrevê-la sob
da na Europa, corno residência pobre. Alberto Dilrer Célebre gravador, pintor,
escultor e arquiteto alemão. Nasceu em Nuremberg, em 1471, e ai morreu em
1528. Aliou uma imaginação de espantosa riqueza um colorido perfeito e,
principalmente, uma incomparável mestria de desenho. Exímio no retrato, embora
mostrasse preferência pelos assuntos impressionantes.
(23) Era ocasiões tais, verifica-se uma espécie de hipnose sobre o sensitivo: mais
tarde ou mais cedo ele reproduzirá, fatalmente, o que o Invisível lhe forneceu,
embora auxiliado, ainda, pelo mesmo Invisível, ou pelos seus amigos e protetores
espirituais.

DEVASSANDO O INVISÍVEL 125

assistência do seu amigo invisível, o médium já conhece a história, porque a viu


narrada no Além, o que muito facilita a recepção escrita, pois, ou dela se recorda,
caso seja instrumento muito lúcido, impressionável, ou, quando menos, a
conserva arquivada na subconsciência, caso a faculdade não disponha da
propriedade de reter lembranças ao despertar do primeiro transe.
Dentre outros médiuns de que temos notícia, além de nós mesma, pois esses
fatos nos são muito comuns, convirá destacar Francisco Cândido Xavier, por ser o
mais popular e o mais acreditado no conceito geral. Confessa ele que, ao receber
da entidade espiritual Emmanuel o livro «Paulo e Estêvão», assistiu, deslumbrado,
à cena da aparição do Nazareno a Saulo de Tarso, na estrada de Damasco,
quadro fluídico criado pela palavra espiritual (vibração mental, poder do
pensamento e da vontade sobre os fluidos existentes no Universo) do autor da
obra, que a está ditando psicogràficamente, e a qual se converteria na mais bela
obra pelo Espaço concedida aos homens depois da Codificação da Doutrina
Espírita. Comovido, o médium não suporta tanta grandeza patenteada à sua visão.
Abandona o lápis, interrompendo o ditado. Prostra-se de joelhos e chora as mais
sublimes lágrimas que seus olhos conheceram. Aliás, é comum o médium se
emocionar ante as belezas que à sua visão se rasgam em cenas indescritíveis,
quando, muito concentrado no trabalho, favorecido por ambiente feliz e
afastamento completo das coisas deste mundo, ele se dá ao labor do ditado
mediúnico. Muitas vezes, nós mesma temos interrompido nossos trabalhos, ante o
encantamento da sutil beleza espiritual com que nossos Guias nos mimoseiam, a
fim de nos entregarmos ao pranto feliz e comovido que o mundo ainda
desconhece. Parece que o médium, em tais ocasiões, tem as suas sensibilidades
gerais elevadas ao máximo, pois se não vibrar uníssono com o autor da obra não
conseguirá rea

126

DEVASSANDO O INVISIVEL
lizar o feito. Daí o porquê de um instrumento mediúnico obter obras de poucos
autores, pois o trabalho é sempre melindroso e difícil, exigindo o máximo de
qualidades harmoniosas de um e de outro, tais como amor à causa, vontade,
pureza de intenções, humildade, paciência, perseverança, desinteresse de toda e
qualquer natureza, mormente o desinteresse monetário, renúncia e até mesmo
espírito de sacrifício, o que deixa entrever não ser fácil a um encarnado assim
comungar, tão intensamente, com entidades elevadas da Espiritualidade.
Existem ditados mediúnicos, mesmo romances e poderíamos citá-los —
considerados imitações por muitos observadores, porque não trazem o
característico do estilo literário daquele que espiritualmente o concedeu. No
entanto, sabemos que a obra, realmente, é daquele cujo nome figura no volume.
O que se passa é que transmitir o estilo integral é uma tortura para certos
médiuns, como trabalho exaustivo para o autor, razão por que nem sempre este
obrigará seus medianeiros ao penoso labor, visto o intento de uma obra espírita
ser a sua finalidade moral-educativa-doutrinária e não pràpriamente a simples
realização literária. De outras vezes, porque o médium não apresente os recursos
necessários, dá-se uma como tradução no seu pensamento. Este, o médium,
recebe o ditado e transmite-o para o papel empregando sua própria linguagem, o
que resulta na desfiguração do estilo literário do escritor comunicante, se se tratar
de literato conhecido na Terra. Alguns, devido a tais fatores, adotam pseudônimo,
encobrindo o próprio nome até mesmo de seu instrumento mediúnico. Todavia, o
pensamento foi do escritor e não do médium, e por isso a obra deveró ser
considerada mediúnica. Muitas vezes, desde que não se positive o fenômeno
espírita pràpriamente dito, será mais conveniente que tais trabalhos apareçam a
público sob o nome do próprio médium, visto que, destituídos do estilo do escritor
conhecido, a quem

DEVASSANDO O INVISÍVEL

se atribua o trabalho, será difícil provar que, efetivamente, houve o fenômeno


med.iúnico, muito embora se tenha dado, e assim se contornarão controvérsias e
polêmicas muito prejudiciais à Doutrina. Tal sutileza da faculdade mediúnica
opera-se, comumente, entre alguns escritores e será, então, o a que chamaremos
inspiração, não obstante conheçamos tais casos no setor psicográ fico
também.

Alguns escritores desencarnados, como Camilo Castelo Branco, que foi um


estilista inconfundível, um purista

do idioma português, não fazem, em absoluto, questão de que o seu antigo vigor
literário se reproduza, integralmente, através de um cérebro mediúnico. O que
querem é se desincumbir de tarefas que lhes desanuviem a consciência das
sombras dos deslizes passados, reabilitando-
-se, pela literatura de Além-Túmulo, da antiga feição ociosa ou nociva da literatura
cultivada no estágio terreno. E’ o resgate, pois, que se verificará. Preferentemente,
tais escritores tomarão pseudônimo, encobrindo-se do próprio médium, que
poderá não guardar o devido segredo, entusiasmando-se com o próprio feito de
que foi instrumento. Outros, como Léon Denis, preferirão não ditar obras
mediúnicas a vê-las desfiguradas no seu estilo pessoal. O que querem é a prova
insofismável do fenômeno espírita. Continuam, no Além, as pesquisas e
experiências encetadas na Terra.
Um mesmo Espírito poderá ditar uma obra dando a ver ao médium as cenas antes
ou no momento do ditado, e poderá ditar outra, ainda pelo mesmo médium,
valendo-se tão sàmente da psicografia, sem que o intermediário veja coisa
alguma, ou, pelo menos, sem que este se recorde do que viu, pois pode dar-se o
fato de ele ter presenciado o drama, posteriormente psicografado, durante um
desdobramento, e de nada se recordar em vigília. De outro modo, o fato de
recordar será uma disposição particular do aparelho mediúnico. Vimos que

127

DEVASSANDO O INVIStVEL

João Evangelista, ao despertar do transe em que obteve


o Apocalipse, recordou tudo o que vira e ouvira. Os
profetas antigos, do mesmo modo, se recordaram das
visões tidas durante os chamados transes «oníricos» (24)
e os desdobramentos em corpo astral

Do que particularmente nos diz respeito, lembraremos que o livro «A Tragédia de


Santa Maria», por nós escrito sob a direção da entidade espiritual Adolfo Bezerra
de Menezes — trabalho em que tivemos a maior facilidade de recepção, dentre os
que nos têm cabido transmitir — ofereceu-nos todas as modalidades possíveis em
um ditado mediúnico: visão antes e no momento da recepção, audição, psicografia
isolada (desacompanhada de visão e de audição), psicografia acompanhada dos
outros fenômenos e intuição acompanhada de visão. Consideramos essa época
de nossa existência (quatro meses, das mais felizes, entre as poucas horas
ditosas que fruímos neste mundo, dada a suavidade, o enternecimento das faixas
vibratórias que nos envolveram durante o período consumido no ditado do
trabalho. Que de visões outras, então, obtivemos da vida espiritual! Que de
surpresas cativantes! E como convivemos com os seres invisíveis, mostrados à
nossa respeitosa contemplação naquelas noites magníficas, quando, abstraída da
vida ter-

rena, aliviado o nosso coração de sofrimentos e humilhações oriundos da vida


social terrena, a assistência de Bezerra de Menezes se tornava positiva e integral,
para que o seu feito romântico se realizasse sem que nenhum esgotamento físico,
nenhuma fadiga mental nos abatesse a saúde! Esse venerável Espírito é seguido,
por assim dizer, por grande número de entidades ainda vacilantes, porém,
submissas, cuja readaptação ao estado espiritual

(24) Mediunidade pelo sonho. Revelações através do sonho. A Bíblia está repleta
de informações a respeito.

128
DEVASSANDO O INVISÍVEL
é operada sob sua desvelada direção. Vimos e falámos
a varias delas, enquanto trabalhávamos naquela obra.
Entrementes, as visões do drama que então nos eram fornecidas decorriam em
ambiência branca, lucilante, mesclada de tons dourados, como se raios de sol
puríssimos iluminassem a transparência branca, efeito, ao que julgamos, inédito
sobre a Terra, a nós outra impossível de descrever, e como se todas as cenas e
panoramas fôssem desenhos delicadíssimos, a se movimentarem em cenários
celestes. No entanto, em «Uma história triste», que integra o volume «Nas Telas
do Infinito», o drama se desenrolou em suave ambiente azul, levemente esbatido
de nuanças brancas lucilantes, quais neblinas tenuíssimas, enquanto que em
«Leonel e os Judeus», obra ainda inédita, do mesmo autor, a história se desenrola
sob colorações fortes, mas com algumas cenas muito sombrias, tais como salas
de suplícios da Inquisição, em Portugal, e outras muito nítidas, como o rumor das
águas de um repuxo de jardim, ao se despenhar no tanque, o brilho de
candelabros de prata sob a luz das velas e o som da cítara com que uma
personagem se acompanhava, entoando salmos de David.
Não obstante, nem sempre o médium consegue transcrever na íntegra o que
avista no Espaço, concedido por seus mestres instrutores. Parece, mesmo, que
cenas belissimas, admiráveis pela perfeição, deixam de ser psicografadas no
decurso da obra, porque assim o determinaria o próprio autor, visto que a escrita
não reproduziria fielmente o encantamento que a visão espiritual alcançou. Na
obra «Nas Voragens do Pecado», por exemplo, a entidade «Charles», Espírito que
sabemos ser o de um completo artista, e que no-la havia mostrado
magistralmente, durante um arrebatamento do nosso espírito, por ele mesmo
provocado, deixou de escrever uma cena das mais belas, que nos fora dado a
apreciar na ocasião precisa:

129

130 DEVASSANDO O INVISWEL


— A personagem «Otília de Louvigny». ao ter conhecimento do massacre da
família de La-Chapeile, durante a chamada «Matança de São Bartolomeu», no
qual sucumbira seu noivo, Carlos Filipe, tem acessos de loucura verdadeiramente
patéticos, emocionantes. Em desespero, sai em correria pelo parque do seu
castelo e pelos campos adjacentes, ou sobe aos terraços e torres da mesma
vetusta habitação, bradando, em lágrimas, pelo nome do noivo, entre mil queixas
pungentes e revoltas blasfemas, O jogo de luzes que envolviam essas cenas, as
nuanças do luar e do crepúsculo da tarde, os claros e as sombras que tudo
adornavam e embelezavam, entre tonalidades azuis e rosa, que se mesclavam ao
infinito, a suavidade da coloração, as harmonias dos sons, que repetiam seus
lamentos em ecos impressionantes, pela vastidão local, e onde até o canto das
cotovias se deixava ouvir, eram de uma perfeição e beleza tais que acreditamos
nem mesmo o cinematógrafo, que muito se assemelha a essas criações do
Invisível, conseguiria reproduzir na íntegra.
No entanto, tal cena, das mais patéticas e belas de toda a obra, não foi dada à
psicografia, quando o autor da mesma voltou para escrevê-la. Em vão esperámos
a sua transcrição. O impulso vibratório da psicografia não a delineou! Aliás, nem
sempre se poderão aproveitar todos os detalhes e nuanças dos dramas assim
relatados ao médium, no Invisível, porque a obra se alongaria demasiadamente, o
que seria contraproducente. E’ fácil, porém, compreender que a dita cena,
destituída de qualquer valor moral ou doutrinário, embora artisticamente perfeita,
fora suprimida para que a parte doutrinária não ficasse sacrificada pela extensão
da obra, pois sabemos que o móvel dos romances espíritas é a propaganda da
Doutrina por meio suave e convidativo, tributando os Instrutores Espirituais grande
apreço a essas obras, por

DEVASSANDO O INVISÍVEL 131


julgá-las imensamente úteis em virtude dos exemplos
vivos oferecidos aos leitores.
Conquanto os Espíritos-Guias dêem preferência à parte doutrinária, à moral
elevada que vemos presidindo a tudo quanto a Revelação Espírita tem concedido
generosamente aos homens, também observamos que jamais se descuram eles
de embelezá-las com os traços vigorosos de uma Arte pura, elevada e, por assim
dizer, celeste. Jamais, porém, presenciámos tantas e tão grandiosas expressões
de Arte e Beleza, superiores a tudo quanto nossa mente fôsse capaz de conceber,
como no ano de 1931, ao nos ser revelada, durante um longo desdobramento, a
história de «Amor e Ódio», já publicada pela FEB, desdobramento que nos levou a
visitar a cidade de Florença, na Itália, examinar suas obras de arte, visitar seus
palácios e admirar o jogo das luzes irisadas através dos vitrais, contemplando-a tal
como era há dois séculos! E assim, nesse exame, que muito naturalmente era
realizado, distinguíamos até mesmo os brocados e cortinados dos grandes leitos
senhoriais, as pinturas decorativas das paredes, o brilho do verniz dos móveis, os
raios de sol coados através dos vitrais multicores, tocando tudo de uma forte
sugestão.
Na noite de 30 de Junho de 1931, o Espírito co-autor da dita obra, isto é,
«Charles», arrebatou-nos em espírito, levando-nos consigo para uma região que
supomos dedicada à Arte, no Mundo Invisível. Concluímos que as regiões
espirituais mais achegadas à Terra sejam azuis, com nuanças brancas radiosas,
pois são as cores que mais frequentemente divisamos nos ambientes invisíveis
felizes que temos visitado. Acreditamos, mesmo, tratar-se de um estado, de uma
modificação do fluido invisível, trabalhado pela vontade dos obreiros espirituais, e
que a própria Terra nele se encontre mergulhada. O certo é que, arrebatada pela
entidade protetora, bem cedo nos reconhecemos pairando em local florido,
espécie de

—1
132 DEVASSANDO O INVISÍVEL
parque ou jardim, artisticamente delineado, verdadeiro cenário celeste, onde
nenhum traço de beleza faltava, percebendo-se até mesmo a melodia de pássaros
e mil cativantes perfumes de flores. Todo o conjunto se esbatia de um como luar
azul matizado, lembrando os coloridos de Rembrandt, isto é, partindo de tons mais
fortes, como sombreados, para decrescerem de coloração gradativamente, até ao
branco cintilante, pois essas nuanças são luminosas, como neblinas que se
iluminassem por lampadários inteligentes, caprichosos.
Nessa encantadora estância encontravam-se Vítor Hugo e Frederico Chopin (25).
Vendo-os, nenhuma surpresa nos assaltou, pois não temos memória de quaisquer
surpresas que nos assaltassem durante tais escapadas espirituais. Presente
estava igualmente a entidade «Gaston ,, que figura na obra como a sua
personagem central. Acreditamos que, nos ambientes esclarecidos do Espaço,
quando um dos seus habitantes, ou componentes, se prepara para a
reencarnação, os que ficam lhe oferecem festividades de despedida, homenagens
que dão em resultado essas solenidades espirituais, onde o Belo atinge
proporções inconcebíveis à mente humana, por mais artisticamente dotada que
seja, visto que o Belo, no Invisível, é apanágio do virtuoso, do moralizado, do
coração humanitário e fraterno, já identificado com as vibrações inerentes ao
verdadeiro bem.
A pura intelectualidade, desacompanhada de princípios excelentes, que sômente
as verdadeiras qualidades do coração produzem, assim como a Arte, por si só,
com o séquito da vaidade, do orgulho, da falta de boa moral,
(25) E’ possível que nosso Espírito não atingisse realmente a dita região, e sim
tudo contemplasse através de quadros a distância. Tão sugestivos e intensos
esses quadros (espécie da nossa televisão, muito aperfeiçoada), que o médium
mantém a impressão de que realmente está presente em tudo o que vê.

A
44

DEVASSANDO O INVISIVEL 133


não permitem a ascensão do seu cultor aos planos rutilantes do Belo, existentes
no Além.., o que equivale a asseverar que nenhuma conquista feliz, no Além-
Túmulo, será possível sem a renovação do Espírito, ou seja, a sua reeducação
moral.
Percebemos que Vítor Hugo presidiria à tarefa de Gaston, auxiliando-o nas
narrativas com o poder do próprio gênio, pois teria sido amigo e protetor deste,
quando encarnados ambos, em Paris, tendo-o livrado mesmo da guilhotina,
coadjuvado, nos esforços para patentear a inculpabilidade do mesmo, pelo
Professor Denizard Rivail (Allan Kardec), de quem o jovem teria sido discípulo.
No entanto, era Charles quem nos esclarecia, e aqui tentaremos reproduzir suas
palavras de então, através das recordações que nos ficaram e das intuições que
nos afloram à mente, sob as irradiações do mesmo dedicado amigo, sob cuja
vigilância estas páginas são escritas:
— «Trata-se da solenidade de despedida de Gaston de... (jamais nos pudemos
apossar do verdadeiro nome dessa entidade, que no volume «Amor e Õdio’>
vemos alterado), antigo amigo nosso, companheiro de ideais republicanos de
Hugo, em Paris... Sua beleza física foi célebre, pois sua plástica e mesmo a
fisionomia apresentavam semelhanças mui pronunciadas com a estátua do Apoio
de Belvedere. Sua vida, no entanto, primou pelos grandes infortúnios, verdadeiras
desgraças, que sobre ele se abateram... Despede-se hoje dos amigos da
Espiritualidade, porque entrará em preparativos para a reencarnação, o que
absorverá suas atenções, e cerceará a liberdade de que até agora vem
desfrutando entre nós... Ele se sente cansado da Europa... como que aterrorizado
dos férreos costumes, dos preconceitos excessivos do materialismo desanimador
ali existente.., e reencarnará, por isso, no Brasil, de cujas plagas se enamorou,
para novos ensaios de progresso à sombra generosa do

136 DEVASSANDO O INVISIVEL


minadora, sem todavia vê-lo. Sua palavra, portanto, tornou-se vida, cenas, fatos,
drama, sequência admirável de uma realidade incontestável. Nós nos víamos
presente em todas as cenas, qual espectadora muda do imenso drama, sem,
contudo, perder nossa atual personalidade. Sentíamos, porém, ecoando em
nossas sensibilidades, as emoções e impressões que as personagens deveriam
viver, permanecendo as mesmas emoções como que impressas em nosso ser,
incomodando-nos mesmo, afligindo-nos, até que a obra foi escrita e terminada.
Jamais nos fora possível conceber cenas tão belas, tão artisticamente delineadas,
paisagens tão esmeradas e tão encantadores pormenores como ao nosso espírito
deram a contemplar nessa madrugada feliz, em que nos vimos arrebatada para o
Espaço. Os fatos se desenvolviam em cores que iam do azul pervinca, cintilante,
ao branco igualmente cintilante, ornados de efeitos de luz e sombreados em azul
mais forte, lembrando quadros de
• Rembrandt (26). Nenhum detalhe de salão ou de algum jardim, nenhum
pormenor de vestuários femininos ou masculinos, e nem mesmo os perfumes
escapavam à nossa observação ou à nossa sensibilidade. A certa altura, ouvimos
que Hugo comunicava:
— «A Quarta Parte será narrada em grifo. . . »
Não compreendemos o que quereria ele dizer. Nada perguntámos, no entanto.
Acreditamos, mesmo, que o médium, em tal situação, absolutamente não poderá
«falar», ou seja, externar a própria vontade, senão obede (26 Rembrandt
Harmenszoon Van Ryn — Ilustre pintor da escola holandesa. Nasceu em Leyde,
em 1606, e morreu em Amsterdão, em 1669. Esse inconfundível artista brilha pelo
vigor e riqueza do pincel, pela ciência do claro-escuro, cuja multp1icidade de
recursos foi o primeiro a mostrar, pela vida das carnações, vigor das sombras e
brilho da luz. Deixou 350 pinturas e outras tantas águas-fortes. E’ célebre o
seu auto retrato.

DEVASSANDO O INVISÍVEL

:
137

.. JI$_

rtanto tor[mirável de s presente do imenso $onalidade.


lidades, a’ riam viver, impressas do-nos, até

tão belas, esmeradas so espírito m que nos desenvol.tilante, ao tos de luz luadros
de de algum aininos ou ‘am à nosrta altura,

ifo.
zer. Nada no, que o oderá «faião obede [lustr
pin3, e morreu ,ista brilha aro-escuro, )strar, pela luz. Dei- célebre o

cer à vontade alheia. Pensávamos, porém. E meditámos em que o grifo é um sinal


na escrita manual ou tipográfica, um tipo de letra de imprensa diferente dos
demais caracteres em que o texto de uma obra foi impresso, embora os
dicionários expliquem tratar-se também de um enigma, de algo embaraçado ou
ambíguo. Dentro em pouco, no entanto, era realmente exposta a Quarta Parte do
livro, exatamente o trecho iniciado em Florença e terminado em Paris, «pelos
albores do XVIII século». Mas, as cenas, agora, bem assim as paisagens, os
ambientes, eram inteiramente modelados em cores vivas, diferentes, portanto, do
resto do trabalho, que fora em azul e branco. Aí estaria o grifo... Nos episódios
verificados em Florença, as colorações eram mais intensas, porém claras e
cintilantes, como se um sol vivo e ardente recobrisse os ambientes. Mas, naqueles
vividos em Paris, durante essa Quarta Parte, as cores eram mais brandas e
delicadas, destacando-se o azul e o rosa, como em «Nas Voragens do Pecado»,
mas tudo envolvido em discreta penumbra, como se chovesse.
No decurso das cenas, nós nos sentíamos, por toda a parte, como que
acompanhante das personagens, a ponto de ingressar em um túmulo com o
cadáver de um suicida, cujo Espírito se debatia no período das confusões, e
chegando até a sentir o fétido da decomposição cadavérica. Reconhecemo-nos,
igualmente, detida no horror das antigas prisões europeias, cuja realidade antes
não nos preocupava e nos era impossível avaliar. Conhecemos, então, detalhes
repugnantes e atrozes, ali ex.istentes, tais como imundícies e fétidos, o que até
então ignorávamos houvesse existido nos ditos presídios. Chorávamos e
sofríamos, exatamente como o faziam as personagens. Cenas, impressões e
emoções repercutiam em nossas sensibilidades com intensidade profunda e
inexplicável, não isenta de sofrimentos. Cremos que todas as potências com que
Deus prendou nosso ser anímico

138 DEVASSANDO O INVISIVEL


encontravam-se, naqueles momentos sagrados, hiperestesiadas, ou seja, todas as
nossas energias vibratórias se haviam exaltado ao grau máximo de nossas
resistências espirituais. Por vezes, sobrevinha a fadiga. Mas Charles reconduzia-
nos o espírito para junto do corpo — ou tínhamos a impressão de que tal
acontecia, não sabemos ao certo. — Víamo-lo, então, o corpo, arquejante e a
suspirar profundamente. Vultos aéreos, não reconhecidos por nós, cremos que o
tonificavam com terapêuticas celestes aplicáveis ao caso, pois que, então,
sobrevinha grande alívio no estado geral e retornávamos aos acontecimentos,
como dantes. Indagando, certa vez, da generosidade dos amigos espirituais sobre
a razão por que nos eram facultadas tais visões, tão belas e empolgantes, antes
que a entidade escrevesse psicogràficamente a obra, favor que absolutamente
não julgávamos merecer, eis a resposta fornecida pelo próprio Espírito Charles:
«Não se trata de favor... E’ apenas um dom natural, que possuís, assaz
desenvolvido, como outros médiuns o possuirão, conquanto não seja tão comum
como os demais dons. Um tipo de faculdade que, de outro modo, facilita o ditado
psicográfico, porque armazena o cabedal necessário nas camadas mentais do
instrumento mediúnico. Tornar-se-á indispensável a tal fenômeno, entretanto, a
absoluta afinidade com o Espírito operante, uma sintonia de vibrações, por assim
dizer integral, do médium com o «narrador»... Daí a dificuldade de ação e o fato de
tornar-se o fenômeno pouco comum... Ainda assim, será necessário que exijamos
do aparelho transmissor todas as energias vibratórias de que puder dispor, as
quais ainda serão por nós outros elevadas por processos delicados, a fim de que
se atinja a comunhão precisa, ou transfusão plena das duas mentes, que se
deverão interpenetrar. Um fenômeno mediúnico, enfim, como qualquer outro.
Processar-se-á, então, a sugestão forte, projetada pela entidade criadora da peça
literá

DEVASSANDO O INVISÍVEL

ria sobre o médium, e a que as tendências e disposições deste gostosamente se


acomodam. Não poderíamos, assim sendo, fornecer assuntos que ao médium
repugnassem, senão aqueles que exaltassem as suas sensibilidades. Esse é,
aliás, o mesmo processo da obsessão. O obsidiado é um passivo que
prazerosamente, por assim dizer, se submete ao fato e que conjuga vibrações, de
modo completo, com seus obsessores. E quando ele afirma que está vendo isto e
mais aquilo, realmente o vê, porque o seu dominador criou o fato, ou a figura, para
ele, visto que o poder de criar é uma força natural do pensamento, um ato da
vontade de cada um. Nesse caso,

porém, e em se tratando de forças inferiores, fatos e figuras serão deploráveis,


porque oriundos de vibrações nocivas, em desarmonia com as leis do Bem e do
Belo, causando, então, desequilíbrios impressionantes às duas forças que se
chocam. Mas, ao médium espírita, já enfronhado nos meandros de tais
fenômenos, tais anomalias deixarão de acontecer, uma vez que estará habilitado a
enfrentar, com serenidade, as sutilezas da faculdade psíquica. Daí o afirmarmos
nós outros a soberana conveniência de os homens em geral se alistarem nas
hostes do Consolador, a fim de se reeducarem, reconhecendo em si próprios os
valores que possuem, as faculdades e possibilidades de que são dotados e os
meios de dirigi-las para culminâncias recompensadoras, pois todos esses
magníficos dons anímicos lhes foram conferidos pelas leis da Criação para que,
através deles, possam servir à sua própria glória, servindo ao próximo e à causa
da Vida Imortal. . . »

**

139

se
tias
arou
nos
ecicas iha
ongeiue
es, )ra, s a

nanémo tro
rito
enite, do
lão ida
nslispor

im, tão rá Nã
encerraremos o capítulo sem narrar o mais
“urioso fenômeno ocorrido na mencionada ocasião.

DEVASSANDO O INVISÍVEL

No desenvolver do drama assim entrevisto, há uma festa, um baile na residência


de uma das personagens do romance, exatamente aquele Georges de Soissons,
que encarna o homem de bem na moral da lição. A certa altura do referido baile, a
que assistíamos como se presente estivéssemos, a personagem central, Gaston
d’Arbeville, põe-se a cantar uma «romanza» aos sons da harpa, cujos versos, de
uma mestria e beleza patética, ouvíamos e compreendíamos. Perguntar-nos-ão,
porém, se ouvíamos os versos em francês ou em português, visto as

personagens da história serem francesas... Responderemos que, no Além,


durante nossos transportes, jamais qualquer dificuldade linguística nos perturbou,
não obstante conhecermos exemplos de entidades, muito materializadas e
inferiores, incapazes de acionarem as forças do pensamento, as quais usam o
linguajar a que se habituaram quando encarnadas. Possuimos amigos espirituais
franceses, brasileiros, portugueses, espanhóis, um polonês, um russo, vários
mestres hindus e egípcios. Todos nos falam, nos aconselham e escrevem com o
nosso lápis, ou se valem de nossa audição. Nós os entendemos perfeitamente,
transcrevemos o que dizem.., mas não sabemos em que idioma nos falam...
Sabemos é que, acima de tudo, pensam! No entanto, distinguimos o «tom vocal»
particular de cada um, pois que se trata de vibrações do pensamento e as
vibrações diferem segundo o caráter de cada entidade, a tal ponto que
reconheceríamos a «voz» de uma delas dentre centenas de «vozes». Ouvíamos,
pois, e compreendíamos os versos da canção, eis tudo. E, como judiciosamente
lembrou Allan Kardec, ninguém, e ainda menos um Espírito desencarnado de
ordem elevada, pensa neste ou naquele idioma. Pensa, simplesmente. E aquele
que possuir percepções capazes de compreender seu pensamento, entendê-lo-á
naturalmente. Todavia, repetimos, Espíritos inferiores, e que foram de outras
nacionalidades,

140

DEVASSANDO O INVISÍVEL 141


quando homens, já nos falaram em idiomas que não nos foi possível
compreender. Cremos tratar-se, esse fato, de particularidade para novos estudos.
Entretanto, Charles atraía-nos para a beira do corpo carnal em letargia,
justamente quando a personagem «Gaston» cantava sua «romanza». Esse
quadro deslumbrante, isto é, o salão feérico, inundado de uma cintilante luz azul
muito pálido, regurgitante de convidados; o luxo e o brilho dos vestuários, Gaston,
tangendo a harpa e a cantar a melodia comovente, e até a fulgurância das jóias
por ele usadas no momento, tudo nos acompanhara para o nosso aposento de
dormir e agora pairava no ar, clareando o recinto com a sublime luz em azul e
branco que coloria as cenas. Talvez, porém, o quadro não nos acompanhasse
pràpriamente e sim nossa visão espiritual se distendesse, favorecida pelos
recursos operantes, produtores do fenômeno, permitindo-nos alcançar, do
aposento referido, as cenas mantidas na Espiritualidade, visto tratar-se de
experiências feitas pelos obreiros do Invisível para possíveis revelações sobre o
mundo espiritual. Não fomos informada a respeito e aqui apenas registamos as
duas possibilidades. À proporção que os versos caíam da voz do artista, porém,
nós os víamos escritos — agora em bom português —; pelo menos, essa foi a
tradução feita por nossa mente. Eles pairavam no ar, como em uma tela, ao lado
da cena e não abaixo, como em cinematografia aparecem as legendas, em
enormes caracteres tipográficos estilizados, como góticos, luminosos, irradiantes,
tremeluzentes como estrelas, parecendo estruturados em essências líquidas,
igualmente brancos com irradiações azuladas. E Charles ordenou, meio ansioso,
revelando muita pressa:
— «Levanta-te, toma do papel e traça, ligeira, esses vemos.. . »
Mas, nós nos sentíamos tão fatigada e sem forças!

- ---

142 DEVASSANDO O INVISIVEL


Respondemos negativamente, à beira do próprio corpo,
a este vendo qual um cadáver:
— «Não posso! Estou muito cansada! Não posso... » «Sim, poderás! Levanta-te e
escreve! Será a única forma de obteres versos do Além! Não és médium
poeta! Escreve!»
— «Não, não poderei! Amanhã, quando despertar, him, escreverei!. . . »
— «Será agora ou nunca mais!. . . »
E manifestava ansiedade, talvez contrariedade, enquanto repetíamos:
— «Amanhã escreverei, prometo.., prometo. . .
Certamente, a delicadeza e a bondade desse afetuoso Espírito não nos
desejavam obrigar a novo sacrifício, que exigiria de nós maior percentagem de
esforços, pois não há dúvida de que ele nos poderia obrigar a atendê-lo. Na
manhã seguinte, efetivamente, despertando do prolongado transe, recordámo-nos
incontinenti do fato, ainda recitando os versos e trazendo impressa na alma a
melodia, que lembrava algo do primeiro movimento da
«Sonata ao Luar», de Beethoven, melodia que por mais de uma vez Charles nos
tem dado a ouvir, quando desses transes. Tomámos do lápis, ligeira, excitada,
recordando a advertência do terno amigo, pois conservamos sempre à cabeceira
os utensílios de escrita, justamente para tais circunstâncias. No entanto, a chama
espiritual que nos acionava se apagara, porque nem um único verso da bela peça
foi possível traçar! Esquecemo-la completamente, ao nos reapossar
definitivamente da matéria! Nem mesmo posteriormente, quando Charles se
apresentou para escrever o romance, tal coisa foi possível!
*
**
Terminada a exposição de Gaston e de Vítor Hugo,
vimo-nos levada pelo instrutor Charles à presença do

1
7

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iça do
Í

DEVASSANDO O INVISÍVEL

143

grande escritor, que nos agraciara com uma peça literária, como sói fazer-se na
Espiritualidade. Compreendemos que aquele amigo nos apresentava como
possível instrumento para transmissão da história aos homens, no feitio educativo
de moldes espíritas. Vítor Hugo fitou-nos com olhar profundo, perscrutador, como
que devassando todos os escaninhos das nossas possibilidades psíquicas.
Depois, voltou-se para Charles:
— «Haveria muito trabalho em prepará-la a meu gosto... Escreve tu, através dela,
pois conheces os fatos expostos, és intelectual, conheces a Filosofia e a Moral
espíritas e possuia ascendência sobre ela, a médium... Tece o enredo à tua
vontade, adaptando-o à Filosofia que esposamos. .
Alguns dias mais e Charles traçava, através da psicografia, a exposição romântica
do citado drama, sem conclusões morais e filosóficas. E advertiu, em seguida:
— «Guarda o trabalho. Posteriormente obterás instruções. .
Vinte e cinco anos mais tarde, isto é, ao findar o ano de 1955, apresentou-se
novamente esse amigo, com as prometidas instruções:
— «Fui incumbido de escrever definitivamente a história de Gaston... Ele se
encontra reencarnado desde o ano de 1931... e certamente lerá a própria história
nesse livro, porquanto também milita nas hostes do Consolador, já que, graças
aos Céus, perseverou no ideal espírita, uma vez reencarnado. . . »
Com efeito, ràpidamente, Charles reviveu o enredo romântico, adaptando-o à
Doutrina Espírita.., e o drama, assim desenrolado no Além, como num teatro
modelar, durante um arrebatamento do nosso espírito, narrado pelo talento de um
escritor genial, e escrito pelo instrutor espiritual Charles, intelectual e artista de
grandes possibilidades, através da psicografia mediúnica, foi

io corpo,

DEVASSANDO O INVISIVEL
publicado pela FEB para homenagear o Centenário da Codificação, sob o nome
de «Amor e Ódio».
Quando, terminada a leitura do livro já impresso,
nós o colocávamos em nossa humilde estante, amargo
desapontamento adveio e murmurámos tristemente:
— «Não transmiti fielmente o que os nobres expositores espirituais desejaram
dizer aos homens! A obra escrita ficou muito aquém da realidade que me deram a
presenciar no Espaço. Meu Deus! A palavra dos Espíritos, seus recursos criadores
são poderosos demais, demasiadamente intensos e lindos para que nós, pobres
seres humanos, possamos realmente traduzi-los para a nossa imperfeita e tão
rude linguagem terrena. »

144

itenário da
impresso,
e, amargo
nente:
bres expo s
A obra CAPITULO VII
me deram
dos Es- O amigo beletrista
)S demais,
ós, pobres “De novo subiu o diabo a um monte muito
Ds para a alto, e lhe mostrou os remos do mundo, e a gló ria deles. E lhe disse: —
Tudo isto te darei, se
prostrado me adorares. Então lhe disse Jesus:
— Vai-te, Satanás! Porque escrito está: — Ao
Senhor teu Deus adorarás, e só a ele servirás.
Então, o diabo o deixou; e eis que chegaram os
anjos e o serviram.” (27)
(MATEUS, 4:2 a 11.)
Os mais ásperos testemunhos costumam ser exigidos dos médiuns antes que eles
se decidam a assumir a tarefa, prestando-se a trabalhos de grandes
responsabilidades, se é que nos labores mediúnicos existirão desempenhos de
responsabilidades menores. A famosa iniciação, outrora exigida nas escolas de
Doutrinas Esotéricas, para se formarem os oráculos, os profetas, as sacerdotisas,
etc., não seria, certamente, um mito, mas necessidade que nos dias presentes
parece clamar pelas atenções gerais, a fim de que o intercâmbio entre a Terra e o
Invisível se exerça ainda com maior segurança e facilidade.
(27) Poética alegoria evangélica, tão do gosto da literatura oriental, noticiando as
prováveis insistências dos admiradores do Nazareno para que aceitasse o trono
de Israel e se tornasse rei. Indicam, ainda, as tentações com que o mundo rodeia
todos aqueles que se derem aos labores dos ideais divinos.

DEVASSANDO O INVISÍVEL
Não ignoramos que a Codificação espírita não trata dessa iniciação, pois que
popularizou a possibilidade do intercâmbio espiritual, declarando mesmo,
taxativamente, que, para se comunicar o homem com os Espíritos — «não há
necessidade alguma de preparo ou iniciação» (28).
Realmente, para nos comunicarmos com os Espíritos não será necessário senão
possuir dons mediúnicos. Todavia, os fatos e a experiência testemunham que,
para a mediunidade apresentar bons frutos, será preciso algo que poderemos
classificar de iniciação. Os Instrutores Espirituais, por sua vez, assim como os
demais ensinamentos firmados pelos colaboradores de Allan Kardec, são
incansáveis em advertir os médiuns quanto a uma elevação de vistas, no exercício
da faculdade, uma renovação cuidadosa do próprio caráter, um critério e uma
reeducação à base do Evangelho, que outra coisa não seriam senão uma
iniciação, conquanto efetivada à revelia de imposições acadêmicas e inteiramente
subordinada à boa vontade, ao esforço e ao discernimento do próprio médium,
sem sequer o afastar da sua vida comum de relação, o que parece mais meritório
e honroso do que as antigas iniciações realizadas sob o jugo férreo das
Academias de Doutrinas Secretas.
Desconhecemos se com os demais médiuns se passarão os fatos que conosco se
passaram, marcando o estabelecimento definitivo de nossas tarefas niediúnicas.
E’ possível, porém, que, pertencendo, como espírito, a uma falange de iniciados
orientais (hindus e egípcios), como pupila e aprendiz, que se reeduca sob sua
assistência espiritual, nada mais se verificasse do que a tradição esotérica da
iniciação, não obstante feita à sombra do Consolador e fora do seio de academias.
. . pelo menos de academias terrenas, pois poderemos, sim, pertencer a Es (28 “O
Céu e o Inferno”, de Allan Kardec, Cap. X, Primeira Parte, n. 10.

146

DEVASSANDO O INVISIVEL 147


trata des- colas ou Academias Espirituais, subordinados às suas
de do in- exigências e programações, ignorando-o, porém, durante
ivamente, a vigília, mas tudo abrangendo no estado de sono ou de
)íritOs — transe. O que sabemos é que, no que nos diz respeito,
ão» (28). houve um verdadeiro trabalho de iniciação, o qual vem
Espíritos exigindo longo tempo de nossa perseverança e dedicação
ICOS. To- ilimitada, pois que não terminaram ainda os testemu lue para nhos
exigidos pelos Mestres Espirituais, testemunhos que
Ciso algo lembrariam os dos antigos pretendentes aos segredos
strutores esotéricos, nas Escolas de Ocultismo do passado. E tais
s ensina- provas tanto se realizam sobre a Terra, ligadas aos acon Kardec
tecimentos diários, como no Invisível, durante os des a uma prendimentos em
corpo astral a que nos têm obrigado
na reno- os queridos instrutores.
O e uma Silenciaremos quanto à natureza de muitos teste na se- munhos
terrenos, não os confundindo, embora, com as
a revelia provações e os resgates oriundos de deslizes do pretérito
bnada reencarnatório, que nos foi necessário expurgar definiti propri vamente,
numa como renovação de valores, indispensável
mum de ao nosso progresso normal como ao mandato mediúnico.
do que Apenas adiantaremos, como curiosidade a ser examinada
reo das pelo leitor, que os mesmos testemunhos — espécie de
exame prévio de um candidato a uru curso escolar — se
e passa- constituíram de provas de firmeza e equilíbrio em todas
O esta- as contingências sedutoras da vida humana, ou seja, de
Lcas. E’ todas as tentações risonhas que tendessem a nos desviar
a uma da boa rota, de dificuldades e peripécias, não faltando
como nem mesmo a tentação brutal do próprio roubo! Tais
ncia es- testemunhos foram admiràvelmente dosados e senados
ao eso- pelos Instrutores Espirituais, tal como se verifica nas
do Con- provas em uso nos nossos institutos de ensino. Custa eno de ram-nos
eles, os testemunhos, uma vida inteira de atri a Es- bulações e lágrimas, de
sacrifícios, de desilusões e re núncias e devemos confessar, aos que nos lerem,
que,
Dap. x, de todas as provas que tivemos de oferecer à Doutrina
do Mestre, para poder ser admitida, como cooperadora,

148 DEVASSANDO O INVISIVEL


no corpo de servidores investidos de taref az também no Invisível, a mais difícil, a
mais penosa para o nosso caráter ainda inferior, foi a do Perdão.
Perdoar! Mas, perdoar ofensas graves, conforme recomendam os ensinamentos
do Senhor, como é dificil! Cremos mesmo que, num sentido geral, é o que nós,
criaturas humanas, aprendemos a exercer em derradeiro lugar, pois o Perdão,
sendo modalidade do amor ao próximo, é tão elástico e profundo como o próprio
Amor. Somente Deus saberá qual o grau por nosso espírito conquistado ao sair
desse pesado acervo de testemunhos. A grande paz que hoje visita nossa
consciência, todavia, avisa-nos de que tantas lágrimas e humilhações, tantas lutas
e desilusões, sofridas desde o berço, conferiram ao nosso ser a graduação
necessária aos pequenos mandatos que, como medianeira admitida nos labores
do Invisível, nos têm sido confiados.
Declarámos ter como instrutores e mestres espirituais, responsáveis por nosso
progresso na existência presente, pelo menos, Espíritos de hindus e egípcios.
Talvez, por isso, estas particularidades de iniciação rigorosa resultem dos métodos
das Escolas a que tais instrutores se prendem no Espaço, como se prenderam na
Terra, e não seja o fato, ou a exigência, de ordem tão geral como se poderia
supor. O certo é que até mesmo nossos estudos doutrinários, nossos trabalhos
espirituais, nossas leituras, e até passeios e diversões, são por eles dirigidos, sob
o máximo rigor e método invariável. E quanta renúncia tudo isso nos há custado!
Escolhem os livros que devemos ler, suspendendo, por vezes, leituras
doutrinárias, para que não sobrevenha o fanatismo, e advertem-nos da
inconveniência dos jornais! Apontam -no as horas de trabalho, as companhias e os
amigos, os Centros Espíritas a frequentar. Desviaram-nos o matrimônio das
preocupações, desde antes dos vinte anos de idade. E se amarguras colhemos,
insistindo em ilu

DEVASSANDO O INVISIVEL 149


ambém sões do gênero, reconhecemos que provieram da desobe noss ca- diência
aos seus conselhos. Pertencendo a uma família
onde havia bons intérpretes da Música, fomos impossi iform re- bilitada igualmente
de estudá-la, não obstante a grande
é difícil! vocação, pois nos diziam os instrutores hindus, vendo-
que -nos insistir nas tentativas de um curso de piano:
derradeiro — «Sômente um caminho deverá existir à tua fren ao pró- te: a
Doutrina do Cristo, o Consolador! Ês espírito re i Amor, incidente em erros graves,
a quem se cogita, do Invisível,
írito de auxiliar a se reerguer, agora que a seleção dos va emunhos lores
existentes no Planeta será feita, para o advento
1, todavia, da Luz. A Música virá mais tarde, com o dever cum s tantas prido.
Obterás compensações às lágrimas que chorares
onferiram pela impossibilidade desse ideal.»
nos man- E, com efeito, temos tido essas compensações, quan e do In- do, nos
dias atuais, vemos diante de nós, caridosamente
materializados, para que nos seja possível enxergá-los
detalhadamente, esses abnegados mestres de iniciação,
es espiri existênci
belos e sábios, a quem veneramos com todas as forças
ios. Tal- da alma, aos ternos amigos Bezerra de Menezes, Charles,
Frederico Chopin, Léon Denis, Leão Tolstoi e muitos
rigorosa
strutores outros cujos nomes jamais foram revelados. O carinho
ia Terra, que nos dispensam, a dedicação e bondade de que cer bã geral cam o
nosso espírito todos os amigos do piano invisível,
desde esses mestres até pobres sofredores e criminosos
mo nos pirituais
recém-convertidos, aos quais temos podido socorrer sob
por eles a direção dos nossos Guardiães, são hoje a melhor re iável E compensa
às provações e aos desgostos que acompanha-
olhem os ram nossa vida, desde o berço.
leituras *
tismo, e * *
Lpontam amigos
Muito jovem ainda, obtínhamos do Além muitos di ) o ma- tados de ordem
particular, para sofredores do corpo e
ite anos do espírito, num «Posto Mediúnico» de antiga «Assistên e ilu- cia aos
Necessitados», e também os esboços das primeiras

150 DEVASSANDO O INVISIVEL


obras destinadas ao público, recebendo ordem do Espaço para conservá-los à
espera de oportunidade, para possível publicação. Certa noite, após o receituário
no «Posto Mediúnico>’ do «Centro Espírita de Lavras», serviço que, por esse
tempo, era diário, apresentou-se à nossa visão um Espírito cuja configuração
perispirítica mais se assemelhava a um homem terreno do que mesmo a um
habitante do Invisível. Disse-nos ele, sem rodeios, haver vivido no Rio de Janeiro
e em São Paulo e ter desencarnado no ano de 1911. Negou-se, no entanto, a
declinar o nome, embora lhe houvéssemos solicitado a fineza de no-lo esclarecer,
porquanto, ainda hoje, não gostamos de tratar com Espíritos anônimos. Não
obstante, declarou ter sido um escritor, ou beletrista, e que, então, apesar de
desencarnado, alimentava ardentes desejos de continuar escrevendo, pois que,
como Espírito, descobrira na vida dos homens e nas recordações de outros
Espíritos, como ele desencarnados, assuntos preciosos para romances, novelas e
estudos psicológicos, de grande iiiteresse para o público. Convidou-nos, após, a
segui-lo, em espírito, para que nos descrevesse o primeiro caso, ou tese, que
desejava ditar por nosso intermédio, visto que simpatizava extremamente com
nossa pessoa e sabia como acionar a mente mediúnica para escrever um trabalho
longo. Esperava, porém, poder narrá-lo de «viva voz», primeiramente, antes de
iniciar o ditado psicográfico, pois que, se pudéssemos penetrar, com a própria
visão, o que ele já estabelecera na mente como entrecho da sua história, fácil se
tornaria o ditado, a escrita, quer para ele quer para nós, pois bastaria pequeno
impulso vibratório de sua mente para que o entendêssemos bem e acelerássemos
a tradução, uma vez que já se encontrariam em nosso pensamento os elementos
principais, tornando, assim, dispensável criar em nosso cérebro, à força de
irradiações e sugestões, qualquer cena ou panorama.

66 6 1
1; :
6 4 d4

DEVASSANDO O INVISIVEL

151

?m do Espaço , para possírio no «Posto serviço que, nossa visão mais se asserno
a um haodeios, haver e ter desen •anto a declitado a fineza não gostamos
obstante, de- e que, então, es desejos de ito, descobrile outros Esreciosos para [e
grande ins, a segui-lo, rimeiro caso, rmédio, visto pessoa e saescrever um rá-lo de
«viva do psicográ‘m a própria mo entrecho escrita, quer .ieno impulso êssemos
bem já se eneon)5 principais, o cérebro, à cena ou pa
discurso interessou-nos, e não só o considerámos bonito como até lógico. Não
obstante, orámos, confiando-nos fervorosamente à assistência dos mentores
espirituais, pedind mesmo seu auxílio, porquanto sômente nos interessariam
acontecimentos mediúnicos que se pautassem pela obediência às leis da Verdade
e fôssem do agrado deles próprios, os Guardiães. Aquiescemos, pois, em atender
ao visitante, seguindo-o em corpo astral, desde que os Guias não impedissem o
intento; porém, só- mente o faríamos na noite seguinte. Entretanto, nenhuma
intuição, nenhum conselho nos aclarava a indecisão. Os instrutores não
desejavam intervir. . . e compreendemos, então, ser o assunto pertinente ao nosso
livre arbítrio...
Na noite seguinte, dormimos sossegadamente o primeiro sono, sem que nenhuma
anormalidade sucedesse, como sói acontecer, dado que o desprendimento
apenas se verifica achando-se o médium desperto, condição para que se
processe o sono magnético. Poucos minutos depois da meia-noite, porém,
havendo despertado naturalmente, distinguimos à beira do nosso leito o Espírito
que se apresentara na véspera, ao qual chamaremos «Beletrista», à falta de um
nome que melhor o qualifique. e, em seguida, caímos em transe letárgico, num
«arrebatamento do espírito» para o plano invisível. O processo para o
desdobramento verificou-se exatamente como se dá sob a direção de Charles,
dos hindus ou de Bezerra de Menezes, o que leva a crer tratar-se de mecanismo
próprio da faculdade em si mesma, que independe de agentes superiores para
seu exercício. De outro modo, acreditamos que a vigilância daqueles excelentes
amigos se verificava em torno do caso, sem, contudo, tornar-se suspeitada sequer
pela intuição, pois assim mesmo deveria ser, uma vez que se tratava de prova de
responsabilidade, um testemunho cuja gravidade o próprio leitor avaliará dentro
em breve.

DEVASSANDO O INVISIVEL
Afastado nosso espírito do corpo carnal, foi-nos possível examinar melhor a
configuração desse habitante do Invisível, que tão atenciosamente nos procurava
para um trabalho no seio da Doutrina por nós esposada. Compreendemos,
imediatamente, tratar-se de entidade não evoluída moral-espiritualmente,
conquanto não fôsse igualmente nociva, ou uma individualidade de ordem muito
inferior. Moralmente, apresentava-se medíocre, visto não ser evangelizada, não
estar espiritualizada. Intelectualmente, seria adiantada, dado que fora um escritor,
um homem douto, pois que fora também médico na Terra, inteirando-nos nós
desta particularidade, não porque ele, o Espírito, no-la revelasse, mas graças ao
anel de grau que lhe cintilava no dedo anelar da mão esquerda. Espiritualmente,
porém, vulgaríssimo, necessitado de tudo, visto que estávamos já no ano de 1930
e ele confessava haver deixado o fardo carnal em 1911, sem, no entanto, ter
abandonado ainda os perímetros terrenos, o que, aliás, se deduzia de sua
aparência fluídica pesada.
Uma vez completado o desprendimento, ofereceu-nos ele, gentilmente, o braço,
cavalheiro fino que parecia ter sido quando encarnado, e pusemo-nos a caminhar.
Nós nos sentíamos tranquila, compreendendo em nós mesma bastante vigilância
para não nos deixar arrastar a nenhuma aventura espiritual que redundasse em
domínio obsessor, pois confiávamos nos Guardiães, aos quais soucitáramos
assistência para o caso, na véspera, embora no momento não lográssemos
descobrir nenhum deles à testa dos acontecimentos.
Caminhávamos por uma estrada ou rua sem calçamento, mas de terreno muito
batido, polvilhada de uma substância fina, de cor creme brilhante, qual areia
dourada, e notámos que subíamos ligeira inclinação, durante todo o percurso.
Quanto tempo levou o trajeto não poderíamos precisar. Jamais se poderá medir o
tempo nessas circunstâncias, ainda que se trate de poucos mi-

152

ii

DEVASSANDO O INVIStVEL 153


nutos. Pelo menos assim sucede, frequentemente, conos t co. Ao desejar fazê-lo,
a mente se perde em vertigens
‘a e confusões... de forma que não se poderá saber, ao
certo, se uma caminhada foi longa ou breve, instantânea
ou demorada. De um e outro lado da referida estrada,
julgámos perceber vegetação, sem lograrmos averiguar
Li- positivamente o fato, visto existir escuridão nas margens
bo e s?mente a estrada parecer iluminada. Não sabemos
e se se tratava de uma realização de Além-Túmulo, esse
caminho melancólico. Algumas paisagens fluídicas tanto
a, se assemelham às da Terra que, muitas vezes, será di e fícil distinguir com
exatidão a natureza da sua constru ção Acresce a circunstância de que a própria
Terra se
torna diferente através da visão espiritual, tudo pare cend mais belo, como que
envolvido em fluidificações
a brancas com reflexos levemente azuis. Outras, no entan to conquanto se
assemelhem às da Terra, são ineon fundívei pelo padrão de beleza e
encantamento, que se
impõe à vista.
Durante o trajeto, pusemo-nos a observar as par ticularidade que teriam
caracterizado a personalidade
is hwaana do amigo espiritual que acabávamos de adqui rir, exatamente como
sucede quando satisfazemos ocio sa curiosidades em torno das pessoas a quem
somos
o apresentados em sociedade. Observámos-lhe a indumen . tária, a «voz», um
trejeito particular dos lábios, ao «fa lar* com mais energia, a irritação nervosa (teria
sido
à um homem irritadiço), o perfume da brilhantina com que
empastava os cabelos, o lenço fino, de seda pura, de cor
creme, que trazia no bolso externo do paletó, sobre o
a peito, e que de quando em vez retirava, nervoso, para
passar pela fronte e o rosto; punhos e colarinhos mui to engomados e brilhantes.
Seu terno era de cor cinza,
o um perfeito terno terreno, porém, o «tecido» um tan to brilhante, e o paletó
longo, amplo, com uma abertu r de cerca de vinte centímetros na costura das cos -
i
DEVASSANDO O INVISÍVEL
tas, exatamente da bainha para cima; sapatos pretos muito polidos, cabelos lisos
e abundantes, partidos ao lado esquerdo, formando volumoso topete. Era de tez
clara, glabro, e contaria, aproximadamente, quarenta anos de idade. Durante o
giro conversou com desenvoltura, revelando-se excitado, e narrou particularidades
chocantes de sua vida, das quais, porém, não nos pudemos recordar após o
transe, certamente graças à ação caridosa dos instrutores espirituais para com ele
próprio. Recordamo-nos, apenas, de que sua preocupação máxima era a falta do
divórcio no Código Civil Brasileiro, o que, na sua opinião, comumente arrastava
criaturas, dele necessitadas, a situações deploráveis, de que se originavam
desequilíbrios embaraçosos em torno delas próprias e no seio da sociedade.
Recordamo-nos, ainda, de nos ter asseverado que profundo esgotamento
nervoso, verdadeiro estado traumático, acometera seu organismo terreno; que
esse acidente degenerara em neurastenia dominante, e que isso lhe acarretara a
morte. Que, moralmente, muito sofrera neste mundo e continuava sofrendo como
Espírito; não obstante, no momento, já se achava conformado com o inevitável. E
que, no Além, era acusado, por outros Espíritos, de haver praticado o suicídio, de
que lhe resultara a morte prematura, mas que ele disso não se lembrava
absolutamente, e nem sequer jamais pensara em recorrer a semelhante alvitre, a
fim de escapar às lutas morais que o assediaram, e, se tal realmente se deu,
como médico, que era, sômente poderia atribuir o fato a um ato irrefletido, durante
alguma crise da sua deprimente neurastenia.
Efetivamente, esse Espírito, que irradiava simpatia, embora sem pertencer a uma
ordem elevada do mundo invisível, nenhum característico dos Espíritos suicidas
apresentava, o que confirma a versão de que os neurastênicos que se matam
durante um acesso do terrível mal não passam pela aspereza das repercussões
conscienciais

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DEVASSANDO O INVISÍVEL
comuns à maioria dos suicidas, conquanto hajam de arrostar a responsabilidade
dos atos que tenham dado origem ao grande desequilíbrio nervoso por que se
deixaram vencer.
Profunda afinidade espiritual resultou desse colóquio, durante o qual nos sentimos
invadir de sincera compaixão pelo irmão que tão gentilmente nos procurava,
confiante, para desabafo do coração torturado pelos infortúnios. E foi com o
máximo prazer e um devotado interesse pela sua causa que nos dispusemos a
ouvir, ou antes, a «ver» a narrativa do romance que ele desejava ditar aos homens
por nosso intermédio.
Chegáramos, no entanto, ao término do giro encetado. Disse «Beletrista»:
— «Criar a ambientação para a minha história, consolidá-la, mantê-la, para que o
médium a compreenda como uma realidade, será para mim dificílimo, conforme já
expliquei. Poderia fazê-lo, porém, imperfeitamente. Meu pensamento, pouco
adestrado, mostraria intermitências, vacilaria, produzindo cenários escassos,
indecisos, defeituosos, conforme estou habituado a observar aqui, entre
companheiros de infortúnio que se propõem narrar as próprias desgraças, uns
para os outros. Prefiro reconhecer que se trata de talento psíquico de ordem
moral-intelectual elevada, que não possuo.. . e nem sei se o possuirei algum dia...
Narrar a história-recordação, porém, sômente os fatos que realmente se
desenrolaram, evocando-a detalhadamente, no próprio ambiente ou cenário em
que se passaram, sim, ser-me-á possível... Ela vive em mim, a história, dentro do
meu ser! E’ a própria força do meu sentir, o meu drama íntimo, o sentimento de
que se impregnou todo o meu ser moral, e minhas vibrações totais estão deles tão
saturadas que eu mesmo não compreendo como V. Exa. (tratava-nos finamente, a
prezada entidade) não está percebendo cenas das recordações queridas e
dolorosas que esvoaçam

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DEVASSANDO O INVISÍVEL

em torno de mim... pois não ignoro que os médiuns espíritas possuem um


segundo poder de percepção e de visão que escapa aos demais homens.
— «Assim é, meu caro irmão — respondemos, interessando-nos mais pelo
companheiro espiritual. — E’ espírita, porventura?... Pois as entidades
desencarnadas podem participar de quaisquer crenças ou opiniões religiosas ou
filosóficas.
O singular acompanhante teve um gesto algo incerto, não destituído de certa
graça, e respondeu, delicado
e sincero:
«Minha excelente senhora... Eu sou, apenas, um «homem» que sofre... e a quem
a morte ainda não consolou nem liberou de profundas apreensões e muitos
desgostos... Creio na existência de um ser Todo-Poderoso, ao qual respeito... é o
que muito lealmente posso afirmar... Creio, mas não o compreendo, nem tão-
pouco as leis por Ele criadas... Não pratiquei jamais qualquer religião, pela simples
razão de que não possuía nenhuma, como não possuo até agora.. . Se ainda
fôsse um homem carnal, minha religião seria a Ciência, pois eu amava
profundamente a Medicina.., e, além desta, a minha crença no Autor do Universo...
Mas, sei que já não sou um homem, no sentido literal do termo, e por isso não
mais poderei exercer a Medicina ou dedicar-me à Ciência... Perdi ambas, quando
me depositaram num túmulo, convencidos de que eu deixara de existir. . . »
— «Como espírita que sou — acudimos nós, impressionada pelo tonc de tristeza
profunda com que tais frases eram pronunciadas —, eu vos afirmo, caro irmão:
o Espírito de um médico, mesmo depois de abandonar o corpo carnal, pela morte
deste, poderá ainda exercer o sacerdócio da Medicina por muitas formas
diferentes, das quais a mais comum é a do ditado mediúnico, através dos
chamados «médiuns receitistas», para o trata-

156

DEVASSANDO O INVISÍVEL

mento da saúde de muitos doentes que acorrem aos Centros Espíricas. .. E


poderá também cultivar a Ciência em geral, quer nas regiões de Além-Túmulo,
quer na Terra entre os homens, a estes auxiliando discretamente, em estudos e
experiências da especialidade a que se dedicou.., e, assim, servindo ao
Progresso, à Humanidade e a Deus, também se eleva honrosamente no próprio

conceito. . . »
— «Essa honra, minha senhora, ainda não me foi dado alcançar, depois da
morte... Disseram-me ser necessárias tantas e tantas qualidades pessoais, para
que tal seja permitido... Renovações, renúncias.., e eu não me sinto ainda
bastante forte para um novo curso de Medicina, todo especial, neste lado da
Vida... Aliás, vivo ainda na Terra, mesmo como Espírito, e não prôpriamente no
Além-Túmulo... Prendo-me a um passado que me tortura e me encanta, que me
desola, mas que também é a única recordação consoladora que me resta... E para
suavizar tantas amarguras e tanta solidão foi que procurei V. Exa., a fim de
escrever algo que me distraia e ajude a esquecer.. . »
— «E como soube que existo?... Como me pôde

descobrir?. . . »
— «Se eu fôsse um homem, responderia como tantas vezes ouvi, outrora, em
nossa gíria nacional: «Força de simpatia!. . . » Mas, um Espírito, um médico, dirá:
a afinidade dos sentimentos e ideais impelem e atraem as almas umas para as
outras.., tal como, na Química, duas substâncias se atraem e unificam para uma
realização concludente. . .
Compreendemos que «Beletrista» necessitava de tudo e, também, que seu
esclarecimento não seria, certamente, serviço para nossas possibilidades, mas
resultado dos esforços dele próprio, através do tempo e da boa vontade que
desejasse mobilizar a benefício do próprio progresso. Silenciámos, portanto,
dispondo-nos a atendê-lo

teesIas eh-

157

erdo

um
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desso
ouLalnesse
pois
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cer
rata

158 DEVASSANDO O INVISÍVEL


na sua presunção de escritor espiritual. A essa altura, porém, encontrávamo-nos à
frente de uma residência terrena, em estilo bastante antigo, espécie de «chalé»
normando, mas confortável e bonita, com amplo jardim em torno, sombreado de
pequenas palmeiras e arvoredos frondosos, os quais imprimiam à habitação certo
aspecto senhorial. Tufos de folhagens, como tinhorões, begônias e samambaias,
se misturavam a gerânios e cravinas muIticores, dando feitio gracioso aos
canteiros que se delineavam, aqui e ali, dentro do silêncio da noite, aclarados por
um reflexo delicado, como de luar, o qual deitava luz bastante para tudo se
distinguir. A casa, silenciosa e sugestiva, foi-nos franqueada. Vimos «Beletrista>
abrir a porta e fazer-nos entrar em primeiro lugar, num gesto cavalheiresco, muito
embora soubéssemos que um Espírito desencarnado, ou mesmo encarnado, mas
no estado de desprendimento, atravessa qualquer corpo, por mais denso que seja,
sem necessidade de abrir passagem. Notámo-lo porventura mais entristecido, ao
penetrar o interior do gracioso «chalé». E ouvíamos que dizia, quase
soturnamente:
— «Nesta casa residiu a mulher que amei, durante a sua vida quase toda... Maria
Elisa, a minha Elisinha... Acolá, o velho piano de sua mãe, onde ela própria
ensaiou os primeiros acordes de música. . . e o seu retrato, ainda conservado por
parentes que a amavam e lamentavam o seu dramático destino. . . »
Um sentimento de ternura profunda envolveu-nos o coração, de certo o mesmo
sentimento que nosso acompanhante experimentava à evocação da criatura
amada, e sofremos, com ele, a amargura da saudade que lhe despedaçara o
coração. Era uma jovem bela e sorridente, trajada e penteada segundo os
modelos do início do presente século. Lembrámo-nos então de que, em nossa
casa paterna, ao tempo de nossa infância, existiam fotografias de nossa mãe e de
nossas tias apresentando

DEVASSANDO O INVISIVEL 159


modelos idênticos, e sorrimos, dizendo ao sentimental
a amigo «Beletrista»:
» — «E’ uma imagem do fim do Romantismo... Lin da, com efeito. .
s Ele sorriu também, enternecido, parecendo reconfor tado com a nossa
apreciação.
s «Sim! — afirmou ele —, Maria Elisa era alva,
- loura e bonita... Tão bonita quanto desgraçada...»
Convidou-nos, em seguida, a sentar numa poltrona
s de velho jacarandá, sentando-se ele próprio à nossa
a frente. E foi ali, naquela casa que abrigara a mulher
a que ele amara, embalado pelo encantamento da atmos fera da própria
ambiência, que ainda conservaria as vi brações do drama então vivido, com as
imagens das
cenas fotografadas nas ondas etéricas que repletariam
o o recinto, que o amigo «Beletrista» narrou ao nosso en tendimento espiritual o
que desejaria escrever por nosso
- intermédio, numa crítica dolorosa ao Código Civil Bra sileiro, pela ausência do
divórcio, ausência que, comu mente, segundo ele próprio, desgraçando corações
muitas
vezes nobres e generosos, concorre para lamentáveis de sequilíbrio no seio da
sociedade e da família. Fê-lo, po rém agitado, por vezes presa de incontidas
revoltas, por
vezes banhado em lágrimas insopitáveis. Mas, não con segui projetar os
pensamentos com verdadeira mestria,
de modo a imprimir aos quadros das suas recordações
a beleza e a sequência admirável usadas na literatura
espiritual do gênero. Seus coloridos eram de cor cinza.
com trechos amarelados e, de quando em vez, rajados
de vermelho, dando a impressão de jactos de sangue a
contaminar as cenas, o que indicaria, exatamente, a na turez de suas
preocupações mentais, absorvidas nas
lembranças do trágico desfecho da sua vida sentimental,
como apreciaremos mais adiante.
Não nos permitiremos reproduzir, nestas páginas, o
drama integral a que assistimos, vivo e patético, repro

duzido, pela palavra espiritual da entidade, com todas as minúcias da boa forma
literária terrena, não obstante muito deixasse a desejar como literatura espiritual.
E, assim agindo, nada mais fazemos do que observar ordens dos mentores
espirituais, pois a dita história, sofrendo a rejeição desses vigilantes amigos,
conquanto se apresentasse dramática, profunda e comovente, não poderia ser
apresentada ao público sob os auspícios da Doutrina Espírita. Diremos, todavia, a
título de curiosidade, para observação e meditação do leitor, que o exposto por
zBeletrista», como sendo o seu drama pessoal, é a história de uma jovem terna e
sonhadora, abandonada pelo marido no segundo ano dos esponsais, o qual a ela
preteriu pelas aventuras incertas de uma vida sem responsabilidade; a quem um
sedutor, após, impele a faltar com os deveres de dignidade pessoal, e que, em
consequência, se torna mãe de uma linda criança, que era o seu enlevo e o
consolo das amarguras diárias provindas da lamen táve
situação. Mas, esse primeiro amante, brutal e tirano, torna-lhe a vida infeliz e
tormentosa e a separação se impõe como necessidade inadiável. Surge, então,
tBeletrista», amoroso e sentimental, amando-a devotadamente pelas suas
próprias desditas, qual generoso e romântico salvador.., mas, a quem ela não
poderá desposar, porque as leis civis, no Brasil, não o permitem, visto ser casada
e não ser admitido o divórcio em nossas sociedades... Amam-se, entretanto, e a
felicidade embala seus corações, durante algum tempo... pois que, em breve,
ressurge o espectro do passado, na pessoa do primeiro amante, que entra em
lutas despeitadas e tentativas violentas para desunir o casal e arrebatar-lhes a
criança... Arrebata-a, com efeito, depois de mil proces.

aos angustiosos, muito embora não consiga destruir a terna afeição que une os
dois apaixonados... Mas, Maria Elisa, não suportando a dor de viver sem o filho
querido, exausta de tantos desgostos e desilusões, impacienta.

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DEVASSANDO O INVISIVEL

DEVASSANDO O INVISÍVEL 161


-se, enquanto «Beletrista» se desdobra em esforços para reaver o entezinho
adorado... e, num momento de dealento e saudade, suicida-se, incapacitada para
continuar lutando. Desesperado, inconsolável, traumatizado pelo golpe
irremediável, «Beletrista» adoece e sobrevém a neurastenia...
*
**
Uma vez terminada a narrativa, extraída dos refolhos do seu ser, o que quer dizer
que ele, o expositor, Liveu novamente, intensamente, todos os seus atrozes
lances, e ainda desfeito em lágrimas, como no próprio dia em que, regressando
dos serviços da sua clínica, encontra Maria Elisa morta, com o revólver ao lado e
uma bala no coração, estendida sobre um tapete de sangue já coagulado, o infeliz
amigo desencarnado perguntou-nos:
— «Quando poderemos escrever esse drama? Acredite, minha senhora, seria um
refrigério para o meu coração poder escrevê-lo!»
Ponderamos-lhe, porém, que o drama, que tanto o atormentava, além de encerrar
uma história brutal e, por assim dizer, vulgar em nossos dias, quando os jornais
diàriamente apresentam à publicidade dezenas de dolorosos casos idênticos, não
estampava o caráter moral e doutrinário exigido para uma obra espírita:
— «Rogo-lhe procurar-me amanhã... Pedirei instruções aos meus conselheiros
espirituais. . . Nada poderei decidir sem ouvi-los. . . »
Ele acompanhou-me cavalheirescamente, de retorno
ao corpo carnal, não mais pronunciando, sequer, um monossílabo.
Na noite imediata, ainda no próprio «Posto Mediúnico» onde atendíamos aos
trabalhos de receituário, num
intervalo dos mesmos, durante o qual permanecíamos à
6
162 DEVASSANDO O INVISÍVEL
espera de novos prováveis pedidos, mas ainda em prece e meditações,
apresentou-se o nosso amigo da véspera, a procurar a resposta prometida.
Recorciamo-nos de que, então, se encontrava profundamente precupado e triste,
o que nos compungiu, infundindo-nos a ideia de elevar uma súplica a Jesus, em
sua intencão. Não obstante, ele nada dizia, nem interrogava, permanecendo
discreto, em humilde silêncio. Compreendendo que não podíamos deixar de
atendê-lo, travámos uma conversação telepática, tão vivaz, precisa e fiel, que nos
parecia ouvir-lhe o murmúrio da voz, ou das vibrações mentais, que se afiguram
ao médium uma perfeita voz humana, retratando até mesmo o tom vocal
característico da personalidade que as emite. Dissemos-lhe, pois:
— «Meu irmão! Muito me penaliza declarar-lhe não me ser possível servir de
intermediária para o seu ditado
aos homens!»
Continuou em silêncio e nós prosseguimos:
— «Sim, porque uma obra patrocinada pela Doutrina Espírita há-de apresentar
também as conclusões morais, o ensinamento instrutivo das consequências dos
erros praticados pelas suas personagens... Na sua triste história — perdoe-me
dizê-lo — existe adultério generalizado e suicídio. . . mas nenhuma exposição
moral analisando ambos... Existe amor e martirológio, mas nenhuma concepção
doutrinária em torno dos fatos expostos. .. Como obra humana, de escritor terreno,
seu valor igualmente seria relativo, pois que o assunto, em si, é a repetição de
cem casos diários ocorridos em nossas sociedades, que preferem viver à revelia
do respeito a Deus... Todavia, poderia ser literàriamente bela, comovente, dado
que fôsse escrita com verdadeira arte.
Mas, como obra mediúnica, seria falha, quiçá nociva. ..»
— «Nega-se, então, a rue auxiliar?. . .> — exclamou, agastado, excitalo.
— «A auxiliá-lo não me negarei jamais! Terei, mes

DEVASSANDO O INVISÍVEL
mo, imenso júbilo em ser-lhe útil, de alguma forma... Porém, tenho
responsabilidades que talvez o amigo desconheça... as quais me impedem
atendê-lo no presente caso... Para que pudesse ser patrocinado pela Doutrina
Espírita, seu drama precisaria reportar-se ao passado espiritual das personagens
nele revividas, avançar pelo Invisível a dentro, investigando as consequências
espirituais das delinquências cometidas... acentuar a catástrofe que se abate
sobre o Espírito infeliz que praticou o suicídio... Suas páginas, meu irmão,
deveriam conter conceitos que consolassem o leitor, sujeito sempre a múltiplos
infortúnios, e que se desespera ou desanima ante as lutas cotidianas, conceitos
sorvidos nos Evangelhos do Divino Mestre, que lhe apontassem, ainda, alvitres
felizes do Consolador prometido, ou Espiritismo, para remediar suas próprias
tribulações... ao passo que observei ontem, em sua longa exposição, que nem
uma só vez o nome de Deus foi pronunciado! Por tudo isso, com a leitura do seu
drama, tal como foi narrado, as criaturas colocadas em situação melindrosa, na
vida de relação, sômente encontrariam, em suas páginas, o desânimo. o
desespero, ocasionando o suicídio, a inconformidade e a paixão incontrolável,
gerando a neurastenia e a descrença, que igualmente conduzem à morte
prematura. . . »
A entidade visitante bateu com força, com o punho fechado, sobre a mesa onde
trabalhávamos, e onde o Evangelho do Senhor se encontrava exposto, e retrucou,
contrariada:
— «Mas... a obra será boa, na sua estrutura realista, será comovente, dirigida por
um coração que sofre a outros corações que também sofram, para que se
reconfortem na certeza de que não são os únicos a sofrer!. . E será bem escrita,
garanto-lhe! Já disse que fui apreciado beletrista!. . . »
— «Não duvido, meu irmão, mas isso não será bastante! Nas obras literárias de
caráter espírita será ne /
lbi

164 DEVASSANDO O INVISIVEL


cessário algo mais profundo e rigoroso! O senhor, com esse drama, teria escrito
para o sensacionalismo dos livreiros, para sucesso dos mostruários, talvez, obra
forte, de um realismo brutal e contundente... e os médiuns espiritas sômente
deverão ser intérpretes de obras moral e espiritualmente educativas,
consoladoras.., ou, então, científicas, filosóficas. .
— «Vossa Exa. poderá assinar o seu próprio nome, visto que não me importa
permanecer à margem... Ninguém precisará saber que a obra foi mediúnica...
Poderá enriquecer, pois alegra-me poder concorrer para a sua abastança,
porquanto estou informado das dificuldades monetárias que a afligem... Garanto-
lhe inspiração e motivos sensacionais e inéditos, para uma fecunda literatura, ao
gosto da maioria do público! Entre os Espíritos, como eu, há dramas tenebrosos,
inacreditáveis, inconcebíveis, ricos de emoções e originalidades, e isso agrada
sempre o leitor, e produz renome! Eu lhe contarei tudo, escreverei pela sua mão!
Obterá um nome famoso na literatura nacional e quiçá no estrangeiro, glória,
fortuna, admiração, adoradores!. . . »
— «A Doutrina Espírita ensina aos médiuns, meu irmão, que a fortuna de um
intérprete do Invisível será a paz da consciência, e que a sua glória estará no
dever cumprido, perante as leis de Deus, como na renúncia ao mundo pelo amor
ao Bem e à Verdade... Eles não poderão visar jamais a quaisquer lucros
pecuniários, com a sua produção mediúnica... porque, se assim procederem,
estarão incorrendo em penalidades graves perante a própria consciência e a
santidade do mandato que lhes foi confiado... Não me atraem, portanto, o renome
que poderia conquistar com os favores que o irmão, muito bondosamente,
pensaria em conceder-me, nem glórias terrenas e tão-pouco «os tesouros que a
ferrugem possa consumir e os ladrões roubar, tal como advertiu nosso Divino
Mestre... Dentro da Doutrina Espírita, somos

DEVASSANDO O INVISIVEL
reeducados no desinteresse dos bens temporais. .. Todavia, tenho uma coisa para
lhe dizer.. .>‘
— «Diga-a...»
— «Porque não inspira os beletristas terrenos, não espíritas, que desejariam
glórias e fortunas?... Partindo do princípio psíquico de que todos os homens são
influenciáveis pelo mundo espiritual, talvez esse alvitre viesse ao encontro dos
seus desejos, visto não desejar aparecer como o verdadeiro autor dos trabalhos a
serem escritos. .
A resposta foi viva, peremptória:
— «Não, não quero! Esses não me servem! Desfigurarão com suas próprias ideias
e conceitos pessoais o que eu desejaria expor... Já o tentei várias vezes... mas
deturparam quanto lhes soprei aos ouvidos... O trabalho tornou-se ridículo,
detestável. . . »
— «Permite, então, um conselho?. . . »
— «Que importa meu destino, para que me deseje aconselhar?... Pois se me nega
o favor de. . . »
— «Importa-me muito profundamente o seu destino! A Doutrina que professo exige
do seu adepto o fraterno interesse pela sorte de todas as criaturas, as quais
passamos a considerar irmãs muito queridas. . . Quero, por isso mesmo, vê-lo
feliz, meu irmão, recuperado, primeiramente, para Deus e para si próprio, e depois
para as Belas-Letras e a sua Maria Elisa. . . »
— «Oh! Crê, então, que, um dia, reencontrarei Maria Elisa?. . . »
— «Certamente que a encontrará! Depois que ambos se reajustarem aos rígidos
princípios do dever e após resgatardes os débitos contraídos durante os desvarios
das paixões, oriundas da descrença em Deus! Encontrá-la-á, novamente, sim, que
dúvida! desde que seu sentimento foi sincero, apesar de infeliz e
desequilibrado. . . »
«Aconselhe-me. ..»

or, com dos lia forte,


médiuns
s moral então,

165

nome
• NinPopara a ftculdapiração da liteos Estáveis, e isso ie connome ngeiro,

e, meu ei será dever


leia ao LO pos, com rocedeerante ie lhes ae que muito as ter- possa nosso somos

«Faça, de início, um esforço para se acalmar

166 DEVASSANDO O INVISÍVEL


esquecendo o passado, para só tratar do futuro, esquecendo as Letras, o amor
infeliz! Como vê, é necessário, em primeiro lugar, a renúncia! E ore! O amigo não
deverá esquecer que não mais é um homem, e, sim, um Espírito! Espiritualize-se,
portanto, alçando a mente, todas as suas energias e vontades, para o Mundo
Espiritual, ao qual pertence! E o primeiro passo para a grande renovação que se
impõe na sua individualidade é a prece, a meditação em torno das Ciências
Celestes e não em torno do amor de uma mulher; o estudo da Filosofia Espírita..,
pois essa Filosofia é universal, abrange a Terra, os Espaços sem fim, os mundos
siderais, a alma das criaturas, o coração de cada um de nós... Procure adaptar-se
ao conceito do amor a Deus e ao próximo... e calque nas profundidades do
pensamento a saudade dos fatos que o torturam... Nesta casa, meu amigo, ora-
se, estuda-se e trabalha-se, inspirando-se no amor de Deus e do próximo... Foi
médico na Terra?... Ainda o é no Invisível, porque o sagrado patrimônio intelectual
de cada um de nós é bem imortal, que jamais perderemos! Aqui, a esta casa,
acorrem doentes, como poderá verificar.. . Acabo de solicitar, dos médicos do
Além, receituário para seus diferentes males físicos... Ajude-nos a aliviar suas
dores, curando suas doenças físicas para, mais tarde, poder aliviar, também, os
males morais de outros tantos enfermos. .. Ore conosco, assistindo
metàdicamente a nossos estudos e meditações.
Convido-o, mesmo, a estudar diàriamente comigo, no silêncio do meu aposento,
que conhece... e preste atenção aos ensinamentos contidos nos livros que leio e
nos que me dão as nobres entidades espirituais, que me concedem a honra dos
seus ditados mediúnicos... Depois... Depois, meu amigo, o caminho a trilhar por si
mesmo se descortinará, permitindo a paz que há faltado ao seu coração, até
hoje...»
Nada respondeu, mantendo-se em triste silêncio. Con

167

DEVASSANDO O INVISÍVEL
servou-se respeitoso, durante a prece para encerramento do receituário. Retirou-
se vagarosamente, e por alguns instantes ainda nossa visão espiritual distinguiu-o,
caminhando ao longe, por ama estrada ligeiramente inclinada, polvilhada de uma
substância creme e meio cintilante
E pareceu-nos que chorava...
*
Não mais tornámos a ver essa individualidade espiritual, ou sequer tivemos
notícias dela. Não indagámos, jamais, do seu paradeiro aos instrutores espirituais
que nos assistiam. Mas, não a esquecíamos. Orávamos em sua intenção, durante
nossos trabalhos, e a convidávamos a acompanhar-nos nos estudos diários das
obras espíritas, que sistemàticamente fazemos até hoje. Não mais pressentimos
sua presença, nem qualquer intuição informativa a seu respeito. Quatro anos
depois da sua visita, no entanto, ou seja, pelo ano de 1934, fazíamos a secção
Sociais» para um jornal semanário do interior, de propriedade de um dos nossos
irmãos. No momento de empunhar a caneta para traçar as primeiras linhas
daquele noticiário, alguém do Invisível, que não conseguíamos identificar,
arrebata-nos o braço, atira a caneta para o lado, toma do lápis e traça velozmente
uma pequena novela, intitulada «Deodato», posteriormente publicada, em
folhetins, por um conhecido jornal espírita do Rio de Janeiro. Esse trabalho, com
todos os característicos dos ditados mediúnicos, recebido em momento impróprio,
sem que nos houvéssemos preparado sequer com uma prece, sem que ao menos
tivéssemos pensado em qualquer categoria de Espíritos, foi traçado tão
ràpidamente que não pudemos interrompê-lo senão para trocar de lápis, e
quando, finalmente, a entidade comunicante modelou a última frase, e exclamou,
como de hábito em trabalhos congêneres:

— «Ponto final! »

IL

168

DEVASSANDO O INVISiViL

Não apôs assinatura. Certa de que, absolutanieiite, não seria de nossa lavra a
produção literária que acabávamos de compor, pois que sàmente escrevemos sob
influência dos Espíritos, ainda quando o trabalho se afigure nosso, como acontece
com o presente volume, rogámos à entidade, enternecida, sentindo ainda a sua
presença e a ternura que nos invadiu, dulcificando nosso coração:
— «Querido irmão, muito agradeço a benevolência da vossa presença... com a
mimosa dádiva literária com que me presenteais... Que o Senhor vos ilumine e
abençoe, tornando-vos feliz na Espiritualidade. . . Tende a bondade de assinar o
vosso trabalho. . . »
Esperávamos, mas a entidade quedava-se silenciosa
e esquiva. Repetimos a súplica:
— «Tende a bondade de assinar... Um trabalho anônimo, de Além-Túmulo, não
tem valor.., e não poderá ser publicado. . . »
Então o visitante «falou>’, docemente, e confessamos que, de certo, um
embotamento singular nos obscurecia as intuições, até o momento presente, em
que escrevemos estas páginas, impedindo-nos reconhecer o Espírito que então
nos visitava, pois que, realmente, apenas neste momento somos informada,
quando o é também o leitor, de que o autor espiritual da novela «Deodato», escrita
em 1934, fora o amigo «Beletrista». Respondeu-nos ele, porém, naquela época,
sem que o identificássemos:
— «Assina tu mesma... Presentejo-te com ela... Eu não desejo aparecer. . . »
Ora, chegando a esta altura do presente capítulo, que nos está surpreendendo
mais do que ao próprio leitor, eis que o venerável Espírito do Dr. Bezerra de
Menezes, um dos patronos espirituais do Centro Espírita de Lavras, pela época
em que lá militávamos, e onde, pela primeira vez, falámos ao amigo «Beletrista»,
irradia até nós seus pensamentos, avisando-nos de que dirá algo a

45

DEVASSANDO O INVISÍVEL 169


respeito. Atendemo-lo, comovida, oramos, esperamos... cedemos-lhe o lápis...
Vejamos o que dirá o amado Espírito que, do Além, como outrora, sobre a Terra,
tantas lágrimas soube enxugar nos corações sofredores:
— «Há vinte e sete anos, quando a ti foi exigido o testemunho do Desinteresse,
que integra a série de provas programadas pela Iniciação constante dos métodos
da Escola de regras orientais a que teu espírito é subordinado, esse irmão, que
cognominas de «Beletrista», sofredor, mas amável, bem intencionado, mas
espiritualmente incompetente, e ansioso por algo sublime que o renovasse,
norteando-lhe os passos na jornada espiritual, foi o indicado para a tentação que
seria mister sofresses, como Espírito delinquente perante o Evangelho,
necessitado de testemunhos renovadores ante as leis eternas. Mercê de Deus,
cumpriste o dever de aprendiz, desinteressando-te dos haveres e glórias do
mundo, com a discrição conveniente ao Espírito iniciante na Verdade. Afinado com
os teus próprios sentimentos e ideais, «Beletrista» não só te vem discretamente
acompanhando durante esses vinte e sete anos, sob nossa vigilância, como muito
aprendeu contigo mesma, referência feita aos estudos e práticas da Doutrina, que
nunca negligenciaste, pois que ele aceitou o teu antigo convite, para acompanhar-
te nesses misteres. Como médico que foi na Terra, muito se dedicou agora, como
Espírito desencarnado, aos enfermos e aflitos que às tuas possibilidades
mediúnicas solicitavam receitas e indicações para tratamento da saé de, o que
quer dizer que os tratou e curou por teu intermédio, sem que te apercebesses de
que era ele que o fazia! Ele fêz mais, porém: como intelectual que também é,
amante e cultor das Belas Letras, muitas crônicas, artigos e até «conferências»
que escrevias e lias, outrora, em reuniões de estudos espíritas, escreveu-as ele
com o teu lápis e a tua mão, servindo-se das tuas faculdades de intuição. Eu,
porém, ou alguém por mim, fiscalizava

170 DEVASSANDO O INVISIVEL


e presidia tais atividades.. . pois «Beletrista» é meu pupilo espiritual, a quem muito
quero, e que preparo e reeduco para nova existência carnal. Propositadamente,
obstávamos intuições e esclarecimentos concernentes ao caso... E’ bom que o
médium ignore muitos acontecimentos em que toma parte, como agente
transmissor da Espiritualidade, a fim de que a vanglória e a pretensão, sempre
fáceis de se infiltrarem no caráter humano, não lhe anulem as possibilidades
prematuramente, antes de ele próprio se servir dos ensejos que recebe, e que lhe
são de justiça, para as tentativas de progresso. Não ignoravas tratar-se de ditados
mediúnicos intuitivos os trabalhos literários que obtinhas sem assinatura. Mas, 08
que te cercavam, amigos, familiares, companheiros de ideal, julgavam tratar-se de
produções da tua própria mente... Seria ainda, de algum modo, um testemunho
grave, onde seriam provados os teus pendores para a simplicidade ou a
vaidade.. . como também seria um aprendizado indispensável ao pobre sofredor,
que iniciava a própria reeducação à luz do Consolador e precisava progredir...
Graças à bondade do Mestre, que nos socorreu, vencemos todos! «Beletrista»
terminou o curso e reencarnará quando desejar, para novos testemunhos, que
implicarão sua renovação para o domínio do Espírito. Se quando, outrora, ele a ti
se dirigiu pela primeira vez, tentando convencer-te a anuir aos seus intentos,
oferecendo-te «fortuna» e «glória», tu o tivesses atendido, resultaria de tal conluio
uma obsessão para ti mesma, a qual possivelmente redundaria em suicídio, pois
que terias exposto as tuas faculdades, positivas como são, à forças inferiores do
Invisível, visando a interesses mundanos, pois, então, serias abandonada ao teu
livre arbítrio; e, para ele, agravo de responsabilidades e situações futuras
precaríssimas, pois que «Beletrista», pela época, ainda não se encontrava em
condições de desempenhar um ministério espiritual de tal gravidade. . . Vejo, p0-

é meu pu‘preparo e
Fdamente,
entes ao acontecismissor da pretensão,
mano, não
, antes de
e que lhe Não ignovos os tra Mas, os nheiros de ua própria es temunho res para a
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iue nos sou o curso stemunhos, o Espírito. imeira vez, itos, ofereatendido, ti
mesma, ois que teo são, às esses munlivre arbíe situações pela época,
sempenhar Vejo, p0-

DEVASSANDO O INVISÍVEL

171

rém, a interrogação em teu cérebro: — E o suicídio por ele praticado?...


Não houve, exatamente, um suicídio, na expressão costumeira do termo, visto
que, pela época do seu de- cesso físico, ele se encontrava totalmente presa de
graves distúrbios nervosos, além de obsidiado pela entidade suicida Maria Elisa, a
qual, reconhecendo-se viva em Além-Túmulo, negava-se a abandoná-lo, afeita ao
elo sentimental que os unira... Ele, portanto, não teve intenção de matar-se, não
premeditou o suicídio, nem mesmo assistiu com os próprios sentidos ao ato que
praticou. E, assim sendo, não houve o drama consciencial, ou seja, a
responsabilidade de consciente infração a uma lei da Natureza, no sentido lato do
termo. Caberá, portanto, ao obsessor a maior dose de responsabilidade no
lamentável fato. Todavia, a consciência acusa-o de infrações outras, das quais
resultaram a neurastenia e o desequilíbrio da própria personalidade, que deram
causa à obsessão e ao suicídio, como ao respectivo estado de penúria moral no
mundo invisível. E quando uma rede de tais complexos agrilhoa a consciência de
um Espírito desencarnado, só existirá para ele um recurso: a correção dos
distúrbios íntimos, dentro de uma reencarnação reparadora! Este noticiário, que a
ti surpreende, será, portanto, como a sua despedida, pois voltará muito breve a
uma nova morada carnal. Agradece-te ele o que, como médium, a seu benefício
fizeste sem o saberes, dentro dos ensinamentos do Consolador.. . Vinte e sete
anos de estudo, de meditações e trabalhos, de lágrimas e experiências, nas
paisagens da Pátria Espiritual, em conjugação com a Terra, reabilitaram-no
plenamente, para que dele esperemos vitória decisiva no futuro aprendizado
terrestre. E eis aí, minha amiga, as grandes tarefas que a todos nós, encarnados e
desencarnados, o Consolador confia: reeducar as almas frágeis, da Terra e do
Invisível, enxugar as lágrimas da aflição, acender nos

DEVASSANDO O INVISÍVEL

corações, entristecidos pelas amarguras desesperadoras, a divina lâmpada da


Esperança, nortear os passos do caminheiro da Vida ainda vacilante, elevar a
criatura, finalmente, para a glória da harmonização consigo mesma e com as leis
do seu Criador, para o triunfo na

vida imortal!»

**

Aqui, ao nosso lado, agora, desenha-se a figura perispiritual do antigo e bom


amigo «Beletrista». Que dif erença daquela com que se nos apresentou há quase
trinta anos! Vaporosa, fluklicamente bela, rejuvenescida, quase translúcida, agora
encanta e enternece, porque recorda um poema de dores e de lágrimas, de
trabalho e de progresso, de boa vontade e dedicação, drama acerbo que a
Doutrina do Senhor remediou e consolou! Seu sorriso, no entanto, é ainda triste e
seu semblante é grave. Apóia o punho fechado sobre a mesa em que estas linhas
são traçadas — exatamente como, há vinte e sete anos, na mesa do «Posto
Mediúnico», onde terminávamos o receituário, dele ouvíamos a «tentação» para
escrever sob seu controle mental, assinando nós mesma as produções que nos
desse, a fim de adquirirmos «fortuna» e «glória». Fita o papel, sorrindo, lendo o
que escrevemos.., tal o velho hábito de participar dos nossos estudos e labores
espiritistas... E dizemos-lhe, confiante, antigos amigos que somos:
— «Dá-me o teu nome agora, para que o transmita ao leitor. . . »

Aproxima-se... Puxa-nos docemente a orelha... e responde, com aquele sorriso


grave, que comove:
— «Curiosa!... Como tu és mulher!... Anseio por

uma reencarnação que me leve a esquecer esse nome... e até a minha própria
personalidade atual... Como que-

172

res que eu os relembre ao mundo?. .

DEVASSANDO O INVISÍVEL 173


Fêz um gesto para retirar-se, traindo certo amargor
com a recordação. Mas a nossa descaridosa impertinência o detém, e indagamos
ainda:
— «E... Maria Elisa?. .
Bate com o punho fechado, brandamente, sobre a mesa, suspira, comprime os
lábios num ríctus denunciador de contrariedade. Parece que esses gestos lhe
eram habituais durante a vida carnal... E responde:
— «Bem... A misericórdia do Eterno foi grande bastante para se estender sobre as
suas imensas desgraças.., e a bondade paternal do venerando Dr. Bezerra de
Menezes foi a intermediária de que Deus se serviu, a fim de socorrê-la...»
E l se vai «Beletrista», caminhando, a passos lentos, por uma estrada suavemente
inclinada, sempre a mesma, mas agora como que esbatida por cintilações de
opala...
Vemo-lo ainda, muito ao longe.., quando nada mais
há a fazer senão preces amigas pela sua vitória final...

CAPITULO VIII
Sutilezas da Mediunidade
“Para conhecer as coisas do mundo visível e descobrir os segredos da Natureza
material, outorgou Deus ao homem a vista corpórea, os sentidos e instrumentos
especiais. Com o telescópio, ele mergulha o olhar nas profundezas do espaço, e,
com o microscópio, descobriu o mundo dos infinitamente pequenos. Para penetrar
no mundo invisível, deu-lhe a mediunidade.”
(ALLAN KARDEC — “O Evangelho segundo o Espiritismo”, Cap. XXVIII, n9 9.)
Acreditamos sinceramente que a mediunidade, nas suas profundidades e
verdadeiras potencialidades, ainda é desconhecida dos estudiosos espíritas. O
próprio médium não a compreenderá, não obstante sofrer suas influências e ser
acionado ao seu influxo, até mesmo no desdobramento da vida prática. Basta ser,
a mediunidade, o resultado de um jogo transcendente de sensações e
percepções, uma indução de forças intelectivas sobre outras forças intelectivas e
também perceptivas, para compreendermos que se trata de uma faculdade
profunda, complexa, vertiginosa, em suas possibilidades singulares. Se todas as
faculdades, ou atributos da alma — a que Léon Denis denomina «Potências» —,
conhecidas dos homens, estão como que interligadas entre si, dependendo umas
das outras na contextura que realiza a individualidade integral, completando-se,
harmonizando-se, a mediunidade, como participante desse conjunto de «Po

— .—
DEVASSANDO O INVISÍVEL 175
tências», igualmente estará tão integrada na estrutura
psíquica das criaturas quanto as demais, fazendo parte,
como vemos, do potencial anímico global que traduz a
individualidade imortal, razão pela qual ficou dito que —
todas as criaturas possuem mediunidade.
Tais «Potências», ou forças, são, segundo sabemos
até o momento (possuimos, além dessas, outras preciosas
faculdades, que não se revelarão no estado de encarnação
[e ou no d2 evolução espiritual medíocre), e conforme de nominaçã
-i Psicologia moderna, as «funções conscien ciais»
que poderemos agrupar em quatro categorias bá iO
sicas, a saber: funções intelectivas, funções sensoriais,
funções afetivo-emocionais e funções perceptivas, das
do quais se salientam, então, a Memória, a Razão, o Dis cernimento
a Atenção, o Pensamento, a Vontade, o Sen timento
a Imaginação, etc., etc. E se as possibilidades
desse agrupamento de forças imortais se desdobram ao
infinito, também a mediunidade, como participante dessas
as funções (sensoriais e perceptivas, ao que a observação
da indica), possuirá possibilidades de ação e sutilezas ain d
desconhecidas dos estudiosos atuais. Muitos médiuns
sabem disso, embora sem compreenderem bem o que com
eles se passa. Muitas vezes, receoso de não ser acredi tad
pelos amigos mais íntimos, e temendo ver-se con e
siderado ridículo ou pretensioso, guarda o médium o
re segredo das mais belas revelações que lhe são facultadas
ra por vontade exclusiva dos mentores espirituais, ou por
ação mecânica da própria faculdade, que naturalmente
desencadeia os acontecimentos, mesmo à revelia do mé
dium. Geralmente, perseguido, criticado sem piedade até
as dentro do próprio lar, e também pelos adeptos da pró pri
Doutrina, enche-se ele de complexos e timidez, que
fl 1 tendem a perturbar, quando não impossibilitam, mui to
fenômenos que poderiam realizar-se para edificação
‘o- geral. O Espiritismo — a Terceira Revelação de Deus
aos homens — é obra da mediunidade; será bom que de

DEVASSANDO O INVISÍVEL

tal não se esqueçam aqueles que preferem ver charlatães e intrujões nessas
pobres almas que, para conseguirem do Além o que vem dar corpo à Doutrina
Espírita, têm de morrer para si mesmas, sacrificando-se durante a vida inteira e
chorando lágrimas de testemunhos acerbos, visto que nenhuma criatura, qualquer
que seja, se afinará plenamente com a Espiritualidade, para o feito mediúnico, por
entre risos e alegrias e modo de viver dispil cent
e cômodo

Tal como os demais médiuns, tivemos encobrir do público, e até de amígos


íntimos, formos. s revelações e até profecias, como noticiários de Além-Túmulo
que, posteriormente, foram confirmados. Pode-se, mesmo, afirmar que o que de
mais grandioso e belo o médium obtém e conhece, da vida espiritual, lhe é vedado
declarar aos companheiros de jornada terrena. Não obstante, se somos daqneles
que se vêem forçados a ocultar muito do que recebem e conhecem do Além,
também somos impelida, pelos instrutores espirituais, a dizer algo de quando em
vez, pois que nem tudo poderá ser encoberto

sem prejuízo da Revelação, e, muitas vezes, o que um médium revela favorece


ensejos para estudos profundos, descobertas e elucidações transcendentais
impottantíssimas, que tendem a testemunhar a veracidade do Espiritismo

Há cinco séculos, quando o Bispo de Beauvais, durante um interrogatório, indagou


de Joana d’Arc se São Miguel lhe aparecia desnudo, ao que ela, prontamente,
respondeu tambem interrogando: «Pensas que Deus não tem com que vesti-lo?»
—, condenaram-na à morte na fogueira, como feiticeira e herética, por não darem,
em absoluto, apreço às sublimes manifestações mediúni ca
por ela apresentadas. Hoje, porém, pelo menos os espíritas sabem compreender e
considerar os fatos do Invisível em torno da grande médium, assim como não
ignoram que não apenas as vestes dos Espíritos-Guias

176

.——..——
DEVASSANDO O INVISÍVEL 17T
harlatães de Joana, mas de todos os Espíritos desenearnados, que
seguirem desejem apresentar-se ornamentados, são tecidas com
Lrita, têm o poder do Pensamento e da Vontade, agindo sobre o
te a vida fluido universal; e que essas roupagens, por vezes belís rbos
vis- simas, com que os médiuns costumam vê-los, são divisa-
afinará das quer em vigília, quer durante os transes a que estes
o mediú- forem submetidos. Entendemos que a resposta de Joa
displi- na ao Bispo de Beauvais assume grande valia nos dias
atuais, quando a ciência transcendental já nos levou a
encobrir compreender o que Deus possui para vestir os habitantes
velações do mundo espiritual, ou seja, os elementos fluídicos,
LU1O que, material» sobre que agem o Pensamento e a Vontade
mo, afir- dos desencarnados. Assim sendo, não desprezaremos
rn obtém anotar pequenos detalhes da mediunidade que, mais tar ara
aos de — quem sabe? —, como acontece no presente à res
se so- posta de Joana ao seu algoz (resposta que só após cm riuit
do co séculos foi devidamente compreendida), poderão ser
mos im- também de utilidade para esclarecimento do leitor, e
algo de servir, outrossim, de ponto de partida para estudos e
ricoberto meditações em torno de tão magnífico assunto.
que um
fundos, 1
tantíssi l
Espi- No ano de 1915, no correr de memorável sessão a
que assistiram nossos pais, em seu próprio domicílio, na
ais, du- cidade de São João Dei-Rei, em Minas Gerais, e na qual
se São servia o médium Silvestre Lobato, já falecido — o me amente
lhor médium de incorporação por nós conhecido até hoje
e Deus —, o Espírito do Dr. Bezerra de Menezes anunciou o
morte advento do Rádio e da Televisão, asseverando que este
darem, último invento (ou descoberta) facultaria ao homem,
ediúni- mais tarde, captar panoramas e detalhes da própria vida
flOs os no Mundo Invisível, antecipando, assim, que a Ciência,
tos do mais do que a própria Religião, levaria os espíritos mui-
no não to positivos a admitir o mundo dos Espíritos, encami s-Guia
nhando-os para Deus. A revelação foi rejeitada pelos

178 DEVASSANDO O INVISÍVEL


componentes da mesa. O médium viu-se acoimado de invigilante, convidado a
orar e vigiar, e o Espírito comunicante «doutrinado» como mistificador e
perturbador da ordem e do bom-senso. No entanto, parte da profecia já foi
cumprida. E não será difícil que a segunda parte o seja também, quando o homem
se tornar merecedor da graça de entrever o Além-Túmulo através do seu aparelho
televisor...
2
Os médiuns espíritas que se entregam à oratória, sempre veemente e
profundamente inspirada, não recebem, precisamente, as intuições no momento
em que discursam, ao mais das vezes, como nem sempre o seu instrutor espiritual
estará presente ao seu lado, na tribuna. O que frequentemente acontece é que, já
possuidor do necessário cabedal, embora não seja, verdadeiramente, um orador,
na véspera desse trabalho, ou poucas horas antes, o médium será arrebatado em
espírito por seu Guia espiritual, durante o sono, para o Espaço. Fornece-lhe as
instruções para o discurso; fá-lo discursar em sua presença, imprimindo na mente
do seu pupilo o característico da sua própria oratória; exerce sobre ele, enfim, seu
intérprete, a sugestão hipnótica, ou <hipnose». Ao despertar do sono, o médium
estará tranquilo, sentindo algo indefinível dentro de si, sem, todavia, recordar o
que se passou durante o seu repouso. Mas, no momento da oratória, esta será
«repetida» exatamente como foi delineada e autorizada no Espaço, com eficiência
e agrado geral, sem que o médium vacile por um instante, na eloquência assim
adquirida. E’ por isso que o estilo deste ou daquele Espírito, se conhecido dos
assistentes, chegará a ser reconhecido, para edificação de todos.., Daí a
necessidade, que todo médium orador sente, de se recolher e isolar horas antes,
ocasião em que,

DEVASSANDO O INVISÍVEL

179’

viu-se acoimado de inar, e o Espírito comucador e perturbador da Lto, parte da


profecia que a segunda parte se tornar merecedor ulo através do seu
e entrega.n à oratória,
te inspirada, não rece momento em que disnem sempre o seu insao seu lado, na
tribuna. é que, já Possuidor do seja, verdadeiramente alho, ou poucas horas
eui espírito por seu ara o Espaço. Fomeo; fá-lo discursar em nte do seu pupilo o
atória; exerce sobre ele,
o hipnótica, ou <hipnoLédium estará tranquilo,
de si, sem, todavia, re seu repouso. Mas, no repetida» exatamente
no Espaço, com eficiêndium vacile por um insrida. E’ por isso que , se conhecido
dos as- ido, para edificação de todo médium orador antes, ocasião em que,

geralmente, se deixa vencer por um sono ameno e reconfortador...


As melhores palestras que nos foi dado realizar, sobre assuntos espíritas,
concederam-nas os nossos amigos espirituais, por essa forma, muito embora no
momento do testemunho, ou «reprodução» da peça oratória, costumem eles
exercer uma certa vigilância em torno do. médium. Será bom, por isso mesmo,
para maior grandeza desse feito mediúnico, que os ambientes dos Centros.

Espíritas não sejam alterados por quaisquer acidentes profanos.

Existem obsessões produzidas pela hipnose, durante- o sono natural. O médium,


ignorante das próprias faculdades, e que, no caso, em geral não será espírita,
deixa-se dominar por um inimigo invisível, durante o sono.

Afina-se com o caráter deste e recebe suas ordens ou sugestões, tal como o
sonâmbulo às ordens do seu magnetizador. Ao despertar, reproduz, mais tarde,
em ações da sua vida prática, as ordenações então recebidas, as quais poderão
levá-lo até mesmo ao crime e ao suicídio. Será prudente que a oração e a
vigilância sejam observadas com assiduidade, particularmente antes do sono
corpóreo, a fim de proteger o médium contra esse terrível perigo, pois que isso
favorecerá uma como harmonização de sua mente com as forças do Bem, o que
evi- tará o desastre. O Mundo invisível é intenso, e nem

tudo ali será beleza, espiritualidade, fraternidade, fio— res... Também a inveja, o
ódio, o despeito, o ciúme, o crime e até o sensualismo existirão no Invisível,
rodeando nossas almas e tentando-as, durante a emancipação concedida pelo
sono natural. Os atributos da alma, por sua vez, são profundos, complexos e
poderosos, e, quando mal orientados, poderão ocasionar calamidades ao.

DEVASSANDO O INVISÍVEL

nosso derredor. O estudo da personalidade humana, como o da individualidade


espiritual, a reeducação moral através dos ensinamentos evangélicos,
esclarecendo a criatura quanto a si mesma, abrem-lhe um horizonte novo, onde o
equilíbrio geral acarretará o domínio de toda e qualquer situação a que sejamos
arremessados por força do progresso a realizar.

Em determinadas ocasiões, sem que conheçamos as razões, transes singulares


sobrevêm com nossas faculdades mediúnicas, ignorando nós se o mesmo
acontecerá aos demais médiuns. Nós que, comumente, tantos esforços
despendemos a fim de conseguir boa harmonização com os amigos invisíveis,
para o feito psicográfico, sibitamente, por vezes em plena rua, durante um passeio
ou um giro necessário, somos surpreendida por um

estado singular: nosso espírito como que se distende, elevando-se algo da


matéria, para viver simultâneamente da vida material e da vida espiritual. Advém,
então, um estado crítico, algo penoso, ruas ao mesmo tempo delicioso,
reconfortador. Então, o que nos rodeia, pertencente ao plano terreno — o casario,
as paisagens, o arvoredo, os jardins, as próprias vias públicas —, se nos afigura
profundamente mais belo e delicado, porque envolvido em tons de luz especial,
levemente azul.
Julgamos tratar-se, essa luz, de modificações do próprio fluido universal que
sabemos disseminado pelo Infinito. Não obstante, reflexos dourados como que
contornam as paisagens, julgando nós, ainda, tratar-se de irradiações do Sol, que,
combinadas com o fluido azul, produzem um majestoso efeito de luz,
acontecimento de que o Espaço infinito está repleto, pois os efeitos de luzes
combinadas, a coloração de mil essências e fluidos, em variados estados,
existentes no Espaço, são maravi 180
INVISflT

DEVASSANDO O INVISÍVEL
lhas que os homens não concebem, mas que o Espírito, principalmente o
desencarnado, em estado normal vibratório elevado, desfruta a longos haustos. O
verde das nossas folhagens, a policromia das nossas flores são, assim, mais
brilhantes e mais formosos, e dir-se-ia que tudo o que nos cerca se mostra sob
uma «quarta-dimensão», pois que tudo quanto nossa visão possa abranger,
durante esse transe, como que se destaea da própria atmosfera, tornando-se em
magnífico alto relevo. Não encontramos vocábulos apropriados para poder bem
descrever o que então se passa. Mas, o que é bem certo é que, contemplada
pelos olhos espirituais, ou pela visão mediúnica levada a esse gênero de transe, a
Terra é profundamente mais bela e aprazível do que se apresenta à visão física-
material comum, O mesmo fenômeno observámos quando nossos Guias, ao
prepararem o volume «Memórias de um Suicida», nos levaram à cidade do Porto,
em Portugal, em corpo astral, fazendo-nos contemplar o Cais da Ribeira, com sua
movimentação típica, e o rio Douro, com a magnífica ponte D. Luís, cuja existência
ignorávamos. No Porto, no entanto, os coloridos eram mais vivos do que os
entrevistos no Rio de Janeiro.
Em ocasiões tais, alterações significativas se dão em nossa personalidade. As
criaturas humanas nos aparecem como meras sombras. Seremos capaz, porém,
de reconhecer amigos e conhecidos. Mas, tememos eneon- trá-los, acometida do
singular terror de que nos cumprimentem e nos falem, pois não poderíamos
corresponder-lhes. Temos a impressão de que, se nos falassem, terrível choque
adviria, causando-nos grande mal. Vemos, no entanto, nitidamente, os Espíritos
desencarnados e lhes falamos longamente. Quantas vezes, sob esse estado,
temos perlustrado as ruas do Rio de Janeiro, ouvindo o que nos dizem Charles,
Chopin, nossa mãe e outros amigos espirituais, cujos nomes ignoramos em vi-

onalldade humana, como a reeducação moral atra.ricos, esclarecendo a criafli-lhe


um horizonte novo, tará o domínio de toda e arremessados por força

181

sem que conheçamos as evêm com nossas faculs se o mesmo acontecerá


Colflumente, tantos esConseguir boa harmonjpara o feito psicográfico, a rua,
durante um pasos Surpreendida por um como que se distende, viver
simultâneamente drituaJ. Advém, então, mas ao mesmo tempo o que nos rodeia,
perasario, as paisagens, o vias públicas —, se nos e delicado, porque
enlevemente azul.
z, de modificações do emos disseminado pelo dourados como que
nós, ainda, tratar-se das com o fluido azul, luz, acontecimento de O, pois os
efeitos de ali essências e fluidos,
Espaço, são naaravi1

DEVASSANDO O INVISÍVEL

gília, mas que sabemos gravados ternamente em nosso coração espiritual! Essas
conversações, no entanto, jamais são recordadas ao findar do transe.
Esquecemo-las completamente, para nos lembrarmos apenas de que fruímos feliz
convívio com os bons amigos do Além, cuja solicitude nos reanima para novas
etapas terrenas. Todavia, tais estados nos causam profundo abatimento físico e
uma como sonolência deprimente, enquanto nossas feições endurecem e nossos
dentes se cerram como se nos ameaçasse o fenômeno cataléptico.

Mas . . estarão eles, realmente, os bons amigos, caminhando conosco pelas ruas,
uma vez que o fenômeno
se verifique durante algum giro que fazemos?
Será mais provável que não! Estarão além, com os pensamentos e as irradiações
voltados para nós, enquanto que a sutileza da nossa própria faculdade,
igualmente distendida à sua procura, se prestará ao extraordinário feito. E nem se
suponha que haverá perigo para nossa vida, ao atravessarmos a via pública, por
mais movimentada que seja, porque, em tais circunstâncias, sentimos maior
segurança ao nosso redor e dispomos de maiores recursos, para nossa própria
vigilância, do que no estado normal.

Como classificar esse fenômeno, ou transe?. Não sabemos. Apenas registamos o


fato, afirmando a grande
felicidade que fruimos nos momentos em que ocorrem.

não obstante tratar-se de um estado algo penoso, pois são as duas vidas que se
entrecruzam, num panorama

Nosso amigo espiritual Charles assevera que as sutilezas da nossa faculdade


mediúnica prestam-se sobremaneira ao domínio obsessor. Estaríamos, portanto,
irre 182
duplo...

DEVASSANDO O INVISÍVEL 183


mediàvelmente perdida para as tarefas deste mundo, se,. carregando tais
particularidades mediúnicas, não tivéssemos nascido em ambiente espírita para,
desde muito cedo, cultivarmos a faculdade à luz do Evangelho do Cristo e sob as
diretrizes sadias do Espiritismo codificado por Allan Kardec. E afirma ele, também,
que os manicômios terrenos estão repletos de pobres criaturas consideradas
enfermas irremediáveis, quando apenas são portadoras de faculdades
mediúnicas, e isso porque a Medicina oficial e as religiões não se dignam explorar
a ciência da alma humana e suas potências, pois tais enfermos seriam fàcilmente
curados, quer por uma ou pelas outras, se elas se dessem ao sublime
empreendimento de investigar os arcanos da Espiritualidade, como o faz o
Espiritismo. Por isso mesmo, no que particularmente nos diz respeito, houve
mister de os nossos Guias nos prepararem com operações perispirituais
melindrosas, a fim de resistirmos aos embates mediúnicos, visto que nossas
tarefas obrigatórias implicariam o convívio espiritual com os níveis inferiores do
Mundo Invisível, onde proliferam elementos perniciosos, capazes de infiltrar a
obsessão por mil formas diferentes, e até involuntàriamente, sem quaisquer
desejos de nos prejudicar. Tal operação perispiritual, inteiramente psíquica, era
usada outrora entre iniciados hindus e egípcios, antes de se confiarem à prática
dos mistérios, ou seja, o intercâmbio com os chamados mortos... e foi levada a
efeito tendo em vista que pertencemos, desde séculos, àquelas falanges orientais.
. . Assevera Charles, ainda, que, por tudo isso, nós outros, os espíritas,
deveremos empreender todos os esforços para difundir a Doutrina Espírita entre
os homens, sob o critério sadio com que o Céu no-la tem revelado, visto que
sàmente ela estará em condições de resolver os múltiplos problemas que
desorientam a Humanidade.

184 DEVASSANDO O INVISIVEL


6
Não faria juízo muito justo dos filhos de Deus aquele que supusesse ser um
obsessor entidade generaliza -dament malévola. Certamente que a gradação
desses pobres delinquentes é quase infinita. Caberiam num volume o estudo e a
classificação dos Espíritos obsessores com quem temos tratado desde o início das
nossas tarefas mediúnicas. E’ possível que existam aqueles verdadeiramente
réprobos, que há séculos permanecem nas sombras do Invisível, incapacitados
até mesmo de se comunicarem mediinicamente, cuja truculência vibratória
aniquilaria um médium, se dele se aproximassem. Não os vimos jamais, porém.
Até o presente, o mais pernicioso obsessor que conhecemos, aquele que nos
chegou a apavorar, do qual fugimos espavorida, em corpo astral, foi certa entidade
que perseguia uma doente (obsidiada), internada em uma Casa de Saúde espírita,
de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Apresentava-se trajada com hábito religioso,
inteiramente negro, parecendo tratar-se de uma ex-freira, pois fora mulher, quando
encarnada.
E’ singular uma particularidade entrevista em nosso longo tirocínio mediúnico: os
obsessores que, quando encarnados, foram mulheres, são profundamente mais
endurecidos, odiosos e temíveis do que os que foram homens. Porquê? Ainda não
lográmos esclarecimentos. Será porque seja a mulher mais irremediàvelmente
atingida, quando ofendida, do que o é o homem? Existirá, na mente feminina,
imaginação mais fecunda do que na mente masculina, e essa maior intensidade
imaginativa a tornará mais feroz nas atrocidades das vinganças contra os
desafetos?
Eis um campo para interessantes investigações psicológicas espíritas.
Entretanto, aquela entidade obsessora, em se apresentando envolvida num hábito
religioso, denunciando-se

JJJVAA1NL)O O INVISIVEL 1-85


como antiga freira, escondia o próprio rosto, as mãos e os pés, a fim de não ser
identificada, ardil de que geralmente se servem os obsessores mais maliciosos.
Escondia-os, porém, sobrepondo-lhes hedionda máscara de caveira, com mãos e
pés de esqueleto, procurando infundir terror ou impressões fortes. Suas vibrações
eram de tal forma violentas que se tornavam realmente enlouquecedoras.
Obsidiava a pobre mulher, cujo precário estado não permitira jamais esperanças
de cura, perseguindo-a de cem formas diferentes, desde a juventude, e
destroçando-lhe, mais tarde, até mesmo o lar, antes da possessão completa.
Penalizada ante a provação da pobre irmã obsidiada, orámos a seu benefício, ao
termos notícia do seu drama, sem, contudo, procurar visitá-la em seu hospital,
visto sermos proibida, pelos mentores espirituais, de visitações aos manicômios.
Não obstante, ousámos fazê-lo em corpo astral, levada pela compaixão à pobre
enferma, mas desacompanhada dos Guias e Protetores, visto existir proibição dos
mesmos também para esse melindroso feito. Avistando-nos, porém, a obsessora
enfureceu-se, investindo contra nós e perseguindo-nos em correria desabrida,
obrigando-nos a uma fuga espetacular.., e sômente nos abandonou quando, já
despertando da letargia do transe, elevámos o pensamento em prece, na súplica
de socorro a nosso próprio benefício e a benefício dela mesma. Parece que tais
Espíritos perdem de vista o médium, ao cessar o transe mediúnico, nos casos que
obedeçam àquela modalidade.
No dia imediato, dissemos a um familiar da obsidiada:
— «Dominada por semelhante obsessor, a pobre irmã não se curará, jamais!»
Pois bem, falharam as nossas previsões! A entidade obsessora foi retirada logo
depois, a contra-gosto! Não se converteu ao amor e ao perdão, é certo. Não se
arrependeu do mal que vinha praticando, não se enterneceu

186 DEVASSANDO O INVISIVEL


ante os desbaratos infligidos à sua vítima do presente, certamente algoz do
passado. Mas seu livre arbítrio foi tolhido e ela se viu forçada a abandonar a
presa, e esta foi recuperada para uma fase nova de evolução e progresso.
E’ que, sobrepondo-se às torpezas engendradas pela ignorância das criaturas que
se debatem nas espinhosas vias dos aprendizados evolutivos, existe a
benevolência suprema do Criador, capaz de operar tais milagres, a benefício
daqueles que derivaram das suas próprias essências eternas.
Não obstante, outros obsessores existem capazes de atitudes amistosas para com
outrem que não o inimigo do passado, do qual, comumente, se vingam.
Contamos, no Espaço, com a amizade afetuosa de vários Espíritos obsessores
que jamais nos molestaram, os quais, quando de uma série de amargos
testemunhos a que fomos convocada, vinham em visita até nós, oferecendo-nos
seus préstimos, para algo que precisássemos. Nada puderam fazer por nós, é
certo, visto ser o caso irremediável e não se encontrarem em condições de
interferir a nosso favor. Mas, o que é verdadeiro é que demonstraram desejo de
consolar e remediar nossas amarguras, e suas atitudes, consideradas muito
fraternas por nós mesma, tiveram o dom de reconfortar nossa alma e nos edificar
o coração, dado o encanto da revelação então obtida, a beleza do ensinamento aí
percebido: o Amor e o Bem cabem em toda parte, mesmo nos corações
delinquentes, e quando passam, conduzidos seja por quem for, deixam sempre
um traço harmonioso de legítimo benefício. Dá-se com muitas dessas entidades o
que se verifica na sociedade terrena: um homem possui inimigos, odeia-os,
prejudica-os quanto pode, assassina-os, se puder. Isso, porém, não impedirá que
estime a outros homens, que seja leal amigo de outros tantos, honesto em seus
empreendimentos sociais, etc.

DEVASSANDO O INVISIVEL 187


Sentimos grande compaixão e ternura por esses Espíritos. Geralmente, foram
grandemente ofendidos, no passado reencarnatório, por suas vítimas atuais, ou
mesmo na existência vigente. São, acima de tudo, grandes ofredores, tristes e
frágeis, dominados por angústias e terrores indescritíveis. Protegê-los através das
nossas preces enternecidas, elucidá-los com nossos conselhos diários, na
conversação telepática, envolver seus infortúnios com a fraternidade sorvida nos
Evangelhos, é também servir a Jesus e propagar sua Doutrina, porque é recuperar
a ovelha transviada para o redil do Bem. Ao reencarnarem, essas almas, que
também são emanações do Todo-Poderoso, procurarão o berço natal em
ambientes espíritas, agradecidas pelo socorro que receberam dos adeptos da
magna Ciência e esperançadas na própria redenção, que lhes acena dos códigos
imortais do Espiritismo.
Que os médiuns espíritas-cristãos não se arreceiem
deles. Nenhum mal lhes ocasionarão, se eles próprios,
os médiuns, se harmonizarem com a luz. E que os amem
e protejam, como quereríamos que todos nos amassem,
e nos víssemos nas suas deploráveis condições.
7
“... da mesma forma por que os físicos e astrônomos são levados a admitir que as
vibrações luminosas percorrem o espaço infinito sem jamais se extinguirem, assim
também se poderia admitir a persistência virtual de toda a forma de vibrações
cósmicas.
E como, além de tudo, os estados da matéria e as vicissitudes dos organismos
vivos se resumem numa sucessão de vibrações sui generis do éter, conclui-se que
eles devem continuar a existir no estado virtual ou potencial, em uma ambiência
qualquer — a chamada por Myers metaetérjca — de onde os sensitivos poderiam

188 DEVASSANDO O INVISÍVEL


extrai-los e interpretá-los, graças à “relação” estabelecida entre eles e a ambiência
receptora.”
(Ernesto Bozzano — “Os Enigmas da Psicometria”, VI Caso, pág. 41.)
Nenhum espírita ignora que a Psicometria é a faculdade, que o médium possui, de
descrever os acontecimentos em torno de uma criatura, particularidades, mesmo,
de sua vida, desde que em contacto direto com um objeto ou coisa pertencente à
referida pessoa. Essa faculdade, estranha e bela, ainda pouco estudada, vai ao
extremo de permitir ao médium sentir e descrever as impressões de pequenos
animais, de vegetais e até da matéria inanimada.
Ernesto Bozzano, já por nós citado várias vezes, refere-se, em sua encantadora
obra «Os Enigmas da Psicometria», à médium inglesa Edith Hawthorne, que, em
contacto com uma pena arrancada a um pombo-correio, após longo voo, e um
pequeno galho de árvore, descreveu as impressões do pequeno animal durante o
mesmo voo, assim como acontecimentos desenrolados no próprio local em que se
erguia o pombal, ao passo que igualmente descrevia, não sômente o que se
passaria com a árvore, isto é, o seu desenvolvimento, a florescência, a distribuição
da seiva e a expansão das raízes, etc., mas também as impressões de vermes
que viviam no subsolo, onde se erguia a árvore, prenunciando mesmo, com cinco
horas de antecipação, o motivo da inquietação dos vermes, ou seja, o
desabamento do subsolo onde se achavam, motivado pelas escavações de uma
galeria de minério da região. Tudo rigorosamente estudado e comprovado pelos
experimentadores, que residiam em Dudley, Inglaterra, onde a médium jamais
fora, pois que residia em Londres.
Outra médium psicômetra, Elizabeth Denton, em contacto com uma lasca de
pedra recolhida de uma região

DEVASSANDO O INVISIVEL 189


de minério de chumbo (Wisconsin, EE. UU.), descreve a história da mesma pedra
desde que foi arrojada das profundezas de um vulcão, durante uma erupção,
relatando, tal se fôsse a mesma pedra, os sucessos com esta ocorridos através
dos séculos. Note-se que as médiuns ignoravam, às vezes, os objetos que lhes
apresentavam para serem psicometrados, pois houve, em certas experiências, o
cuidado de ocultá-los, envolvendo-os em algodão ou retendo-os em embrulhos ou
caixas muito bem atadas. Analisada por vários pesquisadores, essa mediunidade
foi constatada real, não obstante os mistérios que envolvem suas possibilidades.
Ora, sendo a mediunidade, em geral, ao que se observa, uma sensação ou uma
percepção, participante de determinadas funções da consciência; e sendo estas
entendidas como potências da alma, que traduzem a sua individualidade,
acreditamos que todas as criaturas sejam dotadas dessa faculdade, em grau
maior ou menor, dependendo de um estado mais ou menos acentuado de
desenvolvimento, ou experimentação. Todavia, parece-
-nos que, no estado de desencarnação ou de desprendimento espiritual, esse
atributo da nossa individualidade anímica emerge espontâneamente, visto que, no
que a nós própria respeita, certos acontecimentos, desenrolados durante aquele
segundo estado, parecem confirmar nossa impressão.
*
**
Durante o desprendimento parcial, sob ação dos nossos mentores espirituais,
temos tido ocasião de «visitar» (não encontramos termos apropriados para
esclarecer o que então se passa) animais como o boi, o cavalo, o cão e o gato.
Verificámos que o fluido magnético, o elemento etéreo em que se acham eles
mergulhados, como

DEVASSANDO O INVISÍVEL

seres vivos que são, são os mesmos que penetram os homens, onde estes se
agitam. Daí essa correspondência vibratória, que faz o ser espiritual do homem
compreender o ser do animal, senti-lo, assim como aos demais remos da
Natureza. . . pois será bom não esquecer que somos essência de Deus e, como
tal, possuiremos, todos, essa capacidade, para aplicação da qual apenas nos será
necessário certo desenvolvimento vibratório, ou psíquico. Ora, aqueles animais,
por nós sentidos e compreendidos no estado de semidesprendimento espiritual, se
afiguraram ao nosso entendimento e à nossa razão quase como seres humanos,
sentindo nós, por eles, viva ternura e até profunda compaixão. Um deles, o boi,
chegou mesmo a ver o nosso fantasma, pois se assustou quando nos achegámos
a ele e lhe acariciámos a enorme cabeça. Nossos mestres hindus, que têm
predileção pelos estudos da Natureza e pelas pesquisas sobre a evolução da
alma, levam-nos, às vezes, a visitar matadouros de gado. E o sofrimento que aí
contemplamos envolvendo os pobres animais, as impressões dolorosas de
surpresa, de terror e de angústia que eles sofrem, e que se infiltram pelos
meandros da nossa própria alma, não seriam maiores nem mais penosas, talvez,
se se tratasse de simples seres humanos. Quanto a outros animais, aos vegetais
e à matéria inanimada, nada adiantaremos, uma vez que não temos lembrança de
os ter «visitado». Mas, a impressão que guardámos das quatro espécies citadas
foi profunda e enternecedora, como de semelhantes nossos Desses exames, o
menos agradável às nossas recordações foi o do gato, cujas vibrações traduziam,
ao nosso entendimento psíquico, «sentimentos» bem mais inferiores do que os
outros.
Parece que tais estudos, transcendentes e de pouca aceitação sobre a Terra, a
par da Cosmologia e outros, empolgantes, profundos, como a Astronomia, a
Arqueologia, etc., fazem parte da iniciação superior a que so 190
DEVASSANDO O INVISÍVEL 191
mos chamados, e que tanto serão permitidos ao Espírito desencarnado como ao
encarnado, durante o sono, dependendo apenas da sua aplicação ao estudo e da
vontade de progredir, daí advindo, então, as descobertas que, de quando em vez,
surpreendem o nosso Globo.
*
.* *
Cuidaremos, a seguir, da «Psicometria de ambiente», a qual, à revelia do
sensitivo, lhe permite rever, em um ambiente qualquer, as ocorrências ali
verificadas muito antes, às vezes mesmo há séculos.
Visitámos, certa vez, uma amiga de nossa família, cuja residência, muito antiga,
de aparência senhorial, datava do Segundo Império. Tratava-se de uma chácara,
já arruinada, localizada em adiantado subúrbio do Rio de Janeiro. Nossa visita,
que se estendeu por seis dias consecutivos, necessàriamente nos obrigou a
pernoitar na dita residência outras tantas noites. Não nos foi possível, porém,
conciliar o sono na primeira noite ali passada, enquanto que nas subsequentes
apenas pela madrugada repousávamos ligeiramente, o que nos debilitou,
alterando a saúde. E’ que o que ali acontecera durante a escravatura, pelos
meados do Segundo Império, nos foi revelado pela própria ambiência onde os
fatos ocorreram, fotografando-se as imagens, provàvelmente, nas ondas etéricas
de que trata o Sr. Myers.
A chácara fora uma fazenda de escravos. Assistimos ali, então, a cenas típicas da
escravatura: desapareceram as ruas atuais que estruturam o bairro, a paisagem
que compõe o panorama do momento. Às nossas percepções espirituais
(estávamos em vigília, o que víamos não era como em sonho nem durante os
transportes, mas em nosso estado natural, embora estando já recolhida), se
delineara a fazenda antiga, as senzalas, os milharais,

penetram os correspondênhomem com- como aos de- não esquecer


, possuiremos,
da qual apenas
o vibratório,

ou

Om poi
iciáni
ituai,
razão
por eles, viva
deles, o boi, chese assustou
Ds a enorme
predileção pelos
nhre a evolução
de
Lplamos envolvendo orosas de surpresa,
rn, e que se infilseriam
de sim vegeliantaremos uma vez «visitado». Mas, a
o espécies citadas foi
semelhantes nossos.
às nossas recordatraduziam, ao nosso
i bem mais inferio endente
e de pouca Dosmologia e outros, tronomia, a Arqueo superior a que so

192 DEVASSANDO O INVISIVEL


o canavial, a movimentação cotidiana, acompanhada do cântico dolente e
magoado dos escravos, que iam e vinham, em suas lides obrigatórias, sobraçando
pesados cestos ou carregando à cabeça sacos ou feixes de lenha e ferramentas,
ou batendo enxadas, etc. Toda a excitação de um dia de trabalho, numa pequena
propriedade rural, objetivou-se aos nossos olhos espirituais, atônitos, que não
chegavam a compreender o que se passava. No pequeno pátio lateral, para onde
deitavam janelas e portas do aposento que ocupávamos, separado do terreiro
fronteiro por um muro, típica obra de cantaria que denunciava o labor do braço
escravo, vimos uma escrava trajada de saia preta e camisa de algodão cru, lenço
branco à cabeça, mexendo, com enorme colher de pau, em um grande tacho de
cobre, cujo conteúdo refervia sobre um fogão de pedras e tijolos, no próprio chão,
parecendo tratar-se do «sabão de cinza» fabricado em casa, o que era comum
pela época, e, até há bem pouco tempo, em certas cidades do Estado de Minas
Gerais. Outra escrava, no mesmo local, em plano aéreo pouco mais elevado,
surrava, com uma palmatória, um «moleque», provàvelmente seu filho, regulando
oito a dez anos de idade, o qual, de bruços sobre seus joelhos, esperneava,
gritando sem parar. E vimos um velho escravo atado ao pelourinho pelos pulsos,
para o suplício do chicote, o qual chorava e gemia angustiadamente, invocando o
socorro divino:
— «Meu Deus do Céu! Meu Anjo da Guarda! Tenham dó de mim!» — enquanto se
repetiam os estalidos
do chicote, acionado pelo capataz (29).
(29) Não fora a assistência de nossos Guias Espirituais e, ainda, a “operação
pslquica” para imunização do médium, a que já nos referimos, e estas cenas,
suportadas por nossa faculdade durante seis noites consecutivas, provàvelmente
teriam alterado nosso sistema de vibrações mentais, ocasionan
DEVASSANDO O INVISÍVEL 193
,companhada do E surpreendemos ainda, cremos que perfeitamente
materializada, e não retratada nas ondas etéricas, uma
que iam e vi açand
pesados dama de aspecto senhorial: esbelta e bonita, com longos
feixes de lenha e amplos vestidos em tafetá azul-forte, cabelos muito ne Tod a
exci- gros e luzidios, penteados com esmero, brincos de pin m propriedade gentes
de ouro, tão compridos que lhe iam quase aos
ituais, atônitos, ombros, colar amarelo, reluzente, como de ouro, um laço
se passava. No de veludo negro ornando o topete dos cabelos. E até
i janelas e por- mesmo o ruge-ruge do tafetá e das saias engomadas
ido do terreiro ouvimos, quando de suas idas e vindas pela casa, pas antari que
de- sando por nós como se se tratasse de uma pessoa. Tais
cenas e movimentação, no entanto, eram confusas, como
)S uma escrava
)dão cru, lenço incrustadas umas nas outras, sem sequência lógica ou
colher de pau, enredo previsto.
nteúdo refervia No dia imediato à primeira noite que ali passámos,
próprio chão, participámos à nossa amiga, cujas ideias eram igualmente
fabricado em espíritas, a singularidade observada, tendo o cuidado, po h bem
pouco rém, de omitir os detalhes mais fortes, visto que pode-
Minas Gerais. ríamos não ser devidamente compreendida. Ouvindo-nos
o relato do velho escravo ao pelourinho, respondeu, exo aéreo pouco
ria, um «mole- citada:
oito a dez anos — «Esta chácara foi uma fazenda de escravos, ao
joelhos, esper- tempo do Império. Ainda existem, nos fundos do quintal,
i velho escravo as ruínas de um pelourinho. . » »
suplício do chi- Com efeito, levando-nos a uma pequena elevação exis ente
invocando tente nos fundos do extenso terreno, contemplámos o
pedestal, em cantaria pesada, ainda quase intacto, e os
restos da coluna onde eram amarrados os pobres negros,
La Guarda! Te a
os estalidos para serem açoitados.
Diante dessas ruínas, nossa alma chorou enterneci da elevando uma prece
fraterna em intenção do pobre
velho, cujo drama entrevíramos na véspera, narrado pelas
guias Espirituais ___________
ição do médium,
tadas por nossa do um gênero de obsessão. Nada nos sucedeu, porém, a não
rovàvelmente te- ser o aprendizado que fizemos com a providencial visita à
ntais, ocasionafl- nossa amiga.
7

194 DEVASSANDO O INVISÍVEL


próprias vibrações locais. .. e também pelo seu algoz, que, certamente, através de
uma reencarnação reparadora, andará pelas ruas do próprio Rio de Janeiro, a
exercer o Bem em desagravo das odiosas atitudes do passado...
Hoje, quase vinte anos após essa visita, no mesmo local ergue-se belo edifício de
apartamentos residenciais. Detalhe sugestivo e singular: nessa mesma residência,
algum tempo depois, o Espírito do Dr. Adolfo Bezerra de Menezes forneceu à
nossa visão espiritual quadros expositivos do seu romance, mais tarde ditado
através de nossa psicografia, «A Tragédia de Santa Maria», em cujas páginas
existem cenas do tempo da escravatura no Brasil.
*
**
Ainda no Rio de Janeiro, residimos, certa feita, numa casa que fora construída por
um velho casal de operários espanhóis. Numa dependência, aos fundos,
habitavam filhos e netos do mesmo casal, de idêntica nacionalidade. Ali, porém,
permanecemos apenas oito dias, dado que não nos foi possível conciliar o sono,
de forma alguma, durante aquele espaço de tempo. Cenas dramáticas: duelos,
lutas, assaltos a viajantes, assassínios, fugas precipitadas, a cavalo; carruagens
em disparada, casais em idílios muito suspeitos, se sucediam confusamente
diante de nós, causando-nos penoso mal-estar. As personagens, no entanto,
vestiam-se como no século XVII, e as cenas eram admiràvelmente coloridas.
Ambiente agressivo, que deprimia nossas faculdades, infundia-nos mortal
angústia.
Que singular mistério existiria nisso tudo? E por que razão, numa casa de
construção moderna, erguida no Brasil por indivíduos espanhóis, surgiam, nas
vibrações locais (ou «ambiência metaetérica», do Sr. Myers, como cita Bozzano),
cenas da Espanha do século XVII?

DEVASSANDO O INVISÍVEL 195


seu algoz, Uma única explicação nos ocorre, embora frágil, a
reparado- fim de atenuar a perplexidade que o fenômeno acarreta:
, a exercer Aqueles espanhóis ali residentes seriam as persona passado.. gens
turbulentas do século XVII. Os fragmentos dos
no mesmo dramas por nós entrevistos existiriam na sua subcons uidenciais
ciência; externavam-se por suas vibrações pessoais, ou
residência, «aura», e nossas percepções, apropriadas para a «psico f Bezerra
metria do ambiente», captaram fragmentos do que se
ai quadros havia passado, há três séculos, com eles próprios. Dado
do através que seja assim, tratar-se-á do mesmo fenômeno — «psi ‘1aria» em
cometria de ambiente» —, ou de uma derivação deste?...
seravatura No estado de desencarnação, esse fenômeno é comum:
cada um de nós trará consigo, visíveis aos seus afins ou
aos superiores, as peripécias do próprio passado. . . o
que não parece muito animador...
*
ieita, numa * *
operários
bitavam f Apresentada, certa vez, a um jovem cego, cujo rosto
Lonalidade. e mãos eram desagradàvelmente maculados de manchas
do que não brancas, naturais, como queimaduras, lemos, de súbito,
Iguma, du- em sua «aura» (e como que vimos a vida pretérita em
ticas: due- torno dele), o seu terrível passado de inquisidor espanhol,
igas preci- que perfurara os olhos dos condenados e os qieimara
casais em com ferro em brasa (30). Duas das manchas, que se
nte diante espalhavam pelo rosto desse jovem, abrangiam os olhos,
rsonagens, como sinal indelével do peso que oprimia a sua consciên as cenas eia
de Espírito sinceramente arrependido, que se reabili essivo que tava através da
Dor, sob o amparo do Consolador.
.1 angústia. De outro modo, em quaisquer localidades antigas que
lo? E por
erguida no -
vibra’ões (30) Identico fenômeno ocorreu com o médium Fran ci ’o Cândido Xavier,
ao ser apresentado à mesma persona yers como gem, no dia imediato, sem que
nós e ele, o médium, nos ti VII véssemos avistado e trocado ideias a respeito.

196 DEVASSANDO O INVISÍVEL


visitemos, desenha-se o passado das mesmas às nossas percepções mediúnicas.
Na cidade de São João Dei-Rei, em Minas Gerais, era frequente vermos, mesmo
à luz do sol, cenas antigas até pelas ruas: séquitos de antigas damas, que se
dirigiam às missas, em «cadeirinhas» carregadas por escravos; procissões do
«Santíssimo Sacramento», vibrando campainhas, destacando-se uma espécie de
guarda-sol muito amplo, em cores vivas, sob cuja sombra marchava o sacerdote
com o Viático, a fim de levar a extrema-unção a moribundos. Aquela cidade
mineira conserva em sua «ambiência metaetérica» cenas tão perfeitas e lógicas,
do tempo do Brasil-Colônia e dos dois Impérios, que seria possível a um médium
dotado da faculdade psicométrica, bastante desenvolvida, descrever episódios
que resultariam em sugestivas informações históricas. Detalhe significativo:
existem cenas que, melhor do que outras, se fixam na dita ambiência. As melhores
que temos observado datam de séculos..
E, numa localidade da Zona da Mata, ainda em Minas Gerais, passeando, numa
propriedade rural, por um vale extenso, marchetado de flores silvestres, de «lírios
do brejo» muito alvos e perfumados, e onde se assentava a estrada real e
serpenteava um minúsculo ribeiro, o qual se alongava pelo horizonte a fora,
tornou-se-nos visível, repentinamente, um rio caudaloso, no mesmo local por onde
caminhávamos, do qual soprava a mesma aragem que no momento sentíamos,
estendendo-se para além, em sinuosidades idênticas às do ribeirinho. Mais tarde,
engenheiros que o mesmo local visitaram, a serviço do Governo, após exames
demorados concluíram que, há uns quatro ou cinco séculos, aquele pequeno
ribeiro seria caudaloso rio, cuja passagem por aquele vale o fertilizara tanto que
ainda hoje toda a região é rica de humo, própria à produção de cereais, que
parecem explodir do seio da terra, sob as bênçãos do próprio Céu...
Oh! Que estranhos poderes existem latentes nos

DEVASSANDO O INVISÍVEL 197


arcanos da nossa personalidade espiritual, para que os
segredos que os séculos guardaram nos sejam assim re velados?... itigas Tinha
razão o Prof. Bozzano, ao afirmar que o mis car tério que envolve a psicometria é
desorientador...
Sacra- Cumpre-nos, porém, a nós outros, espíritas, estudar
specie nossas almas, originárias do Céu, procurando conhecê-las
a som- em todas as suas possibilidades, a fim de cultivarmos suas
e levar poderosas faculdades, que em nós traduzem a persona mineir lidade
divina com que o Criador Supremo nos dotou, ao
tao per- nos criar à sua gloriosa imagem e semelhança...
dos dois
tado da
lescrever
ções his
melhor
melhores
m Minas
um vale
lírios do
entava a
, o qual
visível,
ocal por
aragem
além, em
arde, enrviço
do
que, há
iro seria
o fertilile
humo,
)lodir do
ates nos

CAPrrULO IX
As virtudes do Consolador
“...pois que a morte é a ressurreição, sendo a vida a prova buscada e durante a
qual as virtudes que houverdes cultivado crescerão e se desenvolverão como o
cedro.”
“Venho instruir e consolar os pobres deserdados. Venho dizer-lhes que elevem a
sua resignação ao nível de suas provas, que chorem, porquanto a dor foi sagrada
no Jardim das Oliveiras; mas, que esperem, pois que também a eles os anjos
consoladores lhes virão enxugar as lágrimas.”
(ALLAN KARDEC — “O Evangelho segundo o Espiritismo”. Comunicações do
Espírito de Verdade, Cap. VI.)
“Não digo que isto é possível; digo: isto é real!”
WILLIAM CROOKES
No seu encantador livro «Joana d’Arc, Médium», que integra urna série magnífica
de exposições sobre o Espiritismo, Léon Denis, o inconfundível poeta da Terceira
Revelação, diz que — «Numa conferência que fêz no Instituto Geral Politécnico, o
Dr. Duclaux, diretor do Instituto Pasteur (Paris), se exprimia nos seguintes termos:
«Esse mundo (o espiritual), povoado de influências que experimentamos sem as
conhecer, penetrado de um «quid divinum» que adivinhamos sem lhe perceber as
minúcias, é mais interessante do que este outro em que até agora

DEVASSANDO O INVISÍVEL 199


se confinou o nosso pensamento. Tratemos de abri-lo às nossas pesquisas: há
nele, por fazerem-se, infindáveis descobertas que aproveitarão à Humanidade. »
Ora, ao relermos, recentemente, tal comentário, recordámo-nos de certo episódio
a nós narrado por pessoas de absoluta integridade moral, episódio no qual,
posteriormente, nossa faculdade mediúnica se viu espontânea- mente envolvida,
num encantador prolongamento de revelações. Relatemos, porém, os
acontecimentos, em forma literária, de modo a não fatigar o leitor.
No mês de Setembro de 1957, um simples acaso levou-nos a visitar respeitável
família residente em Belo Horizonte, a encantadora capital do Estado de Minas
Gerais. Os chefes dessa família, Sr. Antônio Augusto dos Santos e esposa, D.
Hormenzinda Santos, haviam perdido uma de suas filhas, menina de catorze anos
de idade, vivaz e afetuosa, inteligente aluna do «Sacré Cceur» daquela cidade. O
decesso da gentil adolescente ocorrera no dia 14 de Março de 1955, depois de
quatro longos meses de uma enfermidade dolorosa que zombara de todos os
recursos da ciência médica, torturando o coração dos pais, que viam definhar a
mimosa filhinha sem que um só alívio lhe pudesse ser ministrado. Por isso
mesmo, naquela manhã de Setembro de 1957, o Sr. Antônio Augusto dos Santos
e sua esposa ainda se confessavam intimamente abalados pelo drama que lhes
mortificara
risos cativantes da- flores, e cujo vulto e a descer as escado caprichoso jardim
ainda hoje. Traíam
ambos, pois, pesar e amargura, ao se referirem ao fato
doloroso, o que sobremodo comovia os ouvintes.
E’ bem certo que o médium, cujos labores, inerentes
á faculdade, se estenderam já por um período longo,
passa a adquirir percepções variadas e singulares, espé deserresigporliveiras
eles os lágri
coração, sofrendo a saudade dos quela que partira entre lágrimas e querido não
mais era visto a subir darias da casa ou colhendo as flores que sua mãe,
zelosamente, cultiva

que
de um «quid as minúcias, iue até agora
200 DEVASSANDo o 1.NVISIVEL
cie de uma visão toda especial, percepções que, em determinadas circunstâncias,
o levam a apreender não só algo do pensamento e das intenções alheias como
até mesmo as vibrações existentes nos locais visitados, permitindo-lhe captar
também detalhes que se relacionem com as passadas existências das
personalídades que neles vivem. Assim foi que, penetrando, pela primeira vez, o
solar da família Santos, edificação graciosa, em estilo colonial português, sem
conhecer qualquer dos seus membros e nada, absolutamente, que com estes se
relacionasse, nossas percepções mediúnicas, em vez de uma residência em estilo
colonial português, fizeram-nos entrever e sentir um estranho ambiente artístíco,
suntuoso e evocativo, mas no estilo da velha Tndia e não de Portugal, o qual nos
envolvia e penetrava como se o distinguíssemos através de quadros sugestivos
que outra vontade, independente da nossa, nos decalcava no íntimo do ser.
Sob tal injunção, cercavam-nos, não os aposentos confortáveis, modernos, que se
vêem no solar, mas velhas arcadas de estilo oriental, portas rendilhadas, como
jóias de filigranas, varandas com formosos balaústres, tetos esculpidos com altos
relevos reluzentes, como pintados a ouro, salões dourados com reposteiros
flexíveis, enfim, panorama íntimo tipicamente hindu, aristocrata, refinado. Uma
como vertigem engolfou nosso espírito; nossas energias mediúnicas, nos
primeiros momentos, se abalaram, premidas pela força vibratória do fenômeno,
alheando-nos do que em derredor se passava e impossibilitando-nos de
compartilhar a conversação durante os primeiros minutos. Refazendo-nos pouco a
pouco, não sem estranhar, porém, a singular visão que nos fora dado distinguir
através do sexto sentido, lembrámo-nos de que o Sr. Santos era português nato,
seus filhos brasileiros e sua esposa igualmente brasileira, descendente de
portugueses, não existindo, portanto, quaisquer razões que

DEVASSANDO O INVISIVEL 201


justificassem o panorama hindu estampado nas vibra çõe ambientes... A não ser
que se recorresse à ligação
de Portugal com a Índia, nos dias do passado, donde a
participação do Sr. Santos, ou de alguém de sua família,
em anteriores existências, poderia influir na aura espi ritua desse pressuposto
atuante do passado, daí advindo,
então, as percepções por nós sentidas.
Não obstante tais choques e estranhezas psíquicas,
calámo-nos, receosa de cometer urna impertinência ou
indiscrição se algo comunicássemos do que percebíamos,
abstendo-nos, pois, de quaisquer revelações ou indaga ções muito embora
soubéssemos ser o chefe do solar
visitado assaz simpático à causa espírita. De outro modo,
ue outra tantas são as impressões, visões, panoramas, descobertas,
no ínti- mesmo, que o médium obtém em cada local, para onde
as circunstâncias o requisitam, que, se os narrasse todos,
LpOSentos tornar-se-ia enfadonho, desacreditado, ridículo, conside ma ve- rado
fanático ou obsidiado.
as, como De passagem, acrescentaremos que, além do ambien Llaustres te
espiritual hindu assim percebido, sentimo-nos igual )m Plfl- mente envolvida por
uma singular influenciação artística,
flexiveis, pois a residência em apreço, vibratôriamente, é como um
stocrata, cenáculo de Arte Clássica, dado que um dos filhos varões
espirito; do casal Santos é jovem tenor de largo futuro, enamo ntos se rado da boa
música, já com duas excursões pelo estran nomeno geiro (Alemanha e Estados
Unidos); duas filhas, pinto imPoSsi ras de grandes dotes artísticos e fácil
inspiração, e mais
ante OS dois filhos varões, engenheiros arquitetos, donos de su ECO nao bido
valor profissional.
radad: Um grande retrato da menina morta, no salão de
asi1eios visitas, ornamentado de cravos brancos, em jarras mi-
de por- mosas, sobre um aparador estilizado, e ali disposto pelas
ões que carinhosas mãos maternas, despertou nossa atenção. Sor rident e
graciosa, trajando o clássico uniforme do seu
colégio, a morta parecia ali palpitar cheia de vida e en

cantos. Alguém dentre as visitas do dia indagou da dona

da casa:
«Como se chamava a sua filhinha, minha se-

nhora?..

Os olhos da saudosa mãe, azuis como dois retalhos luminosos do céu, se


ergueram para o perfil querido ali estampado, rebrilhantes de um discreto pranto,
enquanto seus lábios respondiam em voz pausada e terna:
— «Chamava-se Elizabeth... Mas nós a tratávamos de «Betinha»... Era a caçula
dentre as meninas. . . »
Com isso, vieram as confidências, os relatos amorosos dos pais saudosos sobre a
curta vida terrena da mimosa flor que não chegara a desabrochar completamente,
mil detalhes e pequenas particularidades que tecem o encantamento dos pais
afetuosos, sempre interessantes para o observador que procura distinguir, nas
nuanças diárias da vida, motivos preciosos para o estudo da harmonia plena com
que as leis do Criador tudo dispõem... Até que foi narrada a etapa final da vida
terrena de «Betinha», que se findara mansamente, pela madrugada... E sua mãe
continuou o relatório, não se detendo à menção do túmulo, mas prosseguindo
noutra fase que era bem o símbolo augusto da Ressurreição, que a todas as
criaturas humanas aguarda depois que o silêncio se debruça por sobre nossos
pobres despojos corporais, retornados ao seio da grande mãe Natureza para as
sublimes metamorfoses das espécies. Ouçamos, porém, na palavra de D.
Hormenzinda Santos, a formosa descrição do fato ocorrido após o decesso de
«Betinha», o qual motivou estas páginas, fato que, em sendo razão de conforto e
consolações para os demais corações maternos que se vejam em idênticas
circunstâncias, igualmente testemunha a verdade espírita, em condições
alentadoras, edificando o coração do crente e encaminhando as atenções para a
sublimidade da vida além do túmulo:

202

DEVASSANDO O INVISIVEL

DEVASSANDO O INVISIVEL 203


— «Minha filha contava catorze anos incompletos —
ia dizendo D. Hormenzinda, a voz pausada e delicada —,
quando os desígnios sábios da Providência lhe permitiram
adoecer e morrer. Desde algum tempo antes de contrair
a enfermidade que finalmente a vitimou, manifestara ela
desejos de que os seus futuros quinze anos de idade fôs se devidamente
comemorados, e todo o encantamento
do seu coração se voltava para esse sonho ingênuo, que
a empolgava de alegrias e prematuras emoções. Por isso
mesmo, fizera-me prometer que a presentearia com um
rico vestido de baile, para usar naquele dia, comprido e
ornamentado de muitas rendas e flores, e cuja cor de veri ser rosa. Firmado o
compromisso, sobre ele nos
entendíamos frequentemente. «Betinha> era a filha ca çul dentre as meninas que
tivemos, conforme já disse,
e era grato a todos nós, por isso mesmo, satisfazer-lhe
as vontades que fôssem razoáveis... Ela, porém, não
atingiu a idade dos seus sonhos, visto que faleceu aos
catorze anos jncompletos.
(Três dias após o seu passamento, no entanto, encon flã se trando-se toda a
família abalada e chorosa, como seria
indo noutra natural, um fato singular, belo e comovente — recor essurreição dando
os livros clássicos de filosofia religiosa de todos
depois que os tempos e países, bem assim os compêndios de Ciên ? despojos
cias Psíquicas firmados por eminentes sábios psiquistas,
Natureza que se dedicaram a devassar o Além-Túmulo, positivando
Ouçamos, a continuação da existência da criatura após a morte
0S, a for- do corpo carnal — veio demonstrar que nossa «Betinha»,
o de «Be- por quem chorávamos tanto, prosseguia viva e feliz como
em sendo dantes, porventura mais bela e venturosa ainda, conce sai cora- dendo-
nos a satisfação de permanecer ao nosso lado em
flStâncias, Espírito, sempre que possível e com a permissão de Deus.
condições (Minha filha Eunice, conquanto casada e residente
e encamj fora da Capital, permanecia conosco desde que o estado
além do de saúde da irmãzinha se agravara, e três dias depois
do trespasse da mesma ainda aqui permanecia, esperan

204 DEVASSANDO O INVISIVEL


do que a consternação geral se atenuasse, a fim de regressar ao seu domicílio.
Na noite em que se deu o acontecimento que passarei a relatar, dormia ela no
quarto de sua irmã Zinda, e nenhuma anormalidade fora pressentida,
conservando-se toda a família conformada com os desígnios divinos, não obstante
pesarosa e sofredora. Eunice, fatigada das lutas de quatro meses de enfermagem
junto da doente, pois frequentemente aqui estava, repousara tranquilamente
durante grande parte da noite, serena e confiante, sem quaisquer excitações
mentais. Pela madrugada, no entanto, despertou, reconhecendo-se perfeitamente
na posse de si mesma, observando, porém, estranha claridade no aposento, posto
às escuras. Sua irmã Zinda dormia pesadamente, como vencida por um torpor que
mais se assemelhava a profunda letargia de um transe mediúnico do que a um
sono natural. Si’ibitamente, porém, a elevar-se do solo cerca de um metro, talvez
mais, Eunice distingue um aglomerado de matérias sutis, como fumaça lucilante,
traindo colorações levemente amareladas, luminosas e muito delicadas. Pouco a
pouco, essa matéria, ou essência, que lembraria os cirros de Inverno, tomava
forma, imperceptivelmente... até que, no auge do assombro e do deslumbramento,
o duplo, ou corpo espiritual de «Betinha», cujas formas carnais jaziam sepultadas
desde três dias, apresentava-se na pie-. nitude da sua graça e beleza, trajando
lindo vestido de baile, cor de rosa, cujo modelo lembraria o clássico figurino
«Imperatriz Eugênia». A materialização era perfeita, acentuando particularidades:
rendas, fitas, flores azuis sobre o lindo tom rosa guarneciam a insólita
indumentária de Além-Túmulo...
«Admirada e feliz, Eunice tentava despertar a irmã, que continuava imersa em
profundo sono no leito fronteiro, para que igualmente desfrutasse o encantamento
da formosa aparição, recordando os pastores de Judá, que uns aos outros
despertaram, alta noite, ao se sur

DEVASSANDO O INVISÍVEL 205


re- preenderem com a manifestação celeste que lhes comu nicava o advento de
Jesus, na noite sublime de Belém.
Mas, Zinda está incapaz de despertar... apenas emite
S- longos gemidos, longos suspiros... pois que é ela a me dium de «efeitos físicos,
que ignora a própria faculdade,
porque não professa a fé espírita.., e que fornece ele-
na- mentos (ectoplasma) para a garantia da aparição. A
va, manifestação, no entanto, não foi demorada. Eunice, que 1 e, se atordoara em
presença do fato invulgar, a que jamais
assistira e que desconhecia, não teve a presença de espírito de rogar à irmãzinha
materializada que se deti vess assim, ainda por alguns instantes, enquanto des
pertari as demais pessoas da família, para que igual 1 mente contemplassem
«Betinha», ressurgida do silêncio
da morte para a todos provar a própria imortalidade.
Ainda assim, sem termos tido tempo de também a ver,
como Eunice a viu, conforta-nos saber que nossa filha
le- vive feliz na Pátria Espiritual, para onde todos regres saremo um dia, atingindo
a felicidade de uma perpétua
união com os seres amados que nos precederam!’>
Lté Calara-se D. Hormenzinda, e nossa pena não entrará
em comentários acerca do importante fato. Lembraremos
apenas, uma vez mais, o poder da vontade, a força men ta do Espírito recém-
desencarnado da graciosa «Beti nh , a qual, desejando, antes de morrer, um
vestido de
baile, de cor rosa, para ser usado na data do seu ani r versário natalício, três dias
depois do trespasse para a
vida espiritual apresenta-se assim trajada, em espírito,
para melhor se identificar e, também, com o fito de demonstrar a força da
personalidade conservada para além
do túmulo. E o fêz imprimindo nas sutis delicadezas
do próprio perispírito as formas da indumentária desejada, pois sabemos que o
corpo espiritual é impressionável, amoldando-se a todo e qualquer impulso do
nosso
r pensamento, o qual, por isso mesmo, nele poderá impri mi qualquer aparência
visível, desde que uma vontade

206 DEVASSANDO O INVISÍVEL


enérgica o acione. Aliás, não ignoramos que o Espírito poderá criar e modelar o
próprio vestuário, se o desejar, valendo-se de essências, fluidos e matérias
especiais do mundo invisível, os quais, para os efeitos da materialização, são
conjugados com os fluidos do médium.
— «Na manhã seguinte — acrescentara a narradora
—, Eunice, que é hábil desenhista e inspirada pintora, traça a lápis o retrato da
irmãzinha que a visitara em Espírito, reproduzindo o magnífico vestido de Além-
Túmulo, sem omitir um único detalhe, pois a aparição, muito nítida e caprichosa,
se decalcara poderosamente em sua retina mental, permitindo a reprodução
integral do que fora presenciado. . . »
E nós arremataremos: exatamente como agiu o pintor alemão Alberto Dürer, ao
desejar passar para a tela as imagens dos quatro evangelistas, após vê-las
materializadas no ar, da janela da sua água-furtada, e como os médiuns literários,
que, obtendo do Espaço, durante transportes mediúnicos ou transes felizes, pela
ação dos seus Guias Espirituais, a narrativa encenada de grandes dramas de
vidas humanas, os transcrevem em romances e belas historietas instrutivas, sob a
assistência dos mesmos Guias, para edificação dos leitores.
Espera a jovem pintora transportar o pequeno desenho para um quadro a óleo,
sobre o qual imprimirá as cores que lhe foram apresentadas durante a visão,
quadro que ficará como testemunho valioso de mais um lindo e comovente
fenômeno que o Consolador, prometido por Jesus, é pródigo em conceder aos
homens.
*
**
Passaram-se dois anos, durante os quais não tivemos
contacto com a família Santos. Em Abril de 1959, ne
entanto, visitando novamente a formosa capital de Minas
DEVASSANDO O INVISIVEL 207
Gerais, voltámos a visitar também os pais de «Betinha.
Durante o desenrolar da palestra, informaram-nos de que,
segundo um comunicado mediúnico obtido, a menina vi ver uma existência carnal
na tndia, em época não men cionada onde se devotara a certa missão, cujo
caráter
não fora revelado. Confessamos que não demos grande
pintora, atenção à informação. Tantos são os noticiários dessa
tara em ordem que nos chegam ao conhecimento, quer por via
LIém-Tú- mediúnica, ou através de relatos alheios, que, na maio-
o, muito ria das vezes nos desinteressamos deles. Esquecêramos,
em sua aliás, num espaço de dois longos anos, durante os quais
do que tantas peripécias se sucederam conosco, e em que ficámos
em notícias da família Santos, que nossas faculdades de
ii o pin percepção psíquica haviam registrado, em sua residência,
. a tela um ambiente etérico em estilo clássico hindu.
nateria- Não obstante, à noite, depois dessa visita e após ter-
e como mos adormecido, fomos despertada por uma graciosa me-
durante fina, em uniforme escolar, muito viva e prestimosa, a
ão do qual se apresentou voluntàriamente, dizendo:
randea — «Eu sou a «Betinha»... Venha... quero mostrar manc -lhe uma coisa...
Estou informada de que a senhora é
)S mes- protegida de uma falange espiritual de iniciados da Ín dia.. Eu também
sou.., e sei que apreciará o que tenho
no de- para mostrar-lhe. . . »
)rimirá Nos primeiros momentos, supusemos tratar-se de uma
o, qua- das meninas da casa onde nos hospedávamos, as quais
ri lindo usavam uniformes idênticos. Mas, encontrando-se pre d por sente o nosso
mentor espiritual Charles, que também é
iniciado hindu, depressa compreendemos o que realmente
se passava. Mergulhou-nos o nobre amigo em transe
letárgico e perdemos a noção de nós mesma durante um
período de tempo que tanto poderia ser de minutos como
de séculos, pois, quando nessa inconsciência, nesse lapso
vemos singular e intraduzível, o espírito do médium é absolu 59 tamente incapaz
de medir o tempo. Nem mesmo tem
Minas noção de longevidade ou de brevidade.

DEVASSANDO O INVISÍVEL

Ao recobrar a consciência, já desprendida das prisões carnais, vimo-nos de mãos


dadas com a gentil visitante espiritual, a qual, correndo, nos arrastava
travessamente na sua carreira, às risadas, muito contente. . . Levou-nos até à
casa paterna, justamente a mesma onde se dera a sua libertação para as
claridades do mundo espiritual. Mas, entrando no domicílio já por nós conhecido,
absolutamente não mais encontrámos a residência moderna e confortável, visitada
antes, mas um como solar hindu, majestoso qual visão das «Mil e uma noites»,
com arcadas e portas douradas, rendilhadas, magníficas colunas, pedestais e
capitéis muito artísticos, tudo atestando expressões de beleza invulgar em matéria
de arquitetura. Todavia, não se tratava de uma residência particular ou
pràpriamente edificação de Além-Túmulo, mas de «ideoplastia», configurando uma
casa de benefícios para crianças e gestantes, espécie de «maquette» espiritual,
construída por «Betinha», em proporções normais, no intuito

de forçar sugestões aos seus entes amados, para converterem-na em realidade


na Terra. Dormitórios, refeitórios, gabinetes cirúrgicos, vagidos de crianças recém-
-nascidas, médicos e enfermeiras em azáfamas incansáveis, indicaram tratar-se
de um hospital ou maternidade, segundo o que nos permitiam contemplar.
«Betinha», porém, agora em atitude grave, explicou:
— «Isto que aqui está é o meu mais caro sonho na Espiritualidade.. . o meu
programa do momento, porque a minha mais grata recordação do passado vivido
sobre a Terra, faz muitos anos... Foi essa a missão que realizei na Tndia (na
época, difícil e angustiosa missão!), onde existi no seio da aristocracia, sem poder
jamais esquecê-la! Na Índia, o sofrimento da mulher pobre

e miserável, como da criança, era o que de mais intenso se poderia imaginar, mais
doloroso e cruel do que em

outra qualquer parte... Eu sofria, contemplando tantas desgraças ao redor de mim,


enquanto gozos e venturas

208

DEVASSANDO O INVISÍVEL 209


me cercavam. Então, intentando aplacar as ânsias do coração e os rebates da
consciência, que me incitavam a uma ação benéfica a favor daqueles infelizes,
transformei a minha própria residência, na época, em hospital e asilo para
crianças enfermas, ao mesmo tempo que socorria as gestantes, amparando-as
quanto possível. Prendi-me à ideia, através do tempo. . . De tal sorte que, agora,
não descansarei enquanto não conseguir daqueles que me amam, na Terra, uma
casa como esta, a qual, fluidicamente, já existe nas vibrações ambientes do
próprio domicílio que habitei em minha última etapa terrestre. . . Criei-a eu mesma,
através de minhas energias mentais, a fim de transmitir sugestões a meus pais e
irmãos, recordando a realização anterior, na minha amada Tndia, auxiliada por
queridos tutores da Espiritualidade, que, quase todos, foram ilustres figuras da
antiga Tndia. .
—- «Foste, portanto, hindu também, minha querida menina, nessa passada
existência a que te referes?. .
— indagámos, comovida, percebendo-a empolgada e séria. «Oh, não! —
respondeu vivamente. — Fui europeia e não hindu de nascimento, mas de
coração... Vivi na India como membro de uma família de missionários
estrangeiros.. Amei aquela Pátria, onde cresci e me criei... Adotei-a pelo coração,
porque lá me consorciei, no seio da aristocracia, e lá me deixei ficar para sempre,
voluntàriamente, entre minhas pobres crianças e os labores e lutas daí
consequentes. . . »
— «Conta-me, então, a tua história na Índia, que deverá ser interessante e
original, para que eu a transmita aos amantes das obras medjúnicas. . . »
— «Hoje não o poderia... Talvez mais tarde — quem sabe? —, se nossos mestres
permitirem. . . No momento, apenas lhe peço que transmita aos meus a ideia que
exponho, pois o meu maior anelo, por agora, é o de contemplar, um dia, meus pais
e irmãos à frente desse labor
L

DEVASSANDO O INVISIVEL

em torno da mulher gestante desamparada e do recém-


-nascido sem recursos, sobre a Terra... enquanto eu e mais alguém, do Espaço,
dirigiremos a obra espiritualmente. . . »

**

Entrementes, a benévola atuação da menina Elizabeth Santos — ou do seu


Espírito —, no seio da família a que pertencera, não se limitou aos dois pequenos
episódios acima narrados. Dir-se-ia que ela se transformara, também, no anjo bom
dos seus familiares e que sua missão entre os mesmos implicava a preocupação
de atraí-los para as sublimes meditações espirituais.
Dissemos acima e repetimos que, excetuando-se o chefe da família Santos e sua
consorte, nenhum outro membro da mesma se interessa pelos assuntos
psíquicos, existindo até mesmo alguns com acentuada aversão à crença espírita.
Não obstante, da época da primeira aparição da menina Elizabeth até o momento
em que acrescentamos o presente parágrafo ao capítulo escrito há três anos,
acontecimentos significativos se sucederam no seio daquela família. Resoluções
arrojadas, tomadas por seus pais e irmãos, criaram uma organização beneficente
de aito alcance, na formosa capital mineira, organização que, sob o nome de
«Cruzada do Bem Elizabeth Santos:’>, leva o auxílio fraterno, material e moral,
aos leprosários e a necessitados albergados em outras instituições de assistência
social. Todavia, consta ainda do programa da nobre Cruzada o auxílio à criança
sofredora e às joven’ mães-solteiras, assim como aos mendigos, alcoólatras, etc.,
etc.
Não temos dúvidas de que o sonho máximo de .cBetinha», na Espiritualidade, se
corporificará com vitórias
sempre maiores no setor da Fraternidade, visto ser ela

210
DEVASSANDO O INVISIVEL

a diretora espiritual da instituição, a se desdobrar em esforços para inspirar, aos


entes queridos deixados na Terra, o prolongamento da missão por ela mesma
iniciada na Tndia, pelo século XVIII.
Entretanto, novo fenômeno verificou-se, posterior- mente, no solar Santos, em
Belo Horizonte, tendo como principal atuante ainda a entidade «Betinha», que
parece, com efeito, insistir em atrair as atenções dos parentes para os fatos
espíritas.
O detalhe que se segue, inserido nestas páginas quando já déramos por
terminado o presente volume, foi-
-nos relatado pelo próprio Sr. Santos, a 10 de Dezembro de 1962, quando de visita
ao Estado da Guanabara:
— «Meu filho Maurício — começou o Sr. Santos —, formado em Medicina em
1960, já nos últimos meses do curso que fazia, uma noite, ainda cedo, pois seriam
vinte e três horas, mais ou menos, estudava na sala de visitas, local onde se
encontra o retrato de minha filha Elizabeth, tirado pouco antes do seu
passamento. Ele estudava, porém, ao som de uma eletrola, pois é também
apreciador da boa música. Não pensava, absolutamente, em sua irmã falecida em
1955, e, já fatigado do esforço despendido, decidiu recolher-se. Por isso,
encaminhou-se para a eletrola, a fim de desligá-la, o que fêz simples e
naturalmente. De costas voltadas para o retrato, sentiu que algo, ou alguém,
forçava sua cabeça, no intuito de fazê-lo voltar-se para trás. Voltou-se, com efeito,
e, olhando o retrato da irmã, julgou perceber névoas amareladas, lucilantes, que
se acentuavam, a ponto de ter a impressão de que o retrato se movia, enquanto
ele próprio ouvia, com acento de certeza, a voz da irmã:
— «Maurício, gostas de música?... Pois dar-te-ei a ouvir uma música celeste...
Canta comigo, Maurício,

canta. .
Então, o jovem doutorando ouviu a irmã cantar lin 211
DEVASSANDO O INVISÍVEL
da e intraduzível melodia, como jamais ouvira, e, comovido, repetia-a, como
levado por impulso mediúnico. Mas, repetia-a em lágrimas, invadido por uma
comoção que transcendia sua habitual força de vontade, impossível de conter ante
a delicadeza daquelas vibrações. Sua irmã Zinda encontrava-se pelas imediações
da sala. Ouviu o irmão cantar uma canção singular, ao mesmo tempo que
chorava, e desejou saber o que se passava. . .
Aqui termina o relatório do Sr. Santos. Mas, nós outros, estudiosos dos fenômenos
espíritas, temos o dever de algo meditar sobre a narração acima transcrita. E o
faremos, com o constante objetivo de colher instruções em quaisquer
acontecimentos relacionados com o Além-Túmulo.
E’ possível que o Espírito de «Betinha» se materializasse ali, diante do irmão, ou,
pelo menos, que o tentasse faser. Como o fato, porém, não foi suficientemente
constatado pelo vidente, que sentiu dúvidas em afirmar se realmente vira a
imagem da morta ao lado do retrato, passaremos por alto sobre a materialização.
Talvez a própria repulsa do jovem médico às coisas espintas o impedisse de
averiguar o fato, que seu preconceito científico antes consideraria «impressão» ou
«alucinação». De qualquer forma, porém, o fenômeno realmente não se poderia
realizar com visos de certeza, dado que a sala, profusamente iluminada,
dificultaria a condensação dos elementos fluídicos necessários ao Espírito para
mostrar-se com toda a clareza, já que ele necessita de penumbra para tornar
visível a própria imagem astral (31). O que é certo, no entanto, é que as névoas
(31) Os mestres das pesquisas espíritas, no setor de materializações das almas
desencarnadas, como Wifliam Crookes, Roberto Dale Owen, Alexandre Aksakof e
outros, conseguiram materializações à própria luz do gás, ou à claridade da
lâmpada a querosene, o que Indica não ser indispensável

212

DEVASSANDO O INVISIVEL 213


e, como- foram vistas e confirmadas (reunião do ectoplasma), o
Mas, que indica início de materialização idêntica à contempla ioça que da por
Eunice, no terceiro dia após o decesso de «Beti ossjve de nha». E o que, além do
mais, não deixou dúvidas, foi
Sua irmã o fenômeno de voz direta, então produzido com eficiência,
Ouviu o
pois o jovem afirmou ter ouvido a voz da irmã, convi temp que dando-o a
acompanhá-la na «música do céu», que passou
a entoar...
Mas, nós Zinda estaria por perto, realmente, pois veio ver quem
inos o de- estaria na sala, cantando... Seria, portanto, poderoso
transcrjta médium, inconsciente das próprias faculdades, visto não
ler instru ser espírita, dando motivo, à revelia da própria vonta de, ao novo
fenômeno, como já acontecera no primeiro,
em 1955.
la» se materi Ora, tais acontecimentos mais valiosos se mostram
Los, que o ten- porque, conforme dissemos acima, vários membros da
foi sufjcjente família Santos confessam aversão ao Espiritismo. Mas,
iu dúvidas em para o nosso modo de apreciar as realidades da Doutrina
morta ao lado Espírita, dentre os fenômenos provocados pelo Espírito
naterialização. da menina Elizabeth Santos, certamente o mais belo, o
às coisas es- mais convincente e positivo, o mais agradável a Deus,
ie seu precon porque reuniu toda a família na mesma harmonia de
São» ou «alu- vistas e elevação de princípios, foi a criação da «Cruzada
enômeno real- que tem o seu nome, por ser a concretização da virtude
certeza, dado por excelência, da própria essência do Consolador pro iltari a con-
metido por Jesus (a Revelação Espírita), inspirada por
5 ao Espírito ela, de Além-Túmulo, para a prática da beneficência fra el necessita
imagem as-
a escuridão completa. No Brasil, Carlos Mirabeili, médium
ue as névoas de extraordinárias forças psíquicas, conseguia materializações
à plena luz do dia, debaixo de rigorosa fiscalização. A escu ridã completa será
necessária apenas ao médium, que per n setor de manecerá resguardado da luz
por uma cortina de tecido es Willia Croo. curo, e isso quando suas forças
psíquicas forem insuficientes.
Outros, coa- Vide “Fatos Espíritas”, de William Crookes, “Região em li à claridade
tlgio entre este mundo e o outro”, de Roberto Dale Owen,
indispensável e “Animismo e Espiritismo”, de Alexandre Aksakof.

DEVASSANDO O INVISÍVEL
terna entre os que choram e sofrem nas provaçõc. terrenas.., e também para o
mérito inconcusso daqueles a quem amou sobre a Terra como pais e irmãos, os
quais, exercitando as leis da Caridade, vão, a cada passo, se laureando em
presença d’Aquele que proclamou o Amor ao próximo como eterno tema de
redenção...

214

[SIVEL
a nas provaçõe. tericoncusso daqueles a
e irmãos, os quais,
, a cada passo, se
proclamou o Amor
edenção.

CAP!TULO x
Os grandes segredos do Além
— “Influem os Espíritos em nossos pensamentos e em nossos atos7
— Muito mais do que imaginais. Influem a tal ponto, que de ordinário são eles que
vos dirigem.
— Como distinguirmos se um pensamento sugerido procede de um bom Espírito
ou de um
Espírito mau?
— Estudai o caso. Os bons Espíritos só para o bem aconselham. Compete-vos
discernir.
— Pode o homem er,imir-se da influencia dos Espíritos que procuram arrastá-lo ao
mal?
— Pode, visto que tais Espíritos só se apegam aos que, pelos seus desejos, os
chamam, ou
aos que, pelos seus pensamentos, os atraem.
— Renunciam às suas tentativas os Espíritos cuja influencia a vontade do homem
repele?
— Que querias que fizessem? Quando nada conseguem, abandonam o campo.
Entretanto, ficam à espreita de um momento propício, como o gato que tocaia o
rato.”
(ALLAN KÂRDEC — “O Livro dos Espíritos”, Cap. IX, 2’ Parte. — Perguntas 459,
464, 467 e 468.)
Desejávamos terminar este volume com uma tese que ventilasse algum assunto
alvitrado pelas preocupações de estudiosos e companheiros de ideal.
Conversando com alguns amigos, vários pontos de Doutrina foram lembrados,
interessantes e profundos. Aceitámos alguns e pr&

216 DEVASSANDO O INVIS!V


tendíamos experjmentá..los Mas, o influxo vibratório, revelador da presença do
Assistente Espiritual, fazia-se ausente, não movimentando nosso lápis nem a mão
que o segurava, e ainda menos o cérebro que invocava os poderes da Luz.
Das teses aventadas, uma nos parecera a mais sedutora: procurar saber, de
nossos mentores espirituais, a razão pela qual certos Espíritos desencarnados se
supõem ainda vivos, «qual o mecanismo que os leva a se considerarem homens
carnais» quando, em verdade, muitas vezes, há séculos que estão separados da
condição humana. Este — acrescentou um amigo, lembrando a tese — julga-se
atirado ao fundo de um poço há dois séculos! Aquele, há um século que fêz a
passagem para o Invisível, mas continua montando guarda aos próprios tesouros,
desdobrandose em transações para aumentar a fortuna, certo de que continua a
ser homem! Acolá mais outro, a se julgar ainda súdito de El-Rei D. João III, de
Portugal, ou seja, mantendo a mente retardada quatro séculos.
Porquê?... Qual o «mecanismo» de tal fenômeno?...
à hora costumeira dos trabalhos, fizemos a súplica,
a fim de que o tema fôsse explicado a contento; todavia,
o lápis se mantinha impassível, sereno o braço e o pensamento completamente
destituído de instruções e intuições.
Não é noSso hábito insistir em súplicas desse gênero, quando notamos que o
Além silencia. Insistir, pretender forçar o intercâmbio com o Invisível será
indisciplina, que os códigos doutrinário5 não recomendam, é provocar a auto-
sugestão, favorecendo o perigo do chamado «animismo», porta fatalmente
franqueada à mistificação. Renunciámos, pois, à tentativa, e passámos a cuidar de
outros afazeres.
Dez dias depois, o próprio Além, voluntàriamente
forneceu-nos a tese desejada. Mas, fé-lo de forma dife

DEVASSANDO O INVISÍVEL
rente daquela que esperávamos, não atendendo à súplica formulada nem
agitando o nosso lápis, acionando nosso braço ou povoando nossos
pensamentos. Forneceu-a ao vivo, levando-nos, em espírito, ao mundo invisível
situado nas camadas terrenas, e autorizando nossas observações em torno de
impressionantes aspectos da existência extraterrena e seus reflexos nas ações
cotidianas dos homens comuns, ou na massa popular. Isso quer dizer que
visitámos antros sórdidos da vida invisível, onde a ignominha generalizada
prolifera, subtraida à vista das criaturas humanas pelo segredo da morte. E o
resultado dessa estranha reportagem, que passamos para estas páginas, toma o
lugar do tema que buscávamos.
*
**
Dissemos, em páginas anteriores, que a entidade Adolfo Bezerra de Menezes é
quem mais frequentemente nos faculta visitas a locais onde a miséria moral-
espiritual se acentua. Sua grande bondade de coração, que o leva a partir em
busca dos infelizes e transviados do beni, a fim de socorrê-los; o desejo, nunca
desmentido, que ele tem de ajudar o próximo, certamente deveres imperiosos
assumidos com a Espiritualidade, constantemente o impelem aos locais onde a
maldade e o vício, o atraso e a delinquência cavam rastros calamitosos, cujas
consequências serão, talvez, séculos de lágrimas para aqueles que se
abandonam às suas sugestões.
Não nos foi jamais possível concluir, categôricamente, se esses antros invisíveis,
por nós visitados com nossos instrutores, são localizados na ambiência terrena ou
no Espaço prôpriamente dito. Supomos, entretanto, que, embora invisíveis a olhos
humanos, alguns deles, pelo menos, existem em qualquer local da própria
sociedade terrena, onde quer que se aglomerem os desencarnados

217

para o próprio

nos!
[nvite-

desse gênero, sistir, preten-. será indisciicomendam, é erigo do chateada à


mistipassámos a
Untàriamente, e forma dife

218 DEVASSANDO O INVISIVEL


que os formam com os próprios atos e criações mentais, visto o seu aspecto
grosseiro, repugnante e mesmo vil.
Tão logo retomámos a lucidez que nos é própria durante os transes mediúnicos
que nos facultam tais visitas, vimo-nos ingressando numa taverna de mui sórdido
aspecto, um bar imundo, tresandando a álcool e fumo, onde indivíduos
desencarnados, de ínfima educação e escassa moral, vagabundos do plano astral
(os quais, às
4 vezes, podem ter sido personagens altamente colocadas
4 na sociedade terrena, mas cujos vícios e paixões os afinaram com as baixas
camadas da sociedade do mundo
invisível), ébrios e desordeiros se aglomeravam para conversações do mais
ignóbil teor.
Acompanhava-nos um guardião da Espiritualidade, visto que, se em vigília não
será lícito a um médium penetrar ambientes dessa espécie, a não ser visando a
serviços de legítima caridade, menos admissível será que ele o faça em espírito,
durante o sono natural ou o transe, a não ser acompanhado pelos tutores
espirituais, e igualmente para fins caritativos ou instrutivos.
Nesse guardião, todavia, não reconhecemos a silhueta veneranda de Bezerra de
Menezes, mas a de um dos seus assistentes, cujo nome ignoramos, embora
soubéssemos estar sob a direção e a vigilância daquele mestre, para a instrução a
ser tentada. De uma força vibratória significativa, o dito assistente fazia-se
entender, telepàticamente, como se conversasse em voz alta e com veemência,
até mesmo com autoridade e ardor. E, médico, tal como seu mestre Bezerra de
Menezes, ao vê-lo sentimos de imediato que fora grande cirurgião quando
habitante da Terra. Revelou-nos, nessa data, desempenhar tarefas psíquicas à
cabeceira de pessoas operadas e de acidentados, em vários hospitais do Rio de
Janeiro, com ação igualmente junto aos cirurgiões e enfermeiros militantes
naquelas instituições.
E’ notável que, penetrando no antro acima referido,

DEVASSANDO O INVISIVEL 219


mentais, nenhum mal-estar nos atingisse. Sentíamo-nos envolvida
esmo vil, como que numa redoma de muito tênue neblina, invisível
ópria du- a olhos inferiores em vibrações. Parece que os Espí tai visi- ritos
caritativos, que visitam tais locais, se imunizam
ii sórdido prèviamente, a fim de resistir aos choques vibratórios
e fumo, de entidades maléficas que neles voluteiam, e imunizam
ção e es- também seus médiuns. Frequentemente, visitamos esses
quais, às covis, em espírito, com nossos tutores espirituais, e nun colocada ca nos
ressentimos de quaisquer depressões ou excitações
?s os afi- nervosas no dia seguinte, o que deixa de acontecer quan [ mundo do aí
vamos sós, pretensiosamente supondo estar à altura
para con- de executar tais serviços desacompanhada de vigilância
maior.
bualidade, As entidades desencarnadas entrevistas na dita ta médiu verna bebiam
aguardente e cerveja, devoravam comestí isand a veis àvidamente, fumavam,
jogavam cartas e dados,
será que brigavam, discutiam, insultavam-se, esbofeteavam-se, mi o tran-
moseavam-se com epítetos de baixo calão. Nosso guar rituais e clião, invisível até
para nós mesma, embora continuásse mo certa da sua presença, pela segurança
que sentíamos
a silhue- e através das intuições com que se fazia entender, às
um dos quais ouvíamos como se se tratasse da sua voz, expli soubés- cou-nos
e mestre, — «A estes e a seus congêneres deve a sociedade
ribratória do Rio de Janeiro grande percentagem dos acidentes ve telepàti
rificados diàriamente nas vias públicas e pelos domicílios
veemên- particulares: atropelamentos, quedas, braços e pernas
idico, tal partidos, queimaduras, suicídios, homicídios (32), brigas,
sentimos
ai n e (32) Em se tratando de homicídio, será bom considerar
r are as que a vítima estaria resgatando um débito do passado e que
e aciden- o seu próprio inimigo de então, ao qual teria ofendido, poderá
om ação ter sugerido o ato deplorável ao homicida. Este, todavia, se
riilitantes se deixou influenciar a tal ponto, por um agente exterior, é
porque nutria sentimentos igualmente inferiores, pervertidos.
Prestou-se a ser, portanto, a pedra de escândalo e responderá,
referido, rigorosamente, pelo ato cometido perante a lei de Deus.
1

220 DEVASSANDO O INVISIVEL


escândalos, confusões domésticas, assaltos, etc., etc. E’ a atmosfera em que
vivem e se agitam, porque já eram afins com ela antes de passarem para a vida
invisível. E’ o que constantemente inspiram, sugerem e incitam, encontrando no
homem um colaborador passivo, que fácilmente se deixa dominar por suas
terríveis seduções. A infelicidade alheia é o seu espetáculo preferido. Provocam
mil distúrbios na sociedade e nos lares, pois se divertem com a prática de
malefícios. Não entendem a sublime significação dos vocábulos — amor, caridade,
piedade, fraternidade, honestidade! Não crêem em Deus nem têm religião.
Odeiam o bem e o belo com todas as forças vibratórias que possuem. Odeiam os
homens e os seguem, sorrateira e covardemente, porque odiavam a própria
sociedade, antes de morrerem, sabendo que não serão vistos nem pressentidos.
E a perseguição mental que lhes movem, aos homens, é inveterada e implacável,
afirmando eles que assim agem porque igualmente foram perseguidos, quando
homens, pela sociedade, que nunca os protegeu contra os males com que tiveram
de lutar:
doenças, miséria, fome, falta de instrução, orfandade, desemprego, delinquência,
desesperos de mil e uma naturezas. . . E muitos destes foram, com efeito,
delinquentes que a sociedade perseguiu e levou ao desespero, em vez de ajudá-
los a se reeducarem para Deus.., O resultado de tal incúria por parte dos homens
aí está: uma vez desaparecidos da vida objetiva, pela chamada morte, infestam,
como Espíritos, a sociedade, e prejudicam-na, acobertados pelo segredo da
morte. ..»
Inquieta, ousámos perguntar ao paciente mentor, malgrado o respeito que nos
inspirava:
«Mas.., como poderão persistir em tal procedimento contra os homens? Não
existirá, no Além-Túmulo, uma lei que os impeça de tais monstruosidades contra
pessoas que, além do mais, ignoram encontrar-se sob suas influências? . .

DEVASSANDO O INVISÍVEL 221


— «Minha querida irmã! — explicou, veemente —, será oportuno considerar que,
da mesma forma, monstruosidade será a sociedade deixar um órfão, ou um filho
de pais miseráveis ou delinquentes, criar-se ao abandono, pelas ruas... E a
sociedade o faz, agora, e o fêz com estes mesmos que estás vendo aqui...
Monstruosidade será também omitir providência humanitária para que o jovem
abandonado, ou o pobre, se instrua, eduque e habilite de modo a furtar-se à
humilhação da ignorância, prendando-se na escola do dever e da honestidade...
No entanto, estes que aqui vemos foram banidos pela sociedade, que lhes não
facilitou escola, nem educação, nem exemplos bons, senão a dureza de coração
com que os tratou... Não se instruíram porque não tiveram meios
que não de remunerar professores, e as escolas públicas nem
mental sempre são acessíveis aos deserdados, como estes foram...
mplacável, Não puderam educar-se porque o lar é que modela os
nte foram caracteres, e eles, desde a infância, viveram perambu qu nunca lando
pelas ruas... Tal como os vemos, são ainda frutos
de lutar da sociedade... Sua impiedade foi libada na impiedade
orfandade que receberam... Tornaram-se criminosos inveterados,
e uma na- na Terra e no Além, porque foram vitimas do crime
delinquen- do egoísmo da sociedade... Portanto, pertencem à so espero em
ciedade terrena, esta é afim com eles e eles vivem nos
o resul- ambientes que lhes convêm.. . »
está: uma — «, pois, irremediável esse mal social?. . .
da morte, — «No presente caso, cumprirá ao homem, para evi Lldicam-na tar o
distúrbio de tais influências, habilitar-se para a
harmonização com a luz, ou seja, com o bem. Para isso,
ntor, mal- ele possui a consciência, além de uma experiência secu lar senão
milenar, das gerações que o antecederam, e
procedi- cujo patrimônio de moral e sabedoria ele herdou, para
n-Túmulo sua orientação. Será necessário que o homem compre-
[es contra enda que, como parcela divina que é, veio ao mundo
e sob suas também para colaborar na obra de aperfeiçoamento do
planeta em que vive, e essa colaboração certamente sub-

222 DEVASSANDO O INVISÍVEL


entenderá auxílio às almas mais frágeis do que a dele, que gravitam ao seu lado
nas peripécias da evolução. Mas, se ele prefere permanecer nas trevas do próprio
egoísmo, permitindo livre curso aos instintos inferiores, negando-se a reagir contra
as próprias tendências más, será envolvido pelas trevas, pois se homiziou com
elas... No homem honesto, sensato, prudente, sóbrio, amigo do bem, dif’icilmente,
ou jamais, um assédio deste encontrará repercussão... Esqueceste que isso tem
livre curso no grau de afinidades e também na invigilância, na imprudência, na
inadvertência de cada um?... Raciocinemos, porém: é claro que nenhum homem
quererá ser atropelado e fraturar uma perna ou um braço e ir para o hospital. E’
verdade que tanto o honesto como o indiscreto poderão ser atropelados e passar
maus quartos de horas devido ao fato. Mas ambos, com a própria invigilância, com
a imprudência, a irreflexão e a displicência com que se habituaram a encarar as
coisas do mundo, deixaram-
-se envolver pelas faixas maleficentes daqueles invisíveis, que vibram
maliciosamente, divertindo-se com o sofrimento do próximo, e se arriscaram à
travessia de uma rua em local e momento impróprios, atreveram-se a uma
discussão, detiveram-se mais do que conviria em qualquer bar ou taverna,
tornando-se, então, passivos aos desejos dos citados invisíveis... E daí por
diante . .
— «E sabem que são desencarnados?. . . — indagámos, recordando a tese
sugerida pelos amigos.
— «Como não haveriam de saber? — respondeu, vibrante. — Pois foram
daqueles que acompanharam, minuto a minuto, no próprio túmulo, a
desagregação da matéria apodrecida, rodeando-se dos complexos de urna
atração material reforçada pelo ódio, pelo desejo de vingança, pelo sensualismo,
pela embriaguez, pela desonetidade, etc. Sabem que não possuem corpos
materiais, mas fingem que não sabem, pretendendo enganar a consciência, tais
os doentes incuráveis, sobre a Terra... Em

DEVASSANDO O INVISÍVEL 223


verdade, não entendem o mecanismo da separação dos
próprios corpos astrais das formas carnais.., e, como
a morte os apavora, forçam a crença de que ainda são
homens e, como tais, vivem e agem na vida invisível...
Quando algum de nós outros, incumbido da instrução de
delinquentes, deseja explicar-lhes a situação e mostrar-
-lhes, com vistas retroativas, o fenômeno do próprio
desprendimento dos laços materiais, tentando atraí-los
irso no para o raciocínio da situação, negam-se a atender, tal
•impi’u- como a ovelha revel, asseverando que vivem mais felizes
inemos, agora que outrora, pois, agora, podem residir até nos pa atrope lácios dos
magnatas, até em hotéis de luxo, ao lado de
a o hos- belas mulheres; podem repousar em leitos perfumados,
indiscreto ao passo que, quando vivos, tudo lhes faitava, às vezes
s de ?°‘ até mesmo o pão... E acrescentam, zombeteiros: — Para
vigilancia, que havemos de nos converter ao amor do próximo, se
[a com que o próximo nunca nos amou?. .
deixaram- Prestámos atenção no aspecto dos infelizes que tí invisiveis, nhamos
sob as vistas. A despeito da grande inferiorida i o sofri- de de que davam provas,
percebemos que ainda existi-
ia de uma riam outros abaixo na escala da moral, pois não eram
i-se a uma daqueles que, em vocabulário espiritista, denominamos
n qualquer embuçados, ou seja, os que se apresentam trajados de
Los desejos longas túnicas negras e cabeça envolvida em capuz. Pa reciam antes
homens que Espíritos desencarnados. E
» — inds dir-se-ia embriagados. Parece que tais entidades absor 0S vem a
essência, ou exalações, de bebidas alcoólicas, nos
respondeu, bares e tavernas e até nos cassinos e clubes de luxo, e
aram, mi- também nos domicílios familiares, quando os circunstan egaçã tes
encarnados são dados a libações costumeiras. Parece
s de uma que essas entidades incitam a todos a beber continuada j de “ mente, e
que, através deles (envolvendo-se nas suas irra desone- diações, em sua aura),
com os quais estabelecem afini materiais dades positivas, absorvem as
emanações do álcool, como
iar a COflS as de qualquer outro vício, inclusive o sexual, e se locu rra.. Em pletam
tão bem como se fôssem homens carnais.

224 DEVASSANDO O INVISÍVEL


Eram, porém, tipos comuns, como tantos que vemos pelas ruas: vestes em
desalinho, rotas, imundas, pés descalços, despenteados, fisionomias torturadas
pela miséria e a fealdade, olhos profundos, como que sem vida, traindo, todos, a
repercussão dos estragos que a putrefação dos próprios corpos carnais, no fundo
dos túmulos, produziu na indumentária trajada pelo cadáver. Refletindo-se sobre o
perispírito, impressionando-lhes a mente, atuando sobre as sensações, essa
repercussão dava em resultado as vestes sórdidas com que nossa visão os via
trajados. E todos se unificavam pelo mesmo baixo nível de moral, a despeito das
diferentes posições sociais que alguns deles haviam ocupado na Terra.
Ao nos distinguirem, saudaram-nos com alegria e convidaram-nos a beber,
supondo-nos uma parceira, ou mesmo nada supondo. Naturalmente, recusámos,
como recusaríamos igual convite de encarnados. Fizemo-lo, porém, cortêsmente,
agradecendo a atenção. Um deles, que parecia ébrio, sentado sobre a mesa que
os demais rodeavam, e com os pés descansados sobre o assento da cadeira onde
deveria estar sentado, e sapateando sobre ela, enquanto cantava e tamborilava
com os dedos numa garrafa, para se acompanhar na cantiga que entoava, disse
de súbito, mal humorado, dirigindo-se a nós mesma:
«Se não bebes, «sua» idiota, que vieste fazer aqui?... Vai-te, «desmancha-
prazeres», antes que eu te mande para o inferno com um soco... Vai-te, vai-te!...
antes que eu te quebre o braço ou a perna, com um encontrão... ou a cara... tanto
faz. . . »
Sorrimos, ouvindo-o, segura como estávamos da presença do guardião, a quem
não mais víamos, mas sentiamos junto de nós.
— «Venho apenas visitá-los, pois somos irmãos à face de Deus. . . » —
respondemos, com serenidade.
Pareceu não ouvir. E acreditamos que tudo quanto
pudéssemos dizer no intuito de doutriná-lo seria em vão

NDO O INVISÍVEL
comuns, como tantos que vemos alinho, rotas, imundas, pés des[onomias
torturadas pela miséria indos, como que sem vida, traindos estragos que a
putrefação ais, no fundo dos túmulos, prorajada pelo cadáver. Refletin,
impressionando-lhes a mente, ões, essa repercussão dava em das com que nossa
visão os via ficavam pelo mesmo baixo nível diferentes posições sociais que ado
na Terra.
saudaram-nos com alegria e supondo-nos uma parceira, ou aturalmente,
recusámos, como de encarnados. Fizemo-lo, poendo a atenção. Um deles, que
bre a mesa que os demais roscansados sobre o assento da r sentado, e
sapateando sobre imborilava com os dedos numa nhar na cantiga que entoava,
udo, dirigindo-se a nós mesma:
sua» idiota, que vieste fazer ha-prazeres», antes que eu te um soco... Vai-te, vai-
te!.
braço ou a perna, com um euanto faz. . . »
egura como estávamos da prenão mais víamos, mas sentíaá-Ios, pois somos
irmãos à face
rios, com serenidade.
acreditamos que tudo quanto D de doutriná-lo seria em vão.

DEVASSANDO O INVISÍVEL

225

Nada entenderiam, nada assimilariam, pois eram criaturas de má vontade, cegos


que não desejavam ver. Entretanto, continuou o que falara, ainda se dirigindo a
nós:
— «Olha! Tens o braço quebrado?... Como quebraste teu braço?. . . Estás com o
braço partido!. . . Foste atropelada?... Quando, hoje?... Sim! Serás atropelada
amanhã, partirás o braço, darás entrada no hospital... Estarei lá para te assistir e
consolar... Partirás o braço, partirás o braço... Serás atropelada amanhã,
amanhã. . . »
Os demais se puseram a nos olhar com atitudes zombeteiras e prorromperam em
gargalhadas estridentes. Estabeleceu-se desordem, vozerio, confusão, e todo o
grupo nos tocava o braço, afirmando que ele estava quebrado, pois no dia
seguinte seríamos atropelada...
Dor violenta começámos a sentir então, no braço. Era o esquerdo. Segurámo-lo
com a destra e procurámos examiná-lo. Estava, com efeito, fraturado,
ensanguentado, o osso à mostra, e as dores eram cada vez mais atrozes.
Fôramos inteiramente envolvida pelas vibrações maléficas daquelas entidades.
Certeza absoluta sentimos, então, de que no dia seguinte algo aconteceria,
acarretando tal consequência para o nosso corpo carnal, completamente
esquecida de que ali nos encontrávamos sob vigilância de um guardião da
Espiritualidade, para instrução. Ainda assim, tivemos forças para uma súplica:
— «Meu Deus! Livrai-me destes obsessores!»
Fomos, então, retirada do terrível recinto, e o amigo espiritual explicou:
— «Assim fazem eles com aqueles que se deixam envolver por suas sugestões. . .
Em vez de «braço fraturado» ou «atropelamento», suponhamos que sugiram o
suicídio, o homicídio, uma mesa de jogo, um conflito, uma rixa, um adultério...
Suponhamos que, em vez de carregarem de vibrações pesadas um braço, para
que a vítima o suponha fraturado e sinta dores atrozes, carre

226 DEVASSANDO O INVISÍVEL


guem a mente com sugestões luxuriosas... Aí teremos também a irremediável
desonra, o vício, o desregramento sexual... Far-se-á maléfica a hipnose, e aquele
que não teve forças morais e vibratórias para se desvencilhar, das teias em que se
deixou envolver, submeter-se-á a tudo. .
— «As vítimas não terão responsabilidade, portanto, nos delitos que, por essa
forma, praticarem?. .
— «Terão, ao contrário, grande responsabilidade, visto que encontraram
exatamente aquilo que desejaram e procuraram, através dos maus pensamentos
que alimentaram e da displicência com que se conduziram.
pois que, se não fôssem igualmente inferiores, tais como os ditos perseguidores,
seus espíritos não se acumpliciariam com eles durante o sono, nem aceitariam
suas sugestões, por assim dizer, hipnóticas... Então não sabes que «os afins se
procuram»?. . . »
— «Como, então, fui sugestionada, a ponto de enxergar meu braço fraturado e
sentir dores?. . . »
«Estávamos em instrução, estudando o fenômeno, a fim de apresentá-lo como
material de estudo e advertência, e por isso eu permiti que te envolvesses em
certa onda de vibrações por eles emitida. . . Não fora isso, e se te afinasses,
realmente, com eles, amanhã sofrerias qualquer acidente, por eles provocado,
talvez mesmo o atropelamento, e terias fraturado o braço... Eles sabem preparar o
laço para os incautos. . Mas, porventura ainda sentes o braço magoado?»
Olhámos, surpresa, e, sob a salutar influência do
guardião espiritual, tudo havia desaparecido de nosso
braço perispirítico. Não obstante, voltámos à indagação:
— «E não existirá um meio de retirar tais entidades do seio da sociedade, para
que nós, humanos, obtenhamos um pouco mais de serenidade para viver e
trabalhar, cuidando do nosso progresso?»
— «Sim, existe, e muito eficiente! Que o homem se

Aí teremos desregramento aquele que não e desvencilhar, ubineter-se-á a

jade, portanto,
sponsabilidade, que desejaram entos que aliconduziram...
res, tais como se acumpliciariam suas au- tão não sabes

ponto de en o fenômeno, tudo e adversses em certa rão fora isso, Lnhã sofrerias
vez mesmo o
• Eles sabem , porventura

influência do ido de nosso à indagação:


tais entidades nos, obtenhar e trabalhar,

o homem se

reeduque, transformando-se sob as inspirações do dever, praticando atos justos


todos os dias de sua vida! Que se conduza guiado por mente sadia e honesta!
Que se torne respeitoso e submisso à ideia de Deus, dispondo-se a observar Suas
leis.., e tais falanges desertarão dos ambientes terrenos... Aliás, os próprios
homens obsidiam esses tais, visto que frequentemente os atraem com
pensamentos, vícios e ações idênticos aos deles, incitando-os a imitá-los, em vez
de procurarem instruí-los com exemplos bons. .
— «Não poderíamos doutriná-los ?»

— «A quem?. .
«Aos obsessores...,,
«A lei do progresso certamente agirá sobre eles... Mas, tal como se encontram no
momento, não aceitariam a palavra da Verdade... Será necessária a ação do
tempo, o trabalho da consciência, a dor consequente ao desequilíbrio em que
vivem, provocando o arrependimento, para que se decidam à emenda... Vós,
espíritas e médiuns, trazeis convosco forças magníficas para o trabalho de auxílio
aos vossos guardiães espirituais, na catequese desses irmãos.. . Se os vossos
núcleos de trabalhos espíritas, pela sua idoneidade, pela respeitabilidade e
proficiêneia dos trabalhos a realizar, cativaram a confiança dos vossos instrutores
da Espiritualidade, poderemos até mesmo detê-los na sede dos mesmos, para
que aproveitem do vosso labor doutrinário, recebendo instruções diárias
convosco... A dificuldade residirá na decisão para os sacrifícios a praticardes
durante os trabalhos indispensáveis, sacrifícios que implicarão grande série de
renúncias, devotamento incansável, renovação diária do vosso próprio caráter,
que deverá, tanto quanto possível, elevar-se à altura do discípulo da Revelação,
que exige dos seus adeptos uma extensão de vistas, ou princípios,
verdadeiramente heróica! Ao vos reunirdes em preces e estudos, se vos
lembrardes de dirigir a esses tais um

DEVASSANDO O INVISÍVEL

227

DEVASSANDO O INVISÍVEL
pensamento amoroso, através da exortação da prece; se lerdes páginas
conselheirais e educativas em sua homenagem, a sós ou reunidos, e se as
comentardes após, carrearemos vossos pensamentos, vossas palavras e vossa
imagem até onde eles se encontrem. Eles vos enxergarão e ouvirão, a despeito da
lonjura em que se acharem. Se, pelos predicados já por vós adquiridos,
suportardes a responsabilidade da sua presença, poderemos até mesmo trazê-los,
momentâneamente, para junto de vós, pois vossas virtudes serão poderosos
estimulantes para a reação que necessitam aplicar a si próprios, visando a se
recuperarem para o arrependimento... Ainda que contra a própria vontade, serão
obrigados a vos ver e ouvir, pois este fenômeno está na lei natural, é tão normal e
comum como as chuvas caírem no verão, as quais alegrarão a alguns e
aborrecerão a outros, mas que todos terão de suportar, porque se trata de um fato
natural, inevitável... Com o tempo, se fordes perseverantes na vossa atitude de
amoroso auxílio, o efeito será satisfatório. Nossa dedicação, conjugada com a
vossa, beneficiará de tal forma os pobres delinquentes, que a boa vontade para a
emenda bem cedo raiará... Nova encarnação se delineará para eles, oferecendo-
lhes meio mais rápido de expurgos conscienciais... e, daí para o futuro, não será
tão difícil a caminhada para a regeneração total...»
— «Podereis explicar-nos, agora, qual a razão pela qual alguns irmãos
desencarnados passam, às vezes, séculos supondo-se vivos, ou antes,
habitantes, ainda, da Terra, num corpo carnal? Onde reside o mecanismo de tal
fenômeno ?»
Sem parecer admirado de tal pergunta, o guardião
respondeu, com naturalidade:
— «Em primeiro lugar, o fato ocorre porque suas ideias, quanto ao mundo
espiritual, eram bem diferentes
daquilo que os cerca após a morte, ao passo que se seu-

228

, .
.
,

DEVASSANDO O INVISÍVEL 229


tem mais vivos, mais vibráteis do que se sentiam quando humanos. Em segundo,
porque são teimosos, retrógrados, cegos que não querem ver, ou seja, são
senhores da própria vontade para aceitarem ou rejeitarem este ou aquele fato, tal
como o eram na Terra. Não obstante, existem causas múltiplas no «mecanismo»
que inventastes para complicar o acontecimento, ou o ensinamento, que os
códigos da Revelação Espírita já ofereceram aos atentos... No caso do infeliz
atirado ao poço repleto de víboras, houve o traumatismo moral-mental, além do
físico, antecedendo a chamada morte, O supliciado sentiu tal horror ao acontecido
(no Oriente era comum tal gênero de suplício para os grandes criminosos), sofreu
tão intenso martírio na situação a que se viu arrojado, que todas as moléculas do
seu perispírito se chocaram violentamente, provocando um traumatismo
generalizado. O suicida não se sente vivo, e assim não se julga, a despeito de
haver procurado a morte? Aliás, no caso houve também o despertar da
consciência delituosa: ele reviu, em retrospecto, como em pesadelo, o crime por
ele mesmo cometido no pretérito, contra certa personalidade de quem desejou
desfazer-se... Um poço não guarda melhor o segredo de um homicida do que um
rio, ou uma sepultura aberta no campo ou no fundo do quintal?...
A surpresa, o remorso, o pavor do Desconhecido, o terror à Justiça Divina
agravaram-lhe a situação mental. Estabeleceu-se a confusão e ele se reputou
vítima de um pesadelo. Em verdade, o seu Espírito não permaneceu no fundo do
poço durante dois séculos. O que se passava era a impressão mental, provocando
as sensações intensas do perispírito, o fenômeno da «repercussão», na mente, do
acontecimento que produziu a morte do corpo de carne, morte violenta e dolorosa
por excelência, sob todos os aspectos. O ver-se e sentir-se no fundo de um poço,
irremediàvelmente perdido, atacado por múltiplas impressões torturantes; a
consciência cul
prece; se sua homeapós, caras e vossa enxergarão harem. Se, ortardes a até
mesmo s, pois vos- u a reação a se recue contra a ouvir, pois rmal e co- ais
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DEVASSANDO O INVISÍVEL

pada de um crime idêntico, na pessoa do próximo, trazendo-lhe o remorso, deram


em resultado ser o fato insculpido na mente, traumatizado o perispírito pelo acervo
de sensações violentas. E, como a mente é criadora. e como o pensamento tem
possibilidades de impor qualquer impressão, ideia ou recordação, onde quer que o
infeliz estivesse se encontraria no fundo de um poço. Quando encetais longa
viagem, a trepidação do comboio, que vos perturbou os nervos e as sensibilidades
mentais, não prolongam, embora vagamente, as impressões da viagem, não
obstante já tenhais chegado ao destino? Não continuais revendo as paisagens
que foram contempladas, não vos ensurdecem ainda os rumores do veículo, não
continuais mesmo a sentir como se estivésseis no veículo em movimento? Só no
dia seguinte, após sono reparador, estareis sereno, refeito do trauma nervoso-
-mental... Não esqueçamos, outrossim, que as impressões e as sensações são
vigorosamente mais intensas nos desencarnados do que nas criaturas humanas.
Assim sendo, um choque violento, o ódio inveterado (espécie de traumatismo
moral-sentimental), a vingança e até o amor desordenado operam tais fenômenos,
e o seu mecanismo está sediado no poder natural da mente, na vontade imperiosa
que agiu à revelia da própria consciência, na inferioridade dos sentimentos, pois
tudo isso resulta do acervo de paixões incontroláveis
A uma entidade em boas condições morais e mentais não sucederá o mesmo.
Demorais a entender tal «mecanismo» porque vos achais ainda longe de
compreender a intensidade das sensações e das impressões de um
desencarnado, assim como do seu poder mental. Existem Espíritos que, afastados
da vida terrena há séculos, insistem em viver consoante suas inclinações
apaixonadas, ou seja, habitando castelos e praças fortes, como o fizeram em seus
tempos de condestáveis. A vontade que têm de prolongar a época do fausto e do
poderio e a

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pessoa do próximo, traresultado ser o fato inso perispírito pelo acervo rno a mente
é criadora. ibilidades de impor qualdação, onde quer que o no fundo de um poço.
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ao destino? Não que foram contempla- os rumores do veículo, como se
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apaixonadas, as fortes, como o fiveis A vontade que sto e do poderio e a

força mental de que podem dispor retêm as lembranças do passado, consolidam-


nas, e eles assim permanecem, dentro da época em que viveram sobre a Terra,
mas sem compreenderem o que realmente se passa. Se lhes perguntarmos: «Sois
homens ou Espíritos alados?», responderão: «Somos homens!». E porque vivem
e agem como homens, frequentemente se intrometem na vida dos homens
terrestres, influenciando-os em mil e uma peripécias cotidianas...
O Além-Túmulo pertinente à Terra está crivado de castelos, abadias, cortes
poderosas, praças fortes e até tribunais e patíbulos. A Inquisição, ali, ainda não foi
extinta! E todos os seus habitantes, ou criadores, se consideram vivos (como
realmente são, embora destituídos da carne), ignorando, muitos deles, que são
desencarnados. Alguns não passam de hipócritas, ao afirmarem tal, pois
conhecem a própria situação, embora não entendam muito bem o que se passa.
Outros fingem ignorar o verdadeiro estado, devido ao terror que sentem pela
morte, a qual lhes trará o julgamento divino, segundo as crenças que esposam.
Há, ainda, aqueles que não se sentem animados para a responsabilidade que a
evidência de tal realidade acarreta para o desencarnado, e outros ainda vacilam...
Mais raros são, com efeito, os sinceros no afirmar a ignorância de um
acontecimento que se impõe pela força da própria realidade.., afora os recém -
desenearnado de ordem medíocre ou inferior. Aliás, todos eles vivem dentro da
Eternidade. E o que são dois séculos, dois milênios para a Eternidade?...
Não deveis complicar acontecimentos dessa ordem com discussões estéreis,
interpretações personalistas ou suposições arriscadas. Deveis é reestudar
atentamente, met&licamente, o que há sido concedido com a Revelação Espírita,
elevando-vos, quanto possível, ao nível de sinceros intérpretes do Mundo
Invisível, propagando os segredos que fordes desvendando, explicando-os do alto

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das tribunas, através da imprensa, em «mesas redondas» ou em reuniões
públicas ou particulares, porque o homem hodierno tem urgente necessidade de
conhecer certos grandes e terríveis segredos do Além, a fim de se conduzir à
altura da responsabilidade de ser partícula da própria essência divina, como
Espírito imortal que em verdade é, e não apenas substância material destinada ao
monturo da sepultura. A Revelação Espírita é bela, grandiosa e profunda. Que não
vos detenhais, pois, na sua propagação, descerrando os véus dos grandes
ensinamentos que ela traz, pois este é o vosso dever, e para isso nascestes
dotados do inapreciável poder que vos torna porta-voz de dois mundos.. . »
*
**
Mas a verdade é que, no dia seguinte, nos sentimos meio apavorada, receosa de
sofrer qualquer acidente que nos fraturasse o braço... Foi-nos necessário orar e
vigiar atentamente, nesse dia, para que a sugestão sofrida durante o transe
noturno, para instrução, se extinguisse definitivamente. Nada nos sucedeu, porém,
e à tarde estávamos completamente recuperada para as dúlcidas irradiações da
Espiritualidade iluminada, que nos concede seus ensinamentos. Fora apenas uma
demonstração ao vivo — espécie de exibição cinematográfica —, para desvendar
alguns dos muitos segredos do Invisível, pois certamente que o médium não
conseguirá devassar apenas as regiões felizes. .
F’ 1 M

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