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CAPÍTULO 7
SÍNDROME DE BURNOUT E
PRÁTICAS ESPIRITUAIS EM PADRES
CATÓLICOS: correlações e implicações
Rosimar José de Lima Dias
1 INTRODUÇÃO
Padres7 e líderes religiosos em geral compreendem um grupo de
pessoas que, dado a natureza de suas atividades laborais, podem estar
susceptíveis à experiência do burnout. A síndrome de burnout resulta
de respostas inadequadas ao estresse laboral crônico e compreende três
dimensões: (1) exaustão emocional; (2) distanciamento das relações
pessoais ou despersonalização; e (3) diminuição do sentimento de
realização pessoal.
Estudos sobre a síndrome de burnout entre padres e outros
líderes religiosos surgiram na medida as pesquisas de Christina Maslach
e Susan Jackson (1981) foram se consolidando e ganhando relevância
entre os religiosos e suas lideranças. Contudo, ainda nos dias atuais, as
implicações psíquicas e fisiológicas desta síndrome ainda são vivenciadas
e representadas, entre os líderes religiosos, como consequência da
exigência moral intrínseca à compreensão da caridade pastoral e de
sua vocação de se consumir pelo próximo. Assim, tanto o cansaço
cotidiano, bem como o esgotamento emocional e físico, são com
frequência compreendidos e representados sob a roupagem da ascese e
do sacrifício. Consequentemente, nem sempre o problema é percebido
2 METODOLOGIA
Conforme supramencionado, este relato considera dados parciais
da pesquisa de doutorado do autor deste capítulo. Trata-se de um estudo
de natureza descritiva correlacional e de corte transversal que investigou
tanto a prevalência da síndrome de burnout entre o clero brasileiro
Síndrome de burnout e práticas espirituais em padres católicos ◆ 183
2.1 Procedimentos
Em 2015 foram enviados questionários e inventários de autorrelato
via correios para uma amostra randomizada de 350 padres católicos,
tanto diocesanos quanto religiosos, que exerciam seu ministério pastoral
nas diversas regiões do Brasil. No processo de seleção dos participantes
foram excluídos padres que não exerciam nenhuma atividade pastoral na
época da coleta de dados. Os participantes devolveram os questionários
também pelos correios sem qualquer dado que pudesse identificar o
participante na parte externa do envelope. Os dados recebidos foram
tabulados e analisados pelo software IBM SPSS Statistics 21.
2.2 Participantes
Foram devolvidos 242 questionários considerados úteis para o
propósito deste estudo. Estes 242 participantes representam padres de
87 diferentes dioceses e 52 diferentes ordens religiosas em todo o Brasil.
Todos os participantes eram homens solteiros, uma vez que estes são
pré-requisitos da Igreja Católica para se admitir alguém ao sacerdócio.
2.3 Instrumentos
Para o levantamento dos dados, foram utilizados três instrumentos
autoaplicados: (1) um questionário sociodemográfico; (2) o Maslach
Burnout Inventory (MBI); e (3) um questionário de 21 itens para medir
variáveis psicossociais potencialmente relacionadas ao burnout.
O questionário sociodemográfico, contendo 13 itens, foi utilizado
para coletar dados sociodemográficos dos participantes, incluindo,
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F1 F2 F3 F4 Comuna-
Item
(α = 0,83) (α = 0, 80) (α = 0, 73) (α = 0, 68) lidades
Escolher novamente a
0,80 0,76
vocação
Relacionamento com Deus 0,74 0,61
Intimidade com Deus 0,70 0,52
Pensamentos de
0,70 O,57
abandonar o ministério
Satisfação com a vocação 0,69 0,62
Suporte de superiores 0,81 0,71
Suporte de colegas 0,76 0,67
Suporte de amigos 0,72 0,52
Suporte dos fiéis 0,67 0,51
Suporte família de origem 0,59 0,46
Leitura espiritual 0,76 0,72
Oração pessoal 0,69 0,69
Direção espiritual 0,63 0,46
Jornadas espirituais 0,58 0,42
Liturgia das Horas 0,55 0,59
Férias anuais 0,76 0,65
Atividade física 0,67 0,67
Hábitos alimentares 0,61 0,73
Descanso semanal 0,61 0,69
Quantidade/qualidade do
0,54 0,57
sono
Refeições em horários
0,45 0,66
regulares
Eigenvalue 5,34 2,09 1,87 1,65
% da variância explicada 25,44 9,97 8,92 7,87
Nota. Valores de fator de carga < 0,40 foram suprimidos. F1 = Satisfação Vocacional (SV); F2
= Suporte Social (SS); F3 = Práticas Espirituais (PE); F4 = Autocuidado (AC).
3 RESULTADOS
A idade dos participantes variou de 26 a 86 anos de idade (M =
48,62; DP = 13,11) e o tempo de ministério de 0 a 60 anos (M = 19,02;
DP = 13,52). Em termos de características étnico-raciais, 157 (64,9%)
participantes se identificaram como “brancos”, 65 (26,9%) como “pardos”,
16 (6,6%) como “negros” e 4 (1,6%) como “amarelos”. Em relação ao nível
máximo de escolaridade, 53,72% declarou possuir graduação, 19,83%
especialização, 22,31% mestrado e 4,13% doutorado. Quanto à carga de
trabalho, 5% indicaram que trabalham 20 horas ou menos por semana,
21,9% entre 20 e 39 horas semanais, 33,9% entre 40 e 59 horas semanais,
25,2% entre 60 e 79 horas semanais e 14 % declararam trabalhar 80 ou
mais horas por semana.
Quanto aos índices de burnout, verificou-se que a dimensão
EE foi a dimensão que atingiu maior índice médio (M = 1,71), seguida
pela dimensão da diminuição da RP (M = 1,50), sendo que a de menor
índice foi a DEP (M = 0,91) (Gráfico 1).
Variáveis EE DEP RP
Idade -0,44* -0,40* 0,10
Tempo de ministério -0,42* -0,33* 0,09
Carga de trabalho 0,12 0,16* 0,04
Nota. * p < 0,05. EE = Exaustão Emocional; DEP = Despersonalização; RP = Realização
Pessoal.
Variáveis EE DEP RP
Satisfação Vocacional (VS) -0,47* -0,33* 0,28*
Suporte Social (SS) -0,33* -0,22* 0,14*
Práticas Espirituais (SP) -0,24* -0,20* 0,13*
Autocuidado (SC) -0,32* -0,26* 0,10
Nota. * p < 0,05. EE = Exaustão Emocional; DEP = Despersonalização; RP = Realização
Pessoal.
4 DISCUSSÃO
De acordo com o modelo teórico de Maslach (1982), a síndrome
de burnout é um processo em que a exaustão emocional é a dimensão
precursora da síndrome, sendo seguida por despersonalização e, por fim,
pelo sentimento de diminuição da realização pessoal no trabalho. Dessa
forma, os resultados obtidos no presente estudo indicam a possibilidade
desse processo encontrar-se em curso entre os padres católicos no Brasil.
Entretanto, esse processo pode estar sendo contido pelo sentimento
de realização profissional no trabalho, tendo em vista que essa foi a
dimensão de maior pontuação média (M = 3,50).
Os escores obtidos na dimensão da diminuição da realização
pessoal no trabalho podem ser analisados de acordo com aspectos culturais
da organização. De acordo com Garay (2000), a cultura organizacional é
constituída pelo conjunto de compreensões, interpretações ou perspectivas
compartilhadas pelos indivíduos. Podem funcionar como um mecanismo
de controle que procura restaurar as perdas psicológicas, restabelecendo
um quadro de crenças, valores e pressupostos orientadores de um
comportamento coletivo congruente com os objetivos organizacionais.
As instituições religiosas nas quais os padres estudados se encontram,
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