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Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-65-00-26768-6
21-73018 CDD-306.69960981
Índices para catálogo sistemático:
Apoio
Patrocínio
Equipe do projeto
Coordenação da Pesquisa
Adriana Toledo (Iyá Adriana de Nanã)
Egeu Gómez Esteves
Giovanna Bonilha Milano
Henrique Zoqui Martins Parra
Joana da Silva Barros
Patricia Laczynski
Simone Aparecida Ramalho
Pesquisadores
Ana Beatriz da Silva Santos
Antonio Pedro Lima Júnior
Cawê Tumbi Oliveira de Moraes
Elaine Souza do Carmo
Eric Augusto Xavier da Silva
Gessica da Silva
Gleyce Gonçalves Bezerra da Silva
Jade Soares G.A. Mattos
Jêniffer De Paula
Joice Braga de Paula Souza
Karolayne Lucia da Silva Faleia
Larissa Cordeiro da Silva
Laissa Sobral Santos Martins
Marcelo Raimundo dos Santos (Ògá Marcelinho de Logunedé)
Marisa Romão - (Iyálodé Marisa de Oyá)
Paulo Roberto de Assis Franco
Samira Stella da Silva Souza
Shirley Fernandes dos Santos (Iyá Shirley de Osanyin)
Thabata Leticia Morais da Silva
Thamires Araújo Macedo
Agradecimentos
Babá Sidnei Nogueira
Ekedy Suzy(iyá Egbé) -Ilé Asè Oluaiye Ọmọde Okurin Efan
Valmir Pereira dos Santos - Valmir da Irmandade da Boa
Morte
Felipe Brito - Conselho Político da Ocupação Cultural
Jeholu
Mãe Lúcia de Oxum - Ilé Alàketu Asé Karé
Mãe Luizinha de Nanã - Ilê Alaketú Axé Aira - Axé
Batistini
Mameto Mazakiese - Abassá Diá Nganga Njila Mavile
Junçara
Leandro Flório - Ilé Alàketu Asé Karé
Tata Mavile - Abassá Diá Nganga Njila Mavile Junçara
Babalorixá Pingo de Yemonja - Ilê Oxum Mitalade e Ogum
Beira Mar
Beatriz Almeida - Plataforma 0101
Moisés Patrício - Plataforma 0101
Dedicatória
08
A contenda entre Nanã Burucu e Ogum
09
para esquartejá-lo. Os animais oferecidos a Nanã são
mortos e decepados com instrumentos de madeira. Não
se pode utilizar faca de metal para cortar sua carne,
por causa da disputa que, desde aquele dia, opôs Ogum
a Nanã. Foi decisão de Nanã, que no futuro, nenhum de
seus seguidores se utilizaria de objetos de metal para
qualquer cerimônia em seu louvor. Que os sacrifícios
feitos a ela fossem feitos sem faca, sem precisar da
licença de Ogum e ainda assim, poder tudo realizar.
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O Projeto Cabaça: Comunidades de Matriz Africana
e Economia Solidária
O projeto Cabaça: Comunidades de Matriz Africana
e Economia Solidária, surge em 2020 com a proposta de
dialogar sobre modelos econômicos que contemplem a
história do Brasil que a história do Brasil escolheu não
contar. Esse projeto de Extensão Cultural da UNIFESP
- Universidade Federal de São Paulo campus Leste,
é composto por ialorixás, ogans, pessoas iniciadas,
membros de comunidades de matrizes africanas,
professores universitários, estudantes universitários
e pesquisadores da área. O mote é a economia, entretanto,
não se trata ainda de uma incubadora, laboratório de
empreendedorismo, ou uma cooperativa. Trata-se aqui do
registro a partir de epistemologias que precisam se
construir ou se ressignificar, trata-se do encontro,
diálogo e, portanto, troca de saberes a respeito dos
componentes mais profundos de um sistema civilizatório
secular, resguardado no Brasil a partir de culturas
que se aglutinam em seu modo de vida, por exemplo,
os quilombos; e nas religiões de matrizes africanas:
Candomblé, Umbanda, Jurema, Terecô, Tambor de Mina
no Maranhão, e os Xangôs de Pernambuco, entre outras
religiões estruturadas nesse grande sistema civilizatório
transplantado do continente africano ao Brasil,
fundamental para a edificação daquilo que se compreende
quanto país. As vivências econômicas das Comunidades
Tradicionais de Terreiro (CTTro) estão na sociedade
brasileira há séculos, gerando emprego e renda, porém,
na realidade, a contribuição africana para a história
econômica do Brasil é reconhecida exclusivamente pela
objetificação de pessoas, sequestradas e tratadas como
mercadoria.
A revelia do Estado com projeções eugenistas de
que no séc. XXI não existiria população negra no
Brasil, são justamente a partir dos modelos econômicos
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insurgentes, mantenedores da produção do comum, que
hoje, negras, negros e negres representam cinquenta e
três por cento da população, dos quais vinte e oito por
cento, logo, cinquenta e nove milhões de vidas, são
mulheres autodeclaradas negras ou pardas, segundo o
censo do IBGE em 2014. Para materialização dessas ideias
partimos de três ferramentas: encontros, hoje digitais,
porém, o desejo do projeto é que se tornem analógicos, a
escrita ocupa seu espaço via suporte E-book (quem sabe
um dia impresso), e a subjugada oralidade, é tratada
através do Cabaçacast podcast do projeto: lançando
mão de recursos modernos, acessamos o ancestral, e a
partir de uma grande gira, com aproximadamente 1h de
duração a oralidade se perpetua. Racismo religioso
e intolerância religiosa; matripotência; culinária e
tecnologias econômicas de mulheres; as ialodês e a
história do candomblé no Brasil são alguns dos temas
daqui e de lá. Segundo a professora Yeda Pessoa de Castro
no livro: Falares Africanos na Bahia – um vocabulário
afro-brasileiro (2001):
O prestígio atribuído à escrita em detrimento
da oralidade, a partir de uma pedagogia,
vigente no mundo ocidental, que sempre
privilegiou o ler e o escrever diante da não
menos importante e mais antiga arte do falar e
do ouvir (...). Em consequência do parâmetro
que se colocou para povos que conhecem uma
forma de escrita literária e povos que se
valem da tradição oral, os últimos terminaram
sendo vistos, por mais essa razão infundada,
como se fossem portadores de cultura inferior
ou até mesmo desprovidos de qualquer tipo de
cultura.
12
Culinária e a fome
13
do centro da cidade. As mulheres respondem com
bravura à situação: uma vez forras, procuram
trabalho ligado à cozinha ou à venda nas ruas
de pratos e doces de origem africana, alguns
da liturgia do candomblé; a comida de santo, e
recriações profanas propiciadas pela ecologia
brasileira. Eram comuns essas atividades entre
os baianos na Pequena África, que corresponde
à região da zona portuária da cidade do Rio
de Janeiro: Gamboa, Saúde, Pedra do Sal, Santo
Cristo; locais habitados por ex-escravizados
alforriados e entre 1850 – 1920(...) A ausência
de família nuclear é compensada pela vitalidade
do grupo que não segrega a criança ao meio
infantil, incorporando-a na própria batalha
pela sobrevivência. A família negra que não
sobrevivera ao período da escravatura ainda não
se reestruturara no novo contexto da capital.
Expunha suas crianças muito cedo a uma forçada
autonomia, e as necessidades de prover ou pelo
menos ajudar, no sustento familiar. Como conta
dona Cincinha (1981) neta de Tia Ciata “Elas
todas sabem fazer doce, a gente aprende de tudo.
Elas diziam pra gente: amanhã quando casar, se
tiver um fracasso com o marido, não precisa pedir
ao vizinho nem à parente, é só fazer qualquer
coisa pra ganhar dinheiro”. Cada uma nas suas
casas, os que iam nascendo não sabiam ainda e
ia-se ensinando.
14
Se o poder é muito bom eu quero poder também [1]
15
fortaleça a comunidade, estabelecendo UBUNTU; eu sou
porque nós somos. Os exemplos citados revelam, como
não faz sentido para a população negra exibir riqueza
como demonstração de superioridade, e sim a partir de
condições econômicas seguras, fortalecer o coletivo
que te fortalece. Esse é o propósito do projeto Cabaça:
Comunidades de Matriz Africana e Economia Solidária de
Terreiro.
16
11
CAPÍTULO I:
Racismo estrutural e religioso
O racismo é um fenômeno social com raízes profundas
fincadas em nosso país e que atualmente se operaliza
por vários tipos de opressão. O racismo religioso é
uma dessas formas. Para os descendentes daqueles que
vieram sequestrados para o Brasil ao longo de três
séculos, a repressão da fé fez parte de um processo
maior de desumanização durante e após a escravidão.
O racismo religioso é uma forma de descriminação que
demoniza e inferioriza todo credo, culto ou religião
que tenha matriz africana. O conceito vem sendo muito
utilizado em substituição ao termo intolerância
religiosa pois este último não dá conta do histórico
de racismo sofrido pelas religiões pretas.
Além de todo o peso de negação da liberdade aos
corpos e mentes de nossos antepassados e do acesso
à essa terra nomeada Brasil pelos colonizadores, a
desumanização perpetrada pelos comerciantes, senhores
de engenho e pela aristocracia colonial passava pela
negação da cultura e da espiritualidade das populações
originárias e daquelas vindas de África com ricas e
diversas formas de culto de suas divindades.
Atualmente vivemos em outro momento histórico
e político, mas o direito das comunidades e dos
indivíduos de professar e declarar publicamente sua fé
é inviabilizado pelo racismo religioso e suas diversas
formas de violência.
Outros obstáculos mais recentes para o exercício
da fé pelo povo de axé tem a ver com a brusca mudança
que ocorreu nas cidades nas últimas décadas: o avanço
da urbanização e industrialização e a consequente
perda de muitas áreas verdes e rios; Essas mudanças
influenciaram a relação das comunidades de terreiros
com a natureza e com os animais, pois tiveram também
de se transformar e se adaptar ao ambiente urbano.
17
Na cidade de São Paulo, por exemplo, principalmente
nas periferias, é muito comum encontrarmos os terreiros
de laje, e não as típicas roças com arquitetura horizontal
e íntima ligação com o chão e a terra.
Em muitas conversas do Projeto Cabaça, conversamos
sobre os impactos do racismo estrutural e religioso
no cotidiano dos terreiros, mas também das reinvenções
necessárias para que o axé continue a pulsar nos egbés
[1].
Falamos sobre a crescente dificuldade de acesso às
folhas necessárias para realizar banhos, rituais e
comida sagradas, sobre questões políticas ligadas à
criação de animais utilizados na alimentação e nos ebós,
nos desafios dos terreiros estarem ativos politicamente,
além de toda a violência física e simbólica que pode nos
“A verdade não cabe numa boca só .”
(Provérbio Bambara)
18
atravessar através das diversas instituições que temos
contato ao longo da vida (familiares, educacionais,
jurídicas, religiosas, etc).
Ao frequentar muitos espaços comuns a todos é logo
perceptível que as instituições supostamente laicas não
contemplam as religiões de matriz africana: em escolas,
hospitais, tribunais, além do discurso cristocêntrico,
os símbolos demarcam que naquele espaço nossas práticas
não costumam estar presentes.
Tolerar significa “suportar” ou “aceitar”. O Olukò
[2] Babá Sidnei Nogueira em seu livro Intolerância
Religiosa (2020) nos traz uma discussão muito importante
sobre os significados que a tolerância pode adquirir em
uma sociedade estruturalmente racista. Vivemos em um
país historicamente marcado pela imposição de símbolos
e modos de vida cristãos sobre outras cosmo sensações
(Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí), como aquelas presentes nas culturas
de matriz africana.
A ação de tolerar não deve ser celebrada nem buscada
como ideal político ou como virtude. Se faz necessário
o respeito, acima de tudo, mas também que outras esferas
da vida sejam viabilizadas para a manutenção do culto
aos antepassados, como acesso aos recursos naturais
cada vez mais escassos.
A educação construída em nosso país no ensino
básico, nas universidades e nos terreiros de estudos
também deve se amparar na Lei 10.639/2003 para que,
além de tolerar, as pessoas possam conhecer e respeitar
a fé e a cultura de matriz afro constituída de saberes
diversos.
19
Ações da Cabaça
Kitanda de saberes ancestrais
Entre nossas ações nos encontros periódicos buscamos
mobilizar lideranças espirituais para contribuir com
saberes e fazeres dos povos de terreiro. As feiras
ou kitandas de saberes são estudos temáticos, com a
presença ilustre de uma pessoa mais velha para partilhar
experiências:
[4]
4. Acervo Cabaça
20
CAPÍTULO II:
Matri potência é colo de mãe
As Múltiplas linguagens presente nas culturas afro
indígenas são as resistências das antepassadas em manter
viva tradições seculares, nossas línguas, um balaio
cultural ancestral da diáspora africana e dos povos que
nessa terra já habitavam. As linguagens proverbiais,
itans, contos, para as pessoas africanas continentais
e em diáspora, carregam força de realização, elas têm
uma determinada função e seu uso são fundamentos para
construção dos tecidos de pensamentos que se expressam
nas vitrines das identidades
e ancestralidades, para tamanha força temos nossas
mulheres, nossas raízes, nosso matriarcado.
Matriarcado é um conceito prático filosófico e
tradicional que coloca as experiências das mulheres, não
femêas, não animais, mas mulheres africanas, cultivadoras
das tradições, responsáveis por preservar os códigos
alicerçais da humanidade , pilares fundamentais de
suas comunidades, da educação ou seja da produção de
conhecimento, dos saberes do seu povo.
“Nós temos tecnologias milenares de
desenvolvimento econômico, quanto mais eu
estudo a matri potência mais afirma e reforça
o que eu sinto, eu penso, que … a necessidade
de não subjulgar, pq é necessário , a
prosperidade, geradora da vida, ligação com
a ancestralidade. nós somos as portadoras da
prosperidade, não nos eliminar completamente,
não apenas por causa do útero,... onde os
agressores se alimenta da prosperidade do
feminino, quase que o ritual humano em prol
da manutenção do patriarcado, é fundamental
a gente construir essa proposta, resgatando
isso, é no matriarcado africano que tem as
dicas, os caminhos, as receitas da construção
do bem viver que foi perdido lá atrás, saudade
21
daquilo que tá enterrado, o bem viver pra
nós é essa prosperidade, onde compartilha a
prosperidade”“Nós temos tecnologias milenares
de desenvolvimento econômico, quanto mais eu
estudo a matri potência mais afirma e reforça
o que eu sinto, eu penso, que … a necessidade
de não subjulgar, pq é necessário , a
prosperidade, geradora da vida, ligação com
a ancestralidade. nós somos as portadoras da
prosperidade, não nos eliminar completamente,
não apenas por causa do útero,... onde os
agressores se alimenta da prosperidade do
feminino, quase que o ritual humano em prol
da manutenção do patriarcado, é fundamental
a gente construir essa proposta, resgatando
isso, é no matriarcado africano que tem as
dicas, os caminhos, as receitas da construção
do bem viver que foi perdido lá atrás, saudade
daquilo que tá enterrado, o bem viver pra
nós é essa prosperidade, onde compartilha a
prosperidade”
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CAPÍTULO III:
Comida e terreiro
Candomblé também se aprende na cozinha
23
candomblé. Se você estiver dentro da cozinha lavando
um copo, você aprende. Você aprende quase tudo, porque
muito parte da cozinha: o ebó vem da cozinha, o limpar
de um bicho vem da cozinha, a mãe de santo entra na
cozinha para ver como estão as coisas e do nada sai
o aprendizado. Se aprende também como se comportar na
cozinha e consequentemente no terreiro.
24
Segundo a professora Yeda Pessoa de Castro no livro:
Falares Africanos na Bahia – um vocabulário afro-
brasileiro (2001):
25
26
Embora pareça ser confuso e desordenado, era uma
atividade muito organizada. Elas tiveram que adaptar os
seus produtos de acordo com a oferta e a demanda local,
conquistando o espaço do chamado “comércio a retalho’’.
E assim, vendiam de tudo, produtos da terra, como peixes,
carnes, farinha, frutas, hortaliças, doces, aguardentes,
tecidos, charutos, velas, amuletos, carvão, lenha etc,
As negras de tabuleiro se organizavam (e isso ocorreu
em todo o Brasil) em algo que podemos chamar hoje de
cooperativas. Elas ajudavam as menos afortunadas, por
exemplo; na época do parto. Elas proviam de alimentos
e o que mais necessitasse a grávida, ou a mãe, para que
ela pudesse cumprir o “resguardo” e ficar com seu bebê.
“Em todas as cidades brasileiras, a cena
era sempre a mesma: negras cercadas de ovos, frutas,
víveres, jarros e cabaças com bebidas fermentadas,
agachadas sobre os calcanhares fritando peixes e
bolinhos de feijão, preparando petiscos de carne seca
ou carne de porco. Enquanto isso, uma pequena multidão
de fregueses aguardava ansiosamente as iguarias saídas
do fogo.” (PANTOJA, 2008)
“Equilibrando cestos, gamelas e tabuleiros
sobre a cabeça, sempre que possível, trajavam vestes
e adereços de acordo com a sua etnia. Dentre as suas
vestes, turbantes, saias, batas, túnicas e panos-da-
costa, usados soltos nos ombros ou para carregar os
seus filhos nas costas. Os famosos balangandãs e pencas,
além da função estética, significavam a ascensão social
a cada acessório adquirido.” (SHUMAHER & VITAL BRAZIL,
2007)
No Brasil, as negras quitandeiras encontravam-
se na situação de escravas, normalmente como “escravas
de ganho”, assim chamadas porque ajudavam a aumentar a
renda dos seus senhores com o comércio de tabuleiro nas
ruas. Muitas dessas mulheres chegaram a representar a
única ou a fonte mais importante de renda das famílias.
Uma vez paga a sua obrigação para com o senhor, essas
27
negras poderiam comprar a própria alforria ou de seus
filhos e companheiros com o excedente que lhes sobrava.
De norte a sul, essa situação repetiu-se onde elas
estavam presentes. O “ganho” representou para elas, uma
possibilidade de libertação e proporcionou uma maior
sociabilização entre os ainda escravos que moravam nas
cidades.
Aqui em São Paulo, o local determinado para a venda de
tabuleiro é a hoje conhecida como rua da Quitanda, que
fica entre as ruas Álvares Penteado e 15 de Novembro,
na Sé.
E exemplos desse legado não nos faltam no dia
a dia em nossa mesa. Veio da África e foi perpetuado
por essas mulheres, o uso do leite de côco, bem como
o azeite de dendê, a pimenta malagueta e o feijão
preto. Pratos que também são de origem africana, como
a farofa, o quibebe de abóbora, e o couscouz, entre
tantos outros pratos presentes na culinária brasileira.
Assim, esse comércio foi muito mais do que um simples
28
comércio. As comidas que faziam, são as de origem
africanas, hoje feitas nos terreiros. Perpetuou se, por
uma oralidade, o como fazer e para que e quem, fazer essas
comidas, e isso para o candomblé é muito importante.
Elas contribuiam também para o abastecimento alimentar
da população da cidade, que não dispunha de comércio
de alimentos suficiente para atender a toda a população
urbana, que crescia cada vez mais. E para as negras,
era uma reverência à memória da África. A prática de
sua identidade africana. E não é isso que hoje também
ocorre nos terreiros? Reverenciamos nossos orixás
com práticas alimentares? Além disso, esse comércio
era a oportunidade de ascensão social e conquista da
liberdade. Desse modo, mais que um comércio, há de se
pensar nessa simbologia dos alimentos. Há uma história
de oralidade desse momento que nos chega, nos dias
de hoje, em nossos terreiros. Há um acolhimento que
hoje também se faz presente nas casas de Asé. Há um
transmitir de conhecimento e respeito que hoje também
se faz presente. Talvez, o que nos falta é como fazer o
dinheiro acontecer nos terreiros. A sabedoria do fazer
e do bem fazer já nos foi transmitida. Da economia
criativa e solidária e em sintonia com o movimento dos
povos acã, (grupo linguístico da África Ocidental);
Sankofa, representado pela imagem de um pássaro com
a cabeça voltada para trás, e que para Abdias do
Nascimento (ator, poeta, escritor, dramaturgo, artista
plástico, professor universitário, político e ativista
dos direitos civis e humanos das populações negras
brasileiro) pode ser interpretado como “retornar ao
passado para ressignificar o presente e construir o
futuro”. E foi exatamente isso que o projeto de extensão
CABAÇA faz, buscando entender a ancestralidade para
dar sentido ao nosso momento atual e construir um futuro
mais inclusivo, produtivo, criativo e solidário! Asé!
Uma vez paga a sua obrigação para com o senhor, essas
negras poderiam comprar a própria alforria ou de seus
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filhos e companheiros com o excedente que lhes sobrava.
De norte a sul, essa situação repetiu-se onde elas
estavam presentes. O “ganho” representou para elas, uma
possibilidade de libertação e proporcionou uma maior
sociabilização entre os ainda escravos que moravam nas
cidades.
Aqui em São Paulo, o local determinado para a venda de
tabuleiro é a hoje conhecida como rua da Quitanda, que
fica entre as ruas Álvares Penteado e 15 de Novembro,
na Sé.
E exemplos desse legado não nos faltam no dia
a dia em nossa mesa. Veio da África e foi perpetuado
por essas mulheres, o uso do leite de côco, bem como
o azeite de dendê, a pimenta malagueta e o feijão
preto. Pratos que também são de origem africana, como
a farofa, o quibebe de abóbora, e o couscouz, entre
tantos outros pratos presentes na culinária brasileira.
Assim, esse comércio foi muito mais do que
um simples comércio. As comidas que faziam, são as de
origem africanas, hoje feitas nos terreiros. Perpetuou
se, por uma oralidade, o como fazer e para que e quem,
fazer essas comidas, e isso para o candomblé é muito
importante. Elas contribuiam também para o abastecimento
alimentar da população da cidade, que não dispunha de
comércio de alimentos suficiente para atender a toda a
população urbana, que crescia cada vez mais. E para
as negras, era uma reverência à memória da África.
A prática de sua identidade africana. E não é isso
que hoje também ocorre nos terreiros? Reverenciamos
nossos orixás com práticas alimentares? Além disso,
esse comércio era a oportunidade de ascensão social e
conquista da liberdade. Desse modo, mais que um comércio,
há de se pensar nessa simbologia dos alimentos. Há uma
história de oralidade desse momento que nos chega, nos
dias de hoje, em nossos terreiros. Há um acolhimento
que hoje também se faz presente nas casas de Asé. Há um
transmitir de conhecimento e respeito que hoje também
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se faz presente. Talvez, o que nos falta é como fazer o
dinheiro acontecer nos terreiros. A sabedoria do fazer
e do bem fazer já nos foi transmitida. Da economia
criativa e solidária e em sintonia com o movimento dos
povos acã, (grupo linguístico da África Ocidental);
Sankofa, representado pela imagem de um pássaro com
a cabeça voltada para trás, e que para Abdias do
Nascimento (ator, poeta, escritor, dramaturgo, artista
plástico, professor universitário, político e ativista
dos direitos civis e humanos das populações negras
brasileiro) pode ser interpretado como “retornar ao
passado para ressignificar o presente e construir o
futuro”. E foi exatamente isso que o projeto de extensão
CABAÇA faz, buscando entender a ancestralidade para
dar sentido ao nosso momento atual e construir um futuro
mais inclusivo, produtivo, criativo e solidário! Asé!
31
CAPÍTULO IV:
Economia solidária de terreiro
As comunidades de terreiro se perpetuam como
espaços de aquilombamento, arcabouços de memória,
cultura e linguagens próprias. O chão que pisamos ao
adentrar o espaço sagrado é “um território de deuses
e entidades espirituais pretas, por meio dos quais se
busca a prática de uma religiosidade, a um só tempo
33
homens e mulheres que construíram e ainda constroem a
prática econômica solidária a partir de suas próprias
experiências e conhecimentos dentro e fora dos terreiros.
34
Com os nossos
e por nós, resistimos
E numa quinta-feira de fartura e com um filho de
Pambunjila, os trabalhos em campo se iniciaram. A
prosperidade, a encruzilhada e sob águas angola. Nada
é por acaso. É sobre alimento, numa caça de partilha
sempre coletiva. É sobre possibilidades já vividas
antes, reinventadas agora e em circularidade pelo
futuro. Não é traquinagem, apenas a verdade: em terra
da Trindade, seguimos com nosso Tridente. Não é por
mal, mas por Exú. Sorri-tridente, conhecemos Poisedon
e Netuno, mas seguimos pela encruzilhada - as nossas
águas são outras. E com os afluentes bantu, efon, jejê
e nagô, também posso dizer: “eu sou atlântica”.
Em campo, a nossa busca foi identificar como se dá
a compra, o consumo e o custeio de itens fundamentais
aos ritos, tais como os bichos, os alimentos votivos
(grãos e afins), vestimentas e artigos religiosos.
A demanda por prestação de serviços (buffet, ogans
profissionais, por exemplo) foram observados, bem
como, se há oferta de serviços a comunidade interna
ou externa. Algumas particularidades de custeio das
contas básicas e a condição do imóvel também foram
questionadas. E ao fim, houve a escuta de sugestões
para a economia de terreiro e de causos do percurso
individual ou do ilê. É importante frisar que todos
os encontros foram virtuais, pois orixá não é vacina,
inkisse não é distanciamento social e vodun, bem como
qualquer entidade da esquerda ou da direita, não aceita
irresponsabilidade. Do contrário, não há doború que
nos ajude.
Em nosso primeiro passo, nos encontramos com Tata
Mavile e Mameto Adriana, do Abassá Diá Nganga Njila
Mavile Junçara, da zona sul de São Paulo. Em conexão
direta com a zona norte, na presença do ogan Marcelinho
Santos de Logunedé e apoiado por corpos atentos em
35
variadas regiões da cidade, a entrevista se fez. A
dita conexão de hoje, em verdade, é uma tecnologia por
nós vivida em ofó pelas oritás desse mundo. Antes do
wi-fi, há muito, o ejé roteia conexões.
No Abassá, os bichos, grãos e artigos religiosos
são adquiridos por alguns fornecedores externos e em
pontos variados da cidade (Diadema e Santo André, por
exemplo), levando em conta: a qualidade, urgência e
a finalidade, todos mediados pelo preço. Há algumas
ervas presentes na casa, com destaque para a taioba
e as vestimentas são confeccionadas pela Mameto
Adriana. Além do talento no manejo linha-agulha, aqui
ficou evidente o desconhecimento da diversidade afro-
religiosa. Nas casas de artigos religiosos – ou cá entre
nós, nas casas de umbanda – raras são as que ofertam
vestimentas e paramentas para inkisses. A despeito de
sua diversidade, o candomblé ainda é lido através da
nação ketu (nagô). Historicamente, ao se articular como
berço da tradição, o candomblé ketu transita com maior
habilidade na esfera pública e domina o diálogo com o
Estado. Ao se firmar como porta-voz, a sua poética habita
o imaginário e consequentemente, é a mais observada
nas lojas do segmento. Irmãos, não desconsideramos a
sua importância ou queremos reinventar primazias, nem
por um instante. Contudo, é chegada a hora da vigília:
“se cada um mexe na sua panela”, as outras águas também
têm sua quartinha – a propósito, como está a sua?
No que toca a serviços, nunca contratou tata
de engoma para tocar ou fez uso de buffet. O Abassá
prioriza a mão da kota rifula nesta função e defende o
uso das carnes rituais. E que se faça saber, em todo
terreiro, o sacrifício ritual garante a alimentação da
comunidade religiosa. Alimento que sacia os presentes
nas festividades e a comunidade do entorno. É como
dizem os nossos: “quem me dá de comer, também come!”.
Acusa-nos até de sacrifícios humanos, mas quem tem
sangue nas mãos são aqueles que tombam os corpos negros
36
37
diariamente, por ação ou omissão. Afinal, mesmo cobertos
pela alvura do alá, somos alvos.
Sobre a dinâmica econômica, o Abassá empreende
uma cantina e uma tenda com a venda de brincos e
demais acessórios, durante os toques e as festividades
de ciganos, respectivamente. Nas duas ocasiões,
os esforços são dos filhos da casa e os ganhos são
revertidos em benfeitorias internas. E quanto às
sugestões de potencialidade financeira dos terreiros, o
Tata e a Mametu apontam a captação da água da chuva, a
comercialização de tecidos e roupas como alternativas.
A Mametu Adriana destaca a importância de parcerias
públicas, para a formação da comunidade, sobretudo, da
juventude.
A segunda imersão fluiu da zona norte, sob águas do
ketu e axé de Quem domina o tilintar de idês dourados.
A quarta-feira é dos ventos, mas sem intriga nesse
balaio de Yabás, o dia foi de Mãe Lúcia de Oxum, do
Ilé Alàketu Asé Karé. As questões e o entrevistador se
mantem, os apoios se alternam em corpos e cantos da
cidade, nesta e demais entrevistas.
No Asé Karé, a compra de animais se faz em lugares
conhecidos e de longa data, a Mãe preza pela qualidade,
preço e desconto possíveis na negociação. A saúde e as
boas práticas no trato animal são fatores de primeira
ordem. No que toca aos grãos, a Mãe realiza as compras
internas e muitos dos filhos ou consulentes, escolhem a
região central ou o Mercadão da Lapa.
Pai Leandro, filho da casa e carnal de Mãe Lúcia
de Oxum, também estava presente no encontro. Ele nos
contou que o trato de grãos é uma forma de unir os
irmãos e os manter atentos, na escolha do que ofertar
para orixá. Mãe Lúcia de Oxum fala do comunitarismo
posto nas tarefas de escolha, limpeza e armazenamento
dos grãos. Ou seja, o louvor começa no miudinho e vai
ganhando novos elementos, presenças e manejos. A quem
nos espetaculariza saiba que até um copo d’agua é
38
oferenda – segure esse barravento. Pai Leandro narrou
toda a labuta para tratar um feijão-fradinho: moenda,
águas, sol, sombra e virada de noites, sob cânticos e
demais cuidados. Muitos ventos correm até o acarajé ser
arriado, ir ao tacho bailando no ilê e saciar aqueles
que estão em tempestade.
Mãe Lúcia de Oxum defende que a rua, a caminhada, a
procura e a negociação são práticas que firmam o axé para
os filhos ou consulentes. Ela nos ensinou que na rua, em
meios às possibilidades, temos que manter o centramento
- há buscas, escolhas e confirmações. O carregar e o
prosseguir com o peso das compras aludem aos fardos
pessoais. Com efeito, quem já ouviu as peripécias do
grande Olojá, bem sabe que, nossa existência somada
à rua e ao mercado, triangula saberes atemporais. No
seu entender, o terreiro tem uma pedagogia que não se
limita a religiosidade e sim, abarcam variados aspectos
geracionais e em sociedade.
No que toca a vestimentas, muitas são confeccionadas
dentro do ilê e a Mãe costura as roupas de ração para quem
será iniciado. E quanto às paramentas e fios de contas,
Pai Leandro diz que a maioria é produzida internamente,
para catalização de axé e auto responsabilização
dos filhos. A respeito das atividades que atendem o
público externo, o terreiro empreende projetos como:
Xirê Alaiê, um CD cuja rentabilização é revertida em
benfeitorias internas; o “Papo de esteira” que divulga
conhecimentos do dia-a-dia do candomblé, com alcance
a 10 mil pessoas (Facebook); e, a Oju Ifé, que é
uma loja virtual que vende vestuários, acessórios e
artigos que veiculam a afro-religiosidade. Ao pensar
estratégias econômicas para o terreiro, Pai Leandro
defende uma articulação maior entre os religiosos e a
politização de suas práticas. Aponta também o uso de
materiais biodegradáveis como atitude sustentável e um
diferencial que poderia ser rentabilizado.
Em nosso terceiro passo, encontramos as marés que
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hoje guia o axé dos rios de outrora. Nascido na leste
e reestabelecido na zonal sul, o Ilê Axé Oxum Taladê
e Ogum Beira Mar foi o entrevistado, na pessoa do
Pai Pingo de Iemanjá. É uma felicidade contar com as
águas nagô-egbá em nossa amostra, pois é uma nação
pouco numerosa em São Paulo. Há muito para desbravar
seus encantos, em termos acadêmicos e de notabilidade
pública - não é atoa que a quebra-demanda se fez numa
terça-feira.
No Taladê, os animais e grãos têm fornecedores
variados e a compra é feita também por indicação dos
filhos. O custeio é partilhado por todos da casa, de acordo
a disponibilidade. Um relato que chamou atenção foi
quanto ao fornecimento. Apesar de condições regulares
na prestação de serviço, um fornecedor de animais foi
alvo de sucessivas blitz e o estopim foi a descoberta
da finalidade religiosa.
É escandalosa a perseguição às nossas práticas
rituais, haja vista os reiterados projetos de lei,
de variados partidos políticos, que habitam as arenas
de decisão pública. As religiões afro-brasileiras têm
um histórico de perseguição protagonizado pelo Estado
e fundamentado no racismo. A História é marcada pela
contenção de nossa fé, apoiando-se na repressão policial
e no escopo racista das regulamentações sanitárias e
urbanas. E tal como hoje, este cerceio prossegue com
o apoio de mentes embranquecidas, estas que não raro,
vêm desassossegar as nossas Yás com demandas e pedidos
de caminhos – entre outras lamúrias, mas olhe... “olho
viu, boca piu”.
Apesar das pedras, o rio segue seu curso e assim,
o Ilê Axé Oxum Taladê e Ogum Beira Mar contornou
essa contenda. Pai Pingo de Iemanjá nos relata que
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confecciona as roupas e paramentas dos filhos, mas eles
têm a liberdade de comprar em lojas do setor. O terreiro
não contrata ogans e nem faz uso de buffet. Sobre a
demanda de serviços internos, ele opta por indicações
dos filhos mais próximos. Esse cuidado se dá por temer
a segurança do ilê e das pessoas ali presentes - um
reflexo dos ataques que se tem notícia. Não é de hoje que
temos relatos violentos e cada vez mais orquestrados.
Em nome de Deus: incendeiam e invadem nossas casas e
ritos, nos criminaliza, zombam da manifestação dos
Nossos, humilham as mais velhas e até apedrejam nossas
crianças. Não há Irê que tenha paz, enquanto o racismo
nos impõe Ibi.
Em nossa última imersão, encontramos quem é regida
pelos mistérios primordiais dessa terra, o útero
ancestral. Iniciamos nossos trabalhos com um filho de
Pambunjila e concluímos essa primeira fase do projeto
numa segunda-feira. Já foi dito e repito: não é por mal,
é por Exú. O acaso é uma circularidade. Mãe Luizinha
de Nanã do Ilé Alaketu Asé Airá (Axé Batistini), de
nação ketu, localizado na região metropolitana de São
Paulo, nos recebeu e partilhou lembranças de um legado
do candomblé paulista.
A compra de animais e artigos religiosos tem alta
rotatividade de fornecedores, no intuito de dinamizar
a economia de variados profissionais do ramo. Os grãos
são obtidos na Zona Cerealista e demais alimentos no
Parque Dom Pedro. As roupas são obtidas de diferentes
filhas da casa, para manter o incentivo e a rotatividade.
E internamente, estimula os filhos a comprar das
costureiras do axé. Quanto às paramentas, ela conhece
e indica alguns fornecedores, mas as de sua Mãe Nanã,
são confeccionadas por quem cuidou do Xangô do Pai
Pérsio. A casa tem uma ampla rede de fornecedores,
nas mais diversas necessidades - a sua antiguidade,
dimensão territorial e quantidade de filhos, contribuem
para essa facilidade. Contudo, estes fatores foram
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dinamizados lá atrás, por Pai Pérsio de Xangô. Por
astúcia, mesmo em tempos menos receptivos ao candomblé,
ele organizou o trânsito de vestimentas, acessórios e
ferramentas religiosas, dentro e fora do terreiro.
Em ação externa, o Axé Batistini promoveu a doação
de cestas básicas, com recursos advindos da sua rede
de contatos, somados à busca feita junto a clientes
e filhos da casa. A doação atendeu filhos e entorno,
de diferentes regiões de São Paulo e até da Baixada
Santista. A pandemia ampliou a insegurança familiar
nacionalmente e atitudes como estas são fundamentais.
Entretanto, a doação de cestas e alimentos é uma prática
corrente nos terreiros, muito anterior a atual crise
pandêmica. O perfil das lideranças de terreiro é de
alta vulnerabilidade social, composta em sua maioria
por mulheres negras, de baixa escolaridade e renda
mensal. Apesar deste marcador, é através dos terreiros
que muitas famílias garantem o alimento. É importante
salientar que a doação atende, destacadamente, as
comunidades externas e sem vínculo religioso. Essa
realidade evidencia, ainda mais, o quão potente seria
o uso dos nossos espaços como promotores de segurança
alimentar. Em terreiro, a prosperidade se faz, pois
quem cultua Odés sabe que o alimento só sacia quando em
coletividade. É sabido por nós que a escuta e a palavra
também alimentam. As nossas folhas são abundantes e em
sopro, cura a angústia de muita gente.
E por falar em coletividade, o Axé Batistini cultiva
uma rede de irmãos, numa conexão São Paulo – Bahia. O ilê
não faz contratação de ogans e usa serviços de buffet há
alguns anos em suas festividades. A casa é tombada como
patrimônio cultural nos níveis municipal e estadual. A
patrimonialização é a política pública mais estruturada
que atende os terreiros e alguns benefícios são: a
proteção do território, do imóvel, recursos naturais,
entre outros. Só atualmente, os reconhecimentos têm
sido mais diversos, abrigando as casas de nação angola,
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jejê e recentemente, o Santuário Nacional da Umbanda
(Santo André) – justo, pois a umbanda é uma religião
afro-brasileira com seus fundamentos e patrimônios,
sim. Estas conquistas recentes são frutos dos esforços
antirracistas, ao se somar em aquilombamentos, ocupar
a academia e espaços decisórios. “Os nossos passos vêm
de longe”.
Muitas são as demandas para se quebrar nesse Brasil
que estampa corpos e signos negros mundo afora; busca
acalanto em nossas giras; mas ao fim, nos marginaliza
e mata cotidianamente. É por isso e tanto mais que
devemos nos cuidar, tecer teias e fortalecer nossas
redes - de afeto e de owó. Sim, prosperar como antes,
como nunca e de novo. E não há caminho mais justo
daquele que faz do terreiro e com os irmãos, rotas de
prosperidade. Em nossos espaços há produção, consumo e
difusão de bens, serviços e saberes. É por justiça que
compramos de nossos irmãos e filhos de fé: quem melhor
para entender nossas expectativas? É justo fazer a paga
de um serviço prestado pelos nossos: a boca tem fome,
haja vista Exú. É por crer na justiça que divulgamos os
tantos trabalhos: vejam o que falam de nós, precisamos
falar por si.
Somos um povo próspero, mas ainda nos resta
prosperar. E como? De muitas maneiras, espie os fluxos
econômicos de sua casa, tais como costura, artesanato,
alimentos e um tanto mais. Aquilombe ideias, trace novas
rotas. Alimente, seja alimentado e prospere. Firmar o
propósito e vigiar o ofó em irmandade é urgente.
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Vocabulário
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pelo manejo das comidas sagradas.
Mametu - Sacerdotisa, autoridade máxima no candomblé
angola, mãe.
Nagô-egbá - Nação do candomblé, conhecido também como
Xangô (Recife/PE)
Nanã - Orixá das águas pantanosas e dos mistérios
ancestrais
Ofó - Versos recitados para que um encantamento funcione.
Encantamento através das palavras
Ogan / Ogã - designação do candomblé ketu para o cargo
masculino responsável pelo toque rituais.
Ogum / Ògún - Orixá do ferro, guerra, fogo, e tecnologia
Nagô
Olojá - Título atribuído ao rei de uma vila yorubana.
Senhor do mercado. Nome dado ao Exú protetor dos
mercados.
Olukó - Em Yorubá, professor, mestre
Oritás - Encruzilhadas - Iorubá
Orixás / Òriṣà - Divindades Nagô
Òşun / Oxum - Orixá das águas doces e dos encantos
Pambunjila - Nkisi da comunicação, dos caminhos e
encruzilhadas.
Nkisis - Divindades de origem Bantu
Saravá - Salve. Saudação utilizada na umbanda
Tata - Sacerdote, autoridade máxima no candomblé angola,
pai.
Tata de engoma - Designação bantu para o cargo masculino
responsável pelo toque rituais.
Voduns - Divindades de origem Jeje
Yabás - Orixás femininos, mães - Iorubá
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Nota de apaziguamento
Ao longo do material, optamos pelo uso da escrita mais
próxima ao cotidiano dos terreiros. Estamos cientes que
esforços e saberes na divulgação das línguas africanas,
em sua variedade, estão se consolidando nos âmbitos
comunitário e acadêmico. Contudo, para se fazer mais
próximo e fiel aos nossos pares, optamos pelo linguajar
ritualístico, ou seja, comprometido com a fala-escuta
dos nossos mais velhos e com a leitura dos mais novos.
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Aquilombamento
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Referências bibliográfica
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Pallas, 2010.
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