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UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS

Núcleo de Educação a Distância

HISTÓRIA 1
UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS
Núcleo de Educação a Distância

Créditos e Copyright

RIBEIRO, Fábia Barbosa.

Aspectos da História da África e dos Povos Afro-Americanos e


Ameríndios. Revisado por Mauro Sérgio dos Santos Silveira.
Santos: Núcleo de Educação a Distância da UNIMES, 2015.105 p.
(Material didático. Curso de História).

Modo de acesso: www.unimes.br

1. Ensino a distância. 2. História. 3. História da África. 4. Povos


Afro-Americanos. 5. Ameríndios

CDD 960

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HISTÓRIA 2
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SUMÁRIO
Aula 01_Porque (só agora) estudar a África? A Lei 10.639 ......................................................................5
Aula 02_O negro nos livros didáticos .......................................................................................................8
Aula 03_ “Todo dia era dia de índio”? ...................................................................................................10
Aula 04_A escola e as relações de raça e etnia......................................................................................13
Resumo_Unidade I .................................................................................................................................15
Aula 05_O que sabemos sobre a África? Aspectos Gerais do Grande Continente ................................18
Aula 06_África: berço da humanidade...................................................................................................22
Aula 07_A África do século IX ao XV ......................................................................................................25
Aula 08_As sociedades africanas ...........................................................................................................28
Aula 09_A presença do mágico-religioso na cultura africana ................................................................31
Aula 10_A escravidão na África..............................................................................................................34
Resumo_Unidade II ................................................................................................................................37
Aula 11_A África do século XV ao XVIII ..................................................................................................38
Aula 13_A África no século XIX: no contexto do Imperialismo I ............................................................43
Aula 14_A África no século XIX: No contexto do imperialismo II...........................................................46
Aula 15_A África hoje .............................................................................................................................48
Resumo_Unidade III ...............................................................................................................................50
Aula 16_O tráfico de escravos no Brasil: o grande comércio de gente. ................................................51
Aula 17_A chegada dos “malungos”: tentativas de sobrevivência ........................................................54
Aula 18_A dura vida de um escravo.......................................................................................................57
Aula 19_A resistência escrava I: as comunidades quilombolas .............................................................62
Aula 20_A resistência escrava II: a capoeira e as irmandades de homens pretos ................................65
Aula 21_O Abolicionismo I: Grandes nomes que fizeram a luta abolicionista ......................................69
Aula 22_O abolicionismo II: grandes nomes que fizeram a luta abolicionista e o negro na pós-abolição
................................................................................................................................................................73
Resumo_ Unidade IV ..............................................................................................................................76
Aula 24_A cultura indígena ....................................................................................................................80
Aula 25_Índio, “O negro da terra”¹ ........................................................................................................83
Aula 26_Europeus na América:O Grande Etnocídio ..............................................................................86
Aula 27_Índio quer terra: A Questão Fundiária. ....................................................................................89
Resumo_Unidade V ................................................................................................................................92
Aula 29_As religiões africanas no Brasil: sincretismo e trocas culturais ...............................................95

HISTÓRIA 3
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Aula 30_O Nascimento do Conceito de Raça.........................................................................................98


Aula 31_As Teorias raciais no Brasil. ....................................................................................................101
Aula 32_Ações afirmativas: O sistema de cotas ..................................................................................103
Resumo_Unidade VI .............................................................................................................................105

HISTÓRIA 4
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Aula 01_Porque (só agora) estudar a África? A Lei 10.639

Você já ouviu falar em Djibuti, Eritréia, Suazilândia, Burkina Fasso? Muito


provavelmente não, certo? Mas, com certeza, sabe o que é capoeira, berimbau,
cafuné, cochilo, moleque, minhoca, tanga, fuxico, marimbondo, carimbo, caçula....
Não é mesmo? Todas essas palavras e lugares têm uma coisa em comum.... A África!
Djibuti, Eritréia, Suazilândia e Burkina Fasso são países do continente africano
e essas poucas palavras que você leu e conhece muito bem, são frutos da herança
deixada pelos muitos africanos que vieram para o Brasil entre os séculos XVI e XIX e
que ajudaram a formar a cultura e a identidade de nosso povo.
“Somos um país negro”. Tal afirmação é sustentada por dados estatísticos do
IBGE de 2002, que apontam um percentual de 45% de brasileiros afrodescendentes.
É a segunda maior população negra do mundo, perdendo somente para a Nigéria.
Nesses dados estão computados aqueles classificados como “pardos”, porém a
contribuição dos africanos para a formação cultural e social de nosso país é inegável
e está em toda parte: na nossa culinária, na música, no vocabulário e em diversos
hábitos e costumes trazidos por esses homens e mulheres negros que atravessaram
o Atlântico, forçados pela escravidão.
Apesar do fardo pesado do cativeiro, esses homens e mulheres souberam
romper barreiras e impor culturas e modos de vida, que acabaram por ser
incorporados pelas sociedades locais.
Leia o texto abaixo com atenção:

Nas décadas de 1960 e 1970, o descobrimento e a análise de restos


fósseis dos hominídeos (espécies que antecedem os seres humanos
modernos), de seus ambientes e dos objetos por eles criados,
permitiram construir uma ideia mais precisa de evolução e do avanço
técnico desde há cinco milhões de anos.
Verifica-se assim, - passando por ancestrais pertencentes a várias
espécies do gênero Astralopithecus e às espécies primitivas do gênero
Homo (desde o Homo habilis até o neandertal e seus pares) – que
o caminho evolutivo conduz o Homo sapiens ao homem moderno.
Hoje é consenso que esse processo evolutivo teve seu começo na
África. Há quase dois milhões de anos, o Homo erectus, hominídeo
autor de importantes avanços na manufatura de implementos como o
machado, saiu da África em ondas migratórias rumo à Ásia e à Europa,
assim iniciando o povoamento do mundo 1.

HISTÓRIA 5
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A partir dessas informações podemos começar a perguntar: mas se o


continente está tão presente nas origens da humanidade e tem uma importância tão
grande na formação de nosso país, por que não estudamos a sua história?
A resposta está na nossa cultura colonizada a partir dos moldes europeus, que
faz com que em nossos bancos escolares decoremos todas as fases da Revolução
Francesa e que saibamos tudo sobre a Idade Média e a história da formação do
continente europeu. E o Brasil? Claro, ele só existe a partir do descobrimento! E o que
dizer dos povos que já habitavam essas terras? Estamos cercados por uma educação
que privilegia uma visão eurocêntrica da história. É claro que os europeus, no nosso
caso, os portugueses, trouxeram também contribuições importantes para a formação
do nosso país, porém os povos índios e africanos se encontram sempre em segundo
plano no nosso processo de ensino e aprendizagem. E então como faremos para
mudar esse curso?
A resposta para esse grave problema, que faz com que nos afastemos cada
vez mais das nossas raízes culturais, valorizando sempre “o que vem de fora”, a
cultura do “outro”, está numa recente lei que foi sancionada pelo governo federal em
9 de janeiro de 2003. Segundo a lei 10.639:

Art. 26 A. Nos estabelecimento de ensino fundamental e médio, oficiais


e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura
Afro-Brasileira.
Parágrafo 1º - O conteúdo programático a que se refere o caput deste
artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos
negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da
sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas
áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
Parágrafo 2º - Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-
Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em
especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História
Brasileiras.

Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como


‘Dia Nacional da Consciência Negra’.

A partir da instituição dessa nova lei, fica o desafio de capacitar os professores


para que possam conhecer e multiplicar a cultura afro-brasileira, para que dessa forma
possamos compreender um pouco mais esse nosso país tão regional e tão múltiplo!

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Até a próxima!

____
1 NASCIMENTO. Elisa Larkin. “Introdução à História da África”. In: Educação
Africanidades Brasil. Brasília: CEAD/UNB, 2005.

HISTÓRIA 7
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Aula 02_O negro nos livros didáticos

Na aula anterior mencionamos a lei que institui a obrigatoriedade do ensino de


História e Cultura Afro-Brasileira no ensino básico. Gostaria de propor uma reflexão:
você seria capaz de se lembrar como estava representado o negro nos livros em que
você estudou? Onde ele aparece? Em que momentos?
Ele seria representado com o heroísmo de um Tiradentes? Ele estaria ligado a
“grandes momentos” da história de nosso país, como a independência ou a república?
E nas imagens desses livros, como ele aparece? Você pode vê-los nas ruas? Nas
casas?
Se pararmos para pensar muito bem, vamos recordar que podemos observar a
presença dos negros nos livros didáticos em alguns momentos: geralmente na parte
em que se retrata a história do trabalho no Brasil, quando se menciona a utilização
dos africanos no trabalho escravo, nas referências às campanhas abolicionistas e em
alguns aspectos estereotipados de sua herança cultural como o samba e a capoeira.
E o que dizer dos livros utilizados nos primeiros anos do ensino fundamental?
Estão recheados de imagens da família, do bairro, da sociedade, da escola, dos
espaços urbanos e rurais, porém, sem a imagem de negros e índios. Desse modo,
quando uma criança negra ou índia frequenta uma escola e manuseia o seu livro
didático, não se reconhece nas figuras que estão ali para representar a sociedade em
que ela vive.
Mauro William Barbosa de Almeida elaborou uma pesquisa sobre o racismo
nos livros didáticos brasileiros e, embora essa pesquisa tenha pelo menos vinte anos,
podemos perceber que pouca coisa mudou. Segundo ele:

Onde aparecem os brancos? Nas situações de família em primeiro


lugar. Todas as imagens de um grupo familiar mostram personagens
brancos. A amostra que selecionamos repete-se exaustivamente: a de
um papai, uma mamãe e filhinhos brancos, sorridentes, habitando uma
casa bem mobiliada, com sofá, televisão, biblioteca e demais
utensílios. O pai trabalha em escritório; a mãe trabalha em casa, onde
ajudada pela filha – que assim exercita-se nas lides domésticas -
, enquanto os meninos jogam bola 1.

O negro aparece em situações isoladas: uma ou outra criança negra


caminhando na rua ou brincando na escola. Dificilmente o negro estará no papel de

HISTÓRIA 8
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professor ou de autoridades civis. A educação escolar exerce papel fundamental na


formação da imagem que uma sociedade faz de si mesma, de sua história e de sua
diversidade, e os livros didáticos estão longe de representar a diversidade do território
brasileiro.
Desafio de observação e aprofundamento: Vá a uma livraria assim que for
possível e observe os títulos de literatura dedicados às crianças. Quantos deles
trazem personagens negros? Em quantos a personagem principal é negra? Registre
os títulos e autores, se for possível. Traga essas reflexões com você para a nossa
próxima aula!

_____
1ALMEIDA, Mauro William Barbosa de. “O racismo nos livros didáticos”. In: SILVA,
Aracy Lopes da. A questão indígena na sala de aula. São Paulo: Brasiliense, 1987

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Aula 03_ “Todo dia era dia de índio”?

Agora que refletimos um pouco sobre a forma como o negro aparece nos livros
didáticos, que tal agora focar nossa atenção no índio?
Responda rápido: quando estudante você já pintou um índio com arco e flecha
no dia 19 de abril? Qual a imagem que lhe vem à mente quando falamos em índio?
Geralmente associamos o índio à natureza, à Amazônia e a uma vida livre, não é
mesmo? Veja então um trecho da música “Baila Comigo” composta por Rita Lee:

“Se Deus quiser, um dia eu quero ser índio

Viver pelado, pintado de verde num eterno domingo

Ser um bicho preguiça e espantar turista

E tomar banho de sol, banho de sol, banho de sol, sol”

Será que a vida do índio é assim mesmo tão fácil, tão livre e aparentemente
descompromissada? Da mesma forma que a letra da música nos transmite essa ideia
de uma vida boa, os livros didáticos têm hora e lugar para contar a história do índio: o
momento da chegada dos portugueses ao Brasil; o contato com o homem branco, o
trabalho escravo, a cristianização, o bandeirantismo (muitas vezes caracterizado
como heroísmo, apesar das suas atividades de aprisionamento de índios para a
escravidão), a substituição da mão de obra indígena pela africana. E, depois disso, o
índio desaparece de cena, como se tivesse deixado de existir...
Dificilmente encontramos material didático que traga informações sobre a
situação dos índios atualmente. E, na grande maioria das vezes, o indígena será
tratado pela mesma história que enfatiza a cultura ocidental e silencia as outras
culturas. Chamamos essa história de etnocêntrica e nossos manuais de história estão
carregados de etnocentrismo. O que seria esse etnocentrismo senão:

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A maneira pela qual um grupo, identificado por sua particularidade


cultural, constrói uma imagem do universo que favorece a si mesmo.
Compõe-se de uma valorização positiva do próprio grupo, e uma
referência aos grupos exteriores marcada pela aplicação de normas
do seu próprio grupo, ignorando, portanto, a possibilidade do outro ser
diferente. Mas não é só o fato de preferir a própria cultura que constitui
o que se convencionou chamar de etnocentrismo, e sim o preconceito
acrítico em favor do próprio grupo e uma visão distorcida e
preconceituosa em relação aos demais. (...) é um fenômeno sutil, que
se manifesta através de omissões, seleção de acontecimentos
importantes etc 1.

Os livros didáticos, em sua maioria, reproduzem o etnocentrismo do homem


branco que avaliou os povos que aqui se encontravam de acordo com sua ótica, com
seus valores próprios. Dessa forma, apresentam o índio como algo exótico e diferente,
ressaltando que os jesuítas que vieram para o Brasil tinham a tarefa de ensinar o
catolicismo. Os aldeamentos indígenas criados por esses religiosos são apresentados
como lugares organizados, onde se cultivava o solo e se rezavam missas e, também,
como lugares que contribuíram para a expansão do território brasileiro, tida como
necessária e benéfica. Dessa forma, o litoral brasileiro pouco a pouco foi perdendo a
sua população nativa, os missionários cercearam a religiosidade indígena atacando a
figura dos pajés, personagens centrais dessas comunidades.
Tais manuais, não levam em consideração o caráter violento do processo de
aldeamento, muitos dos quais não deram certo devido à fuga maciça de índios. As
missões jesuítas nada mais foram do que uma forma eficaz de cercear a liberdade do
índio e de enquadrá-lo, impondo um modo de vida baseado na organização social
ocidental e no trabalho escravo. Os livros didáticos reproduzem e reforçam o espanto
estrangeiro diante da nudez, dos modos “diferentes” do indígena. Não há reflexão
sobre o que era próprio da cultura indígena, mas relatos sobre o que eles
“aprenderam” com os brancos.
Ao contrário, acabam por reforçar os estereótipos da diferença entre as raças,
quando mencionam a presença de índios e negros no Brasil somente quando
abordam o “descobrimento”, a expansão do território e a questão do trabalho escravo
no período colonial. Como trazer essa discussão para o espaço escolar? Esse será o
tema de nossa próxima aula.

HISTÓRIA 11
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Para pensarmos um pouco mais

Observe as pessoas da sua comunidade, do seu bairro, sua igreja, sua faculdade...

• Quais as suas características físicas?


• Você acha que os livros didáticos representam a nossa diversidade cultural?
• Você conhece a situação dos povos indígenas em nossa atualidade?

__1 TELLES, Norma. “A imagem do índio no livro didático: equivocada, enganadora”.


In: SILVA, Aracy Lopes da. A questão indígena na sala de aula. São Paulo:
Brasiliense, 1987, p. 75.

HISTÓRIA 12
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Aula 04_A escola e as relações de raça e etnia

Nas aulas anteriores, avaliamos brevemente o espaço destinado aos negros e


índios nos livros didáticos. Nesta aula gostaria que você refletisse sobre o espaço em
que esses livros são utilizados: a própria sala de aula.
A diversidade racial de nosso país é algo inegável, está nos rostos das pessoas
nas ruas e também na escola. Porém no espaço escolar as diferenças raciais se
transformam, muitas vezes, em problemas para as crianças. Confrontada com uma
sociedade que exclui o diferente, a criança indígena e a criança negra sofrem o
preconceito mais doloroso e difícil de combater, o racismo mascarado. Temos, em
nosso país, um preconceito mascarado contra aqueles que possuem a pele mais
escura.
A realidade da condição social de negros e índios no Brasil é evidente e
denuncia a existência do racismo. Constantemente somos confrontados com
situações em que os alunos negros são motivos de piadas do tipo: “macaco, cabelo
pixaim, bola sete”. A televisão ajuda a mostrar um país branco, diferente daquele em
que vivemos, prejudicando a percepção de nossa diversidade. Assim como não se
reconhecem em nenhum espaço, os negros acabam por alienar-se de sua condição
e renegar a sua afrodescendência.
A escola, dessa forma, acaba por se tornar uma extensão dos acontecimentos
da sociedade que a cerca, e o pior é que essas questões acabam não sendo debatidas
em sala de aula, pois acabam causando constrangimento para os afrodescendentes:

Geralmente os estudantes afrodescendentes não gostam de falar


sobre o escravismo criminoso em sala de aula. Ficam envergonhados
e acanhados, trata- se um assunto indigesto. As razões desta aversão
são muito simples: o assunto é sempre tratado de forma inadequada
e preenchido de preconceitos e racismo que inferiorizam a população
negra (...) as informações sobre o continente de origem dos
escravizados quase que inexistem (...) dada à pobreza de informação
e aos erros de enfoque dessas apresentações, não é de se estranhar
que os estudantes passem a detestar as aulas de história que falam
de escravidão. Não adianta dizer que devemos tudo ao negro, se este
tudo não é exemplificado e esclarecido em detalhes. Além do mais,
devido ao racismo, os alunos negros são motivos de chacotas e
insultos racistas pelos colegas. As piadinhas e chacotas com os
negros não são simples brincadeiras. Elas são responsáveis pela

HISTÓRIA 13
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desqualificação o social da população negra. Com estas piadas se aprende


a desfazer da imagem do negro 1.

É preciso, então, que os professores estejam preparados para lidar com a


questão da presença de negros e índios em sala de aula. Sabemos muito pouco sobre
a presença dessas duas culturas na formação de nosso país, mantemos a mesma
visão que nos foi passada em nossa vida escolar:

Negros= escravos

Índios = selvagens.

Em nossos livros didáticos, os negros e os índios aparecem somente em


situações estereotipadas, o primeiro sempre com o dorso nu, sempre relacionado ao
sofrimento e à condição do cativeiro; o índio, com arco e flecha na mão, é o selvagem
que foi civilizado pelo jesuíta. No caso dos índios, como já mencionamos, fazendo
com que se acredite que houve, desde o princípio, um contato amistoso, uma
convivência pacífica, quando na verdade, em muitos casos este (des)encontro foi
marcado pela violência extrema.
É preciso então que se mude o enfoque no estudo desses dois grupos— negros
e índios — em nossas salas de aula. É um desafio grande e árduo, pois reproduzimos
a educação que recebemos. É necessário, além disso, contar com material didático
compatível com as discussões dessa realidade e abrir espaço no ambiente acadêmico
para a grande mudança que vem sendo a introdução da disciplina de História da África
nos cursos de graduação em História, que tem a intenção de nos preparar para uma
abordagem diferenciada dessa temática.
Somente conhecendo um pouco mais sobre a História dos povos africanos e
dos povos que já habitavam o nosso país, poderemos criar um ambiente de
valorização de nossa cultura, híbrida e riquíssima e que acaba sendo “mal contada”,
por um ensino que não dá condições aos alunos de perceberem que esses povos não
são exatamente como os livros didáticos apresentam: pobres selvagens que foram
escravizados pela necessidade de mão de obra.
Ao contrário, os negros e os índios, principalmente, lutaram bravamente contra
a escravidão, e nos deixaram um legado cultural inestimável. A imagem de que eram

HISTÓRIA 14
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povos atrasados que entraram em contato com uma cultura “civilizada” e “superior”,
precisa ser revista urgentemente em nossas salas de aula, pois afinal que tipo de povo
civilizado pode massacrar e dizimar mais de 5 milhões de pessoas como fizeram
espanhóis e portugueses na América?

Para nossa reflexão

O que você pensa sobre o preconceito racial no ambiente escolar?

Como lidar com o preconceito quando ele aparece?

Qual é o papel do professor de História nessa questão?

_____
1 CUNHA JR. Henrique. “Falando do escravismo criminoso em sala de aula”.
Revista Espaço Acadêmico, nº. 69 – Fevereiro/2007.
(www.espacoacademico.com.br/ acesso em 03/02/2007).

Resumo_Unidade I

HISTÓRIA 15
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Nesta unidade, a intenção foi iniciar uma discussão sobre a questão de negros
e indígenas em nossa sociedade. Falamos sobre a lei 10.639, que instituiu a
obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nos currículos do
ensino fundamental e médio, nas escolas públicas e particulares e sobre a importância
de avaliarmos de que forma são abordados esses temas nos livros didáticos.
Podemos observar que os livros didáticos ainda apresentam uma forma de
mostrar a nossa história fartamente imbuída de um caráter etnocêntrico, ou seja,
mostram a história dos povos negros e índios com um olhar rápido e que os coloca
como personagens de momentos específicos: o descobrimento e a escravidão,
estando ausentes do restante do processo de formação do nosso país. A realidade
atual de negros e índios não está presente em nossas salas de aula, porém a cara do
Brasil está e é necessário que tragamos à tona a sua história, que continua relegada
a um segundo plano.
Também pudemos compreender que os livros didáticos são uma fonte e
aprendizado para crianças e adolescentes e que o professor de História desempenha
um papel fundamental na forma como os conteúdos dessas obras são trabalhados. É
preciso que conheçamos a história da África e dos povos indígenas para que
mudemos o enfoque e o espaço dado a essas populações na História do Brasil!

REFERÊNCIAS

OLIVEIRA, Marco Antonio de. O negro no ensino de história. Temas e


representações. 1978-1998. São Paulo: Dissertação de mestrado. Faculdade de
Educação da USP, 2000.

CUNHA JR. Henrique. “Falando do escravismo criminoso em sala de aula”.


Revista Espaço Acadêmico, nº. 69 – Fevereiro/2007. (www.espacoacademico.com.br/
acesso em 03/02/2007).

SILVA, Aracy Lopes da. (org.). A questão indígena na sala de aula: subsídios para
professores de 1º e 2º graus. São Paulo: Brasiliense, 1987.

ALMEIDA, Mauro William Barbosa de. “O racismo nos livros didáticos”. In: SILVA,
Aracy Lopes da. A questão indígena na sala de aula: subsídios para professores de
1º e 2º graus. São Paulo: Brasiliense, 1987.

TELLES, Norma. “A imagem do índio no livro didático: equivocada, enganadora”. In:


SILVA, Aracy Lopes da. A questão indígena na sala de aula. subsídios para
professores de 1º e 2º graus São Paulo: Brasiliense, 1987.

HISTÓRIA 16
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REIS, Elisa, ALMEIDA, Maria Hermínia e FRY, Peter. (orgs.). Política e cultura.
Visões do passado e perspectivas contemporâneas. São Paulo: Hucitec, 1996.

HISTÓRIA 17
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Aula 05_O que sabemos sobre a África? Aspectos Gerais do


Grande Continente

Antes de iniciarmos nossos estudos sobre o continente africano, faça um


pequeno exercício de reflexão e responda à seguinte pergunta: O que você sabe sobre
a África?
Quando você pensa na África o que lhe vem à mente?
Aids? Fome? Safáris exóticos? Gazelas perseguidas por leões ferozes?
Quais são os seus conhecimentos sobre esse continente? (Quando você era
estudante quando e como os seus mestres lhe apresentaram a história dos povos
africanos?)
Se você pensar bem perceberá que pouco se sabe sobre a África, além daquilo
que costumamos ver na televisão ou em filmes recentes do cinema.
Você sabia, por exemplo, que os primeiros habitantes do nosso planeta são
originários da África?
Então já que refletimos um pouco sobre a importância do estudo de História da
África e da sua aplicação no ensino fundamental nas escolas, que tal você entrar
nesse mundo desconhecido?
O continente africano está dividido, atualmente, em 53 países distribuídos por
uma área territorial total de 30.272.922 de quilômetros quadrados. Sua população,
segundo dados do ano de 2002, está estimada em cerca de 800 milhões de
habitantes, caracterizando-se como o segundo continente mais populoso, perdendo
somente para a Ásia. A divisão atual dos Estados africanos é recente, mas é resultado
de um longo processo de colonização empreendido pelos países europeus, ao longo
dos séculos XIX e XX. Processo esse que descaracterizou e desrespeitou por
completo as diversas etnias que compunham o continente, causando confrontos
interétnicos que trouxeram grandes estragos e que perduram até os dias de hoje. Esse
triste capítulo da história africana acompanharemos mais adiante.

HISTÓRIA 18
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Mapa da África atual

Dois grandes desertos cortam a África que é um continente tropical por


excelência: o famoso Saara e o Kalahari. O deserto do Saara que está ao norte do
continente, é o maior do mundo, possui 9 milhões de quilômetros quadrados, uma
área superior a do Brasil. Vários países são cortados por ele, entre os quais estão o
Egito, o Marrocos, a Argélia e a Líbia. O Kalahari tem proporções mais modestas e
está ao sul, medindo por volta de 600 mil quilômetros.
O continente africano é cercado pelo oceano Atlântico a oeste, Índico a leste e
ao norte pelo mar Mediterrâneo. Os rios africanos são uma via importante de
comunicação entre os povos, especialmente em tempos remotos. Os rios mais
importantes que cortam o continente e que, há milênios, sustentam as sociedades que
os cercam — constituindo, em certos casos, pontos de disputas entre comunidades
— são o Níger, que atravessa regiões semiáridas nos limites do Saara e desemboca

HISTÓRIA 19
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no Golfo da Guiné; o Rio Congo, extensa bacia hidrográfica que abastece a floresta
fluvial; nos platôs tropicais da porção meridional estão o Vaal, Orange, Limpopo e o
Zambeze que desembocam nos oceanos Atlântico e Índico. E temos ainda o famoso
rio Nilo, que nasce à leste, próximo ao Planalto dos Grandes Lagos e cruza dez países
estreitando-se pelo deserto do Saara até desaguar no mar Mediterrâneo.
Apesar da considerável extensão de seus desertos, a vegetação típica do clima
tropical que recobre o continente africano é a savana - muito semelhante ao cerrado
brasileiro - que mistura plantas arbóreas e herbáceas e que se espalha a partir do
sul do Saara, favorecendo uma rica flora e fauna com leões, elefantes, girafas, zebras
e rinocerontes, entre outros. Essa fauna deu fama ao continente de “selvagem”,
gerando mitos que criaram obras-primas do colonialismo norte-americano, como o
personagem Tarzan. Contudo, essa rica fauna se encontra ameaçada de extinção e
atualmente se restringe a algumas reservas ambientais. Há ainda, em termos de
vegetação, a mata equatorial das florestas do Congo, as estepes e a vegetação
mediterrânea.
Existem várias divisões regionais do continente utilizadas para que possamos
abordar cada região especificamente:

• África do Norte – Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia, Egito, Saara Ocidental.


• África Ocidental – Mauritânia, Mali, Senegal, Guiné-Bissau, Guiné, Serra
Leoa, Libéria, Costa do Marfim, Gana, Togo, Benin, Burkina Faso, Níger,
Gâmbia, Nigéria e Camarões.
• África Central – Chade, Guiné Equatorial, Gabão, Congo, RepúblicaCentro-
Africana, República Democrática do Congo (antigo Zaire), Angola e Zâmbia.
• África Oriental – Sudão, Eritréia, Etiópia, Djibuti, Somália, Quênia, Uganda,
Ruanda, Burundi, Tanzânia, Malawi e Moçambique.
• África Meridional - Zimbábue, Botswana, Lesoto, Suazilândia, África doSul e
Namíbia.
• África Insular Atlântica – Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.
• África Insular Índica – Madagascar, Comores, Ilhas Maurício e
Ilhas Seychelles.

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Portanto, pelo rápido panorama apresentado, você pode perceber que a África
é um continente de múltiplas situações que se refletem na diversidade cultural e social
existente. O reconhecimento dessa diversidade é a tendência atual dos estudos sobre
a África, ao contrário dos estudos antigos que homogeneizavam a sua história, unindo
os diversos povos pela pobreza que os cerca.

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Aula 06_África: berço da humanidade

Em nossa primeira aula apontamos o dado de que os primeiros hominídeos,


segundo os estudos mais recentes, teriam surgido na África, fruto da evolução do
Homo erectus a quase dois milhões de anos.
Foi na África, também, que surgiram grandes civilizações que influenciaram
povos do mundo todo, dentre elas a civilização egípcia. A dinastia egípcia dos faraós
durou cerca de 3.000 anos. Acredita-se que, dentre as quase 20 dinastias de faraós,
algumas eram negras. Cheikh Anta Diop nos dá a seguinte informação:

Os egípcios trouxeram grandes contribuições para a humanidade


desde a invenção da escrita até a impressionante arquitetura das
pirâmides. Praticavam a medicina através de suturas, antissepsia e a
prática da mumificação que demonstrava um vasto conhecimento de
anatomia. Os egípcios mantiveram contato com vários povos da África
e também com os gregos como atestam os testemunhos de Volney,
cientista latino que visitou o Egito no século XVIII, reproduzidos por
Cheikh Anta Diop: “todos eles tem faces balofas, olhos inchados e
lábios grossos, em uma palavra, rostos realmente mulatos”. Fiquei
tentado a atribuir essas características ao clima, até que, visitando a
Esfinge e olhando para ela, percebi a pista para a solução do enigma.
Completando essa cabeça, cujos traços são todos caracteristicamente
negros, lembrei-me da conhecida passagem de Heródoto: ‘De minha
parte, considero os kolchu uma colônia do Egito, porque, como os
egípcios, eles têm a pele negra e o cabelo crespo’.
Em outras palavras, os antigos egípcios eram verdadeiramente
negros, da mesma matriz racial que os povos autóctones [nativos] da
África; a partir desse dado, pode-se explicar como a raça egípcia,
depois de alguns séculos de miscigenação com sangue romano e
grego, perdeu a coloração original completamente negra, mas reteve
a marca de sua configuração 1.

A partir da 21ª dinastia com as invasões que se seguiram, formaram-se


dinastias estrangeiras: líbios, sudaneses e persas invadiram sucessivamente o Egito
ajudando a compor um quadro miscigenado do mundo egípcio. Quadro este que
obscureceu as características essencialmente africanas do império egípcio.

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A civilização egípcia foi marcada pela impressionante arquitetura das


pirâmides. Eles praticavam uma matemática avançada e conheciam e a medicina e a
prática da mumificação demonstrava um vasto conhecimento de anatomia.
.

Outras importantes civilizações foram os Núbios e os Axumitas. Na Núbia, onde


hoje se encontra o Sudão, surgiram os Cush, ricos em ouro e que dominavam a
tecnologia do ferro que teria se espalhado pela África a partir de Meroé.
Comercializavam com a China e com a Índia. Desenvolveram sua própria escrita e
também construíram pirâmides e templos. Os núbios invadiram o Egito e formaram a
25ª dinastia: a sudanesa, liderando o Egito por quase 100 anos. Eram exímios
navegadores, construíram grandes caravelas que, segundo estudos de Ivan Van
Sertima, teriam atravessado o Atlântico e chegado à América antes de Colombo. Van
Sertima constrói tal hipótese a partir das gigantescas cabeças esculpidas em pedras
e construídas pelos olmecas e que representam, com impressionante nitidez,
marinheiros núbios, com suas roupas típicas, sem falar nas pirâmides, em estilo núbio,
e muitos elementos culturais compartilhados por ambos os povos e que vão muito
além da coincidência.

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Os Axumitas se localizavam ao norte de onde hoje se localiza a Etiópia e foram


grandes comerciantes; incorporaram o cristianismo a partir dos romanos com o rei
Ezana.
Dessa forma, podemos perceber que as civilizações africanas trouxeram
grandes contribuições para a humanidade e que a sua história não pode ficar fora do
contexto de História da África.

____
1 DIOP, Cheikh Anta. Origem dos antigos egípcios, História Geral da África II. A África
Antiga, 1983, p. 56. APUD MUNANGA, Kabengele e GOMES, Nilma Lino. Para
entender o negro no Brasil de hoje: história, realidades, problemas e caminhos. São
Paulo, Graal, 2004.

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Aula 07_A África do século IX ao XV

Em aula anterior vimos um panorama geral do continente africano atual,


aspectos de sua geografia a sua divisão territorial, que foi estabelecida no decorrer do
século XIX. A historiografia atual tem dado grande atenção à história da África antes
do contato mais profundo com os europeus, como é o caso da civilização egípcia que
floresceu há 5 mil anos. Desde então, temos notícias das populações que povoaram
o continente e sabemos que há tempos os africanos tiveram contato com outros
povos.
Os berberes, povos que habitavam a região onde hoje se localizam o Marrocos,
a Argélia, a Líbia e a Tunísia, tiveram incessante contato com os povos árabes. Na
região norte do continente circulavam mercadorias pelas mãos dos povos que
transitavam pelo Saara. A intensificação dessas relações propiciou a propagação da
religião muçulmana, a partir do século VII, que se tornou cultuada em praticamente
toda a região.
Diversos reinos e impérios formaram uma porção da África durante longo
período. Entretanto, é preciso deixar claro que a concepção de reino e império dos
povos africanos é completamente oposta ao conceito ocidental. Trata-se de
organizações políticas complexas e extensas baseadas em relações fortes de
pertencimento e de parentesco. Vamos falar agora sobre os impérios que se formaram
entre os séculos IX e XV na região do Sahel 1
Império de Gana: Conhecido como Império do Ouro, foi o principal fornecedor
de ouro e sal do mundo mediterrâneo até a exploração do continente americano.
Mantinha comércio com os árabes, sudaneses e com os povos bérberes. Detinha um
poderoso exército e também dominava profundamente as técnicas da mineração.
Estendia-se nas regiões do Sahel onde hoje está o Senegal. Dividia-se em duas
religiões, o islamismo e os cultos religiosos ancestrais. A cidade Kumbi-Saleh se
dividia em duas partes: uma muçulmana com doze mesquitas, habitada por
mercadores e estudiosos e outra onde estavam o palácio e o bosque sagrado. Por
volta de 1077, o império foi invadido por povos berberes que acabaram por fragmentá-
lo politicamente.

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Império de Mali: Nesse império, desenvolveu-se um grupo importante que


dominava os estudos de astronomia entre os séculos XII e XV. Na cidade de Timbuctu,
desenvolveram uma universidade com uma imensa biblioteca, referência na região.
Também possuíam ricas minas de ouro que tornaram o Império de Mali o estado mais
rico da África Ocidental, sendo governado por Mansa e chegando a dominar todo o
comércio transariano.
.

O Imperador Mansa (Atlas Catalão de Abraham Cresques - Séc. XIV)

Império de Songai: Comerciantes, os povos desse império também aderiram


ao islamismo. O império de Songai fundiu-se em alguns momentos com o Império do
Mali após algumas invasões. Tinham a agricultura como ponto forte e eram
especialistas na irrigação de terras áridas. Estiveram presentes na região do Sahel
durante longo período, entre os séculos IX e XVI.
Os Iorubás: A civilização iorubá desenvolveu-se por volta do século XI, a
sudoeste da atual Nigéria e ao sul do Benin, e foi composta por vários reinos, muitos
com mais de 20 mil habitantes. Eram povos agricultores e artesãos e também
dominavam técnicas artesanais de ferraria, tecelagem, olaria, marcenaria. São
descendentes do rei Oduduwá que, segundo a lenda, desceu dos céus com uma

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cabaça de areia e uma galinha. A galinha teria espalhado a areia e formado as terras
do povo iorubá. Havia grandes cidades como Ifé, Oió Benin e Lagos. Ifé era
considerada uma cidade sagrada e constituía o centro da civilização. Não havia uma
administração centralizada nas cidades, os descendentes de Oduduwá as
governavam. Os diversos reinos possuíam cultura, língua e religião que lhe davam
uma unidade, porém eram independentes. Em Lagos formou-se uma comunidade de
remanescentes retornados do Brasil. Entre os séculos XVII e XVIII, Oió destacou-se
por sua organização militar, mas rendeu-se a ataques muçulmanos. Apesar do contato
com o islamismo mantiveram seus cultos tradicionais e os trouxeram para o Brasil,
deixando-nos uma rica cultura da qual falaremos mais adiante.
Império do Monomotapa: este império teria surgido por volta do século
XI mais ao sul, entre as terras do que hoje são os países do Zimbábue,
Moçambique, Malawi e África do sul. Formado pelos chamados xonas e povos
islamizados, eram criadores de gado e deixaram construções monumentais em pera
como os muros do Grande Zimbábue. Eram governados pelo Monomotapa que quer
dizer “senhor das terras arrasadas”. Também eram comerciantes e chegaram até ao
Norte para negociar tecidos e cobre, exportavam marfim e ouro. Este império durou
até o século XIX.

Para refletirmos: Pudemos perceber que a África formou grandes civilizações:


dos egípcios aos núbios, dos grandes impérios do Mali e Songai, no entanto esses
fatos são pouco divulgados. Por que esses fatos são ocultos no ensino de História?

_____
1 Sahel é uma palavra de origem árabe que significa “borda do deserto”, e que se
refere ao Deserto do Saara.

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Aula 08_As sociedades africanas

Há uma imagem passada pela cultura colonial europeia de que os africanos


eram povos atrasados e que viviam em tribos selvagens. Na verdade, as sociedades
africanas configuravam complexas organizações políticas e sociais. Não é tarefa fácil
estudar o funcionamento dessas sociedades. O continente africano é muito extenso e
houve, ao longo de sua história, diversos tipos de formações políticas e sociais.
Algumas sociedades formaram grandes impérios e reinos, como já mostramos:
o Egito, Núbia, Axum, Mali, Songai e Gana. Outras sociedades estabeleceram-se em
aldeias. Os indivíduos eram agrupados por laços de parentesco, como os povos da
região centro-ocidental, conhecidos como bantos. O mundo mental africano operava
a partir de uma lógica totalmente oposta ao mundo europeu, no qual o valor moral
mais alto estava no indivíduo e em seus direitos. Podemos fazer uma comparação:
“penso, logo existo”, é a declaração da Idade Moderna ocidental; no universo africano
o valor mais alto é a comunidade: “pertenço, logo existo”.
Cada indivíduo funciona como peça fundamental de um todo e a importância
de uma pessoa é medida pela qualidade de sua teia de relações; aquele que mantém
mais ligações dentro do grupo com pessoas de talento e conhecimentos diferentes,
se destacará. Sua identidade é criada a partir das suas relações com a coletividade e
o sujeito é aquilo que o seu grupo lhe permite ser. A experiência comunal da economia
doméstica africana agrega valor às pessoas, às suas histórias, que são contadas
sempre por meio de genealogias. Indivíduos ou cônjuges sem descendência são
figuras sem classe, à margem da sociedade, e os casamentos entre pessoas de
famílias diferentes mantêm as aldeias sempre em contato.

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Guerreiros Massai

Quando a sociedade africana era mais extensa, era liderada pelo chefe que
vivia em uma capital, porém, sempre com consideração aos chefes menores das
aldeias que compunham o seu reino. A administração respeitava o conjunto, e
dificilmente havia despotismo. Os reinados e impérios eram governados de forma
comunal, realizavam-se reuniões constantes para que o chefe maior tomasse contato
e resolvesse problemas. Havia um conselho que auxiliava o chefe em seu governo.
Ao chefe, cabiam as funções vitais para o funcionamento da comunidade: reinava
para que normas e regras fossem obedecidas, liderava os guerreiros em caso de
disputas, fazia a distribuição das terras e administrava o que era produzido para que
nada faltasse à comunidade, em troca recebia uma parte do que as pessoas
produziam.
O parentesco é uma característica marcante das sociedades africanas, a
importância da vida comunal, do indivíduo enquanto ser que “fazia parte” daquela
comunidade nos dá a dimensão do conceito de administração que mantinha os povos
africanos em relativa harmonia. Num continente onde as fronteiras territoriais são
pouco definidas, pertencer era a chave para a sobrevivência.
Um exemplo é a civilização ioruba, cujo reino era composto por várias cidades-
estado independentes: Lagos, Ifé, Oió, Ota, Eseyin, Ilesah Ibadan Abeokuta, Akure,
entre outras, todas fundadas por descendentes de Oduduwá.
As longas genealogias de chefes e dos reinos são resgatadas na cultura
africana através da história dos antepassados contada pelos mais velhos. Quando
não podem ser conhecidas por registros escritos, a arqueologia também tem papel
fundamental na análise dos vestígios materiais deixados por esses povos. A figura
dos mais velhos era essencial nas sociedades africanas, era através deles que eram
passados todos os ensinamentos importantes. Os ancestrais também eram figura
central, pois mesmo depois de mortos influenciavam a vida da comunidade. Veremos
a relação com os ancestrais na próxima aula.
O casamento com várias mulheres era muito valorizado, a poligamia era sinal
de prestígio; ampliava o poder do chefe que mantinha relações com a linhagem de
suas esposas, pois, apesar de ser uma sociedade de dominação masculina, a
ascendência e o poder coletivo eram dados pela mulher, ou seja, era uma sociedade

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onde a “sucessão do poder linhageiro era transmitida pela linha materna”, segundo
Redinha:
O sistema matrilinear é observado para efeito do direito sucessório, de
cargos, de títulos e até de ofícios. A regra normal da sucessão dos
chefes nas sociedades do Nordeste [de Angola], é hereditária,
matrilinear, cabendo ao primogênito da irmã mais velha do chefe
reinante, em virtude da linha feminina defender a estirpe e os direitos
de sangue pela evidência da maternidade. (...) O chefe da linha traz
consigo um valor de nome e de símbolo, que a assimilação
administrativa deve não só poupar mas também preservar o mais
possível, uma vez que ele corresponde a disposições ancestrais das
sociedades não de todo desligadas da organização tradicional. (...)
Nem mesmo os mais importantes chefes exercem hegemonia sobre a
totalidade de qualquer das tribos existentes. A regra observada é a de
uma grande repartição do território e do povo que o ocupa, por áreas
políticas da chefia de sobas principais, subdivididas por sobas
menores ou sobetas. O sistema governativo informa de processos de
monarquismo e democratismo, e o regime despótico, através da
história, apenas se verificou por abuso 1.

Podemos concluir dessa forma que as sociedades africanas se estabeleciam


com base no governo comunal e na administração coletiva pelo bem estar. Os
ancestrais eram muito importantes para a vida dos africanos e estavam relacionados
ao mundo mágico-religioso.
Para pensar: Na sociedade africana as pessoas mais velhas eram muito
importantes. E no mundo ocidental como são tratadas e como vivem as pessoas
idosas?
1 REDINHA, José. Etnossociologia do Nordeste de Angola. Braga: Editora Pax,
1966, p-. 48-49.

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Aula 09_A presença do mágico-religioso na cultura africana

Para os povos africanos, o contato com os ancestrais era de extrema


importância; eram eles que guiavam espiritualmente as comunidades e mantinham a
comunicação com o mundo sobrenatural.
Entre os povos africanos havia uma profunda relação com a morte. Para os
ambundos, por exemplo, não bastava simplesmente enterrar o morto; ele deveria
descansar em terras de sua própria linhagem, próximo a sua família, que poderia
assim arcar com as responsabilidades inerentes ao seu corpo e ao seu espírito 1.
Mario Milheiros, que pesquisou a região de angola nos dá a seguinte
definição:
Os chamites orientais e da África Ocidental, crêem na aparição de um
homem – um ser que consideram o Grande Antepassado (...) Para
estes que protegem as crenças em seus pais, tudo é coesão, unidade
(...) Para eles tudo o que é desejo e realidade, natural e sobrenatural,
material e espiritual se mistura estreitamente para formar um todo
onde os mortos (invisíveis mas sempre presentes) tomam a mesma
parte dos vivos. Esta comunhão perpétua com os espíritos e forças do
Além, dá um sentimento de plenitude que sempre surpreenderá o
Branco. Acima de toda a Força está Deus, Espírito e Criador, o Mwine
bukomo bwandi. É Ele que tem a Força, o Poder, em si próprio. Ele dá
a existência, a subsistência e o acrescentamento às outras forças...
Depois dele vêm os primeiros pais dos homens, os fundadores dos
diversos clãs 2.

Estes arquipatriarcas teriam recebido uma força vital, e o poder de exercê-lo


sobre toda a sua descendência, tornando-se um elo entre o ser maior e os da terra;
mesmo mortos são seres denominados de espirituais e mantêm o elo entre os vivos
e o sobrenatural transitando naturalmente entre os dois mundos.
Havia várias formas de comunicação entre esses dois universos. Entre os
povos da África Centro-Ocidental havia imagens chamadas inkisi ou minkisi. Nessas
imagens eram colocados objetos que chamavam os espíritos.

HISTÓRIA 31
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Esse contato era intermediado por um sacerdote a quem os colonizadores mais


tarde chamarão de “feiticeiros”. O contato com o mundo sobrenatural era realizado em
lugares afastados, como o mato ou com a utilização da água, os minkisis deveriam
ficar em lugares reservados para que pudessem ser cultuados. Pediam-se conselhos
para a resolução de toda a sorte de problemas e esses seres sobrenaturais podiam
mandar sinais ou aparecer em sonhos.
.

Enciclopédia digital livre: Encarta Msn

Os quiocos costumavam praticar a mahamba, que era um processo de captura


dos espíritos antepassados. Eles acreditavam que em vida o homem possuía asisi
(alma, força vital) e que, quando morria, transformava-se em sovai (o ser que
sobrevive à morte ou a forma viva que a morte faz tomar ao ser humano). O sovai
podia ter diversas formas, imaterial ou concreta: formas de um animal, aves, répteis

HISTÓRIA 32
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ou um peixe, ou ser conhecido pelo seu próprio nome. Uma das formas da mahamba
era jogar semente na terra dentro de casa: se a semente germinasse sem água era
porque ali habitaria um antepassado. A crença de que os espíritos podiam habitar as
árvores era amplamente difundida.
Os povos iorubás, descendentes de Oduduwá, cultuavam diversas “deidades”,
seres que faziam a ligação com mundo sobrenatural. O universo religioso ioruba é de
extrema complexidade, entre as deidades: ebura, ebora, imola e orisà, esta última
traria o seu panteão para as terras brasileiras e aqui ficariam conhecidos com o nome
de orixás. Essas deidades representavam elementos e forças da natureza e
compuseram o quadro das religiões afro-brasileiras, merecem um capítulo a parte em
nossos estudos; falaremos sobre isso mais adiante.
Como já afirmamos, os africanos estavam imbuídos, em suas práticas
cotidianas, do sentimento de pertencimento. Suas tradições e sabedoria eram
transmitidas não somente através da oralidade, mas também a partir de alguns mitos
de origem, através do “recebimento”, do sinal de que aquela pessoa deveria receber
tal conhecimento, seja uma prática técnica, como no caso dos ferreiros, ou prática
ritual mágica de cura e adivinhação.

Dica: Para saber mais sobre a cultura banto e os minkisi, consulte:


www.ritosdeangola.com.br

______

1MILLER, Joseph. Poder político e parentesco: os antigos estados Mbuindu em


Angola, p. 242.

2 MILHEIROS, Mario. A família tribal. Luanda: Imprensa Nacional de angola

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Aula 10_A escravidão na África

A escravidão na África é um tema que traz muitas controvérsias. O tratamento


que se dá ao assunto é breve. Comumente, nos livros didáticos, está relaciona a
escravidão no Brasil ao fato de “já haver escravidão no continente africano”. Vamos
explorar mais esse assunto?
A escravidão é prática muito antiga na história da humanidade, quem não se
lembra da história de Moisés? Nasceu como filho de escravos hebreus e acabou
sendo criado como filho do Faraó Set. Gregos e romanos também praticavam a
escravidão; costumavam utilizar os prisioneiros de guerra para trabalhos domésticos,
pastoreio de animais, trabalhos agrícolas e construções. As pirâmides e muitos
monumentos históricos foram construídos com o braço escravo.
O escravo na sociedade africana era quase sempre um estranho ou um
prisioneiro de guerra, porém em algumas ocasiões ele acabava sendo incorporado
pelo grupo que o escravizava. Muitos serviam para sacrifícios humanos: nos funerais
dos chefes eram enterrados vivos junto com os bens do falecido — algumas das
mulheres do chefe também eram enterradas. Essa prática visava evitar que o “espírito
saudoso do convívio humano assediasse as povoações, provocando mortes ou
espalhando males, por despeito com os que ficaram” 1.
Havia também a prática de se imolar escravos, em homenagem à posse de reis
e também em caso de epidemias e moléstias. No Benin, ao inaugurar o festival da
colheita, três escravos perdiam a cabeça.
Os escravos eram utilizados nos mais diversos serviços, porém não eram
separados ou privados da convivência com os seus senhores. Ao contrário, tomavam
parte nas refeições e atividades familiares. Aos homens se destinava o trabalho nos
campos e exércitos. Havia a predileção por mulheres que além de trabalhar nos
serviços domésticos e rurais eram reprodutoras e aumentavam numericamente o
grupo. Muitas vezes a razão de se apresarem pessoas estava relacionada a este fato,
aumentar o número de pessoas na comunidade era importante em termos de proteção
e de poder.
Não se trata aqui de amenizar a escravidão africana, havia castigos e punições
ao escravo, alguns eram humilhados e sofriam privações, porém a escravidão estava

HISTÓRIA 34
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inserida numa dinâmica social, em que muitas vezes, a convivência delegava ao


escravo trabalhos considerados nobres e de confiança. Os filhos das escravas com
os chefes nasciam livres e gozavam de direitos. Com o passar dos anos seus
descendentes perdiam a condição de escravos. Nesses aspectos, a escravidão nas
sociedades africanas era muito semelhante à escravidão existente nas diversas
sociedades antigas.
O fato é que a escravidão africana nunca foi em larga escala. Aqui e acolá se
capturavam inimigos e, muitas vezes, os grandes reinos e impérios incorporavam
pequenas aldeias, escravizando apenas alguns elementos de maior interesse e
mantendo-as como pagadoras de tributos, sem tirar-lhes a liberdade administrativa e
religiosa. Segundo Alberto da Costa e Silva:

Uma das formas de explorar a escravaria era reuni-la em vilarejos


agrícolas, que eram obrigados a produzir certo volume de alimentos
para os senhores, mas sem experimentar muitas vezes maiores
constrangimentos na organização do trabalho e na condução da vida.
A vigilância dos donos, sobretudo quando estes eram reis ou grandes
personagens, exercia-se por meio de administradores que eram
também escravos, e podia ser, em alguns casos, tão pouco severa
que os cativos que labutavam na gleba talvez se tivessem por
afortunados, uma vez que constituíam família e quase não sofriam o
peso de sua condição, só o sofrendo porque se sabiam escravos e,
portanto, sujeitos a mudar de sorte ou de feito a qualquer momento 2.
Um novo feitor era capaz, com efeito, de alterar tudo e exercer sobre
a mão de obra um comando discricionário e tirânico, pois o gestor
escravo tanto podia ser solidário e bondoso com seu companheiro de
infortúnio, quanto contra ele derramar a sua revolta, ressentimento ou
amargura 3 .

Conforme Costa e Silva, o encargo de cuidar de uma aldeia “escravizada” era


delegado a um escravo. A aldeia gozava de certa liberdade, embora ficasse ao sabor
dos humores do feitor.

A empresa colonial capitalista mudou completamente a forma com que a


escravidão se processava entre os povos africanos, alterando profundamente o seu
significado; colocando a escravidão num contexto capitalista, criando um valor
monetário para um indivíduo, ou seja, transformando-o em mercadoria.

HISTÓRIA 35
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Dessa forma não podemos incorrer no erro de justificar o escravismo colonial,


principiado em meados do XVI, pelo fato de já haver na África formas de escravidão
que, de modo algum, se comparam ao verdadeiro etnocídio empreendido pelos
europeus, tanto na África, quanto na América.

____
1 REDINHA, José. Op. Cit., p. 33
2 SILVA, ALBERTO DA COSTA E. A manilha e o libambo: a África e a escravidão de
1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Fundação Biblioteca Nacional, 2002, p.
105.
3 Idem, p. 91.

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Resumo_Unidade II

Nesta unidade pudemos ter contato com uma nova abordagem em relação à
História da África. Constatando a complexidade das sociedades africanas foi
importante compreender como o continente africano abrigou e ainda abriga, uma
variedade de grupos com culturas próprias e complexas que foram reduzidas a um
imaginário eurocêntrico de “tribos primitivas e incivilizadas”.
Conhecemos um pouco mais dessas sociedades, sua estrutura político-social
e especialmente seu mundo mental, dominado pela presença do mágico-religioso, que
muito choque causou aos europeus. Vimos a importância dos indivíduos mais velhos
nessas sociedades, a intensa relação entre o mundo dos vivos e o universo espiritual,
habitado pelos ancestrais e por seres que intermediavam as relações com o “ser
supremo”, como no caso do povo iorubá
Também pudemos derrubar alguns “mitos” constituídos sobre a escravidão
africana, percebendo a sua dinâmica intrinsecamente relacionada a formas de vida e
incorporada ao cotidiano social de aldeias, reinos e impérios.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DIOP, Cheikh Anta. Origem dos antigos egípcios. In: História Geral da África, A
África Antiga. Vol.II: São Paulo/Paris/UNESCO, ORG. G. Mokhatar,1983.

MILHEIROS, Mario. A família tribal. Luanda: Imprensa Nacional de Angola, 1960.

MILLER, Joseph. Poder político e parentesco: os antigos estadosMbuindu em


Angola, Luanda: Imprensa Nacional de angola, 1998.

MUNANGA, Kabengele e GOMES, Nilma Lino. Para entender o negro noBrasil de


hoje: história, realidades, problemas e caminhos. São Paulo,Graal, 2004.

REDINHA, José. Etnossociologia do Nordeste de Angola. Braga: Editora Pax,


1966.

SILVA, ALBERTO DA COSTA e. A manilha e o libambo: a África e a escravidão


de 1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Fundação Biblioteca Nacional, 2002.

SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2006.

HISTÓRIA 37
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Aula 11_A África do século XV ao XVIII

No período compreendido entre os séculos XV e XVIII, fundaram-se alguns


reinos que se tornaram peças fundamentais nas relações com os povos europeus: os
reinos de Achanti, Abomé, e Congo. Vamos iniciar nossa aula conhecendo um pouco
sobre eles.
Reino de Achanti: Situado em região estratégica em meio às rotas de
comércio com o norte e sul da África. Os achanti habitavam essa região há muitos
séculos, porém no século XVII, reuniram-se em uma confederação de estados
autônomos a fim de se protegerem dos ataques vizinhos, sob o comando do príncipe
Osei Tutu com capital em Kumasi. Nessa região os portugueses construiriam um forte
que seria definitivo para o comércio de escravos.
Reino Abomé: Esse reino estava situado no antigo Daomé, onde hoje estáa
República de Benin; possuía um poderoso exército e teria sido fundado por volta do
XVII. Sem acesso ao mar, foi conquistando aldeias e reinos próximos até chegar à
costa e dominar a cidade de Ouidah, por volta de 1747. A partir daí Abomé se tornaria
um dos principais centros de comércio de escravos. Tornou-se especialista na captura
de escravos, no que eram repreendidos pelo reino iorubá de Oió. Esses dois reinos
travariam lutas constantes até o enfraquecimento de Oió, a partir daí os iorubas seriam
os grandes alvos das expedições de captura.
Reino do Congo: O reino do Congo possuía uma estrutura político-social que
impressionou os portugueses quando de seus primeiros contatos. Isso porque,
segundo eles, eram povos com um estado estabelecido aos moldes do europeu.
Porém essas considerações devem ser relativizadas, pois o reino do Congo seguia o
modelo estrutural de todos os outros reinos costeiros, como já vimos anteriormente.
Ao rei chamavam Manicongo e este morava na capital Mbanza Congo. Diversas
aldeias compunham o reino e eram administradas por membros de uma mesma
linhagem. O rei possuía uma pequena guarda composta por soldados escravizados,
mas a sua unidade militar não era centralizada o que tornava a reunião das várias
aldeias em exército fato de extrema dificuldade. Uma diferença entre o reino do Congo
e os demais, está no fato de que ao Manicongo era dada a plena liberdade de destituir

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funcionários sem ter de recorrer ao conselho formado por membros de todas as


aldeias, tratava-se de um poder de certa forma mais centralizado.
A partir do século XV, quando se estabelecem os primeiros contatos com os
europeus, especialmente com os portugueses, algumas feições do continente seriam
alteradas.
É preciso esclarecer que, até pelo menos o final do XVIII, a interferência
europeia na África foi mínima e não causou abalos. É claro que a empresa escravista
daria uma nova feição às relações internas dos diversos grupos africanos, porém
somente na costa africana. Vamos tentar compreender essas relações.
O primeiro contato entre africanos e europeus desde o período da Idade Antiga.
Heródoto — o historiador grego — já havia registrado suas impressões a respeito
daquele povo de “pele escura e lábios grossos” e seu contato com os egípcios. Sem
falar da rainha de Sabá (Etiópia) mencionada na Bíblia e no Corão, que despertou o
amor de Salomão. Na Idade Média registram-se contatos também com a região norte,
são os “mouros” descritos por Shakespeare em seu Otelo.
A partir da ocupação de Ceuta em 1415, no atual Marrocos, o contato com os
europeus tornou-se mais constante. Num primeiro momento vinham em busca de ouro
e de um caminho mais seguro que o Mar Mediterrâneo em direção às Índias. Mais
tarde, utilizaram a conversão cristã como justificativa para a empreitada colonial. Onde
hoje estão as terras do Senegal construíram um pequeno forte, por volta de 1445.
Encontraram-se com os acãs na região onde hoje está Gana e com os quais passaram
a comerciar ouro por volta de 1470. Mais tarde, construiriam ali o Forte de São Jorge
da Mina no ano de 1482. Trocavam tecidos indianos, cobre, barras de ferro e vidro
veneziano, por ouro, noz de cola, madeira.
Durante dois séculos pelo menos, Portugal dominou a navegação dos mares
atlânticos. A partir do século XVII, os espanhóis (até então ocupados em pilhar a
América), franceses, holandeses e ingleses passaram a disputar o espaço marítimo,
contestando a hegemonia portuguesa. Portugal havia investido pesadamente nas
relações comerciais com os povos africanos e obteve bons resultados; contudo, a
empresa escravista tornaria as relações mais agressivas.
Um desses episódios é a luta de Nzinga Mbandi Ngola (1581-1663), rainha de
Matamba. Os portugueses tentavam a todo custo estabelecer um forte na região. Em

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1578, Paulo Dias de Novais fundou a cidade de São Paulo de Assumpção de Luanda,
território mbundu. Havia a necessidade de abrir território, pois já no início do XVI, os
portugueses se associaram aos imbangalas (chamado por eles de jagas) com os
quais negociavam escravos, porém os mbundus controlovam a rota naquele
momento. O rei mbundu Ngola Kiluanji pai de Nzinga resistiu a todo custo e mandou
sua filha negociar com os portugueses. Em troca de sua conversão ao catolicismo,
prometeram abandonar as terras invadidas, porém não cumpriram sua promessa e a
guerra se iniciou. O comando estava com seu meio-irmão Ngola Mbandi, que hesitou
em atacar os portugueses. Nzinga, então, após mandar degolar seu tio que havia se
encontrado com os portugueses, envenenou o próprio irmão e assumiu o poder.
Sucedeu-se um período de longas batalhas em que Nzinga se aliou aos jagas
do leste. Contudo num ataque ao forte de Massangano,suas irmãs Cambu e Fungi
foram capturadas e, para reavê-las, Nzinga prometeu converter-se ao catolicismo
novamente. Fungi foi executada. Após longa negociação territorial e estratégica, Nziga
recuperou Cambu, pagando como resgate, uma centena de escravos além do
território cedido. Segundo Carlos Serrano, a resistência de Nzinga à ocupação colonial
e ao tráfico de escravos no seu reino por cerca de quarenta anos, usando de várias
táticas e estratégias que vão desde a conversão ao cristianismo até as práticas jagas,
é fonte para a criação de um imaginário que se impôs como símbolo de luta contra a
opressão.
.

A lendária rainha Nzinga

Vamos ver muitas histórias de luta e resistência como a de Nzinga, mais adiante.

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Aula 12_A escravidão na África II: novas relações a partir do tráfico


atlântico

Na aula anterior observamos os primeiros contatos entre africanos e europeus,


na Idade Moderna, em que os portugueses lideraram as expedições rumo à África.
Diferentemente da América — o continente “descoberto” — que logo foi ocupado e
pilhado, os contatos com o mundo africano tomaram a dimensão de relações
comerciais. Trocaram-se produtos e a penetração europeia era ínfima, a troca de
produtos e de escravos não era novidade na África.
Mandava-se para território africano, especialmente os missionários, que
morriam aos montes de doenças típicas dos trópicos como a malária e a doença do
sono. Se no princípio havia trocas comerciais, com o desenvolvimento da produção
açucareira nas colônias da América, a demanda por mão de obra se tornou a grande
reguladora das relações entre África e Europa.
Os portugueses estabeleceram fortes na região da costa africana, porém
tinham dificuldade em adentrar ao interior. A estratégia encontrada para a premência
de cativos era aliar-se a povos guerreiros. Ao contrário do que podemos imaginar, não
foi fácil ao europeu comercializar escravos na África; ficavam a sabor das oscilantes
exigências dos povos africanos, que solicitavam complicadas combinações de
produtos para efetuar as trocas, muitas vezes os navios ficavam meses aportados a
espera que se reunisse um número suficiente de escravos para o embarque. Era
vedada ao europeu a apropriação da terra. O estabelecimento português em Angola
só foi possível após a ferrenha luta travada com os povos mbundos — lembrando da
história da rainha Nzinga.
Até onde puderam, os africanos barraram a penetração europeia; o homem
branco só era aceito plenamente quando se convertia aos valores da terra e, mesmo
assim, como comerciante tratado com reservas. Segundo Costa e Silva, o mundo
africano iria se abrir, com muita resistência ainda, somente em finais do século XIX 1.
A voracidade europeia por braços escravos traria, contudo, alterações
significativas no espaço territorial africano. Nos reinos próximos à costa, onde os
líderes se tornaram comerciantes de escravos, houve um crescimento populacional
impressionante.

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O escravo, quando não era vendido (e isso ocorria com frequência), era
incorporado à sua nova sociedade, as mulheres eram as preferidas para a
permanência nas aldeias, dessa forma houve também um aumento no número de
crianças. O contrário se observou nas regiões que eram objeto do apresamento de
escravos: houve um esvaziamento das aldeias e a desorganização econômica. É
preciso reforçar que esse processo se deu de modo mais contundente nos sertões
que cercavam os estabelecimentos portugueses em Angola:

As aldeias amanheciam em insegurança, e era com medo que seus


habitantes saíam para os cuidados das roças. Sob constante ameaça,
não se sentiam eles estimulados a restaurar o telhado das casas, a
fiar e a tecer, a entrelaçar a palha, a amassar o barro e a levar os
produtos do trabalho ao mercado 2.

Nas outras regiões da África, no decorrer do século XVII, havia áreas, inclusive
no litoral, onde a presença dos brancos era ínfima ou inexistente. Para algumas elites
africanas, o comércio de escravos se tornara importante, exemplo do reino do
Cassanje e dos imbangalas. Contudo, para a maioria das comunidades africanas, o
comércio de gente representava uma parcela muito pequena de sua economia e, em
alguns casos, não havia interesse em desfazer-se do escravo que, incorporado à sua
sociedade, daria mais rendimentos vivendo em seu grupo.
Não obstante todas essas relações conflituosas, o aumento da demanda
escravista a partir do século XVIII, viria acompanhado com o princípio da
desumanização do escravo. O desenvolvimento do capitalismo traria consigo um
ataque pesado ao território africano, dessa vez, as mudanças serão profundas e trarão
consequências irremediáveis.

__

1 COSTA, Alberto da Costa e. Op. Cit. p. 876.


2 Idem, p. 874.

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Aula 13_A África no século XIX: no contexto do Imperialismo I

Em aula anterior, apresentamos um mapa do continente africano na


atualidade. Quando olhamos para ele notamos que este apresenta uma forma de
divisão particular com relação aos demais continentes. A sensação que temos é que
esse continente apresenta uma divisão “perfeita”, ou seja, sua divisão geográfica se
apresenta com uma simetria que não é típica em relação às divisões territoriais de
outros países. Essa suposta “simetria” tem um nome: imperialismo.
Como já comentamos, até meados do século XIX, a África permanecia de certa
forma livre da presença efetiva dos europeus; o continente era fornecedor de mão de
obra, por meio do tráfico negreiro que enriqueceu muitos europeus e até mesmo
alguns brasileiros.
A partir do século XIX, o desenvolvimento do capitalismo engendrou uma nova
ordem social, na qual o trabalho escravo se constituía num entrave. A industrialização
acelerada gerou bens industrializados em grande escala que necessitavam de
mercado consumidor e os trabalhadores assalariados europeus e da América —
recém-independente — já não davam conta desse consumo. Além disso, havia a
necessidade premente de matéria prima para a indústria, como cobre, borracha,
manganês.
Para resolver tal imbróglio a tentativa dos europeus foi partir para um controle
do continente africano, a fim de solucionar seus anseios capitalistas.
Nesse cenário, sob a liderança política da Alemanha representada pelo
primeiro ministro Otto Von Bismarck, é realizada uma reunião em Berlim, entre 1884
e 1885, dos países interessados na partilha da África, para que à base de “régua e
compasso” o continente africano fosse dividido, e assim, as necessidades europeias
fossem atendidas. A divisão efetuada do território levou em consideração as relações
já existentes entre europeus e africanos desde o século XVI. Assim, aqueles países
que haviam construído fortes em terras africanas tinham primazia.
O continente africano foi dividido entre Portugal, Espanha, Inglaterra, França,
Alemanha e Itália. Essa divisão forçou a convivência numa mesma região, de grupos
etnoculturais rivais ou hostis. Veja abaixo como ficou a África após a Conferência
de Berlim:

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Mais tarde o Egito ficaria sob domínio da Inglaterra que rivalizaria com a França
por sua posse. A Etiópia esteve sob intervenção italiana durante poucos anos. Quanto
à Libéria, foi uma possessão norte-americana criada em 1847 para deportar africanos
excedentes, ex-escravos e degredados.
O imperialismo trouxe profundas transformações para o continente africano e a
superexploração, em nada semelhante ao colonialismo vigente até fins do século XIX,
ocasionou a definitiva desestruturação de organizações políticas muito antigas, não
somente através da ocupação de seu espaço territorial, mas, principalmente, pela
privatização da terra, espaço sempre destinado ao coletivo, nas sociedades
tradicionais. Houve um emergente processo de urbanização acompanhado do
surgimento de novos estratos sociais.
A ocupação da África foi um grande negócio para os países capitalistas.
Literalmente, pois, fizeram parte das negociações e dos interesses de partilha grupos
econômicos emergentes, aos quais podemos chamar de empresas concessionárias e
que ficaram encarregadas de estabelecer a extração da matéria-prima. A Inglaterra
adotou bastante essa prática.

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A investida em solo africano foi desordenada e violenta, o uso das forças


armadas causou grandes estragos populacionais.
É fácil entender o interesse dos europeus no continente africano: após o
declínio do ciclo do ouro, era necessário encontrar outras fontes de riqueza, e a
existência de jazidas em solo africano caiu como uma luva. Segundo Rafael Sanzio 1

o continente detém quantidades significativas de minérios:

• 80% das jazidas de diamantes conhecidas


• 60% do ouro do mundo ocidental
• 30% do alumínio mundial
• 35% da reservas de zinco do ocidente

Na próxima aula continuaremos este assunto. Até lá!

ANJOS, Rafael Sanzio Araújo dos. “Estrutura espacial do imperialismo, a


independência política no século XX e o contexto geopolítico contemporâneo”. In:
Educação Africanidades Brasil, Brasília: UNB, 2005, p. 77.

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Aula 14_A África no século XIX: No contexto do imperialismo II

Os países europeus, além do uso da força, utilizaram duas estratégias para


complementar o processo de invasão: a religião com o envio de missionários e o
financiamento de entidades capazes de analisar e mapear o território desconhecido.

Essas ações devastadoras de parcelar o continente sem o respeito a


suas unidades linguísticas ou aos mosaicos culturais das sociedades,
vão constituir os pilares da desestruturação social profunda, que se
desencadeará na África a partir desse momento, em âmbito histórico
e geográfico 1.

As fronteiras traçadas pelos países europeus foram mantidas pelos africanos


durante o processo de descolonização, iniciado na década de 1950 e praticamente
encerrado em meados dos anos 1970, com a independência de todas as ex-colônias
portuguesas: Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau e São Tomé e
Príncipe. O único país com situação ainda não resolvida é o Saara Ocidental, antiga
colônia espanhola ocupada pelo Marrocos desde 1975.
A manutenção dessas fronteiras artificiais criadas pelos europeus trouxe
graves problemas, pois os africanos tinham uma concepção diferente de Estado e,
após a descolonização, grupos rivais iniciaram uma disputa pelo poder. Um dos casos
mais emblemáticos é o de Ruanda, onde tutsis e hutus promoveram verdadeiras
chacinas em nome da rivalidade étnica. Há ainda o interesse na manutenção desses
conflitos, pois a terra ainda é rica em minérios, e fica fácil explorar regiões em conflito.
Como instaurar um Estado nacional calcado em ideais nacionalistas quando as
fronteiras criadas não correspondiam à realidade sócio, político e econômica anterior?
Esse era um problema com que a África teve que conviver.
Na África do sul vigorou o regime do apartheid durante quase quarenta anos.
Tratou-se de uma estratégia racista que visava separar brancos (minoria) e negros
(maioria) através de uma legislação, que criava os batustões — estados tribais
autônomos —, verdadeiros guetos dos quais os negros não podiam sair senão com
passaporte. A lei de segregação era justificada como “respeito às etnias”, sendo que
brancos e negros não podiam nem mesmo casar-se.

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No mapa acima podemos observar o processo de descolonização que


reafirmou as fronteiras estipuladas pela Conferência de Berlim. Diversos fatores
aceleraram os processos de descolonização: maior centralização do poder, inserção
na economia mundial, e até a guerrilha armada, porém todos esses países tiveram o
seu desenvolvimento comprometido.

1 Idem, p. 72.

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Aula 15_A África hoje

A África hoje é fruto do colonialismo e do imperialismo europeus. Continente


vasto e rico de grupos étnicos e diversidade cultural que resistiu à exploração,
sistematicamente, durante quase 400 anos. A investida capitalista do século XIX, no
entanto, seria violenta e deixaria marcas profundas, que se refletem nos seguintes
dados:
• A África é o continente onde estão os países com o pior índice de
desenvolvimento humano (IDH).
• Entre os 50 países mais pobres do mundo 40 estão na África.
• 40% dos aidéticos do mundo são africanos.
• Embora tenha sofrido um rápido, porém desordenado processo de
urbanização, ainda é um país rural.
• Entre os anos de 1950 e 2000, segundo dados da ONU, a população africana

saltou de 200 milhões para mais de 800 milhões.

As grandes empresas continuam manipulando e explorando o território africano.

Filmes atuais como o “Jardineiro Fiel” (2005), que aborda a exploração da


indústria farmacêutica no Quênia, transformando seres humanos em cobaias ou como
“Diamante de Sangue” (2006), que mostra a guerra na caça aos diamantes, nos dão
essa perspectiva. A descolonização não significa que o continente tenha sido
abandonado politicamente, ao contrário, ele continua sendo observado de perto e com
interesse. A manutenção da situação africana tal como está é condição essencial para
sua exploração pelos líderes do capitalismo.
Os dados sobre a África nos fazem pensar num quadro desolador e sem
perspectivas, porém é preciso avaliar que o contato com europeu, embora devastador,
não foi suficiente para apagar as características culturais e sociais dos diversos
grupos que compõem a África.
Este continente continua sendo rico, fértil e com possibilidade de recuperação,
não obstante todas as dificuldades. Introjetar as imagens que nos são passadas
cotidianamente da África, como um lugar sem solução, cercado de miséria, seria

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abandonar aquilo que estivemos estudando desde as nossas primeiras aulas. É


preciso olhar a África com outros olhos, a intenção deste curso é esta, mostrar o que
há além do senso comum sobre a África.

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Resumo_Unidade III

Nesta unidade, pudemos estudar as transformações das relações internas


africanas a partir do contanto com os europeus. Pudemos contatar que, a princípio,
foram relações comerciais calcadas na troca de mercadorias e que, em pouco tempo,
o tráfico escravo intensificou-se e gerou desequilíbrios internos. Os portugueses foram
os primeiros a chegar à costa africana e durante muito tempo dominaram o comércio
atlântico.
Pudemos constatar que a penetração europeia foi barrada de modo
contundente pelos africanos, a rainha Nzinga é um exemplo dessa resistência.
No decorrer do século XVIII e até finais do século XIX, as relações entre os dois
continentes se alteraram substanciosamente e o capitalismo nascente empreendeu
uma agressiva demarcação territorial que trouxe a desagregação e a convivência
forçada de grupos rivais, gerando conflitos étnicos que trouxeram consequências
drásticas e persistentes para o mundo africano.

REFERÊNCIAS

LASGOW, Roy Arthur. Nzinga: resistência africana à investida do colonialismo


português em Angola (1582-1663). São Paulo: Perspectiva, 1982.

MARTINEZ, Paulo. África e Brasil: uma ponte sobre o Atlântico. São Paulo:
Moderna, 2000.

OLIC, Nelson Bacic e CANEPA, Beatriz. África: terra, sociedades e conflitos. São
Paulo: Moderna, 2005.

SILVA, ALBERTO DA COSTA e. A manilha e o libambo: a África e a escravidão de


1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Fundação Biblioteca Nacional, 2002.

REVISTA USP, Dossiê Brasil África, nº. 18, jun/jul/ago, 1993.

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Aula 16_O tráfico de escravos no Brasil: o grande comércio de


gente.

Como já comentamos, a escravidão existe desde as épocas mais remotas.


Assumindo características diferentes nas diversas sociedades em que esteve
presente, marcou a supremacia de certos grupos sobre outros e foi, muitas vezes,
utilizada como estratégia de dominação.
Porém, a escravidão no mundo moderno, está inserida no contexto das
Grandes Navegações e das relações de exploração comercial que se seguiram à
“descoberta” e ocupação do “novo continente”, não encontrou paralelo em nossa
história. O mundo moderno geraria uma sociedade assentada em torno da grande
lavoura — a grande propriedade — cujo alicerce principal seria a mão de obra
escrava.
A forma como comumente é abordada a chegada dos africanos, costuma nos
dar a impressão de que foi algo natural. É comum se creditar essa “naturalidade” ao
fato de que já havia escravidão na África, e que estes homens, mulheres e crianças
saíam de um lugar onde já eram escravos para outro, onde continuariam na mesma
situação. Nada mais falso, pois como já estudamos, a escravidão na África possuía
uma dimensão completamente diferente do destino que aguardava os africanos que
faziam a grande travessia do Oceano Atlântico.
A substituição da mão de obra indígena pela do negro não foi consequência da
proteção do missionário ou do fato de o índio não se adaptar ao trabalho compulsório.
Foi fruto da necessidade imediata de geração de dividendos para a coroa portuguesa,
que tinha pressa em ocupar o território e que se organizava em função da grande
lavoura. As constantes fugas de índios, a sua agressividade e o fato de se esconderem
cada vez mais para o interior do Brasil, traziam a premência de mãos para o trabalho
árduo.
No princípio, os traficantes traziam os escravos por encomenda dos senhores
de engenho; eles custeavam as expedições à África. Porém, por volta do século XVII,
o tráfico de escravos africanos tomou outra dimensão. A escravidão indígena estava
relacionada apenas a um comércio regional, mas o tráfico negreiro tomou
características de um comércio globalizado, sobretudo, lucrativo. E, com isso, ganhou

HISTÓRIA 51
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autonomia, criou-se um mercado próprio já completamente desligado dos senhores


de engenho.
Há controvérsias quando a questão da quantidade de escravos africanos
trazidos para o Brasil. Dados recentes apontam os seguintes números:

Século XVI 50.000

Século XVII 560.000

Século XVIII 1.680.100

Século XIX 1. 732.200 (Até 1850).

Fonte: Estatísticas Históricas do Brasil. IBGE, 1987, p. 58.

Devemos levar em consideração que os dados referentes ao século XIX, dizem


respeito apenas às cinco primeiras décadas, ou seja, em cinquenta anos, foi traficada
quase a mesma quantidade de escravos que nos três séculos anteriores. Esse
aumento se deve ao início do ciclo do café. Esses números apontam para um total de
mais de quatro milhões de africanos desembarcados nos portos brasileiros!
Segundo Jaime Pinsk:

O historiador Luiz Felipe de Alencastro desvenda a dimensão trágica


do tráfico. Segundo ele, 40% dos negros morriam nos primeiros seis
meses subsequentes ao seu apresamento, no interior da África, a
caminho do litoral. Doze por cento dos sobreviventes morriam durante
o primeiro mês em que ficavam nos portos, aguardando o transporte.
Durante a travessia, morriam 9% dos que embarcavam, e metade dos
que chegavam morriam durante os quatro primeiros anos de Brasil!
Dessa forma, embora os números absolutos variem conforme a fontes
consultadas, o estágio atual dos estudos históricos aponta para as
seguintes cifras como as mais prováveis (...) de oito milhões de negros
aprisionados, só dois milhões teriam conseguido sobreviver por mais
de cinco anos. Mais de seis milhões de mortos 1.

Veja abaixo um esquema de navio negreiro onde se amontoava uma


quantidade grande de escravos:

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Esquema de um navio negreiro – imagem Wikipédia

Mais adiante abordaremos as condições em que eram feitas essas viagens.

1 PINSK, Jaime. A escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto,

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Aula 17_A chegada dos “malungos”: tentativas de sobrevivência

O nome malungo surgiu junto com o mundo Atlântico, um mundo novo para os
africanos. Ele podia significar barco, parente ou irmão e serviu para aproximar
pessoas de etnias e origens diferentes, colocadas num mesmo destino. Era assim que
se identificavam os africanos na travessia do oceano.
Já comentamos a variedade de etnias que compunham o continente africano,
rivalidades e ódios foram colocados de lado no novo destino. Não foi fácil e, algumas
vezes, os conflitos étnicos se reproduziram aqui também. Havia a dificuldade de
comunicação, pois os diferentes grupos étnicos africanos falavam diferentes línguas.
Segundo Roberto Slenes 1, novas formas de contato foram sendo desenvolvidas no
trajeto do apresamento em território africano, na grande travessia e sedimentadas em
solo brasileiro, onde, muitas vezes, os escravos ficavam aguardando meses por quem
os comprasse.
A chegada dos malungos era cercada por rigoroso policiamento. Podemos
observar através da imagem a seguir, a chegada dos navios negreiros, que era
cercada de intensa vigilância por parte das autoridades: vemos oficiais em barcos no
entorno dos navios e aguardando o desembarque.

Rugendas - Chegada ao destino

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Quando eram aprisionados em território africano, os futuros escravos ficavam


aguardando a chegada dos navios de embarque em portos que se situavam na costa
africana, especialmente na Costa da Mina e na Costa da Guiné. Eles provinham de
várias regiões, porém, quando embarcados, após serem devidamente batizados,
recebiam, como nomeação de origem, os portos ou lugares onde permaneceram
aguardando o embarque.
Foi assim que chegaram ao Brasil os moçambiques, angolas, congos,
benguelas, cabindas. Depois de comprados recebiam novos nomes e em seus
registros no Brasil, se transformavam em, por exemplo: João, da nação Congo, Maria,
de nação Benguela, Antônio, de nação Angola e assim por diante.
Essas denominações de nação foram incorporadas pelos malungos como uma
nova forma de inserção social, mas principalmente de organização.
Os africanos haviam sido retirados de sua terra, onde faziam parte de
sociedades complexas cujas relações sociais se estabeleciam a partir do parentesco.
A partir do momento em que conseguiram estabelecer formas de comunicação, seja
pela proximidade linguística, seja pela adaptação ao idioma da nova terra, puderam
recriar alguns laços que motivaram a sua resistência: a da criação de grupos de
procedência.
O pintor alemão Rugendas retratou a variedade étnica presente no Brasil

Cabinda, Quiloa, Rebolla, Mina, Benguela, Congo, Monjolo, Angola – Rugendas

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As irmandades de homens negros, das quais falaremos mais adiante,


abrigaram algumas dessas nações, que muitas vezes se mesclavam com grupos
étnicos realmente formados na África. Um exemplo que facilita nossa compreensão
são os minas da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos
Homens Pretos no Rio de Janeiro, administrada por africanos da nação “mina”, que
no século XVIII, abrigou a Congregação dos Minas Maki ou Mahi, divididos em mina-
cobu, mina, mahi, mina agolin...
Essa identidade de pertença não era, contudo, ancestral, matrilinear, pois não
gerava a descendência. Ela acabava ali, com aquele membro originário da África.
Seus filhos não seriam mina-cobu, nem mina mahi, seriam crioulos, escravos
nascidos no Brasil. A classificação social utilizada entre os irmãos da Congregação
Maki revela uma referência a grupos e lugares vivenciados antes da escravidão,
porém não podem ser tomados como indício de uma reprodução social de matriz
africana (territorial ou política). Esses novos grupos foram forjados nas fímbrias do
império colonial português.

Importante: Vimos nesta aula como os africanos, mesmo arrancados de sua


terra e da convivência com seus iguais, tentaram encontrar uma nova identidade, na
qual pudessem se reconhecer. Essa nova identidade seria a base para tentativas de
organização de movimentos sociais.

1 SLENES, Robert. “Malungu, ngoma vem! África coberta e descoberta do Brasil”.


Revista USP, nº. 12, 1991-1992.

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Aula 18_A dura vida de um escravo

Falar que a vida do escravo era dura parece desnecessário, diante do que já
ouvimos sobre o período da escravidão. Porém, ao falarmos sobre as senzalas, o
trabalho na lavoura ou os castigos, não devemos esquecer que o trabalho do escravo
africano foi fundamental para o desenvolvimento social e econômico de nosso país.
O primeiro grande desafio para os negros era a travessia do Atlântico, que
durava de dois a três meses. Vinham sempre em grande número; numa caravela
podiam caber 500 negros e num navio maior até 700. Em péssimas condições de
higiene, urinavam e defecavam onde dormiam e com uma alimentação precária
muitos morriam antes de chegar ao destino, de fome ou de doenças comuns naquela
época, como o escorbuto, a avitaminose e a cólera. Os negros viajavam acorrentados.
Muitas vezes, os doentes eram jogados, ainda vivos, ao mar, para evitar a
contaminação.
Dependendo das condições do tempo e da habilidade da tripulação, essa
terrível viagem podia demorar mais de três meses, podendo chegar a seis meses. No
Brasil colonial, costumava-se dizer que a chegada do navio negreiro era pressentida
pelo terrível mau cheiro. Nos portos era amontoados e expostos muitas vezes nus,
aos olhares dos compradores:

Mercado da Rua do Valongo – Rugendas

A economia e a organização social do Brasil colonial giravam em torno da


instituição da escravidão. Eram os escravos quem realizavam todas as tarefas, das

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mais simples e cotidianas, como os cuidados domésticos, carregamentos de


alimentos, até a lida nas pequenas e grandes lavouras. Nos canaviais e cafezais
trabalhavam de 15 a 18 horas por dia sem descanso.
Os muitos viajantes estrangeiros que estiveram no Brasil, a partir de meados
do século XIX, registraram com espanto a quantidade de negros que havia nas
cidades e a sua ampla utilização em todos os setores. Os negros realizavam também
trabalhos especializados como o de barbeiros, ourives, sapateiros, carpinteiros,
ferreiros. Alguns, inclusive, exerciam a função de “médicos”, tratando enfermidades e
utilizando técnicas como a sangria.
As negras, além de amas de leite, atuavam como parteiras.

O cirurgião negro e carregadores no açougue – Debret.

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Manter um escravo era algo muito dispendioso. Além de ser caro, o escravo
gerava despesas de vestimenta e alimentação. Em períodos de crise, a solução
encontrada por alguns senhores era “alugar” o seu escravo. Eram os chamados
“ganhadores” ou escravos de ganho, isto é, escravos que exerciam tarefas no
comércio local, tais como: vendas de aves e cestos, as famosas quituteiras que
vendiam doces e ensopados. Trabalhavam o dia todo e ao final do dia entregavam o
que ganhassem ao seu proprietário, ficando com uma quantia mínima para suas
despesas pessoais. Muitos escravos faziam desse sistema um meio de comprar a sua
alforria. Essa forma de contrato gerou uma enorme quantidade de ganhadores
espalhados pelas cidades e propiciou a reunião de alguns deles em associações
chamadas de “cantos”. O livre circular pelas cidades permitia a troca de informações
e especialmente, no século XIX, a circulação desses escravos trouxe tensões sociais
devido ao seu envolvimento em tentativas de rebelião.
Uma dessas rebeliões foi a Revolta dos Malês, ocorrida em Salvador, na Bahia,
no ano de 1835. Essa revolta gerou pânico na cidade e, segundo alguns
pesquisadores, contou com o apoio dos escravos de ganho. Os malês eram africanos
de diferentes etnias que tinham em comum a religião muçulmana. Reunidos a um
grupo de libertos ocuparam a cidade na madrugada do dia 25 de janeiro. A rebelião
durou somente algumas horas, mas teve repercussões importantes, servindo de
exemplo para outras tentativas. O plano era aproveitar-se da comemoração da Festa
de Nossa Senhora da Guia para fugir e reunir-se com escravos e libertos dos
engenhos e quilombos da região do Cabula e da Mata Escura. O dia 25 de janeiro
também era especial para os muçulmanos, pois marcava o final do Ramadã 1 .
No dia da festa, os revoltosos aproveitariam a cidade vazia, pois a procissão
levaria todos até a localidade do Bonfim, para poderem mobilizar-se. Porém o plano
foi delatado e, a partir da denúncia, seguiram-se horas de violento combate. Alguns
revoltosos foram presos e deportados, outros foram fuzilados, caso dos escravos
Pedro, Gonçalves e Joaquim, e dos libertos, Jorge da Cunha Barbosa e José
Francisco Gonçalves. Entre os revoltosos deportados estava uma escrava liberta de
nome Luisa Mahin, a mãe de Luís Gama, que mais tarde seria um dos grandes
baluartes da luta abolicionista.

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Com a revolta em Salvador se intensificaram a vigilância e a violência contra o


escravo. O medo era grande, pois a população negra nas cidades ultrapassava a
branca. Além da Revolta dos Malês na Bahia, temos notícias de outras revoltas em
várias partes do Brasil. Os negros participaram também de várias revoltas populares,
como a Conjuração Baiana e a Balaiada.
As constantes revoltas, tentativas de fuga e demonstrações individuais de
rebeldia, como o homicídio e até mesmo o suicídio, geraram em contrapartida um
constante aumento do uso da violência e da crueldade como forma de coerção. Essa
violência, além de explicar a alta mortalidade do escravo no Brasil, também ajuda a
compreender como se manteve um regime de trabalho tão brutal durante tanto tempo.
Era comum a existência de troncos espalhados pelos centros urbanos e nas
sedes das fazendas. Os negros apanhavam com o “bacalhau”, um chicote com cinco
pontas de ferro — muitas vezes fazia-se com que os próprios escravos se açoitassem.
Nas imagens a seguir 2 podemos observar este fato, seguido de outro castigo muito
comum que consistia em acorrentar o escravo pelos pés e deixá-lo exposto ao sol.
Como pudemos observar bem o trabalho servil do negro foi um processo
doloroso e que sempre gerou reação dos escravizados. Arrancados de sua terra,
embarcados à força em um navio, em condições subumanas, misturados a povos
desconhecidos, com línguas diferentes e lançados num mundo desconhecido e
perverso, tiveram a coragem de resistir por mais de 300 anos! Das mais variadas
formas possíveis...
Nas próximas aulas conheceremos algumas estratégias de luta e sobrevivência
desses homens e mulheres negros.

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1 O Ramadã é um feriado não fixo que se movimenta a cada ano e se localiza no


nono mês do calendário muçulmano. Acredita-se que no mês do Ramadã, o Alcorão
sagrado foi enviado do céu como uma orientação aos homens, durante este mês os
muçulmanos praticam e jejum devendo se alimentar somente à noite. A data está
próxima da festa do Lailat al Qadr, que significa a “Noite do Poder”.

2 As imagens que mostram os castigos de escravos são do pintor francês Debret.

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Aula 19_A resistência escrava I: as comunidades quilombolas

Durante os pesados anos de escravidão, os escravos buscaram várias formas


de resistência. Jamais foram passivos em relação à sua condição: praticavam
suicídio, matavam senhores e feitores e morriam de banzo — uma tristeza enorme da
sua terra que fazia com que parassem de comer a escassa comida que lhes era
destinada. No entanto as fugas e os quilombos foram as mais conhecidas formas de
resistência.
Os quilombos foram comunidades de escravos fugidos que se formavam no
interior das florestas. No período colonial e pós-colonial, muitas dessas comunidades
conseguiram reunir milhares de membros. Até o século XVIII essas comunidades
eram conhecidas como mocambos, conforme aponta José Flavio Gomes, somente
após esse período é que a palavra quilombo tornou-se padrão 1.
É importante conhecermos o significado dessas palavras, pois “mocambo”
significava acampamento militar e moradia para os escravos trazidos da região central
e centro-ocidental da África; ao passo que “quilombo” se referia a um ritual de iniciação
de uma sociedade militar de guerreiros. Conhecidos pelos portugueses como jagas,
eles incorporavam populações de comunidades conquistadas e as submetiam a esse
ritual.
Os quilombos se espalharam por todo o Brasil. Há notícias sobre quilombos
nas quatro regiões do país, entre os séculos XVI e XIX. Só na Bahia foram cerca de
trinta e cinco; em São Paulo, chegaram a vinte e três; em Minas Gerais, cerca de 20;
na região Amazônica, aproximadamente 12. Os quilombos não foram fenômenos
esporádicos e não ficaram restritos ao Nordeste, como muitos imaginam, pontilharam
todo o território brasileiro enquanto a escravidão existiu.
O mais famoso de todos os quilombos no Brasil foi Palmares, do qual se tem
notícia desde meados de 1597. Localizado entre os estados de Pernambuco e
Alagoas, era formado por mocambos menores administrados por um único líder.
Segundo alguns pesquisadores, Palmares chegou a abrigar cerca de 20 a 30 mil
habitantes. Os mocambos Macaco, Zumbi, Subupira, Tabocas e Cucaú, foram os mais
populosos. O ambiente natural que propiciava pesca e caça em abundância garantiu
a longevidade de Palmares. A distância significativa do litoral Pernambucano, cerca

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de 120 quilômetros, proporcionava uma certa proteção que também contribuiu para a
longevidade. A maioria das expedições contra Palmares acabou por se perder na
densa mata.
Sua população, segundo dados, era composta por africanos provenientes da
região centro-ocidental da África (especialmente Congo e Angola), porém havia
muitos mestiços, inclusive índios, incorporados à rotina de Palmares. Eram muito
organizados militarmente, e procuravam reunir-se em famílias, mesmo com o número
reduzido de mulheres. Quando um mocambo era atacado, seus membros se
refugiavam em outro. A extensa região que abrangiam os mocambos tornava
impossível atacar Palmares de uma só vez. Os mocambos possuíam uma
infraestrutura que abrigava além das residências, armazéns para a estocagem de
alimentos, santuários, capelas e locais onde se reuniam os chefes.
Produziam para consumo próprio, feijão, milho, mandioca, banana e cana de
açúcar, praticavam o artesanato e dominavam as técnicas de metalurgia. E nisso eram
extremamente organizados e articulados entre si, enquanto um mocambo produzia
manteiga de amêndoa o outro fabricava o vinho de palma 2. Negociavam o excedente
com os moradores das regiões circunvizinhas, construindo uma relação social de
comércio e trocas, que inclusive gerava uma rede de proteção no seu entorno. Muitos
taberneiros e sitiantes foram acusados de dar guarida e de mandar avisar aos
palmarinos sempre que havia perigo de expedições punitivas. Em respostas as
ofensivas os palmarinos organizavam ataques nos quais saqueavam e amedrontavam
quem se atrevia a enfrentá-los.
Um dado interessante sobre o quilombo dos Palmares foi a sua importância
para a economia da região. Ao mesmo tempo em que interferiam na produção das
grandes lavouras, atendiam à demanda dos pequenos comerciantes, abastecendo os
mercadinhos e o comércio ambulante, e gerando um espaço social de convivência e
de respeito.
O fato é que antes da destruição de Palmares, houve por parte do governo da
capitania de Pernambuco, várias tentativas de acordo. Ganga-Zumba, um dos líderes
tentou, no ano de 1678, um acordo com D. Pedro de Almeida, no qual prometeu se
retirar das cobiçadas terras do mocambo Macaco em direção ao Cucaú. No entanto,
um importante líder militar chamado Zumbi resolveu discordar e permanecer no

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Macaco. Além da retirada, as autoridades queriam que o quilombo se recusasse a


aceitar novos escravos e que devolvesse aos proprietários os escravos que não
houvessem nascido em Palmares.
Com a fragilidade das lideranças em desacordo, Palmares voltou a ser atacada
em 1692, desta vez com o auxílio de tropas paulistas. Domingos Jorge Velho foi o
chefe desse ataque que culminou com o assassinato do líder Zumbi. Os
quilombolas resistiram ainda por vários anos e até mais ou menos 1736, ouviram-se
notícias de quilombolas na região.
Palmares existiu e resistiu por quase cem anos. Símbolo de luta e liberdade
além de demonstração da capacidade de homens e mulheres negros em ocupar
espaços e organizar-se. Palmares e Zumbi ficaram para a História como sinais
emblemáticos das realizações de um povo que deixou suas marcas nas comunidades
remanescentes de quilombolas, que se espalham por diversas regiões do Brasil.

1 GOMES, José Flávio. Palmares. São Paulo: Editora Contexto, 2005.


2 Idem, p. 86.

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Aula 20_A resistência escrava II: a capoeira e as irmandades de


homens pretos

Novas formas de resistência negra vêm sendo descobertas. Atualmente, a


capoeira e as irmandades religiosas de homens pretos são consideradas também uma
forma de enfrentamento da sociedade escravocrata. Vamos saber um pouco mais
sobre elas?
Para começar pergunto: o que é a capoeira, afinal? Um jogo? Uma dança?
Uma luta? Pois bem, foi por volta do século XVII, que se ouviu falar, pela primeira vez,
em capoeira no Brasil. Segundo os estudiosos, a capoeira mistura todos esses
elementos: a música, a dança e a luta.

Johan Moritiz Rugendas, litografia de 1822.

Existem duas correntes que pensam a capoeira no Brasil. Há aqueles que


defendem que a capoeira foi inventada pelos escravos aqui no Brasil, fruto da
convivência dos africanos com os povos que aqui se encontravam; e aqueles que
acreditam que ela tenha sido trazida para o Brasil pelos negros que já a praticavam
na África, especialmente em Angola.
Segundo os defensores da primeira corrente, que chamamos de capoeira
regional, não há vestígios de algo semelhante à capoeira em nenhum lugar da África.

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Mestre Bimba foi o grande precursor desse estilo, praticante desde os 12 anos de
idade, desenvolveu um estilo diferente da capoeira Angola à qual juntou o Batuque.
Já aqueles que defendem a capoeira angola, acreditam que seja uma tradição
vinda dessa região e foi sedimentado no Brasil pelo famoso Mestre Vicente Pastinha,
um baiano que conta ter aprendido a luta com um ex-escravo vindo de Angola. Esse
ex-escravo, chamado Benedito, ficou com pena do menino que sempre apanhava
quando ia ao mercadinho para a madrinha e resolveu ensinar aquele moleque 1 a se
defender.
A luta da capoeira causava pânico entre a população das cidades, era sinal de
arruaça e de perigo. Especialmente depois da “traumática” experiência de Palmares,
pela lei, qualquer “ajuntamento” com mais de quatro ou cinco negros era
considerado “quilombo”. E, como muitos escravos praticavam a capoeira como forma
de defesa pessoal, a sua prática foi proibida durante muitos anos, sendo revogada a
lei que a proibia, somente no ano de 1937.

Rugendas, 1835

Algumas Curiosidades sobre a capoeira:

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• Os capoeiristas costumavam usar calças boca de sino e no período em que a


capoeira ficou proibida por lei (1890-1937) a polícia, para detectar os
capoeiristas, colocava um limão dentro das calças do indivíduo. Se o limão
passasse pelas pernas e saísse pela boca das calças, a pessoa era
considerada capoeirista.
• Os capoeiristas eram contratados pelos políticos para bagunçar no dia das
eleições. Enquanto as pessoas desviavam a atenção para a confusão dos
capoeiras, um indivíduo colocava um maço de chapas na urna ou na linguagem
da época “emprenhava a urna”. Vencia as eleições o candidato que dispunha
de maior número de capoeiras.
• Antigamente, era costume os capoeiristas trajarem terno de linho branco. Era
considerado um bom jogador aquele que conseguisse sair da roda com o terno
impecavelmente limpo.
• Muitos capoeiristas costumavam “jogar” em frente às igrejas, especialmente
daquelas que abrigavam irmandades de homens pretos 2 . Era comum no Brasil
colonial, os senhores permitirem que seus escravos frequentassem as missas
aos domingos. A igreja católica permitiu e incentivou a criação de irmandades
de homens negros, pois acreditava que era uma forma de controlar a devoção
dos escravos, que juntavam esmolas e construíam pequenas capelas onde era
permitido a eles o culto aos santos. A devoção mais comum era a Nossa
Senhora do Rosário. Santos negros também tinham grande acolhida entre os
escravos, tais como: São Benedito, Santa Ifigênia e Santo Elesbão. Costuma-
se dizer que os escravos aceitaram a devoção a Nossa Senhora do Rosário por
esta carregar um crucifixo. Eles associavam o rosário às contas mágicas de Ifá,
uma divindade da adivinhação.

As irmandades de homens pretos se espalharam por todo o Brasil. Alguns


estudiosos acreditam que a sua rápida aceitação pelos escravos se deve ao fato de
que, como já mencionamos, os africanos terem uma ligação muito forte com o mundo
sobrenatural e, especialmente, com os antepassados. A adesão às igrejas permitia
que tivessem um lugar para serem enterrados e também dessa forma eles
encontravam lugar para praticar seus cultos ancestrais de forma escondida. A primeira

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irmandade de que se tem notícia no Brasil é a de Nossa Senhora do Rosário e São


Benedito no Rio de janeiro, fundada em 1639.
Recentes estudos vêm mostrar a importância das irmandades no processo de
inserção social e de emancipação da população escrava, pois, além da
responsabilidade no culto aos mortos, organizavam as festividades nos dias santos.
Também lhes era destinado o papel de mediar conflitos entre senhores e escravos,
principalmente, em relação aos maus tratos. As irmandades ainda prestavam auxílio
aos enfermos e aos prisioneiros.
Desafio: Pesquise em sua cidade e descubra se houve alguma irmandade de
homens pretos. Não se esqueça que as devoções mais comuns eram as de Nossa
Senhora do Rosário, São Benedito, Santa Ifigênia, Santo Elesbão e Nossa Senhora
dos Remédios!

1 Moleque também é uma palavra de origem africana que incorporamos ao nosso


vocabulário.
2 Aqui nós usamos o termo “pretos”, pois era dessa forma que as irmandades se

denominavam.

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Aula 21_O Abolicionismo I: Grandes nomes que fizeram a luta


abolicionista

Em nossas últimas aulas conhecemos um pouco da luta e resistência dos


negros durante os longos anos de escravidão, os quilombos, a capoeira e as
irmandades foram precursores de um movimento negro que iria se formar, pouco a
pouco, a partir do século XIX.
O Brasil foi um dos últimos países do mundo a abolir a escravidão. Em 13 de
maio de 1888, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, que extinguiu definitivamente o
trabalho escravo. A escravidão jamais foi questionada de modo contundente no Brasil,
pelo menos até meados da segunda metade do século XIX. Como já comentamos, a
economia colonial — cuja estrutura permaneceu após a Independência do Brasil —
girava em torno da mão de obra servil e o escravo era tratado como propriedade
privada. Para a elite agrária seria muito difícil abrir mão desse direito. Porém, a
Inglaterra, desde o começo do século XIX, através de diversos tratados, pressionava
o Brasil a proibir o tráfico, tornando-o ilegal. Essa pressão causava tensões sociais
que acabaram por fazer surgir paulatinamente críticas à escravidão.
Em 1831, o Brasil finalmente concordou em proibir o tráfico de escravos, mas
não houve qualquer referência à libertação dos escravos. Segundo esse tratado,
qualquer africano traficado ilegalmente para o Brasil deveria ser imediatamente
apreendido e deportado. Comentava-se à época que era uma lei “para inglês ver”,
pois jamais foi obedecida. Chegou-se ao ponto de sugerir-se que a lei fosse extinta,
tal a sua inoperância. Em 1850, foi instituída a Lei Eusébio de Queiroz, que previa
penas mais duras para traficantes e para os senhores que financiassem o
contrabando, mesmo assim ainda se ouviam boatos sobre contrabando de escravos.
Grande parte dos escravos trazidos para o Brasil no século XIX vieram em
condições de contrabando, portanto deveriam ser livres. Mas, num país em que ser
político era sinônimo de ser fazendeiro, as leis só serviam para atender aos seus
interesses. Mesmo com toda a pressão dos fazendeiros para que a abolição não fosse
extinta, começaram a surgir grupos que discutiam as questões do cativeiro. Homens
da sociedade, negros livres e afrodescendentes mobilizaram-se em torno de

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entidades emancipadoras (que angariavam fundos para a compra da alforria) e


jornais, dando início ao que chamamos de movimento abolicionista.
Muitos foram os nomes que contribuíram para a propagação das ideias
abolicionistas. Na literatura, novas obras com teor questionador à escravidão foram
lançadas, tais como: Vítimas e Algozes (1869) de Joaquim Manuel de Macedo; O
Demônio Familiar (1856) e Mãe (1858) de José de Alencar; sem falar dos poemas de
Castro Alves.
Um dos grandes nomes do movimento abolicionista foi Joaquim Nabuco, autor
de O Abolicionismo. Nabuco pertenciam a uma importante família de Pernambuco,
uma tradicional e composta de políticos e proprietários de terras e de escravos. Ele
tornou-se abolicionista no decorrer da sua vida pública.
Outros nomes do abolicionismo são Luiz Gama, José do Patrocínio e Antônio
Bento. Este último era advogado, filho de uma rica família de São Paulo, mas os dois
primeiros eram filhos de escravas.

Luís gama nasceu em 1830, era filho de uma africana livre de nação Nagô
chamada Luiza Mahin e de um comerciante baiano. Sua mãe foi deportada para a
África acusada de envolvimento na Revolta dos Malês, em 1835.

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Com apenas 10 anos, foi vendido como escravo por seu próprio pai, notório
gastador que havia perdido todas as suas economias. Como escravo, chegou ao porto
de Santos e de lá foi enviado a pé até a cidade de Campinas. Mas ninguém queria
comprá-lo pelo fato de ser baiano. Os escravos baianos eram mal vistos, pois tinham
fama de fujões e de revoltosos — eram os ecos da Conjuração Baiana e da Revolta
dos Malês.
Assim ele acabou voltando para São Paulo com o seu agenciador que o fez
seu escravo. Lá aprendeu e trabalhou como escravo doméstico, exercendo várias
funções como as de copeiro, sapateiro e engomador. Certo dia, por volta de 1847,
esteve em casa do seu senhor, um jovem rapaz, estudante de direito, de nome Antônio
Rodrigues do Prado, com quem travou amizade. Esse rapaz o ensinou a ler e a
escrever. As letras lhe trouxeram uma nova visão do mundo, pois era um aluno
dedicado e com inteligência apurada. Logo Luiz Gama percebeu que a sua condição
de escravo era ilegal e no ano de 1848 fugiu. Durante alguns anos serviu na Guarda
Urbana como soldado, até dedicar-se completamente às letras. Tornou-se jornalista
famoso e escrevia em jornais ligados ao Partido Liberal como o Cabrião. Mais tarde
ajudaria a fundar o Partido Republicano Paulista, sempre defendendo o fim da
escravidão.
Corria em suas veias o sangue da liberdade e da justiça, com o auxílio de
amigos influentes circulava em um meio social incomum para um homem negro.
Autodidata, tornou-se grande conhecedor das leis e começou seu trabalho como
advogado de escravos. Atuava como rábula (pessoa que pratica o exercício da
advocacia sem diploma) nos tribunais. Aplicando a lei de 1831, que tornara ilegal o
tráfico, conseguiu a emancipação de mais de 1.000 escravos. Em sua casa ocultou
muitos negros fugidos e a sua morte, em 1882, levou centenas de pessoas às ruas,
tendo sido uma grande comoção. Por ocasião de sua morte, Raul Pompéia escreveu:

(...) não sei que grandeza admirava naquele advogado, a receber


constantemente em casa um mundo de gente faminta de liberdade,
uns escravos humildes, esfarrapados, implorando libertação, como
quem pede esmola; outros mostrando as mãos inflamadas e
sangrentas das pancadas que lhes dera um bárbaro senhor; outros...
inúmeros. E Luís Gama fazia tudo: libertava, consolava, dava
conselhos, demandava, sacrificava-se, lutava, exauria-se no próprio
ardor, como uma candeia iluminando à custa da própria vida as trevas

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do desespero daquele povo de infelizes, sem auferir uma sobra de


lucro...E, por essa filosofia, empenhava-se de corpo e alma, fazia-se
matar pelo bom...Pobre, muito pobre, deixava para os outros tudo o
que lhe vinha das mãos de algum cliente mais abastado.

Luiz Gama morreu em 1882 e não viveu para ver o final da escravidão.

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Aula 22_O abolicionismo II: grandes nomes que fizeram a luta


abolicionista e o negro na pós-abolição

Outros grandes nomes fizeram a campanha abolicionista. O importante aqui é


observarmos que os negros livres também encontraram formas de combater a
escravidão. A sociedade brasileira no século XIX já era composta por uma camada
grande de homens e mulheres negros livres que de um modo ou de outro ajudaram a
germinar a semente do abolicionismo!

José do Patrocínio

Um desses personagens foi José do Patrocínio, nasceu em 1854, era filho de


uma escrava de nação mina e do vigário João Carlos Monteiro, da paróquia de
Campos dos Goitacazes, que mesmo não reconhecendo a sua paternidade, levou-o
para sua fazenda, onde foi criado de modo rigoroso junto com os escravos. Com
quatorze anos seu pai autorizou-o a viver no Rio de Janeiro onde trabalhou como
pedreiro. A sua própria custa, terminou os estudos e ingressou na Faculdade de
Medicina como aluno de Farmácia. Conheceu Joaquim Nabuco quando iniciou seus

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trabalhos como jornalista, por volta de 1875. Na ocasião, já estava casado com a filha
de um militar abastado que, na época, havia se oposto ao casamento pelo fato de
Patrocínio ser “mulato”.
Frequentou diversas entidades emancipadoras e escreveu em diversos jornais,
iniciando a sua campanha abolicionista. Juntamente com Nabuco, fundou a
“Sociedade Brasileira Contra a Escravidão”. Com a ajuda de seu sogro comprou o
jornal Gazeta da Tarde e, em 1883, fundou a Confederação Abolicionista. Em 1885,
visitou a sua cidade natal e foi buscar a sua mãe que fora escrava durante toda a vida
e que morreria meses mais tarde.

André Rebouças

Há ainda André Rebouças, negro, filho de rica família de políticos baianos


formou-se engenheiro, porém com muitas dificuldades devido ao preconceito racial.
Outro nome que não podemos esquecer é o de Antonio Bento, formado em
direito pelo Largo São Francisco, amigo de Luiz Gama. Assumiu seu lugar na liderança
da luta abolicionista paulista. Em 1870, reorganizou a já existente Irmandade de
Nossa Senhora dos Remédios que virou ponto de encontro dos caifazes — grupo de

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pessoas que iam de fazenda em fazenda, incentivando fugas e dando abrigo aos
escravos fugidos. Antonio Bento, a exemplo de Luiz Gama, escondeu vários negros
fugitivos em sua casa e advogou em seu favor. Os caifazes costumavam mandar os
escravos para o quilombo do Jabaquara em Santos e de lá eram enviados para o
Ceará, onde a escravidão já estava abolida desde 1882.
Apesar dos esforços valorosos de todas as pessoas envolvidas no movimento
abolicionista e de a escravidão ter sido extinta definitivamente em 1888, a situação do
negro, agora liberto, não foi fácil. A ação do movimento abolicionista parou no
momento da abolição. Não houve um plano de apoio ao ex-escravo, salvo ações
isoladas.
A realidade da liberdade mostrou-se dura. Ao se abrirem as senzalas não foram
dadas aos negros, as oportunidades no campo do trabalho. Em uma sociedade
acostumada a tratar o negro como objeto, dificilmente as relações entre senhores e
ex-escravos seria diferente. Muitos escravos preferiram sair das fazendas e uma
massa de homens e mulheres negros rumou para as cidades onde as condições se
mostraram iguais, senão piores. Havia para o ex-escravo, além da concorrência dos
nacionais pobres, a concorrência da mão de obra imigrante, trazida em larga escala
para o Brasil, a partir das últimas décadas do século XX.
Segundo o sociólogo Florestan Fernandes, grande estudioso das relações de
trabalho gestadas ao final da escravidão, houve, por parte dos grandes proprietários,
um processo intencional de substituição da mão de obra escrava pela livre,
especialmente a do imigrante. Como a abolição já era tida como inevitável, a transição
da mão de obra escrava para a livre foi manipulada estrategicamente, a fim de se
manterem os interesses econômicos, sociais e políticos. O preconceito racial já
estabelecido não permitia ao ex-escravo portar as mesmas oportunidades que seus
pares. O negro, portanto, fora excluído deliberadamente do processo produtivo.

Para pensar: Agora que refletimos um pouco sobre as condições do negro na História
do Brasil, vamos tentar pensar também na situação do indígena nesse contexto? Mais
um desafio para as próximas aulas!

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Resumo_ Unidade IV

Nesta Unidade nos pudemos perceber como foi chegada dos africanos ao
Brasil. A empresa escravista colonial foi violenta, pudemos comparar com as unidades
anteriores que a escravidão na África era diferente daquela que foi praticada aqui no
Brasil.
O cotidiano do escravo foi marcado pelo sofrimento e pela dureza de sua
condição; no entanto, pudemos constatar que sempre encontraram meios de resistir,
seja através das fugas, nos quilombos, no jogo da capoeira ou nas irmandades.
Sempre encontraram estratégias de resistência, souberam também recriar os laços
perdidos na dura travessia, associando-se e assumindo uma nova identidade forjada
no mundo colonial. Tinham mobilidade, apesar da rigidez, violência e do extremo
controle e, assim, conseguiam heroicamente driblar os difíceis percalços do ser
escravo.
O movimento abolicionista é outro destaque e foi interessante perceber a
participação de homens negros nessa dura batalha. Apesar da luta abolicionista as
condições do negro não se alteraram e uma nova luta se iniciou para essa população,
a luta contra o preconceito racial.

REFERÊNCIAS

FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. Volume


I. São Paulo: Ática, 1978.
GOMES, José Flávio. Palmares. São Paulo: Editora Contexto, 2005. PINSK, Jaime. A
escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto, 1994. Silva, Maria Beatriz Marques Nizza
da (org.). Brasil: colonização e escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
SLENES, Robert. “Malungu, ngoma vem! África coberta e descoberta do Brasil”.
Revista USP, nº. 12, 1991-1992.
SOUZA, Marina de Mello e. “Santo Antônio de nó-de-pinho e o catolicismo afro-
brasileiro”. Rio de Janeiro: Tempo, nº. 11, Julho de 2001.
QUINTÃO, Antônia Aparecida. Irmandades negras: outro espaço de luta e
resistência - (1870-1890). São Paulo: Annablume/FAPESP, 2002.

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Aula 23_Os verdadeiros donos desta terra

Todos aprendemos na escola que o Brasil foi descoberto por Pedro Álvares
Cabral em 22 de abril de 1500, certo? Aprendemos também que os portugueses
vieram parar aqui procurando o caminho para as “Índias” em busca das famosas
especiarias, e que, quando aqui chegaram, estranharam o povo diferente, seus
costumes e seus hábitos, julgando-os selvagens e primitivos.
Começamos a estudar a “História do Brasil” sempre a partir do descobrimento.
Passamos a existir, historicamente, a partir do momento em que aportaram em nosso
litoral as primeiras naus e caravelas portuguesas. Estamos incluídos na visão
eurocêntrica da História. É difícil encontrar elementos que nos levem a pensar como
era o Brasil antes da chegada dos portugueses. O que sabemos sobre os povos que
aqui habitavam vem dos registros daqueles que mais tarde seriam nossos
colonizadores.
Já comentamos que nossos conhecimentos sobre os índios esbarram na
criação de um estereótipo reproduzido em larga escala: o índio era um ser selvagem,
livre, que vivia nu pelas florestas, sobrevivendo da caça e da pesca, moravam em
grupos que foram denominados tribos. Pintavam o corpo e cultuavam seres da
natureza. Sabemos que habitavam o litoral brasileiro, porém nossa referência
geográfica atual os remete para a região do Xingu ou à Amazônia. São seres exóticos
e diferentes, praticamente extintos a quem se reservam espaços cada menores em
nossa sociedade. Como chegamos a tal ponto de redução da cultura indígena a um
mero estereótipo? Afinal o que é ser índio?
Segundo Darcy Ribeiro:

Índio é todo o indivíduo reconhecido como membro de uma


comunidade de origem pré-colombiana, que se identifica como
etnicamente diversa da nacional e é considerada indígena pela
população brasileira com que está em contato.

HISTÓRIA 77
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1 Ser índio se relaciona com a identidade e abordaremos esse assunto mais
adiante. A colonização do Brasil foi um processo longo e violento, muitas vidas foram
ceifadas em nome da civilização europeia. Diferentemente dos escravos africanos que
foram retirados de suas origens, os índios tiveram a sua terra invadida e a sua cultura
arrasada pela mão do colonizador, deslocados territorialmente, tiveram ainda de
aceitar costumes, hábitos e a religião do dominador. Porém, nunca sem resistência,
que de tão violenta reduziu a população indígena de estimados 6 milhões de
indivíduos, para apenas cerca de 220 mil! Para a América, como um todo,
contabilizava-se de 40 a 50 milhões de habitantes. O padre Bartolomeu de Las Casas,
em seus escritos, denunciou o genocídio de 40 milhões de índios em apenas 60 anos
!2
No princípio, o contato entre europeus e indígenas foi apenas de interesse
mútuo e trocas. Logo de início, o que interessou aos portugueses foi o pau-brasil. Não
houve povoamento maciço do território, deixavam-se apenas alguns indivíduos em
feitorias ou até mesmo hospedados em aldeias para que cuidassem da madeira
guardada até a chegada de algum navio. Como são escassas as informações sobre
os 30 primeiros anos da descoberta, não há registros de que houvesse trabalho
escravo indígena. O que parece mais seguro afirmar é que se estabeleceram trocas
de pau-brasil, víveres, por objetos de metais e contas com os indígenas.
Porém as relações pacíficas são alteradas a partir do momento em que os
portugueses passaram a experimentar o plantio de cana para a fabricação do açúcar.
São necessários terra e braços para a lavoura e os índios, que esporadicamente
cortavam e empilhavam as toras de pau-brasil, eram escravizados. Tem início um
período de hostilidades com a chegada dos primeiros donatários designados para
ocupar e explorar o território.

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1 RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização. O processo de integração dos índios no
Brasil moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970.
2 RIBEIRTO, BERTA. O Índio na história do Brasil. São Paulo: Global, 1983.

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Aula 24_A cultura indígena

A diversidade das sociedades indígenas é segundo Manuela Carneiro da


Cunha: “patrimônio essencial do Brasil”. Ela nos chama a atenção para o contraste
entre seus universos culturais tão ricos e a simplicidade de suas tecnologias:

O que talvez mais chame a atenção seja o contraste entre a simplicidade das
tecnologias e a riqueza dos universos culturais. As sociedades indígenas
elaboraram cosmologias e sistemas sociais complexos, nos quais o
patrimônio imaterial parece ter um privilégio sobre o patrimônio material.
Enquanto a propriedade privada da terra, por exemplo, é inexistente, direitos
sobre bens imateriais, tais como nomes próprios, cantos, ornamentos rituais,
são objeto de detalhada regulamentação. A arte indígena, por sua vez,
parece preferir suportes perecíveis: em muitas dessas sociedades, o corpo
humano, a palha e as plumas são objeto de um trabalho artístico intenso -
pintura corporal, cestaria, arte plumária - sobre objetos essencialmente
efêmeros. 1

Alguns grupos praticavam o canibalismo por diversos motivos. Os tupis comiam


seus inimigos como vingança e como forma de adquirir seus poderes. O canibalismo
era um ritual honroso. Também comiam entes queridos. Para os tapuias, “o melhor
túmulo para um feto abortado era a barriga da mãe, não uma cova na terra”. Nem
sempre se comiam guerreiros rivais, podiam ser parentes em sinal de afeição e de
fidelidade 2. Esses hábitos chocaram muito os europeus que, no entanto, aceitavam
de bom grado a escravidão.
Na figura a seguir, Theodore de Bry (século XVII) destacou a voracidade dos
índios que se banqueteavam diante de Hans Staden perplexo. Hans Standen foi um
viajante alemão, aprisionado por tupinambás no litoral fluminense. Ele foi levado para
a aldeia dos índios em Ubatuba; lá presenciou diversos rituais canibais, mas
conseguiu fugir e retornar ao seu país. Suas aventuras foram registradas na obra
Viagens e aventuras no Brasil, publicado em 1557.

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A respeito da religiosidade indígena há poucos registros sobre as suas práticas.


Logo de início foram reprimidas pelo projeto missionário europeu que eliminou a figura
do pajé — espécie de sacerdote que dominava as práticas mágico-religiosas.
Cultuavam seres relacionados à natureza, como as águas, o sol, a lua. A lenda do
boto é resultado de uma mistura de crenças dos povos indígenas. Na lenda o boto é
um ser sobrenatural, que assume a forma humana para se relacionar com jovens e
engravidá-las. Quando toma forma de mulher atrai aos homens que não voltam mais.
Sabe-se que alguns grupos acreditavam num grande deus Tupã e que outros
buscavam “a terra sem mal”. Não se pode, contudo, generalizar nem homogeneizar
tais práticas, o fato é que os rituais eram de extrema importância para os índios.
Entoavam-se cânticos para os mais diversos acontecimentos, para fazer
pedidos à natureza, comemorar momentos importantes ou prepararem-se para a
guerra. Praticavam rezas e eram grandes conhecedores da medicina natural.
Essas práticas eram consideradas pelos missionários como feitiçaria e
duramente reprimidas. A dança e a expressão corporal eram e continuam sendo

HISTÓRIA 81
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fundamentais para os povos indígenas. Como podemos perceber na citação de


Manuela Carneiro da Cunha, a cultura imaterial era riquíssima e se revelava nos
corpos que foram cobertos, nas vozes que foram silenciadas e obrigadas a entoar as
ladainhas católicas e a pajelança foi substituída pela missa dominical.

1 CUNHA, Manuela Carneiro da. Povos indígenas. (www.mre.gov.br – acesso em


03/02/07).
2 RAMINELLI, Ronald. “Canibalismo em nome do amor”. Revista Nossa História, ano
2, nº. 17, março 2005, pp. 26-31.

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Aula 25_Índio, “O negro da terra”¹

As relações entre os índios e os portugueses que em princípio eram amistosas,


logo tornaram-se violentas. Quando precisaram de braços para a lavoura, os
portugueses tentaram trocar mercadorias por escravos. Havia, em algumas aldeias,
uma “reserva” de prisioneiros que tinham essa condição em virtude da guerra.
Quando os portugueses chegaram, os índios souberam estabelecer relações
de interesse com eles, particularmente em ações contra inimigos locais. A principal
finalidade da guerra indígena era o sacrifício ritual e a voracidade dos portugueses
por braços para a lavoura começou a parecer estranha aos indígenas, pois subvertia
a sua lógica. Os portugueses trouxeram também o contágio com doenças que,
somadas a transformação da guerra, trouxeram sérias rupturas na organização das
sociedades indígenas. 2
Os donatários detinham plenos poderes em sua terra; arregimentavam colonos
que deveriam cultivá-la, mas não podiam travar relações com os índios. Constituíram-
se dois tipos de plantação: as roças e as fazendas.
O indígena passou a olhar com reserva a presença do homem branco. Porém
alguns grupos da costa estabeleceram relações de amizade ainda baseadas no
escambo. Os Tupinambás se aliaram aos franceses e os portugueses aos
Tupiniquins.
A catequização do índio era dificultada pela presença do colono que, segundo
os missionários, atrapalhavam o seu trabalho. Dessa forma, os jesuítas formaram
aldeamentos com o intuito de catequizar e de impor aos índios uma rotina religiosa.
Esses aldeamentos ficavam longe das aldeias e vilas para impedir o acesso dos
colonos. Contavam com um pelourinho, onde os insubmissos eram açoitados. Os
índios aldeados, além de receber a catequese, eram obrigados a trabalhar duro para
alimentarem os missionários e a eles mesmos.
Em pouco tempo houve um esvaziamento dos aldeamentos. Começou-se a
praticar também os descimentos — deslocamento em massa de índios para locais
determinados pela Coroa ou direto para fazendas e engenhos. Foi uma luta violenta
que gerou a chamada “guerra justa”, justificativa dada pelos portugueses para
empreender o massacre de milhares de indígenas, foi uma verdadeira caça ao índio.

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Índios Botocudos - Debret

A guerra justa estava regulamentada por uma contraditória lei de 20 de março


de 1570 que proibia a escravidão indiscriminada, no entanto, regulamentava as
condições para a guerra justa, aceita, caso os índios rejeitassem a religião católica ou
se mostrassem hostis. A prática da antropofagia também era passível de punição.
As bandeiras também funcionaram como forma de captura. Contratados para
buscar ouro e pedras e também para buscar escravos, pelos fazendeiros, os
bandeirantes, tão aclamados por “abrir as fronteiras” do nosso país, patrocinaram
verdadeiras atrocidades junto ao povo indígena. Desenvolviam técnicas de luta,
aprendendo tudo sobre o inimigo com o auxílio de grupos rivais e se mantinham
fortemente armados com o uso de escopetas, carabinas, pistolas, bacamartes. Mais
tarde, seriam incentivadas e recompensadas pela Coroa portuguesa.
A utilização da mão de obra africana em algumas regiões do país só ocorreu a
partir do século XVII, a exemplo de São Paulo, onde os tijupares — abrigos rústicos
— começaram a virar senzalas, a partir desse período.
O africano só seria utilizado em larga escala a partir do século XVIII.

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Soldados índios de Mogi das Cruzes - Debret

Na imagem, podemos observar como os índios foram utilizados no processo


que ficou conhecido como bandeiras. Em busca de mão de obra, cada vez mais
necessária, empreendeu-se uma longa jornada para o interior do Brasil.
Para refletir: Você percebe semelhanças entre os primeiros contatos de portugueses
e africanos e de portugueses e índios?

1 Negro da terra era um termo correlato à denominação dos negros da Guiné, seu uso
para qualificar negros e índios, caiu em desuso devido ao avanço da mão de obra
escrava africana. SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos. São Paulo: Cia. Das Letras,
1988.
2 MONTEIRO, Jonh Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de
São Paulo. São Paulo: Cia. Das Letras, 2005, p. 29.

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Aula 26_Europeus na América:O Grande Etnocídio

Como comentamos, as sociedades indígenas no Brasil são muito diversas


entre si. São, aproximadamente, 163 línguas diferentes que, com os dialetos,
aumentam para 195. Podem ser agrupados em 14 conjuntos, porém se destacam
quatro grandes grupos linguísticos: Macrotupi, Macrojê, Aruak e Karib, somente os
Macrotupi e Macrojê incorporam mais de 20 línguas cada um.
A língua é uma forma de classificar os povos indígenas. Mas também podemos
classificá-los por suas diferenças culturais ou pela área cultural que abrangem.
Territorialmente os indígenas brasileiros se dividem em dois grupos: caçadores e
coletores tornados agricultores de aldeias agrícolas da floresta tropical 1.
Os caçadores e coletores habitam, em geral, o cerrado, aproveitando as
margens do rio e plantando batata doce, deslocando-se em períodos de seca.
Possuem uma cultura material simples: não produziam cerâmica, tecelagem nem
canoas ou redes. Segundo o grau de “integração” com a sociedade local, Darcy
Ribeiro classificou-os em: grupos isolados, grupos em contato intermitente, grupos em
contato permanente, grupos integrados.
A escravidão ceifou milhares de vida e se considerarmos a estimativa de 6
milhões de indígenas, podemos afirmar que foi um verdadeiro etnocídio, o contato
entre portugueses e índios no Brasil. Etnocídio porque eliminou fisicamente uma
grande quantidade de tribos e também culturalmente.
Diversos grupos desapareceram e com eles a sua história. Além da violência
da escravidão, as doenças dizimaram milhares de vidas. Morriam aos montes em
epidemias de gripe, varíola, sarampo, tuberculose e sífilis. Curiosamente, os
missionários, através do batismo, ajudaram a disseminar doenças, observe o relato
do padre Manuel da Nóbrega:
(...) uma coisa nos acontecia que muito nos maravilha a princípio e foi
que quase todos os que batizamos, caíram doentes, quais do ventre,
quais dos olhos, quais de apostema; e tiveram ocasião os seus
feiticeiros de dizer que lhe dávamos a doença com a água do batismo
e, com a doutrina, a morte 2 .

A réplica indígena reproduzida por Manuel da Nóbrega, não poderia ser mais
lapidar: morte física com a doença e morte cultural com a doutrina religiosa.

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A ação dos jesuítas conseguiu eliminar a nudez ostensiva dos índios, vestindo-
os com longas vestes ou cobrindo seus órgãos genitais, apagando as marcas de sua
cultura. Abaixo, pintadas por Debret, estão uma índia Camacã e uma índia civilizada
indo à missa.

Os interesses dos missionários iam muito além do simples catecismo, tinham


interesses comerciais; foram grandes negociantes de escravos, chocando-se com os
colonos pelo poder. Escravidão, doenças, morte cultural, dessa forma a população
indígena ficou reduzida a menos de 5% do que era antes da chegada dos
portugueses.
No imaginário popular, a figura do índio livre, nu, correndo pela mata continua
fortemente sedimentada. A realidade é bem diferente. Despojados de suas terras se
encontram apartados da nacionalidade, não são mencionados a não ser em caso de
conflitos, que são inúmeros. A falta de identidade também é um complicador para
esses grupos. Muitas vezes continuam sendo discriminados, pois quando estão fora
de seus aldeamentos são encarados como diferentes ou exóticos.
Leia trechos de reportagens publicadas no jornal “O Estado de São Paulo”, de
14 de fevereiro de 1994 e no jornal “Folha de São Paulo”, de 8 de novembro de 1997,
respectivamente:

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Ser índio na cidade de Manaus parece pecado. Como castigo são


discriminados, recebem menos de meio salário mínimo e engrossam
a lista de subempregos (...) Ocupam palafitas ou favelas e, na maioria
das vezes, trabalham em troca de roupas velhas ou um prato de
comida (...) Para contornar as dificuldades, um verdadeiro ‘bloqueio
branco’, alguns até tentam omitir a condição indígena. Mas os traços
físicos e a pele queimada do sol denunciam tudo.
O medo do preconceito tem obrigado índios que moram em São Paulo
a camuflar suas origens para conseguir emprego. Na hora de procurar
trabalho, os índios se apresentam como negros, nordestinos ou índios
argentinos.

Tanto em Manaus como em São Paulo, onde os índios sem aldeias moram em
favelas e são discriminados, têm de esconder a sua “identidade” literalmente para
conseguir melhores condições de vida. O indígena, na atualidade, está longe de
superar os desafios que começaram com a chegada dos portugueses ao Brasil.

1 CUNHA, Manuela Carneiro, Op. Cit. , p. 1.


2 Padre Manuel da Nóbrega APUD RIBEIRO, Berta. Op. Cit. p, 29.

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Aula 27_Índio quer terra: A Questão Fundiária.

A questão da terra para o índio ainda está para ser resolvida. Desde a lei de
1570 foram criados mecanismos de defesa do índio, porém o desrespeito sempre foi
flagrante.
Dependendo do interesse na região, as terras foram mais ou menos
demarcadas como reserva indígena. No Nordeste, Centro-Oeste, no Sul e Sudeste os
índios se encontram em pequenas porções de terra. Na região da Amazônia, a
extração de borracha diminuiu muito a área indígena, porém, em algumas regiões
sobrevivem grupos muito pequenos que ainda não tiveram contato com o homem
branco — alguns são herdeiros de grupos que já tiveram esse contato e preferem o
isolamento.
A Constituição de 1988 definiu de modo claro o que todas as outras já
garantiam: a propriedade da terra.
• Reconhecimento da identidade cultural própria e diferenciada dos grupos
indígenas (organização social, costumes, línguas, crenças e tradições), e de
seus direitos originários (indigenato) sobre as terras que tradicionalmente
ocupam. As terras indígenas devem ser demarcadas e protegidas pela União. O
reconhecimento da organização social das comunidades indígenas determina a
orientação da política indigenista. O abandono implícito da vocação
integracionista encontrada nos textos constitucionais anteriores abriu espaço
para uma nova ótica que valoriza a preservação e desenvolvimento do
patrimônio cultural indígena. Por sua vez, a recuperação jurídica do instituto do
indigenato (figura comum nas leis e cartas régias do período colonial) assentou
o reconhecimento de que a posse indígena da terra decorre de um direito
originário, que por isso independe de titulação, precede e vale sobre os demais
direitos (art. 231, caput);
• As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são aquelas por eles habitadas
em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as
imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-
estar, e as necessárias à sua reprodução física cultural, segundo seus usos,
costumes e tradições (art. 231, parágrafo 1º);

HISTÓRIA 89
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• Nas terras tradicionalmente ocupadas os índios detêm o direito de posse


permanente e de usufruto exclusivo das riquezas dos solos, rios e lagos (art.
231, parágrafo 2º);
• O aproveitamento dos recursos hídricos e a pesquisa e lavra mineral em terras
indígenas somente podem ser realizadas mediante autorização do Congresso
Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, que terão participação assegurada
nos resultados da lavra, na forma da lei (art. 231, parágrafo 3º). Trata-se,
portanto de matéria que depende da aprovação de lei específica na qual se
definirão os procedimentos e condições para a aprovação pelo Congresso de
projetos de exploração de recursos hídricos e minerais em terras indígenas;
• As terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos que os índios
exercem sobre elas são imprescritíveis (art. 231, parágrafo 4º);
• Os grupos indígenas não podem ser removidos de suas terras a não ser em
casos de catástrofe ou epidemia, com o referendo do Congresso Nacional, ou
no interesse da soberania, com aprovação prévia do Congresso (art. 231
parágrafo 5º);
• São nulos, extintos e não produzem efeitos jurídicos os atos que tenham por
objeto a ocupação, o domínio ou a posse por terceiros e a exploração dos
recursos naturais do solo, rios e lagos nas terras tradicionalmente ocupadas
pelos índios. A nulidade e extinção não geram direito de indenização ou de ação
contra a União, salvo quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.
Ressalva-se, no entanto, a possibilidade de ocupação e exploração dos recursos
naturais em caso de relevante interesse público da União, em circunstâncias a
serem definidas em lei complementar (art. 231 parágrafo 6º) ;

Ao observar esses artigos da Constituição podemos perceber o quão longe


estão de ser cumpridos. Os ataques de garimpeiros, madeireiras e mineradoras são
uma constante, gerando conflitos e tensões que chegam muitas vezes à morte.
Diversos órgãos foram criados para auxiliar o tratamento com os índios. Em 1909 foi
criado o SPILT (Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores
Nacionais), mais conhecido como SPI, que foi inaugurado e dirigido pelo Marechal
Rondon, que ficou famoso por percorrer o interior com índios para exibições que
deveriam mostrar que eles eram “amigos”.

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Rondon propunha pacificar, demarcar terras e ensinar noções de higiene e


sanitarismo para livrá-los das doenças adquiridas no contato com os brancos. Porém,
o resultado de suas pacificações foi ocasionar a redução ou mesmo o
desaparecimento de grupos como os Kaingáng e OtíXavánte em São Paulo,
Botocudos em Minas Gerais e Xetá no Paraná. Esta instituição duraria até os anos
1960, até que, em 1967 foi criada a FUNAI (Fundação Nacional do Índio).
Fundada durante o regime militar, a FUNAI alcançou índices recordes de
demarcação, especialmente na região Norte, não tanto em função da pressão dos
índios, mas sim pela necessidade de atender aos interesses dos grupos empresários
que gostariam de saber onde poderiam explorar a rica Amazônia.
A lei não é cumprida e a constituição ainda criou a condição de se estabelecer
o índio enquanto “cidadão” brasileiro, o que também é uma forma de dizer que só os
cidadãos podem habitar o “território brasileiro”. A demarcação de terras pode estar
ameaçada, caso tais dispositivos jurídicos continuem sendo utilizados para driblar a
posse da terra.
Ainda existem comunidades isoladas no Brasil, estima-se que sejam
aproximadamente 46, segundo os dados do Instituto Socioambiental. Visite o site
onde é possível saber em que região do país se encontram esses grupos e também
vários dados sobre os grupos já conhecidos. http://www.socioambiental.org/

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Resumo_Unidade V

Nesta Unidade nos pudemos perceber como foi chegada dos africanos ao
Brasil. A empresa escravista colonial foi violenta, pudemos comparar com as unidades
anteriores e concluir que a escravidão na África era diferente daquela que foi
praticada aqui no Brasil.
O cotidiano do escravo foi marcado pelo sofrimento e pela dureza de sua
condição, no entanto, pudemos constatar que sempre encontraram meios de resistir,
seja através das fugas, nos quilombos, no jogo da capoeira ou nas irmandades.
Sempre encontraram estratégias de resistência, souberam também recriar os laços
perdidos na dura travessia, associando-se e assumindo uma nova identidade forjada
no mundo colonial. Tinham mobilidade apesar da rigidez, violência e do extremo
controle e, assim, conseguiam heroicamente driblar os difíceis percalços do ser
escravo.
O movimento abolicionista é outro destaque e foi interessante perceber a
participação de homens negros nessa dura batalha. Apesar da luta abolicionista, as
condições do negro não se alteraram e uma nova luta se iniciou para essa população,
a luta contra o preconceito racial.

REFERÊNCIAS

FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. Volume


I. São Paulo: Ática, 1978.
GOMES, José Flávio. Palmares. São Paulo: Editora Contexto, 2005. PINSK, Jaime. A
escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto, 1994.
Silva, Maria Beatriz Marques Nizza da (org.). Brasil: colonização e escravidão. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
SLENES, Robert. “Malungu, ngoma vem! África coberta e descoberta do Brasil”.
Revista USP, nº. 12, 1991-1992.
SOUZA, Marina de Mello e. “Santo Antônio de nó-de-pinho e o catolicismo afro-
brasileiro”. Rio de Janeiro: Tempo, nº. 11, Julho de 2001.
QUINTÃO, Antônia Aparecida. Irmandades negras: outro espaço de luta e
resistência - (1870-1890). São Paulo: Annablume/FAPESP, 2002.

HISTÓRIA 92
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Aula 28_A importância de africanos e indígenas na formação do Brasil.

Os povos africanos e os indígenas deixaram importantes contribuições para a


formação de nosso país. Além de fazer parte de uma identidade, até pouco tempo
contestada, deixaram marcas profundas nas artes, na culinária, na música e na cultura
popular.
É inegável o fato de que somos um país multirracial. Recuperando um pouco
nossas aulas, pudemos perceber que vários grupos habitavam o que mais tarde seria
o Brasil. Eram grupos humanos diferentes em sua cultura e modos de vida, mas foram
“homogeneizados” sob o termo “índio”, ou sob o termo “negro”.
De qualquer modo, as influências desses grupos podem ser percebidas em
nossa cultura. A começar por nosso vocabulário, repleto de termos derivados das
línguas africanas e indígenas, como por exemplo:
INDÍGENA

Aipim, amendoim, capoeira, babaçu, caboclo, caiçara, caju, capim, pipoca,


mingau, piranha, tapera, tipoia, arara, anhanguera, araçá etc.
AFRICANA

Abóbora, angu, bagunça, brucutu, carimbo, cochilo, macaco, milonga,


moqueca, quitanda, quitute, samba, senzala, sunga, vatapá, xingar, zumbi, zonzo etc.
A cultura popular incorporada através de cantigas de roda e histórias como do
saci-pererê, boitatá, iara, mãe do ouro, o boto cor de rosa, matitaperê, mula sem
cabeça, lobisomem, anhangá, caipora... continuam sendo contadas por gerações e
gerações. No campo religioso (que merece capítulo a parte), deixaram suas
referências em manifestações sincréticas como a umbanda e o candomblé. A música
incorporou instrumentos e ritmos:

Entre as danças populares mais comuns em todo Brasil está o bumba-


meu-boi, ou boi-bumba, espécie de teatro dançado e cantado no qual
é contado uma história que se repete mais ou menos igual, na qual um
empregado da fazenda mata o boi preferido do patrão para satisfazer
o desejo de sua mulher grávida de comer carne, vendo-se depois
numa enrascada. A situação é resolvida por meio das forças mágicas
usadas por um feiticeiro, que faz o boi ressuscitar e tudo ficar bem no

HISTÓRIA 93
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final. Essa brincadeira que vai caindo em desuso, com os jovens


preferindo formas mais modernas de diversão, deu origem a uma das
maiores festas populares da atualidade, o Boi de Parintins, no qual o
os elementos indígenas ganharam primeiro plano, sobrepondo- se à
influência de culturas africanas, em muitas das quais o boi é um
elemento central e cujos ritos mágico-religiosos estão presentes
na cena da ressurreição do boi. 1

A partir desse trecho podemos perceber que os elementos africanos e


indígenas se interpenetraram sobrepondo e misturando-se uns aos outros; a nota
triste fica pela perda dessas tradições, marcada pelo avanço tecnológico, e a perda
de valores culturais tradicionais. Contudo, as festas populares ainda resistem e, nelas,
residem os elementos culturais afro-ameríndios, tais como os moçambiques, os
jongos, cateretês. A capoeira, forma de luta e resistência escrava, como já
mencionada, ganhou adeptos e divulgação internacional. Há quem pense em
incorporá-la como esporte aos jogos olímpicos.
Além da cultura, não podemos esquecer que muitas técnicas de trabalho foram
adquiridas com os indígenas ou trazidas pelos africanos. Com os índios, aprendemos
a cultivar o solo. Entre os muitos escravos chegados ao Brasil estavam hábeis
artesãos, oleiros, tecelões, ferreiros mineiros, carpinteiros e escultores que trouxeram
a sua estética e a sua concepção diferenciada de arte.
A culinária africana está presente nos usos do azeite de dendê e da pimenta; a
banana também foi trazida do grande continente. A confecção de recipientes de barro
modelados é uma herança indígena ainda hoje utilizada nas áreas rurais. A técnica
da pesca e o conhecimento profundo da fauna e flora brasileira também são frutos da
convivência com os “verdadeiros donos da terra”.
Dessa forma podemos observar a rica herança incorporada por negros e índios
em nossos costumes e práticas cotidianas. É preciso valorizar nossas raízes culturais!
Desafio: Observe ao seu redor, sua cidade, seu bairro, sua rua.
Você pode encontrar elementos culturais afro-ameríndios?

SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2006, p. 135.

HISTÓRIA 94
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Aula 29_As religiões africanas no Brasil: sincretismo e trocas


culturais

As religiões africanas foram uma das mais contundentes contribuições do negro


para a sociedade brasileira. Se, no princípio, os escravos eram proibidos de praticar
a sua própria religião, logo conseguiram encontrar formas de driblar a vigilância da
Igreja Católica. Diferentemente dos indígenas os africanos não foram doutrinados
ferrenhamente na fé católica, sua introdução era rápida e superficial resumindo-se a
decorar o pai-nosso e a ave-maria e algumas frases.
No ritual do batismo era necessário “comer” o sal de Deus; muitos escravos,
especialmente da região do Congo, recusavam-se a fazê-lo, pois para eles a ingestão
do sal retirava as suas forças e sua capacidade de “voar de volta à África”. Os
elementos simbólicos do catolicismo, ainda que com sentido muito diferente,
encontravam uso na cosmologia africana. Por exemplo, a cruz, no congo,
representava um espaço ritual feito na terra que delimitava o espaço entre o mundo
dos vivos e o dos ancestrais como sinal de poder. O uso de imagens de interseção
entre os mundos como os minkisi, que já mencionamos, encontrou paralelo na
adoração e culto aos santos do catolicismo e foi incorporado pelos africanos de modo
rápido.
Estar em contato com os santos era de extrema importância para os africanos
de origem banto — grupo que cedeu a grande maioria dos braços às fazendas de café
— e seus descendentes, pois traziam de suas regiões, rituais pautados também pela
interseção, utilizando objetos mágico-religiosos, como a cruz, desde antes da chegada
dos europeus. Tais usos auxiliavam a compreender o mundo visível e invisível que
coabitavam num mesmo plano 1.
Os elementos cristãos, entre eles os santos, foram incorporados pelos
africanos a partir de sua própria lógica, pois, em suas práticas, também se
intermediavam relações entre o mundo dos vivos e dos mortos. Tanto para os
europeus cristãos, como para os africanos e suas religiões naturais, os “santos” se
caracterizaram como intermediários na vida dos homens (não obstante, em terras
africanas, as imagens representassem uma presentificação do espírito). No Brasil, o
catolicismo se revestiu de elementos mágico-religiosos que transformaram os santos

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em entidades divinas, capazes de atender aos pedidos e realizar milagres. Os fiéis


atendidos, tal como nas religiões antigas, pagavam os tributos em oferendas e
sacrifícios. Os rituais em torno dos santos católicos sempre estiveram revestidos de
antigas crenças e práticas pagãs 2.
As religiões de matriz africana são muitas vezes denominadas genericamente
e pejorativamente de “macumba”, o que, na verdade, faz referência a um antigo
instrumento de percussão de origem africana semelhante ao reco-reco. As religiões
africanas foram proibidas durante muitos anos no Brasil, porém germinaram e deram
origem a formas de culto sincrético, captando elementos das culturas com que
estiveram em contato. Até o século XVIII, as formas de culto africanas praticadas de
modo clandestino eram chamadas de calundus, que significa dança, batuque. Os
calundus foram muito noticiados e sempre reprimidos, funcionavam a princípio nos
reduzidos espaços das fazendas, porém com a expansão urbana tiveram espaço para
reproduzir-se de modo mais acentuado.
O Candomblé é um culto de influência dos grupos originários da
África Ocidental, onde hoje se encontram a Nigéria, Benin e Togo. Esses grupos são
os iorubás, ou nagôs (keto, ijexá, legbá etc...), jejes (ewe ou fon), os fanti-achanti, e
também os bantos — populações das regiões atuais de Congo, Angola e
Moçambique. No Brasil, assumiram as denominações de nações que lhes foram
impostas, como já comentamos, e fundaram terreiros de culto divididos a partir dessas
nações. Tentaram reproduzir, de certa forma, as relações estabelecidas na África:
O candomblé surge aos visitantes como uma habitação comum, ou,
se se prefere, como uma aldeia africana, conservando o
comportamento de ajuda mútua e de trabalho clânico. Os homens
constroem as casa ou os santuários dos deuses, as mulheres
entregam- se aos trabalhos caseiros ou cultivam a horta. Mas não se
pode dizer que trabalham gratuitamente para o sacerdote ou
sacerdotisa. Trabalham para a coletividade 3.

Na África, o culto tinha um caráter familiar, ou seja, ficava nas mãos de


sacerdotes específicos ou de um grupo familiar de liderança. Geralmente, cultuava-se
somente um Deus por aldeia ou cidade. Assim em Oió era Xangô; em Keto, Oxossi;
em Ipondá Oxum e Oxobô. Como aqui não foi possível reproduzir essa estrutura, num
mesmo espaço residiram várias entidades.

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A umbanda surge de forma organizada por volta de 1920. Mistura elementos


da religião africana, como o culto aos orixás, aos pretos velhos, mas também
entidades da cultura indígena, como os caboclos e elementos do kardecismo —
corrente do espiritismo — pois utiliza concepções como o carma e a evolução
espiritual. Associou ao seu panteão os santos católicos, estabelecendo para cada
orixá o seu santo correspondente4. Por exemplo:

Ogum = São Jorge (RJ), São Roque (BA)


Exu = Demônio
Oxalá = Jesus Cristo
Xangô = São Jerônimo, São Pedro
Oxossi = São Miguel (PE); São Jorge (BA); São Sebastião (RJ)

É um assunto muito interessante não é mesmo? Procure saber mais! Para


conhecer o panteão das religiões afro-brasileiras acesse: http://orixas.com.br/portal3/

1 SOUZA, Marina de Mello e. “Santo Antônio de nó-de-pinho e o catolicismo afro-


brasileiro”. Rio de Janeiro: Tempo, nº. 11, Julho de 2001, pp. 171-188.
2 Idem, pp. 171-188.
3 BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1960, vol. II,
p. 319.
4 SILVA, Vagner Gonçalves. Candomblé e Umbanda: caminhos da devoção brasileira.
São Paulo: Ática, 1994.

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Aula 30_O Nascimento do Conceito de Raça.

Você saberia responder qual a diferença entre raça e etnia?


Às vezes, pensamos que sabemos definir conceitos, mas quando somos
instados a responder o que sabemos ficamos confusos, não é mesmo? Pois raça e
etnia é o assunto de nossa aula hoje.
A palavra raça vem do latim ratio, que significa sorte, categoria, espécie. Foi
utilizado na zoologia e na botânica como forma de classificar animais e vegetais. Carlo
Von Linné, naturalista sueco, classificou 24 “raças” de plantas, por volta de 1750. Na
Idade Média usava-se o termo para determinar a linhagem das pessoas, a sua origem,
conforme laços com ancestrais em comum.
Foi François Bernier quem utilizou o termo raça para classificar a diversidade
humana, em 1684. Kabengele Munanga afirma que tal fato não teria maiores
problemas se a sua utilização se limitasse à compreensão da evidente variabilidade
humana. Conceitos e classificações são ferramentas valiosas na operacionalização
do pensamento, porém o fato é que o conceito de raça foi utilizado para hierarquizar
as ditas raças, classificando-as segundo critérios valorativos de inferioridade e
superioridade 1.
A genética ajudou a comprovar o que já se suspeitava: não existem raças
humanas. A diferença entre os seres humanos que faz com que alguns grupos
estejam pré-dispostos a certos tipos de doenças hereditárias talvez esteja no que os
cientistas convencionaram chamar de marcadores genéticos. Pesquisas
comparativas trouxeram reveladoras informações sobre a diversidade humana, pois
os cientistas observaram que o patrimônio genético de um senegalês, por exemplo,
podia ser mais próximo de um norueguês do que de um congolês. Ficou comprovado
biológica e cientificamente que, em relação à espécie humana, não existem raças. Os
humanos são membros de uma mesma espécie.
Pensemos em um simples exemplo. Um gato doméstico e um tigre pertencem
à mesma espécie: a dos felinos (Felidae). Essa espécie se subdivide em várias
famílias; o gato doméstico pertence à família denominada felinae e o tigre à
pantherinae.

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Um tigre que vive nas savanas e florestas tropicais pode chegar a pesar 324
quilos e um pequeno gatinho doméstico, no máximo 5 quilos. Bom, não é preciso
pensar muito para afirmar que são animais de uma mesma espécie que jamais se
reproduzirão. Quanto à espécie humana o que impede a união entre um nigeriano e
uma australiana? Somente o preconceito. A inferioridade do negro foi uma teoria
criada com vistas à dominação.
O surgimento do ideal de inferioridade do negro tem relação direta com o
processo de desumanização do negro viabilizado pelo tráfico negreiro. A ideologia
liberal, nascente no século XVIII, entrou em contradição com a utilização da mão de
obra escrava. A escravidão não teria durado mais de 300 anos caso não houvessem
sido criadas formas de justificá-la.
No começo havia a justificativa religiosa: era preciso levar o “caminho certo”
para as almas impuras, selvagens e “sem religião”. Utilizou-se em larga escala o mito
da maldição de Caim. Segundo a teoria religiosa, Caim, Sem e Jafet eram filhos de
Noé e haviam embarcado com ele na arca que sobrevivera ao grande dilúvio.
.

Sendo Noé lavrador, passou a plantar uma vinha. Bebendo do vinho,


embriagou-se e se pôs nu dentro de sua tenda. Caim, pai de Canaã
vendo a nudez do pai, fê-lo saber, fora, a seus dois irmãos. Então Sem
e Jafé tomaram uma capa, puseram-na sobre os próprios ombros de
ambos e, andando de costas, rostos desviados cobriram a nudez do
pai, sem que a vissem. Despertando Nóe de seu vinho, soube o que
lhe fizera o filho mais moço e disse: Maldito seja Canaã; seja servo
dos servos a seus irmãos 2.

Por ter zombado do pai, Caim e seus descendentes teriam sido condenados à
escravidão perpétua. À justificativa religiosa sobrepôs-se a explicação racional
calcada no cientificismo, dando origem ao racismo. Segundo essa nova teoria
sedimentada no século XVIII, a espécie humana se dividiria em três raças: a negra, a
branca e a amarela — era o início do critério de classificação racial pela cor da pele.
A partir do século XIX, entram conjuntamente às características físicas, valores
psíquicos e morais: a cor da pele, o formato do queixo, o tamanho da cabeça de das
narinas estariam relacionados à racionalidade, altivez, preguiça, sensualidade,
imoralidade.

HISTÓRIA 99
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É claro que as qualidades ditas positivas ficaram para os brancos; aos negros
e amarelos foram atribuídas características psico-morais consideradas negativas. O
clima também foi associado a cor da pele para justificar supostas diferenças
de comportamento: os brancos por serem oriundos de climas frios, seriam mais
racionais e trabalhadores; enquanto os negros e índios, oriundos de climas tropicais,
seriam temperamentais e indolentes.
Na verdade, as alterações de pele se devem às adaptações ao meio ambiente
da seguinte maneira:

o mais antigo ancestral de todos os homens e mulheres da Terra, a partir do


qual surgiram os modernos humanos, seria uma mulher de cabelos pretos,
pele escura, que teria vivido nas savanas da África entre 290 mil e 140 mil
anos atrás. Essa Eva pré-histórica, diz o paleontólogo Jay Gould: “nos faz
compreender que todos os seres humanos são membros de uma mesma
família, que teve uma origem recente em apenas um lugar. (...) Comparando
as amostras coletadas dos mais diversos grupos étnicos, os cientistas
verificaram serem pequenas e triviais as diferenças entre a raças. A cor da
pele, por exemplo, é resultado de mera adaptação ao clima – negra na África,
para se proteger o sol forte; branca na Europa, para facilitar a absorção dos
raios ultravioleta, que ajudam a produzir vitamina D. (Revista
Superinteressante. Ano 2, nº 9, setembro/88)

Nos séculos XVIII e XIX houve um contato intenso das elites com o mundo
europeu. Como teriam chegado essas ideias ao Brasil? É o que veremos na próxima
aula!

1 MUNANGA, Kabengele. “Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo,


identidade e etnia”. In: BRANDÃO, André Augusto. o negro na sociedade brasileira
Programa de educação sobre, Rio de janeiro: EDUFF, 2004, pp. 16-34.
2 GÊNESIS: 9, 18-29.

HISTÓRIA 100
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Aula 31_As Teorias raciais no Brasil.

Como tudo o que vem do exterior, as teorias raciais não demoraram a chegar
ao Brasil e foram incorporadas de forma eficaz em nossa terra. No final do XIX, o
Brasil enfrentava, além da abolição da escravidão e da instauração da República, um
processo de construção de sua identidade nacional.
Como já vimos, os negros não foram incorporados no mercado de trabalho
imediatamente após a sua liberdade. Eles ficaram a sua própria sorte. A elite pensante
brasileira, oriunda em grande parte da elite agrária, foi obrigada a considerar a questão
do negro.
Logo, surgiram, sob influências trazidas da Europa, ideias sobre a inferioridade
do negro. Em primeiro lugar, houve uma preocupação grande com a herança negativa
que pudesse ser deixada pelos negros na sociedade brasileira. Sílvio Romero
acreditava que haveria predominância cultural e biológica branca e que os elementos
“não brancos” — aí incluídos os indígenas — desapareceriam. Ele usou como
referências a teoria da “seleção natural” de Darwin, a imigração europeia e o fim do
tráfico.
Raimundo Nina Rodrigues, médico baiano, foi outro idealizador das teorias
raciais brasileiras. Segundo ele, não poderia haver misturas raciais, pois estas
poderiam acarretar desequilíbrios psíquicos e psicológicos na formação do povo
brasileiro. Para ele a mistura racial geraria elementos que não serviriam para nada,
elementos sem valor. Ele propunha a criação de uma legislação específica para esse
grupo que possuía deformidades psicológicas; ele queria institucionalizar a diferença.
Rodrigues afirmava que a mestiçagem era maléfica para a formação do povo, pois a
união de raças inferiores e superiores apagaria as qualidades das superiores gerando
um atavismo.
Outra personalidade que dissertou sobre a questão racial foi Euclides da Cunha
autor de “Os Sertões”, que acreditava que o sertanejo, fruto da união de brancos e
índios, era a raça brasileira autêntica e não deveria misturar-se com o negro, que era
uma raça impura.
Essas teorias surgiram no Brasil no início do século XX e vigoraram durante
muito tempo. A teoria da mestiçagem gerou uma ideia de que o Brasil era fruto de

HISTÓRIA 101
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relações harmônicas entre as três raças que o formaram. Essa ideia foi divulgada por
Gilberto Freyre que, em sua obra “Casa Grande e Senzala”, propagou ideias que,
posteriormente, fundamentaram o mito da chamada “democracia racial” brasileira.
Segundo Freyre, as relações entre as diferentes classes e grupos étnicos no Brasil
eram muito mais suaves do que em outros lugares do mundo. Essa “suavidade” era
fruto da tolerância racial dos portugueses.
Segundo Kabengele Munanga, 1 a mestiçagem é a armadilha social do negro,
pois desconstrói a sua identidade, desmobiliza e maquia o preconceito racial. Há,
dessa forma, uma interferência na percepção da realidade desses negros, que
acabam julgando fazer parte de um país democrático e igualitário que, diferentemente
dos EUA, não segrega, mistura.
A comparação com os EUA é necessária, porque foi um país onde a
segregação racial foi institucionalizada, isto é, legalizada, até pelo menos os anos de
1960. Até esse período, havia espaços reservados para brancos e negros. Aos afro-
americanos era vedado o acesso às universidades em alguns estados e a perseguição
aos negros era declarada, havendo até instituições criminosas criadas somente com
o intuito de eliminá-los, como a famosa Ku Klux Klan.
Comparou-se muito o modelo racial brasileiro, calcado na miscigenação, ao
norte-americano. Aqui, o negro não era perseguido, era aceito em todos os ambientes
e podia frequentar universidades. Jamais houve, após a abolição, legislação que
segregasse deliberadamente negros ou índios. Essas teorias ajudaram a sedimentar
a teoria da igualdade entre as raças no Brasil; se, num primeiro momento, tratavam o
negro como um elemento nocivo à sociedade, em um segundo momento apagavam-
se todos os percalços da escravidão, da exclusão social pós-abolição, escondendo-
se o preconceito sob o manto da democracia racial.

Para refletir: Você acha que existe democracia racial no Brasil?

1 MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional


versus identidade negra. Petrópolis: Vozes, 1999.

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Aula 32_Ações afirmativas: O sistema de cotas

Considerando o fato inegável de que existe um preconceito racial em nosso


país, que se encontra mascarado pela ideia de uma suposta democracia racial,
passamos, nesta aula, para uma reflexão sobre as práticas e formas de reverter esse
quadro. Existe atualmente um aumento na preocupação com a questão racial no
Brasil. Os meios televisivos têm abordado de modo tímido o preconceito racial em
suas novelas e programas, porém o espaço destinado aos negros continua sendo o
mesmo, a cozinha e os empregos subalternos.
Recentemente tivemos a experiência de ter a primeira personagem principal
negra da teledramaturgia, Taís Araújo encarnou esse papel na novela que levou o
sugestivo nome de “Da cor do pecado”. Em “Cobras e Lagartos” tivemos dois
personagens negros que se destacaram: a mesma Taís Araújo e o ator Lázaro
Ramos, porém em papéis que continuam trabalhando os estereótipos criados para os
negros: preguiçosos, desapegados ao trabalho, sempre “querendo se dar bem”.
Podemos ver o negro em espaços limitados também acadêmicos, nas
universidades públicas, as mais concorridas, são apenas 2% dos estudantes. O
sistema bancário incorpora o trabalhador negro em níveis baixíssimos, eles são
apenas 8% no quadro de funcionários e mesmo possuindo a mesma formação dos
brancos recebem cerca de 21,43% a menos 1.
A fim de combater essa realidade estão sendo criadas no Brasil políticas
públicas que auxiliem os negros e índios a conquistarem a equiparação em relação
aos brancos: são as chamadas “ações afirmativas”. Políticas de discriminação
positiva, que tem a intenção de repensar os conteúdos sociológico-jurídico,
vislumbrando colocar os indivíduos em situação de paridade. Ação afirmativa é um
gênero da qual a política de cotas raciais faz parte.
As cotas raciais são uma das estratégias das ações afirmativas, que
estabelecem a obrigatoriedade de se incluírem socialmente as minorias, criando
mecanismos de reentrada dessas pessoas. As cotas têm causado polêmica,
especialmente na área educacional, onde são implementadas, em universidades
públicas, tendo como objetivo que elas reflitam sobre a diversidade racial de nosso
país. Também já há projetos de cotas para a mídia e para a área das grandes

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empresas. Mas a questão das cotas ainda caminha a passos lentos e causa grande
controvérsia. A escola é o local por excelência para se debaterem tais questões. O
preconceito, seja de qualquer tipo, não nasce com a pessoa, ele é adquirido
socialmente, nos locais onde vivemos coletivamente, na família, igreja, escola etc.

É preciso colocar tais questões em pauta. Espero que esse curso tenha
ajudado você minimamente a pensar sobre o tema, agora é mãos à obra!

1 Dados apresentados no Jornal Folha de São Paulo em 24/07/2005 – Caderno


Cotidiano, em matéria intitulada “Bancos são acusados de discriminação racial”

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Resumo_Unidade VI

Nesta unidade tivemos contanto com a rica cultura material e imaterial deixada
por nossos antepassados. Negros e ameríndios deixaram suas marcas no Brasil e
ajudaram na formação de nossa identidade.
Nas artes, música, tradições populares e no mundo do trabalho, deixaram
técnicas e tradições de seus povos, misturado crenças e práticas e criando novas
formas de expressão.
A religiosidade tem papel de destaque com as religiões afro-brasileiras, como
o Candomblé e a Umbanda que muitas vezes misturam elementos das tradições
africanas, ao catolicismo e ao kardecismo. O culto aos orixás tem se difundido e
ganhado adeptos, mas mesmo assim continua sendo vítima do preconceito.
Preconceito este que nos levou a expor a discussão sobre ações afirmativas e
sistema de cotas, assunto polêmico que ainda se encontra em desenvolvimento e
implantação no Brasil.

REFERÊNCIAS

BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1960, vol.
II.
MUNANGA, Kabengele. “Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo,
identidade e etnia”. In: BRANDÃO, André Augusto. Programa de educação sobre o
negro na sociedade brasileira, Rio de janeiro: EDUFF, 2004.
____________________. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade
nacional versus identidade negra. Petrópolis: Vozes, 1999.
SILVA, Vagner Gonçalves. Candomblé e Umbanda: caminhos da devoção
brasileira. São Paulo: Ática, 1994.
SOUZA, Marina de Mello e. “Santo Antônio de nó-de-pinho e o catolicismo afro-
brasileiro”. Rio de Janeiro: Tempo, nº. 11, Julho de 2001, pp. 171-188.
______________________. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2006.

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