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INTRODUÇÃO AO

MISTÉRIO DA
SANTA CONFISSÃO

“Desde então, Jesus começou a pregar e dizer:


Arrependei-vos, porque é chegado o Reino dos Céus”
(Mateus 4:17)

PE. PAÍSIOS

2023
NOTA

A finalidade desse material é exclusivamente didática e sua produção é


direcionada ao uso dos fiéis e catecúmenos da Catedral Ortodoxa
Antioquina de São Paulo. Qualquer divulgação ou difusão desse material
que exceda esses limites deve ser comunicada ao autor.

1
SUMÁRIO
PREFÁCIO.......................................................................................................................... 5
INTRODUÇÃO AO MISTÉRIO DA SANTA CONFISSÃO..........................................7
Por que arrepender-se?...................................................................................................7
Arrependimento e Confissão.......................................................................................... 8
O que é a Confissão?.......................................................................................................9
Salvação e Confissão.................................................................................................... 10
O que é o pecado............................................................................................................11
OS DEZ MANDAMENTOS............................................................................................. 13
1. “Não terás outros deuses além de mim.”................................................................13
2. “Não farás para ti nenhum ídolo (...)”.....................................................................13
3. “Não tomarás em vão o nome do Senhor (...)”........................................................ 14
4.“Lembra-te do dia de sábado, para santificá-lo.”.................................................... 14
5. “Honra teu pai e tua mãe (...)”................................................................................ 14
6. “Não matarás.”.........................................................................................................14
7. “Não adulterarás.”................................................................................................... 14
8. “Não furtarás.”.........................................................................................................14
9. “Não darás falso testemunho contra o teu próximo.”............................................ 15
10. “Não cobiçarás a casa do teu próximo.(...)”...........................................................15
AS BEM-AVENTURANÇAS............................................................................................16
1. Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus;........... 16
2. Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados;.......................... 17
3. Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra;................................. 18
4. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão saciados;...
20
5. Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia;........ 21
6. Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus;...................... 22
7. Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus;.24
8. Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é
o Reino dos Céus;.......................................................................................................... 25
9. Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo,
disserem todo o mal contra vós por minha causa....................................................... 27
O LAMENTO DE SÃO BASÍLIO, O GRANDE............................................................30
SÃO NICODEMOS DO MONTE ATHOS E O SEU "EXOMOLOGETARION"....... 35
Os três modos de ofender a Deus através do pecado.................................................. 35
As três consequências do pecado no homem............................................................... 36
A prática e a preparação.............................................................................................. 37
Como os pecadores devem confessar (...)..................................................................... 38
CONCLUSÃO & APONTAMENTOS FINAIS..............................................................41
APÊNDICE........................................................................................................................44

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PREFÁCIO

Este pequeno livro é fruto de uma necessidade. Ser Ortodoxo é mais do que
a adesão cega a uma confissão cristã entre tantas outras. A Igreja Ortodoxa
é o Corpo Místico de Cristo, a Fé Verdadeira, a Igreja fundada no
Pentecostes, aquela onde nem "as portas do inferno prevalecerão."
Sabemos disso, discutimos muito sobre este tema ao ponto dele ser familiar
a todos. Porém, é uma grande questão se essas verdades superam no
homem o nível puramente intelectual e descem ao seu coração. Muito do
homem contemporâneo é erguido sobre suas palavras e quase nada sobre
suas ações. Precisamos lutar para corrigir isso. É uma questão de vida ou
morte.
Mas qual o efeito de ser Ortodoxo na vida de um fiel?
Teologicamente, eu diria que é a possibilidade real de união com Deus. Se
eu pudesse destacar um efeito prático disso, eu diria que é a possibilidade
de cura do homem. Porém, se eu tivesse que simplificar ao extremo? Se eu
tivesse que responder isso a alguém que acabou de entrar na Igreja pela
primeira vez, ou ainda está tateando a fé como um bebê? Eu diria, sem
medo algum de errar e sem prejuízo algum da Verdade, que ser Ortodoxo é
buscar o arrependimento dia e noite, até que nossos corpos encontrem a
sepultura. Ser Ortodoxo é arrepender-se.
Cristo, em Sua infinita misericórdia, nos deixou uma possibilidade de
experimentar a Sua Graça Divina através do nosso sincero arrependimento.
Ele converteu essa necessidade básica, esse momento onde nosso coração é
esmagado pelo peso dos nossos pecados, em uma possibilidade de
santificação através da Graça que flui livre dentro da Igreja. Essa
possibilidade, meus irmãos, é a Santa Confissão.
Nestas poucas páginas, esse Santo Mistério da Igreja lhes será
apresentado. O básico lhes será fornecido para que possamos chamar esse
empreendimento de "guia". Ainda que a Confissão seja aprendida na
prática, na arena da luta espiritual, devemos saber em que direção ordenar
os nossos esforços.

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Nas primeiras páginas, vocês encontrarão uma introdução a alguns
dos conceitos-chave neste tema, como o "pecado", o "arrependimento", a
"cura" e a própria "confissão" em si. Porém, é com Cristo e Suas
Bem-aventuranças que verdadeiramente seremos alimentados e
introduzidos na dimensão mais profunda desse Mistério. Veremos a
condição prática do arrependimento nas palavras de Seus Santos e, de
espírito nutrido, já nas últimas páginas, seremos guiados por São
Nicodemos na prática verdadeiramente dita: quando e como se confessar.
Posso afirmar categoricamente que não existe cura sem luta ascética,
e não existe luta ascética sem a confissão dos pecados. Arrependendo-se,
confessando, adentrando verdadeiramente o abismo escuro de nossas almas
- acompanhados de nossos pais espirituais e na esmagadora presença de
Cristo - a Ortodoxia deixa de ser para nós uma marca de nosso intelecto,
para se tornar uma disposição verdadeira de nossos corações.
Espero que estas pobres linhas lhes sejam úteis em alguma coisa.
Arrependam-se. Confessem.

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INTRODUÇÃO AO MISTÉRIO DA
SANTA CONFISSÃO 1

“Desde então, Jesus começou a pregar e dizer:


Arrependei-vos, porque é chegado o Reino dos Céus”
(Mateus 4:17)

A mensagem de Cristo, que foi registrada nos Evangelhos em toda a sua


urgência, rompe as barreiras da história e irá permear a existência humana
até o fim dos Séculos. Devemos buscar, incansavelmente, o
arrependimento. O Reino de Deus está próximo, é mais tarde do que
imaginamos e precisamos, sinceramente, transformar os nossos corações de
pedra em corações de carne. Devemos buscar, incansavelmente, o
arrependimento.

POR QUE ARREPENDER-SE?

No entendimento Ortodoxo, o arrependimento é o início e a base da luta


espiritual. A metanoia, posicionada pelos Santos Padres no ponto inicial do
caminho da conversão interior, é nada mais do que um arrependimento que
revolve as entranhas, esmaga o coração e desemboca na mudança completa
da mente. Portanto a vida espiritual, por mais opaca que seja para alguns,
necessita de arrependimento.

Engana-se quem pensa que o arrependimento é uma disposição passageira,


ou um elemento sazonal na vida de um cristão ortodoxo, como um evento
de nosso calendário celebrado uma vez por ano. Muito pelo contrário! A
busca pelo arrependimento é um movimento diário e deve nos acompanhar
até o nosso último suspiro. É doloroso muitas vezes. Essa busca, que é

1
Todas as traduções do presente texto foram realizadas pelo autor, de modo livre, exceto
quando indicado.

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impulsionada pelas imperecíveis palavras de Cristo, é o selo de todo o bom
cristão Ortodoxo, que sabe que o mundo é um vale de sofrimentos, mas tem
o bom ânimo renovado diariamente por Aquele que venceu esse mundo.

Arrepender-se é reconciliar-se com Deus. É sair das garras do demônio e


encontrar o caminho de volta para a casa do Pai. Voltamos ao lar e somos
recebidos como filhos legítimos de Nosso Pai quando nos arrependemos.

“Arrependimento significa renovação de nosso batismo.


Arrependimento significa um compromisso com Deus para uma
nova vida.”
(São João Clímaco)

ARREPENDIMENTO E CONFISSÃO

Em um senso prático, o arrependimento assume seu caráter perfeito através


da nossa disposição em assumir nossas faltas e pecados diante de Deus, na
presença de um sacerdote Ortodoxo, ou seja, através da Santa Confissão.

Se o arrependimento purifica a nossa alma e nos prepara para receber o


Espírito Santo, a Confissão esvazia nossa alma dos pecados e nos fornece
um meio de experimentar a Graça divina.

Muitos não compreendem esse Mistério, não sabem exatamente como se


comportar, declaram sentir vergonha, falta de confiança ou mesmo não
aceitam necessidade de confessar-se, negando a conexão entre o
arrependimento e a Confissão. Adiante, forneceremos um subsídio básico,
a fim de iluminar o caminho de quem iniciará sua vida na Igreja Ortodoxa,
bem como daqueles que desejam aperfeiçoar a prática da Confissão.
Iniciemos, então, pelo básico.

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O QUE É A CONFISSÃO?

“A confissão é uma articulação vocal voluntária das más ações, palavras e


pensamentos de alguém. É compendiosa, acusatória, honesta, feita sem
pudor, e resoluta, tendo lugar perante um legítimo Pai Espiritual.” (São
Nicodemos do Monte Athos)

Parte importante da terapia ministrada pela Igreja Ortodoxa, a Confissão é


necessária para a salvação, para a cura e o autoconhecimento do próprio
fiel Ortodoxo, e para a correta aproximação da Santa Comunhão. Esse é um
antigo Mistério da Igreja, que remonta ao período apostólico. Em sua
primeira Epístola, São João, o Teólogo escreve: "Se confessarmos os
nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados, e nos
purificar de toda a injustiça" (1 João 1:9). Também encontramos uma
exortação à Confissão na Epístola do Santo Apóstolo Tiago: "Confessai as
vossas culpas uns aos outros" (Tiago 5:16). Esta prática de confessar os
pecados era comum e rotineira já nas primeiras comunidades cristãs, cujos
ventos ainda sopravam as pregações dos Apóstolos. Neste ponto da história
da Igreja, estendendo-se ainda pelos três primeiros séculos, a Confissão era
feita de modo público: o cristão que cometeu algum pecado comparecia
diante da comunidade e pedia perdão a todos. Aos poucos, por conta da
natureza de alguns pecados e da própria mudança que ocorreu na expansão
do cristianismo como uma “religião livre” dentro do Império, a Confissão
tornou-se confidencial.

Em uma definição simples, a Confissão, em sua estrutura conhecida,


resume-se no fiel Ortodoxo que, consciente dos seus pecados, confessa-os
na presença de um Sacerdote Ortodoxo canônico, recebendo, assim, a
absolvição dos seus pecados. Porém, em um senso mais profundo, a
Confissão é um movimento das trevas à Luz. Um banho que nos lava de
nossos pecados, como diz São Nicodemos “Deus não apenas providenciou
que (re)nascêssemos espiritualmente saudáveis através do Santo Batismo,
mas também providenciou que recuperássemos nossa saúde espiritual,
quando adoecemos espiritualmente, com um banho catártico e um

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tratamento maravilhoso, e isso nada mais é do que o Mistério da Sagrada
Confissão.”

Devemos ter em mente que Cristo, em Sua infinita misericórdia, sustenta


este Divino Mistério. D'Ele provém a autoridade e o carisma do Sacerdote,
que são transmitidos, século após século, através do Mistério do
Sacerdócio. A transmissão dessa autoridade está registrada no Evangelho
de São João, o Teólogo:

Novamente Jesus disse: "Paz seja com vocês! Assim como o Pai me
enviou, eu os envio". E, com isso, soprou sobre eles e disse: "Recebam o
Espírito Santo. Se perdoarem os pecados de alguém, serão perdoados; se
não os perdoarem, não serão perdoados". (João 20:21-23). Porém, é
importante esclarecer que, ainda que nos confessemos na presença de um
Sacerdote, a Confissão é feita diante de Deus.

A Confissão, sendo um Mistério (Sacramento), é um modo de experimentar


a Graça Divina. Os Sacramentos são como portas abertas entre nós e Cristo,
que Ele nos deixou após Sua Ascensão. Experimentamos Sua Graça
Divina, as Energias Incriadas de Deus, através desses Sacramentos. E o
mesmo ocorre com a Confissão. O ato que provém de um coração
esmagado pelo pecado, de um coração contrito, não é desprezado por Deus
(Salmo 51) e Ele, assim, nos inunda através do Espírito Santo.

SALVAÇÃO E CONFISSÃO

Do ponto de vista Ortodoxo, a salvação é a união do homem com Deus.


Essa união, a theosis na linguagem dos Santos Padres, é possível somente
quando o homem, através da luta ascética, obtém a cura das paixões. Um
dos pré-requisitos para essa cura (e do próprio arrependimento sincero) está
em admitir a própria queda, os próprios erros e os próprios pecados.
Quando reconhecemos o potencial Judas que temos dentro de nós e
confessamos sinceramente nossos pecados, damos um passo em direção à
cura e à união com Deus. “O homem não pode viver unido a Deus, a menos
que o pecado tenha morrido dentro dele” (São Nicolau Cabasilas). O

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arrependimento, para nossos Santos Padres, também está atrelado ao Juízo
Final: “não seremos julgados por nossos pecados, mas porque não nos
arrependemos" (São Theognostos).

O arrependimento está ligado à nossa salvação, por isso a Confissão é


importantíssima e essencial para todo cristão Ortodoxo.

“Ninguém deve perder a esperança em sua salvação. Você pecou?


Arrependa-se. Você pecou mil vezes? Arrependa-se mil vezes. O
importante é não permanecer no pecado.”
(São João Crisóstomo)

O QUE É O PECADO

O termo grego para pecado, άμαρτία (hamartia), significa "errar o alvo".


Esse "alvo", que nos desviamos ao pecar, é nada mais do que o próprio
Deus. Portanto, sucintamente, pecado é o que nos afasta de Deus, nos
separa d’Ele e nos arrasta para longe de nosso "alvo".

O pecado entrou na vida do homem no momento em que, usando de sua


liberdade, nossos Ancestrais transgrediram o mandamento divino no Éden
(Gênesis 3). Eles não somente desobedeceram a Deus, como apresentaram
uma completa ausência de arrependimento (Gênesis 3:10-13). Essa
transgressão voluntária e a falta de arrependimento trouxeram
consequências ao homem: desde então a humanidade tem uma inclinação
patológica ao pecado e está sujeita à mortalidade. Assim, o pecado se
tornou uma sombra na mente fragmentada do homem e, do mesmo modo
que "querubins e uma espada flamejante" (Gênesis 3:24) mantiveram o
homem afastado do Éden, o pecado mantém o homem afastado de Deus.

Ainda que nada possamos fazer em relação a essa mortalidade, pois a


sepultura aguarda a todos nós, nossa inclinação ao pecado é combatida com
arrependimento e pode ser vencida através de Cristo, que nos forneceu a
cura, a divina terapia, e nos “abriu novamente as portas do Paraíso com Sua
Cruz” (Kondakion do Terceiro Domingo da Grande Quaresma - Tom 7).

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Essa terapia, essa cura, é mantida e ministrada integralmente em Seu Corpo
Místico, a Santa Igreja Ortodoxa.

Neste ponto, é primordial que nos livremos das noções vindas das
influências ocidentais: a visão legalista, emprestada dos tribunais, não
procede de uma mentalidade Ortodoxa. A Ortodoxia trata a questão do
pecado de um ponto de vista terapêutico. Os Santos Padres, não raramente,
tratam as paixões humanas como enfermidades. Sendo assim, a Ortodoxia
em si é ela mesma uma ciência terapêutica. O Sacerdote tem um papel
análogo ao de um médico, com um agravante: ao exercer a paternidade
espiritual, ele conduz o fiel Ortodoxo na sua luta em direção à semelhança
perdida com o Criador, oferecendo não só consolo, mas a medicina
apropriada para cada enfermidade.

Portanto, a temática da cura das enfermidades espirituais e a necessidade


urgente do arrependimento, como quebra do ciclo das paixões que
escravizam o homem, são recorrentes em toda literatura Ortodoxa.

Levando tudo isso em conta, concluímos que esse tema não é apenas ético e
moral, mas essencialmente teológico. “O pecado é, na verdade, a queda, o
amortecimento, o escurecimento e o cativeiro da mente (νοῦς) do homem”.
(Metropolita Hierotheos de Nafpaktos)

"Você cometeu pecado? Entre na Igreja e arrependa-se pelo seu pecado;


pois aqui está o médico, não o juiz; aqui não se é investigado, recebe-se
remissão dos pecados”.(São João Crisóstomo)

Como podemos, então, identificar esses pecados e nos preparar para esse
Mistério de modo adequado? Sem dúvida, tudo começa com um autoexame
sincero dos próprios pecados e do próprio estado espiritual. O homem
inicia esse processo, o livre-arbítrio é respeitado aqui (lembremos que
mesmo nossos Ancestrais usaram da plenitude de seu livre-arbítrio para
transgredir o mandamento de Deus). Para não corrermos o risco de cair em
ilusão ou histeria neste processo de exame, já que nossa mente está
obscurecida pelas paixões, os parâmetros corretos devem ser encontrados
nas Escrituras e na Santa Tradição. Vamos a alguns deles.

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OS DEZ MANDAMENTOS
Os Dez Mandamentos, a Lei dada por Deus a Moisés no Sinai, são
claramente dispostos e verdadeiramente emblemáticos. Todo penitente
sincero, todo fiel que deseja arrepender-se, deve ter contato com essa lei
instituída por Deus. De modo breve e prático, visando uma reflexão
pré-Confissão, observaremos cada um deles:

1. “Não terás outros deuses além de mim.”


Acredito em Deus Pai, no Filho e no Espírito Santo? Deus tem sido a fonte,
centro e esperança da minha vida? Duvidei da misericórdia de Deus?
Praguejei contra Deus na adversidade? Fui grato pelas bênçãos que recebi?
Duvidei da fé cristã e dos ensinamentos da Igreja Ortodoxa? As
preocupações e interesses mundanos se tornaram um Deus para mim?

2. “Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de


qualquer coisa no céu, na terra, ou nas águas debaixo da
terra. Não te prostrarás diante deles nem lhes prestarás culto,
porque eu, o Senhor, o teu Deus.”
Dei a alguém ou a qualquer coisa a adoração que é devida somente a Deus?
Uma pessoa tomou o lugar de Deus em minha vida e se tornou um ídolo?

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Eu fiz de uma ideia, filosofia, interesse, um ídolo que rivaliza com Deus em
minha vida?

3. “Não tomarás em vão o nome do Senhor, o teu Deus, pois o


Senhor não deixará impune quem tomar o seu nome em vão.”
Profanei o Santo nome de Deus de alguma forma? Amaldiçoei alguém ou
alguma coisa, ou fiz um juramento falso? Não consegui dar reverência
adequada aos assuntos da Igreja?

4.“Lembra-te do dia de sábado, para santificá-lo.”


Fiquei intencionalmente longe da Igreja aos domingos ou impedi que
outros fossem? Trabalhei desnecessariamente aos domingos ou grandes
festas, ou fiz com que outros o fizessem o mesmo?

5. “Honra teu pai e tua mãe, a fim de que tenhas vida longa na
terra que o Senhor, o teu Deus, te dá.”
Amei e respeitei meus pais? Eu os negligenciei e não os ajudei quando
necessário? Eu os desonrei, os enganei ou lhes causei dor por minhas
palavras ou ações?

6. “Não matarás.”
Causei o ferimento ou a morte de alguém? Desejei a morte de alguém?
Celebrei a morte de alguma pessoa? Abortei um filho em meu ventre?

7. “Não adulterarás.”
Cometi algum ato indigno sozinho ou com outras pessoas? Fiz com que
outras pessoas cometessem adultério, atos imorais ou indignos? Dei lugar a
pensamentos, palavras ou ações impuras?

8. “Não furtarás.”
Roubei alguma coisa ou desejei fazê-lo? Tomei para mim algo que não me
pertencia? Doei aos pobres na medida de minhas condições? Não paguei
minhas dívidas? Vivi de modo extravagante, para além de meus meios e
necessidades?

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9. “Não darás falso testemunho contra o teu próximo.”
Dei falso testemunho contra alguém? Já contei mentiras, acrescentei ou
subtraí a verdade? Fiz declarações descuidadas ou falei mal de alguém?
Fofoquei sobre alguém ou prejudiquei sua reputação? Minha língua foi uma
ferramenta de destruição contra o próximo?

10. “Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a


mulher do teu próximo.”
Olhei com inveja ou ódio para outras pessoas? Desejei a queda ou perda do
próximo? Cobicei sua vida e posição? Desejei a desgraça? Lamentei as
bênçãos que Deus concedeu ao próximo?

Estes são os Dez Mandamentos e devemos refletir seriamente sobre eles.


De fato, eles são um ponto de partida óbvio pelo seu caráter legal. Partimos
daqui, mas não encontramos o encerramento de nosso tema neste local de
partida, pelo contrário. Cristo é o “Caminho, a Verdade e a Vida”, é através
d’Ele e n’Ele que a Lei será não só cumprida, mas transformada! Cristo
trouxe o coração do homem à luz! Devemos nos pautar pelo que Ele nos
tem a dizer.

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AS BEM-AVENTURANÇAS
As palavras de Cristo, o Deus-homem, como não poderia deixar de ser, são
definitivas. Olhos atentos encontram Cristo em todo o depósito da fé
Ortodoxa. Não seria diferente quando tratamos dos Mistérios como um
todo, ou de qualquer um deles isoladamente. Não é diferente na Santa
Confissão.

Cristo cumpre a lei e a transforma: o Legislador, no Evangelho, também se


torna um exemplo. Cristo é Deus, mas também é homem perfeito, fazendo
assim com que Seu exemplo prático seja alcançável para todos os homens.
Tendo isso em mente, devemos nos debruçar sobre a lei perfeita e
humanamente alcançável das Bem-aventuranças e ver como esse discurso
emblemático pode nos auxiliar em nossa Confissão. Neste ponto,
caminharemos com um grande professor espiritual de nossos tempos, o
Ancião Athanásios (Mitilinaios), analisando o seu estudo sobre o Sermão
da Montanha.

“[as Beatitudes] são uma lei viável e também “psicoterapêuticas”,


que curam e salvam”. [Nas Beatitudes] o Senhor nos dá a
capacidade e a possibilidade de alcançar a semelhança [que
perdemos] com Deus.”

(Ancião Athanásios)

1. BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO, PORQUE


DELES É O REINO DOS CÉUS;

(Mateus 5:3)

“Quem, então, são esses pobres? São aqueles que têm a percepção e o
sentimento de sua insuficiência espiritual e ética, claro que de um ponto de
vista a da fé e não intelectual! Estes seriam os que aceitariam o Evangelho.

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Este é o posicionamento fisiológico. Eles aceitariam o Evangelho
simplesmente porque são humildes.” (Ancião Athanásios)

Humildade: é desta rica pobreza que se trata. São Basílio, o Grande, diz que
a humildade é “despir-se da conduta vaidosa, arrogante e presunçosa e
voltar ao que você realmente é e vale.” Ou seja, o conhecimento de si
mesmo, que é empreendido também pela Confissão.

E você, meu amado irmão? Tem sido arrogante, presunçoso e vaidoso?


Seus irmãos sofrem com sua postura diretamente? São escandalizados por
ela? Você se considera o menor entre os seus semelhantes, está pronto a
servir com amor? Tem deixado o falso conceito moderno de “amor
próprio” petrificar o seu coração?

“Não diga ‘não fiz nada de errado na minha vida, sou uma pessoa
importante e um homem muito ético’. Há quem pense e diga isto...
que desgraça!”

(Ancião Athanásios)

2. BEM-AVENTURADOS OS QUE CHORAM, PORQUE ELES SERÃO


CONSOLADOS;

(Mateus 5:4)

A maioria das traduções se refere “aos que choram”, mas, o correto seria
aos “enlutados” (πενθούντες). Porém, deixando isso de lado, sendo choro
ou luto, como isso seria motivo de bem-aventurança? O luto-choro aqui
descrito não são as lágrimas derramadas por questões puramente
mundanas: sonhos não realizados, dificuldades financeiras, planos
frustrados, etc. A tristeza, o luto e o choro que nascem destas questões
mundanas brotam também do orgulho ferido e do egoísmo contrariado, e
podem nos causar danos físicos (neuroses e outros) e espirituais. O luto, o
choro, a que se refere Nosso Senhor, vem da percepção, da sensação e do
sentimento de nossa pecaminosidade. Ou seja, aqueles que choram pelos

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próprios pecados, pelo próprio estado caído, é que são chamados de
bem-aventurados. De fato, esse luto, essa tristeza, é a mesma que foi
sentida pelo Santo Apóstolo Pedro (Lucas 22:62) e pelo Filho Pródigo. Foi
essa “tristeza” que salvou o Apóstolo e que trouxe o filho de volta aos
braços do Pai. Vale lembrar que esse choro pelos próprios pecados é a
antessala da cura, pois é a expressão genuína de nosso arrependimento.
Compadecer-se de seus irmãos, enlutar-se pelos seus pecados (não em
julgamento, mas em profundo desejo de que todos se salvem) também faz
parte dessa bem-aventurança. Lembrando que os extremos devem ser
evitados. A tristeza e autocondenação de Judas o levaram ao suicídio,
enquanto o luto de Pedro o levou ao arrependimento que conduz a
salvação. O limite desse luto, desse choro, é o reconhecimento da
Misericórdia divina.

E você, meu amado irmão? Chora pelos seus pecados? Sente tristeza
profunda pelas suas quedas? Chora e se enluta pelos pecados e pela
cegueira de seus irmãos, pois deseja a sua salvação e não o seu julgamento?

“O primeiro fruto que (esse luto) traz é a paz. Um coração confortado por
Deus tem paz, a paz irredutível de Deus que nada pode tirar.” (Ancião
Athanásios)

“Nunca seremos julgados por não realizarmos milagres, mas devemos nos
arrepender por não chorar incessantemente por nossos pecados.” (São João
Clímaco)

“Que estes sejam consolados aqui na terra e no céu.”

(São João Crisóstomo)

3. BEM-AVENTURADOS OS MANSOS, PORQUE ELES HERDARÃO A


TERRA;

(Mateus 5:5)

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“Uma vez perguntaram a um homem espiritual como ele reconheceria um
santo, e ele respondeu: ‘Por sua mansidão!’ Na verdade, a brandura é fruto
das duas bem-aventuranças anteriores.”

Essa mansidão é fruto da humildade e da consciência da própria miséria


espiritual, da própria enfermidade. Essa bem-aventurança é uma
consequência natural das duas anteriores, a pobreza de espírito e o luto
pelos próprios pecados.

Uma sociedade doente considera a mansidão um defeito, um sinal de


“feminilidade” e fraqueza, quando é o contrário. A mansidão é conquistada
à base de muito esforço e luta espiritual. Ser manso, assim como Cristo foi
manso, é o cume da virilidade. “Quem não é pacífico tem uma
personalidade fraca, que não suporta uma situação e fica com raiva e
furioso. O manso é o forte.”

Não falamos de insensibilidade. São Teofilato dizia: “Pacíficos não são


aqueles que não se irritam de forma alguma, porque esse tipo de homem é
insensível, mas aqueles que têm raiva e a contêm.” Assim como diz o
Apóstolo Paulo: “Irai-vos, e não pequeis” (Efésios 4:26). Porém, essa raiva,
ainda que por uma motivação correta (não porque o outro nos prejudicou
ou nos insultou, mas porque ele insultou e ofendeu a Deus) não pode causar
um incêndio dentro de nós. Ela não pode durar muito tempo e a mansidão
deve esfriá-la naturalmente. Moisés era um homem manso e pacificador, e
mesmo assim se indignou ao ver a idolatria dos hebreus e quebrou as
Tábuas da Lei (Êxodo 32:19). Cristo, que era manso e humilde de coração
(Mateus 11:29), expulsou os vendilhões do Templo. Esses momentos de
indignação não afetam o estado de mansidão, pois não descambam ao ódio,
nem são feitos em um golpe de egoísmo e amor-próprio, mas são
prontamente derretidos no amor sacrificial, que é fruto de uma alma que
conheceu a Deus.

Qual é a terra herdada pelos pacíficos? Esta terra é o Reino de Deus, que
será herdado pelos pacíficos. São Basílio, o Grande dizia: “porque aquela
terra, a Jerusalém celeste, não se tornará espólio para os que fazem guerra

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para arrebatar um metro de terra a outro, mas será uma herança para os
homens tolerantes, magnânimos e pacíficos.”

E você, meu amado irmão? Devorou seu irmão, irando-se


injustificadamente? Irou-se, pois perdeu um bem material, sofreu um revés
que feriu seu amor-próprio? Retribuiu ódio com ódio e buscou o embate
por orgulho? Foi manso diante da ira? Foi brando no meio de uma
discussão ou escolheu o caminho da ira?

“E, à medida em que você se liberta das paixões, mais pacífico e


prudente você se torna e mais você experimenta a Deus.”
(Ancião José, o Eremita)

4. BEM-AVENTURADOS OS QUE TÊM FOME E SEDE DE JUSTIÇA,


PORQUE ELES SERÃO SACIADOS;

(Mateus 5:6)

“Nós, homens, devemos ter vergonha quando falamos de justiça;


simplesmente porque na terra não há justiça (...) nunca houve e nunca
haverá na terra um estado justo ou uma sociedade justa em um grau
satisfatório. Nunca! Isso é lamentável, e ocorre porque o problema está
dentro do próprio homem.” (Ancião Athanásios)

O homem deve se tornar espiritual, caminhar em direção à santidade e


assim ser capaz de agir justamente. Evidentemente, isso não será alcançado
em escala social, pois a santidade é uma luta travada por poucos e devemos
encarar a realidade de que o mundo de amanhã será tão injusto quanto o de
hoje. Porém, o que então seria justiça? “Não usem medidas desonestas
quando medirem comprimento, peso ou quantidade. Usem balanças de
pesos honestos” (Levítico 19:35,36). “Balança enganosa é abominação para
o Senhor, mas o peso justo é o seu prazer.” (Provérbios 11:1)

18
O peso devido, aplicado de modo correto, essa é a justiça em um primeiro
ponto. Somos justos diante de Deus quando aceitamos Sua vontade,
acatamos e lhe entregamos o que Lhe é devido. Tudo pertence a Ele, e a Ele
tudo devemos oferecer. Aplicamos a justiça a nós mesmos quando
buscamos a santidade, que é o objetivo para o qual fomos criados.
Aplicamos a justiça ao próximo quando o tratamos como um ser criado à
imagem e semelhança do Criador. Pensemos no peso dessas palavras.
Abusamos de nossa autoridade diante de um homem que sabemos ser
criado à imagem e semelhança de Deus? Caluniamos esse homem?
Odiamos, atacamos, pisamos, sufocamos?

Nos termos das Escrituras, e em um senso mais profundo, santidade é


sinônimo de justiça. Aqui, portanto, encontramos a medida dessa justiça:
“Sede santos, porque eu sou santo.” (1 Pedro 1:16)

E você, meu amado irmão? Abusa de sua posição, pisoteia seu irmão,
oprime, afunda, desonra? Não lhe dá a justiça devida? Entrega para Deus
uma parcela de sua existência que lhe é devida? Busca a santidade?
Acredita em “justiça social” e no Reino dos Céus ideológico?

5. BEM-AVENTURADOS OS MISERICORDIOSOS, PORQUE ELES


ALCANÇARÃO MISERICÓRDIA;

(Mateus 5:7)

“A misericórdia, junto com a justiça da bem-aventurança anterior que


analisamos, converte e faz do homem na terra a verdadeira imagem de
Deus, porque Deus é justo e misericordioso. (...) A verdadeira justiça é
aquela que emana da misericórdia. Esta é a verdadeira justiça.” (Ancião
Athanásios)

A misericórdia é o cumprimento da justiça, pois toda justiça é aplicada


devidamente, somente no uso da misericórdia. Misericórdia, aqui, é o amor
sacrificial aplicado na prática. Isso não está relacionado apenas aos bens
materiais (esmolas, ajudas materiais que possamos dar a alguém), mas a
todos os carismas e talentos que um homem possua. Ele dá a seu irmão, faz

19
uso deles, e assim partilha do que é, da sua própria existência, e seu irmão
não passa em branco diante dos seus olhos. Ancião Athanásios descreve
lindamente nossa condição aqui: “(...) quando o Senhor nos julgar no Dia
do Juízo, e usar o mandamento da misericórdia como critério, Ele não nos
dirá ‘eu estava na prisão e você não me liberou para pagar as despesas’,
nem que ‘Eu estava doente e você não pagou o médico e os remédios para
me curar’. Não, Ele não dirá essas coisas, mas: ‘Você não me visitou’”.

Estes, que não tem o que oferecer, mas oferecem seu próprio coração,
esforço, compreensão e amor sacrificial, alcançarão a misericórdia divina.

E você, amado irmão? Dá em uma medida maior do que recebe? Perdoa as


ofensas do próximo? Serve o seu irmão que sofre, mesmo que isso interfira
em seu bem-estar? Busca apenas os frutos espirituais dessa postura, não se
preocupando com retribuições públicas e materiais de sua misericórdia?

“Aquele que se encarrega de seus erros, torna-se misericordioso


com os outros. Aquele que julga os outros, julga a si mesmo
também, mesmo que supostamente tenha muitas virtudes.”
(Santo André de Creta)

6. BEM-AVENTURADOS OS LIMPOS DE CORAÇÃO, PORQUE ELES


VERÃO A DEUS;

(Mateus 5:8)

“As cinco bem-aventuranças anteriores, que já desenvolvemos, definem


antes uma situação ou estado que se expressa externamente; a sexta
bem-aventurança é totalmente interna e manifesta o princípio de todas as
manifestações externas.” (Ancião Athanásios)

O coração, aqui, é o centro espiritual do homem. Desse modo, devemos


lutar para mantê-lo limpo e saudável, do contrário, nossa vida espiritual se
converte em uma impossibilidade. “As batidas rítmicas desse coração

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carnal se movem um pouco mais rápido quando a alma sente alegria.
Quando a alma sente culpa, ódio, inveja, ressentimento ou agonia, esse
coração também bate um pouco mais rápido. Assim, nosso coração torna-se
o espelho de nossa psique-alma, pois expressa em nosso rosto nossa forma,
as diversas situações e reações.” (Ancião Athanásios).

Cristo confirma esse movimento: “Por que estais perturbados, e por que
sobem tais pensamentos aos vossos corações?” (Lucas 24:38). Porém, o
coração,quando está em seu saudável funcionamento espiritual, aponta para
nossa correta relação com Deus: “Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de
todo o teu coração.” (Marcos 12:30)

E um homem que está lutando contra suas paixões, arrependendo-se e em


luto pelos seus pecados, tem no seu coração um sacrifício agradável a
Deus: “Os sacrifícios que agradam a Deus são um espírito quebrantado; um
coração quebrantado e contrito, ó Deus, não desprezarás. (Salmos 51:17),
porém, um coração orgulhoso é impuro diante de Deus: "Abominação é ao
Senhor todo o altivo de coração; não ficará impune mesmo de mãos
postas.” (Provérbios 16:5).

Observemos como a linguagem bíblica contempla o coração e a


importância dada a ele na vida interior do homem e em sua relação com
Deus. A compreensão, a vontade, a emoção, o conhecimento humano são
afetados pelo estado do coração. Falsas ideias, enganos, superstições,
planos pecaminosos, criminosos e maus pensamentos, entretenimento fútil,
toda e qualquer atividade que tenha a participação dos sentidos e produza
imagens indignas, estes sepultam o nosso coração na medida da sujeira que
consumimos e agimos. “O diabo entra em um homem que tem um coração
impuro e manchado. O diabo não se aproximará de alguém que é puro aos
olhos de Deus. Se o coração humano é purificado da sujeira, o inimigo foge
e Cristo volta.” (São Paísios do Monte Athos). Porém, aqueles que cultivam
as virtudes que nos assemelham a Cristo, buscando a pureza do pensar e do
agir, mantém a saúde de seus corações e de sua vida espiritual.

E você, meu amado irmão? Polui seu coração com a impureza dos maus
pensamentos? Transforma seus sentidos em um receptáculo da sujeira

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mundana, adoecendo seu coração? Odeia, blasfema, mente e coloca a sua
vontade e disposição somente a serviço de suas paixões? Estimula as
sensações através de conteúdo gráfico explícito, fazendo com que seu
coração se submeta a essas sensações?

Rezemos, meus amados, de toda a nossa alma e mente, para que Deus “crie
em nós um coração puro e para que Ele renove em nós um espírito reto”.
(Salmo 50)

“Em poucas palavras, o que é a pureza? É o coração misericordioso para


com toda a criação; é o coração que arde dentro de toda a criação, dos
homens, dos pássaros, dos animais, até dos demônios. E só porque se
lembra de tudo isso e só porque se vê, lágrimas escorrem de seus olhos (...)
assimilando Deus.” (Santo Isaac, o Sírio)

Você vê, então, o que é pureza de coração? Estes verão a Deus.

7. BEM-AVENTURADOS OS PACIFICADORES, PORQUE ELES


SERÃO CHAMADOS FILHOS DE DEUS;

(Mateus 5:9)

“A bem-aventurança dos pacíficos e dos pacificadores é fruto de quem tem


o coração puro, limpo, sereno e límpido; ou seja, esta bem-aventurança é
consequência da anterior.” (Ancião Athanásios)

Que paz é essa? Qual o modelo desses pacificadores, de onde vem a paz
que eles preservam? Primeiro devemos entender que essa paz não é apenas
o que entendemos como a manutenção e a estabilidade do convívio social,
geralmente em torno de um objetivo comum. Se a paz se resumisse a essa
estabilidade mundana, poderíamos dizer que um grupo de ladrões,
mercenários, ou assassinos, que trabalha em harmonia por um objetivo em
comum, encontrou a paz e a mantém em seus corações. Sabemos que não é
assim.

Os pacificadores, citados na bem-aventurança, estão imersos em ágape


(αγάπη), no aroma de reverência e no espírito de Cristo. A paz que eles
22
encontram e mantêm é a paz pela qual suplicamos em toda Divina Liturgia:
“Pela paz que vem do alto e pela salvação de nossas almas, roguemos ao
Senhor”. Essa paz que vem do alto é a paz empreendida pelos pacificadores
que serão chamados filhos de Deus. Devemos saber, também, que existe
uma conexão real entre a paz e a santidade, como nos afirma o Santo
Apóstolo Paulo: “Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual
ninguém verá o Senhor” (Hebreus 12:14). Sem santificação ninguém pode
ter paz ou visão de Deus (θεωρία). Sendo assim, um homem encontra a paz
quando se reconcilia com Deus e se une a ele.

O homem que pensa que a paz está relacionada a um simples estado nos
quais são encerrados conflitos e guerras, permanecerá abalado
espiritualmente até o fim dos seus dias, pois o mundo está em constante
combustão e angústia. Quando a paz é ambicionada longe da santidade e da
união com Deus, e é colocada unicamente como um fruto dos esforços
humanos, ela se torna parte da teologia do anticristo. Esse pensamento
autônomo do homem em relação à paz é, segundo o Ancião Athanásios, “o
cerne do tema do Anticristo e sua aceitação”. A paz verdadeira é a paz do
homem com Deus. Assim, ele obtém a paz consigo mesmo e com o
próximo e pode ser chamado de pacificador à medida de Cristo. Este será
chamado filho de Deus.

E você, amado irmão? Busca a santidade, para que a paz de Deus possa
reinar em seu coração? Ou pensa que a paz é um assunto puramente moral,
retirando de Deus a autoridade sobre os corações pacíficos e transmitindo
essa autoridade para alguma ideologia ou filosofia? Fere a si mesmo com a
ira, impaciência e agressividade? Leva o espírito de divisão aos seus
irmãos?

“Nenhum outro desejo foi encontrado na alma humana que seja tão
profundo quanto o desejo de paz. E a perspectiva dos pacificadores é
reconciliar os homens com Deus, conduzindo-os de volta a Ele.
Homem, por que você se afastou de Deus? Volte, não peque."
(Ancião Athanásios)

23
8. BEM-AVENTURADOS OS QUE SOFREM PERSEGUIÇÃO POR
CAUSA DA JUSTIÇA, PORQUE DELES É O REINO DOS CÉUS;

(Mateus 5:10)

“Assim que o homem começa a viver a vida espiritual ortodoxa,


incorporada exatamente no espírito e no espaço das primeiras sete
bem-aventuranças, começa uma guerra imparável para o Diabo e as pessoas
que lhe pertencem e funcionam como seus instrumentos.” (Ancião
Athanásios)

Como vimos anteriormente, justiça, em seu sentido profundo, significa


santidade. Justo é aquele que vive e age de acordo com a lei de Deus. Fica
claro que o demônio empreenderá guerra contra estes homens e mulheres,
pois os santos são o fruto do Evangelho, que é o testemunho universal da
derrota do demônio. Os justos são como grandes espelhos onde a imagem
de Cristo é refletida. Sendo assim: “Se a mim me perseguiram, também vos
perseguirão a vós”. (João 15:20)

O Senhor abençoa estes que são perseguidos pela santidade e justiça e os


promete a realeza do Reino dos Céus. Mas não somente os que alcançam
simplesmente este estado, mas os que perseveram, lutam, sangram, diante
das adversidades: “A Justiça – em letras maiúsculas – isto é, a santidade
custa, não só como se vai aplicá-la, mas também como se vai mantê-la até o
último suspiro. Custa muito! O ponto é que a pessoa permanece estável e
corajosa em sua vida espiritual ortodoxa, apesar dos impedimentos que
aparecerão. Esta é a grande façanha.” (Ancião Athanásios)

Isso é verdade, também, nos estados espirituais anteriores à santidade. É


muito comum em recém-convertidos, catecúmenos e fiéis que colocam o
mundo à frente de Cristo: “O logos de Deus começa a frutificar no coração
dos homens; mas assim que a perseguição aparece, eles rejeitam e rejeitam
a Cristo, e então se aproximam do mundo, se reconciliam e se conformam
com ele. Mas isso é lamentável!”. (Ancião Athanásios)

24
A covardia deve ser extirpada de nossa vida. A bravura espiritual,
enraizada em Cristo, deve crescer em nós. A firmeza e a estabilidade em
nossa fé Ortodoxa são abençoadas por Deus, sobretudo quando mantidas
diante da perseguição do mundo. Não devemos ter vergonha de nossa fé e
de nossa luta pela santidade. O mundo nos perseguirá e irá nos
ridicularizar, mas “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Romanos
8:31)

E você, amado irmão? Perdeu o ânimo diante dos assaltos do mundo?


Negou a Cristo e a Ortodoxia por medo de ser ridicularizado? Tem medo de
ser considerado diferente? Adapta-se à moral mundana para evitar a
perseguição? Foi pessimista, desanimado ou desesperado? Teme o demônio
e não acredita na força de Deus?

“Temo apenas uma coisa: o pecado. Prefiro que o mundo inteiro


guerreasse contra mim do que ser condenado por pecar.”
(São João Crisóstomo)

9. BEM-AVENTURADOS SOIS VÓS, QUANDO VOS INJURIAREM E


PERSEGUIREM E, MENTINDO, DISSEREM TODO O MAL CONTRA
VÓS POR MINHA CAUSA.

(Mateus 5:11)

“Assim, a oitava Bem-aventurança abençoa e considera felizes aqueles que


são perseguidos por sua firmeza e estabilidade na santidade; A nona
bem-aventurança abençoa e considera felizes aqueles que são perseguidos,
caluniados, escarnecidos por causa de sua confissão à Pessoa
Divino-humana de Jesus Cristo.” (Ancião Athanásios)

A última Bem-aventurança trata da confissão prática dos cristãos


Ortodoxos: não somente palavras, mas ações. E estas ações trarão
consequências, pois o mundo não suporta a luz de alguém que busca
incansavelmente viver, existir e se mover em Cristo.

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“O mundo se opõe àqueles que confessam o Senhor nas três maneiras que o
Senhor nos explicou na nona bem-aventurança. A primeira forma é a
zombaria, ou seja, eles vão zombar, zombar ou rir de você. A zombaria é a
ironia, ou seja, uma arma muito boa nas mãos dos mundanos, uma arma
maligna, vil, artística, psicológica e eficaz.

O segundo caminho, depois da zombaria aplicada por quem quer tentar o


cristão, é algo mais dinâmico: é a perseguição.

Existe uma terceira via e é vil, má. Atenção a isso. Os oponentes entram em
qualificações muito vis, malignas e caluniosas. Calúnia é a falsa acusação.”
(Ancião Athanásios)

Quantos santos não passaram por esse processo de modo sistemático e


empreendido pelo mundo? Além do martírio corporal, muitos sofreram um
martírio psíquico, uma tentativa de destruição que foi vista no espumar das
autoridades judaicas diante de Cristo.

“Crucifica-o! Crucifica-o”. Essa frase há de ser ouvida até o fim dos


séculos, mas ela é seguida pela alegria (que é fruto da união do fiel
Ortodoxo com Deus) e a recompensa do Reino dos Céus, entregue aqueles
que confessaram a Cristo, através das aflições e tentações do mundo.

E você, amado irmão? Cedeu à zombaria do mundo? Usou de zombaria,


com um irmão, perseguiu e o caluniou, tomando parte dos algozes de
Cristo? Negou a fé por perseguição? Praguejou contra os céus quando foi
perseguido por amor a Deus? Rezou fervorosamente pelos seus
perseguidores? Falhou em defender a Verdade por medo de humilhação ou
perseguição?

“(...) haverá aquela grande glória pela infâmia ou desgraça que estes justos
sofreram aqui na terra, porque o Senhor também diz: "Então os justos
brilharão como o sol na realeza de seu Pai" (Mateus 13:43). É a Luz
Incriada pela qual os confessores serão preenchidos.” (Ancião Athanásios)

Eis que analisamos brevemente sentenças que estão impregnadas de aroma


divino. Se colocadas em prática, as Bem-aventuranças nos posicionam

26
definitivamente no caminho de nossa cura. Aquele que tomou nossa
natureza caída e a ergueu do abismo da morte e do pecado, nos deixou essa
lei divina.

“As bem-aventuranças constituem uma cadeia de vida espiritual e perfeição


cristã. É um resumo da lei evangélica, tanto em relação à fé quanto à moral.
É um espelho da nossa vida que mostra o que tocamos, batemos e onde
mancamos. As nove bem-aventuranças são um critério da nossa qualidade
de cristãos.” (Ancião Athanásios).

Quando tratamos da Confissão, as Bem-aventuranças são tão importantes


para nós porque, ao nos preparamos para confessar, devemos manter nossa
atenção plena em Cristo.

Desse modo, a leitura do Novo Testamento em geral é extremamente


necessária. Os Santos Padres nos sugerem alguns textos em específico:
além do Sermão da Montanha, com ênfase nas Bem-aventuranças aqui
citadas, o 13º Capítulo da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios (1
Coríntios 13). A Primeira Carta de São João (1 João). Os últimos capítulos
das Cartas de São Paulo aos Romanos (Romanos 12, 13, 14). Devemos ler
cuidadosamente estes textos divinos antes de nos confessarmos. Analisando
não apenas nossas atitudes gerais, mas os nossos pensamentos e a nossa
disposição interior.

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O LAMENTO DE SÃO BASÍLIO, O
GRANDE
Os Santos são os frutos do Evangelho. Pequenos ícones de Cristo, os
Santos de nossa Igreja iluminam as trevas do mundo com o seu testemunho
(μαρτύριο). Cristo manifesta a Sua grandeza nos Seus Santos e a Igreja
Ortodoxa, lar destes homens e mulheres, atesta a Verdade de sua Fé através
da existência ininterrupta desses Santos. Portanto, devemos levar em
consideração cada uma de suas palavras.

São Basílio, o Grande, neste belíssimo testemunho, nos fornece


informações valiosíssimas sobre o espírito correto que devemos adotar em
nossa Confissão, além de uma lista de paixões e pecados que podem nos
ajudar no autoexame:

“Chore por seu pecado: ele é uma doença espiritual; é a morte de sua alma
imortal; merece lágrimas e lamentos incessantes e intermináveis; deixe que
todas as lágrimas fluam por ele e que os suspiros brotem sem cessar das
profundezas de seu coração.

Com profunda humildade, derramo lágrimas por todos os meus pecados,


voluntários e involuntários, conscientes e inconscientes, ocultos e

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evidentes, grandes e pequenos, cometidos por palavras e ações, em
pensamento e intenção, dia e noite, a cada hora e minuto de minha vida.

Derramo lágrimas por meu orgulho e minha ambição, meu amor-próprio e


minha arrogância; choro por meus acessos de raiva, irritação, gritos
excessivos, xingamentos, brigas e maldições.

Derramo lágrimas por ter criticado, censurado, fofocado, caluniado e


difamado, por minha ira, inimizade, ódio, inveja, ciúme, vingança e rancor;

Derramo lágrimas por minhas indulgências com a luxúria, pensamentos


impuros e más inclinações; cobiça, gula, embriaguez e preguiça.

Derramo lágrimas por ter falado ociosamente, usado linguagem obscena,


blasfemado, zombado, brincado, ridicularizado, escarnecido, desfrutado de
alegria vazia, cantado, dançado e de todo prazer em excesso.

Derramo lágrimas por minha autoindulgência, ganância, amor ao dinheiro e


avareza, falta de misericórdia e crueldade.

Derramo lágrimas por minha preguiça, indolência, negligência, amor ao


conforto, fraqueza, ociosidade, distração, irresponsabilidade, desatenção,
amor ao sono, pelas horas gastas em atividades ociosas e por minha falta de
concentração na oração e na Igreja, por não observar jejuns e não fazer
obras de caridade.

Derramo lágrimas por minha falta de fé, minhas dúvidas, minha


perplexidade, minha frieza, minha indiferença, minha fraqueza e
insensibilidade no que diz respeito à Santa Fé Ortodoxa, e por todos os
meus pensamentos sujos, astutos e injuriosos.

Derramo lágrimas por minha dor e tristeza exageradas, depressão e


desespero, e pelos pecados cometidos voluntariamente.

Derramo lágrimas, mas que lágrimas posso encontrar para uma maneira
digna e adequada de chorar por todas as ações de minha vida malfadada;
por minha imensurável e profunda inutilidade? Como posso revelar e
expor, em toda a sua nudez, cada um de meus pecados, grandes e pequenos,

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voluntários e involuntários, conscientes e inconscientes, evidentes e
encobertos, cada hora e minuto de pecado? Quando e onde devo começar
meu lamento penitencial que produzirá frutos adequados? Talvez em breve
eu tenha que enfrentar a última hora de minha vida; minha alma será
dolorosamente separada de meu corpo pecaminoso e vil; terei que me
apresentar diante de terríveis demônios e anjos radiantes, que me revelarão
e atormentarão com meus pecados; e eu, com medo e tremendo, estarei
despreparado e incapaz de dar-lhes uma resposta; a visão e o som dos
demônios que gritam, seu desejo violento e ousado de me arrastar para o
abismo sem fundo do inferno encherão minha alma de confusão e terror.
Então, os anjos de Deus levarão minha pobre alma para se apresentar diante
do temível tribunal de Deus. Como responderei ao Rei Imortal, ou como
ousarei, pecador que sou, olhar para o Meu Juiz? Ai de mim, que não tenho
uma boa resposta a dar, pois passei toda a minha vida na indolência e no
pecado, todas as minhas horas e minutos em pensamentos, desejos e
anseios vãos!

E quantas vezes tomei o nome de Deus em vão!

Quantas vezes, de forma leviana e livre, às vezes até ousada, insolente e


desavergonhada, caluniei os outros com raiva; ofendi, irritei, zombei deles!

Quantas vezes fui orgulhoso e vaidoso e me vangloriei de boas qualidades


que não possuo e de feitos que não realizei!

Quantas vezes menti, enganei, fui astuto ou lisonjeado, ou fui insincero e


enganador; quantas vezes fui irado, intolerante e mesquinho!

Quantas vezes ridicularizei os pecados de meu irmão, causei-lhe sofrimento


aberta e secretamente, zombei ou me vangloriei de seus erros, de suas
falhas ou de seus infortúnios; quantas vezes fui hostil a ele, com raiva, ódio
ou inveja!

Quantas vezes eu ri estupidamente, zombei e ridicularizei, falei sem pesar


minhas palavras, ignorantemente e sem sentido, e proferi uma quantidade
incontável de palavras cortantes, venenosas, insolentes, frívolas, vulgares,
grosseiras e descaradas!

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Quantas vezes, afetado pela beleza, alimentei minha mente, minha
imaginação e meu coração com sensações voluptuosas e satisfiz de forma
não natural os desejos da carne em fantasias! Quantas vezes minha língua
proferiu coisas vergonhosas, vulgares e blasfemas sobre os desejos da
carne!

Quantas vezes ansiei por poder e fui glutão, saciando-me com iguarias,
comidas e vinhos saborosos, variados e diversificados; por causa da
intemperança e da falta de autocontrole, quantas vezes fui saciado além do
ponto de saciedade, faltei com a sobriedade e me embriaguei, fui
intemperante na comida e na bebida e quebrei os jejuns sagrados!

Quantas vezes, por egoísmo, orgulho ou falsa modéstia, recusei ajuda e


atenção aos necessitados, fui pouco caridoso, avarento, antipático,
mercenário e me apeguei à atenção!

Quantas vezes entrei na Casa de Deus sem temor e tremor, fiquei ali em
oração, frívolo e distraído, e saí de lá com o mesmo espírito e disposição!
E, na oração em casa, tenho sido igualmente frio e indiferente, orando
pouco, com preguiça e indolência, desatento e impiedoso, e até mesmo
omitindo completamente as orações designadas!

E, em geral, como tenho sido preguiçoso, enfraquecido pela indolência e


inação; quantas horas de cada dia tenho passado dormindo, quantas vezes
tive pensamentos voluptuosos na cama e contaminei minha carne! Quantas
horas gastei em passatempos e prazeres fúteis e vazios, em conversas e
discursos frívolos, piadas e risadas, jogos e diversão, e quanto tempo
desperdicei de forma conclusiva em conversas e fofocas, em criticar os
outros e censurá-los; quantas horas gastei em desperdício de tempo e
ociosidade! O que responderei ao Senhor Deus por cada hora e cada minuto
de tempo perdido? Na verdade, desperdicei minha vida inteira na preguiça.

Quantas vezes perdi o ânimo e me desesperei com a salvação e com a


misericórdia de Deus ou, por hábito estúpido, insensibilidade, ignorância,
insolência, falta de vergonha e dureza, pequei deliberadamente,
voluntariamente, em meu juízo perfeito, com plena consciência, com toda a
boa vontade, tanto em pensamento quanto em intenção e em ação, e dessa
31
forma pisoteei o sangue da aliança de Deus e crucifiquei novamente dentro
de mim o Filho de Deus e O amaldiçoei!

Quão terrível é o castigo que atraí sobre mim!

Como é possível que meus olhos não estejam transbordando de lágrimas


constantes? Se ao menos minhas lágrimas corressem do berço ao túmulo, a
cada hora e a cada minuto de minha vida torturada! Quem agora refrescará
minha cabeça com água, encherá o poço de minhas lágrimas e me ajudará a
chorar por minha alma que lancei na perdição?

Meu Deus, meu Deus! Por que me abandonaste? Faça-se em mim segundo
a Tua vontade, Senhor! Se me concederes luz, que seja abençoado; se me
concederes trevas, que seja igualmente abençoado. Se me destruíres
juntamente com a minha iniquidade, glória ao Teu justo julgamento; e se
não me destruíres juntamente com a minha iniquidade, glória à Tua infinita
misericórdia!” (São Basílio, o Grande)

Quando nos alimentamos das palavras de nossos Santos, nossa alma se


alegra e ressuscita das trevas do mundo.

32
SÃO NICODEMOS DO MONTE
ATHOS E O SEU
"EXOMOLOGETARION"
Agora podemos dizer que, através de um certo esforço, estamos aptos a
identificar alguns dos pecados e paixões que nos escravizam: fomos
instruídos através das Escrituras e de nossos Santos. Neste ponto, portanto,
devemos aprender a assimilar essas informações e colocá-las a serviço de
nossa Confissão.

Para isso escolhemos seguir com São Nicodemos do Monte Athos e o seu
Exomologetarion. Neste livro, esse grande pai espiritual Ortodoxo trata de
diversos pontos práticos sobre o Mistério da Confissão. São apontamentos
preciosíssimos, que enriquecem o nosso entendimento sobre este Santo
Mistério e nos preparam corretamente para uma boa prática.

OS TRÊS MODOS DE OFENDER A DEUS ATRAVÉS DO PECADO

O primeiro, a desonra: desonramos o Deus Altíssimo quando escolhemos


transgredir seus Mandamentos.

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O Segundo, a ingratidão: o Deus que “que te amou antes dos séculos, não
por merecimento algum, mas apenas por causa de Sua bondade Ele decidiu
em Sua mente divina criar você, quando Ele poderia ter criado outros em
vez de você.” (p. 163). Ele lhe deu vida, vida verdadeira. Ele foi a Cruz por
você, Ele o tirou das trevas da não existência. E, mesmo assim, insistimos
em retribuir com indiferença, indolência, transgressão.

O Terceiro: através do pecado, crucificamos a Cristo diariamente.


Escarnecemos de Seu Sacrifício e tomamos parte dos seus algozes. A obra
redentora de Cristo é blasfemada por nossas mãos e ações, quando
trabalhamos voluntariamente nas vinhas do demônio.

Sobre estes três pontos, São Nicodemos diz: “Ó meu irmão, se considerares
bem estas três lanças com que feriste Deus pelo pecado, estou certo de que
rugirás e rosnarás como um leão por causa dos teus suspiros (Sl. 37,8), e
odiarás e terás nojo do pecado, e o teu coração será quebrado em mil
pedaços, mesmo que seja calejado e duro como uma rocha, e você o fará
derramar lágrimas de sangue. Portanto, tanto quanto possível, concentre-se
e medite sobre esses três pontos”.

O pecado ofende a Deus e deixa suas consequências no homem.

AS TRÊS CONSEQUÊNCIAS DO PECADO NO HOMEM

Sobre esse tópico, São Nicodemos diz que, após levarmos em conta o que o
pecado causa em nossa relação com Deus e como ofendemos a Ele por isso,
também devemos considerar quão prejudicial o pecado é para nós
pessoalmente. O santo continua dividindo esses malefícios em três pontos.

Primeiro: o homem, através do pecado, perde a Graça de Deus em sua vida.


A Graça que “é mais preciosa do que todos os dons da natureza e de todos
os bens mais valiosos do mundo” é ofuscada e alienada do homem que
escolhe o pecado. Perdemos a capacidade de chamarmos a nós mesmos de
filhos de Deus.

34
Segundo: o pecado faz com que você perca eternidade na presença de
Deus, na companhia dos Santos e da Santíssima Mãe de Deus. O homem
perde o Reino dos Céus, perde tudo que Deus preparou para os que O
amam e desejam a união com Ele. “Os pecados fizeram com que você
trocasse todas essas coisas boas por um prazer pequeno, amargo e
confuso.”

Terceiro: o homem perde o Paraíso, mas não fica de “mãos vazias”. Ele,
pelo pecado, recebe o inferno: “considere como os pecados fizeram com
que você ganhasse uma eternidade dos infinitos tormentos do inferno, em
que um único momento é, mesmo depois de milhares de anos, como a areia
do mar, ou como as estrelas do céu, ou como as gotas da chuva, ou como as
folhas das árvores, ou como os átomos no ar, e esse momento nunca, jamais
passará”.

Sobre estes três apontamentos, São Nicodemos conclui:

“Considerando essas coisas por uma segunda razão, amado, seu coração
certamente será picado pela compunção e você adquirirá a aflição
mencionada acima, sofrendo por nenhuma outra razão a não ser pelo fato
de que, por causa de seus pecados, você sofreu uma perda infinita, um dano
que nem mesmo todos os reinos do mundo são dignos de recompensar na
menor medida. Ai de mim!”

A PRÁTICA E A PREPARAÇÃO

Recebemos parâmetros claros, das Escrituras até a Santa Tradição. Agora


vamos ao autoexame em si. São Nicodemos nos aconselha como devemos
iniciar o processo de autoexame:

“Assim como você se sentaria e contaria seu dinheiro depois de uma certa
transação comercial, da mesma forma, vá a um lugar específico, meu
irmão, e duas ou três semanas antes de ir ao Pai Espiritual que você
encontrou – especialmente no início dos quatro períodos de jejum do ano –
sente-se nesse lugar de quietude e, inclinando a cabeça, examine sua
consciência. Considere também quantos pecados você cometeu em atos,

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palavras e pensamentos, depois da última vez que se confessou, contando
os meses, as semanas e os dias. Lembre-se das pessoas com as quais pecou
e dos lugares onde pecaram, e reflita diligentemente sobre essas coisas a
fim de encontrar cada um de seus pecados. É assim que, por um lado, o
sábio Sirach aconselha dizendo: "antes do julgamento, examine a si
mesmo" (Sir. 18:20) e, por outro, Gregório, o Teólogo, diz: "examine a si
mesmo mais do que ao seu próximo. A conta das ações é superior à conta
do dinheiro. Pois o dinheiro está sujeito à corrupção, mas as ações
permanecem.”

Assim como os caçadores não se satisfazem apenas em encontrar uma fera


na floresta, mas tentam por todos os meios matá-la, da mesma forma, meu
irmão pecador, você também não deve se contentar apenas em examinar
sua consciência e encontrar seus pecados, pois isso pouco lhe adianta, mas
lutar por todos os meios para matar seus pecados por meio da dor em seu
coração, ou seja, por meio da contrição e da aflição. E, para adquirir
contrição, considere o quanto você prejudicou a Deus por meio de seus
pecados. A fim de também adquirir aflição, considere o quanto você
prejudicou a si mesmo por meio de seus pecados.

Conhecendo os pecados e suas implicações, realizando o autoexame


corretamente, com o coração esmagado pela dor que causou nossa conduta,
devemos procurar nosso Confessor e/ou Pai Espiritual e confessar. Como?
São Nicodemos continuará nos conduzindo.

COMO OS PECADORES DEVEM CONFESSAR SEGUNDO O


EXOMOLOGETARION DE SÃO NICODEMOS

1. Compreender o significado da Confissão: a Confissão é uma


articulação verbal de nossos pensamentos, palavras e ações. Ela deve ser
feita de coração contrito, de modo aberto e franco, resolutamente, diante de
um Confessor e/ou Pai Espiritual Ortodoxo.

2. A Confissão deve ser totalmente voluntária: ela não pode ser feita
mediante coação, hipocrisia, necessidade qualquer que não seja o

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arrependimento e a urgência dos pecados serem absolvidos. Quem se
confessa age em posse de seu livre-arbítrio.

3. A Confissão deve ser feita sob total arrependimento: “você deve


confessar com compunção, com muita humildade e um coração
quebrantado, da mesma forma que a prostituta confessou seus pecados, a
mulher cananéia e como o publicano orou, para que Deus aceite sua
confissão e lhe conceda o perdão de seus pecados”. O arrependimento é
uma condição básica para a absolvição. Um homem hipócrita pode
aprofundar-se ainda mais em sua enfermidade, se o orgulho e a falsa
humildade forem os motivadores de sua Confissão.

4. A Confissão deve ser auto acusatória: o personagem a ser acusado em


sua Confissão é você mesmo. Não se autojustifique apontando o motivo de
seus pecados no próximo. Não cometa o mesmo erro de Adão e Eva, que
não assumiram suas transgressões e perderam o Paraíso por isso.

5. A Confissão deve ser honesta: os pecados devem ser revelados sem


omissão. O coração deve ser aberto e as circunstâncias e motivações devem
ser confessadas. A Confissão não deve ser feita usando de meias verdades,
de enganos e superficialidade, pois isso é abominável para Deus.

6. Não tenha vergonha ao confessar: essa vergonha que você sente por ter
pecado é lícita e desejável, desde que ela não impossibilite sua confissão
honesta. A vergonha que impede a Confissão é uma artimanha do demônio.
A vergonha que impulsiona a Confissão é a “vergonha que te liberta da
vergonha futura do temível dia do Julgamento”. O demônio inverte essa
ordem.

7. Os pecados devem ser revelados agora, caso contrário serão


revelados no dia do Juízo: nenhum pecado passa em branco, ou revelamos
diante de nosso Confessor e/ou Pai Espiritual, ou eles permanecerão sem
absolvição e serão cobrados e exibidos diante do Juiz Temível.

8. Se um único pecado não for confessado, os outros pecados também


não serão perdoados: São Nicodemos afirma que, ao ocultar
propositalmente um pecado, seja por hipocrisia ou por orgulho, esse pecado

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acaba suprimindo a absolvição dos outros pecados confessados naquele
momento, pois “você também acrescenta outro pecado a si mesmo, o de
sacrilégio, por causa dessa ocultação”.

9. A Confissão deve ser resoluta: ao confessar-se diante de seu Pai


Espiritual, você deve ter a firme convicção de que não deseja mais pecar
voluntariamente em sua vida. Aquele que peca, mas não toma a decisão de
odiar o seu pecado é como quem "tem um pé com o Pai Espiritual e o outro
pé com o pecado, confessando com a boca, enquanto planeja em seu
coração pecar novamente.”

Levemos em consideração as palavras deste homem que, experimentado na


luta espiritual, encontrou a união com Deus.

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CONCLUSÃO & APONTAMENTOS FINAIS

A Confissão exige preparação e autoexame profundo. Precisamos fugir dos


movimentos mecânicos, ou das confissões automáticas. É de extrema
urgência que a Confissão trabalhe junto ao autoconhecimento, por isso uma
preparação, acompanhada de um autoexame, é necessária. A medida nos
foi dada minimamente pelas Escrituras e pelos Santos aqui citados
anteriormente. O autoexame, então, encontra parâmetros claros. Porém,
finalizando, citamos ainda alguns apontamentos práticos:

1. Ao nos prepararmos para a Confissão, devemos olhar atentamente para


Cristo. É observando Cristo, se alimentando de Suas palavras e perseguindo
o Seu exemplo, que perceberemos o quão diferente d’Ele somos e agimos.

2. Releia a lista de paixões citadas aqui anteriormente e que foram


enumeradas por alguns Santos Padres e siga, resolutamente, os conselhos
de São Nicodemos aqui listados.

3. Jejum e oração são necessários na preparação para a Confissão.

4. Não detalhe seus pecados carnais, ainda que pecados de ordem carnal
devam ser confessados pois escravizam a alma, afastam o homem de Deus
e necessitam de absolvição (homossexualismo, masturbação, adultério,
etc.). A menção do pecado e o arrependimento sincero é o suficiente neste
ponto. “Não entre em detalhes ao confessar atos carnais, para não se tornar
um traidor de si mesmo.” (São João Clímaco)

5. Cânones podem ou não ser aplicados pelo seu Pai Espiritual (ἐπιτιμία).
Aceite a medicina imposta, sem expectativas criadas por puro
sentimentalismo ou em comparação com a confissão de outros irmãos. A
saúde da relação pai-filho espiritual depende muito disso.

6. Aprenda, com ajuda de seu pai espiritual, a identificar paixões


subjacentes. Muitas vezes o pecado é alimentado por paixões e tentações
que vem de impulsos não identificados à primeira vista, exemplo: a cólera

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pode ser alimentada por um tipo específico de música, a luxúria por um
tipo de ambiente frequentado e assim por diante.

7. Questões relacionadas à retidão da fé devem ser levantadas em seu


autoexame: você acredita em Deus, na Santíssima Trindade e na divindade
de Cristo? Você venera a Santa Virgem Maria, os Santos e os Anjos? Você
acredita na Igreja Ortodoxa como Verdadeiro Corpo Místico de Cristo?
Acredita na possibilidade de experimentar a Graça Divina através de seus
Mistérios (Sacramentos)? Você guarda os dias e períodos de jejum
estipulados pela Igreja? Faz uso de práticas condenadas pelos Santos
Cânones como: astrologia, feitiçaria, sincretismo, visita médiuns, etc.?

8. A relação entre a Confissão e a Santa Comunhão pode ser definida pelo


pai espiritual em sua terapia junto ao fiel. Sobre uma relação formal, a
Igreja Ortodoxa Antioquina evita transmitir uma correlação de dependência
entre ambos os Mistérios. É evidente que, em um sentido profundo, todos
os Mistérios estão conectados intimamente à Santa Comunhão, mas a
Confissão não é somente um “carimbo” para a participação nos Mistérios
da Igreja. Como vimos aqui, ela é um meio de experimentar a Graça de
Deus e parte do processo terapêutico da Igreja. Quanto mais nos
confessarmos, melhor. Quanto mais nos aproximarmos da medicina divina
da Santa Comunhão, mais saúde espiritual teremos, mas devemos evitar as
associações mecânicas. Evidentemente, um fiel saudável, que compreende
a sua fé corretamente, participará regularmente de ambos os Sacramentos.

10. A Confissão pode ser realizada com o penitente sentado ou em pé,


assim como a absolvição dada, pedindo que o penitente se ajoelhe ou se
incline. Diferenças de tradição não devem causar distúrbios em sua mente.

11. Procure se expressar de modo tranquilo e detalhado. Não se esqueça


que o Sacerdote precisa compreendê-lo para fornecer um aconselhamento
sucinto. Evite nomes de terceiros e acusações. O foco aqui é você e seus
pecados. Procure evitar o sentimento de que seu pecado pode causar
constrangimento e vergonha ao confessor. Essas são tentações demoníacas
que tentam te afastar do arrependimento e do perdão. Se o quarto ponto
acima for seguido, não tenha medo e siga do modo mais sincero o possível.

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“A confissão deve ser sincera, profunda e completa.” (São João de
Kronstadt)

12. É importante lembrar sempre que o arrependimento é uma condição


para cura. Seus pecados serão perdoados, mas a cura vem com a não
repetição dos mesmos pecados. São João Crisóstomo nos diz que “o Senhor
considera como características indispensáveis do arrependimento as três
seguintes: contrição no coração, confissão oral e correção de nossa vida.
Portanto, vamos nos arrepender.”

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APÊNDICE
PALAVRAS DOS SANTOS E ANCIÃOS

“Meu filho, você quer esmagar a cabeça da serpente? Revele abertamente


seus pensamentos na Confissão. A força do diabo está em pensamentos
astutos. Você se apega a eles? Ele continua escondido. Você os traz para a
luz? Ele desaparece. E então Cristo se alegra, a oração progride e a luz da
Graça cura e traz paz à sua mente e ao seu coração.” (São José, o
Hesicasta)

“Deus perdoa imediatamente tudo àqueles que pedem perdão em espírito de


humildade e contrição, e que invocam incessantemente o Teu Santo nome.
Como diz o Salmista: 'Confessai-vos ao Senhor e invocai o seu santo
nome'”. (São Gregório do Sinai)

“Esse Mistério (Confissão) é a oferta do amor de Deus à humanidade.


Dessa forma perfeita, a pessoa é libertada do mal. Nós nos confessamos e
sentimos nossa reconciliação com Deus; a alegria nos invade e a culpa vai
embora. Na Igreja Ortodoxa não há impasse. Não há impasse por causa da
existência do confessor que tem a graça de perdoar.” (São Porfírios de
Kafsokalívia)

“Quem reconhece seus pecados é superior àquele que pode ressuscitar os


mortos por meio de sua oração. A obra do arrependimento é a mais elevada
de todas as virtudes.” (Abba Isaac)

“Na Confissão, tente ser específico. Não basta fazer uma lista de seus
pecados durante a confissão - por exemplo, "eu invejo, fico com raiva" etc.
Para receber ajuda, você precisa confessar suas falhas específicas. Ao
deixar de fazer uma confissão concreta/específica, a pessoa zomba de
Cristo. Se alguém não confessa a verdade ao seu pai espiritual, não revela
seu pecado a ele, para que o pai espiritual possa ajudá-lo, ele se prejudica
seriamente, como uma pessoa doente que prejudica sua saúde ao esconder a
doença do médico.” (São Paísios do Monte Athos)

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"Se a serpente, o demônio, morde alguém secretamente, ele infecta essa
pessoa com o veneno do pecado. E se aquele que foi mordido se cala e não
faz penitência, e não quer confessar sua ferida (...) então seu irmão e seu
pai, que têm a palavra [da absolvição] que o curará, não pode ajudá-lo
adequadamente" (São Jerônimo)

“Os sacerdotes receberam um poder que Deus não concedeu nem aos anjos
nem aos arcanjos. Foi-lhes dito: ‘Tudo o que ligardes na terra será ligado
no céu; e tudo o que desligardes será desligado’. Os governantes temporais
têm, de fato, o poder de amarrar, mas só podem atar o corpo. Os sacerdotes,
por outro lado, podem ligar com um vínculo que pertence à própria alma e
transcende os próprios céus. Não lhes deu [Deus] todos os poderes do céu?
'A quem perdoardes os pecados', diz ele, 'ser-lhes-ão perdoados; a quem
retiverdes os pecados, ser-lhes-ão retidos'. Que poder maior existe do que
esse?” (São João Crisóstomo)

“A sinceridade da fé é revelada por uma Confissão franca. Um fiel


ortodoxo, que revela os seus pecados diante de um pai espiritual, faz com
que a [sua] fé seja confirmada por essa persistência em buscar a
misericórdia de Deus.” (Arquimandrita Gregórios Estephan)

“Aqui está o que se deve ter cuidado em ter em mente: na Confissão, não se
deve procurar justificar a si mesmo. Alguém que durante a Confissão se
entrega à autojustificação não recebe consolo interno, não importa o quanto
ele possa pisar em sua consciência. As autojustificativas com as quais ele
se esconde durante a Confissão se tornam um fardo que repousa sobre sua
consciência.” (São Paísios do Monte Athos)

“Quando faço minha confissão, eu me acuso de todos os maus


pensamentos, porque, sinceramente, não encontro no mundo inteiro um
pecado que eu não tenha cometido, ainda que em um pensamento fugaz. A
própria possibilidade de tal pensamento já é uma indicação clara de meu
estado. E quem de nós pode estar totalmente certo de que está além do
poder dos pensamentos apaixonados que o visitam? Se por um instante eu
estiver sob o domínio de algum pensamento ruim, onde está a garantia de
que esse instante não se transformará em eternidade? Portanto, na medida

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em que estamos conscientes de nossos pecados, precisamos confessá-los,
para não carregá-los conosco após a morte. Enquanto o homem estiver
vivo, há esperança de sua recuperação. Mas ainda não sabemos o que
acontecerá após a morte. Nossa saída deste mundo poderia ser comparada a
algo que agora se tornou concebível no plano material: uma massa, sujeita
a um impacto suficientemente poderoso, rompendo a esfera de gravidade
da Terra, pode, teoricamente, viajar eternamente a uma velocidade incrível
no espaço ilimitado do universo. Da mesma forma, penso que a alma
humana, após sua partida, será atraída ou para a alegria imensurável do
amor eterno ou para o sofrimento sem fim do estado oposto ao amor. Pois o
pecado, em sua essência, nada mais é do que a transgressão da lei do amor
divino. Se considerarmos esse amor em sua plenitude, nunca pareceremos
puros ao lado dele. Portanto, se o homem realmente deseja alcançar a
permanência imutável com Deus, ele deve se purificar, porque 'o Senhor é
puro'.” (São Sofrônio de Essex)

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