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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa

Rodrigo Altair Morato

AS CATEGORIAS TEMPO E ASPECTO NA AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM — UM


ESTUDO À LUZ DA GRAMÁTICA GERATIVA

Belo Horizonte
2014
Rodrigo Altair Morato

AS CATEGORIAS TEMPO E ASPECTO NA AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM — UM


ESTUDO À LUZ DA GRAMÁTICA GERATIVA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Letras da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Linguística e Língua
Portuguesa.

Orientadora: Arabie Bezri Hermont

Belo Horizonte
2014
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Morato, Rodrigo Altair


M831c As categorias tempo e aspecto na aquisição de linguagem: um estudo à luz
da gramática gerativa / Rodrigo Altair Morato. Belo Horizonte, 2014.
135f.: il.

Orientador: Arabie Bezri Hermont


Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Letras.

1. Gramática gerativa. 2. Crianças - Linguagem. 3. Língua portuguesa –


Tempo verbal. 4. Língua portuguesa – Gramática. I. Hermont, Arabie Bezri. II.
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação
em Letras. III. Título.
CDU: 806.90-56
Rodrigo Altair Morato

AS CATEGORIAS TEMPO E ASPECTO NA AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM — UM


ESTUDO À LUZ DA GRAMÁTICA GERATIVA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Letras da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Linguística e Língua
Portuguesa.

__________________________________________________________________________
Arabie Bezri Hermont (Orientadora) – PUC Minas

__________________________________________________________________________
Ricardo Augusto de Souza (UFMG − Letras)

__________________________________________________________________________
Denise Brandão de Oliveira e Britto (PUC Minas − Fonoaudiologia − ICBS)

__________________________________________________________________________
Maria Ângela Paulino Teixeira Lopes (PUC Minas − Letras) – Suplente

Belo Horizonte, 28 de fevereiro de 2014.


À vovó Maria, minha heroína.
AGRADECIMENTOS

A Deus, que é, para mim, razão e conforto.


Ao CNPq, por subsidiar esse projeto e incentivar a pesquisa no país.
Ao Giovani, meu porto-seguro.
À Letícia (Branquinha), meu amor eterno.
À minha família, sem a qual eu não sobreviveria.
Aos meus amigos, que fazem da minha realidade um lindo sonho.
Aos meus estimados professores de pós-graduação e membros da secretaria, exemplos
de excelência.
Aos meus professores de graduação, que foram inspiração e fizeram desabrochar uma
parte de mim que nem eu mesmo conhecia.
Aos meus professores da educação básica, que me permitiram sonhar.
Aos amigos da True, pela torcida. Em especial, Gabriela, Léo e Patricia, pela
compreensão.
Aos colegas do mestrado, pessoas de grande generosidade.
A todos os linguistas pesquisadores, que na busca de uma teoria, não se contentam
com uma única explicação.
Por último e, peça-chave nessa jornada, à minha orientadora, Arabie. Admirável
docente, excepcional pesquisadora e mulher extremamente generosa. Sem ela meus esforços
seriam inúteis e eu não teria chegado ao fim. Muito mais do que orientadora, foi calma para
meu desespero e confiança para os meus medos. No sentido mais elevado de qualificação
profissional e humana, ela é, de fato, das Arábias.
Este não é o fim, mas uma pausa para reflexão. Muito obrigado aos que me deram as
mãos, continuaremos juntos, pois, assim como poeta, gosto de pensar que todo ser humano é
“início, fim e meio”.
Verbo Ser

Que vai ser quando crescer?


Vivem perguntando em redor. Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser? Dói? É bom? É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer?
Sou obrigado a? Posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser Esquecer.

Carlos Drummond de Andrade


RESUMO

Esta dissertação teve como principal objetivo compreender como as categorias tempo e
aspecto estão representadas na gramática de crianças em fase de aquisição de linguagem.
Nossa pesquisa procurou constatar a dissociação da categoria de tempo e aspecto, verificar a
possível existência de uma hierarquia na aquisição de tempo e aspecto e checar a influência
do aspecto lexical sobre o aspecto gramatical. Para cumprir nossos objetivos, fizemos um
estudo descritivo detalhado, apresentando postulados da Teoria Gerativa, mais
especificamente a partir do modelo teórico de Princípios e Parâmetros e do Programa
Minimalista. Apresentamos também propostas que tentam explicar o status das categorias
funcionais na gramática mental das crianças em fase de aquisição de linguagem. Analisamos
14 gravações de falas espontâneas de uma criança, com idade entre um ano e cinco meses e
quatro anos e dez meses. A análise constituiu-se da verificação de todas as ocorrências verbais
produzidas pela criança, especificando o tempo verbal e os aspectos gramatical e lexical. A
partir da descrição dos dados, estabelecemos diálogo com as abordagens sobre aquisição de
categorias funcionais e, mais especificamente, tratamos da aquisição de tempo e aspecto.
Diante dos nossos dados e das teorias de que nos valemos, chegamos à conclusão de que
tempo e aspecto podem ser consideradas categorias dissociadas.

Palavras-chave: Teoria Gerativa. Aquisição de Linguagem. Categorias Funcionais. Tempo.


Aspecto.
ABSTRACT

This study aimed to understand how tense and aspect categories are represented in the
grammar of children during language acquisition. Our research sought to observe the
dissociation of tense and aspect categories, verify the possible existence of a hierarchy in the
acquisition of tense and aspect and check the influence of lexical aspect regarding the
grammatical aspect. To accomplish our goals, we did a detailed descriptive study presenting
postulates of the Generative Theory, more specifically of the theoretical model of Principles
and Parameters and the Minimalist Program. We also presented proposals that attempt to
explain the status of functional categories in the mental grammar of children during language
acquisition. We have analyzed 14 recordings of spontaneous speech of a child, aged from one
year and five months to four years and ten months. The analysis consisted of checking all
verbal occurrences produced by the child, specifying the verbal tense, grammatical and lexical
aspects. From the description of the data, we established a dialogue with the approaches on
the acquisition of functional categories and, more specifically, we treated the acquisition of
tense and aspect. Based on our data and theories studied, we concluded that tense and aspect
can be considered dissociated categories.

Keywords: Generative Theory. Language Acquisition. Functional Categories. Tense. Aspect.


LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - Trajetória Estudos da Teoria Gerativa .................................................. 20


FIGURA 2 – Esquema Processual de Aquisição de Linguagem................................ 21
FIGURA 3 – Esquema de Representação da Faculdade de Linguagem .................... 23
FIGURA 4 – Esquema de Processamento da Linguagem .......................................... 23
FIGURA 5 – Formação de Sintagmas ........................................................................ 30
FIGURA 6 – Estrutura Sintagmática .......................................................................... 31
FIGURA 7 – Derivação de uma sentença .................................................................. 31
FIGURA 8 – Árvore Sintagmática ............................................................................. 32
FIGURA 9 – Representação do tempo ....................................................................... 35
FIGURA 10 – Árvore sintática de Ouhalla ................................................................ 44
FIGURA 11 – Árvore sintática com nódulo de flexão ............................................... 45
FIGURA 12 – Inserção da partícula de negação na árvore sintática .......................... 46
FIGURA 13 – Inserção da partícula ST e AGRP na árvore sintática......................... 47
FIGURA 14 – Diagrama do parâmetro direcionalidade do núcleo ............................ 61
FIGURA 15 – Diagrama da Hierarquia de Parâmetros .............................................. 64
FIGURA 16: Configuração de línguas para dois parâmetros ..................................... 67
FIGURA 17 – Esquema de melhor enquadramento Thornton e Tesan. ..................... 71
FIGURA 18 – Esquema das categorias Funcionais.................................................. 126
LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Representação dos tempos verbais .................................................... 37


QUADRO 2 – Traços distintivos para os Tipos Verbais ........................................... 40
QUADRO 3 – Aspectos: perfectivo e imperfectivo .................................................. 42
QUADRO 4 – Marcação temporal sem perífrase verbal ........................................... 43
QUADRO 5 – Marcação temporal com perífrase verbal .......................................... 43
QUADRO 6 – Regras de formação de pretérito irregular no Inglês ......................... 58
QUADRO 7 – Hierarquia de Parâmetros e o tempo de aquisição relacionado ......... 65
QUADRO 8 – Avaliação do modelo de Wexler........................................................ 69
QUADRO 9 – Avaliação do modelo de Yang ........................................................... 69
QUADRO 10 – Avaliação do modelo de Baker ........................................................ 70
QUADRO 11 – Exemplificação de Aspectualidade .................................................. 74
LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – Descrição dos Dados ........................................................................... 80


TABELA 2 – Flexão verbal – 1ª Gravação ............................................................... 84
TABELA 3 – Aspecto Gramatical e Lexical – 1ª Gravação...................................... 85
TABELA 4 – Flexão verbal – 2ª Gravação ............................................................... 86
TABELA 5 – Aspecto Gramatical e Lexical – 2ª Gravação...................................... 87
TABELA 6 – Flexão verbal – 3ª Gravação ............................................................... 88
TABELA 7 – Aspecto Gramatical e Lexical – 3ª Gravação...................................... 89
TABELA 8 – Flexão verbal – 4ª Gravação ............................................................... 90
TABELA 9 – Aspecto Gramatical e Lexical – 4ª Gravação...................................... 91
TABELA 10 – Flexão verbal – 5ª Gravação ............................................................. 93
TABELA 11 – Aspecto Gramatical e Lexical – 5ª Gravação.................................... 94
TABELA 12 – Flexão verbal – 6ª Gravação ............................................................. 96
TABELA 13 – Aspecto Gramatical e Lexical – 6ª Gravação.................................... 97
TABELA 14 – Flexão verbal – 7ª Gravação ............................................................. 98
TABELA 15 – Aspecto Gramatical e Lexical – 7ª Gravação.................................... 99
TABELA 16 – Flexão verbal – 8ª Gravação ........................................................... 100
TABELA 17 – Aspecto Gramatical e Lexical – 8ª Gravação.................................. 102
TABELA 18 – Flexão verbal – 9ª Gravação ........................................................... 103
TABELA 19 – Aspecto Gramatical e Lexical – 9ª Gravação.................................. 104
TABELA 20 – Flexão verbal – 10ª Gravação ......................................................... 105
TABELA 21 – Aspecto Gramatical e Lexical – 10ª Gravação................................ 106
TABELA 22 – Flexão verbal – 11ª Gravação ......................................................... 107
TABELA 23 – Aspecto Gramatical e Lexical – 11ª Gravação................................ 108
TABELA 24 – Flexão verbal – 12ª Gravação ......................................................... 110
TABELA 25 – Aspecto Gramatical e Lexical – 12ª Gravação................................ 111
TABELA 26 – Flexão verbal – 13ª Gravação ......................................................... 112
TABELA 27 – Aspecto Gramatical e Lexical – 13ª Gravação................................ 113
TABELA 28 – Flexão verbal – 14ª Gravação ......................................................... 114
TABELA 29 – Aspecto Gramatical e Lexical – 14ª Gravação................................ 115
TABELA 30 – Evidências de dissociação de Tempo e Aspecto ............................. 125
LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 – Flexão verbal – 1ª Gravação.............................................................. 85


GRÁFICO 2 – Aspecto Gramatical e Lexical – 1ª Gravação .................................... 86
GRÁFICO 3 – Flexão verbal – 2ª Gravação.............................................................. 87
GRÁFICO 4 – Aspecto Gramatical e Lexical – 2ª Gravação .................................... 88
GRÁFICO 5 – Flexão verbal – 3ª Gravação.............................................................. 89
GRÁFICO 6 – Aspecto Gramatical e Lexical – 3ª Gravação .................................... 90
GRÁFICO 7 – Flexão verbal – 4ª Gravação.............................................................. 91
GRÁFICO 8 – Aspecto Gramatical e Lexical – 4ª Gravação .................................... 92
GRÁFICO 9: Flexão verbal – 5ª Gravação ............................................................... 94
GRÁFICO 10 – Aspecto Gramatical e Lexical – 5ª Gravação .................................. 95
GRÁFICO 11 – Flexão verbal – 6ª Gravação............................................................ 97
GRÁFICO 12 – Aspecto Gramatical e Lexical – 6ª Gravação .................................. 98
GRÁFICO 13 – Flexão verbal – 7ª Gravação............................................................ 99
GRÁFICO 14 – Aspecto Gramatical e Lexical – 7ª Gravação ................................ 100
GRÁFICO 15 – Flexão verbal – 8ª Gravação.......................................................... 101
GRÁFICO 16 – Aspecto Gramatical e Lexical – 8ª Gravação ................................ 102
GRÁFICO 17 – Flexão verbal – 9ª Gravação.......................................................... 103
GRÁFICO 18 – Aspecto Gramatical e Lexical – 9ª Gravação ................................ 104
GRÁFICO 19 – Flexão verbal – 10ª Gravação........................................................ 106
GRÁFICO 20 – Aspecto Gramatical e Lexical – 10ª Gravação .............................. 107
GRÁFICO 21 – Flexão verbal – 11ª Gravação........................................................ 108
GRÁFICO 22 – Aspecto Gramatical e Lexical – 11ª Gravação .............................. 109
GRÁFICO 23 – Flexão Verbal – 12ª Gravação ....................................................... 110
GRÁFICO 24 – Aspecto Gramatical e Lexical – 12ª Gravação .............................. 111
GRÁFICO 25 – Flexão verbal – 13ª Gravação........................................................ 113
GRÁFICO 26 – Aspecto Gramatical e Lexical – 13ª Gravação .............................. 114
GRÁFICO 27 – Flexão verbal – 14ª Gravação........................................................ 115
GRÁFICO 28 – Aspecto Gramatical e Lexical – 14ª Gravação .............................. 116
GRÁFICO 29 – Aparecimento das flexões verbais ................................................. 118
GRÁFICO 30 – Surgimento do Aspecto Gramatical .............................................. 119
GRÁFICO 31 – Contraste Aspecto Gramatical e Lexical ....................................... 120
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AGR — Concordância
ASP — Aspecto
AUX — Auxiliar
COMP — Complementizador
EPP — Princípio de Projeção Estendida.
FL— Faculdade de Linguagem
FLB — Faculdade de Linguagem Ampla
FLN — Faculdade de Linguagem Estrita
GU — Gramática Universal
INFL ou I — Flexão
IP— Inflexion Phase (Sintagma de Flexão)
ME — Momento de Evento
MF — Momento de Fala
MR — Momento de Referência
MV — Modelo Variacional
OI — Infinitivo Opcional
PSN— Parâmetro do Sujeito Nulo
RC— Regras de Competição
RCU — Restrição de Checagem Única
S— Sentença
SC — Sintagma Complementizador
SN — Sintagma Nominal
ST — Sintagma de Tempo
SV — Sintagma Verbal
T — Tempo
V — Verbo
WR —Modelo de Regras e Palavras
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 14

2 QUADRO TEÓRICO ........................................................................................... 17


2.1 Pressupostos Gerativistas .................................................................................. 17
2.1.1 A derivação de uma sentença ......................................................................... 28

3 TEMPO E ASPECTO .......................................................................................... 34


3.1 Tempo ................................................................................................................. 35
3.2 Aspecto ................................................................................................................ 38
3.3 Tempo e Aspecto: Nódulo de Flexão ................................................................ 44

4 AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM ........................................................................ 50


4.1 A Corrente Maturacional .................................................................................. 51
4.2 A Corrente Continuísta ..................................................................................... 52
4.2.1 A Proposta de Kenneth Wexler ....................................................................... 53
4.2.2 A Proposta de Charles Yang ........................................................................... 56
4.2.3 A Proposta de Mark Baker .............................................................................. 60
4.2.4 Avaliação das Propostas de Modelos .............................................................. 66
4.3 Aquisição de Aspecto .......................................................................................... 72

5 METODOLOGIA ................................................................................................. 77
5.1 A escolha do método .......................................................................................... 77
5.2 Os dados da pesquisa ......................................................................................... 79

6 DESCRIÇÃO DOS DADOS ................................................................................ 83


6.1 Descrição individual das gravações .................................................................. 83

7 ANÁLISE DOS RESULTADOS ....................................................................... 121

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 129

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 132


14

1 INTRODUÇÃO

Podemos constatar, após o período da gênese da Teoria Gerativa, significativo


aumento de trabalhos que pretenderam investigar a constituição da gramática mental de
indivíduos adultos e de crianças em fase de aquisição de linguagem. Entretanto, mesmo diante
de inúmeros trabalhos que fazem interseção com essa teoria e defendem ideia de que há uma
competência anterior à experiência da criança no convívio com uma língua e que, portanto,
existe um mecanismo inato para o processamento da linguagem, a presente pesquisa é
importante porque pretende investigar como estão representadas as categorias tempo e aspecto
na gramática mental humana.
Até meados do último século, a concepção de linguagem era dada como uma condição
social, decorrente de fenômenos externos ao indivíduo. Para Chomsky, no entanto, a
linguagem diz respeito à capacidade humana de operar com uma língua, isto é, o
comportamento linguístico dos indivíduos deve ser compreendido também como uma dotação
genética, interna ao organismo humano. Desse modo, propôs-se, então, a ideia da Faculdade
de Linguagem, uma vez que as crianças costumam dominar a língua materna, aparentemente
sem grandes esforços, entre um ano e meio e três anos de idade.
Optamos por adotar, nesta pesquisa, a postura assumida por Chomsky e outros
pesquisadores gerativistas, já que compartilhamos da ideia de que todo ser humano é dotado
por uma gramática universal, disponível desde o nascimento da criança. Mais
especificamente, concordamos com a premissa de que existem categorias funcionais,
responsáveis pela organização das sentenças nas diferentes línguas do mundo. Com isso, nos
aliamos à Teoria Gerativa e às teorias de aquisição da linguagem desenvolvidas à luz daquela.
Vale ainda dizer que as línguas naturais incorporam princípios que refletem a natureza
da mente e que podem ser identificados. Trata-se de aspectos inatos da competência da
criança. Esses princípios visam a explicar as propriedades atestadas nas gramáticas de todas
as línguas naturais e formulam as propriedades invariantes da língua. Para a fixação de
parâmetros, a criança vai utilizar as evidências apresentadas em sua experiência com a língua.
São justamente as análises dessas evidências que propomos como objeto de trabalho.
De acordo com Hermont (2005), depois do trabalho de Borer (1984), verificou-se que
as categorias funcionais é que são as responsáveis pela fixação de parâmetros. A
consequência disso é que as categorias funcionais passam a ser vistas como aquelas que
realmente desencadeariam as diferenças entre as línguas. Elas é que seriam as responsáveis
15

pelo fato de uma língua licenciar sujeito nulo ou não, de ter sintagmas nominais com núcleo à
direita ou à esquerda, de determinar a ordem sujeito-verbo ou a colocação do verbo em
primeira, ou em segunda, ou em última posição em uma sentença. Então, estudos que
focalizem as categorias funcionais têm grande importância exatamente porque o melhor
entendimento de seu comportamento nos levará a uma compreensão mais clara acerca dos
parâmetros e das diferenças entre as línguas. Esta pesquisa justifica-se porque possibilitará
entender como está representada a categoria funcional tempo na gramática mental de crianças
em fase de aquisição de linguagem.
Atentando-nos, mais especificamente, sobre a categoria flexional tempo, podemos
dizer que ela seria responsável pela noção de tempo verbal, e, mais do que isso, acreditamos
que, na camada flexional, haveria ainda a noção de aspecto verbal.
Nesse sentido, tempo, situaria o momento de um evento, que pode estar no passado,
presente ou futuro. O aspecto verbal, de outro lado, estaria relacionado a distintas maneiras de
se checar a constituição temporal interna da situação, isto é, dizer se a duração do evento é
acabada ou inacabada.
O objetivo principal desta dissertação é, portanto, compreender como as categorias
tempo e aspecto estão representadas na gramática de uma criança em fase de aquisição da
linguagem. Para tanto, faremos um estudo de caso, no qual verificaremos os morfemas
flexionais relacionados às categorias ora delineadas a partir de gravações de uma criança em
um período de aproximadamente quatro anos. Além disso, é objetivo deste trabalho verificar a
relação entre aspecto gramatical (noções de perfectividade e imperfectividade) e aspecto
lexical (noções de telicidade e atelicidade).
A hipótese que lançamos neste trabalho é de que tempo e aspecto seriam noções
funcionais dissociadas.
Este estudo organizar-se-á da seguinte maneira: No capítulo 2, quadro teórico,
explicitaremos a fundamentação teórica em que esta pesquisa está alicerçada. Nele,
discorreremos pressupostos básicos sobre os Princípios e Parâmetros dentro do Programa
Minimalista e trataremos dos estudos acerca das categorias funcionais sob a ótica gerativista.
No capítulo 3, tempo e aspecto, explicitaremos as noções de que nos valemos para essa
pesquisa, assim como uma definição capaz de justificar nossas premissas. No capítulo 4,
aquisição de linguagem, abordaremos questões referentes à aquisição de linguagem à luz de
três modelos teóricos distintos. No capítulo 5, metodologia, apresentaremos o modelo
metodológico para realização de nossa pesquisa. No capítulo 6, descrição dos dados,
descreveremos os dados coletados, já fazendo um encaminhamento para nossas conclusões.
16

No capítulo 7, análise dos resultados, trataremos da análise de nossos dados enviesando para
as teorias de aquisição de linguagem capazes de acomodá-los. E, por último, no capítulo 8,
faremos nossas considerações finais a respeito deste trabalho.
17

2 QUADRO TEÓRICO

Esta pesquisa tem como principal alicerce teórico os pressupostos da Teoria Gerativa,
sob os moldes do Programa Minimalista. O objetivo deste capítulo é demonstrar como essa
teoria é pertinente ao nosso trabalho e como ela é capaz de sustentar nossos dados. O capítulo
está dividido em duas seções. Na primeira seção, discorreremos a respeito dos principais
conceitos da teoria adotada e, na segunda seção, trataremos das derivações das sentenças, tal
como propõem os estudiosos gerativistas.

2.1 Pressupostos Gerativistas

A Teoria Gerativa nasceu na segunda metade do século XX, período em que a teoria
de Skinner estava no auge dos debates teóricos. A corrente da psicologia defendida por
Skinner tinha um caráter majoritariamente empirista. As descobertas e o fazer científico se
baseavam na experiência e a hipótese era a de que a criança só falava o que ouvia. Em 1957,
Chomsky1 publicou seu primeiro livro: Estruturas Sintáticas. A ocasião do lançamento deste
livro é tida como a data do nascimento da linguística gerativa.
Na obra de Chomsky, foram colocadas em choque duas vertentes: uma ligada ao
empirismo e a outra ao racionalismo, sendo esta última a linha à qual ele se associa. A
primeira baseava-se nas experiências externas à mente humana. A segunda teve início em
Platão e contou com seguidores como René Descartes e Immanuel Kant, por exemplo. As
pesquisas de Chomsky têm viés racionalista porque esse autor defende que os aparatos
mentais são imprescindíveis para o conhecimento e estão disponíveis desde que o indivíduo
nasce.
Os estudos gerativistas se voltam para a realidade mental subjacente do falante-
ouvinte. Cada indivíduo possui, em sua mente, uma gramática, que é colocada em uso e é
capaz de produzir inúmeras sentenças. O linguista deve determinar, por meio dos dados do
desempenho (ou performance), “o sistema subjacente de regras que foi dominado pelo
falante-ouvinte e que ele põe em uso na performance efetiva” (CHOMSKY, 1978, p. 84).
Sendo assim, na visão de Chomsky, é preciso construir teorias que expliquem esse sistema
subjacente e como ele é ativado.

1
Avram Noam Chomsky é conhecido como um dos fundadores dos estudos em Teoria Gerativa. É norte-
americano, professor de linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos.
18

Chomsky observou que adquirir uma língua natural2, nos dois primeiros anos de vida,
levando em conta que as frases ouvidas pelas crianças, por vezes, apresentam construções
falhas, rupturas, hesitações, variações fônicas, etc. iam contra a hipótese empirista de que as
crianças só falavam o que ouviam. Diante disso, propõe-se o Argumento da Pobreza de
Estímulo (como ficou marcado pelos estudiosos da linguagem), que é uma variação do que
conhecemos como Problema de Platão. Segundo Platão, havia poucas evidências e dados
para o vasto conhecimento que os homens tinham do mundo.
Chomsky sugere a ruptura com a tese do empirismo defendida no livro Verbal
Behavior, de Skinner, o qual propunha que, a partir de estímulos, era possível prever respostas
que eram confirmadas com reforços. O principal argumento de Chomsky contra essa
postulação era a de que os estímulos apresentados às crianças na fase de aquisição da
linguagem eram pobres e insuficientes.
A partir disso, Chomsky lançou mão da hipótese de que existiria algo a mais na
criança, do que propriamente a exposição à língua de sua comunidade, já que tal criança não
fala só aquilo que é capaz de ouvir. A capacidade de fala de uma criança extrapola o
empirismo com a língua. Desse modo, propôs-se, então, a noção de competência e de
desempenho e a ideia de um mecanismo inato para aquilo que chamamos de Faculdade da
Linguagem, uma vez que as crianças costumam dominar a língua materna, aparentemente sem
grandes esforços, entre um ano e meio e três anos de idade.
A competência pode ser entendida como aquilo que o falante sabe da sua língua, ou
seja, é o conhecimento linguístico, que seria inconsciente e internalizado. Isto é, o falante
nativo de uma língua tem, no nível mental, dispositivos que possibilitam inúmeras
combinações a fim de formar palavras, sintagmas, sentenças, mas o real uso da linguagem,
por parte desta pessoa, somente seleciona algumas combinações. Com isso, queremos declarar
que o que realmente um falante produz ou entende em termos linguísticos, em uma ocasião
concreta, é denominado desempenho. Chomsky dedica seus estudos à competência e não ao
desempenho, apesar de sabermos que a competência é pesquisada a partir do desempenho. Ou
seja, pelo uso, decorrente das estruturas efetivamente produzidas, estuda-se o que um falante
sabe da língua.
Dito de outro modo, competência é o conhecimento que o falante tem da gramática de
sua língua e o desempenho é o uso desse conhecimento. Esses termos se contrastam e

2
Entenda-se língua natural como um sistema de comunicação verbal que se desenvolve espontaneamente no
interior de uma comunidade (ex.: português, inglês, espanhol, mandarim, etc.).
19

evidenciam a divisão entre um conhecimento internalizado (competência) e um conhecimento


que pode ser visível através da produção de sentenças (desempenho).
Parafraseando o exemplo de Hermont e Lima (2010, p. 30), podemos dizer que a
diferença entre conhecimento e uso pode ser comparada ao ato de andar de bicicleta (mesmo
sabendo que nem todos sabem andar de bicicleta, esse exemplo nos parece bastante didático).
Um ciclista conhece, de forma inconsciente (automática), todas as ações necessárias no ato de
conduzir uma bicicleta: controlar o guidão, pedalar, aumentar e diminuir a força em cada
pedalada, olhar para os lados, freios, etc.; no entanto, esse ciclista pode não saber explicar
esses procedimentos durante sua ação, ou mesmo quando não está em atividade. O
conhecimento para andar de bicicleta é o mesmo para todos os ciclistas, mas a maneira de
condução da bicicleta, que seria o uso desse conhecimento, é variável de pessoa para pessoa.
Nesse sentido, o inatismo deve ser entendido como uma capacidade biológica e,
portanto, a linguagem também deve ser tomada como uma atribuição biológica, o que
significa que o ser humano nasce com o aparato de uma Gramática Universal. Essa Gramática
Universal (GU) seria o conjunto dos princípios linguísticos específico dos homo sapiens.
A pesquisa em Gramática Gerativa apresenta um interesse em conhecer as
propriedades estruturais de uma língua a partir de uma metodologia dedutiva3 e traça um
caminho para delimitar seu objeto de estudo que é a sintaxe. Os estudos da Gramática
Gerativa chomskyana tenta responder a algumas questões principais: como é o sistema de
conhecimentos internalizados na mente humana? Como esse sistema se desenvolve? Como o
falante utiliza esse sistema em situações de fala? Quais mecanismos físicos são utilizados para
o funcionamento desse sistema?
A fim de explicitar o foco principal dos estudos da Teoria Gerativa, Borges Neto
(2004) propõe o seguinte:

3
Metodologia científica que considera que a conclusão está implícita nas premissas e que o conhecimento não
depende da experiência para confirmar conclusões. Geralmente, parte-se de um conhecimento geral e vai para o
mais específico.
20

Figura 1 - Trajetória Estudos da Teoria Gerativa


Linguagem

Desempenho Competência

Fonologia Semântica Sintaxe

Particular Universal

Parâmetros Princípios

Fonte: BORGES NETO (2004, p.57.)

Conforme o esquema anterior, nos estudos sobre a linguagem, Chomsky opta pelo
estudo da competência em detrimento ao desempenho. Na competência, ele foca os estudos na
sintaxe e, nela, o núcleo dos estudos é uma gramática universal em que os princípios são mais
centrais que os parâmetros.
Anterior ao nascimento da Teoria Gerativa, a concepção de linguagem era dada como
uma condição social, decorrente de fenômenos externos ao indivíduo. Para Chomsky,
entretanto, a linguagem diz respeito à capacidade humana de operar com uma língua, isto é, o
comportamento linguístico dos indivíduos deve ser compreendido também como uma dotação
genética, interna ao organismo humano, conforme dito anteriormente.
Por este viés, a língua é considerada como um objeto da mente. A proposição
fundamental da teoria da Gramática Universal, formulada por Chomsky, é a de que a criança
nasce biologicamente equipada com uma gramática, na qual se encontram todos os
dispositivos que possibilitam a aquisição de uma língua natural. E, justamente por possuir um
aparato comum a toda espécie humana, é que a gramática pode ser considerada universal.
Nesse sentido, a ideia do universal se sobrepõe a do particular. A GU pode se
concebida como um conjunto das propriedades gramaticais compartilhadas por todas as
línguas naturais, bem como as diferenças entre elas que são previsíveis segundo as diversas
opções disponíveis na própria GU.
A capacidade e a habilidade de adquirir uma língua nativa são partes de uma dotação
genética, bem como aprender a andar. Assim sendo, capacidade de adquirir linguagem é
natural da mente humana e puramente humana, pois essa corrente de pensamento defende a
21

ideia de que a linguagem, complexa como é, constitui-se como uma das coisas que
diferenciam os homens dos animais. (cf. Hauser, Chomsky, Fitch, 2002).
Assim sendo, a aquisição da linguagem pela criança é determinada por uma faculdade
inata de linguagem e pode ser entendida como um tipo de algoritmo. Ou seja, como um
dispositivo biológico (inato) parte de todos os seres humanos, que nos fornece um sistema
gerativo, um conjunto de instruções sequenciais, como as inscritas em um programa de
computador. Em outras palavras, a Faculdade de Linguagem é um programa de aquisição da
língua a partir de algoritmos transmitidos geneticamente para desenvolver uma gramática, que
é baseada em experiências linguísticas das crianças. Esse sistema natural torna-nos
competentes a adquirir a gramática de uma língua. Vejamos isso em forma de esquema
retirado de Radford (2004):

Figura 2 – Esquema Processual de Aquisição de Linguagem


Experiência da
Linguagem

Faculdade
da Linguagem

Gramática
da
Língua

Fonte: RADFORD (2004, p.11)

A partir das proposições gerativistas, as concepções de linguagem deixam de ser


entendidas como fenômenos puramente sociais e passam a ser vistas como propriedades
mentais do ser humano, como algo inato.
Hauser, Chomsky e Fitch (op. cit.) concebem a Faculdade de Linguagem em Sentido
Amplo e Estrito, sendo que as duas proposições estão diretamente relacionadas, pois uma faz
interface com a outra. Para eles, a Faculdade de Linguagem no Sentido Amplo − FLB
(Faculty of Language in Broad Sense) contempla os sistemas conceptual-intencional,
sensório-motor, e outros sistemas intermediários, ao passo que a Faculdade de Linguagem em
Sentido Estrito − FNL (Faculty of Langue in the Narrow Sense) inclui o sistema
22

computacional gramatical, que é responsável pela capacidade humana de recursividade. Desse


modo, a FLN estaria diretamente associada à FLB.
O sistema conceptual-intencional diz respeito ao pensamento, ou seja, ao significado
que os indivíduos produzem para a língua. Esse sistema diz respeito à percepção de cada
indivíduo, seja através de palavras, números, atitude, postura, etc. Diferentemente deste
sistema, cujos resultados podem ser os mais distintos, o sistema sensório-motor é responsável
pela parte “concreta” da linguagem, pois é através dele que o indivíduo pode processar os
sons e/ou sinais (no caso das línguas de sinais) e produzi-los. O sistema sensório-motor diz
respeito à nossa capacidade de utilizar o corpo para algo que desejamos.
O sistema computacional da gramática, por sua vez, pode ser entendido como
específico da linguagem e tem a função de processar o dado linguístico, organizar as palavras
e processar as sentenças, gerando, assim, a capacidade de recursividade. Embora seja possível
percebermos recursividade em sequências numéricas e figuras geométricas, ela é mais visível
no uso que o homem faz da língua. A recursividade está imbricada no sistema computacional
humano, pois um número limitado de possibilidade de formação de estruturas permite a
formação infinita de sentenças. Nas palavras de Hauser et al. (op. cit):

FLB contains a wide variety of cognitive and perceptual mechanisms shared with
other species, but only those mechanisms underlying FLN particularly its capacity
for discrete infinity are uniquely human. This hypothesis suggests that all peripheral
components of FLB are shared with other animals, in more or less the same form as
they exist in humans, with differences of quantity rather than kind. What is unique to
our species is quite specific to FLN, and includes its internal operations as well as its
interface with the other organism-internal systems of FLB. (HAUSER; CHOMSKY;
FITCH, 2002, p. 1573)4

A figura a seguir, proposta por Hauser, Chomsky e Fitch (2002), permite uma
visualização mais compacta do que seria o órgão mental da Faculdade de Linguagem.
.

4
Nossa tradução: A Faculdade da Linguagem Ampla contém uma grande variedade de mecanismos cognitivos e
perceptuais divididos com outras espécies, mas somente aqueles mecanismos subjacentes à Faculdade da
Linguagem Estrita – particularmente sua capacidade para infinidade discreta – são unicamente humanas. Essa
hipótese sugere que todos os componentes periféricos da Faculdade da Linguagem Ampla são divididos com
outros animais, mais ou menos da mesma forma como ocorre com os humanos, com diferenças que dizem mais
respeito à quantidade do que ao tipo. O que é único de nossa espécie é bastante específico à Faculdade da
Linguagem Estrita e inclui suas operações internas tanto quanto sua interface com os outros sistemas internos ao
organismo da Faculdade de Linguagem Ampla.
23

Figura 3 – Esquema de Representação da Faculdade de Linguagem

Fonte: HAUSER; CHOMSKY; FITCH; (2002, p.1570)

Optamos por adotar neste trabalho a postura assumida pelos autores acima, em que
consideramos os sistemas sensório-motor e conceptual-intencional como pertencentes à
Faculdade de Linguagem em seu Sentido Amplo, os quais fazem interface com o sistema
computacional, Faculdade da Linguagem Estrita (FLN). Podemos relacionar a figura anterior
com as operações feitas pelo órgão mental da linguagem, mais especificamente pela FLN,
com o seguinte esquema proposto pelo Programa Minimalista:

Figura 4 – Esquema de Processamento da Linguagem

Fonte: HERMONT; LIMA (2010, p.50)

Passemos, agora, a explicitar o esquema anterior. As palavras estariam em um


componente chamado léxico (com traços semânticos e formais) e seriam selecionadas para
formar as sentenças. Essa seleção recebe o nome select e forma uma numeração. A
24

numeração seria o conjunto de itens lexicais selecionados. A proposta é que, na maioria das
vezes, os itens já viriam da numeração com traços definidos, como, por exemplo, traços de
gênero, de número plural, de categoria, de caso, etc. Após a seleção de palavras no léxico,
ocorreria, no sistema computacional, a formação das sentenças. Para que a sentença formada
no sistema computacional seja expressa e compreendida, uma operação chamada spell-out
entraria em ação. É ela que permitiria a divisão da estrutura sintática para as interfaces
fonológica e semântica.
A sentença formada passaria, então, pela representação fonológica, onde ganharia
forma para haver a articulação dos sons da fala: seria como uma coleta de códigos para uma
amostragem de como a sentença seria dita e ouvida, ou seja, a forma fonológica faz interface
com o sistema da fala. Também há a representação semântica, diretamente ligada ao mundo
das intenções e significados. Seria a parte em que a mente compreenderia a sentença.
Em sua abordagem formalista, a Teoria Gerativa concebe a sintaxe como um objeto
autônomo. A partir dessa ideia de autonomia, tem-se a concepção de modularidade mental e
modularidade linguística, sendo a sintaxe um dos módulos.
A concepção de modularidade admite que o desenvolvimento da linguagem seja
independente de outros aspectos mentais, embora eles estabeleçam comunicação com os
demais sistemas linguísticos. Um exemplo comum para expressar a ideia de que a
modularidade mental e modularidade linguística é o caso da menina Genie5, que viveu até aos
seus 13 anos em isolamento. Após ser resgatada, passou a inúmeros tratamentos psicológicos.
Desde o início do tratamento, diversas questões sobre o desenvolvimento da linguagem e
sobre os períodos críticos de sua aquisição foram levantadas a partir das observações e dos
estudos feitos com Genie. Os resultados de diferentes testes6 de compreensão demonstraram
que ela estava aprendendo habilidades linguísticas tais como noções de singular e plural,
sentenças afirmativas e negativas, construções possessivas, estruturas com sentenças
encaixadas que são precedidas por preposições e conjunções, etc.
De acordo com Curtiss (1981), muitos aspectos do desenvolvimento da linguagem de
Genie se deram na mesma sequência em que acontece o desenvolvimento da linguagem em
crianças sob condições típicas e foram identificados expressivos avanços na emergência de
linguagem em Genie, já que seu vocabulário desenvolveu-se bastante. Entretanto, em outros

5
O Caso Genie ficou famoso no mundo todo por diversos motivos, entretanto, a parte que nos interessa aqui diz
respeito somente à pesquisa linguística.
6
Para melhor compreensão do caso, sugerimos a leitura da pesquisa de Susan Curtiss em 1977 (Genie: A
Psycholinguistic Study of a Modern-Day “Wild Child”, Academic Press).
25

pontos, as habilidades de linguagem de Genie (as habilidades sintáticas, por exemplo) não se
manifestaram conforme o esperado. A menina não conseguia produzir sentenças com um
nível de complexidade maior. Por exemplo, ela tinha dificuldade de construir sentenças na
voz passiva, com palavras indicativas de interrogação (qual, onde, por que) e com palavras
demonstrativas (isto, este, aquilo), etc.
Podemos dizer que o desenvolvimento de Genie foi diferente (em relação a indivíduos
típicos) basicamente em dois aspectos: primeiro, em relação à habilidade semântica (a
aquisição de vocabulário foi rápida e extensiva) e, segundo, a disparidade entre a sua sintaxe
comprometida e a semântica relativamente intacta. Embora estejam diretamente relacionadas
e uma esteja a serviço da outra, sintaxe e semântica são processadas em momentos distintos.
Nesta perspectiva, o conceito de modularidade se sustenta. Tal conceito de
modularidade propõe a existência de aparatos cognitivos (módulos) dedicados a tarefas
específicas e independentes. Assim, no âmbito da mente, o módulo gramatical não seria
encarado como fenômeno de processos cognitivos mais gerais.
Diante disso, acredita-se que há um dispositivo que aciona, de forma autônoma, a
construção das sentenças, que seria o sistema computacional. Consequentemente, tem-se a
hipótese de que há uma modularidade linguística. Existiria, mentalmente, um módulo que se
dedicaria à sintaxe. Sentenças como “Aluno com escreveu caneta na” não seriam ditas, por
outro lado, poderia ser construída a sentença: “O rinoceronte voador usa óculos de chiclete”.
Isso nos permite chegar ao raciocínio de que a construção das estruturas é anterior à sua
compreensão. É possível construir sentenças sem valor semântico, mas não é possível
construir estruturas sem valor sintático. Esses são argumentos que podem ser usados para
sustentar as hipóteses de uma modularidade mental e de que a sintaxe age de forma autônoma.
Um ser humano tido como cognitivamente completo não constrói, espontaneamente,
uma sentença de estrutura incompreensível. Desse modo, a gramática e a sintaxe (em uma
perspectiva natural) são modelos de design perfeitos. Acredita-se que exista um dispositivo
que, autonomamente, aciona a emersão da sintaxe em cada indivíduo. Nesta perspectiva, todo
sistema seria fechado e recursivo, a Faculdade de Linguagem não permitiria
formulações/processamentos aleatórios, daí a razão de aprendermos uma língua em curtíssimo
espaço de tempo.
Por conseguinte, a proposta é que a gramática é regida pelos princípios da
universalidade, ou seja, ela é comum a todos os falantes, independentemente do idioma
falado. Ela pode ser entendida como uma propriedade inata e que, a partir dela, com seus
dispositivos universais, cada um desenvolveria uma língua natural. Para explicar a diferença
26

entra as estruturas das línguas, desde fins da década de 70 e início da década de 80, foi
concebida a teoria dos Princípios e Parâmetros.
Os Princípios seriam as propriedades universais das línguas naturais, ou seja, aspectos
gramaticais inerentes a todas as línguas do mundo. Por outro lado, os Parâmetros podem ser
concebidos como as possibilidades de variação entre as línguas, isto é, as possibilidades de
diferenças sintáticas entre as línguas naturais. A hipótese é que, ao adquirir a linguagem, a
criança partiria de um estado inicial e, com a ajuda de estímulos ao seu redor, referentes a
uma determinada língua natural, ela dominaria, de fato, a gramática da sua língua. Nesse
horizonte, os princípios se referem a esse estágio inicial pertencente à GU. Eles seriam como
dados iniciais mentais presentes em todos os indivíduos, independentemente de sua língua
natural e seriam dados gerais e invariáveis. A partir de tais princípios, os indivíduos fixariam
parâmetros particulares de cada língua. A ideia é que os princípios sejam gerais, enquanto os
parâmetros sejam particulares.
Um exemplo para a diferenciação entre Princípios e Parâmetros seria a questão do
sujeito. A existência de sujeito em todas as orações é um princípio, quer dizer, todas as
línguas apresentam sujeitos nas orações, porém, há línguas em que o sujeito deve ser
foneticamente presente e, em outras, ele pode ser foneticamente nulo, isso seria um
parâmetro, conhecido como Parâmetro do Sujeito Nulo (PSN).
Abaixo apresentaremos um exemplo concreto entre o italiano e o inglês no qual o
primeiro aceita sujeito nulo e o segundo, não. Os exemplos foram retirados de Radford (2004,
p.17):

Falante do italiano:
(a) Maria parla francese (b) Parla francese
(Maria fala francês) (Fala francês)

Falante do inglês:
(c) Maria speaks French (d) *7Speaks French
(Maria fala francês) (Fala francês – mas não marca se é 1ª, 2ª ou
3ª pessoa)

A posição do núcleo e do complemento nas frases também é um exemplo de


parâmetros. No inglês, os núcleos normalmente precedem seus complementos; entretanto, em
línguas como o coreano, isso não ocorre. Veja mais alguns exemplos retirados de Radford
(2004, p.17):
7
O asterisco representa a agramaticalidade de uma sentença, ou seja, ela não é uma sentença estruturalmente
produzida em uma determinada língua.
27

Falante do inglês:
(a) Close the door (b) desire for change
(Feche a porta) (desejo de mudança)

Falante do coreano:
(c) Muneul dadara (d) byunhwa-edaehan galmang
(A porta feche) (mudança de desejo)

É pela proposta dos Princípios e Parâmetros que a postulação da GU se consolida, pois


eles evidenciam que, em todas as línguas do mundo, existem diferenças, mas também
mostram que, em todas elas, encontramos interseções subjacentes nas estruturas sintáticas.
Outra preocupação que os estudos em Gerativa têm é a de entender como a língua é
adquirida. Nesta perspectiva, pesquisadores gerativistas passaram a questionar se a aquisição
da linguagem poderia ocorrer através de evidências positivas e negativas. As evidências
negativas seriam diretas e indiretas: estas se dariam na ocorrência de certos tipos de sentenças
impossíveis na língua, enquanto aquelas nas manifestações correções de erros infantis, por
parte de adultos. As evidências positivas, por sua vez, tratariam da aprendizagem de maneira
empírica, a vivência capacitaria a criança a fixar parâmetros, isto é, à medida que ouvisse as
sentenças, a criança fixaria parâmetros específicos daquela língua.
No entanto, esses pesquisadores perceberam que as crianças não adquirem a
linguagem a partir de evidência negativa direta, pois as correções não ocorreriam com a
mesma regularidade que as experiências da evidência positiva. Além disso, as crianças
continuariam a cometer erros, mesmo sendo corrigidas por pais ou por outros adultos. A
evidência negativa indireta também foi excluída, uma vez que “a criança não consegue fixar
o parâmetro apropriado à sua língua, ouvindo estruturas que não existem nessa língua”
(HERMONT & LIMA, 2010, p.35). Assim, chega-se à conclusão de que a criança adquire
uma língua por ser dotada da GU e a partir de evidências linguísticas positivas.
Uma vez que compreendemos a linguagem como universal e entendemos que, na
língua, primeiramente, se forma a estrutura para, depois, se formularem as sentenças, parece
coerente pensar que os mecanismos responsáveis pelos movimentos que ocorrem na sentença
para configuração estrutural seriam imprescindíveis na fase de aquisição de linguagem. As
categorias funcionais que, em princípio, parecem portar noções gramaticais poderiam ser
enquadradas como um desses mecanismos que desencadeiam e aceleram o processo de
aquisição de linguagem da forma rápida como se dá. É sobre a importância das categorias
funcionais e a derivação de uma sentença que a próxima seção tratará.
28

2.1.1 A derivação de uma sentença

Nesta seção, trataremos das categorias lexicais e categorias funcionais e, além disso,
tentaremos explicar como funciona a modelo de derivação de uma sentença, tal como
proposto pelos pesquisadores da Teoria Gerativa. Esses assuntos são peça-chave para o
desenvolvimento deste trabalho, uma vez que temos a hipótese de que nosso objeto de estudo,
as categorias tempo e aspecto, constituem duas categorias funcionais e que, por essa razão,
devem ser consideradas elementos constituintes da estrutura de uma sentença.
Em um estudo como o nosso, em que se propõe a entender a natureza da Faculdade da
Linguagem, a unidade básica de análise é a sentença, que pode ser tida como a consequência
da interação entre as categorias lexicais e as categorias funcionais. As categorias lexicais são
o resultado da projeção de núcleos lexicais, tais como os verbos e os nomes. As categorias
funcionais, por outro lado, dizem respeito ao resultado da projeção de núcleos funcionais.
As categorias funcionais servem, primeiramente, para carregar informação sobre a
função gramatical de tipos particulares de expressões dentro de uma sentença. Elas estão
relacionadas, por exemplo, à desinência, ao número, ao modo e à pessoa. As categorias
funcionais são consideradas uma classe fechada, uma vez que as palavras correspondentes a
elas são finitas. Determinantes e complementizadores são tidos como as principais categorias
funcionais.
A categoria de determinantes diz respeito à especificação da expressão substantiva,
por exemplo, em uma expressão como “a menina”, o “a” é o elemento determinante e age
como um especificador para o substantivo “menina”, pois carrega a noção de gênero
(feminino) e número (singular). Se isolarmos o “a”, ele não fará o menor sentido, sua natureza
é prioritariamente gramatical.
A categoria de complementizadores tem, basicamente, três funções: a) estabelece que
as sentenças por ela introduzidas sejam orações encaixadas, por exemplo: “O Rodrigo disse
que a Letícia passou no vestibular de medicina”; b) indica se a oração por ela introduzida é
finita ou infinita, por exemplo: “Letícia disse que gosta de medicina” (em que “gosta” está
flexionado no presente, na terceira pessoa do singular) ou “Eu disse para Letícia fazer a
prova” (em que “fazer” não está flexionado); c) expressa a força da sentença que introduzem,
isto é, se é interrogativa ou assertiva, etc. São exemplos: “Você sabe se a fila é aqui mesmo?”
e “Eu sei que você vai conseguir”.
Na proposição da sintaxe gerativa, as categorias funcionais, assim como as categorias
lexicais, cumprem a função de núcleo. Podemos dizer que são os traços das categorias
29

funcionais que possibilitam a derivação de uma sentença, ou seja, a sintaxe é motivada pela
manifestação dos traços das categorias funcionais.
Esses traços são formais e trazem informações para serem usadas no sistema
computacional, ou seja, estabelecem relações que os itens lexicais devem ter entre si no
interior de uma sentença.
O item lexical “jogar”, como na frase, “João joga a bola”, traz traços formais como: é
verbo, localiza-se no núcleo do sintagma verbal, apresenta dois argumentos, um para quem
joga e outro para o que é jogado e é um item que precisa receber marcas de tempo, modo,
aspecto, número e pessoa. E assim como “jogar” precisa receber traços formais, fonológicos e
semânticos, todos os itens do léxico também deverão receber esses traços.
Um traço formal muito importante na elaboração de sentenças é o traço categorial. É
ele que define a posição do item na sentença. No caso de “jogar”, o traço categorial levará a
informação para o sistema computacional de que esse item deve ocupar uma posição de
núcleo do predicado da oração e não de sujeito ou de objeto. No caso de uma palavra como
“bola”, por exemplo, a situação é diferente, o item receberá a informação que ele faz parte de
uma categoria de nome e não de verbo.
É possível dizer que, a partir dos traços formais vindos do léxico, é que os itens sofrem
diferentes operações na sintaxe, ou seja, o sistema computacional é regulado a partir dos
traços lexicais. Consequentemente, a diferença entre as línguas tem relação com o léxico, o
que nos faz acreditar que os diversos parâmetros que diferem as línguas também têm relação
direta com o léxico.
As sentenças são formadas por uma série de operações merge e move e podem ser
representadas através de um diagrama em forma de árvore. Nesta formação de estruturas, têm-
se os sintagmas que são agrupamentos de palavras e que apresentam um núcleo. Para fins
didáticos, vamos admitir que nas árvores existam três8 posições para cada sintagma: projeção
máxima, projeção intermediária e projeção mínima. Esses três diferentes níveis de projeção
denotam classificações a respeito de sintagmas e palavras nas sentenças. Uma projeção
máxima é um sintagma, uma projeção intermediária é constituída pelo núcleo e pelo
complemento. A projeção mínima seria, por exemplo, o núcleo verbal ou nominal, ou seja,
um dos extremos da classificação do sintagma. Observe, agora, o exemplo de um sintagma
(um SN):

8
No Programa Minimalista, não se adotam mais as posições intermediárias, mas, como é didático e consagrado
na literatura, para facilitar a compreensão, vamos manter a noção de três projeções, incluindo a intermediária.
30

Figura 5 – Formação de Sintagmas

Fonte: Exemplo elaborado pelo autor

Os sintagmas são representados como “galhos” de uma árvore em uma combinação


binária, chamados, na Teoria Gerativa, de forma arbórea. As árvores são as representações
sintáticas no sistema computacional, quer dizer, representamos, na árvore, o que ocorre dentro
do sistema computacional no momento em que a sentença é produzida.
Os itens lexicais, com seus traços, entrariam, no sistema computacional e lá
ocorreriam operações como merge, em que palavras e expressões se juntam de duas a duas. A
hipótese é que a construção da sentença se dê de forma mais rápida dentro da mente. Além
dessa operação, dentro da sintaxe, ocorreria a operação move (ou movimento), que, como o
próprio nome indica, movimenta os itens na sentença. A operação em que as palavras se
juntam de duas em duas é um dos princípios da língua chamado de Princípio da Binaridade.
As sentenças são formadas por sintagmas. Uma sentença é formada por um sintagma
complementizador (SC), um sintagma flexional (ST), um sintagma do verbo light ou leve
(Sv), um sintagma verbal (SV) e sintagma nominal (SN). Todo sintagma apresenta um
especificador, um núcleo e um complemento. Ele tem que ter um núcleo e a combinação dois
a dois. O esqueleto arbóreo de uma sentença seria assim:
31

Figura 6 – Estrutura Sintagmática

Fonte: Elaborada pelo autor

Em algumas sentenças, serão necessárias operações como move, em que “as palavras”
que já estão na árvore (devido à operação merge) se movimentariam, de baixo para cima. A
sentença “A menina pulou corda” nasceria assim:

Figura 7 – Derivação de uma sentença

Fonte: Exemplo elaborado pelo autor


32

A hipótese é que uma operação denominada Agree faria com que o traço de tempo,
presente no núcleo de ST (sintagma de tempo) valorasse o traço de tempo (ainda ausente) em
V “pul-”. O verbo teria antes recebido os traços do núcleo causativo leve (em v de Sv) e
depois haveria, então, a valoração dos traços de tempo.
Vale dizer que, nessa movimentação, ele deixaria uma cópia. Dessa forma, ao
visualizarmos o processo final, na árvore, é como se alguns sintagmas estivessem vazios, mas,
na verdade, eles estariam preenchidos com cópias. Após a operação move9, a sentença anterior
ficaria assim:

Figura 8 – Árvore Sintagmática

SC10

C’
Esp
ST
Ø

T’

A menina
Sv
pulou

v’

A menina
SV
v
V’
Esp

pula corda

Fonte: Exemplo elaborado pelo autor

9
Nos últimos tempos, a noção move (movimento) foi substituída pela noção de attract (atração) e logo em seguida,
pela noção de agree, que pressupõe a transmissão de traços por parte da categoria que tem traços valorados a uma
categoria que ainda não tem os traços correspondentes valorados.
10
Toda árvore também possui o Sintagma Complementizador (SC). Tal sintagma mostra a força de uma sentença.
Nele há a informação se a sentença será exclamativa, interrogativa ou afirmativa. No entanto, por vezes, como
acontece com orações declarativas principais, o SC não será ocupado por elementos foneticamente explícitos, a não ser
que haja elementos (que, se, para) que indiquem que a oração é subordinada.
33

O verbo principal de uma sentença, por exemplo, “nasceria” no núcleo SV, mas ele
“subiria” na árvore para encontrar os traços de tempo, de número e pessoa. Já o sujeito da
oração “nasceria” no especificador de Sv, e, no especificador de ST, haveria um traço,
chamado de traço de EPP11, que atrairia o sujeito.
Após cada movimentação feita, não há possibilidade de voltar e se refazer nada, por
isso se diz que o sistema é perfeito e não erra. A cada operação finalizada na sintaxe, a
sentença é enviada para receber sua forma fonológica e sua forma lógica. Após ter passado
pela sintaxe, a sentença não volta, precisa obrigatoriamente ser enviada ao Spell-out e passar
pela divisão das formas fonológica e lógica.
Diante do que foi exposto, fica claro que o pressuposto da Gramática Gerativa é de
que se trata de uma teoria explicativa e não apenas descritiva. Estudar as línguas naturais diz
respeito à pesquisa da competência a partir do desempenho. Mostramos até aqui que a Teoria
Gerativa nasceu da necessidade de uma postulação científica a respeito das nossas
capacidades de linguagem. Ao longo do texto, tentamos explicar como surge a Teoria
Gerativa e como ela concebe os conceitos de faculdade da linguagem, competência e
desempenho, GU, inatismo, Princípios e Parâmetros, Programa Minimalista, categorias
lexicais e funcionais, traços, formação de sentenças e construção dos sistemas arbóreos.
No próximo capítulo, faremos um aprofundamento das noções das categorias tempo e
aspecto.

11
EPP: Extended Projection Principle (Princípio da Projeção Estendida). Foi um princípio definido para que
certos núcleos tenham um especificador, ou seja, uma exigência para que as sentenças tenham um sujeito.
34

3 TEMPO E ASPECTO

Pretendemos, com este capítulo, apresentar as principais noções de tempo e de aspecto


para, em seguida, demonstrar como tais categorias são vislumbradas no arcabouço da Teoria
Gerativa.
As discussões mais simples acerca do fenômeno tempo nos levam aos debates sobre
verbo entre pensadores gregos. É da tradição greco-romana que herdamos postulados que se
refletem na nossa atual compreensão e categorização do fenômeno tempo relacionado ao
verbo.
Segundo Lyons (1977), Platão definia verbo como a palavra que denota ação e os
povos estoicos compreendiam tempo como três momentos distintos: passado, presente e
futuro. Para o autor, essa é uma visão herdada integralmente pela tradição gramatical do
ocidente, amplamente difundida e considerada fundamental para o entendimento acerca da
maneira como o homem concebe o tempo. Ainda de acordo com Lyons (op. cit.), o gramático
romano Varrão estabeleceu a distinção entre processo concluído (perfectum) e processo não
concluído (infectum), demonstrando o entendimento de que esse fenômeno é ainda mais
complexo do que os gregos afirmavam.
Na linguística dos séculos XX e XXI, as percepções que o homem tem da existência e
do transcorrer do tempo expressam-se através de, basicamente, duas facetas distintas, porém
relacionadas. São elas: o tempo e o aspecto verbais (VENDLER, 1967; COMRIE, 1976;
LYONS, 1977).
Comrie (1976) propõe que tempo e aspecto sejam categorias distintas, com conceitos
diferentes. Tempo, segundo o autor, é uma categoria dêitica12, ou seja, relaciona um
determinado fato a um ponto no tempo. Toda vez que nos referimos a um acontecimento
anterior, concomitante ou posterior ao momento da fala, estamos nos referindo a essa faceta
dêitica através do uso dos tempos verbais, ocasionalmente em associação com alguns
advérbios (ex.: agora, ontem, hoje, amanhã). Segundo Comrie (1976, p. 9), o tempo verbal é a
“expressão gramaticalizada da localização no tempo” em relação a um contexto criado e
sustentado no próprio ato falante, sendo, pois, externo à situação propriamente dita.

12
De acordo com o dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, a palavra dêixis quer dizer: característica da
linguagem humana que consiste em fazer um enunciado, referir-se a uma situação definida, real ou imaginária,
que pode ser: a) quanto aos participantes do ato de enunciação (1ª pessoa – o que fala; 2ª pessoa – aquele a quem
se dirige a fala; 3ª pessoa – todo assunto da comunicação, que não sejam a 1ª e 2ª pessoas); b) quanto ao
momento da enunciação (díxis temporal); c) quanto ao lugar onde ocorre a ação, estado ou processo (díxis
espacial).
35

O aspecto, por sua vez, ainda de acordo com Comrie (1976, p. 3), “são diferentes
maneiras de ver a constituição interna de uma situação”. Ao contrário do tempo verbal, o
aspecto tem, como foco, a situação descrita, independentemente de sua relação com o
momento da fala. Trata-se uma categoria não dêitica, isto é, não estabelece o tempo da fala. O
aspecto aponta a constituição temporal interna da situação descrita. O autor afirma que a
noção expressa pelo aspecto é algo conceitual, que vai além de uma simples expressão
linguística. Parece-nos pertinente relacionar a ideia de tempo com a noção aspectual de
completude/incompletude. Varrão, conforme já referido, cunhou os termos perfectum e
infectum, posteriormente traduzidos como “perfeito” e “imperfeito”.
Embora as categorias tempo e aspecto tenham sido alvo de interesse de filósofos e
estudiosos da linguagem há centenas de anos, somente nos últimos tempos (meados do século
XX em diante), esse interesse sistematizou-se, passando a integrar os postulados de diferentes
teorias linguísticas.
O objetivo deste capítulo é o de expor as noções de tempo e aspecto a fim de deixar
clara a distinção entre as duas categorias. Assim, o objetivo é proporcionar uma visão
panorâmica que compreenda o processo de aquisição de tempo e aspecto e, mais
especificamente, temos como meta delimitar o objeto com o qual lidaremos em nossa
pesquisa: o tempo e o aspecto flexionais.

3.1 Tempo

Tomamos como base teórica o conceito de tempo verbal encontrado em Comrie


(1976), em que se sugere que a expressão gramatical da localização temporal está relacionada
a um momento que se refere a outro tempo de fala. Isto é, o tempo verbal só existe se
contrastado a três momentos de fala distintos: passado, presente e futuro.
Esses três tempos verbais descrevem o momento anterior, o simultâneo e o posterior,
respectivamente. Comrie (1985) propôs o seguinte diagrama a fim de analisar as expressões
sobre o tempo:

Figura 9 – Representação do tempo

Passado 0 Futuro
Fonte: COMRIE (1985, p.2)
36

O marco zero representa o agora, ou seja, o momento presente. A partir deste marco,
tudo que vier à sua esquerda indica que seu início ocorreu no passado, sendo que seu ponto de
culminação pode ser: a) anterior ao presente, exemplo: “O menino jogou a bola”, evento com
ponto de culminância é anterior ao marco zero, b) no momento da enunciação (ponto zero),
exemplo: “Ela está chorando”, evento é concomitante ao momento da enunciação ou c)
manter-se contínuo extrapolando o momento presente, exemplo: “Ela continuará vendendo
doces”, evento contínuo, permanente.
Reforçando as ideias de Comrie, trazemos Travaglia (2006) que diz o seguinte:

A categoria tempo situa o momento de ocorrência da situação a que nos referimos


em relação ao momento da fala como anterior (passado), simultâneo (presente) e
posterior (futuro) a esse momento. É uma categoria dêitica, uma vez que indica o
momento da situação relativamente à situação de enunciação. Aqui temos uma
datação (grifos do autor); (TRAVAGLIA, 2006, p. 39)

De acordo com Corôa (2005), podemos dividir tempo de três maneiras: o tempo
absoluto, o relacional e o relativo. O tempo absoluto é aquele baseado nas definições de
Newton, cuja ideia defendida foi a de que o tempo existe por ele mesmo, isto é, independe de
eventos, corre linearmente em direção ao futuro. O tempo relacional está ligado às
postulações de filósofos gregos, que propunham a existência do tempo condicionada aos
eventos, dessa forma, o tempo é subsequente ao evento, só existe se existir o evento. A última
divisão, tempo relativo, parte do pressuposto que se pode dar um valor de verdade a partir de
uma referência. Dessas definições, a última é a que parece explicar melhor a noção de tempos
verbais, já que relações e designações temporais são relativas. No entanto, é importante frisar
que a relatividade não é absoluta, pois diz respeito a um sistema de referências e não trata de
observadores individuais arbitrários.
O tempo relativo pode ser entendido também como tempo gramatical, tem a ver com
os recursos que a língua utiliza para situar pretérito, presente e futuro. Geralmente, a classe
gramatical que mais e melhor desempenha essa função são os verbos. No inglês, talvez essa
distinção fique mais clara, já que são designadas duas palavras para distinguir a compreensão
do tempo semântico do tempo gramatical, são elas: time e tense, no entanto, não temos essa
distinção em português.
Embora representem conceitos distintos, as noções de tempo semântico e tempo
gramatical estão em interseção. Para esclarecer essa noção, Reichenbach (1947) define os
momentos para a diferenciação dos tempos verbais de uma língua: o Momento do Evento
(ME), que é o momento da ocorrência do processo ou da ação; o Momento da Fala (MF), que
37

é o momento da enunciação; e o Momento de Referência (MR), que é a situação fixa sobre a


qual se definem a simultaneidade e anterioridade. Diante das colocações de Reichenbach,
Corôa (2005) propõe um esquema com os tempos verbais:

Quadro 1 – Representação dos tempos verbais


TEMPO ORGANIZAÇÃO DOS MOMENTOS
Presente ME, MF e MR são simultâneos.
Exemplo: Eu digo com convicção: amo você!
Descrição: Quando ocorre a fala (MF), o evento acontece no momento da
referência.
Pretérito mais-que-perfeito ME é anterior ao MR que é anterior ao MF
Exemplo: Chegaram atrasados, a aula já havia começado.
Descrição: Quando ocorre a fala (MF), o evento (ME) em que aula já havia
começado é anterior ao (MR) de chegar à aula.
Pretérito imperfeito ME é simultâneo ao MR e são anteriores ao MF
Exemplo: Eu chorava enquanto ela ria.
Descrição: Quando ocorre a fala (MF), o evento e a referência já haviam
acontecido simultaneamente em algum momento pretérito.
Pretérito perfeito ME é anterior ao MF que é simultâneo ao MR
Exemplo: Ela deu um grito de susto quando eu cheguei.
Descrição: A fala (MF) e a referência (MR) são simultâneas e ocorre depois do
evento (ME) de chegar.
Futuro do presente MF é simultâneo ao MR que são anteriores ao ME
Exemplo: Eu digo que um dia serei rico.
Descrição: A fala (MF) e a referência “dizer” (MR) estão no passado com relação
ao momento do evento que ainda acontecerá (ficar rico).
Futuro do pretérito MR é anterior ao MF que é anterior ao ME
Exemplo: Minha irmã disse que se eu fosse rico, seria insuportável.
Descrição: A referência (MR) é anterior à fala (MF) que é anterior ao evento (ME)
de “ficar rico”.
Fonte: CORÔA (2005. p.11-12)

Existem sociedades que fazem contagem de tempo de maneira mais diferenciada.


Sabemos, por exemplo, que tribos indígenas fazem a marcação de tempo por ciclos ou
elementos naturais, como a lua, mas, mesmo assim, elas marcam o tempo a partir de um
ponto, como o da figura 9. Dessa forma, ao propor essa representação diagramática do
38

conceito de tempo, Comrie (1985) pretende contemplar tempo em qualquer língua, não se
sustentando em conceitos de culturas específicas.
Ainda segundo Comrie (op. cit.), as expressões de tempo podem ser divididas em
compostos lexicais, itens lexicais e categorias gramaticais. Os compostos lexicais, em
qualquer língua, permitem a contagem infinita de tempo (exemplo: cinco minutos, mil
minutos, 1 milhão de minutos), os itens lexicais são mais específicos, situam um ponto
específico no tempo a partir do marco zero (exemplo: ontem, hoje, amanhã) e as categorias
gramaticais são as mais completas e mais complexas, pois é delas que nasce a estrutura
gramatical de uma língua natural (exemplo: morfemas de todos os tempos verbais que são
agregados ao radical verbal).
Antes, contudo, de iniciarmos a seção que trata do aspecto verbal, é importante
salientar que, além das propostas de Comrie (1976 e 1985), este trabalho assume,
preferencialmente, uma das definições de tempo posposta por Travaglia (2006). De acordo
com o autor, tempo pode ser dividido de três maneiras:

Tempo 1: categoria verbal (corresponde às épocas passado, presente e futuro) (...)


Tempo 2: flexão temporal. Estaremos nos referindo então aos agrupamentos de
flexões da conjugação verbal: presente do indicativo, pretérito imperfeito do
indicativo, futuro do presente, futuro do subjuntivo, etc. Falaremos então em tempos
flexionais (grifo do autor); Tempo 3: a ideia geral e abstrata de tempo sem
consideração de sua indicação pelo verbo ou qualquer outro elemento da frase (...)
(TRAVAGLIA, 2006, p. 38)

Nossa escolha diz respeito à definição do Tempo 2, ou seja, está ligada à flexão verbal.
Isso porque, diante do corpus analisado, pode-se se fazer um bom trabalho descritivo, que
pode levar às novas ideias sobre a derivação de sentenças em nossa gramática mental.

3.2 Aspecto

Se por um lado tempo verbal diz respeito à constituição temporal externa, por outro
lado, a noção de aspecto pode ser concebida como a constituição temporal interna de uma
situação (Comrie, 1976). Tempo é uma categoria dêitica, ou seja, compara o tempo da
situação a algum outro momento. Já o aspecto representa diferentes modos de se enxergar a
constituição temporal interna de uma situação. Dito de outra forma, o aspecto verbal transmite
uma expectativa temporal que tem o foco em uma parte ou no todo de um evento. E é
39

justamente por isso que não é considerada uma categoria dêitica, já que não precisa fazer
referência a qualquer outro ponto no tempo.
Quando falamos em aspecto, estamos fazendo referência à possibilidade de
enunciarmos diferentes momentos a partir do uso de uma mesma forma verbal. De acordo
com Comrie (op. cit.), o conceito de aspecto pode ser dado como distintas formas de se
perceber internamente a constituição temporal de uma situação.
A ideia é a de que, primeiramente e independentemente da relação com o momento da
fala, toda situação possui uma constituição própria no que se refere ao tempo. É nesse sentido
que se podem identificar diferenças, por exemplo, entre conhecer (um estado) e estudar (um
processo). Além disso, para uma mesma situação (estado ou processo), o falante pode assumir
um ponto de vista determinado, resultando em uma expressão de incompletude,
progressividade, repetição, habitualidade, momentaneidade, e/ou outras noções não dêiticas
de temporalidade.
A categoria aspecto é bastante complexa. Pesquisadores desse fenômeno costumam
divergir bastante no que tange às classificações das noções desta categoria. Podemos dizer
que, basicamente, existem duas divisões: aspecto lexical (ou semântico) e aspecto gramatical.
O aspecto lexical é inerente aos núcleos verbais e adjuntos. Dessa forma, os possíveis
sentidos atribuídos às raízes verbais seriam responsáveis pela realização do aspecto lexical.
Muitos autores denominam aspecto lexical como AKTIONSART, termo alemão que
pode ser traduzido como “modo de ser da ação”. Outros autores, no entanto, defendem a
distinção entre aspecto lexical e AKTIONSART. Podemos entender o aspecto em termos de
oposição perfectividade/imperfectividade, enquanto que AKTIONSART é uma categoria mais
abrangente, consistindo de um conjunto de oposições (inter)relacionadas representando
contrastes de “tipos de situações” expressas pelo verbo (+/- pontual, +/- télico, +/- durativo,
etc. Veremos o detalhamento das situações a seguir). Sendo assim, AKTIONSART seria a
qualidade lexical objetiva concernente ao verbo em si, enquanto o aspecto marcaria o ponto
de vista subjetivo do falante, portanto, externo à própria situação.
Nesta pesquisa, optamos por não adotar a distinção entre aspecto lexical e
AKTIONSART. Isso porque adotamos as noções de perfectividade e imperfectividade aliadas
a um conjunto de distinções morfológicas que caracterizariam a circunstância descrita pelo
verbo como acabada ou em curso.
Antes, entretanto, de abordarmos sobre a perfectividade/imperfectividade, vejamos a
classificação, que entendemos ser de aspecto lexical, proposta por Vendler (1967).
40

Vendler (op. cit.) propõe a existência de quatro classes e verbos que dizem respeito às
ações desses verbos. Segundo o autor são elas: a) classe dos verbos estativos (states, em
inglês): verbos que dizem respeito a eventos sem final evidente, mas apresentam duração
(exemplo: amar), b) verbos de atividade (activities, em inglês): apresentam final arbitrário só
atingido por meio de interferência externa (exemplo: caminhar), c) verbos accomplishments13:
demonstram duração marcada por fases sucessivas até que o término seja atingido (exemplo:
escrever uma tese) e d) verbos achievements14: levam em consideração apenas desfecho final
da ação atingido de forma instantânea (exemplo: enfartar).
Comrie (1985) propõe que os verbos estão relacionados a três traços distintivos:

1. Estativo/ dinâmico: os traços estativos descrevem involuntariamente situações que não


necessitam de energia para continuar (exemplo: conhecer), opostamente, os dinâmicos
carecem de um empreendimento constante de energia (exemplo: correr);

2. Télico/ atélico: traços télicos implicam uma situação que apresenta um final inerente
(empurrar); já os atélicos sugerem um término arbitrário (caminhar);

3. Pontual/ durativo: traços pontuais sugerem uma ação com ponto final mais instantâneo
(exemplo: cair); diferentemente, os durativos referem-se a situações em que a duração
é indeterminada (exemplo: sonhar).

Diante das abordagens de classificação das ações de Vendler (op. cit.) e dos traços
distintivos retirados de Comrie (1976), podemos sintetizar o seguinte:

Quadro 2 – Traços distintivos para os Tipos Verbais


VERBOS Dinâmico Estativo Télico Atélico Durativo Pontual
Estativos - + - + + -
De atividades + - - + + -
Achievements + - + - - +
Accomplishments + - + - + -
Fonte: Elaborado pelo autor com base em Vendler (1967) e Comrie (1976)

13
Não encontramos tradução ou termo adotado para o português.
14
Não encontramos tradução ou termo adotado para o português.
41

O quadro anterior estabelece que os verbos estativos nunca são dinâmicos, télicos ou
pontuais, mas são, consequentemente, estativos, atélicos e durativos. Os verbos de atividade
não são estativos, télicos ou pontuais, são sempre dinâmicos, atélicos e durativos. Os
achivements não são estativos, atélicos ou durativos, são sempre dinâmicos, télicos e pontuais.
Os accomplishments não são estativos, atélicos ou pontuais, são sempre dinâmicos, télicos e
durativos.
É importante ressaltar que a classificação semântica dos verbos está diretamente ligada
ao complemento verbal. Vendler (1967) explica que as quatro classes de verbos baseadas no
desempenho de atividades representam tanto o desenvolvimento do evento quanto o tempo
verbal e suas relações com modificadores temporais. Sendo assim, a sugestão desse autor é a
de que a classificação da ação é referente a todo o sintagma verbal, ou seja, ao verbo e seus
argumentos e não unicamente ao verbo. Dito de outra forma, embora a característica aspectual
seja inerente aos verbos, ela não é exclusiva a eles e, nesse sentido, muitas vezes é preciso
atentar-se ao sintagma verbal.
Podemos perceber que diferentes situações apresentam distintas características
semânticas no que diz respeito à completude, à duração interna e à dinamicidade. Por isso,
podemos dizer que, quando uma situação apresenta completude, ela pode ser tida como télica,
enquanto as situações não completadas seriam atélicas.
A palavra telicidade vem do grego - télos - que indica fim. A distinção entre telicidade
e atelicidade está no fato de eventos télicos possuírem um ponto final inerente, consistindo em
um objetivo ou um resultado, enquanto que eventos atélicos não possuem esse ponto final
inerente. Podemos afirmar, então, que accomplishments e achievements são télicos, ao passo
que estados e atividades têm características atélicas.
Retomando a noção do aspecto gramatical, Comrie (1976) afirma que essa categoria
trata da constituição interna de uma dada situação. O aspecto gramatical carrega a noção do
evento envolvendo distinções semânticas que podem ser interpretadas através de verbos
auxiliares ou morfemas flexionais e pode ser separado em perfectivo e imperfectivo.
O aspecto perfectivo, comum no pretérito perfeito no português, apresenta um ponto
de vista completo à situação, sem necessariamente distinguir qualquer estrutura interna. Pela
perfectividade, podemos lançar um olhar externo à situação, isto é, podemos enxergá-la por
inteiro. O aspecto imperfectivo, por sua vez, observado no pretérito imperfeito no português,
mostra ponto de vista interno, mantendo atenção em uma das fases.
42

Quadro 3 – Aspectos: perfectivo e imperfectivo

ASPECTO PERFECTIVO ASPECTO IMPERFECTIVO


A menina estudou para a prova. A menina está estudando para prova.
O menino comeu o doce. O menino come o doce.

O professor deu a aula. O professor estava dando aula.

Fonte: Elaborado pelo autor

Nos exemplos acima, podemos notar que, na primeira coluna, a situação apresentada
ilustra início, meio e fim, sem apontar nenhuma questão interna, entretanto, na segunda
coluna, percebemos a existência de fases e que o evento ainda está por terminar. Quando um
evento é visto por completo e apresenta fim, temos o aspecto perfectivo, quando apresenta
apenas fases é dada a imperfectividade.
É importante deixar claro que, na forma perfectiva, não quer dizer que a situação dada
não apresenta fases internas. Ao contrário, ela apresenta desenvolvimento como qualquer
outra atividade. É como se todas as fases fossem vistas em sua completude.
Do modo geral, podemos concluir que o aspecto lexical e aspecto gramatical são
diferentes, mas não estão dissociados, antes se completam.
Nossa pesquisa tem o objetivo maior de mostrar a dissociação entre tempo e aspecto,
mas também diz respeito à distinção de aspecto lexical e gramatical. Buscamos descrever em
que medida as noções aspectuais influenciam ou não nas marcações gramaticais perfectivas e
imperfectivas.
Apresentamos, a seguir, as noções de modo, tempo e aspecto gramaticais que constam
nos exemplos anteriores. Optamos por dividir os exemplos em dois quadros, o primeiro trata
das sentenças que não apresentam perífrases verbais e o segundo diz respeito aos exemplos
que trazem tais perífrases.
43

Quadro 4 – Marcação temporal sem perífrase verbal

Exemplo Radical + Desinência de Desinência de Desinência de Desinência de


Vogal Modo Tempo Aspecto Número e
Temática Gramatical Pessoa

estud + Ø Indicativo Pretérito Perfectivo 3ª pessoa


A menina -Ø- -Ø- -Ø- singular
estudou para a (neste caso, a -u
prova. vogal temática
ocorre sob
forma de Ø)
O menino Indicativo Pretérito Perfectivo 3ª pessoa
comeu o doce. com + e -Ø- -Ø- -Ø- singular
-u
O professor deu Indicativo Pretérito Perfectivo 3ª pessoa
a aula. d+e -Ø- -Ø- -Ø- singular
-u
O menino come Indicativo Presente Imperfectivo 3ª pessoa
o doce. com + e -Ø- -Ø- -Ø- singular

Fonte: Elaborado pelo autor

Podemos ver no quadro acima que a desinência de tempo pretérito perfeito do


indicativo e presente do indicativo corresponde a um morfema –Ø- e estão as três noções –
modo, tempo e aspecto - noções sintetizadas em tal morfema.

Quadro 5 – Marcação temporal com perífrase verbal

Exemplo Onde está a noção de modo Onde está a noção Onde está a noção
da perífrase? de tempo da de aspecto da
perífrase? perífrase?

A menina está estudando em está em está em estudando


para a prova. Modo Indicativo Tempo Presente Aspecto
Imperfectivo

O professor estava dando Em estava Em estava em dando


aula. Modo Indicativo Tempo pretérito Aspecto
Imperfectivo

Fonte: Elaborado pelo autor

A partir da leitura deste último quadro, podemos assinalar que o morfema de modo e
de tempo da perífrase verbal coincidem e, apesar de sabermos que o verbo auxiliar (nos dois
exemplos, concretizados como “está” e “estava”) também tem aspecto, vamos adotar a
postura de que, em estrutura composta, o aspecto gramatical pode ser revelado no verbo
principal. Portanto, nos dois casos apresentados, há um aspecto gramatical dissociado das
44

noções de tempo e modo, ou seja, o aspecto gramatical que garantiria a noção de


imperfectividade estaria no –ndo de “estudando” e “dando”, ao passo que as noções de tempo
(e de modo, que não é o foco do nosso trabalho) estariam no verbo auxiliar. Este raciocínio é
importante para o nosso trabalho, conforme verificaremos no capítulo relacionado à análise
dos dados.

3.3 Tempo e Aspecto: Nódulo de Flexão

A seguir, apresentaremos um esboço histórico de estudos a respeito das categorias


funcionais tempo e concordância, que foram muito discutidas à luz da Teoria Gerativa. O
objetivo é o de demonstrar que a camada flexional já foi considerada única, depois, foi
dividida em vários níveis e, no modelo atual do Programa Minimalista, há a proposta de um
nódulo, abrigando algumas noções. A nossa intenção é demonstrar que há prerrogativas
teóricas que nos acenam para a possibilidade de tempo estar cindido em tempo e aspecto.
Diante das propostas da Teoria Padrão e Teoria Padrão Estendida, Chomsky (1965,
1972) considerava que a estrutura básica de uma sentença seria constituída por um SN e um
SV, que estariam ligados a um nó, denominado S, isto é: S SN SV. Entretanto, para
conseguir explicar a presença de um verbo auxiliar (Aux), Chomsky (op. cit.) propôs o
seguinte: S SN Aux SV, em que a informação de tempo seria marcada no Aux. Além
disso, Aux seria local para abrigar as noções de verbos modais e de negativas.
Podemos citar um exemplo de sentenças com modal em inglês: “John would like to
come”. Podemos fazer o mesmo com a inserção da partícula negativa: “John wouldn’t like to
come”. Entretanto, nem todas as sentenças têm o modal e a negativa, como, por exemplo, em
“John loves Mary”. Uma árvore sintática, naquela ocasião da teoria (proposta como Ouhalla
(1999)), era assim configurada:

Figura 10 – Árvore sintática de Ouhalla

Fonte: OUHALLA (1999, p. 25)


45

Os parênteses, neste diagrama, servem para demonstrar que as noções de “modal” e de


“negativa” poderiam ou não ocorrer. Se ocorressem, estariam neste local. Já a noção de
T(empo) seria garantida: ora era marcada positivamente, obtendo-se uma sentença finita, ou
negativamente, obtendo-se uma sentença não finita. Vale dizer que, propôs-se, nesta ocasião,
que a flexão fosse o núcleo da sentença.
Posteriormente, Emonds (1976) sugeriu que Aux fosse denominado INFL15
(abreviatura de Inflexion, termo em inglês, que significa flexão) e lançou mão, ainda, de uma
marcação binária para esse nó assim como acontece nas categorias lexicais (conforme
mostrado no capítulo 1). Ou seja, em uma sentença − S SN INFL SV −, a marcação
binária de INFL, era caracterizada por + T (em sentenças finitas), - T (em sentenças não
finitas), + AGR (com marca de concordância) e – AGR (sem a marca de concordância).
Assim, S passou a ser considerada a projeção máxima de I, que abrigava toda a
informação flexional do verbo, tal como tempo e concordância de número. Essa informação
ora poderia ser movida em direção ao verbo que estaria abaixo de IP16 na estrutura hierárquica
da árvore sintática, como nas sentenças em língua inglesa17, ora o verbo poderia mover-se em
direção à flexão para incorporar essa informação. Além disso, interpretava-se que o sujeito
ocuparia a posição de especificador de IP. Nesse modelo, a árvore sintática de uma sentença
do tipo “The boys will win the game” seria assim representada:

Figura 11 – Árvore sintática com nódulo de flexão

Fonte: Exemplo elaborado pelo autor

15
Optamos pela utilização do termo INFL, pois se trata de um termo consagrado na literatura gerativista.
Chomsky também abrevia o termo como I.
16
Sintagma de Flexão e, em inglês, Inflexion Phrase.
17
A única exceção é com o verbo to be.
46

A partir da ideia de um nódulo funcional que abrigasse as informações flexionais do


verbo e da proposta de incorporação dessas informações pela subida do verbo para IP em
algumas línguas e descida dos traços de flexão para o verbo em outras línguas, Pollock (1989)
compara dados linguísticos do inglês e do francês e faz uma nova proposta para a
representação da flexão na árvore sintática. Nesse estudo, Pollock (op. cit.) propôs-se a
fornecer uma explicação única que sustentasse a posição dos verbos em relação à partícula de
negação, ao advérbio e ao quantificador nas duas línguas que foram estudadas: francês e
inglês. Ao comparar essas duas línguas, Pollock (op. cit.) partiu do pressuposto de que o
nódulo que abriga a partícula de negação ocuparia a mesma posição estrutural nas orações
finitas e não infinitivas das duas línguas, isto é, entre IP e SV. Da mesma maneira, o autor
assumiu que a posição onde seria gerado o advérbio e o quantificador era a mesma nas duas
línguas. Essas posições podem ser esquematicamente representadas da seguinte maneira:

Figura 12 – Inserção da partícula de negação na árvore sintática

Fonte: Pollock (1989)

Pollock (op. cit.) verificou, em comparação, que todos os verbos finitos do francês
apareceriam à esquerda da negação (pas), enquanto apenas os verbos auxiliares be e have
finitos do inglês aparecem à esquerda da negação (not), por outro lado, os verbos lexicais do
inglês aparecem à direita da negação. Dessa maneira, o autor propôs que os verbos finitos do
francês sofreriam, obrigatoriamente, movimento de um núcleo para outro e que esse
movimento estaria restrito aos verbos auxiliares finitos do inglês. Assim, Pollock (op. cit.)
começa a sugerir uma nova proposta de estrutura da árvore sintática dentro do arcabouço da
Teoria Gerativa. O autor começa a propor a cisão do nódulo flexional na árvore sintática.
Tendo explicitado os resultados a que Pollock chegou no que diz respeito ao
posicionamento de verbos finitos e não finitos em relação à partícula de negação em inglês e
47

em francês, o autor começou a verificar a posição dos verbos em relação a elementos


quantificadores e advérbios.
Os verbos auxiliares be e have não finitos do inglês poderiam aparecer à direita ou à
esquerda do advérbio e/ou quantificador e os verbos lexicais não finitos do inglês sempre
apareceriam à direita desses. Já os verbos não finitos do francês – auxiliares e lexicais –
poderiam aparecer à direita ou à esquerda do advérbio e/ou quantificador.
Assim, os verbos não finitos do francês poderiam sofrer algum tipo de movimento
para a esquerda do advérbio e/ou quantificador. Entretanto, conforme falado, os verbos
lexicais não finitos dessa língua sempre apareceriam à direita da negação (pas), indicando que
eles não sofrem movimento para IP. Relacionando essas observações, Pollock (op. cit.)
propõe, então, que os verbos não finitos possam se mover para uma posição entre a partícula
de negação e a posição ocupada pelo advérbio e/ou quantificador.
Daí em diante, o autor sugere que essa posição intermediária entre NEGP e SV, seja
um nódulo flexional que abriga as informações sobre a concordância verbal – AGRP. A outra
projeção flexional, portanto, abrigaria apenas as informações sobre o tempo verbal e, neste
momento da teoria continuou a ser denomiado IP18. Dessa maneira, a árvore sintática fica
assim representada:

Figura 13 – Inserção da partícula ST e AGRP na árvore sintática

Fonte: Pollock (1989)

18
Hoje denominamos a camada flexional de TP (Tense Phrase ou ST – sintagma de tempo).
48

Pollock (op. cit.) conclui que o francês e o inglês diferenciam-se em termos da riqueza
morfológica da concordância. Como em inglês AGR não é morfologicamente rico, a proposta
foi a de que havia uma “opacidade” à transmissão de papel temático, restringindo o
movimento do verbo aos auxiliares. Já em francês, como AGR é morfologicamente rico,
haveria “transparência” na transmissão de papel temático, possibilitando que todos os verbos
movimentassem, minimamente, para esse nódulo.
As ideias de Pollock (1989) foram incorporadas, em dado momento, ao Programa
Minimalista, mais especificamente ao capítulo dois do livro de Chomsky, The Minimalism
Program, de 1995. Entretanto, neste mesmo livro, no capítulo quatro, o autor, após algum
período de reflexão e tentando dar coerência ao estado da arte da teoria, propõe que
concordância perca o status na árvore sintática. Isto porque as noções de concordância seriam
meramente relacionais e não causariam impacto na interface semântica. De acordo com o
espírito do Programa Minimalista, todas as informações estritamente sintáticas devem ocorrer
somente no sistema computacional e nenhuma dessas informações deve sobreviver para ser
transmitida aos sistemas de interface. Expliquemos com mais detalhes: T(empo) continuaria a
ser um nódulo na arvore sintática porque tem interpretação semântica e é importante para ser
transmitido para interface semântico-conceptual. Uma sentença como “Choveu!” (no passado)
é diferente de “Chove!” (no presente). Já a concordância (verbal) expressa apenas uma
relação com o sujeito. Por exemplo, em “Eles foram ao cinema” e em” Eles foi ao cinema”, a
concordância expressa uma relação sintática com o sujeito, mas não tem impacto na interface
semântico-conceptual.
Se um dia o nódulo flexional foi divido em T(empo) + AGR, hoje podemos pensar em
uma nova cisão da camada flexional em T(empo) e em aspecto, que é a proposta desta
pesquisa. Vários trabalhos dentro do arcabouço da Teoria Gerativa fazem essa proposta. Arad
(1996), apoiada em Borer (1994), propõe que haja uma interface mediada por informações
aspectuais. Nessa perspectiva, a autora propõe que há existência de nódulos aspectuais na
árvore sintática. Além disso, vários trabalhos se dedicam a estudar a linguagem em patologias
da linguagem apontam para esta mesma direção. Hermont (2005) e Arvigo (2011), ao
estudarem a linguagem de crianças com Déficit Específico de Linguagem, apresentam
propostas indicando que na árvore sintática há um nódulo específico de tempo e outro de
aspecto. Há várias pesquisas sob a orientação de Novaes19 na UFRJ que propõe a cisão do

19 Celso Vieira Novaes é, atualmente, professor associado do Departamento de Linguística e Filologia da


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atua na área de linguística, com ênfase em neurolinguística,
49

nódulo Tempo em tempo e aspecto, tais como em: Santos (2009), Rodrigues (2008), Martins
(2007), Braga (2005), dentre outros.
Neste trabalho, estudamos as categorias tempo e aspecto a partir de falas produzidas
durante o período de aquisição de linguagem. Lançamos mão da hipótese de que podemos
notar dissociação entre as duas categorias (tempo e aspecto), tal como propõem os
pesquisadores anteriormente citados. E, além disso, compreendemos que essas são categorias
funcionais da gramática mental.
No próximo capítulo, trataremos de alguns estudos a respeito da aquisição de
linguagem, especialmente sobre pesquisas que se pautaram na aquisição de categorias
funcionais, para, em seguida, falarmos da aquisição de aspecto verbal.

atuando principalmente nos seguintes temas: afasiologia linguística e sintaxe. Possui artigos publicados em
revistas nacionais e internacionais.
50

4 AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM

Antes de iniciarmos nossa discussão sobre a aquisição de linguagem, achamos


importante explicar a expressão ‘adquirir linguagem’. Se a linguagem é inata, como ela pode
ser adquirida? O termo adquirir é utilizado porque se refere ao processo por inteiro, trata-se
do aparato da Faculdade de Linguagem, que permite aos seres humanos aprender e usar a
língua à que estão expostos. Chomsky (1959) diz que a linguagem humana se adquire por
exposição a ela, não por treinamento. Para o autor, é exatamente como se aprende a respirar.
Não é difícil perceber que as crianças em período de aquisição da linguagem têm
muita facilidade em desenvolver a linguagem. Para elas, essa tarefa parece não ser cansativa e
tampouco difícil. Como já destacado no início de nosso trabalho, a criança aprende sua língua
materna de maneira rápida e sem grandes esforços. Grosso modo, as crianças passam de uma
lista de palavras bastante restrita para um vocabulário extenso e organizado por uma
gramática. Esse processo de rápida ampliação dos conhecimentos da criança sobre a língua a
que ela é exposta é, senão, uma evidência de que o ser humano é dotado de um mecanismo
inato capaz de guiar a aquisição da linguagem. Além disso, a hipótese de que algumas
categorias auxiliam na rápida aquisição da língua materna parece ser pertinente, pois, ao que
tudo indica, algumas categorias, denominadas funcionais, é que parecem ser as responsáveis
pela derivação sintática, isto é, são elas que permitem inúmeras estruturas linguísticas que o
indivíduo é capaz de produzir. Ou seja, a criança se vale das categorias funcionais para
produzir o que é permitido naquela língua.
Conforme já delineado no capítulo 1, a configuração das opções específicas de
construção de sentenças nas línguas humanas está ligada ao processo de parametrização. Não
obstante, dentro dos vieses que definem a configuração inicial da parametrização, existem
divergências. Trazemos, a seguir, os dois principais modelos de aquisição paramétrica.
A primeira vertente acredita no processo maturacional, isto é, a hipótese é que as
crianças vão adquirindo as categorias funcionais gradualmente, suas habilidades vão
evoluindo de acordo com seu amadurecimento. A segunda vertente, por outro lado, defende a
ideia continuísta de que a aquisição das categorias funcionais não é necessária, isso porque
elas são inatas, ou seja, estão disponíveis desde o nascimento de cada indivíduo. Vejamos a
seguir as principais propostas dos dois modelos.
51

4.1 A Corrente Maturacional

A corrente maturacional lança mão da hipótese de que existe uma fase pré-sintática na
gramática infantil e de que as categorias funcionais não estão disponíveis neste período, tais
categorias devem ser adquiridas durante o processo de amadurecimento da criança.
De acordo com Hermont (2005, p. 95), para Radford (1990, 1992), existiria, na fala de
indivíduos adultos, projeções lexicais e funcionais, diferentemente da fala das crianças, em
que encontraríamos apenas os núcleos lexicais. Para o autor, os itens funcionais estariam
ausentes. Isto implica afirmar que, para Radford, a criança disporia apenas de sintagmas
verbais, nominais, preposicionais, adjetivais e adverbiais. Somente depois de adquiridas essas
categorias é que a criança passaria a ter as projeções funcionais, como concordância, tempo e
elementos de perguntas-QU. Devido à falta das categorias funcionais, uma criança poderia
produzir, por exemplo, na ausência de complementizadores, uma fala como “mamã tá
fazenu?” no lugar de “o que a mamã tá fazenu?”. Para Radford, as crianças adquiririam todas
as categorias funcionais simultaneamente e o processo seria natural e automático.
Ainda nos valendo de Hermont (2005, p. 95), Guilfoylle e Noonam (1988) defendiam
a corrente maturacional dizendo que as crianças adquiririam as categorias lexicais e que
somente mais tarde apareceriam as categorias funcionais, cuja aquisição aconteceria
obedecendo a uma hierarquia. Para Hermont (op. cit.), as autoras apresentam dois momentos
para a configuração inicial da linguagem de uma criança. Primeiramente, aconteceria a
aquisição do léxico, pois não há muita variação do conjunto de palavras nas línguas naturais.
Segundo, devido a um amadurecimento necessário, surgiriam as categorias funcionais. O
surgimento dessas categorias variaria de acordo com cada língua, obedecendo à ordem
paramétrica. Diante disso, seria possível explicar porque a fala das crianças difere da fala dos
adultos, ou seja, verifica-se, na fala da criança, a ausência das categorias funcionais. Assim,
segundo Hermont (op. cit), as autoras não assumem uma GU infantil que permita produções
impossíveis nas línguas naturais. A ideia é a de que os princípios atuariam no vácuo na
ausência das categorias funcionais. Pode aparecer, por exemplo, sujeito nulo em línguas que
não permitem tal construção.
Radford (1990, 1992) e Guilfoylle e Noonan (op. cit.) em Hermont (2005) sustentam o
mesmo ponto de vista: o de que as categorias funcionais não estão inicialmente disponíveis na
gramática mental das crianças, elas vão surgindo de acordo com a maturidade sintática
durante o período de aquisição da linguagem. Para Radford, as categorias funcionais surgem
52

paralelamente, para as demais autoras existe um processo linear, surge uma categoria e,
depois, outra.
Muitos autores vão contra a corrente maturacional. Isso porque tal proposta apresenta
inconvenientes para sustentação da teoria dos Princípios e Parâmetros, já que esta teoria
postula que todas as categorias (lexicais e funcionais) já estariam disponíveis desde o
nascimento da criança. A vertente que sugere que as crianças já nasceriam com as categorias
funcionais é denominada continuísta.
Por uma questão de coerência com os postulados gerativistas, mais especificamente o
modelo de Princípios e Parâmetros, compreendemos a vertente continuísta como aquela que
está mais bem alinhada a esta pesquisa e, por isso, optamos pelo maior aprofundamento dessa
proposta de explicação do processo de aquisição de linguagem. A seguir, abordaremos os
principais autores e postulados continuístas.

4.2 A Corrente Continuísta

Em contraste com a hipótese maturacional, a hipótese continuísta assume que a


gramática inicial é formada pelas mesmas categorias e princípios de uma gramática adulta. A
hipótese continuísta apresenta duas versões: a forte e a fraca. Na versão forte, argumenta-se
que a gramática inicial contém todas as categorias funcionais, independentemente de os
morfemas associados a elas aparecerem ou não na produção infantil. Desta forma, o
conhecimento sobre as categorias funcionais na gramática infantil corresponde ao da
gramática adulta, pois elas estão disponíveis.
A versão fraca da hipótese continuísta assume que há estados diferentes para a
gramática infantil, mas que não ferem a GU. Segundo seus proponentes, as restrições
encontradas na gramática infantil podem estar relacionadas às dificuldades de processamento,
à falta de memória, por exemplo.
Para este trabalho, elegemos três autores de corrente forte, pois, conforme dito
anteriormente, acreditamos que, na a gramática mental de cada criança, há todas as categorias
funcionais desde o nascimento. Assim sendo, optamos por trabalhar com as propostas de
Kenneth Wexler, Charles Yang, Mark Baker e Thornton e Tesan.
53

4.2.1 A Proposta de Kenneth Wexler

Em seus estudos sobre aquisição de linguagem, Wexler (1996) sugere que, apesar de
as crianças apresentarem categorias funcionais muito precocemente, haveria, ainda sim, a
necessidade de um desenvolvimento genético, ou seja, o autor defende a ideia da maturação
biológica. Desse modo, a hipótese de Wexler (op. cit.) era a de que o surgimento das
categorias funcionais se daria da mesma maneira como acontece a segunda dentição e as
características sexuais das crianças. Isso implica dizer que, mesmo que o desenvolvimento da
criança possa sofrer influências externas (alimentação, por exemplo), elas aconteceriam mais
a frente e obedeceriam a um cronograma geneticamente pré-estabelecido (WEXLER, 1996, p.
117).
Em princípio, poderíamos pensar que a proposta de Wexler não se enquadraria na
proposta da Hipótese Continuísta, entretanto, mesmo com a hipótese da maturação genética,
podemos, sim, associar os estudos wexlianos à corrente continuísta, já que, em sua
abordagem, não é prevista a ausência das categorias funcionais na GU. Para o autor, essas
categorias já se encontrariam disponíveis desde o nascimento da criança, mas respeitariam o
amadurecimento do programa genético responsável pelo processamento de tais categorias.
O estudo das falas das crianças sugere que, num determinado momento, a gramática
infantil difere da gramática do adulto. De acordo com a proposta da GU, ao nascer, uma
criança apresenta um estado gramatical zero (GU0). A partir do momento em que começa a
exposição à língua, a criança se submeteria à evolução da gramática da própria língua, isto é,
passaria por estágios (GU1, GU2, GU3...) até chegar ao nível GUadulto. Esse nível seria o estágio
máximo de estabilização da gramática, que não poderia mais sofrer alterações na estrutura.
Wexler (op. cit.) sugere a existência de forte relação entre morfologia flexional e a
sintaxe da sentença. A fim de confirmar sua hipótese, o autor se vale de dados do francês,
apontando o movimento do verbo de acordo com sua finitude, isto é, apontando se o verbo é
marcado ou não marcado. Na língua francesa, verbos no infinitivo são posteriores à partícula
de negação (pas), ao passo que verbos flexionados são anteriores à partícula de negação.
Desse modo, a postulação é a de que há um lugar antes e um lugar depois da partícula de
negação para pouso dos verbos. A explicação para esse fenômeno, conforme apontamos no
capítulo anterior, está na concordância de V com ST, para checagem20 dos traços. Assim,
quando flexionado, o verbo antecede a negação, pois se movimenta para a checagem de

20
A terminologia à ocasião da publicação era esta. Usa-se hoje, a palavra “valoração”, obedecendo-se,
obviamente a uma mudança na concepção.
54

traços. Quando está no infinitivo, o verbo permanece na mesma posição, já que obedece ao
princípio da procrastinação21, que estipula que um movimento só ocorrerá caso seja necessária
uma checagem de traço gramatical.
Diante disso, e como já foi dito, parece pertinente considerar a relação entre
morfologia e sintaxe, já que a presença dos morfemas flexionais desencadeia, na sintaxe,
movimentos responsáveis pela ordenação da sentença. A verificação do conhecimento da
criança a respeito da flexão verbal é, senão, um estudo da presença das categorias funcionais,
já que tais categorias são as responsáveis pela colocação de morfemas e, consequentemente,
pela movimentação do verbo na sentença. Desse modo, o estudo da flexão verbal constitui-se
como um estudo de elementos imprescindíveis para construção das sentenças.
Wexler (op. cit.) apresenta dados de estudos com crianças em aquisição de língua
francesa. Esses dados demonstram que, desde muito cedo, as crianças têm conhecimento
(internalizado) da existência da categoria tempo e da relação da fonética dos itens lexicais
com os traços morfológicos e sintáticos. Isto é, as crianças têm o conhecimento da
movimentação do verbo e das condições morfossintáticas. No francês, requere-se o
movimento do verbo quando ele está na forma finita e proíbe-se este movimento quando ele
está na forma não finita. Sendo assim, é possível dizer que as crianças sabem que o verbo
finito tem um traço que deve ser “checado” em tempo, assim como conhecem as condições de
economia que evitam que um verbo submeta-se à checagem caso não seja necessário, como
no caso dos verbos não finitos.
Wexler (op. cit.) também cita exemplos do alemão, língua que exige que verbos finitos
movimentem-se para a segunda posição (V2) e verbos não finitos permaneçam na posição
final. Assim como acontece no francês, as crianças demonstram conhecimento da necessidade
de movimento do verbo em caso de marcação flexional.
No que diz respeito às diferenças apresentadas nas gramáticas das crianças em fase de
aquisição de linguagem, Wexler (op. cit.) lança mão da hipótese de que as crianças passam
pelo período do Estágio de Infinitivo Opcional (OI). Nesse período, a criança (mesmo que
tenha a Faculdade de Linguagem intacta e disponha de todos os mecanismos da GU) produz
orações principais com verbos no infinitivo, o que não está de acordo com os inputs das falas
dos adultos, os quais utilizam o infinitivo em orações encaixadas, portanto, apoiadas numa
oração principal.

21
Trata-se de um princípio de economia. Quanto menos movimentos houver, mais rápido será o processamento
no sistema computacional.
55

Wexler (op. cit.) verificou ainda que as crianças ora produzem tempo e concordância,
ora produzem apenas tempo ou apenas concordância. Segundo o autor, no estágio OI existiria
a variação da marcação de finitude, no entanto, todos os parâmetros da língua estariam
internalizados na criança. Desse modo, sentenças como “He like tea” ou “He play games”, em
que não é marcada a concordância de pessoa22, podem ocorrer na fala das crianças nesse
estágio. Para o autor, casos de ausência do morfema flexional de pessoa seriam exemplos de
uso do não finitivo no lugar de finitivo, já que o inglês, por exemplo, existe a marcação do
morfema zero para o não finitivo e, assim, a falta do “-s” para a concordância de 3ª pessoa se
configuraria como um exemplo de uso do não finitivo. Pelo fato de OI ser um período
transitório, as crianças, em alguns momentos, marcariam a flexão e, em outros, não.
Entretanto, mesmo com uma marcação inconstante, as crianças devem ser tidas como
conhecedoras do sistema flexional de sua língua, isso porque elas não produzem sentenças
como “They likes tea” ou “We plays games”, isto é, as crianças não utilizam flexão de 3ª
pessoa para casos de 1ª ou 2ª pessoa. Desse modo, fica evidenciado que as crianças podem
deixar de marcar a concordância, mas elas não optam pela supermarcação.
No que diz respeito à marcação de negação, no estágio OI, as crianças podem produzir
sentenças típicas da língua ou com variação em marcação de concordância, como em “She not
play23”. Considerando que a inserção de “be” assim como de “do” acontece para checagem de
traços de tempo e considerando a opcionalidade de tempo para crianças em estágio OI, então
seriam possíveis sentenças como “She playing” com a terminação “ing”, garantindo o sentido
progressivo. As crianças têm o conhecimento natural das regras morfossintáticas de suas
línguas, no caso do inglês, elas sabem que “do” e “be” se movimentam para a checagem de
traços, daí a razão pela qual elas não formulariam sentenças como “Do he play?” ou” Be he
there?”, pois elas violariam a condição de que verbos no não finitivo não se movem.
Nesse sentido, de acordo com Wexler (op. cit.), a caracterização do estágio OI se daria
pela variação, já que as crianças, além das orações principais com verbos no não finitivo,
também produzem orações com verbos flexionados. Assim, verificar-se-ia que a criança
conhece a diferença entre finito e não finito e as relações morfossintáticas envolvidas no
movimento dos verbos. Wexler (op. cit.) sugere que a possibilidade da ocorrência de OI em
determinado momento é permitida em virtude do processo maturacional. Até o momento da

22
Em língua inglesa a marcação de 3ª pessoa do singular é feita por –s. No caso dos exemplos acima, os verbos
deveriam estar marcados como likes e plays, respectivamente.
23
A sentença tida como “correta” deveria ser “She does not play.”.
56

maturação, as crianças iriam permitir a marcação de não finitivo, depois da maturação isso
não poderia acontecer.
Em 1998, Wexler propõe uma expansão da sua argumentação a respeito do período
OI. Segundo o autor, a gramática infantil permitiria a variação de marcação de flexão devido a
uma restrição que existiria somente em OI e, diante disso, propõe-se, então, o que ficou
conhecido como Restrição de Checagem Única (RCU). Essa restrição se daria pela
impossibilidade de as crianças realizarem duas checagens de traços não interpretáveis, sendo
uma de tempo e a outra de concordância. Além disso, na gramática infantil em estágio OI,
ocorreria a valoração em apenas uma dessas categorias. Daí aconteceria a convergência de
uma estrutura com a ausência ou de tempo ou de concordância.
Wexler (op. cit.) defende a hipótese de que não existe distinção entre GUinfantil e
GUadulta. Para o autor, o cerne da questão é que, na gramática infantil, existiria uma limitação
maturacional que permitiria que as produções infantis fossem diferentes das produções adultas
(a gramática do adulto é o alvo, ou seja, trata-se do modelo que a criança segue), e, além
disso, essa limitação seria temporária, pois a maturação do aparato linguístico seria análoga ao
desenvolvimento de outros sistemas biológicos da criança.
Nossa pesquisa tem como um de seus objetivos a análise de flexões verbais, e, por
isso, parece-nos cabível verificar em que medida os postulados de Wexler podem ser
confirmados. Nossos dados podem validar ou não a existência de um Estágio Infinitivo
Opcional na gramática de crianças em fase de aquisição de linguagem

4.2.2 A Proposta de Charles Yang

Nesta seção, abordaremos as pesquisas de Charles Yang, especialmente no que diz


respeito à aquisição de tempo. Isso porque o traço tempo é objeto desta pesquisa e, desse
modo, acreditamos ser pertinente uma abordagem que privilegie a aquisição dessa categoria.
Yang (2002, 2004) propõe que as categorias funcionais estariam disponíveis desde
muito cedo para todas as crianças. De acordo com o modelo proposto pelo autor, a fixação
dos parâmetros começaria em concorrência. Isto é, durante o período de aquisição da
linguagem, a criança contaria com algumas gramáticas (G1, G2, G3, G4, G5...) com valores
variáveis para os parâmetros. Na medida em que fosse exposta à língua, a criança confirmaria
a gramática com valor correspondente ao que ocorre na língua em aquisição e abriria mão das
outras gramáticas com valores não correspondentes. Desse modo, as informações nas falas
dos adultos que fossem relevantes para fixação da gramática da criança (ordem entre sujeito,
57

verbo, objeto, por exemplo) forneceriam a ela elementos para confirmação de qual gramática
(das que estiverem em competição) tem o maior peso. Assim, de acordo com Yang (op. cit.),
quanto maior a exposição a inputs, mais aceleradamente a criança adotará uma gramática
como correspondente à sua língua. Obedecendo ao mesmo raciocínio, quanto menos inputs o
indivíduo receber, menor será a rapidez com que eliminará uma gramática concorrente.
A proposta de Yang é conhecida como Modelo Variacional (MV) e consiste na
hipótese de que, além dos princípios inatos, existiria também um efeito estatístico, capaz de
auxiliar na aquisição da linguagem. A partir do que a criança é exposta, ocorreria a
estabilização do valor correto para os parâmetros de sua língua. Antes de ocorrer essa
estabilização, as gramáticas com valores não correspondentes estariam disponíveis e seriam
eliminadas na medida em que os valores de inputs correspondentes se intensificassem. De
acordo com o autor, isso explicaria as sentenças diferentes produzidas pelas crianças e que são
distintas das dos adultos. É importante dizer que uma fala tida como não correspondente para
a língua natural da criança pode ser uma opção correspondente em outra língua. Por isso,
podemos dizer que não haveria nenhum desvio que não seja explicado pela proposta da GU.
Para Yang, a não correspondência das falas infantis e a evolução de sua linguagem seriam
decorrentes da competição das gramáticas e não ao exercício de uma gramática sem
correspondência.
Para a aquisição de flexão de tempo pretérito no MV, Yang (2002) esclarece a
existência de três padrões na aquisição de tempo pretérito em língua inglesa. Primeiramente,
crianças e adultos, de forma geral, flexionam verbos desconhecidos com sufixo –d, como em
work – worked. Em segundo lugar, crianças muito novas tendem a super-regularizar a flexão
com o mesmo sufixo, como em eat – eated ao invés de utilizar a forma irregular ate. Em
terceiro lugar, crianças podem aplicar regras de formação de passado irregular de maneira
incorreta, formando palavras como bring-brang e wipe –wope, por exemplo.
A partir desses dados, Yang (op. cit.) propõe o The Words and Rule24 (WR), modelo
de formação de pretérito, originalmente proposto por Pinker e outros autores (1995, 1999).
Neste modelo, o sistema computacional é composto de dois elementos para a formação do
pretérito: o elemento palavra e o elemento regra. O elemento regra (conforme postula a teoria
gerativa): verbos regulares devem ser flexionados fazendo uso de uma regra fonológica
default, em que se acrescenta –d à raiz verbal. Com isso, podemos explicar porque muitas
vezes adiciona-se –d em verbos desconhecidos. Em relação ao elemento palavra: os verbos

24
Tradução: As palavras e a regra
58

irregulares seriam aprendidos no componente palavra, que funcionaria como uma rede de
conexão, direcionada pela comparação de pares entre raiz e sua flexão no pretérito. A
comparação seria condicionada pela frequência de verbos irregulares à que a criança é
exposta. Assim a memorização de verbos irregulares levaria tempo. Na ocasião em que a
memória da criança falhasse para uma forma irregular, a forma default (-d) apareceria, o que
explica o segundo padrão de produção de flexão de pretérito das crianças, ou seja, os “erros”
de super-regularização de verbos regulares da criança.
Ao apresentar o modelo WR, Yang faz uma introdução ao modelo de Regras e
Competição (RC), que trata os verbos regulares e irregulares sob o viés da fonologia gerativa.
Assim como no modelo WR, assume-se a presença de uma regra default, que insere o sufixo –
d à raiz que, em princípio, é aplicada a todos os verbos. Em oposição ao modelo WR, o
pretérito irregular passaria ser entendido como formação por uma regra fonológica. Isto é,
erros como a super-regularização não são lapsos de memória, mas resultados da falha da
aplicação de uma regra fonológica regular apropriada sobre a regra default.
A ideia do modelo RC é a de que existiriam várias regras fonológicas que seriam
aplicadas aos verbos irregulares, os quais seriam organizados em grupos de acordo com suas
regras de conversão para o pretérito.
Yang (2002) apresenta as regras conforme o quadro a seguir. Podemos ver, na coluna
da esquerda, o índice do uso correspondente dos verbos em língua inglesa por parte da
criança, e, do lado direito, a frequência flexionada no pretérito por parte dos adultos.

Quadro 6 – Regras de formação de pretérito irregular no Inglês


Verbos agrupados por classe Frequência de Input
a. [- t & Vowel Shortning]
lose (80/82 = 97.6%) lost (63)
leave (37/39 = 94.9%) left (53)

b. [ - t & rime a]
catch (132/142 = 93.0%) caught (36)
think (119/137= 86.9%) thought (363)
bring (30/36 = 83.3%) brought (77)
buy (30/36 = 83.3%) bough (70)

c. [- Ø & No Change]
put (239/251 = 95.2%) put (2,248)
hit (79/87 = 90.8%) hit (66)
hurt (58/67 = 86.6%) hurt (25)
cut (32/45 = 71.1%) cut (21)
59

Verbos agrupados por classe Frequência de Input


d. [-Ø & Vowel Shortning]
shoot (45/48 = 93.8%) shot (14)
bite (33/37 = 89.2%) bit (13)

e. [-Ø & Backing ablaut]


get (1269/132 = 95.9%) got (1,511)
take (118/131 = 90.1%) took (154)
write (20/27 = 74.1%) wrote (28)
win (20/36 = 55.6%) win (36)

f. [-Ø & Rime u]


know (17/23 = 73.9%) knew (49)
throw (11/34 = 32.4%) threw (28)
Fonte: YANG (2002, p.78-79)

A primeira regra apresentada no quadro acima, por exemplo, prevê o encurtamento da


vogal para os verbos lose e leave, que, na forma pretérita, passam a ser lost e left,
respectivamente. Na fala dos adultos, encontramos a frequência de 63 para lost e 53 para left.
As crianças pesquisadas, por sua vez, teriam um índice de uso correto de 97,6% para o lose-
lost e 94,9% para leave-left.
De forma geral, o que se propõe no RC é que os verbos que aparecem mais no input
tenham uma taxa de uso correspondente mais alto. Isso porque a fixação dos parâmetros dos
verbos irregulares parece ser proporcional à exposição a que a criança é submetida à língua.
No entanto, os dados da pesquisa mostram que alguns verbos que não apresentam alta
frequência de input não têm resultados análogos à quantidade de exposição da criança, ou
seja, em alguns casos, mesmo o nível de exposição sendo baixo, obteve-se alto grau de acerto.
Isso não pode ser explicado pelo modelo WR, mas de acordo com o modelo RC, embora o
verbo tenha sido pouco ouvido, tem um peso mais alto, pois outros membros da classe têm
uma frequência mais alta no input.
Em síntese, podemos dizer que, para Yang (op. cit.), a aquisição da linguagem dar-se-
ia baseada na probabilidade linguística de maior grau de inputs. Uma vez descartadas as
gramáticas concorrentes, a criança passaria a fixar somente os parâmetros da língua a que é
exposta, seja pelo alto grau de inputs, seja pelo peso da classe verbal à que pertence o verbo a
ser conjugado.
60

Na próxima seção, trataremos da proposta de Mark Baker, para que, no final,


possamos criar um quadro comparativo das proposições feitas pelos três autores que
escolhemos para essa pesquisa.

4.2.3 A Proposta de Mark Baker

Baker (2005, p.3) defende que a capacidade de aquisição da linguagem é inata,


entretanto, o processo de aquisição não pode ser tido como completamente inato, pois, se
assim o fosse, todos os seres humanos falariam a mesma língua. Para ele, traços gramaticais
que distinguem uma língua de outra devem ser adquiridos durante determinado período de
tempo.
De acordo com o autor, é muito raro podermos fazer asserções universais sobre as
línguas naturais (como as do tipo: todas as línguas têm consoantes e vogais, todas as línguas
têm verbos, etc.), por isso é importante ter foco sobre como as diferenças sobre as línguas são
fixadas.
No português, por exemplo, o verbo, de um modo geral, vem antes do objeto,
diferentemente do japonês, em que o verbo vem depois do objeto. Com isso, pode se observar
que, a partir de certas escolhas, a ordem das palavras na sentença é variável de língua para
língua. De acordo com Baker (op. cit.), Greenberg (1963) observou que, nas línguas em que o
verbo antecede o objeto, as preposições também antecedem os sintagmas nominais, o que é
inverso em línguas cujo verbo é sucessor ao objeto. Nesses casos, as preposições também são
sucessoras aos sintagmas nominais. Além disso, Baker aponta para diferenças entre línguas
latinas e línguas orientais, tais como marcação de tempo e uso de artigos definidos no
sintagma nominal.
Uma das hipóteses de Baker é a de que a criança poderia, a partir do bootstrapping25
sintático, potencializar o conhecimento de itens lexicais e seus significados. O autor se vale
do exemplo de uma conjunção subordinada desconhecida pela criança. A ideia é que tal
palavra, estranha à criança, ao ser colocada na posição onde deveria aparecer uma conjunção
subordinada, forneceria a pista de que a palavra pertenceria a essa classe (conjunção
subordinada). Além de já perceber a categoria gramatical devido à posição que a palavra
ocupa na sentença, a criança poderia também perceber o sentido dessa conjunção subordinada
a partir das ideias apresentadas nas sentenças utilizadas com outras conjunções de mesma

25
Traduzido como “alavancamento”. A criança construiria sentidos para os itens lexicais a partir da posição
destes na sentença, isto é, a partir da estrutura sintagmática.
61

natureza. Na sentença “Eu sou muito estudioso, embora nem sempre tire notas boas”, a
criança poderia perceber pela posição sintática que é ocupada pela palavra “embora” e pelas
ideias encadeadas nas sentenças do período, que se trata se uma conjunção concessiva.
Dito isso, Baker utiliza a teoria dos Princípios e Parâmetros para explicar que as
diferenças anteriormente citadas podem ser verificadas por um parâmetro de variação. No
caso da diferença entre inglês e japonês, por exemplo, o parâmetro em questão é o da
direcionalidade de núcleo, que se diferenciaria no contraste entre o inglês e o japonês. Assim,
para o autor, esse parâmetro seria o responsável, na língua inglesa, pelo fato de o verbo vir
antes do objeto, de a preposição vir antes do nome, de a conjunção vir antes da sentença
encaixada e de o verbo auxiliar com marcação de tempo vir antes do verbo principal. Todas
essas marcações seriam inversas para o japonês. Baker (2005) propõe o seguinte diagrama
para explicar a direcionalidade do núcleo nas duas línguas citadas:

Figura 14 – Diagrama do parâmetro direcionalidade do núcleo

Fonte: BAKER (2005, p.103)

Baker (op. cit.) propõe ainda a discussão sobre a questão da concordância nas línguas.
Para ele, em algumas línguas, os verbos podem concordar com nenhum SN (como em línguas
orientais: japonês, mandarim, etc.), com apenas um SN, desde que este seja sujeito (como no
espanhol), com um ou dois SNs, um sendo sujeito e o outro sendo, facultativamente, o objeto
(como em chichewa) e com dois SNs um sujeito e um objeto, necessariamente (como ocorre
em Mohawk). Não obstante, no lugar de abordar a concordância como um parâmetro de
várias configurações, o autor considera como quatro parâmetros, sendo que a configuração de
62

cada um depende de cada língua. Mohawk, por exemplo, tem valor positivo para dois
parâmetros de concordância, diferentemente do espanhol, que possui apenas um parâmetro.
Línguas como inglês e francês teriam basicamente a mesma configuração de
parâmetros no que tange à posição das palavras. Nas duas línguas, o sujeito vem antes do
predicado, verbos auxiliares antes do sintagma verbal e verbos antes de objetos. Entretanto,
em relação à forma de negação, existe uma divergência entre essas línguas, já que, no inglês,
o verbo principal permanece no mesmo lugar e o tempo é marcado pelo verbo auxiliar, o que
significa que a partícula de negação aparece antes do verbo principal (exemplo: “Leticia did
not come to the school”); no caso do francês o verbo move-se para a marcação de tempo e,
por isso, aparece na sentença antes da partícula de negação (exemplo: “Leticia (ne) mange pás
le gateau”).
Para Baker, o parâmetro responsável pela diferença entre as duas línguas comparadas,
seria de menor escala, uma vez que apresenta uma pequena diferença entre línguas
essencialmente parecidas.
Outro exemplo dado pelo autor é o da posição do sujeito no galês. Trata-se de mais
uma língua próxima ao inglês e francês na estruturação das sentenças que, no entanto, se
diferencia na posição do sujeito, pois, quando o verbo encontra-se flexionado, o sujeito ocupa
posição depois do verbo auxiliar com marcação de tempo.
Dito isso, Baker afirma que alguns parâmetros teriam maior impacto na formação da
sentença e outros não. O parâmetro da direcionalidade do núcleo é responsável pela
estruturação da sentença por inteira, ao passo que o parâmetro de atração do verbo (no caso do
francês, por exemplo) seria mais específico em uma parte da sentença e só apareceria no caso
de existência de uma partícula de negação e/ou um advérbio.
A existência de parâmetros de maior e menor peso sugere a sobreposição de
parâmetros. Isto é, para o autor deve haver uma hierarquização paramétrica. O que implica em
dizer que a aquisição de um parâmetro poderia afetar a aquisição de outro.
O parâmetro da atração do verbo seria muito importante para marcar a distinção entre
algumas línguas, conforme citados os casos do inglês, francês e galês, porém, não influencia
línguas orientais, como japonês e mandarim. Dessa forma, o parâmetro da direcionalidade se
sobreporia ao parâmetro de atração do verbo, pois o segundo só seria aplicado depois de
configurado o primeiro. Se o parâmetro de direcionalidade de núcleo for fixado como o
japonês, o parâmetro da atração torna-se sem valor na formação da sentença.
Podemos dizer assim que um parâmetro que define uma diferença entre grupos de
línguas seria superior ao parâmetro que diferencia línguas do mesmo grupo. Diante disso,
63

Baker (2005, p. 119) propõe que “O parâmetro X é mais alto do que o parâmetro Y se e
somente se Y produz uma diferença de um tipo de linguagem definida por X, mas não em
outra”. Seria tarefa da criança configurar o parâmetro X, anteriormente a Y, somente se X se
sobrepuser a Y.
É importante esclarecer que um parâmetro não tem que, necessariamente, ser superior
a outro, pois alguns podem apresentar efeito equivalente nas línguas. A proposta de Baker
para casos como este é que houvesse combinações de dois parâmetros, em que cada um teria
duas opções, facultando, assim, quatro tipos de parâmetros para as línguas. No caso de
parâmetros independentes, não ocorreria ordenação específica, pois os parâmetros
independentes não criam contextos para a formulação de outros.
Baker (2005) afirma que o parâmetro de colocação do sujeito, que estaria relacionado
à junção do sujeito com o verbo principal ou com o auxiliar, funcionaria junto com o
parâmetro de atração do verbo em determinadas línguas e criariam a ordem verbo-sujeito-
objeto. Esses parâmetros estariam subordinados ao parâmetro de direcionalidade de núcleo,
porque seus efeitos seriam vistos somente nas línguas em que a posição é sujeito-verbo-
objeto. Nessas línguas, o parâmetro de direcionalidade de núcleo determinaria se o sujeito
viria depois de um marcador de tempo independente ou de um verbo flexionado, como em
galês; ou antes do marcador de tempo o verbo flexionado, como no inglês e no francês. Por
outro lado, em línguas orientais como mandarim e japonês, o marcador de tempo o verbo
flexionado sempre vem ao final de qualquer forma, o que levou Baker a concluir que o
parâmetro de colocação do sujeito é subordinado ao parâmetro de atração do verbo.
Sendo assim, Baker (op. cit.) postula a “hierarquia dos parâmetros” ou “tabela
periódica das línguas”, conforme figura a seguir:
64

Figura 15 – Diagrama da Hierarquia de Parâmetros

Fonte: BAKER (2005, p.123)

De acordo com a figura anterior, Baker (op. cit.) conclui que o parâmetro mais alto
seria o de concordância, ou seja, da concordância do verbo principal com nenhum, um ou dois
SNs. Esse parâmetro está no topo do diagrama porque divide línguas bem distintas. Em
seguida, o parâmetro de direcionalidade do núcleo, que trata da posição do núcleo nas
sentenças. Diante disso, algumas línguas seriam configuradas como “nomes antes” e outras de
“nomes depois”, em que o verbo estaria posterior ou anterior ao objeto. Seguinte aos dois
parâmetros acima, viria o parâmetro de atração do verbo, que diz respeito à movimentação do
verbo principal em algumas línguas. Logo abaixo, viria o parâmetro de colocação do sujeito,
que diz respeito à junção do sujeito com o verbo auxiliar ou com o verbo principal, de acordo
com os movimentos já fixados pelo parâmetro de atração do verbo. Por último, viria o
parâmetro “Pro-Drop”, que trata do licenciamento (ou não) do sujeito nulo. No espanhol
(assim como no português), é permitido o sujeito nulo, o que não acontece no francês.
Um sistema paramétrico organizaria hierarquicamente o processo de compreensão da
aquisição de linguagem, uma vez que lineariza o processamento mental das línguas naturais.
O problema é que não se sabe quais são os mecanismos utilizados pelas crianças e tampouco a
maneira como é fixado cada um dos parâmetros. De acordo com Baker, não existe
conhecimento sobre como ocorre a fixação do primeiro parâmetro.
65

Para o autor, o parâmetro da direcionalidade do núcleo é adquirido bem cedo. Ele


demonstra que dados das pesquisas de Bloom (1970), Brown (1973) e Slobin (1985) apontam
que, desde as primeiras produções (entre 18 e 22 meses de idade), esse parâmetro já se mostra
consolidado, fato este que comprova a hipótese de que tal parâmetro se encontra em um alto
nível hierárquico.
O parâmetro de atração do verbo seria o próximo a ser fixado. Isso porque, de acordo
com Baker (op. cit.), dados de Deprez e Pierce (1993) sugerem que esse parâmetro é
consolidado por volta dos 21 meses de idade. Nos estudos a que Baker faz referência, as
crianças em aquisição de francês utilizam o verbo flexionado antes da partícula de negação,
isto é, como o movimento para a marcação de tempo. Quando os verbos se encontram no
infinitivo, eles não se movimentam, uma vez que a marcação de tempo não se faz necessária.
Para sintetizar sua hipótese de hierarquia dos parâmetros, Baker (2005) apresenta o
seguinte quadro:

Quadro 7 – Hierarquia de Parâmetros e o tempo de aquisição relacionado


TEMPO DE AQUISIÇÃO DE PARÂMETRO

NOME DO PARÂMETRO ORDEM TEMPO DE AQUISIÇÂO


Concordância 1 Desconhecido
Direcionalidade de núcleo 2 18-21 meses
Atração de verbo 3 22 meses
Colocação de sujeito 4 24-25 meses
Sujeito nulo 5 27 meses
Fonte: BAKER (2005, p. 127)

A proposição de uma hierarquia para fixação dos parâmetros pode ser uma importante
ferramenta para compreensão de quando e como acontece a aquisição da linguagem. Baker
deixa claro que seus estudos são apenas um “pontapé” inicial, pois se faz necessário estudar
mais profundamente outros parâmetros dentro dessa perspectiva, bem como elaborar
metodologias que definam com maior precisão o tempo de configuração de cada um.
Conforme já dissemos anteriormente, o foco de nosso trabalho está na aquisição das
categorias tempo e aspecto. Assim, o parâmetro proposto por Baker que mais se aproxima de
nosso objeto de pesquisa é o parâmetro da concordância, pois o autor propõe que este seria
um parâmetro divido em outros quatro, com o objetivo de verificar se há concordância com
nenhum, um, dois (um sendo sujeito e o outro, facultativamente, um objeto) ou dois (um
66

sendo sujeito e o outro, necessariamente, objeto). Isso explicaria o porquê de os traços de


concordância com o verbo estariam abrigados em T. No caso dos nossos dados, que foram
coletados por falantes de língua portuguesa, o parâmetro adotado seria aquele em o verbo
concorda com um SN (sendo este sujeito). A análise dos nossos dados pode colaborar na
comprovação desse parâmetro.

4.2.4 Avaliação das Propostas de Modelos

A seguir, abordaremos a proposta de Thornton e Tesan (2007), que fazem uma


avaliação dos modelos de Yang, Baker e Wexler.
Em face às diferentes propostas de modelos de aquisição de linguagem, Thornton e
Tesan (op. cit.) optaram pela escolha de parâmetros que tratam das categorias funcionais a fim
de verificar qual modelo sustentaria melhor os dados26 por elas coletados. Os parâmetros
escolhidos pelas pesquisadoras dizem respeito à flexão verbal e à marcação da forma
negativa.
O parâmetro de flexão verbal adotado na pesquisa tinha como base a teoria de
morfologia verbal híbrida de Lasnik (1995 apud Thornton e Tesan (2007)). De acordo com
essa teoria, as línguas selecionariam uma categoria de flexão que teria a propriedade de ser
traços ou afixal. A escolha entre traços ou afixos determinaria, para cada língua natural, como
o verbo e sua morfologia seriam combinados na derivação sintática. Se uma língua seleciona
uma categoria de flexão com propriedades de traços não interpretáveis, então esses traços
seriam gerados em um nódulo de flexão e deveriam ser checados por uma categoria
apropriada no processo de derivação. O verbo é, normalmente, o item lexical responsável pela
checagem dos traços não interpretáveis em ST27. Em francês, por exemplo, o verbo principal é
inserido na derivação sintática com a flexão e se move do SV para ST para checagem de seus
traços não interpretáveis. Línguas que selecionam o valor afixal de parâmetro de flexão teriam
diferentes requisitos. O afixo seria gerado em ST e se manteria nessa posição. De acordo com
as autoras, os afixos não se movimentariam na derivação sintática.
Thornton e Tesan (op. cit,) entendem que o parâmetro de negação estaria relacionado
ao fato de a partícula de negação ocupar o lugar de núcleo ou de especificador. Essa escolha
teria grande impacto na ordem das palavras nas sentenças. Em uma língua em que a partícula
de negação seja configurada como núcleo, o verbo apareceria depois da negação da sentença.

26
Os dados coletados são de quatro crianças em fase de aquisição de linguagem. São dados da língua inglesa.
27
ST é atualmente o que se chamava de INFL.
67

As autoras citam o italiano como exemplo: “Juan no habla italiano28”. Por outro lado, em uma
língua em que a partícula de negação seja configurada especificador, o verbo apareceria antes
da partícula de negação, como ocorre no francês. As autoras trazem o francês como exemplo:
“Jean ne-parle pas grec29.” Mesmo sabendo que a noção de flexão e negação estariam em
parâmetros distintos, esses parâmetros interagiriam quando a negação causasse algum efeito
no modo de flexão.
O esquema a seguir mostra a configuração de algumas línguas de acordo com a
configuração dos parâmetros relacionados à flexão e à negação:

Figura 16: Configuração de línguas para dois parâmetros

Fonte: THORNTON; TESAN (2007, p.71)

De acordo com a figura anterior, o francês seria uma língua de traço com a negação no
especificador, o espanhol uma língua de traço com negação no núcleo, já o sueco, por outro
lado, seria afixal com a negação no especificador e o inglês30 seria uma língua afixal com
negação no núcleo. A partir desse esquema, podemos perceber também que a criança em fase
inicial de aquisição de linguagem tem quatro opções de verificação dos dados dos inputs que
recebe. Nesse período, a criança poderia configurar algum dado de forma diferente da língua
em que está sob exposição e é justamente por isso que algumas produções infantis parecem
estranhas (soam até mesmo estrangeiras), pois ainda não estariam completamente
consolidadas.
Estabelecidos os parâmetros a serem pesquisados, Thornton e Tesan (op. cit.)
propuseram alguns critérios de verificação da validade dos modelos de aquisição de
parâmetros propostos por Yang (2002), Wexler (1996) e Baker (2005). Esses critérios seriam

28
Tradução: João não fala italiano.
29
Tradução: João não fala grego.
30
De acordo com nota de Thornton e Tesan (2007), o inglês não tem um comportamento uniforme, pois verbos
auxiliares e modais são inseridos na sentença com valor de traço, ou seja, devem se mover para valoração de
traços não interpretáveis.
68

de continuidade, uniformidade, ordenação, ponto de partida, requisito de input, trajetória e


conformidade.
O critério de continuidade estaria relacionado ao pressuposto de que cada valor de
parâmetro seria totalmente especificado pela GU. Dessa forma, qualquer configuração inicial
seria pertinente às línguas naturais, mesmo que determinado valor não fosse validado na
língua em que a criança estivesse inserida.
O critério da uniformidade seria o da ideia de que todas as crianças seriam expostas a
uma distribuição de expressões ou estruturas linguísticas semelhantes.
No critério da ordenação poderia verificar-se se, de fato, existe uma hierarquia na
aquisição de categorias ou se não existe nenhuma ordem.
O critério do ponto de partida estaria relacionado aos valores iniciais de definição dos
parâmetros. Em um modelo que previsse valores alternantes, a criança produziria sentenças
ora com um parâmetro, ora com outro. Um exemplo é parâmetro do sujeito nulo, pois, em
alguns momentos, a criança explicita o sujeito na sentença e, em outros, não.
No critério de requisito de input, verificar-se-ia se os dados de entrada para definição
seriam suficientes em qualquer quantidade ou se seria necessária uma maior quantidade
desses dados para confirmação dos parâmetros. Além disso, trataria de verificar se um
parâmetro mais recorrente seria fixado antes de outro parâmetro menos recorrente.
O critério da trajetória seria o do padrão de definição dos parâmetros, isto é, se os
parâmetros seriam fixados em uma curva gradual ou em uma reta que sofre alteração de
direção de forma abrupta. As autoras entendem como abrupta a fixação de parâmetros num
período de três meses.
O critério do requisito de conformidade verificaria se as crianças apresentam o mesmo
curso de desenvolvimento para definição de parâmetros ou se existem diferenças individuais.
Uma vez esclarecidos os dados, podemos expor a análise de Thornton e Tesan (op. cit)
através dos três quadros a seguir:
69

Quadro 8 – Avaliação do modelo de Wexler


WEXLER
Alguns princípios linguísticos são biologicamente
Continuidade programados para se tornarem operacionais posteriormente
a outros.
Uniformidade Crianças no mesmo ambiente linguístico encontram uma
distribuição similar de expressões linguísticas.
Ordenação Os parâmetros são independentes.
Ponto de Partida Crianças partem de um único valor, mas podem adotar
outro.
Requisito de input Diferenças nos dados dos inputs causam pequeno impacto
na configuração dos parâmetros. Não é necessário um
mecanismo estatístico.
Trajetória A formação da gramática é por mudanças abruptas.
Conformidade Os parâmetros ocorrem tão precocemente que diferenças
individuais quase não serão observadas.
Fonte: Elaborado pelo autor

Quadro 9 – Avaliação do modelo de Yang


YANG
Todos os valores de parâmetros estão na GU. Esse modelo
Continuidade assume a continuidade.
Uniformidade Crianças no mesmo ambiente linguístico encontram uma
distribuição similar de expressões linguísticas.
Ordenação Os parâmetros são independentes.
Ponto de Partida Crianças começam com os valores de parâmetros em
competição.
Requisito de input A quantidade de dados é determinante para a configuração
dos parâmetros. Existe um mecanismo estatístico que
auxilia a configuração paramétrica. Os parâmetros com
mais inputs serão primeiramente configurados.
Trajetória A formação da gramática é caracterizada gradualmente.
Conformidade Uma vez assumida a uniformidade do input, diferenças
individuais não são previstas.
Fonte: Elaborado pelo autor
70

Quadro 10 – Avaliação do modelo de Baker


BAKER
Todos os valores de parâmetros estão na
Continuidade GU. Esse modelo assume a continuidade.
Uniformidade Crianças no mesmo ambiente linguístico
encontram uma distribuição similar de
expressões linguísticas.
Ordenação Os parâmetros são independentes.
Ponto de Partida Crianças começam com um único valor de
parâmetro, embora outros os valores
possam ser selecionados.
Requisito de input Diferenças nos dados têm pequeno
impacto na configuração dos parâmetros.
Não é necessário mecanismo estatístico.
Trajetória Há mudanças abruptas.
Conformidade Alguns parâmetros precisam ser
adquiridos antes do que outros. Como as
crianças podem adotar valores distintos
para o mesmo parâmetro inicialmente
poderá haver diferenças no tempo de
configuração desses parâmetros, assim,
têm-se diferenças individuais.
Fonte: Elaborado pelo autor

Os três quadros anteriores demonstram uma previsão de cada modelo perante os


critérios estabelecidos por Thornton e Tesan (op. cit.). Contudo, diante dos dados coletados,
as autoras optaram por fazer uma escolha dos modelos mais adequados a partir dos três
principais critérios que fazem distinção entres os modelos, que são: valor inicial, trajetória e
conformidade.
O modelo proposto por Wexler, no ponto de vista de Thornton e Tesan (op. cit.) não
seria capaz de tratar dos dados coletados e, por isso, optaram por focar na avaliação do
modelo variacional de Yang e no modelo de aquisição hierárquica de Baker.
Referente ao ponto de partida, os dados coletados sugeririam que as crianças
inicialmente começariam apenas com um valor para os parâmetros, o qual seria
posteriormente alterado para valores da língua das crianças (inglês), caso tivessem iniciado
com um valor diferente. Quanto ao valor de flexão, algumas crianças começariam com o valor
de traço e outras com valor afixal. Para o parâmetro da negação, uma criança teve
inicialmente essa partícula como núcleo e as outras como especificador. Durante a pesquisa,
as crianças estabilizaram a parametrização e assumiram o valor pertinente para sua língua,
que é afixal para flexão e de núcleo para negação. Não se constatou na pesquisa das autoras
que as crianças operariam simultaneamente com dois valores de parâmetros a fim de escolher
71

um. Assim, nesse primeiro momento, os dados seriam mais bem enquadrados no modelo
variacional de Yang.
No que tange à trajetória, não se observou uma curva gradual, mas foi possível
perceber uma reta com mudanças abruptas. Essa previsão também se enquadraria no modelo
variacional de Yang.
No que diz respeito à conformidade, o enquadramento só foi possível no modelo de
aquisição hierárquica. Isso porque, no Modelo Variacional, previa-se uma estabilidade
relativamente equilibrada para a aquisição dos parâmetros para todas as crianças e no modelo
de aquisição hierárquica não existiria a previsão de conformidade. De acordo com as autoras,
não ocorreu conformidade, já que as crianças iniciaram com valores distintos para os
parâmetros; algumas configuraram o valor adequado (tendo em vista a língua do adulto) e
outras tiveram início com valores não pertinentes àquela língua. Desse modo, a estabilização
da parametrização para a criança que começou com valor adequado aconteceu anteriormente à
criança que teve início com um parâmetro não pertinente à língua em exposição.
Diante da avaliação proposta pelas autoras, podemos sintetizar o melhor
enquadramento da seguinte maneira:

Figura 17 – Esquema de melhor enquadramento Thornton e Tesan.

Fonte: Elaborada pelo autor

Thornton e Tesan (op. cit.) chegam à conclusão de que não seriam necessários
mecanismos estatísticos e afirmam que não compreendem, por completo, os mecanismos que
definem as mudanças gramaticais, entretanto, postulam que esses mecanismos seriam
sensíveis ao desenvolvimento gramatical mental das crianças e não refletiriam suas
experiências linguísticas.
Até este momento, tratamos de três modelos de aquisição paramétrica, cujo objetivo
era o de explicar os dados de produção das crianças em fase de aquisição de linguagem. Além
72

disso, trouxemos uma avaliação desses modelos com base em critérios que procuravam
diferenciar um modelo de outro a fim de mostrar qual modelo seria mais apropriado para cada
um dos critérios. A seguir, trataremos da última seção deste capítulo, que é sobre a aquisição
de aspecto.

4.3 Aquisição de Aspecto

Nesta seção, nos atentaremos para exposição de algumas abordagens a respeito da


aquisição de aspecto. Nosso objetivo é verificar em que medida essas concepções aqui
trazidas corroboram com nossa hipótese de dissociação entre tempo e aspecto. Além disso,
faremos uma breve exposição de alguns estudos que defendem a ideia de que o aspecto lexical
pode influenciar no surgimento do aspecto gramatical. Ou seja, se um verbo que é télico
influencia o surgimento da forma perfectiva e se um verbo que é atélico influencia o
surgimento da forma imperfectiva.
Os trabalhos a que recorremos foram produzidos majoritariamente entre as décadas de
70 e 80, visavam à validação da proposta de Jakobson (1957), cuja ideia era a de que o
aspecto verbal é adquirido antes de tempo.
De acordo com os trabalhos de Bronckart & Sinclair (1973) e Bloom, Lifter & Hafitz
(1980), durante o estágio cognitivo pré-operacional, as crianças marcariam apenas as
distinções aspectuais, na medida em que tais distinções se referem a propriedades de eventos
particulares. Durante esse estágio, as crianças tenderiam a prestar mais atenção às
características particulares do que às gerais. O uso de formas verbais indicando tempo
ocorreria apenas durante o estágio operacional. Assim, crianças pequenas teriam dificuldade
para representar relações temporais.
O primeiro trabalho sobre aquisição de aspecto apresentado com essa concepção foi o
de Bronckart & Sinclair (1973). Esses pesquisadores estudaram crianças entre 2,11 a 8,7 anos
de idade aprendendo francês. Foi possível verificar uma interação semântica dos verbos e a
aparição de afixos verbais. O experimento era bem simples, o pesquisador manipulava alguns
brinquedos e, em seguida, pedia às crianças um relato sobre o que elas tinham assistido.
Assim, era esperado que todas as crianças construíssem suas sentenças no pretérito, pois as
ações já haviam se completado. No entanto, as crianças de até 6 anos de idade utilizaram
tempo presente para algumas situações. Quando a cena implicava resultado claro (ou seja, +
télica), a criança utilizava morfema de perfectividade, por outro lado, quando o final da cena
não era claro (ou seja, situação - télica), a criança se valia de morfema de imperfectividade.
73

Diante desses resultados, Bronckart & Sinclair (op. cit.) defenderam que o uso que a criança
faz da flexão verbal é principalmente uma codificação de aspecto, e não de tempo. Isso já nos
apontaria para a existência de duas camadas flexionais, uma de tempo e a outra de aspecto.
Em uma pesquisa muito semelhante, Bloom, Lifter & Hafitz (1980) investigaram
crianças em fase de aquisição da língua inglesa. Os resultados obtidos sugeriram certa relação
entre o traço semântico de duratividade do verbo e o afixo verbal empregado. No caso de
verbos +durativos (como “brincar” e “correr”), as crianças empregaram afixo –ing,
responsável por codificar o aspecto progressivo, ao passo que, com verbos -durativos (como
“cair”, “sair”), elas empregaram o afixo –ed, que codifica tempo pretérito e aspecto
perfectivo. Tais resultados foram interpretados pelos autores como evidência de que as
flexões verbais iniciais são empregadas em verbos em função de um determinado aspecto
lexical. Assim, mais uma vez, construía-se a hipótese de que o aspecto seria anterior à
marcação de tempo na construção da gramática das crianças.
Nessa perspectiva, Jakobson (1957), em Bloom, Lifter e Hafitz (op. cit.), observou, a
partir de dados de crianças russas, que as formas dêiticas de tempo operariam em conjunto
com a raiz. Esse postulado também sugere um direcionamento da aquisição das flexões
verbais a partir do que é inerente ao verbo, ou seja, da noção aspectual.
Alguns tipos de aspecto lexical têm uma relação natural com alguns tipos de aspecto
gramatical. Por exemplo: os achievements e accomplishments, por terem traços + télico,
apresentam um ponto de culminação, possuem uma relação automática com o aspecto
gramatical perfectivo, o qual marca nos verbos a visão do evento por inteiro e, na maioria das
vezes, pode-se perceber a completude dos eventos. As atividades e os estados, por possuírem
um traço –télico, seriam naturalmente mais relacionados ao aspecto imperfectivo.
Na língua portuguesa, aparentemente, não existiria nenhuma restrição para o
entrecruzamento dos aspectos lexical e gramatical. Construções como as do quadro abaixo,
não seriam estranhas à língua.
74

Quadro 11 – Exemplificação de Aspectualidade


SENTENÇA ASPECTO
Letícia pulou corda. Atividade / Perfectivo
Giovani entendeu a situação. Estado / Perfectivo
Vovó não está me entendendo. Estado / Progressivo
Ele só tirava notas boas. Achievement / Imperfectivo
Mamãe fazia comidas deliciosas. Accomplishment / Imperfectivo
Fonte: Elaborado pelo autor

Hodgson (2004) também desenvolveu uma pesquisa para verificar a produção e a


compreensão do aspecto gramatical em língua espanhola. De acordo com a autora, em relação
aos dados de produção, tanto crianças quanto adultos produziriam formas verbais em que
seria possível verificar a maior relação entre aspecto télico/perfectivo e atélico/imperfectivo.
Se a distribuição das crianças é similar a dos adultos, podemos compreender que a
distribuição do aspecto não está ligada a alguma deficiência cognitiva relacionada a tempo,
conforme sugerido pela Hipótese de Tempo Defectivo, proposta por Bronckart e Sinclair
(1973) e Bloom, Lifter e Hafitz (1980). Para Hodgson (op. cit.), as crianças utilizariam as
flexões de tempo para marcar aspecto e não como referência propriamente temporal. Em
outras palavras, as crianças usariam tempo passado para marcar telicidade e tempo presente
para marcar atelicidade.
No que diz respeito à questão da compreensão, a pesquisa Hodgson (op. cit.) revelou
que, perante situações de completude/incompletude, crianças de 3 a 4 anos não faziam
distinção semântica de perfectivo e imperfectivo. Isso porque, de acordo com a autora, nessa
idade, as crianças não conheceriam a semântica do aspecto gramatical. Os dados também
revelaram que existe maior dificuldade para compreensão da morfologia imperfectiva do que
perfectiva. Desse modo, a emergência do perfectivo seria anterior a do imperfectivo. A autora
conclui que a idade para desenvolvimento do aspecto em espanhol é por volta dos 5 anos de
idade. Assim, a ideia de que aspecto seria adquirido antes de tempo não procederia, pois as
noções aspectuais não estariam fixadas na gramática das crianças mais novas.
Vinnitskaya e Wexler (2001) analisaram a produção e a compreensão de aspecto em
falantes de russo. Os experimentos aconteceram com crianças de 3 e 6,5 anos de idade. Nas
avaliações de compreensão, as crianças revelaram que têm um bom conhecimento do aspecto,
com resultado semelhante ao de um adulto. Nos testes de produção, por outro lado, o
desempenho das crianças se revelou distinto em relação ao que acontece com as produções
75

adultas, isso porque as crianças russas utilizaram imperfectivo em contextos nos quais os
adultos se valeriam das formas perfectivas.
Os resultados sobre o uso de imperfectivo para Vinnitskaya e Wexler (op. cit.)
estariam relacionados às questões pragmáticas. O uso excessivo da forma imperfectiva, por
parte das crianças, dever-se-ia ao tratamento equivocado de declarações novas como
informações antigas. Desse modo, a dificuldade não estaria na aquisição da morfologia de
aspecto, já que as crianças demonstraram bom desempenho de produção nas variações
aspectuais nos teste de compreensão. A dificuldade seria das avaliações de novo e antigo no
discurso. De acordo com os autores, a informação tida como conhecida poderia perfeitamente
ser marcada pelo morfema de imperfectividade.
É importante dizer que aspecto verbal é uma categoria que apresenta diferentes
configurações a depender de cada língua. Algumas línguas apresentam morfemas
diferenciados para expressar aspecto e tempo, como acontece no russo. No espanhol, como
aponta Hodgson (2004), tempo e aspecto são marcados no mesmo morfema. O inglês, por
outro lado, não apresenta uniformidade na marcação de aspecto, isto é, não é uma língua em
que se utiliza o morfema de tempo para marcação de aspecto em todos os casos, mas também
não é uma língua em que o aspecto gramatical está sempre separado do morfema de tempo. O
afixo -ing, por exemplo, marca exclusivamente o aspecto progressivo e o afixo –ed serve
apenas para marcação de aspecto perfectivo em tempo pretérito.
Em se tratando da língua portuguesa, podemos dizer que há alternância quanto à
utilização de morfemas para marcação de tempo e aspecto, isto é, ora a marcação é conjunta,
ora é dissociada. Na sentença “Estou estudando”, por exemplo, o tempo presente está
marcado pelo verbo auxiliar “estou” e a forma de gerúndio “estudando” é utilizada para
marcar progressividade. Em “Ele rezava”, o morfema “-va” serve para marcar o tempo
pretérito do evento ao mesmo tempo em que marca seu aspecto imperfectivo. Com esses
exemplos, podemos afirmar que o comportamento da marcação do aspecto no português varia
entre perífrases verbais e formas únicas verbais. Toda essa variação na formação do aspecto
verbal pode ser uma explicação para os resultados diferenciados das pesquisas relacionadas à
configuração inicial do aspecto verbal.
Diante das diferentes pesquisas citadas nesta seção, podemos verificar que umas se
contrapõem às outras, já que, nas últimas pesquisas, foi exposto que, na gramática das
crianças mais novas, não há estabilidade na produção de aspecto e, portanto, não é possível
afirmar que as crianças, em fase de aquisição de linguagem, adquirem aspecto antes de tempo
verbal.
76

Assim, é nosso propósito verificar, no português, a procedência da adoção da proposta


da cisão da camada flexional tempo, em tempo e aspecto. Além disso, é nosso interesse
observar se a hipótese de aspecto ser anterior a tempo pode ser confirmada na aquisição de
língua portuguesa e se, no que diz respeito ao aspecto gramatical, existe uma hierarquia na
aquisição de perfectivo e imperfectivo. A partir do próximo capítulo, discorreremos sobre
nossos dados e desenvolvimento de nossa pesquisa.
77

5 METODOLOGIA

Neste capítulo, trataremos da exposição da metodologia usada nesta pesquisa, bem


como os procedimentos adotados para análise dos dados que fazem parte deste trabalho.

5.1 A escolha do método

A fim de verificar a questão das categorias tempo e aspecto, optamos pelo método
hipotético-dedutivo ou somente dedutivo ao invés de nos valermos do método indutivo.
Cientistas gerativistas têm como base para análise de seus dados o método dedutivo, uma vez
que pesquisadores dessa linha partem do desempenho para competência, isto é, verificam os
princípios universais da GU a partir de dados empíricos nas diferentes línguas naturais do
mundo. Em outras palavras, a Teoria Gerativa propõe a existência de princípios universais
sobre a gramática mental que são deduzidos a partir de falas produzidas pelos indivíduos de
cada língua.
Uma das principais características das ciências empíricas são os métodos indutivos. É
comum utilizar esse termo (indutivo) para pesquisas que partem de dados individuais (análise
de dados, experimentos, etc.) para enunciados universais (teorias, hipóteses, etc.).
Ao explicar sobre o método indutivo, Gewandsznajder (1989) dá um exemplo de um
ornitólogo que faz opção de observar cisnes em diferentes partes do mundo. Durante o
período de observação, o ornitólogo encontra um cisne branco, depois outro cisne branco,
mais outro cisne branco e, por meses, outros cisnes brancos. Diante da observação apenas de
cisnes brancos, ele conclui que “todos os cisnes do mundo são brancos”. Obviamente, não
podemos afirmar que o observador viu todos os cisnes do mundo, mas, a partir de um
determinado período de observações, o pesquisador lança mão de uma conclusão generalista.
Gewandsznajder (op. cit.) afirma que a indução não pode ser justificada em termos da
lógica. Nas palavras do autor:

Será que poderíamos justificar logicamente a indução? Obviamente, ela não é um


argumento dedutivo, como são os argumentos lógicos. A lógica nos mostra que a
partir do enunciado “todos os cisnes são brancos” podemos deduzir que alguns
cisnes são brancos. Essa dedução é logicamente válida. Mas a indução faz o
raciocínio oposto, inferindo do enunciado “alguns A (cisnes) são B (brancos)” o
enunciado “todos os A são B”. Este raciocínio não pode ser justificado pela lógica.
Aliás, em termos lógicos, ele não é válido. Assim, enquanto a lógica apenas faz ver
uma conclusão que já estava “embutida” nas premissas, a indução vai além das
premissas, não sendo, portanto, um argumento dedutivo. Em outras palavras, as
conclusões dos argumentos indutivos trazem mais informações do que as contidas
nas premissas. (GEWANDSZNAJDER, 1989, p.44)
78

De fato, parece estar longe de um ponto de vista lógico, a inferência de enunciados


universais a partir de enunciados individuais, independentemente da quantidade das
observações individuais. Assim, qualquer conclusão colhida desse modelo poderá ser tida
como falsa. Não importa quantos cisnes se tenham observado ao longo de décadas, isso não
justifica a conclusão de que “todos os cisnes são brancos”.
O problema da indução, termo como são conhecidas as questões que tratam das
inferências indutivas, é que, mesmo que uma situação seja constantemente repetida no
passado, nunca teremos a certeza dos mesmos acontecimentos no futuro. Muitos
pesquisadores acreditam que a verdade dos enunciados universais é conhecida somente pela
experiência; entretanto, parece-nos evidente que a descrição de uma experiência ou
observação só pode ser compreendida como um enunciado individual e não uma assertiva
universal.
A priori, seria comum imaginar o método indutivo como uma boa opção para o
desenvolvimento de nossa pesquisa, uma vez que fizemos um estudo de caráter longitudinal
de uma criança em fase de aquisição de linguagem. Não obstante, o raciocínio de que nos
valemos é tido de outra maneira, pois, já dissemos, adotamos o método dedutivo como
modelo de pesquisa.
O método dedutivo, conforme esclarece Santos (2008), se alicerça nos pensadores
racionalistas Descartes, Spinoza e Leibniz, cujo pressuposto é o de que apenas a razão pode
conduzir ao conhecimento verdadeiro. Assim, parte-se de princípios tidos como verdadeiros e
inquestionáveis (premissa maior) para, dessa forma, estabelecer relações com uma proposição
particular (premissa menor) e, a partir do raciocínio lógico, chegar à verdade daquilo que
propõe (conclusão). Ou, utilizando as palavras de Galliano (1979, p. 39), “a dedução consiste
em tirar uma verdade particular de uma verdade geral na qual ela está implícita”.
Para Galliano (1979), esse tipo de raciocínio é muito útil já que parte do conhecido
para o desconhecido com pequena margem de erro, desde que se respeitem os critérios de
coerência e de não contradição.
Para Torres (2008), o método dedutivo é de grande valia em ciências físicas e
matemáticas, cujos princípios podem ser enunciados como leis. Pode-se citar como exemplo a
lei da gravitação universal, a qual estabelece que “matéria atrai matéria na razão proporcional
às massas e ao quadrado da distância”, podendo daí serem deduzidas infinitas conclusões, das
quais seria muito difícil duvidar. Contudo, nas ciências sociais, o uso desse método é bem
mais restrito, em virtude da dificuldade para obterem-se argumentos gerais, cuja veracidade
não possa ser colocada em dúvida.
79

De acordo com Araújo (2000), a dedução seria uma teia de raciocínios em conexão
descendente, ou seja, parte-se do geral para o particular. Partindo-se de teorias e leis gerais,
pode-se chegar à determinação ou à previsão de fenômeno ou fatos particulares. Segue um
exemplo comum de raciocínio dedutivo:

UNIVERSAL Todo homem é animal.


PARTICULAR João é homem.
CONCLUSÂO Logo, João é animal.

O método dedutivo leva o pesquisador do conhecido ao desconhecido com pouca


margem de erro, mas é de alcance limitado, uma vez que a conclusão não pode exceder as
premissas. Esse método consiste na combinação de ideias em sentido interpretativo, isto
valendo mais do que a experimentação de casos isolados. A nosso ver, metodologicamente
falando, é de grande importância compreender que a necessidade de explicação não reside nas
premissas, mas na relação entre as premissas e a conclusão.
Diante disso, podemos assumir, em nossa pesquisa, que “a linguagem é um sistema de
princípios universais inatos ao ser humano” e que, portanto, “todo ser humano é dotado de
linguagem”. A nossa pesquisa, inserida dentro do arcabouço da Teoria Gerativa, não poderia
ter outro método, senão o dedutivo, pois partimos do universal para o particular.
Além disso, podemos dizer que as análises que faremos de casos particulares de
aquisição de linguagem por parte de uma criança durante o período de quatro anos poderiam
ser consideradas como resultado de pressupostos teóricos universais pertinentes à Teoria
Gerativa.

5.2 Os dados da pesquisa

Lembrando que um de nossos objetivos é o de verificar a aquisição de categorias


funcionais por parte de uma criança, falante do português brasileiro, optamos por um estudo
longitudinal durante o período de 4 anos. Utilizamos um corpus de 14 gravações, resultantes
em um conjunto de 2.044 frases da criança investigada, assim dividido:
80

Tabela 1 – Descrição dos Dados

Idade da Criança Frases31 coletadas


1 ano 5 meses 04 dias 140
1 ano 5 meses e 18 dias 77
1 ano 8 meses e 25 dias 151
1 ano 9 meses e 20 dias 158
3 anos 4 meses e 15 dias 352
3 anos 6 meses e 28 dias 73
3 anos 7 meses e 8 dias 106
3 anos 8 meses e 13 dias 208
4 anos e 15 dias 87
4 anos 2 meses e 19 dias 71
4 anos 4 meses e 10 dias 118
4 anos 6 meses e 03 dias 105
4 anos 8 meses e 05 dias 183
4 anos 10 meses e 06 dias 215
TOTAL 2.044
Fonte: Dados da pesquisa

Os dados dessa pesquisa estão sob responsabilidade do nosso grupo de pesquisa, que
investiga “traços formais na gramática mental de indivíduos com e sem déficit de linguagem e
a leitura e a escrita por parte de pessoas com déficit gramatical”, no qual este trabalho foi
inserido. Mais especificamente, nos valemos de dados que constituem o corpus do “Projeto
Aquisição da Linguagem Oral”, coordenado pela professora Cláudia Lemos, do Instituto de
Estudos da Linguagem (IEL) /UNICAMP, que teve como objetivo a descrição e a análise do
processo de aquisição do português como primeira língua em 12 crianças com idades entre 11
meses a 6 anos. Os dados dizem respeito a uma amostra composta por gravações de áudio e
videoteipe feitas com crianças paulistas da classe média, durantes as décadas de 70 e 80,
filhas de pais universitários. Grande parte dos entrevistadores é composta pelos professores do
IEL que gravaram as falas dos seus próprios filhos. A amostra está organizada

31
Entende-se como frases os enunciados que apresentam algum sentido, isto é, um conjunto de signos que
estabelece a comunicação da criança com seus interlocutores. Nesse sentido, uma frase pode ser apenas uma
palavra ou um conjunto delas.
81

cronologicamente e apresenta informações sobre o contexto de gravação como, por exemplo,


a data da realização, idade do falante, investigador, entre outras.
É importante destacar que todas as falas são espontâneas. A maior parte dos diálogos é
entre a criança e a mãe, sendo que, em algumas ocasiões, outra criança (mais velha), também
foi incluída e, em raríssimas ocasiões, ocorreu uma pequena participação do pai da criança.
Não houve nenhuma tentativa de eliciação32 por parte da mãe, o que atribui maior
fidedignidade aos nossos dados e não compromete, de forma alguma, a espontaneidade das
falas, bem como o evento da gravação.
O motivo pelo qual abordamos dados de uma única criança se deve ao caráter
longitudinal da pesquisa. Estudos longitudinais sobre a produção espontânea da fala pela
criança são muito utilizados e têm como fim registrar a ocorrência de diferentes manifestações
gramaticais ou de padrões de interação no comportamento da criança em seu ambiente
linguístico. Uma vez que a coleta dos dados acontece em ambiente familiar por longo período
de tempo, tal tipo de investigação é, em geral, conduzido com um número reduzido de
crianças.
Conforme explicitado anteriormente, existe uma hipótese de que as categorias
funcionais é que norteariam o processo de aquisição de linguagem, e, por essa razão,
selecionamos as categorias tempo e aspecto, porque acreditamos que tais categorias devem ser
consideradas categorias funcionais localizadas em nódulos distintos na gramática mental. Para
essa averiguação, foram analisadas as marcações formais correspondentes aos traços de tempo
e de aspecto no verbo e às formas nominais: infinitivo, gerúndio e particípio.
No primeiro momento, levantamos todas as ocorrências de verbos das sentenças
produzidas pelas crianças e certificamo-nos de que nenhuma das falas teve apoio33, isto é, de
que todas as falas são espontâneas. Após o levantamento da quantidade de falas contendo
verbos, detivemo-nos a especificar o tempo verbal de cada ocorrência e fizemos o mesmo
para o aspecto lexical e gramatical relacionado à forma verbal selecionada.
Uma vez tabuladas todas as falas da criança, empenhamo-nos em uma análise capaz de
comprovar ou refutar as abordagens teóricas que trouxemos nos capítulos anteriores,
buscando, assim, delinear o processo de como a aquisição da língua portuguesa,
provavelmente, acontece.

32
A eliciação consiste na indução de falas. Não se trata de falas com apoio, em que a criança repete uma fala
modelo, mas de atividades que provoquem a emergência de certos tipos de sentença.
33
Trata-se de interferências na fala da criança, isto é, o interlocutor cria um modelo, sugerindo indiretamente que
a criança repita a mesma estrutura. Uma fala com apoio é quando uma criança repete imediatamente o que
acabou de ser dito.
82

Nos próximos capítulos, portanto, detalharemos os dados e faremos as análises


pertinentes a esses dados.
83

6 DESCRIÇÃO DOS DADOS

Apresentamos, a partir de agora, a descrição dos resultados das 14 gravações de uma


criança em fase de aquisição de linguagem. Na tentativa de organizar uma amostragem
didática, dividimos a descrição dos dados em dois momentos: primeiramente, descrevemos
cada uma das 14 gravações e, segundo, agrupamos as gravações em momentos distintos,
condensando gravações que ocorreram em momentos próximos e que não apresentaram
diferenças quanto ao surgimento de novas formas verbais.
Para o detalhamento dos dados obtidos nas gravações da criança, apresentamos dois
modelos de tabelas descritivas. A primeira tabela, denominada “Flexão Verbal”, trata de todas
as ocorrências verbais com flexão de tempo, com suas respectivas quantidades. A segunda
tabela, denominada “Aspecto Gramatical e Lexical”, trata das noções aspectuais produzidas
pela criança informante, tanto lexicais (verbos télicos e atélicos) quanto gramaticais
(perfectivo e imperfectivo34).
No que tange aos critérios da tabela “Flexão Verbal”, apresentamos particípio,
gerúndio e infinitivo, mesmo sabendo que se trata de formas nominais (ou aspectuais), ou
seja, não representam flexões de tempo. Achamos importante verificar o surgimento de
gerúndio e particípio porque essas formas nominais podem mostrar dados relativos ao
aspecto. O destaque para os infinitivos deve-se ao fato de que eles podem aludir à falta da
flexão verbal e, consequentemente, sugerir que as categorias tempo e aspecto só se
estabilizam depois de um determinado período em que a criança fica exposta à língua.
Sobre a análise da categoria aspecto, é importante frisar que foram verificados
aspectos lexicais apenas nos verbos que apresentam aspecto gramatical, excluindo, portanto,
infinitivo, futuro e imperativo. Isso porque um de nossos objetivos é verificar a relação do
conteúdo inerente às raízes verbais de aspecto com suas representações gramaticais.
Dito isso, podemos seguir com a descrição das gravações.

6.1 Descrição individual das gravações

Neste primeiro momento, detalharemos os resultados das 14 gravações de acordo com


os critérios anteriormente especificados. Na próxima seção, apresentaremos a divisão das
gravações em grupos, bem como a análise dos resultados.
34
Subdividimos a categoria imperfectivo em: imperfectivo e progressivo. Sabemos perfeitamente que o aspecto
progressivo se inclui dentro da natureza imperfectiva do aspecto verbal, mas como nosso objetivo é de apontar
quando aparecem as construções progressivas na fala da criança, achamos pertinente manter a divisão.
84

Na primeira gravação, a idade da criança era 1;5.4 (um ano, cinco meses e 4 dias),
foram coletadas 140 frases, em que apenas 38 eram compostas por verbos, cuja classificação é
a seguinte:

Tabela 2 – Flexão verbal – 1ª Gravação


Idade: 01;5.4

Futuro 0
Imperativo 24
Imperativo com infinitivo 0

Infinitivo 0
Particípio 0
Gerúndio 0

Pretérito perfeito 10
Pretérito perfeito com infinitivo 0
Pretérito perfeito com gerúndio 0

Presente 04
Presente com gerúndio 0
Presente com infinitivo 0
Presente com particípio 0

Pretérito imperfeito 0
Pretérito imperfeito com gerúndio 0
Pretérito imperfeito com infinitivo 0

Total de ocorrências verbais 38


Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu na forma


imperativo - 63,1% (exemplos: “Pega”, “Olha lá”.). Em seguida, notamos algumas formas
flexionadas no pretérito perfeito - 26,3% (exemplo: “Abô” – para acabou) e, em menor escala,
frases no tempo presente - 10,5% (exemplo: “Vão”). Não houve incidência de frase no futuro
ou pretérito imperfeito. Notamos que a criança não manifestou fonologicamente o sujeito das
orações, apenas utilizou os verbos nas formas flexionadas, como “vão” (para vamos), “abô”
(para acabou), “seei” (para achei). A produção verbal da criança pode ser assim contabilizada:
85

Gráfico 1 – Flexão verbal – 1ª Gravação

Imperativo
Pretérito Perfeito
Presente

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o


seguinte:

Tabela 3 – Aspecto Gramatical e Lexical – 1ª Gravação


Idade: 01;5.4

ASPECTO GRAMATICAL

Perfectivo 10
Imperfectivo 04
Progressivo 0

Total: 14

ASPECTO LEXICAL

Télico 10
Atélico 04

Total : 14

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à categoria aspecto gramatical, a maior parte da produção foi do
aspecto perfectivo (71,4%), revelado pela flexão do pretérito perfeito. Encontramos algumas
vezes o aspecto imperfectivo (28,5%). Pudemos notar a relação entre
perfectividade/imperfectividade e telecidade/atelicidade. Em todas as frases, o aspecto
perfectivo encontrado foi para verbos de natureza télica e o imperfectivo para verbos de
natureza atélica, tal como mostra o gráfico abaixo.
86

Gráfico 2 – Aspecto Gramatical e Lexical – 1ª Gravação

Perfectivo Télico
Imperfectivo Atélico

Fonte: Dados da pesquisa

Na segunda gravação, a idade da criança era 1;5.18 (um ano, 5 meses e dezoito dias),
foram coletadas 77 frases, em que apenas 8 eram compostas por verbos, cuja classificação é a
seguinte:

Tabela 4 – Flexão verbal – 2ª Gravação


Idade: 01;5.18

Futuro 0
Imperativo 01
Imperativo com infinitivo 0

Infinitivo 01
Particípio 0
Gerúndio 0

Pretérito perfeito 05
Pretérito perfeito com infinitivo 0
Pretérito perfeito com gerúndio 0

Presente 01
Presente com gerúndio 0
Presente com infinitivo 0
Presente com particípio 0

Pretérito imperfeito 0
Pretérito imperfeito com gerúndio 0
Pretérito imperfeito com infinitivo 0

Total de ocorrências verbais 08


Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu na forma


flexionada, pretérito perfeito - 62,5% (exemplo: “Abô” – para acabou). Em seguida, vieram
na mesma quantidade o imperativo - 12,5% (exemplo: “Ense de água” – para encha de água),
o infinitivo - 12,5% (exemplo: “Fumá”) e o presente - 12,5% (exemplo: “Tá lá.”). Não houve
incidência de frases no futuro ou pretérito imperfeito. A produção verbal da criança pode ser
assim contabilizada:
87

Gráfico 3 – Flexão verbal – 2ª Gravação

Pretérito Perfeito
Presente
Imperativo
Infinitivo

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o


seguinte:

Tabela 5 – Aspecto Gramatical e Lexical – 2ª Gravação


Idade: 01;5.18

ASPECTO GRAMATICAL

Perfectivo 05
Imperfectivo 02
Progressivo 0

Total: 07

ASPECTO LEXICAL

Télico 06
Atélico 01

Total : 07

Fonte: Dados da pesquisa

Em se tratando da categoria aspecto gramatical, a maior parte da produção foi do


aspecto perfectivo (83,3%), revelado pela flexão do pretérito perfeito. Encontramos poucas
vezes o aspecto imperfectivo (16,6%). Outra vez, foi estabelecida a relação
perfectividade/imperfectividade e telecidade/atelicidade. Na maioria das frases (exceto uma
frase no imperfectivo em que o verbo era télico), o aspecto perfectivo encontrado foi para
88

verbos de natureza télica e o imperfectivo para verbos de natureza atélica, conforme gráfico
abaixo:

Gráfico 4 – Aspecto Gramatical e Lexical – 2ª Gravação

Perfectivo Télico
Imperfectivo Atélico

Fonte: Dados da pesquisa

Na terceira gravação, a idade da criança era 1;8.25 (um ano, oito meses e vinte e cinco
dias), foram coletadas 151 frases, em que 53 eram compostas por verbos, cuja classificação é
a seguinte:

Tabela 6 – Flexão verbal – 3ª Gravação


Idade: 01;8.25

Futuro 0
Imperativo 21
Imperativo com infinitivo 0

Infinitivo 08
Particípio 0
Gerúndio 0

Pretérito perfeito 05
Pretérito perfeito com infinitivo 0
Pretérito perfeito com gerúndio 0

Presente 19
Presente com gerúndio 0
Presente com infinitivo 0
Presente com particípio 0

Pretérito imperfeito 0
Pretérito imperfeito com gerúndio 0
Pretérito imperfeito com infinitivo 0

Total de ocorrências verbais 53

Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior incidência de frases foi na forma de


imperativo - 39,6% (exemplo: “Vila.” – para vira.) e presente - 35,8% (exemplo: “Prucuro.”).
Em seguida obtivemos as formas de infinitivo - 15% (exemplo: “Fazê.”) e pretérito perfeito -
89

9,4% (exemplo: “Caiuuu.”). Não houve incidência de frases no futuro ou pretérito imperfeito,
assim como nas duas primeiras gravações. A produção verbal da criança pode ser assim
contabilizada:

Gráfico 5 – Flexão verbal – 3ª Gravação

Imperativo
Presente
Infinitivo
Pretérito Perfeito

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o


seguinte:

Tabela 7 – Aspecto Gramatical e Lexical – 3ª Gravação


Idade: 01;8.25

ASPECTO GRAMATICAL

Perfectivo 05
Imperfectivo 19
Progressivo 0

Total: 24

ASPECTO LEXICAL

Télico 04
Atélico 20

Total : 24
Fonte: Dados da pesquisa

Sobre a categoria aspecto gramatical, a maior parte da produção foi do aspecto


imperfectivo (79,1%), revelado pelas construções no tempo presente. Encontramos o aspecto
perfectivo (16,6%) em número bastante reduzido, se comparado às gravações anteriores.
Novamente, observamos uma forte relação perfectividade/imperfectividade e
telecidade/atelicidade. Em quase todas as frases, o aspecto perfectivo encontrado foi para
90

verbos de natureza télica e o imperfectivo para verbos de natureza atélica, conforme gráfico
abaixo. Não identificamos frases no futuro ou pretérito imperfeito.

Gráfico 6 – Aspecto Gramatical e Lexical – 3ª Gravação

Perfectivo
Télico
Imperfectivo
Atélico

Fonte: Dados da pesquisa

Na quarta gravação, a idade da criança era 1;9.20 (um ano, nove meses e vinte dias),
foram coletadas 158 frases, em que 75 eram compostas por verbos, cuja classificação é a
seguinte:

Tabela 8 – Flexão verbal – 4ª Gravação


Idade: 01;9.20

Futuro 0
Imperativo 11
Imperativo com infinitivo 0

Infinitivo 03
Particípio 0
Gerúndio 0

Pretérito perfeito 10
Pretérito perfeito com infinitivo 0
Pretérito perfeito com gerúndio 0

Presente 31
Presente com gerúndio 17
Presente com infinitivo 03
Presente com particípio 0

Pretérito imperfeito 0
Pretérito imperfeito com gerúndio 0
Pretérito imperfeito com infinitivo 0

Total de ocorrências verbais 75


Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu na forma de


presente - 41,3% (“É minha gali.”), sendo que, pela primeira vez, encontramos perífrases
verbais, conforme indicado pelo item presente com gerúndio - 22,6% (exemplo: “Babalu tá
91

fazéndu”), e formas do presente seguidas de infinitivo - 4% (exemplo: “Qué papá”). Além


disso, contabilizados frases no imperativo - 14,6% (exemplo: “Pala, pala”. – para Fala. Fala.)
e pretérito perfeito - 13,3% (exemplo: “Tilô” – para tirou). Não houve incidência de frases no
futuro ou pretérito imperfeito. A produção verbal da criança pode ser assim contabilizada:

Gráfico 7 – Flexão verbal – 4ª Gravação

Presente
Presente com gerúndio
Imperativo
Pretérito perfeito
Infinitivo
Presente com infinitivo

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o


seguinte:

Tabela 9 – Aspecto Gramatical e Lexical – 4ª Gravação


Idade: 01;9.20

ASPECTO GRAMATICAL

Perfectivo 10
Imperfectivo 51
Progressivo 0

Total: 61

ASPECTO LEXICAL

Télico 13
Atélico 48

Total : 61
Fonte: Dados da pesquisa

Podemos notar que, em se tratando da categoria aspecto gramatical, a maior parte da


produção foi do aspecto imperfectivo (83,6%), revelado pelas construções no tempo presente.
Encontramos também o aspecto perfectivo (16,3%). Outra vez, temos a relação
perfectividade/imperfectividade e telecidade/atelicidade, em que, na maioria das frases, o
92

aspecto perfectivo encontrado foi para verbos de natureza télica e o imperfectivo para verbos
de natureza atélica, conforme gráfico a seguir.

Gráfico 8 – Aspecto Gramatical e Lexical – 4ª Gravação

Perfectivo Télico
Imperfectivo Atélico

Fonte: Dados da pesquisa

Na quinta gravação, houve um salto, a criança já estava com a idade de 3;4.15 (três
anos, quatro meses e quinze dias), foram coletadas 352 frases, em que 268 eram compostas
por verbos. Percebemos que, assim como ocorreu um grande intervalo de tempo entre uma
gravação e outra (1 ano e 7 meses, especificamente), aconteceu um salto na quantidade de
produção da criança. Neste momento, parece pertinente dizer que, quanto mais avançada a
idade da criança, mais sofisticado (em termos de produção de morfemas ligados a tempo
verbal) é o seu desempenho. A classificação ficou assim:
93

Tabela 10 – Flexão verbal – 5ª Gravação


Idade: 03;4.15

Futuro 41
Imperativo 41
Imperativo com infinitivo 0

Infinitivo 05
Particípio 0
Gerúndio 0

Pretérito perfeito 36
Pretérito perfeito com infinitivo 0
Pretérito perfeito com gerúndio 0

Presente 112
Presente com gerúndio 14
Presente com infinitivo 14
Presente com particípio 0

Pretérito imperfeito 04
Pretérito imperfeito com gerúndio 01
Pretérito imperfeito com infinitivo 0

Total de ocorrências verbais 268

Fonte: Dados da pesquisa

Os dados anteriores revelam o surgimento de tempos verbais que não havíamos


identificado até então. Até a idade de um ano e nove meses, a criança não havia manifestado
construções de tempo futuro e pretérito imperfeito. A maior quantidade de verbos continuou
no tempo presente - 41,7% (exemplo: “Eu não sei onde tá.”), agora seguidas de frases no
futuro - 15,2% (exemplo: “Eu vou.”), imperativo - 15,2% (exemplo: “Pega ele.”), pretérito
perfeito - 13,4% (exemplo: “Perdeu o durequinho aqui.”), presente com gerúndio - 5,22%
(exemplo: “Por que cê tá tirando dos olho?”), presente com infinitivo - 5,22% (exemplo:
“Deixa eu tirá um pouquinho, mamãe?”), infinitivo - 1,8% (exemplo: “Pra arrumá”), pretérito
imperfeito - 1,4% (exemplo: “Queria que cê dormia comigo”) e pretérito imperfeito com
gerúndio - 0,3% (exemplo: “E eu queria que cê dormindo comigo.”). A produção verbal da
criança a partir desse momento se revela muito mais completa, no sentido de apresentar todos
os tempos (passado, presente e futuro) e pode ser contabilizada da seguinte maneira:
94

Gráfico 9: Flexão verbal – 5ª Gravação


Presente

Futuro

Imperativo

Pretérito perfeito

Presente com gerúndio

Presente com infinitivo

Infinitivo

Pretérito imperfeito

Pretérito imperfeito com


gerúndio

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o


seguinte:

Tabela 11 – Aspecto Gramatical e Lexical – 5ª Gravação

Idade: 03;4.15

ASPECTO GRAMATICAL

Perfectivo 35
Imperfectivo 131
Progressivo 14

Total: 180

ASPECTO LEXICAL

Télico 64
Atélico 116

Total : 180

Fonte: Dados da pesquisa

Pudemos notar que, em se tratando da categoria aspecto gramatical, a maior parte da


produção foi do aspecto imperfectivo (80,4%), seguida de perfectivo (19,6%). A novidade foi
o aparecimento do aspecto progressivo (7,7% - já contabilizados na soma do aspecto
imperfectivo), identificado a partir das sentenças com perífrases expressas por presente com
gerúndio35. Continuamos com a relação perfectividade/imperfectividade e

35
Consideramos o aspecto progressivo como uma parte específica do aspecto imperfectivo. Nas sentenças em
que identificamos o aspecto imperfectivo temos formas só no presente e formas no presente com gerúndio.
95

telecidade/atelicidade. A maioria das frases com verbos com aspecto perfectivo foram
observados verbos de natureza télica e, para os verbos com morfologia no imperfectivo, foram
observados verbos de natureza atélica, conforme gráfico abaixo:

Gráfico 10 – Aspecto Gramatical e Lexical – 5ª Gravação

Perfectivo
Imperfectivo Télico

Progressivo Atélico

Fonte: Dados da pesquisa

Na sexta gravação, a idade da criança era 3;6.28 (três anos, seis meses e vinte e oito
dias), foram coletadas 73 frases, em que 48 eram compostas por verbos, cuja classificação é a
seguinte:

Nossa ideia aqui foi destacar as formas progressivas, pois, elas apareceram depois de certo amadurecimento
biológico da criança e, além disso, são menos frequentes do que as construções de sentenças “simples”.
96

Tabela 12 – Flexão verbal – 6ª Gravação


Idade: 03;6.28

Futuro 03
Imperativo 0
Imperativo com infinitivo 01

Infinitivo 02
Particípio 0
Gerúndio 0

Pretérito perfeito 08
Pretérito perfeito com infinitivo 0
Pretérito perfeito com gerúndio 0

Presente 25
Presente com gerúndio 03
Presente com infinitivo 02
Presente com particípio 0

Pretérito imperfeito 03
Pretérito imperfeito com gerúndio 0
Pretérito imperfeito com infinitivo 1

Total de ocorrências verbais 48


Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu no presente -


52% (exemplo: “Nasce na barriga, mas não sai.”), em seguida pretérito perfeito - 16,6%
(exemplo: “Achei aqui.”), futuro - 6,2% (exemplo: “Eu vô te mostrá o Minotauro.”), presente
com gerúndio - 6,2% (exemplo: “Porque a outra, tá viajando.”), pretérito imperfeito - 6,2%
(exemplo: “Eu não, queria que ele perdia.”), infinitivo - 4,1% (exemplo: “Sair?”), presente
com infinitivo - 4,1% (exemplo: “Vai cês sair”), imperativo com infinitivo - 2% (“Ajuda eu
procurá.”) e pretérito imperfeito com infinitivo - 2% (exemplo: “Eu queria tê um cavalo,
mãe.”). Assim como na quinta gravação, agora a criança produz sentenças em três tempos
verbais. A produção verbal da criança pode ser assim contabilizada:
97

Gráfico 11 – Flexão verbal – 6ª Gravação

Presente

Pretérito perfeito

Futuro

Presente com gerúndio

Pretérito imperfeito

Presente com infinitivo

Infinitivo

Imperativo com infinitivo

Pretérito imperfeito com


infinitivo
Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o


seguinte:

Tabela 13 – Aspecto Gramatical e Lexical – 6ª Gravação

Idade: 03;6.28

ASPECTO GRAMATICAL

Perfectivo 08
Imperfectivo 31
Progressivo 03

Total: 42

ASPECTO LEXICAL

Télico 13
Atélico 29

Total : 42

Fonte: Dados da pesquisa

Sobre o aspecto gramatical, a maior parte da produção foi do aspecto imperfectivo


(80,9%), revelado pelas construções no tempo presente e gerúndio, seguido do aspecto
perfectivo (19%) e do progressivo (7,1% - já contabilizados na soma do aspecto
imperfectivo). Outra vez, temos a relação perfectividade/imperfectividade e
telecidade/atelicidade. Na maioria das frases, o aspecto perfectivo encontrado correspondeu a
verbos de natureza télica e o imperfectivo a verbos de natureza atélica, conforme gráfico a
seguir.
98

Gráfico 12 – Aspecto Gramatical e Lexical – 6ª Gravação

Perfectivo
Télico
Imperfectivo
Atélico
Progressivo

Fonte: Dados da pesquisa

Na sétima gravação, a idade da criança era 3;7.08 (três anos, sete meses e oito dias),
foram coletadas 106 frases, em que 61 eram compostas por verbos, cuja classificação é a
seguinte:

Tabela 14 – Flexão verbal – 7ª Gravação


Idade: 03;7.08

Futuro 04
Imperativo 03
Imperativo com infinitivo 0

Infinitivo 03
Particípio 0
Gerúndio 0

Pretérito perfeito 18
Pretérito perfeito com infinitivo 0
Pretérito perfeito com gerúndio 0

Presente 25
Presente com gerúndio 01
Presente com infinitivo 04
Presente com particípio 0

Pretérito imperfeito 03
Pretérito imperfeito com gerúndio 0
Pretérito imperfeito com infinitivo 0

Total de ocorrências verbais 61

Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu no presente -


40,9% (exemplo: “É só desse zeitinho não é grande não a história.”), em seguida pretérito
perfeito - 29,5% (exemplo: “Cortô tudo no meio.”), futuro - 6,5% (exemplo: “Que eu vou
falá.”), presente com infinitivo - 6,5% (exemplo: “Eu não sei cantá.”), imperativo - 4,9%
(exemplo: “Cala essa boca.”) infinitivo - 4,9% (exemplo: “Cantá a música.”), pretérito
99

imperfeito - 4,9% (exemplo: “E daíí, e lá tinha uma leoooa.”) e presente com gerúndio - 1,6%
(exemplo: “Mas eu to falando.”). A criança mantém produção de sentenças nos três tempos
verbais. A produção verbal da criança pode ser assim contabilizada:

Gráfico 13 – Flexão verbal – 7ª Gravação

Presente

Pretérito Perfeito

Futuro

Presente com
infinitivo
Imperativo

Infinitivo

Pretérito imperfeito

Presente com
gerúndio

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o


seguinte:

Tabela 15 – Aspecto Gramatical e Lexical – 7ª Gravação


Idade: 03;7.8

ASPECTO GRAMATICAL

Perfectivo 18
Imperfectivo 32
Progressivo 01

Total: 51

ASPECTO LEXICAL

Télico 18
Atélico 32

Total : 51
Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à categoria aspecto gramatical, a maior parte da produção foi do
aspecto imperfectivo (64,6%), revelado pelas construções no tempo presente e gerúndio. Já o
aspecto perfectivo apareceu em menor escala (35,2%), seguido do progressivo 1,9% (já
contabilizado na soma do aspecto imperfectivo). Temos, de novo, validação da relação
100

perfectividade/imperfectividade e telecidade/atelicidade. Na maioria das frases, o aspecto


perfectivo encontrado foi para verbos natureza télica e o imperfectivo para verbos de natureza
atélica, conforme gráfico abaixo.

Gráfico 14 – Aspecto Gramatical e Lexical – 7ª Gravação

Perfectivo
Télico
Imperfectivo
Atélico
Progressivo

Fonte: Dados da pesquisa

Na oitava gravação, a idade da criança era 3;8.13, (três anos, oito meses e treze dias)
foram coletadas 208 frases, em que 169 eram compostas por verbos, cuja classificação é a
seguinte:

Tabela 16 – Flexão verbal – 8ª Gravação


Idade: 03;8.13

Futuro 12
Imperativo 11
Imperativo com infinitivo 0

Infinitivo 03
Particípio 0
Gerúndio 0

Pretérito perfeito 29
Pretérito perfeito com infinitivo 0
Pretérito perfeito com gerúndio 0

Presente 64
Presente com gerúndio 06
Presente com infinitivo 09
Presente com particípio 0

Pretérito imperfeito 34
Pretérito imperfeito com gerúndio 0
Pretérito imperfeito com infinitivo 01

Total de ocorrências verbais 169

Fonte: Dados da pesquisa


101

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu no presente –


37,8% (exemplo: “Eu pego água do vasinho.”), mas, diferentemente de todas as gravações
surgiu um alto número de pretérito imperfeito - 20% (exemplo: “E daí cê jogava veneno na
gente.”), seguido de pretérito perfeito - 17,1% (exemplo: Porque eu que inventei a
brincadeira.”), futuro - 7,1% (exemplo: “E eu vô.”), imperativo - 6,5% (exemplo: “Arruma
aí.”), presente com infinitivo - 5,3% (exemplo: “Eu sei fazê a de feita de água.”), presente
com gerúndio - 3,5% (exemplo: “Tá levano?”), infinitivo - 1,7% (exemplo: “Quebrá tua perna
porquê.”) e pretérito imperfeito com infinitivo - 0,5% (exemplo: “Mais eu queria guardá.”). A
criança mantém a produção de todos os tempos verbais. A produção verbal da criança pode
ser assim contabilizada:

Gráfico 15 – Flexão verbal – 8ª Gravação

Presente

Pretérito Imperfeito

Pretérito Perfeito

Futuro

Imperativo

Presente com infinitivo

Presente com gerúndio

Imperativo com infinitivo

Infinitivo

Pretérito imperfeito com


infinitivo

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o


seguinte:
102

Tabela 17 – Aspecto Gramatical e Lexical – 8ª Gravação


Idade: 03;8.13

ASPECTO GRAMATICAL

Perfectivo 29
Imperfectivo 105
Progressivo 06

Total: 140

ASPECTO LEXICAL

Télico 33
Atélico 107

Total : 140

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito ao aspecto gramatical, a maior parte da produção foi do aspecto
imperfectivo (79,2%), revelado pelas construções no tempo presente e gerúndio. Já o aspecto
perfectivo apareceu em menor escala (20,7%), seguido do progressivo (4,2% - já
contabilizados na soma do aspecto imperfectivo). Continuamos confirmando a relação
perfectividade/imperfectividade e telecidade/atelicidade. Na maioria das frases o aspecto
perfectivo encontrado foi para verbos de natureza télica e o imperfectivo para verbos de
natureza atélica, conforme gráfico abaixo:

Gráfico 16 – Aspecto Gramatical e Lexical – 8ª Gravação

Perfectivo
Télico
Imperfectivo
Atélico
Progressivo

Fonte: Dados da pesquisa

Na nona gravação, a idade da criança era 4.15 (quatro anos e quinze dias), foram
coletadas 87 frases, em que 48 eram compostas por verbos, cuja classificação é a seguinte:
103

Tabela 18 – Flexão verbal – 9ª Gravação


Idade: 04.15

Futuro 03
Imperativo 04
Imperativo com infinitivo 0

Infinitivo 04
Particípio 0
Gerúndio 0

Pretérito perfeito 06
Pretérito perfeito com infinitivo 0
Pretérito perfeito com gerúndio 0

Presente 19
Presente com gerúndio 02
Presente com infinitivo 10
Presente com particípio 0

Pretérito imperfeito 0
Pretérito imperfeito com gerúndio 0
Pretérito imperfeito com infinitivo 0

Total de ocorrências verbais 48


Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu no presente -


39,5% (exemplos: “Mais é baixinha.”), em seguida, presente com infinitivo - 20,8%
(exemplo: “Naaaão... eu quero fazê esse.”), pretérito perfeito - 12,5% (exemplo: “Dexô
abeerto.”), imperativo - 8,3% (exemplo: “Vira.”), infinitivo - 8,3% (exemplo: “Fazê material,
Junior.”), futuro - 6,2% (exemplo: “Eu vô arrumá e a Lela também.”) e presente com gerúndio
- 4,1% (exemplo: “A gente não tá gravando”). A criança mantém a produção de todos os
tempos verbais. A produção verbal da criança pode ser assim contabilizada:

Gráfico 17 – Flexão verbal – 9ª Gravação

Presente

Presente com infinitivo

Pretérito perfeito

Imperativo

Infinitivo

Futuro

Presente com gerúndio

Fonte: Dados da pesquisa


104

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o


seguinte:

Tabela 19 – Aspecto Gramatical e Lexical – 9ª Gravação


Idade: 04.15

ASPECTO GRAMATICAL

Perfectivo 06
Imperfectivo 29
Progressivo 02

Total: 37

ASPECTO LEXICAL

Télico 03
Atélico 34

Total : 37

Fonte: Dados da pesquisa

Podemos notar que, em se tratando da categoria aspecto gramatical, a maior parte da


produção foi do aspecto imperfectivo (83,7%), revelado pelas construções no tempo presente
e gerúndio. Já o aspecto perfectivo apareceu em menor escala (16,2%), seguido do
progressivo (5,4% - já contabilizado na soma do aspecto imperfectivo). A tendência da
relação perfectividade/imperfectividade e telecidade/atelicidade se mantém. Na maioria das
frases, o aspecto perfectivo encontrado foi para verbos de natureza télica e o imperfectivo
para verbos de natureza atélica, conforme gráfico a seguir.

Gráfico 18 – Aspecto Gramatical e Lexical – 9ª Gravação

Perfectivo
Télico
Imperfectivo
Atélico
Progressivo

Fonte: Dados da pesquisa


105

Na décima gravação, a idade da criança era 4;2.19 (quatro anos, dois meses e
dezenove dias), foram coletadas 71 frases, em que 58 eram compostas por verbos, cuja
classificação é a seguinte:

Tabela 20 – Flexão verbal – 10ª Gravação


Idade: 04;2.19

Futuro 05
Imperativo 02
Imperativo com infinitivo 0

Infinitivo 01
Particípio 0
Gerúndio 0

Pretérito perfeito 09
Pretérito perfeito com infinitivo 0
Pretérito perfeito com gerúndio 0

Presente 30
Presente com gerúndio 07
Presente com infinitivo 04
Presente com particípio 0

Pretérito imperfeito 0
Pretérito imperfeito com gerúndio 0
Pretérito imperfeito com infinitivo 0

Total de ocorrências verbais 58


Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu no presente –


51,7% (exemplo: “Porque a Lela bate em mim”), em seguida, pretérito perfeito - 15,5%
(exemplo: “Peeerdi de novo, cê ganho, eu perdi.”), presente com gerúndio - 12% (exemplo:
“Eu to arrumaando as coisas né?!”), futuro - 8,6% (exemplo: “Aqui vai pô primeiro a
meesa.”), presente com infinitivo - 6,8% (exemplo: “Mais num pode dá esse algodão.”),
imperativo - 3,4% (exemplo: Pega aí a cadeira mamii.”) e infinitivo - 1,7% (exemplo: “E fazê
filinha?”). A criança mantém a produção de todos os tempos verbais. A produção verbal da
criança pode ser assim contabilizada:
106

Gráfico 19 – Flexão verbal – 10ª Gravação

Presente

Pretérito perfeito

Presente com gerúndio

Futuro

Presente com infinitivo

Imperativo

Imperativo com infinitivo

Infinitivo

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o


seguinte:

Tabela 21 – Aspecto Gramatical e Lexical – 10ª Gravação


Idade: 04;2.19

ASPECTO GRAMATICAL

Perfectivo 09
Imperfectivo 33
Progressivo 07

Total: 49

ASPECTO LEXICAL

Télico 14
Atélico 35

Total : 49

Fonte: Dados da pesquisa

Sobre o aspecto gramatical, a maior parte da produção foi do aspecto imperfectivo


(81,5%), revelado pelas construções no tempo presente e gerúndio. Já o aspecto perfectivo
apareceu em menor escala (18,3%), seguido do progressivo (14,2% - já contabilizados na
soma do aspecto imperfectivo). Continuamos verificando a relação
perfectividade/imperfectividade e telecidade/atelicidade. Na maioria das frases, o aspecto
107

perfectivo encontrado foi para verbos de natureza télica e o imperfectivo para verbos de
natureza atélica, conforme gráfico abaixo.

Gráfico 20 – Aspecto Gramatical e Lexical – 10ª Gravação

Perfectivo
Télico
Imperfectivo
Atélico
Progressivo

Fonte: Dados da pesquisa

Na décima primeira gravação, a idade da criança era 4;4.10 (quatro ano, quatro meses
e dez dias), foram coletadas 118 frases, em que 86 eram compostas por verbos, cuja
classificação é a seguinte:

Tabela 22 – Flexão verbal – 11ª Gravação


Idade: 04;4.10

Futuro 09
Imperativo 03
Imperativo com infinitivo 0

Infinitivo 02
Particípio 0
Gerúndio 0

Pretérito perfeito 19
Pretérito perfeito com infinitivo 01
Pretérito perfeito com gerúndio 0

Presente 43
Presente com gerúndio 03
Presente com infinitivo 04
Presente com particípio 0

Pretérito imperfeito 02
Pretérito imperfeito com gerúndio 0
Pretérito imperfeito com infinitivo 0

Total de ocorrências verbais 86

Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu no presente -


48,8% (exemplo: “Eu não quero na minha gravação gente com chicleete.”), em seguida,
108

pretérito perfeito - 22% (exemplo: “E a menina acreditou”), futuro - 10,4% (exemplo: “Vô lá
no seu quarto.”), presente com infinitivo - 4,6% (exemplo: “Que eu não sei colocá.”),
imperativo - 3,4% (exemplo: “Fecha a porta, num quero na minha gravação.”), presente com
gerúndio - 3,4% (exemplo: “Tô fazendo a história.”), infinitivo - 2,3% (exemplo: “Ir no
clube”), pretérito imperfeito - 2,3% (exemplo: “Eu usava também.”) e pretérito perfeito com
infinitivo - 1,1% (exemplo: “Não vi fazê mais, né?!). A criança mantém a produção de todos
os tempos verbais. A produção verbal da criança pode ser assim contabilizada:

Gráfico 21 – Flexão verbal – 11ª Gravação

Presente

Pretérito perfeito

Futuro

Presente com infinitivo

Imperativo

Presente com gerúndio

Infinitivo
Pretérito imperfeito

Pretérito perfeito com infinitivo

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o


seguinte:

Tabela 23 – Aspecto Gramatical e Lexical – 11ª Gravação


Idade: 04;4.10

ASPECTO GRAMATICAL

Perfectivo 21
Imperfectivo 48
Progressivo 03

Total: 72

ASPECTO LEXICAL

Télico 13
Atélico 59

Total : 72
Fonte: Dados da pesquisa
109

Em se tratando da categoria aspecto gramatical, a maior parte da produção foi do


aspecto imperfectivo (70,9%), revelado pelas construções no tempo presente e gerúndio. Já o
aspecto perfectivo apareceu em menor escala (29,1%), seguido do progressivo (4,1% já
contabilizados na soma do aspecto imperfectivo). Aqui, encontramos a relação
perfectividade/imperfectividade e telecidade/atelicidade, entretanto, numa escala bem menor
do que havíamos constatado até aqui. Em quase metade das frases com aspecto perfectivo,
encontramos aspecto lexical de natureza télica, mas, na outra metade, encontramos verbos de
natureza atélica. No caso de aspecto imperfectivo a correspondência com atelicidade se
manteve, conforme gráfico abaixo:

Gráfico 22 – Aspecto Gramatical e Lexical – 11ª Gravação

Perfectivo
Télico
Imperfectivo
Atélico
Progressivo

Fonte: Dados da pesquisa

Na décima segunda gravação, a idade da criança era 4;6.3 (quatro anos, seis meses e
três dias), foram coletadas 105 frases, em que 79 eram compostas por verbos, cuja
classificação é a seguinte:
110

Tabela 24 – Flexão verbal – 12ª Gravação


Idade: 04;6.3

Futuro 11
Imperativo 02
Imperativo com infinitivo 0

Infinitivo 04
Particípio 0
Gerúndio 0

Pretérito perfeito 08
Pretérito perfeito com infinitivo 0
Pretérito perfeito com gerúndio 0

Presente 44
Presente com gerúndio 03
Presente com infinitivo 06
Presente com particípio 0

Pretérito imperfeito 01
Pretérito imperfeito com gerúndio 0
Pretérito imperfeito com infinitivo 0

Total de ocorrências verbais 79

Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu no presente -


55,6% (exemplo: “Eu toomo maaais ráápido.”), em seguida, futuro - 13,9% (exemplo: “Eu vô
pá di taarde.”), pretérito perfeito - 8,8% (exemplo:” Ahh! Já tomei banho.”), presente com
infinitivo - 7,5% (exemplo: “Mais eu quero nadáá!”), infinitivo - 5% (exemplo: “De naadá.”),
presente com gerúndio - 3,7% (exemplo: “Que que cê tá falando de foora?”) e pretérito
imperfeito - 1,2% (exemplo: “Gostariia?.”). A criança mantém a produção de todos os tempos
verbais. A produção verbal da criança pode ser assim contabilizada:

Gráfico 23 – Flexão verbal – 12ª Gravação


Presente

Futuro

Pretérito perfeito

Presente com infinitivo

Infinitivo

Presente com gerúndio

Pretérito perfeito com


infinitivo
Pretérito imperfeito
Fonte: Dados da pesquisa
111

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o


seguinte:

Tabela 25 – Aspecto Gramatical e Lexical – 12ª Gravação


Idade: 04;6.3

ASPECTO GRAMATICAL

Perfectivo 08
Imperfectivo 50
Progressivo 03

Total: 61

ASPECTO LEXICAL

Télico 10
Atélico 51

Total : 61

Fonte: Dados da pesquisa

Podemos notar que, em se tratando da categoria aspecto gramatical, a maior parte da


produção foi do aspecto imperfectivo (84,4%), revelado pelas construções no tempo presente
e gerúndio. Já o aspecto perfectivo apareceu em menor escala (15,6%), seguido do
progressivo (5,88% - já contabilizado na soma do aspecto imperfectivo). Diferentemente da
décima primeira gravação, temos novamente a validação da relação
perfectividade/imperfectividade e telecidade/atelicidade. Na maioria das frases, o aspecto
perfectivo encontrado foi para verbos de natureza télica e o imperfectivo para verbos de
natureza atélica, conforme gráfico abaixo.

Gráfico 24 – Aspecto Gramatical e Lexical – 12ª Gravação

Perfectivo
Télico
Imperfectivo
Atélico
Progressivo

Fonte: Dados da pesquisa


112

Na décima terceira gravação, a idade da criança era 4;8.5 (quatro anos, oito meses e
cinco dias), foram coletadas 183 frases, em que 134 eram compostas por verbos, cuja
classificação é a seguinte:

Tabela 26 – Flexão verbal – 13ª Gravação


Idade: 04;8.5

Futuro 04
Imperativo 04
Imperativo com infinitivo 01

Infinitivo 06
Particípio 0
Gerúndio 0

Pretérito perfeito 16
Pretérito perfeito com infinitivo 0
Pretérito perfeito com gerúndio 02

Presente 90
Presente com gerúndio 02
Presente com infinitivo 06
Presente com particípio 0

Pretérito imperfeito 03
Pretérito imperfeito com gerúndio 0
Pretérito imperfeito com infinitivo 0

Total de ocorrências verbais 134

Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu no presente -


67,1% (exemplo: “É nada, é porquê a gente - a gente gosta de brigá memo.”), em seguida,
pretérito perfeito - 11,9% (exemplo: “A Lela mostrou a língua.”), infinitivo - 4,4% (exemplo:
“Comprar mamão?”), presente com infinitivo – 4,4% (exemplo: “Não precisa falar que nem
nenê.”), futuro - 2,9% (exemplo: “Eu não vou na di manhã, nemmm!”), imperativo - 2,9%
(exemplo: “Limpa a cara dela.”), pretérito imperfeito - 2,2% (exemplo: “Que a Olivia era a a
Ísis.”), pretérito perfeito com gerúndio - 1,4% (exemplo: “Ah! Mais ela falou chamando eu,
né bebeé?”), presente com gerúndio - 1,4% (exemplo: “Eu to indooo.”) e imperativo com
infinitivo - 0,74% (exemplo: “Faz no meu pra ver como é que é!”). A criança mantém a
produção de todos os tempos verbais. A produção verbal da criança pode ser assim
contabilizada:
113

Gráfico 25 – Flexão verbal – 13ª Gravação


Presente
Pretérito perfeito
Infinitivo
Presente com infinitivo
Futuro
Imperativo
Pretérito imperfeito
Pretérito perfeito com gerúndio
Imperativo com infinitivo
Presente com gerúndio
Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o


seguinte:

Tabela 27 – Aspecto Gramatical e Lexical – 13ª Gravação


Idade: 04;8.5

ASPECTO GRAMATICAL

Perfectivo 18
Imperfectivo 99
Progressivo 02

Total: 119

ASPECTO LEXICAL

Télico 06
Atélico 113

Total : 119

Fonte: Dados da pesquisa

Podemos notar que, sobre categoria aspecto gramatical, a maior parte da produção foi
do aspecto imperfectivo (88,1%), revelado pelas construções no tempo presente e gerúndio. Já
o aspecto perfectivo apareceu em menor escala (12,1%), seguido do progressivo (5,88% já
contabilizado na soma do aspecto imperfectivo). Assim como na décima primeira agravação,
a validação da relação perfectividade/imperfectividade e telecidade/atelicidade é válida
apenas para imperfectivo e atélico, as frases no perfectivo tiveram a maioria de verbos
atélicos, conforme gráfico a seguir.
114

Gráfico 26 – Aspecto Gramatical e Lexical – 13ª Gravação

Perfectivo
Télico
Imperfectivo
Atélico
Progressivo

Fonte: Dados da pesquisa

Na décima quarta e última gravação, a idade da criança era 4;10.6 (quatro anos, dez
meses e seis dias), foram coletadas 215 frases, em que 137 eram compostas por verbos, cuja
classificação é a seguinte:

Tabela 28 – Flexão verbal – 14ª Gravação


Idade: 04;10.6

Futuro 15
Imperativo 20
Imperativo com infinitivo 0

Infinitivo 04
Particípio 0
Gerúndio 0

Pretérito perfeito 21
Pretérito perfeito com infinitivo 0
Pretérito perfeito com gerúndio 0

Presente 49
Presente com gerúndio 12
Presente com infinitivo 05
Presente com particípio 0

Pretérito imperfeito 07
Pretérito imperfeito com gerúndio 02
Pretérito imperfeito com infinitivo 02

Total de ocorrências verbais 137

Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu no presente -


35,7% (exemplo: “Essa daqui não presta mais.”), em seguida, pretérito perfeito - 15,3%
(exemplo: “Cheguei, cheguei, cheguei com uma bonequinha aqui pra vocêê.”), imperativo -
14,5% (“Olha, Lu.”), futuro - 10,9% (exemplo: “Eu vô escrevê.”), presente com gerúndio -
8,7% (exemplo: “Eu tô aprendeno a historia.”), pretérito imperfeito - 5,1% (exemplo: “Daí eu
115

comprava uma roupinha pra ela.”), presente com infinitivo - 3,6% (exemplo: “Eu quero mudá
pra casa lá perto da Vânia.”), infinitivo - 2,9% (exemplo: Qué vê, ó?!), pretérito imperfeito
com gerúndio - 1,4% (exemplo: “A gente tava brincano.”) e pretérito imperfeito com
infinitivo - 1,4% (exemplo: “Queria ficá fazeno uma lá na escolinha.”) A criança mantém a
produção de todos os tempos verbais. A produção verbal da criança pode ser assim
contabilizada:

Gráfico 27 – Flexão verbal – 14ª Gravação

Presente
Pretérito perfeito
Imperativo
Futuro
Presente com gerúndio
Pretérito imperfeito
Presente com infinitivo
Infinitivo
Pretérito imperfeito com gerúndio
Pretérito imperfeito com infinitivo

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o


seguinte:

Tabela 29 – Aspecto Gramatical e Lexical – 14ª Gravação


Idade: 04;10.6

ASPECTO GRAMATICAL

Perfectivo 23
Imperfectivo 63
Progressivo 10

Total: 96

ASPECTO LEXICAL

Télico 20
Atélico 76

Total : 96
Fonte: Dados da pesquisa

Do mesmo modo como ocorreu nas gravações anteriores, em se tratando da categoria


aspecto gramatical, a maior parte da produção foi do aspecto imperfectivo (76,4%), revelado
116

pelas construções no tempo presente e gerúndio. Já o aspecto perfectivo apareceu em menor


escala (23,9%), seguido do progressivo (10,4% já contabilizado na soma do aspecto
imperfectivo). De novo, temos a validação da relação perfectividade/imperfectividade e
telecidade/atelicidade, confirmando o aspecto perfectivo para verbos de natureza télica e o
imperfectivo para verbos de natureza atélica, conforme gráfico abaixo:

Gráfico 28 – Aspecto Gramatical e Lexical – 14ª Gravação

Perfectivo
Télico
Imperfectivo
Atélico
Progressivo

Fonte: Dados da pesquisa

Nesta seção, conforme demonstrado, apresentamos os resultados das análises para as


flexões de tempo verbal e aspecto verbal para cada etapa estudada. Na próxima seção,
faremos análises para as flexões de tempo verbal e de aspecto verbal para cada etapa
estudada, observando-se períodos maiores, pois agruparemos alguns resultados.

6.2 Agrupamento das gravações

Podemos resumir os dados anteriormente descritos quanto ao aparecimento de


categorias verbais e, diante do surgimento de diferentes construções temporais, propor a
divisão das gravações em três grupos principais.
Optamos por unir, no primeiro grupo, as três primeiras gravações, período em que a
criança tinha idade entre um ano e cinco meses e um ano e oito meses. Isso porque, durante
essa idade, a criança construiu sentenças utilizando apenas quatro noções temporais:
imperativo, infinitivo, presente e pretérito perfeito simples.
Na primeira gravação, quando a criança tinha a idade de 1;5.4 (um ano, cinco meses e
quatro dias), encontramos o tempo presente, o pretérito perfeito e imperativo. Na gravação
seguinte, catorze dias depois da primeira gravação, além dos três tempos verbais encontrados
na primeira gravação, também houve a ocorrência do infinitivo. Na terceira gravação, que
veio três meses depois da segunda, a idade da criança era 1;8.25 (um ano, oito meses e vinte e
117

cinco dias) e a criança manteve suas construções apenas nas quatro categorias temporais
mencionadas (imperativo, infinitivo, presente e pretérito perfeito).
O segundo grupo diz respeito apenas à quarta gravação, ocasião em que a criança tinha
a idade de 1;9.2 (um ano, nove meses e dois dias). Essa proposta de agrupamento se dá
porque, além das quatro noções temporais verificadas nas três primeiras gravações, a criança
apresentou, em sua fala, construções mais complexas, pois identificamos frases no presente
com infinitivo e presente com gerúndio, ou seja, neste último caso, destacamos a utilização de
perífrases verbais.
Diante disso, podemos afirmar que a diferença do primeiro e do segundo grupo é que,
no primeiro, a criança apresentou, em sua fala, apenas morfemas de presente e pretérito
simples, imperativo e infinitivo, já no segundo grupo, a criança demonstrou sentenças mais
complexas, produzindo, assim, presente com infinitivo e com perífrases verbais no tempo
presente.
O terceiro e último grupo é o maior de todos, isso porque, conforme já explicitado
anteriormente, aconteceu um grande intervalo de tempo entre a quarta e a quinta gravação.
Certamente, durante esse intervalo de gravações, a criança apresentou a aquisição de novas
categorias, mas, infelizmente, não temos como medir isso. Contudo, podemos dizer que, a
partir da quinta gravação, em que a idade da criança tinha 3;4.15 (três anos, quatro meses e
quinze dias) foram identificadas outras formas temporais, tais como futuro e pretérito
imperfeito. Neste momento, a criança passou a demonstrar o domínio de pretérito, presente e
futuro, bem como o aumento da produção de perífrases verbais e as noções aspectuais de
perfectivo e imperfectivo.
Uma vez propostos os três agrupamentos, podemos afirmar que, no primeiro e no
segundo grupo (idade entre um ano e cinco meses e um ano e nove meses), a criança não
apresentava todas as noções temporais, mas que, no terceiro grupo, com idade a partir de 3,4
anos (três anos e quatro dias), encontramos produções com morfemas relativos a todas as
noções temporais. Em outras palavras, podemos dividir os três grupos em: 1) o grupo das
noções de presente e pretérito simples, imperativo e infinitivo; 2) o grupo das noções de
presente, pretérito, imperativo infinitivo e construções perifrásicas; 3) o grupo que engloba as
noções de pretérito, presente, futuro, imperativo, infinitivo e construções perifrásicas.
Conforme já apontamos, o terceiro grupo é o maior de todos. Podemos dizer que, entre 3,4
(três anos e quatro meses) e 4,10 (quatro anos e dez meses) anos de idade, a criança produz
sentenças do mesmo tipo. Aliás, se analisarmos cada um dos gráficos anteriores,
perceberemos uma sofisticação na construção das sentenças produzidas pela criança. Quanto
118

mais avançada a idade da criança, mais complexas podem ser as suas produções. Frase com
pretérito com infinitivo, por exemplo, só surgem mais tarde (com idade entre quatro e quatro
anos e meio).
Para detalhar o momento em que surgem as categorias verbais na fala das crianças,
propomos o gráfico abaixo, em que o topo da pirâmide representa a idade com que a criança
manifestou determinada categorial verbal.

Gráfico 29 – Aparecimento das flexões verbais

Aparecimento das Flexões Verbais


5
4,5
4
3,5
3
2,5
2
1,5
1 Aparecimento das Flexões
0,5 Verbais
0
Futuro

Presente
Pretérito Perfeito

Pretérito Imperfeito
Imperativo

Pret. Imp. c/gerúndio


Pret. Imp. c/ infinitivo
Imperativo c/ infinitivo

Pre. Perf. com gerúndio

Presente com gerúndio


Infinitivo

Pret. Perf. c/ infinitivo

Presente com infinitivo

Fonte: Dados da pesquisa

Diante do gráfico, parece-nos plausível afirmar que os recursos de marcação de tempo


na sentença são desenvolvidos gradualmente, esses parâmetros não estão fixados desde o
nascimento da criança. À medida que a criança recebe os inputs é que ela vai ativando os
valores morfológicos de tempo.
No que diz respeito ao agrupamento das categorias de aspecto gramatical, podemos
propor a divisão em apenas dois grupos. O primeiro grupo diz respeito às noções simples de
perfectivo e imperfectivo, o segundo grupo, por outro lado, subdivide o aspecto imperfectivo
em imperfectivo e progressivo. Optamos por destacar o aspecto progressivo porque as
construções de natureza progressiva só aparecem mais tarde na fala da criança e se devem à
utilização de perífrases verbais.
119

Entre 1,5 (um ano e cinco meses) e 1,9 (um ano e nove meses) anos de idade a criança
apresenta construções apenas nas formas perfectiva e imperfectiva simples (isto é, sem noções
de progressividade), o aspecto progressivo só vai aparecer a partir da gravação em que a
criança tinha a idade de 3;4.15 (três anos, quatro meses e quinze dias). O gráfico a seguir, em
que o topo da pirâmide representa a idade com que a criança manifestou aquele aspecto
gramatical, resume bem as nossas observações:

Gráfico 30 – Surgimento do Aspecto Gramatical

Surgimento do Aspecto Gramatical


3,5
3
2,5
2 Surgimento do Aspecto
1,5 Gramatical
1
0,5
0
Perfectivo Imperfectivo Progressivo

Fonte: Dados da pesquisa

Sobre o agrupamento das categorias de aspecto lexical, não é cabível nenhuma


divisão. Isso porque, desde a primeira gravação, a criança construiu sentenças utilizando
diferentes tipos de verbos, o que nos permitiu observar que, desde o início, a criança
demonstrou competência na produção de verbos de natureza télica e atélica.
Podemos ainda contrastar o aparecimento do aspecto lexical e do aspecto gramatical.
De acordo com o gráfico abaixo, em que a ponta da pirâmide aponta a idade do aparecimento
de tais aspectos, podemos pensar que o aspecto lexical parece ser de conhecimento da criança
em fase de aquisição da linguagem, e que, portanto, parece ser anterior ao conhecimento do
aspecto gramatical. Isso porque, no caso do aspecto gramatical, a noção de progressividade só
aparece mais tarde na fala da criança.
120

Gráfico 31 – Contraste Aspecto Gramatical e Lexical

4,5

3,5

2,5 Télico

2 Atélico

1,5

0,5

0
Perfectivo Imperfectivo Progressivo

Fonte: Dados da pesquisa

Conforme mostrado anteriormente, as noções temporais e aspectuais vão surgindo de


acordo com desenvolvimento da criança. Além disso, é curioso notar que os verbos télicos
apareceram nas construções progressivas muito antes dos verbos atélicos. Uma vez que
detalhamos os resultados das gravações e fizemos nossas considerações sobre uma maneira de
agrupá-las, passaremos à análise dos nossos resultados, à luz das teorias que nos guiaram
nesta pesquisa.
121

7 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Neste capítulo, tentaremos, a partir dos dados descritos anteriormente, propor uma
discussão a respeito da aquisição de linguagem e, mais especificamente, sobre as categorias
tempo e aspecto, objetos de investigação dessa pesquisa.
Conforme explicações em capítulos anteriores, as propostas de Charles Yang, Mark
Baker, Thornton e Tesan e Kenneth Wexler apresentam ideias distintas a respeito do
desenvolvimento da aquisição da linguagem, por isso, nos empenhamos em buscar, a partir de
nossos dados, um diálogo com esses pesquisadores. A ideia aqui é uma discussão produtiva
sobre aquisição de linguagem.
Em Yang (2002, 2004), encontramos a hipótese de que as crianças em fase de
aquisição da linguagem teriam diferentes gramáticas em competição. Os parâmetros estariam
em competição durante a fase inicial da vida da criança, em que ela não teria fixado
completamente os parâmetros da própria língua. A gramática em competição (ou as
gramáticas em competição) explicaria porque, muitas vezes, a fala das crianças difere da fala
dos adultos, já que o parâmetro da língua da criança ainda estaria em variação.
Para Yang (op. cit.), a fixação da língua da criança dependeria de uma medição
estatística a partir dos inputs que ela receberia por parte da sua comunidade linguística.
Assim, os dados contabilizados a partir dos inputs seriam fundamentais para a parametrização
da língua da criança. Yang (op. cit.) traz uma discussão sobre a fixação das formas verbais de
tempo em verbos irregulares da língua inglesa. Para o autor, existiriam regras que atuariam
juntamente com a regra default de formação de passado regular em inglês na aquisição do
passado irregular. Essas regras operariam em virtude do mecanismo estatístico, já que o
número de ocorrências no input fonológico seria um fator condicional para que a criança
pudesse fixar o padrão que aponta a irregularidade dos verbos.
Em nossa pesquisa, encontramos frases em que a criança, de fato, não demonstrou a
fixação completa de regras padrão da língua portuguesa, pois, em se tratando de tempo, por
exemplo, os nossos dados revelaram que, assim como as crianças pesquisadas por Yang,
nossa criança, muitas vezes, se valeu de regras default, como na sentença “É que ele tá
morrido”, em que a terminação -ido que revela particípio ou adjetivo flexionado em gênero é,
estatisticamente falando, mais recorrente no português brasileiro. Podemos citar como
exemplo também a frase “Eles poram eles poram um quadro de quadro peixe” em que a
construção morfológica do pretérito perfeito está baseada em regras default do português
122

brasileiro, em que, geralmente, mantém-se o radical do verbo (nesse caso, do verbo pôr) e
acrescenta-se o sufixo -am.
Além dos exemplos de marcação morfológica de tempo, temos outras evidências,
conforme aponta Yang de que as crianças começam com os valores de parâmetros em
competição. Na frase “vai cês sair” (no lugar de “vocês vão sair”) notamos que o verbo
auxiliar está anterior ao sujeito, ou seja, trata-se de uma variação na fixação da estrutura
pertinente ao português, já que, no mesmo período de gravação, a criança produziu frases com
o padrão “apropriado”, como por exemplo: “depois eu vou falar”. Ocorrências como no
primeiro exemplo sugerem certa instabilidade na estruturação da sentença. De acordo com
Yang (op. cit.), uma alternativa para a melhor avaliação desse tipo de variação deve ser a
quantificação dos inputs recebidos pela criança. Entretanto, não podemos julgar, a partir de
nossas gravações, a quantidade de inputs recebidos pela criança, pois as frases coletadas
dizem respeito apenas a uma pequena parte do dia a dia da criança. Assim, não podemos fazer
qualquer tipo de comparação com o Modelo Variacional de Yang. O que, de fato, fica claro
em nossos dados é que a criança, aos poucos, vai fixando os parâmetros da língua,
confirmando dessa maneira a hipótese de que a formação da gramática é caracterizada
gradualmente.
Baker (2005) desenvolveu seu trabalho em torno daquilo que optou por chamar de
hierarquia de parâmetros. Para o autor, alguns parâmetros deveriam ser fixados anteriormente
a outros para a criança falar a gramática de sua língua tal qual o adulto. Diante dos nossos
dados, não podemos refutar a proposta de Baker, mas também não temos como confirmá-la.
Para tentar estabelecer uma ordem de fixação de parâmetros, seriam necessários mais dados e,
talvez, comparação dos dados em língua portuguesa aos dados de outras línguas. O que
podemos dizer é que, nas primeiras gravações, quando a criança pesquisada neste trabalho
tinha menos de dois anos de idade, as frases eram ausentes de sujeito como “abô” para
“acabou” e a maioria vinha na forma de imperativo, como em “dá” no lugar de “me dá” e
“abe” ao invés de “abra”. Depois, ao apresentar frases com estruturas maiores, ficou clara a
falta de concordância em situações como em “porque eles tá dormindo” no lugar de “eles
estão (ou tão) dormindo” ou em “eles foi pra casa dele” no lugar de “eles foram para casa
deles.”. Nestes exemplos36, não existe ligação entre o sintagma nominal e o sintagma verbal.
Assim, podemos entender que a criança ainda não validou todos os parâmetros. Essa

36
Não se pode dizer que é um caso de influência do dialeto, porque no ambiente linguístico da criança
detectamos o padrão formal da língua portuguesa, pelo menos em construções relativamente simples, como nos
exemplos citados.
123

validação é gradual. O que podemos dizer, diante de nossos dados, é que o “pontapé” da fala
da criança iniciou-se pela estruturação do sintagma verbal e só depois veio a “harmonização”
dos demais elementos constituintes das sentenças.
Thornton e Tesan (2007) fizeram uma avaliação dos modelos de aquisição de
parâmetros proposto por Yang, Baker e Wexler a partir da averiguação de dois parâmetros
relacionados com as categorias funcionais flexão e negação. As autoras propuseram alguns
critérios de checagem, a saber: continuidade, uniformidade, ordenação, ponto de partida,
requisito de input, trajetória e, por último, conformidade.
A pesquisa de Thornton e Tesan (op. cit.) foi baseada nas falas de quatro crianças
mediante testes de eliciação. De acordo com as autoras, três critérios puderam ser verificados:
ponto de partida, trajetória e conformidade. Os resultados apontaram o modelo de aquisição
hierárquica, proposto por Baker (2005), como o mais pertinente aos dados por elas coletados.
No que diz respeito aos critérios estabelecidos por Thornton e Tesan (op. cit.), não
podemos discuti-los a partir de nossos dados, isso porque as autoras o fazem comparando o
tempo de aquisição de linguagem por parte de quatro crianças. Qualquer que seja o critério
sugerido pelas autoras, ele deve ser feito por comparação entre crianças de mesma faixa
etária. O que ficou evidente aqui, conforme dissemos, é que não se pode refutar a proposição
de hierarquia de parâmetros proposta por Baker (2005).
Além disso, nossos dados indicam que a hipótese que melhor acomoda nossos dados é
a de Wexler (1996, 1998) que propõe a cisão de Tempo em T e AGR, pois, de acordo com o
autor, existiria o estágio OI, período em que as crianças não estariam aptas a utilizar as
marcas de tempo e aspecto paralelamente. Assim, se trouxéssemos nossa proposta de
investigação das categorias tempo e aspecto à luz de Wexler (1996,1998), poderíamos dizer
que ora a criança manifesta morfemas correspondentes aos traços de aspecto, ora produz
morfemas ligados aos traços de tempo, e, em um estágio mais avançado, manifesta morfemas
relacionados aos dois traços. Nessa perspectiva, essas categorias devem ser entendidas como
categorias funcionais distintas, já que elas são responsáveis pela distribuição de marcas
verbais que não são de mesma natureza.
Para Wexler (op. cit.), a criança em fase de aquisição da linguagem teria que passar
pelo Estágio Infinitivo Opcional (OI) e, durante esse período, a criança não seria totalmente
capacitada a produzir verbos com flexão de tempo e concordância ao mesmo tempo. Desse
modo, ela produziria sentenças com falha de tempo ou concordância ou falha de tempo e
concordância, simultaneamente. De acordo com Wexler (op. cit.), existiria, na gramática
infantil, a chamada Restrição de Checagem Única (RCU), e, em virtude dessa restrição,
124

durante a computação sintática não poderia ocorrer a valoração paralela de tempo e


concordância.
Encontramos, em nossas gravações, dados que vão em direção à proposta de Wexler,
pois sugerem a possibilidade da existência de estágio OI. Esses dados podem ser verificados
em várias gravações e podem ser dadas, como exemplos, frases como “Eles vivia numa
floresta” no lugar de “Eles viviam numa floresta”, ou “Eles foi pra casa dele” no lugar de
“Eles foram para a casa deles”. Nesses exemplos, fica clara a falta de concordância verbal.
Em outra situação, a criança diz, por exemplo, “a hora que eu vê” no lugar de “a hora
que eu vi”, notamos aqui a existência de concordância, mas o verbo não está flexionado na
forma de 1ª pessoa do pretérito perfeito. Se analisarmos os gráficos do capítulo anterior,
perceberemos que, obviamente, a criança só faz construções como nos exemplos anteriores
após certa idade, no caso da nossa criança, a partir de três anos de idade. Isso sugere a RCU
que, como dissemos anteriormente, se daria pela impossibilidade de as crianças realizarem
duas checagens (ou valoração, para usar a terminologia atual) de traços não interpretáveis,
sendo uma de tempo e a outra de concordância. Além disso, na gramática infantil em estágio
OI, ocorreria a valoração em apenas uma dessas categorias. Daí aconteceria a convergência de
uma estrutura com a ausência ou de tempo ou de concordância.
Quanto mais avançada a idade da criança, mais rapidamente o final do estágio OI se
aproxima, já que, esse estágio diz respeito ao amadurecimento cognitivo natural. É importante
salientar que o estágio OI não tem caráter empirista, ele é exclusivamente individual, isto é, o
estágio OI chega ao fim quando a criança atinge amadurecimento biológico para fixação de
determinado parâmetro, ou seja, não se trata do tempo em que ela fica exposta à sua
comunidade linguística, mas da sua capacidade em formular sentenças tidas como pertinentes
àquela língua. De acordo com Wexler (op. cit.), diferenças nos dados dos inputs causam
pequeno impacto na configuração dos parâmetros. Não é necessário um mecanismo
estatístico.
Além de confirmar a proposição do estágio OI de Wexler (op. cit.) e a proposição da
RCU, temos indícios de que nossa hipótese de dissociação da camada de tempo e aspecto
esteja correta. Isso porque as produções verbais com apenas o gerúndio, como em “eu queria
que cê dormindo comigo” ao invés de “eu queria que vo (cê) estivesse dormindo comigo” ou
"zogandu bola” ao “invés de está jogando bola”, seriam frases sem marcação de tempo, mas
com a presença de aspecto, nesse caso, do aspecto progressivo. Assim, podemos dizer que a
ausência de tempo não significa ausência de aspecto e vice-versa e que, portanto, essas duas
categorias, estão, sim, dispostas separadamente.
125

A tabela a seguir confirma que nossa criança investigada, em diferentes ocasiões,


apresentou apenas manifestação de tempo, apenas manifestação de aspecto, manifestação de
tempo e aspecto ou ausência de manifestação de tempo ou de aspecto.

Tabela 30 – Evidências de dissociação de Tempo e Aspecto

Marcações apenas de Tempo Marcações apenas de Aspecto

Porque ela cai. Eu queria que cê dormindo comigo.


(querendo dizer: porque ela caiu).
Sai os ovinhos. Zogandu bola.
(querendo dizer: saiu os ovinhos)
Eu entendii. Papando.
(querendo dizer: eu entendo).
Contanu história.
Brigando com a Dani.
Seguranu o nenenzinho

Marcações de Tempo e Aspecto Marcações com ausência de


Tempo e Aspecto
Pensa que eu to ouvindo. Fazê xixi, pô pijama.
Ela falou chamando eu, né bebé?! Comprar mamão?
Eu tôôô iiindo! Lavá tua cabeça?
Eu tô aprendenu a historia... Qué vê manhê, ó, ó?
Não tá comenu bala. Qué uma palmada?
A gente tava brincanu. Ir no clube.
Fonte: Dados da pesquisa

Se ora a criança produz tempo, ora produz aspecto, ora produz os dois e ora produz
nenhum, nossos dados sugerem aquilo que é considerado por Chomsky (1998, p.15), como
uma projeção única em que “T(empo) é uma categoria funcional, expressando tempo e
estrutura de evento”, possivelmente deve ser representado na gramática mental dos indivíduos
como duas projeções distintas. Isto é, a camada flexional deve ser dissociada, dividida em
duas projeções: uma específica de tempo e a outra de aspecto. Nos casos em que teríamos as
formas verbais únicas, podemos sugerir que, em função do que ocorre nas perífrases, ora
teríamos a noção de tempo, ora a de aspecto, ora as duas noções. Entretanto, no caso das
formas verbais únicas, como o morfema acumula várias noções – modo, tempo e aspecto –
não podemos, ao certo, apontar qual categoria estaria presente na produção do morfema por
parte da criança em fase de aquisição de linguagem.
Diante disso, confirmamos que tempo e aspecto são categorias funcionais distintas e
devem ser entendidas como categorias que cumprem a função de núcleo. Podemos dizer ainda
126

que a sintaxe é motivada pela manifestação dos traços dessas categorias, bem como
complementizadores e determinantes. Assim, podemos esquematizar nossa conclusão sobre
tempo e aspecto da seguinte maneira:

Figura 18 – Esquema das categorias Funcionais

Fonte: Elaborado pelo autor

No que diz respeito aos autores que tratam da aquisição de aspecto, nos valemos de
Bronckart e Sinclair (1973), Bloom, Lifter e Hafitz (1980), Vinnistskaya e Wexler (2001) e
Hodgson (2004).
Os primeiros pesquisadores, Bronckart e Sinclair (op. cit.) desenvolveram uma
pesquisa com crianças em aquisição de língua francesa. Diante dos dados coletados, os
pesquisadores chegaram à conclusão de que as crianças mais jovens usavam flexões de tempo
para sinalizar aspecto e não as noções temporais propriamente ditas.
Em um estudo com crianças em aquisição de língua inglesa, Bloom, Lifter e Haftiz
(op. cit.) chegaram às conclusões similares a de Bronckart e Sinclair. Os autores notaram que
as crianças escolhiam a forma verbal de acordo com o seu conteúdo inerente. Desse modo,
evidenciou-se que as noções aspectuais eram as primeiras a surgir na gramática da criança.
Mais do que isso, sugeriu-se que a aquisição do aspecto lexical antecederia a aquisição do
aspecto gramatical.
Por outro lado, Hodgson (2004) afirmou, a partir de dados da sua pesquisa, que o
aspecto não necessariamente seria anterior a tempo, pois as crianças investigadas
demonstraram dificuldades tanto nas produções de tempo, quanto de aspecto. Isso sugere que
nenhuma das noções estaria totalmente estabilizada na gramática infantil. De acordo com a
autora, pode-se perceber a aquisição de aspecto gramatical estabilizada, em falante de língua
espanhola por volta dos cinco anos de idade.
127

Diante de nossos dados, não podemos afirmar veementemente que aspecto seja
adquirido antes de tempo. O que podemos declarar é que as produções realizadas na forma de
gerúndio que deveriam ser acompanhadas de um verbo auxiliar para marcação de tempo
indicaram a consolidação da categoria aspecto quando tempo ainda não estava totalmente
estabilizado. Se tomássemos os nossos dados como verdade universal para falantes de língua
portuguesa, aí, sim, poderíamos afirmar categoricamente que a aquisição de aspecto é anterior
a tempo. Contudo, nos contentaremos em dizer que a partir da análise dos dados coletados, a
categoria aspecto mostrou-se adquirida antes de tempo, mas que essa não é uma condição
default, uma vez que outros pesquisadores, com dados de outras línguas, encontraram dados
que não dialogam com os nossos.
Conforme dissemos anteriormente, uma das hipóteses deste trabalho diz respeito à
dissociação de tempo e aspecto. Diante dos nossos dados, como nos casos em que
encontramos apenas o gerúndio, podemos sugerir a cisão do nódulo T (tempo) para T e Asp
(tempo e aspecto), uma vez que, nesses casos, a criança realizaria apenas o aspecto
progressivo, não valorando a camada de tempo. Se por outro lado, o nódulo de tempo e
aspecto fosse coincidente, não seria possível a produção de apenas tempo ou aspecto.
Nesse sentido, estamos reafirmando, em bases empíricas, trabalhos que já lançaram
mão dessa mesma hipótese, tal como Hendrix (1991), Solà (1996), Cinque (1999), Giorgi e
Pianesi (1997), Novaes (2004), Braga (2004) e Hermont (2005).
Outro objetivo de nossa pesquisa diz repeito à checagem da correlação perfectividade
e imperfectividade com telicidade e atelicidade, conforme proposto por Sinclair (1973) e
Bloom, Lifter e Haftiz (1980). A análise de nossos dados possibilitou-nos verificar que as
formas perfectivas ocorrem, prioritariamente, com verbos de natureza télica e formas
imperfectivas ocorrem, prioritariamente, com verbos de natureza atélica. No entanto, como
pode ser verificado na 11ª e na 13ª gravação, não existe uma relação precisa entre telicidade e
perfectividade, mesmo sabendo que construções no imperfectivo tenham sido,
majoritariamente, com verbos atélicos.
O fato de percebermos que telicidade (uma ação que tem um limite temporal bem
definido) influencia o surgimento de perfectivo (um processo completo, terminado no
momento da enunciação), de um lado, e atelicidade (uma situação que não tem um limite
temporal bem definido) influencia o surgimento de imperfectivo (um processo em realização
inacabado) nos acena para a possibilidade de o sistema computacional, ao receber os itens do
léxico, serem sensíveis a todo predicado ou a todo sintagma verbal. Ou seja, o sistema
computacional parece não interpretar o verbo unicamente e, sim, toda a estrutura argumental.
128

Desta forma, ao perceber a natureza do acompanhamento e, portanto, a (a)telicidade do verbo


algo parece desencadear o surgimento de morfema correspondente à (im)perfectividade.
Vinnitskaya e Wexler (2001) fizeram testes com crianças russas em fase de aquisição
de linguagem a fim de avaliar qual a produção dessas crianças em relação à categoria aspecto.
As crianças russas demonstraram o uso excessivo da categoria imperfectivo, o que foi
entendido pelos autores como um problema de pragmática, uma vez que as crianças tratariam
declarações novas como informações antigas, por isso utilizavam a forma imperfectiva. Nesta
pesquisa, constatamos que, assim como aconteceu com as crianças russas, a produção de
frases com aspecto imperfectivo (77,5%), pela criança gravada, foi muito superior ao número
de falas com aspecto perfectivo (22,5%), mas a razão das falas com a marcação de
imperfectividade não pode ser compreendida como um problema pragmático, pois, no
contexto das gravações, a criança não processou a informação nova como uma declaração
antiga. Essa é uma avaliação muito complicada, e requer muitos dados extras, por isso, não
achamos pertinente fazer qualquer declaração categórica.
Por fim, podemos dizer que nossos dados colaboram com postulados de Yang (2002,
2004), Baker (2005) e Wexler (1996, 1998) na medida em que confirmam a ideia de que a
criança, apesar de demonstrar uma gramática distinta da gramática do adulto, parece dispor de
categorias funcionais desde muito cedo.
129

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Primeiramente, é importante salientar a importância de tantos trabalhos que buscaram


e buscam um entendimento mais preciso a respeito da aquisição da linguagem e dos
princípios capazes de explicar o modo como a produzimos. Esta pesquisa vem como mais
uma contribuição aos estudos de aquisição da linguagem e, mais especificamente, da análise
de categorias funcionais como a categoria tempo e a categoria aspecto.
Nosso objetivo principal constituiu-se como uma tentativa de dar resposta aos
seguintes questionamentos: a categoria funcional de tempo pode ser dividia em tempo e
aspecto? No processo de aquisição da linguagem, qual categoria emerge primeiramente:
tempo ou aspecto? O surgimento de formas perfectivas e imperfectivas – portanto aspecto
gramatical – é guiado pelo aspecto lexical ou semântico – télico e atélico?
A fim de responder a essas perguntas, debruçamo-nos em uma cuidadosa investigação
e tentamos desenvolver uma dissertação que levasse em conta os principais pressupostos
teóricos capazes de explicar o funcionamento da gramática mental dos seres humanos. E,
além disso, buscamos diferentes estudos com crianças em fase de aquisição de linguagem, de
diferentes países, a fim de guiarmos nossas análises da melhor maneira possível.
Nosso trabalho é composto por um conjunto de sete capítulos: introdução, quadro
teórico, tempo e aspecto, aquisição de linguagem, metodologia, descrição dos dados e, por
último, análise dos resultados.
No primeiro capítulo, introdução, fizemos uma breve explicação dos motivos pelos
quais nos aventuramos nesta pesquisa e a importância de um trabalho dessa natureza para a
comunidade científica, em especial, para a comunidade linguística que busca melhor
compreensão desse fenômeno complexo que é a sintaxe. Explicitamos os objetivos,
apresentamos o quadro teórico a ser adotado e a metodologia a ser implementada.
No segundo capítulo, quadro teórico, tentamos explicar os principais pressupostos da
Gramática Gerativa, que defende a ideia de que uma gramática não é simplesmente uma
descrição, mas, antes, uma teoria explicativa. Explicitamos que o estudo das línguas naturais
diz respeito à pesquisa da competência a partir do desempenho, que se trata, portanto, de um
movimento que parte do universal para o particular. Mostramos que a Teoria Gerativa nasceu
da necessidade de explicação científica para nossas capacidades linguísticas e que essa teoria
é uma peça-chave para a compreensão do nosso órgão mental da linguagem. A trajetória do
capítulo se deu através de uma breve explicação da gênese da teoria, em que abordamos
tópicos importantes sobre ela. Ao longo do texto, tentamos explicar como surge a Teoria
130

Gerativa e como ela concebe os conceitos de Faculdade da Linguagem, competência e


desempenho, Gramática Universal, inatismo, Princípios e Parâmetros, Programa Minimalista,
categorias lexicais e funcionais, traços, formação de sentenças e construção dos sistemas
arbóreos.
No terceiro capítulo, tempo e aspecto, objetos de estudo de nossa pesquisa, tentamos
fazer uma exposição dos conceitos dessas duas categorias a partir de autores importantes,
pioneiros na investigação desses dois fenômenos linguísticos. Em relação a tempo,
constatamos que se trata de uma categoria dêitica, existente apenas por comparação, uma vez
que só existe o tempo presente porque temos o conhecimento do passado e do futuro. O
tempo diz respeito a um momento de referência que pode marcar simultaneidade,
anterioridade ou posterioridade. O aspecto, por sua vez, é uma categoria não dêitica porque
está ligada ao tempo interno ao verbo e divide-se em aspecto gramatical e aspecto lexical. O
aspecto gramatical, o qual demos maior destaque em nossa pesquisa, diz respeito aos
morfemas flexionais e às noções de completude e incompletude e/ou fases de realização do
evento. Pode ser dividido em aspecto perfectivo e imperfectivo. Por outro lado, o aspecto
lexical trata do conteúdo inerente às raízes verbais e da relação verbal com seus
complementos. Podemos dividir tal concepção em dois grupos: o aspecto télico e o atélico.
Além disso, trouxemos uma explicação sobre a constituição de tempo e aspecto como uma
categoria de flexão. Estabelecemos um diálogo com teorias que propõem uma cisão entre
tempo e aspecto, tal como nossa hipótese para essa pesquisa.
No quarto capítulo, aquisição de linguagem, lançamos mão de teorias que
privilegiassem o estudo da aquisição de categorias funcionais. Nossa explicação se deu à
guisa das pesquisas de Charles Yang (2002, 2004), Kenneth Wexler (1996, 1998, 2001) e
Mark Baker (2005). Tentamos compreender, a partir desses teóricos, qual teoria seria mais
apropriada para análise dos nossos dados. Além desses estudiosos, também nos valemos de
Thornton e Tesan (2007), que fizeram um quadro comparativo dos três autores anteriormente
citados. No final do capítulo, criamos uma seção que tratasse unicamente da aquisição de
aspecto. Para explicar questões que tratassem dessa categoria, recorremos aos trabalhos de
Bronckart e Sinclair (1973), Bloom, Lifter e Hafitz (1980), Winnitskaya e Wexler (2001) e
Hodgson (2004).
No quinto capítulo, metodologia, explicamos a opção pelo método dedutivo e
descrevemos a natureza dos nossos dados, compostos por um conjunto de catorze gravações
de uma criança, coletadas durante quatro anos. Verificamos o conteúdo das gravações a partir
de um levantamento de todas as ocorrências verbais presentes e as marcações flexionais de
131

tempo e aspecto, observando se os dados coletados confirmariam ou refutariam os modelos


teóricos que adotamos.
No sexto capítulo, descrição dos dados, apresentamos, detalhadamente, em forma de
tabelas e de gráficos, as ocorrências das formas verbais destacando os morfemas temporais e
aspectuais, além de verificarmos a natureza do aspecto lexical dos sintagmas verbais
produzidos pela criança.
No sétimo capítulo, análise dos resultados, percebemos a complexidade de se
determinar qual modelo de aquisição de parâmetros seria mais apropriado para os nossos
dados. As análises de nossos dados não permitiram a comprovação da proposta de
hierarquização de Baker (2005). Por outro lado, dialogamos com Yang (2002 e 2004) no que
diz respeito à possibilidade de existência de gramáticas em competição, entretanto, não foi
possível explicitar quais seriam as variações da criança senão aquelas que dizem respeito às
marcas de concordância e de marcação morfológica de tempo. Adotamos a proposta de
Wexler (1996, 1998) como muito pertinente para explicar nossos dados, uma vez que eles
confirmaram a existência de um estágio infinitivo opcional, em que a criança falhava na
produção de tempo e concordância. Nas ocasiões em que encontramos aspecto progressivo e
ausência de tempo, confirmamos nossa hipótese que tempo e aspecto seriam categorias
dissociadas.
Além da verificação dos modelos de aquisição de categorias funcionais, nos
propusemos a estabelecer a relação dos traços de telicidade e atelicidade com as formas
perfectivas e imperfectivas. De fato, a maior parte de nossos dados culminou na confirmação
de que verbos télicos expressam perfectividade e verbos atélicos denotam imperfectividade,
salvas exceções da 11ª e 13ª gravação.
Encerramos a descrição de dados coletados e analisados à luz de teorias sobre
aquisição de linguagem e da Teoria Gerativa. Contudo, temos ainda novos olhares e novas
propostas a serem lançadas a respeito das categorias tempo e aspecto agregadas à descrição de
outros elementos importantes na construção da fala infantil.
Pretendemos permanecer neste caminho, pois muitas questões sobre o funcionamento
da marcação de tempo na linguagem humana ainda precisam ser clareados. Este é, sem
dúvidas, o início de uma trajetória cujo tempo é, a nosso ver, o principal aspecto a ser
esclarecido.
132

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