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CAPÍTULO 7

SÍNDROME DE BURNOUT E
PRÁTICAS ESPIRITUAIS EM PADRES
CATÓLICOS: correlações e implicações
Rosimar José de Lima Dias

1 INTRODUÇÃO
Padres7 e líderes religiosos em geral compreendem um grupo de
pessoas que, dado a natureza de suas atividades laborais, podem estar
susceptíveis à experiência do burnout. A síndrome de burnout resulta
de respostas inadequadas ao estresse laboral crônico e compreende três
dimensões: (1) exaustão emocional; (2) distanciamento das relações
pessoais ou despersonalização; e (3) diminuição do sentimento de
realização pessoal.
Estudos sobre a síndrome de burnout entre padres e outros
líderes religiosos surgiram na medida as pesquisas de Christina Maslach
e Susan Jackson (1981) foram se consolidando e ganhando relevância
entre os religiosos e suas lideranças. Contudo, ainda nos dias atuais, as
implicações psíquicas e fisiológicas desta síndrome ainda são vivenciadas
e representadas, entre os líderes religiosos, como consequência da
exigência moral intrínseca à compreensão da caridade pastoral e de
sua vocação de se consumir pelo próximo. Assim, tanto o cansaço
cotidiano, bem como o esgotamento emocional e físico, são com
frequência compreendidos e representados sob a roupagem da ascese e
do sacrifício. Consequentemente, nem sempre o problema é percebido

7 Padre, sacerdote ou presbítero são títulos comumente atribuídos ao ministro religioso


ordenado na Igreja Católica Romana. Embora se reconheça que, tanto no âmbito linguístico
quanto no âmbito teológico-sacramental, estes termos possam ter pequenas nuances que
os distingam, no decorrer deste capítulo eles serão utilizados como sinônimos.
178 ◆ EXPERIÊNCIAS RELIGIOSAS, ESPIRITUAIS E ANÔMALAS: desafios para a saúde mental

e identificado como um sintoma indicativo de uma patologia psíquica


específica que precisa ser tratada.
O trabalho pastoral pode conduzir à experiência do estresse
crônico e, consequentemente, ao desenvolvimento da síndrome de
burnout, justamente porque ele se caracteriza pelo serviço religioso
e assistencial, frequentemente voltado para a parcela mais carente da
população. De mais a mais, o trabalho pastoral pode ser extremamente
exigente, cansativo e mesmo marcado por tensões e conflitos, sobretudo
quando padres e líderes religiosos costumam não apenas servir pessoas
mais carentes e em situação de risco, mas, também, participar ativamente
da vida dessas pessoas partilhando de suas dificuldades, seus sofrimentos
e suas carências. Nesse contexto, é comum que o padre ou o líder religioso
enfrente dilemas morais diante de escolhas, renúncias, limitações,
fracassos, ou até mesmo erros aos quais, como humanos, estão sujeitos.
Tais dilemas podem resultar em distress moral, surgidos do conflito
entre um determinado contexto ou situação e aquilo que é estabelecido
pela própria pessoa do padre ou pela instituição como ideal de vida
vocacional a ser alcançado; ou, ainda, do conflito entre o conjunto de
princípios e valores adotados pela pessoa do padre e aqueles impostos
pela sociedade, instituição, ou comunidade na qual se encontra.
Ademais, a própria instituição eclesial está sujeita a enfrentar,
de tempos em tempos, crises tanto relacionadas ao seu funcionamento
interno e à sua identidade, quanto em relação à sociedade e ao contexto
no qual encontra-se inserida. Imersos neste contexto de crise, padres e
outros líderes religiosos podem tornar-se mais suscetíveis à experiencia
de estresse crônico. Como consequência, a crise institucional pode
conduzir a uma crise da própria vocação, o que não é apenas a crise
de identidade dos membros de uma determinada instituição eclesial
enquanto expressão de suas personalidades, nem apenas uma crise
social religiosa que esteja fora das comunidades. Dessa forma, não se
tratando necessariamente de um erro de atribuição, a crise pessoal de
muitos padres e líderes religiosos pode, desde certa perspectiva, revelar
inconsistências da própria instituição eclesial na qual vivem e exercem
Síndrome de burnout e práticas espirituais em padres católicos ◆ 179

seu trabalho ministerial e, simultaneamente, uma crise religiosa pela


qual tem passado a sociedade hodierna como um todo.
Portanto, sem desconsiderar as possíveis fragilidades pessoais,
faz-se imperioso, neste contexto, questionar se determinadas concepções e
paradigmas eclesiológicos não contribuem de forma implícita ou explícita
para o estresse crônico enfrentado por padres e outros líderes religiosos na
atualidade. Tanto paradigmas eclesiológicos marcados pela inflexibilidade
e por uma ênfase exacerbada no ideal de perfeição, quanto modelos
eclesiológicos caracterizados por uma excessiva fluidez, não oferecem
espaço adequado para as adaptações psíquicas e fisiológicas necessárias
ao indivíduo, nem um ambiente propício para o desenvolvimento de
aspectos essenciais da identidade sacerdotal no decorrer de seu processo
de amadurecimento. Instituições eclesiais ou religiosas marcadas por tais
paradigmas podem inadvertidamente promover o medo, a ansiedade,
a raiva, a frustração, a decepção, a tristeza e outras emoções negativas.
Esse processo, consequentemente, pode ser marcado pelo sofrimento
psíquico e o desenvolvimento de psicopatologias no contexto do exercício
do trabalho pastoral dos padres e religiosos que servem tais instituições.
Dentre estas psicopatologias destaca-se a síndrome de burnout que tem
sido estudada como um fenômeno psicossocial resultante de um distress
laboral (MASLACH; SCHAUFELI; LEITER, 2001) e que pode surgir
acompanhada de uma série de sintomas psicossomáticos, incluindo a
incapacidade de restaurar as energias, tensão constante, alta irritabilidade,
tontura, enxaquecas, dores no corpo, má digestão, problemas de memória
e insônia.
O termo burnout deriva do verbo inglês “to burn out” e tem o
sentido de queimar por completo até a exaustão. Herbert Freudenberger
(1974) utilizou-o pela primeira vez para significar um estado de
esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida
profissional.
Maslach e Jackson (1986) compreendem a síndrome de burnout
não apenas como um estado, mas como um processo multidimensional.
Estas autoras desenvolveram o conceito do burnout, no contexto do
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ambiente de trabalho, a partir de três dimensões associadas, porém,


independentes, a saber: (1) a exaustão emocional caracterizada pela falta
de energia e entusiasmo, sentimento de frustração e de esgotamento; (2)
a despersonalização caracterizada pelo isolamento, falta de sensibilidade
emocional e reificação de si mesmo e dos outros; e (3), por fim, a baixa
realização pessoal no trabalho, definida como insatisfação em relação à
própria profissão e/ou ao próprio desempenho profissional.
A síndrome de burnout é uma experiência subjetiva, que reúne
sentimentos e atitudes acarretando alterações, problemas e disfunções
psicofisiológicas com consequências nocivas para as pessoas e a
organização e afetando diretamente a qualidade de vida do indivíduo.
Maslach (2003) menciona que o burnout resulta de um estado
de pressão emocional contínuo pelo envolvimento com pessoas. Desta
forma, o burnout pode ser visto como resultado de um stress crônico
relacionado às profissões onde o envolvimento com pessoas que se
encontram numa situação de necessidade ou dependência é intenso
e prolongado, como é o caso dos médicos, enfermeiros, professores,
psicoterapeutas, assistentes sociais, ministros religiosos, etc.
Diversas características do trabalho do clero e demais líderes
religiosos podem contribuir com o desenvolvimento da síndrome de
burnout como, por exemplo: (1) o ministério é direcionado para pessoas,
muitas vezes em situação de carência extrema; (2) falta de limites claros
sobre o trabalho pastoral; (3) falta de critérios para medir o resultado
do trabalho; (4) a frequente idealização do ministério; e (5) expectativas
irrealistas tanto da instituição religiosa, quanto dos fiéis ou paroquianos.
Tem havido nas últimas décadas um crescente interesse de
pesquisadores na temática do esgotamento e saúde mental do clero e
líderes religiosos. Em 1991, uma pesquisa do Church Growth Institute
relatou que 50% dos líderes religiosos entrevistados haviam considerado
o abandono de seu ministério durante os três meses anteriores (ALBAN
INSTITUTE, 2001). Em uma outra pesquisa mais recente, com uma
amostra de 358 clérigos que desempenhavam trabalho pastoral em
paróquias, 13% se declararam esgotados, 23% deprimidos e 45%
Síndrome de burnout e práticas espirituais em padres católicos ◆ 181

relataram experimentar níveis altos ou moderados de exaustão emocional


(DOOLITTLE, 2010).
Virginia (1998), um dos pioneiros em pesquisas na temática de
burnout entre padres católicos, estudou a associação entre burnout e
depressão no clero diocesano, religioso e monástico nos Estados Unidos.
Os resultados indicaram que o clero diocesano, quando comparado
ao religioso e monástico, apresentou índices mais altos de depressão,
exaustão emocional, despersonalização e reduzida realização pessoal.
Virgínia indicou a falta de apoio social e o sentimento de isolamento
como elementos diretamente ligados ao esgotamento emocional e a
depressão experimentados pelos padres. Raj e Dean (2005) chegaram
à mesma conclusão pesquisando o clero diocesano e religioso na Índia.
Embora ainda incipientes e escassas, algumas pesquisas sobre a
síndrome de burnout no clero e líderes religiosos começam a considerar
a associação da espiritualidade ou práticas espirituais com esta síndrome,
postulando a espiritualidade como possível fator protetor contra o
burnout. Considerar esta variável ao estudar esta população parece não
apenas recomendável, mas necessário, pois se presume que a vivência de
algum tipo de espiritualidade ou o engajamento em práticas espirituais,
como, por exemplo, a oração e a meditação, são inerentes à própria
natureza de sua vocação enquanto ministros religiosos.
Entre os poucos estudos encontrados que consideram a
espiritualidade ao estudar o burnout no clero ou líderes religiosos,
encontra-se o estudo de Golden et al. (2004). Estes autores, tendo
estudado uma amostra de 321 pastores metodistas, concluíram que
quanto menor a perceção dos pastores de sua intimidade com o divino,
maior a probabilidade de experimentarem a síndrome de burnout. Por
outro lado, quanto maior a sensação de bem-estar com a prática da
oração, menor os escores de burnout (r = –0,26; p < 0,005). Turton e
Francis (2007), estudando o burnout entre o clero anglicano, também
concluíram que uma atitude positiva em relação à oração está associada
a índices mais baixos de burnout nas três dimensões mensuradas pelo
Maslach Burnout Inventory (MBI): exaustão emocional, r = –0,19, p<
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0,001; despersonalização, r = -0,25, p< 0,001; e reduzida realização pessoal,


r = -0,32, p < 0,001. Da mesma forma, Doolittle (2010) em um estudo do
com 358 clérigos metodistas que desempenhavam seu trabalho pastoral
em paróquias, encontrou que a insatisfação com a vida espiritual estava
fortemente associada ao burnout em suas três dimensões.
Ainda dentro da temática burnout e espiritualidade/práticas
espirituais, Chandler (2009) encontrou, em uma amostra de 270 ministros
religiosos, que a aridez espiritual, ou desmotivação total em relação
à religiosidade e suas práticas, estariam diretamente correlacionadas
à exaustão emocional. Nesta mesma linha, Jackson-Jordan (2013)
estudando burnout e resiliência no clero, demonstrou que a forma de
vivenciar a espiritualidade, a qualidade das habilidades interpessoais e
emocionais, a prática da direção espiritual e os relacionamentos com
outras pessoas fora do círculo eclesial, poderiam favorecer a resiliência
frente às três dimensões do burnout.
Quando se leva em consideração a essência da natureza da
vocação sacerdotal ou religiosa, compreendida como um chamado de
Deus para se exercer um serviço de amor em favor do povo de Deus
e suas comunidades, parece natural que o exercício de suas atividades
pastorais estejam enraizadas no cultivo de práticas espirituais. Partindo
deste pressuposto e de estudos anteriores sobre a síndrome de burnout no
clero, este capítulo pretende explorar, a partir do relato de uma pequena
parte da pesquisa de doutorado deste autor, as possíveis associações
entre as dimensões da síndrome de burnout no clero brasileiro e outras
variáveis, com ênfase no impacto das práticas espirituais de padres
católicos na sua experiência de burnout.

2 METODOLOGIA
Conforme supramencionado, este relato considera dados parciais
da pesquisa de doutorado do autor deste capítulo. Trata-se de um estudo
de natureza descritiva correlacional e de corte transversal que investigou
tanto a prevalência da síndrome de burnout entre o clero brasileiro
Síndrome de burnout e práticas espirituais em padres católicos ◆ 183

quanto a associação das dimensões do burnout com diversas variáveis


demográficas e psicossociais. Para o propósito deste capítulo, será relatado
as correlações entre a síndrome de burnout em suas três dimensões com
variáveis demográficas e outras variáveis, com ênfase na associação entre
o burnout e práticas espirituais entre padres católicos no Brasil.

2.1 Procedimentos
Em 2015 foram enviados questionários e inventários de autorrelato
via correios para uma amostra randomizada de 350 padres católicos,
tanto diocesanos quanto religiosos, que exerciam seu ministério pastoral
nas diversas regiões do Brasil. No processo de seleção dos participantes
foram excluídos padres que não exerciam nenhuma atividade pastoral na
época da coleta de dados. Os participantes devolveram os questionários
também pelos correios sem qualquer dado que pudesse identificar o
participante na parte externa do envelope. Os dados recebidos foram
tabulados e analisados pelo software IBM SPSS Statistics 21.

2.2 Participantes
Foram devolvidos 242 questionários considerados úteis para o
propósito deste estudo. Estes 242 participantes representam padres de
87 diferentes dioceses e 52 diferentes ordens religiosas em todo o Brasil.
Todos os participantes eram homens solteiros, uma vez que estes são
pré-requisitos da Igreja Católica para se admitir alguém ao sacerdócio.

2.3 Instrumentos
Para o levantamento dos dados, foram utilizados três instrumentos
autoaplicados: (1) um questionário sociodemográfico; (2) o Maslach
Burnout Inventory (MBI); e (3) um questionário de 21 itens para medir
variáveis psicossociais potencialmente relacionadas ao burnout.
O questionário sociodemográfico, contendo 13 itens, foi utilizado
para coletar dados sociodemográficos dos participantes, incluindo,
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entre outros, idade, tempo de experiência ministerial, grupo racial,


nível máximo de educação, tipo de clero (diocesano ou religioso) etc.
O MBI foi o primeiro instrumento a ser criado visando
avaliar a incidência da síndrome de burnout. Ele foi elaborado por
Christina Maslach e Susan Jackson (1986) em 1978, e hoje tem sido um
instrumento amplamente utilizado nas diversas profissões para avaliar
como os profissionais vivenciam seus trabalhos. Vale ressaltar que ele é
autoadministrável, e que foi primeiramente aplicado em enfermeiros, já
que esses profissionais estavam incluídos no rol de profissões de natureza
assistencial, que Maslach e Jackson consideravam os mais predispostos à
síndrome. Além disso, esse inventário no decorrer dos anos passou por
um longo processo de validação em vários países, inclusive no Brasil.
A versão atual do MBI é composta por 22 perguntas fechadas
que compõem três fatores: Exaustão Emocional (EE), Despersonalização
(DEP) e falta de Realização Pessoal (RP). O MBI postula que aqueles que
experimentam o burnout, sentem-se emocionalmente esgotados, tornam-
se negativos e cínicos para com aqueles a quem servem, e eles sofrem
de um sentimento de baixa realização pessoal no trabalho (MASLACH;
JACKSON; LEITER, 1996). No presente estudo, utilizou-se a versão
Serviços Humanos do MBI (MBI-HSS). Esta versão foi compreendida
como a mais apropriada aos padres, porque foi desenvolvida para aqueles
em instituições de serviços humanos que têm envolvimento intenso
com outras pessoas. Além disso, as palavras “trabalham” e “pessoas” ou
“destinatários” nos itens da pesquisa foram alterados para “ministério” e
“paroquianos”, respectivamente, para ser mais aplicável à realidade dos
padres. Há precedente para esta mudança, pois o próprio MBI substitui
o termo “destinatários” pelo termo “estudantes” ao administrar o MBI a
professores. O MBI apresenta escala do tipo Likert, com escala ordinal
variando de 1 a 7 (1 – nunca, 2 – algumas vezes por ano, 3 – uma vez por
mês, 4 – algumas vezes por mês, 5 – uma vez por semana, 6 – algumas
vezes por semanas e 7 – todos os dias). A análise fatorial da versão
validada para o Brasil confirmou os três fatores do burnout (EE, DEP
Síndrome de burnout e práticas espirituais em padres católicos ◆ 185

e RP) e demonstrou que esta versão do MBI é uma escala adequada e


confiável (TAMAYO, 1997, 2003).
Por fim, um questionário com 21 perguntas fechadas foi também
incluído no estudo para medir as práticas espirituais dos padres, bem
como outras possíveis variáveis psicossociais que pesquisas anteriores
identificaram como correlacionadas ao burnout no clero. Essas perguntas,
com validade aparente óbvia, foram utilizadas para medir variáveis,​​
possivelmente associadas ao burnout, da maneira mais parcimoniosa.
Todas essas questões usaram uma escala Likert de 5 pontos, exceto para
as perguntas sobre a oração pessoal diária e leitura espiritual diária, que
ofereceu cinco possíveis respostas baseadas no tempo na oração diária
(não diariamente, 1-15 minutos, 16–30 minutos, 31–59 minutos e 60
minutos ou mais).
Uma análise fatorial com emprego do método de análise dos
componentes principais foi utilizada para determinar se esses itens
resultariam em fatores ou variáveis maiores. Esses fatores poderiam,
assim, ser correlacionados com as três subescalas mensuradas pelo MBI
para verificar se, de fato, eles estariam correlacionados ao burnout. Vários
critérios reconhecidos como importantes para a fatorabilidade de uma
matriz de correlação foram utilizados, indicando que a análise fatorial
de componentes principais era adequada para todos os 21 itens. A regra
de eigenvalues sugeriu a extração de cinco fatores. No entanto, itens
relacionados ao autocuidado foram divididos em dois fatores diferentes.
Considerando que o eigenvalue do fator cinco foi muito próximo de um
(1,14) e a acentuada descida da linha do scree plot após o fator 4, optou-
se por fixar 4 fatores na análise fatorial final. Essa análise final agrupou
os itens relacionados ao autocuidado em um único fator, gerando assim
4 fatores que explicaram 25,44%, 9,97%, 8,92% e 7,87% da variância,
respectivamente, o que explicou 52,20% da variância total. A matriz de
componentes rotacionados para esta solução final da análise fatorial é
apresentada na Tabela 1. O coeficiente alfa de Cronbach indicou que a
consistência interna dos quatro fatores foi suficiente para a utilização
dos resultados neste estudo.
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Tabela 1 - Cargas fatoriais e comunalidades para análise fatorial exploratória


após a extração dos componentes principais com rotação Varimax (N = 242)

F1 F2 F3 F4 Comuna-
Item
(α = 0,83) (α = 0, 80) (α = 0, 73) (α = 0, 68) lidades
Escolher novamente a
0,80 0,76
vocação
Relacionamento com Deus 0,74 0,61
Intimidade com Deus 0,70 0,52
Pensamentos de
0,70 O,57
abandonar o ministério
Satisfação com a vocação 0,69 0,62
Suporte de superiores 0,81 0,71
Suporte de colegas 0,76 0,67
Suporte de amigos 0,72 0,52
Suporte dos fiéis 0,67 0,51
Suporte família de origem 0,59 0,46
Leitura espiritual 0,76 0,72
Oração pessoal 0,69 0,69
Direção espiritual 0,63 0,46
Jornadas espirituais 0,58 0,42
Liturgia das Horas 0,55 0,59
Férias anuais 0,76 0,65
Atividade física 0,67 0,67
Hábitos alimentares 0,61 0,73
Descanso semanal 0,61 0,69
Quantidade/qualidade do
0,54 0,57
sono
Refeições em horários
0,45 0,66
regulares
Eigenvalue 5,34 2,09 1,87 1,65
% da variância explicada 25,44 9,97 8,92 7,87
Nota. Valores de fator de carga < 0,40 foram suprimidos. F1 = Satisfação Vocacional (SV); F2
= Suporte Social (SS); F3 = Práticas Espirituais (PE); F4 = Autocuidado (AC).

Fonte: Elaborada pelo autor.


Síndrome de burnout e práticas espirituais em padres católicos ◆ 187

3 RESULTADOS
A idade dos participantes variou de 26 a 86 anos de idade (M =
48,62; DP = 13,11) e o tempo de ministério de 0 a 60 anos (M = 19,02;
DP = 13,52). Em termos de características étnico-raciais, 157 (64,9%)
participantes se identificaram como “brancos”, 65 (26,9%) como “pardos”,
16 (6,6%) como “negros” e 4 (1,6%) como “amarelos”. Em relação ao nível
máximo de escolaridade, 53,72% declarou possuir graduação, 19,83%
especialização, 22,31% mestrado e 4,13% doutorado. Quanto à carga de
trabalho, 5% indicaram que trabalham 20 horas ou menos por semana,
21,9% entre 20 e 39 horas semanais, 33,9% entre 40 e 59 horas semanais,
25,2% entre 60 e 79 horas semanais e 14 % declararam trabalhar 80 ou
mais horas por semana.
Quanto aos índices de burnout, verificou-se que a dimensão
EE foi a dimensão que atingiu maior índice médio (M = 1,71), seguida
pela dimensão da diminuição da RP (M = 1,50), sendo que a de menor
índice foi a DEP (M = 0,91) (Gráfico 1).

Gráfico 1: Índices médios das dimensões do burnout mensuradas


pelo MBI (N = 242)

Fonte: Elaborado pelo autor.


188 ◆ EXPERIÊNCIAS RELIGIOSAS, ESPIRITUAIS E ANÔMALAS: desafios para a saúde mental

Ao analisar a relação entre as dimensões da síndrome de burnout e


as variáveis demográficas, encontrou-se uma associação negativa
significativa (p < 0,05) entre idade e EE (r = -0,44), idade e DEP (r =
-0,40), tempo de ministério e EE (r = -0,42), tempo de ministério e DEP
(r = -0,33) e uma associação positiva significativa (p < 0,05) entre carga
de trabalho e DEP (r = 0,16) (Tabela 2).

Tabela 2: Correlações entre as três dimensões do MBI-HSS e as variáveis


demográficas (N = 242)

Variáveis EE DEP RP
Idade -0,44* -0,40* 0,10
Tempo de ministério -0,42* -0,33* 0,09
Carga de trabalho 0,12 0,16* 0,04
Nota. * p < 0,05. EE = Exaustão Emocional; DEP = Despersonalização; RP = Realização
Pessoal.

Fonte: Elaborada pelo autor.

O mesmo ocorreu entre as dimensões da síndrome de burnout e


as variáveis resultantes da análise fatorial do questionário de 21 perguntas
relativas às práticas espirituais e as outras variáveis psicossociais
mensuradas pelo instrumento. Quanto à dimensão EE, foi verificada
sua correlação inversa com SV (r = -0,47), SS (r = -0,33), PE (r = -0,24) e
AC (r = -0,47). Na dimensão DEP, verificou-se também uma correlação
inversa com os quatro fatores, a saber: SV (r = -0,33), SS (r = -0,22), PE
(r = -0,20) e AC (r = -0,26). Já na dimensão falta de RP, observou-se
uma correlação inversa modesta, que se demonstrou estatisticamente
significativa (p < 0,05) apenas com SV (r = -0,28), SS (r = -0,14) e PE
(r = -0,13) (Tabela 3).
Síndrome de burnout e práticas espirituais em padres católicos ◆ 189

Tabela 3: Correlações entre as três dimensões do MBI-HSS e SV, SS, PE e


AC (N = 242)

Variáveis EE DEP RP
Satisfação Vocacional (VS) -0,47* -0,33* 0,28*
Suporte Social (SS) -0,33* -0,22* 0,14*
Práticas Espirituais (SP) -0,24* -0,20* 0,13*
Autocuidado (SC) -0,32* -0,26* 0,10
Nota. * p < 0,05. EE = Exaustão Emocional; DEP = Despersonalização; RP = Realização
Pessoal.

Fonte: Elaborada pelo autor.

4 DISCUSSÃO
De acordo com o modelo teórico de Maslach (1982), a síndrome
de burnout é um processo em que a exaustão emocional é a dimensão
precursora da síndrome, sendo seguida por despersonalização e, por fim,
pelo sentimento de diminuição da realização pessoal no trabalho. Dessa
forma, os resultados obtidos no presente estudo indicam a possibilidade
desse processo encontrar-se em curso entre os padres católicos no Brasil.
Entretanto, esse processo pode estar sendo contido pelo sentimento
de realização profissional no trabalho, tendo em vista que essa foi a
dimensão de maior pontuação média (M = 3,50).
Os escores obtidos na dimensão da diminuição da realização
pessoal no trabalho podem ser analisados de acordo com aspectos culturais
da organização. De acordo com Garay (2000), a cultura organizacional é
constituída pelo conjunto de compreensões, interpretações ou perspectivas
compartilhadas pelos indivíduos. Podem funcionar como um mecanismo
de controle que procura restaurar as perdas psicológicas, restabelecendo
um quadro de crenças, valores e pressupostos orientadores de um
comportamento coletivo congruente com os objetivos organizacionais.
As instituições religiosas nas quais os padres estudados se encontram,
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possuem uma cultura caritativa e assistencial. Nestas instituições, o


trabalho pastoral do padre é percebido também como uma forma deles
cumprirem sua missão de evangelizar e praticar o bem ao próximo, que
obtém, como recompensa, a experiência da realização de sua missão
ministerial, perpetuando valores entranhados na construção sócio-
histórica do ministério sacerdotal, isto é, a de vocação (chamado),
que exige renúncia, abnegação e doação de si. Tal representação pode
induzir o líder religioso à reprimir uma reflexão sobre até que ponto o
seu trabalho pastoral tem sido fator de realização pessoal e satisfação.
Essa situação pode estar associada ao que Spink (1997) denomina de
ideologia gerencial, que, através de processos de doutrinação, estimula
os colaboradores a se autocensurarem e a evitar a discussão de assuntos
considerados tabus para a instituição. Nesse sentido, os padres podem
estar mais vulneráveis ao burnout, pois, ao compreenderem seu trabalho
ministerial como missão decorrente de sua vocação, tendem a envolver-
se mais intensamente com o mesmo, tendo como resultado um maior
desgaste emocional e uma sobrecarga de trabalho.
Ainda segundo o modelo teórico de Maslach (1982), a
despersonalização é uma tentativa de colocar distância entre si e as
pessoas com quem se relaciona no trabalho, como os clientes e os colegas.
Nessa situação, o distanciamento é uma reação imediata à exaustão,
havendo uma forte relação com esse fator (MASLACH et al., 2001). A
despersonalização refere-se ao desenvolvimento de atitudes negativas e
insensíveis para com as pessoas com quem se trabalha ou que os padres
são chamados a servir por meio do próprio ministério. Embora esta
dimensão tenha se demonstrado a com menor índice médio entre os
padres, com o tempo, à medida que a despersonalização vai progredindo,
os padres podem, como consequência, reduzir a quantidade de tempo
que passam no trabalho pastoral e a quantidade de energia despendida na
realização do mesmo, interferindo assim na qualidade de seu desempenho
junto aos fiéis ou comunidades que servem. Consequentemente, o padre
poderá passar a experimentar sensações de incompetência, falta de
realização e produtividade no seu ministério, que constitui a terceira
Síndrome de burnout e práticas espirituais em padres católicos ◆ 191

dimensão da síndrome, e que aparece já como segunda média mais alta


entre os padres.
Na comparação entre os índices obtidos nas três dimensões
de burnout e as variáveis demográficas, verificou-se correlações
estatisticamente significativas (p < 0,05) entre as duas primeiras
dimensões da síndrome e as variáveis idade e tempo de ministério. Ou
seja, quanto mais novo na idade e no tempo de ministério for o padre,
maior a possibilidade de ele experimentar índices mais elevados de
exaustão emocional e de despersonalização. Já no que diz respeito à
diminuição da realização pessoal, não se observou nenhuma associação
estatisticamente significante com as variáveis demográficas. É possível
que o fato de os padres perceberem seu trabalho mais como uma missão
decorrente de sua vocação e não somente como tarefas laborais a serem
cumpridas resulte em, mesmo sentindo-se exaustos e com certo nível
de despersonalização, ainda assim sentem-se realizados com o exercício
de seu ministério. Contudo, a negligência de intervenções para se tratar
os problemas da exaustão emocional e despersonalização, a médio e a
longo prazo, pode resultar em uma diminuição também do sentimento
de realização pessoal com o ministério.
De um modo geral, a correlação inversa dos índices de exaustão
emocional e despersonalização com as variáveis demográficas idade e
tempo de ministério confirmam os achados na literatura, os quais têm
identificado estas duas variáveis como associadas à síndrome de burnout
(BARZON; CALTABIANO; RONZONI, 2006; DOOLITTLE, 2007;
FRANCIS et al., 2004; RANDALL, 2007; RUTLEDGE; FRANCIS, 2004).
Estes resultados podem ser interpretados, primeiramente, considerando
o desenvolvimento profissional ou a experiência profissional. Ou seja,
quanto mais tempo um indivíduo trabalha em uma profissão estressante
e relacionada à assistência às pessoas, mais ele aceita suas demandas
e desenvolve estratégias e padrões comportamentais para reduzir a
probabilidade do desgaste emocional. Contudo, ao interpretar estes
achados, faz-se necessário também olhar para o próprio processo
maturacional como fator protetivo que diminui a propensão à experiência
192 ◆ EXPERIÊNCIAS RELIGIOSAS, ESPIRITUAIS E ANÔMALAS: desafios para a saúde mental

da síndrome de burnout. À medida que as pessoas amadurecem, elas


crescem no processo de autoconhecimento, na aceitação de si mesmas
e equilibram suas expectativas de si mesmas e de seu desempenho em
consonância com suas capacidades psicológicas individuais. Além disso,
os índices mais altos de burnout encontrados entre o clero mais jovem
podem refletir processos diferenciais em diversas fases do ministério e
desafios enfrentados para se adaptar ao trabalho pastoral e suas exigências.
Em conclusão, os padres mais novos e com menor experiência ministerial
estão mais susceptíveis à exaustão emocional e à despersonalização
e, portanto, merecem atenção especial da instituição religiosa e suas
lideranças em termos de desenvolvimento de programas preventivos e
de intervenção relacionados à síndrome de burnout.
Embora o clero brasileiro tenha relatado uma sobrecarga de
trabalho (39,2% relataram trabalhar mais de 60 horas por semana), a
única correlação estatisticamente significativa (p < 0,05) encontrada
entre essa variável e as dimensões do burnout foi uma fraca correlação
com despersonalização. Este resultado contraria estudos prévios em
burnout, que têm relatado de forma consistente uma forte associação
entre sobrecarga de trabalho e burnout, especialmente em sua dimensão
de exaustão emocional (MASLACH, 2003; MASLACH et al., 2001). Com
frequência tanto a literatura de autoajuda ou psicologia popular, quanto
workshops, tendem a atribuir índices elevados de burnout simplesmente
à sobrecarga de trabalho e à falta de atividade física. De fato, não faz
muito tempo, o autor deste capítulo participou de um workshop sobre
autocuidado para profissionais da área da saúde mental nos Estados
Unidos e os antídotos primordiais recomendados para os participantes
como prevenção contra o burnout foram uma diminuição da carga de
trabalho e o engajamento em atividade física regularmente. Embora
muito úteis, tais recomendações não parecem ser suficientes. Na verdade,
pesquisas recentes têm indicado que as causas e dinâmicas da síndrome
de burnout são muito mais complexas. Os padres da amostra deste estudo
representam tal complexidade. Apesar da falta de exercício regular
para um grande parte dos padres (apenas 15% indicaram exercitar-se
Síndrome de burnout e práticas espirituais em padres católicos ◆ 193

regularmente) e suas longas horas de trabalho, embora com níveis


de burnout clinicamente preocupantes, quando comparados com
profissionais brasileiros de outras áreas, os padres em geral relataram
experimentar índices significantemente menos elevados de burnout em
suas três dimensões. Apenas a título de exemplo, Carlotto e Câmara
(2007) encontraram índices bem mais elevados em uma amostra de vários
profissionais (N = 655) nas dimensões de exaustão emocional (M = 2,35),
despersonalização (M = 1,75) e inferior em termos de realização pessoal
(M = 3,35). Essa diferença torna-se ainda mais significativa quando
comparado com profissionais da área da saúde (N = 234) (EBLING;
CARLOTTO, 2012), cujos índices de exaustão emocional (M = 2,20) e
despersonalização (M = 1,96) foram ainda mais elevados.
Conforme indicado nas Tabelas 2 e 3, além de carga de trabalho e
exercício físico, há outras variáveis que precisam ser consideradas quando
investigando a síndrome de burnout entre o clero (e provavelmente entre
outros profissionais). De fato, suporte social, satisfação vocacional, e
práticas espirituais, muito além do autocuidado e de atividade física,
têm se demonstrado fatores importantes em estudos anteriores e no
presente estudo.
A associação estatisticamente significativa (p < 0,05) entre
burnout (especificamente nas dimensões de exaustão emocional
e despersonalização) e práticas espirituais encontrada neste estudo
também confirma achados de estudos anteriores (CHANDLER, 2009;
DOOLITTLE, 2010; GOLDEN et al., 2004; JACKSON-JORDAN, 2013;
TURTON; FRANCIS, 2007). Diversos estudos têm demonstrado de
forma consistente que o desenvolvimento e cultivo da vida espiritual
pode contribuir com o bem-estar e a saúde emocional das pessoas.
Pode-se assim supor que estar engajado em práticas espirituais, as quais
promovam uma saudável relação com Deus e com os outros, é muito
importante para a saúde emocional de padres e líderes religiosos, cujas
vidas são dedicadas ao serviço de Deus e de seu povo. O fato de os
padres engajar-se em práticas espirituais próprias de seu ministério
pode constituir-se não apenas em um fator protetor contra o burnout,
194 ◆ EXPERIÊNCIAS RELIGIOSAS, ESPIRITUAIS E ANÔMALAS: desafios para a saúde mental

conforme sugerem os resultados desta pesquisa e de pesquisas anteriores,


mas também em fonte de força, paz interior e bem-estar.
Por fim, os resultados deste estudo sugerem que os padres que
nutrem a vida espiritual, engajando-se em práticas espirituais próprias de
seu ministério (por exemplo, oração pessoal regular, oração da Liturgia
das Horas, leitura espiritual, direção espiritual, e participação em jornadas
ou retiros espirituais), experimentam menores índices tanto de exaustão
emocional quanto despersonalização. Ademais, o envolvimento do
padre em práticas espirituais pode contribuir com o desenvolvimento
de uma espiritualidade como força que previne o estresse e o burnout. A
espiritualidade é o que ajuda a pessoa no reencontro consigo mesma, com
sua verdade mais íntima e inteira, o que a unifica e por isso a regenera.
Obviamente, o cultivo de uma espiritualidade, no caso em questão uma
espiritualidade cristã, não se reduz no simples engajamento da pessoa
à algumas práticas espirituais. Neste sentido, faz-se necessário outros
estudos que procurem aprofundar os achados do presente estudo, no
sentido de considerar, de fato, o papel da espiritualidade no bem-estar
emocional e saúde mental dos líderes religiosos, especificamente como
possível fator protetor contra o estresse e a síndrome de burnout.
Certamente as soluções para os problemas da saúde mental e, de
forma específica, da síndrome de burnout entre o clero e entre outros
líderes religiosos, não se encontram unicamente no engajamento em
práticas espirituais ou desenvolvimento de uma espiritualidade. Diversas
outras variáveis ou fatores precisam ser considerados neste contexto,
conforme indicado anteriormente. Contudo, desconsiderar esta dimensão
ao investigar esta população, ou ao desenvolver programas de promoção
da saúde mental, ou mesmo de prevenção e intervenção para padres e
líderes religiosos, poderia ser considerado negligência em oferecer um
serviço fundamentado em evidências empíricas atuais.
Síndrome de burnout e práticas espirituais em padres católicos ◆ 195

5 IMPLICAÇÕES PSICOSSOCIAIS E CLÍNICAS


Os resultados do presente estudo resultam em implicações
psicossociais e clínicas para instituições religiosas ou eclesiais, para
psicoterapeutas, bem como para os próprios padres e outros líderes
religiosos.
De acordo com Maslach e Leiter (1997), o ambiente ou organização
estabelece o contexto para o desenvolvimento da síndrome de burnout
em seus colaboradores. Conforme apontou-se anteriormente, instituições
religiosas ou eclesiais frequentemente passam por crises tanto no que
se refere ao seu funcionamento interno e à sua identidade, quanto em
relação à sociedade e ao contexto no qual se encontram. Esse contexto
institucional pode contribuir, de forma significativa, para o adoecimento
de seus ministros, conduzindo-os a uma crise da sua própria vocação.
Assim, a crise pessoal de muitos presbíteros e, por que não dizer o seu
adoecimento, pode constituir-se em expressão de um adoecimento
da instituição à qual servem e da sociedade na qual se encontram.
Consequentemente, sem desconsiderar as possíveis fragilidades pessoais,
parece importante questionar se determinados paradigmas eclesiológicos
não têm contribuído, de forma implícita ou explícita, para o adoecimento
de seus ministros.
Portanto, os responsáveis pela liderança e/ou administração nas
instituições religiosas e eclesiais deveriam estar atentos ao potencial do
desenvolvimento da síndrome de burnout entre seus ministros. Neste
sentido, recomenda-se, em primeiro lugar, uma reforma da própria
estrutura da organização eclesial, no sentido de abandonar paradigmas
eclesiológicos ultrapassados que já não mais contribuem com o bem-estar
emocional e espiritual das pessoas. De fato, o próprio Papa Francisco (p.
37, 2013), líder maior da Igreja Católica, na exortação apostólica Evangelii
Gaudium, escrita logo no primeiro ano de seu pontificado, sinaliza que:

Há normas ou preceitos eclesiais que podem ter sido


muito eficazes noutras épocas, mas já não têm a mes-
ma força educativa como canais de vida. São Tomás de
196 ◆ EXPERIÊNCIAS RELIGIOSAS, ESPIRITUAIS E ANÔMALAS: desafios para a saúde mental

Aquino sublinhava que os preceitos dados por Cristo e


pelos Apóstolos ao povo de Deus “são pouquíssimos”.
E, citando Santo Agostinho, observava que os preceitos
adicionados posteriormente pela Igreja se devem exi-
gir com moderação, “para não tornar pesada a vida aos
fiéis” nem transformar a nossa religião em uma escra-
vidão, quando “a misericórdia de Deus quis que fosse
livre.

Ademais, recomenda-se que as lideranças de instituições religiosas


ou eclesiais considerem a elaboração e a implementação de programas de
promoção de saúde mental para o clero, bem como o desenvolvimento
de programas de prevenção e intervenção que levem em conta uma
reforma organizacional em sua dinâmica e estrutura. Tais programas
deveriam explorar meios para aliviar o clero de expectativas excessivas
no exercício de seu ministério, provenientes tanto da própria organização
e de suas lideranças, quanto povo a quem os presbíteros servem. Além
disso, oportunidades institucionais que promovam a ampliação da rede
de suporte, o contínuo desenvolvimento de uma espiritualidade saudável,
bem como o autocuidado deveriam ser priorizadas pela organização
eclesial.
Diversas implicações relacionadas a intervenções psicoterapêuticas
podem também derivar deste estudo. Psicoterapeutas que trabalham com
padres ou líderes religiosos deveriam sempre explorar com esta clientela
seus índices de exaustão emocional, mental e física. Além disso, faz-se
imperioso explorar tanto a vivência espiritual quanto o engajamento
em práticas espirituais ao longo do trabalho terapêutico com padres e
religiosos. Em outras palavras, psicoterapeutas que atendem padres e
líderes religiosos deveriam encoraja-los a fazer uso dos recursos espirituais
que lhes são próprios no decorrer de sua jornada terapêutica, tendo em
vista os resultados deste estudo.
Por fim, os próprios padres são encorajados a nutrir relacionamentos
positivos que lhes sejam fontes de suporte social e emocional, a dedicar-se
a desenvolver um estilo de vida saudável com boas práticas de autocuidado
Síndrome de burnout e práticas espirituais em padres católicos ◆ 197

e a investir tempo em seu bem estar espiritual por meio do engajamento


regular nas práticas espirituais próprias de sua vocação e do seu estado
de vida. Talvez seja também oportuno recordar aos padres e líderes
religiosos que estejam experimentando índices elevados de burnout
que eles não estão sozinhos e que as demandas e a tensão excessiva
que experimentam no contexto do exercício de seu ministério não são
falhas pessoais, mas falhas resultantes do próprio contexto e sistema no
qual exercem seu ministério. Finalmente, os padres e líderes religiosos,
cuidadores da alma, são encorajados a cuidar de si mesmos tanto quanto
cuidam daqueles que servem para que possam continuar exercendo
assim o seu ministério de forma saudável e encontrando no seu trabalho
pastoral a fonte do sentido de sua vida e de sua realização pessoal.

6 LIMITAÇÕES E FUTURAS PESQUISAS


Certamente há várias limitações que podem ser apontadas
no presente estudo. Por exemplo, o MBI não foi desenvolvido ou
operacionalizado especificamente para ser utilizado com padres e
líderes religiosos. Além disso, embora o índice de resposta e retorno
dos questionários deste estudo foi muito bom (69%), é possível que
entre aqueles que não responderam havia padres com índices bem mais
elevados de burnout. É possível, ainda, que o clero seja uma população
particularmente sensível no que se refere a este tipo de pesquisa. Como
padres, podem tentar apresentar a si mesmos e sua vocação da melhor
forma possível. É possível que exista uma quantidade significativa de
padres que, por vergonha, não admitem estar sofrendo os sintomas
da síndrome de burnout, sobretudo considerando que eles percebem
seu ministério como um chamado de Deus e, como tal, as próprias
expectativas de uma vida perfeita não admitiria espaço para qualquer
comportamento percebido como resultante de imperfeição pessoal.
Outra limitação deste estudo diz respeito ao questionário
desenvolvido para avaliar as variáveis suporte social, satisfação
vocacional, autocuidado e práticas espirituais. Apesar das perguntas
198 ◆ EXPERIÊNCIAS RELIGIOSAS, ESPIRITUAIS E ANÔMALAS: desafios para a saúde mental

terem sido fundamentados na literatura de burnout do clero e ter validade


aparente, este instrumento não possuía nenhum dado que sustentasse
quaisquer definições operacionais para as variáveis mensuradas. Apesar
da consistência interna satisfatória encontrada neste estudo para a
pergunta desse instrumento, deve-se notar que as variáveis dele derivadas
precisam de investigação adicional na tentativa de estabelecer definições
operacionais que possam abordar com mais precisão os construtos
examinados e, ao fazê-lo, explorar mais profundamente suas propriedades
psicométricas.
Estudos futuros deveriam incluir entrevistas com participantes
aleatoriamente selecionados para confirmar as respostas do clero aos itens
do MBI. Além disso, investigar possíveis sequelas físicas do burnout no
clero também forneceria uma medida mais objetiva e menos subjetiva
da síndrome de burnout nesta população.
Examinar as qualidades específicas da espiritualidade cristã, que
vai muito além de simples engajamento em práticas espirituais, e sua
possível associação com a síndrome de burnout no clero, ou até mesmo
seu poder de predição desta síndrome, poderia ser um outro estudo a
se realizar no futuro. De fato, um aprofundamento do papel específico
da espiritualidade, especialmente na vida dos padres e líderes religiosos,
poderia ajudar a melhor compreender o papel desta variável no contexto
da saúde mental desta população.
Por fim, os resultados deste estudo podem possivelmente ser
aplicados a outras populações, mas existem algumas ressalvas. Por
exemplo, o engajamento em práticas espirituais pode certamente ser
importante para muitas pessoas e não apenas para padres e líderes
religiosos. Contudo, é provável que seja particularmente importante
para alguém que se compreende chamado a servir a Deus e ao seu povo.
Assim, os resultados encontrados neste estudo podem não ser tão simples
e diretamente aplicáveis a populações leigas. A forte importância do
engajamento em práticas espirituais, enquanto possível fator protetor
contra o burnout, conforme indicado pelos resultados deste estudo, sugere
a necessidade de se testar este achado em uma população geral de leigos
Síndrome de burnout e práticas espirituais em padres católicos ◆ 199

ou outros profissionais, talvez até mesmo comparando a importância


da espiritualidade para diversas populações.

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