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AS FAKE NEWS: NOVOS DESAFIOS PARA A FORMAÇÃO DOCENTE

AS FAKE NEWS: NEW CHALLENGES FOR TEACHING TRAINING

GUEDES, Catharine da Silva de Oliveira1; MELO, Keite Silva de2.

Grupo Temático 1.
Subgrupo 1.2

Resumo:
Este ensaio buscou discutir a disseminação das Fake News e como este fenômeno se
constitui em um novo desafio para a formação docente. Buscou-se compreender tal
problema, que possui a divulgação do conhecimento científico como principal oponente,
exaltando o professor como mediador entre a ciência e a formação humana. Sendo a
Cultural Digital, o contexto onde tal problemática se propaga, é para este cenário que
deve convergir a formação docente, ancorada na compreensão das linguagens
multimidiáticas e o desenvolvimento do pensamento teórico ou científico. É esta
modalidade de pensamento que leva o sujeito a imediatamente desconfiar de um
conteúdo suspeito de fralde. Se a formação docente se apoiar no desenvolvimento do
pensamento teórico, constrói-se pilares para desconstrução e retenção das Fake News
que lhe chegam. Este exercício epistêmico pode ser internalizado em sua prática docente
e na atuação com qualquer segmento/modalidade de ensino. A revisão de literatura
apoiou-se em Davídov (1998), Medeiros; Sforni (2016), Santaella (2018), entre outros
autores. Os resultados indicam a necessidade de haver parcerias institucionais com
órgãos de pesquisa, para que a formação de professores esteja fundamentada para
enfrentar as Fake News, ao mesmo tempo em que assume-se como maior elo para
divulgação do conhecimento científico.
Palavras-chave: Fake News. Formação de professores. Divulgação científica. Educação.

Abstract:
This essay seeks to discuss the spread of Fake News and how this phenomenon
constitutes a new challenge for teacher training. We sought to understand this problem,
which has the dissemination of scientific knowledge as its main opponent, extolling the
professor as a mediator between science and human formation. Given the fact that
Digital Culture is the context where this problem spreads, it is for Fake News scenario
that teacher education must converge, anchored in the understanding of multimedia
languages and the development of theoretical or scientific thinking. It is this type of
thinking that makes the subject immediately suspicious of suspicious content. If teacher
education is supported by the development of theoretical thinking, pillars are built for
deconstruction and retention of the Fake News that reach it. This epistemic exercise can
be internalized in your teaching practice and in working with any segment/teaching 1
modality. The literature review was supported by Davídov (1998), Medeiros; Sforni

1
Graduanda de Licenciatura em Pedagogia no Instituto Superior do Rio de Janeiro ISERJ e participante do
Grupo de Pesquisa Identidade(s) e Saberes Docentes (GPIDOC/ISERJ/CNPq).
2
Professora do curso de Pedagogia no Instituto Superior do Rio de Janeiro ISERJ , líder do Grupo de Pesquisa
Identidade(s) e Saberes Docentes (GPIDOC/ISERJ/CNPq), professora da rede municipal de Duque de Caxias.
(2016), Santaella (2018), among other authors. The results indicate the need for
institutional partnerships with research bodies so that the training of teachers is
grounded to face the Fake News, at the same time that it is assumed as the greatest link
for the dissemination of scientific knowledge.
Keywords: Fake News. Teacher training. Scientific divulgation. Education.

1. Introdução
O presente artigo surgiu da problemática das constantes e intensas propagações das
Fake News (ou notícias falsas), que trouxeram um grande aumento da desinformação para a
sociedade. Neste ensaio buscamos discutir os desafios das notícias falsas, centralizando a
formação docente como um dos meios mais eficazes para o combate deste problema.
Os desafios da humanidade e da cultura sempre trouxeram demandas urgentes à
ciência. A importância da divulgação científica sempre esteve na centralidade das ações das
universidades e dos pesquisadores. Apesar disso, e do avanço na produção científica e
divulgação por meio de publicações abertas em periódicos digitais, é importante reconhecer
que o discurso e propagação do conhecimento esteve por muito tempo detido entre pares,
seja por conta do discurso excessivamente academicista e elitista, seja pela pressão dos
órgãos de fomento por um produtivismo acadêmico, que desencadeou em um volume
expressivo de papers. Por outro lado, ocorre a escassez de diálogo com a sociedade e
subalternização da formação daquele que efetivamente fará a divulgação e mediação do
conhecimento científico: o professor.
Acreditamos que a distância do discurso científico com a sociedade, a cultura popular
e a linguagem acessível que realmente efetiva a comunicação, associadas às estratégias mais
recentes do capital, passando pelos desinvestimentos crescentes na Educação e no campo
científico, é o que vem oportunizando lacunas na socialização dos saberes científicos, e
deixando espaço para a construção e disseminação de narrativas mais sedutoras,
descomprometidas com a emancipação humana e vinculadas à intencionalidades obscuras.
Estas narrativas são manipuladoras e condizentes com o projeto de subserviência de uma
nação, desqualificando a ciência e o seu principal divulgador, o professor. Além disso, tais
narrativas vêm fazendo um trabalho de desinformação, por meio da propagação de notícias
falsas, que podem ou não se apoiar em formatos e linguagem que se assemelha ao discurso
científico, mas na verdade, falseiam a realidade e os fatos, conduzindo os sujeitos a se
apropriarem e as propagarem utilizando os recursos quase ilimitados das tecnologias
digitais.
Dentro do campo do possível, além da conscientização da sociedade para frear os 2
desinvestimentos socioculturais do neoliberalismo, faz-se urgente a revisão das escolhas da
academia para a divulgação científica. Reconhecemos que algumas ações já estão sendo
assimiladas e instauradas no campo da saúde, pois este é o campo científico mais atacado
pelas Fake News. A propagação de notícias falsas que ocorre na saúde vem oportunizando o
surgimento de doenças já controladas ou mesmo erradicas, trazendo grande risco à vida da
população e onerando a economia de forma mais ampla.
No momento em que escrevemos este trabalho, estamos imersos em uma pandemia
do novo coronavírus, fenômeno nunca imaginado por nossa geração. As Fake News
propagadas em torno do contágio, propagação e medicação contra o coronavírus estão em
ritmo constante de produção e divulgação. Suspeitamos que a intencionalidade de sua
propagação convirja com os interesses do capital, que não teme sacrificar vidas em prol do
lucro, mas a narrativa desenvolvida é de que os problemas na economia, decorrentes do
isolamento para conter a propagação do vírus pode sacrificar ainda mais vidas. Trata-se de
um discurso cruel e ultrapassado, haja vista que economistas contemporâneos (MOREIRA;
NICOLELIS, 2020; BOLLE; IAMARINO, 2020) e mais atualizados compreendem que combater
imediatamente o vírus é o melhor e mais ágil caminho para a recuperação da economia.
Nesta disputa de narrativas, as Fake News vêm fazendo um desserviço à saúde, à vida e
mesmo à economia sustentável.
Mas qual o caminho que indicamos para enfrentar tanto obscurantismo que emerge
com esta cultura da desinformação? A formação de professores para divulgação científica e
enfrentamento das Fake News.
Este é o debate que desenvolvemos na seção a seguir, seguido de uma análise mais
pormenorizada do fenômeno das Fake News.

2. Novos desafios para a formação docente


Historicamente (TARDIF; LESSARD, 2014), os desafios contemporâneos da sociedade
chegam ao professor para que este os enfrente, ainda que não lhe estivesse garantido algum
subsídio de formação. A formação do professor nunca se encerra e, se dado fenômeno não
foi problematizado em sua formação inicial, é a formação em serviço, assumida por
universidades, por pesquisadores e secretarias de educação que precisam se comprometer
com este amparo ao docente. Não é uma opção deixá-lo sozinho para enfrentar um
problema que subjuga toda uma sociedade e mesmo, a democracia. O professor que não
viveu em sua formação inicial, a problematização para reconhecer esta nova demanda da
desinformação, e entendemos que a imensa maioria não teve esta oportunidade, não pode
ser solitariamente responsabilizado para instrumentalizar-se para o exercício de sua ação
docente.
Em nossas pesquisas anteriores (MELO et al, 2019; MELO, 2016), vimos divulgando a
importância da formação docente (inicial e em serviço) se comprometer com o letramento
digital. Entendemos que muitos dos currículos de formação inicial de professores incluem
uma ou mais disciplinas que abordam as mudanças trazidas pelas tecnologias digitais, bem
como os fenômenos advindos deste avanço. Mas acreditamos que o trabalho de letramento
digital deva permear todas as ações docentes nos cursos de formação inicial, de forma inter 3
e transdisciplinar. Da mesma forma, a formação em serviço precisa alcançar os docentes de
todos os segmentos, e ser promovido em parceria com as instituições de pesquisa, com
vistas à popularização e amplo acesso aos saberes acumulados pela humanidade, por meio
da ciência.
Os educadores, numa visão emancipadora, não só transformam a
informação em conhecimento e em consciência crítica, mas também
formam pessoas. Diante dos falsos pregadores da palavra, dos
marqueteiros, eles são verdadeiros amantes da sabedoria, os filósofos de
que os falava Sócrates. Eles fazem fluir o saber - não o dado, a informação,
o puro conhecimento - porque constroem sentido para a vida das pessoas e
para a humanidade e buscam, juntos, um mundo mais justo, mais produtivo
e mais saudável para todos. Por isso eles são imprescindíveis. (GADOTTI,
2003, p. 3).

A base da formação docente que estamos tratando precisa se ancorar no


desenvolvimento do pensamento teórico, que é a modalidade de pensamento que busca
analisar e criticar objetos, fatos, mídias e fenômenos além da sua aparência. Além disso, o
pensamento teórico busca as contradições, as relações explícitas e implícitas, as inferências
de acordo com o contexto sócio-histórico, a partir dos conceitos científicos já aprendidos e
internalizados (MEDEIROS; SFORNI, 2016).
Entendemos que o estímulo constante e gradativo do desenvolvimento do
pensamento teórico auxiliará os docentes a assumirem uma postura investigativa frente a
todos os conteúdos com os quais tiver contato. Desta forma, ao receber um conteúdo
midiático (vídeo, áudio, texto, meme, etc), este sujeito o analisaria imediatamente, por já ter
desenvolvido um percurso cognitivo que se assemelha ao do cientista, superando então,
quaisquer leituras superficiais e compartilhamento irrefletido.
Somente com uma formação ancorada com a busca da verdade e confronto com
diversos vieses da aparência, o professor poderá formar o seu aluno, para percorrer o
caminho do pensamento científico (DAVÍDOV, 1998), que encontrará nestes, a retenção e
desconstrução de uma informação falsa.

3. As Fake News como desafios para a educação


Imersos em uma cultura do imediatismo, onde o digital abre caminhos para o acesso
a milhares de informações, as Fake News invadem nossas sociedades criando uma onda de
desinformação. Elas podem ir de uma simples sátira que provoca o humor, até propagandas
tendenciosas que buscam influenciar a opinião do público.
O hábito de acreditar em notícias, discursos, mensagens que não estão em sintonia
com a verdade, é demonstrado em diversas passagens históricas. Hitler fez o povo
germânico acreditar ser uma raça ariana superior, a qual deveria dominar outras, através de
propagandas políticas, ato resultante na 2º Guerra Mundial (1939-1942) e massacre de 4
povos (FRAZÃO, 2019). A revolta da vacina (1904), influenciada pelo descontentamento do
povo com o governo, mas inflamada por manchetes alarmistas sobre supostas intenções
governamentais (financiadas pela oposição que tinha como objetivo derrubar o governo),
instaurou um desnecessário movimento popular contra a vacinação da varíola, levando a
várias perdas de vidas (AGÊNCIA FIOCRUZ DE NOTÍCIAS, 2005).
As Fake News podem ser entendidas como “toda informação que, sendo de modo
comprovável falsa, seja capaz de prejudicar terceiros e tenha sido forjada e/ou posta em
circulação por negligência ou má-fé, neste caso com vistas ao lucro fácil ou à manipulação
política”. (FRIAS FILHO, 2018, p. 43).
Desinformação, desconfiança e manipulação são as características, apresentadas por
Chapman (2017), presentes nas notícias que causam confusão, estragos e dissensões por
onde passam. Mas foi com o advento da internet e mais precisamente com as interações
dos cidadãos nas redes sociais, locais onde todos (com acesso) podem publicar, comentar e
compartilhar informações, de modo imediato e viral, que proporcionaram às notícias falsas,
ganho de proporções alarmantes.
As notícias, em geral, eram publicadas anteriormente somente por meios
jornalísticos. Logo, a propagação era mais restrita e mais lenta que atualmente. As
publicações dos jornalistas então eram fabricadas em “fontes restritas, relativamente
confiáveis na medida em que deveriam seguir práticas baseadas em códigos estritos de
deontologia” (SANTAELLA, 2018, p. 23).
A imprensa tradicional passa, então, a concorrer com todos aqueles que estão
dispostos a compartilhar variados tipos de informação, mesmo que não tenham total
conhecimento dos fatos ou entendimento do assunto, pois não existem normas para o que é
publicado (LLORENTE, 2017), bastando um celular, uma narrativa e posterior publicação.
A enxurrada de Fake News é tamanha, que no dia 1º de Abril do ano corrente, dia
onde se comemora o “dia da mentira”, memes circularam pelo Facebook com a seguinte
escrita “É tanta Fake News na internet que o 1º de Abril perdeu foi a credibilidade”.
Chapman (2017) chama a atenção para a resposta de especialistas à pergunta da BBC, em
2017, “sobre os 50 grandes desafios do século XXI”, onde muitos concordam que identificar
informações verdadeiras e seguras on-line se tornou um dos principais desafios.
Uma pesquisa realizada pelo Senado Federal brasileiro em 2019 revelou os meios
mais frequentemente utilizados como fonte de informação:

5
Figura 1. Frequência dos meios como fonte de informação
Fonte: Datasenado.

Visto que, os novos canais digitais são os espaços com maior probabilidade de
circulação das Fake News, podemos perceber o seu grande alcance populacional. Junto a
isso, temos a falta de criticidade de muitos usuários de uma informação. Uma simples
mensagem falsa contendo mínimas ou nenhuma fonte é suficiente para muitos serem
enganados e compartilharem com seus contatos. A rapidez e o volume de mensagens que
aparecem nas telas dos dispositivos digitais ao se acessar as redes sociais, levam os sujeitos a
compreenderem que tal repercussão seria motivo para contribuir com mais
compartilhamento.
Há ainda, os caça-cliques (clickbaits), que operam nas redes sociais, com manchetes
que buscam chamar a atenção dos usuários com temas sensacionalistas e geralmente tem
conteúdo pouco valorativo. O objetivo maior é a busca por cliques, pois há um retorno
financeiro gerado pelas publicidades ou venda de dados dos internautas.
Contudo, essa é apenas uma das variações das Fake News, que consiste em um
campo diversificado. Fato que, aliás, é causa das controvérsias sobre a imprecisão da
nomenclatura atual, pois “Fake” não é um adjetivo suficiente para abranger todas as
características que o termo carrega. Objetivando-se facilitar a análise de cada tipo de Fake
News, a tabela a seguir foi elaborada com base nas leituras de Santaella (2018) e Claire 6
Wandle (2017 apud MERELES; MORAES, 2017).
Tabela 1. Tipos de Fake News

Fonte: Autoria própria, a partir de Santaella (2018) e Claire Wandle (2017 apud MERELES; MORAES,
2017).

Ninguém está totalmente livre de se enganar ou acabar compartilhando uma delas.


Vosoughi, Roy e Aral (2018 apud SANTAELLA, 2018, p. 28) realizaram uma pesquisa no
período de 2016-2017, no Twitter, a fim de analisar a diferença no compartilhamento de
notícias falsas e verdadeiras. Nela, os resultados demonstraram que as notícias falsas se
propagam muito mais rápida e profundamente do que as verdadeiras, chegando a 70% de
chances de serem divulgadas. Demonstrou-se também que política é a categoria mais
difundida, seguida das lendas urbanas, negócios, terrorismo e ciências.
Em 2020 uma pandemia viral ocasionada por um novo agente do coronavírus, o
Covid-19, levou a população mundial a ficar em estado de isolamento social para conter a
disseminação da doença, reduzindo o número de mortes e o colapso dos hospitais. O
cenário atípico trouxe resultados positivos contra o contágio, entretanto também gerou
problemas econômicos, infelizmente inevitáveis, em diversos países. No Brasil, alguns
estados e municípios seguiram à risca as recomendações da Organização Mundial de Saúde,
7
contudo diversas Fake News atrapalharam os ânimos e a compreensão da situação. Em
alguns exemplos, as mensagens orientavam o consumo de chá de limão com bicarbonato
para suposta cura (BRASIL, 2020), a morte do vírus sobre temperaturas de 26º a 27º C
(BRASIL, 2020) e uma comparação alegando que o surto de H1N1 em 2009 foi mais forte
(MARÉS, 2020).
Na maioria desses casos, as mensagens visam mobilizar as emoções e crenças
pessoais, as quais causam uma reação imediata, seja pelo compartilhamento, clique,
like/deslike ou comentários que não levam em conta o senso crítico. Desse modo, Paes
(2019, p. 34) explica que:

Por não fazerem uma análise crítica, internalizam notícias falsas (fake
news) que em nada contribuem para a formação de uma consciência
crítica e, por compartilharem-nas como verdadeiras, reforçam as
deturpações e propagações de opiniões sem reflexões,
transformando aquilo que é falso em verdadeiro.

É justamente este lado acrítico e emocional que a Pós-verdade encontra terreno


fértil. Em 2016 a Oxford Dictionaries escolheu “post-truth” (pós-verdade) como a palavra do
ano, como um adjetivo que se refere a “relacionar ou denotar circunstâncias nas quais fatos
objetivos são menos influentes na formação da opinião pública do que apelos à emoção e
crença pessoal”. Isso se deu após acontecimentos políticos importantes, como o Brexit na
União Europeia e a disputa presidencial entre Donald Trump e Hilary Clinton nos Estados
Unidos, terem sido relacionados a uma grande influência do uso de notícias falsas nas redes
sociais.
O Diretor de Relações Exteriores e de Comunicação, Anthony Gooch (2017), da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) relata que meses
antes da votação do Brexit, a organização apresentou um relatório na London School of
Economics, a respeito das consequências econômicas para o Reino Unido. Como resultado
“veículos sensacionalistas distorceram nossas estatísticas para reforçar suas posições sobre
uma política migratória restritiva e a necessidade de ‘recuperar o país’” (GOOCH, 2017, p.
15). Contudo, é importante lembrar que a pós-verdade não é fenômeno novo, mas assim
como aconteceu com as Fake News, elas foram impulsionadas pela internet. Lembremo-nos
dos sofistas (séc. V A.C.), um grupo de filósofos atenienses que circulavam pelas cidades
oferecendo conhecimento em troca de pagamento. Em seus discursos vendiam a habilidade
da retórica “arte de bem articular discursos, a técnica de domínio da palavra, de
convencimento” (SANTOS, 2016, n.p.) utilizada como “instrumento de convencimento e
conquista de interesses” (idem). A relativização da verdade em prol da validação da opinião
do seu próprio discurso fazia então, parte dos seus ensinamentos. E embora tenham sido
amplamente criticados por outros filósofos como Sócrates e Platão, seus ensinamentos são
utilizados até hoje nos discursos de líderes políticos. Para além disso, poderíamos fazer um
comparativo da pólis com as redes sociais, onde o desejo de alguns gira em torno de fazer
suas opiniões expostas e compreendidas como verdades imperativas, mesmo que apartadas
da verdade. 8
Perosa (2017 apud SANTAELLA, 2018 p. 38) nos aponta alguns motivos para
compreender a utilização da pós-verdade em um século onde a informação nunca esteve tão
facilmente ao nosso alcance, e não restrita ao poder dominante:
(a) a alta polarização política que trabalha contra o debate racional e o
apreço pelo consenso até o ponto de colocar os nervos à flor da pele e
causar tumulto [...] (b) a descentralização da informação. Isso seria
louvável, caso muitos desses canais não se estreitassem em uma agenda
política ligada a tendências propagandistas e ideológicas [...] (c) o ceticismo
generalizado do público em relação às instituições políticas e democráticas
representadas pelo governo, os partidos e a mídia tradicional.

Assim começamos a entender que a pós-verdade não é uma questão de ignorância


ou apenas falta de senso crítico. Como abordamos anteriormente, existem interesses
políticos, que concilia a descrença na ciência e nos canais de divulgação científica. Os grupo
que implantam e disseminam Fake News, podem ser trolls buscando uma questionável
diversão, mas o mais recorrente é o fomento de confusão e polarizações, extinguindo a
possibilidade de diálogo, pois o objetivo é derrubar o adversário.
Um exemplo foi a campanha política de Trump, nos Estados Unidos, que não poupou
ataques à imprensa, acusando-a de disseminar Fake News, ação que ainda alimenta quase
que cotidianamente, ao mesmo tempo em que “plataformas de verificação” contabilizaram
79% de mensagens falsas no discurso do mesmo (ZARZALEJOS, 2017, p. 11). No Brasil, o
presidente da República adota semelhante estratégia para atacar seus opositores nas redes
sociais, “como a notícia sobre um ‘kit gay’ supostamente distribuído pelo MEC sob a
presidência de Haddad” (MERELES; MORAES, 2017, n.p.).
Há ainda, um efeito chamado “filtro bolha” que estão prejudicando ainda mais este
cenário. Cunhado por Eli Pariser, em seu livro “The Filter Bubble”, elas são o resultado do:
[...] uso da inteligência artificial dos algoritmos, refinado por diversas
reiterações quanto ao fornecimento de dados por um indivíduo (visitas a
páginas, compartilhamentos, comentários, “Curtir” etc.) ao longo do
tempo, criaria uma bolha de preferências e experiências pessoais que
produzem, a rigor, uma zona de conforto que filtra e, em teoria, protege o
usuário daquilo no mundo exterior que difere dos seus gostos. (SALGADO,
2018, n.p).

Entretanto toda essa estilização acaba nos cercando apenas daqueles que pensam do
mesmo jeito que nós. E uma vez que apenas ouvimos, lemos e conversamos com pessoas de
ideologias semelhantes, reforçamos nossas crenças e deixamos de enxergar e entender as
visões contrárias, que podem estar mais corretas. E apesar de evitarem alguns conflitos
familiares, dentro de suas bolhas, as pessoas podem reforçar suas ideologias racistas,
xenofóbicas, homofóbicas e outros preconceitos.
9
Um segundo filtro também pode ser acrescentado e este é um recurso proposital,
“configurado pelos usuários, intensificando assim, a bolha de acesso às informações que lhe
chegam”, (MELO et al, 2019, p. 5). Esse costume é muito comum, pois diversas publicações
têm cunho pejorativo e provocador contra todos que não concordam com o pensamento do
autor da publicação, minando possibilidades de discussões saudáveis. Assim, nesses
ambientes, as Fake News se expandem e a Pós-verdade se reforça ainda mais.
Outro agente entra em campo nas discussões sobre as Fake News: os robôs. São
contas controladas por softwares que se passam por seres humanos e “permitem a
massificação de postagens se converteram em uma potencial ferramenta para a
manipulação de debates nas redes sociais” FGV/DAPP (RUEDIGER, 2017, p. 6). Em estudos
realizados pelas mesmas instituições, 10% de robôs agiram nas eleições presidenciais
brasileiras no Twitter, de 2014 e 20% no processo de Impeachment.
Mas apesar da existência destas contas automatizadas, a natureza emotiva das
pessoas ainda é a maior responsável pela propagação das notícias falsas. Frente a todo o
discurso feito sobre os modos, perigos e agentes intensificadores das Fake News, a pesquisa
se direciona agora para as estratégias atuais de combate a essas reproduções.

3.1 Ações de enfrentamento às Fake News


Os jornalistas não estão de braços cruzados, eles estão cada vez mais trabalhando
com as matérias fact-checking, ou seja, realizam a checagem das informações verificando se
alguma informação é falsa ou não. Nos jornais on-line, como a Folha de São Paulo e o G1, é
possível acessar a checagem das Fake News mais recentes.
As agência Lupa e Truco se direcionam especificamente para a checagem de notícias
relacionadas ao campo político. Outros sites como o E-Farsas, o mais antigo meio para a
verificação dos fatos, abrange as Fake News que tratam de assuntos mais gerais. O
FakeCheck (Detector de Fake News) é um projeto on-line que funciona de forma muito
parecida. Desenvolvido por Monteiro, Santos e Pardo no Instituto de Ciências Matemáticas e
de Computação da Universidade de São Paulo (ICMC-USP), o site pede ao usuário o texto
recebido com no mínimo 100 palavras para determinar se é falso ou verdadeiro.
O Facebook possui uma página intitulada "Vaza, Falsiane!". Nela podemos encontrar
diversas publicações que fazem a verificação das notícias falsas. Realizam publicações
orientando os usuários sobre esse assunto e ainda disponibiliza cursos gratuitos abertos para
todo o público, que deseja saber mais e se prevenir.
A Fiocruz, a UFRJ, Anvisa e Ministério da Saúde possuem em seus sites, uma seção ou
página exclusiva para desmentir notícias falsas, neste período de pandemia que estamos
vivendo. Também é possível registrar o número de organizações como o Ministério da Saúde
e a Câmara dos Deputados no Whatsapp, para verificar mensagens ou imagens recebidas
relacionadas aos mesmos.
Entretanto, embora a existência dessas plataformas de checagens e as matérias
jornalísticas sejam fundamentais no combate às Fake News, esses esforços podem não são
suficientes, pois só buscam a verificação da veracidade, aqueles que desconfiam do
conteúdo e, portanto, já estariam com um nível de letramento digital em processo de
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construção. Devido ao fenômeno da Pós-verdade, não é possível esperar níveis de
letramento sem intervenção docente intencional. É neste sentido que a formação docente
se justifica, pois ao desenvolver o pensamento teórico em professores e alunos, entendemos
que os sujeitos vão buscar checar narrativas imprecisas e, sobretudo saber como identificar
os sinais indicadores de Notícias Falsas.
As pessoas formam opiniões e crenças por razões complexas e melhor
equipar os cidadãos com habilidades cognitivas para analisar conteúdos e
contextos não significa que eles o farão em todos os momentos ou que
razões cognitivas podem vencer fatores morais e socioemocionais.
Portanto, auxiliar as pessoas a desenvolver uma formação crítica para as
mídias não deve ser uma panaceia contra todas as doenças digitais, mas
deve ser a primeira defesa. (CHAPMAN, 2017, n.p.).

O letramento digital assumido na formação docente se torna então, uma das armas
mais necessárias nessa luta. A Educação Básica de qualidade, voltada para a defesa da
verdade deve “estimular o discernimento na escolha das leituras e um saudável ceticismo na
forma de absorvê-las” (FRIAS FILHO, 2018, p. 44).
Para ajudar nesse processo o programa EducaMídia, do Instituto Palavra Aberta com
apoio do Google.org, foi criado para capacitar professores e instituições de ensino, além de
ser acessível para toda a sociedade, no processo de educar midiaticamente os jovens.
Visando direcionar ações educacionais na identificação da Fake News, a Federação
Internacional das Associações e Instituições Bibliotecárias (IFLA) também contribuíram:

(a) considerar a fonte da informação; (b) ler além do título; (c) checar se os
autores existem e são confiáveis; (d) procurar fontes de apoio
confirmadoras das notícias; (e) checar a data da publicação, se está
atualizada; (f) questionar se não passa de uma piada; (g) revisar
preconceitos afetando seus julgamentos; (g) consultar especialistas em
busca de mais conhecimento sobre o assunto. (IFLA apud SANTAELLA, 2018,
p. 30).

Contudo, Danah Boyd (2018) fala ainda a respeito dos sentidos que levam aqueles
que costumam acreditar em Fake News e a sustentar a Pós-verdade. A autora entende que,
para amparar o letramento digital, será preciso modificar culturalmente o modo como
compreendemos o nosso posicionamento diante das informações. Compreender como é
realizada uma pesquisa científica, entender as funções da filosofia na busca da verdade e
apoiar efetivamente a formação de professores, para que este profissional seja o mediador e
divulgador da ciência, tornando acessível a linguagem e achados científicos, em locais e
culturas que a academia não acessa tão facilmente, precisa ser uma ação das universidades
e instituições de formação.
Todas essas ações e esforços são essenciais e a sociedade civil também precisa
participar desse engajamento. O uso das mídias sociais só tende a aumentar, portanto, nossa
atenção para com elas deve ser constante. As Fake News estão colaborando para os atritos 11
sociais e políticos, jogando por terra pesquisas científicas de diversas áreas e pondo em
risco, frágeis democracias. Remar contra essa enxurrada de prejuízos deve ser assumido por
todos.

4. Considerações Finais.
A partir da discussão desenvolvida foi possível enumerar várias nuances, intenções e
danos causados pelas Fake News, em conjunto com a Pós-verdade e atuação dos “filtros-
bolha”. A preocupação para com elas gira em torno da crescente desinformação,
instabilidade na confiabilidade de fontes científicas e ataques contra frágeis democracias.
Foram apresentadas iniciativas em prol do combate às notícias falsas que apesar de serem
essenciais, não conseguirão surtir os efeitos desejados sozinhos, pois necessitam ainda uma
mudança cultural perante o nosso trato para com as informações, a qual deve ser amparada
pelo letramento digital. Esta ação apenas se concretiza por meio da formação de
professores, enquanto ação conjunta assumida politicamente pelos órgãos de pesquisa e de
formação.
Tal formação deve apoiar-se na crítica que emerge quase que naturalmente, quando
estes sujeitos vivenciaram em sua formação, o desenvolvimento do pensamento teórico. A
mediação necessária para tal formação prioriza e impulsiona a criticidade, a curiosidade
investigativa, em quaisquer contextos, inclusive na imersão junto aos artefatos mediadores
da cultura digital. Somente com a apropriação dos recursos das tecnologias digitais, onde se
produz e se ressignifica a cultura digital, a formação de professores assumirá as novas
linguagens como conteúdo a ser lido, inferido, interpretado e mais adiante, novamente
produzido. É neste ciclo que entendemos ser possível a maior popularização dos achados
científicos, encontrando no professor, o mediador mais capaz para a divulgação científica e o
enfrentamento às Fake News.

5. Referências Bibliográficas
AGÊNCIA FIOCRUZ DE NOTÍCIAS. A Revolta da Vacina. FIOCRUZ, Comunicação e Informação, 25 abr.
2005. Disponível em: <https://portal.fiocruz.br/noticia/revolta-da-vacina-2>. Acesso em: 2 abr. 2020.

BOYD, Danah. Did Media Literacy Backfire? Data & Society Research Institute, Points, 9 mar. 2018.
Disponível em: <https://points.datasociety.net/did-media-literacy-backfire-7418c084d88d>. Acesso
em: 4 abr. 2020.

BRASIL. Ministério da Saúde. 1 ano saúde sem Fake News. CHÁ DE LIMÃO COM BICARBONATO
QUENTE CURA CORONAVÍRUS - É FAKE NEWS! Disponível em:
<https://www.saude.gov.br/fakenews/46652-cha-de-limao-com-bicarbonato-quente-cura-
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