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UNIVERSIDAIIEFEDERAL DA PARAÍBA
UNIVEHSIDAIIE FICDEHAL DE CAMPINA GRANDE
- ZENTBO IIE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
CENTRO DE HUMANIIIADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
.1f V:!t
Os Potiguara da Baía da TraiçTio~eMonte-Mór: i-..:
JOÃO PESSOA - PB
2005
Palitot, Estevao Martins
Os Potiguara da Baía da Traiçao e Monte-M6r: História,
Etnicidade e Cultura 1 Estêvao Martins Palitot. Joao Pessoa,
2005.
270 p.: il.
Orientador: Rodrigo de Azeredo Grunewald
Dissertaçao (Mestrado-Programa de P6s-Grafluaç%o em
SqCiologia) Universidade Federal da Paralbal Centro de
Ciências Humanas, Letras e Artes. Universidade Federal de
Campina GrandelCentro de Humanidades
1. Antropologia Cultural
2. lndios Potiguara - situações hist6ricas.3. Etnicidade.
. '*..{
Disseriação aprovada em de fevereiro de 2005 ..+ I
d'
/
(orientador)
: .
r. Marcos Avala
/
Programa de Pós-G addação em ~ o c i ó l o ~-i aU F P B m C G
(examinador)
-
Universidade de Pernambuco
Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia/L'F?E
(examinadora)
Para Julieta. Cristiane e Caiiã
A minhas tias Juracy, Nildes e Naury apoio essencial em toda a minha vida
acadêmica.
confecção desta dissertação. Pela sinceridade ao longo desse caminho, pelo apoio e pela
trabalho indígena e a disposição de seu esposo, prof. João de Lima; ao incansável espírito
combativo de José Ciriaco Sobrinho, mais conhecido como capitão, índio Potiguara.
disposição de Seu Eutalicio Diniz e dos demais motoristas que nos conduziram as aldeias;
ao entusiasmo dos colegas: Femando, Kelly, Hosana, Mima, Gretha, Luciana, Daniele,
Júnia, Ádria, Erik, Meire, Laerte, Suelita, Jeane, Oade e Roberta. Em aspecial, Fernando,
Mirna e Kelly que, além de amigos, dividiram muito das inquietações da pesquisa e leram
4
com atenção uma das versões do trabalho sugerindo, criticando e corigindo a gramática
enormemente na minha formação enquanto cientista social e por aceitar participar da banca
deste trabalho.
Andrea Ciacchi, Teny Mulhall, Jacob Carlos Lima, Mauro Koury, Gervásio Aranha, Fábio
Aos fUncionários do PPGS: Nancy, Agamenon e Sandra e a Vera, que cuida com
Criiiipiiiri Grriiide: Marcos Alcxriiidi-c, Cririhy Dantas, Diracy, Patrícia, Jucieude, Gérson.
Madian, Cleomar, Josinaldo, Jomário (in memorian), Edisio, Vanusa, Valmir (Gamela)
Finalmente, mas de importância fundamental para tudo o que fiz até Iioje, agi-adcço
como das suas respectivas famílias. A Vado, Dede, Neguinho, Bel, Si, Tonhô, Luís do
Cumani, Cecília, Seu Antônio Gomes, D. Maria Gomes, D Nancy Cassiano, Lena, D. Lia,
D. Luíza, D. Antônia, D Joana, Raké, Zé Máximo, Quinda, Aníbal, Adaílton, Seu Antônio
Cândido, Lourdes, Fátima, D. Zita, Sandro, Jurandir, Peilro, Josafá, Zuleide, leda,
Edileuza, Zito, Suru, Luís e muitos outros e outras que tornariam esta lista imensa demais.
RESUMO
formas de organização social deste povo são analisados a luz da constituição de um campo
na interação entre os Potiguara e'os segmentos da sociedade nacional com que estão em
contato. Desse modo, inicialmente, tratamos dos modos como os Potiguara são pensados
/
. .
pela sociedade paraibana, para então traçarmos a trajetória histórica de suas formas de
organização social e, ao fim, mostraimos como, através, destes piocessos os índios '
This thesis concerns to ar1 interpretation of the historical situations lived by the
Potiguara Indian people, inhabitant of the north cost of Paraíba-Brazil. The elaboration of
ethnic boundaries, the cultural production, the land occupation processes and the social
industriais and the govemment that work to implant Indian policy. Our reflection is
concentrated on the relatiopal aspect and on interaction among the Potig~araIndians and
the local society. In this way, w j studied how the society of ~a;aíba~onsiders~tlie
Indians.
jin order to draw a historical line of their social organization. Finally, we show how the
'I
lndians represent thei; ethnic and cultural :specification to themselves and tia the local
0
.
2 CAPÍTULO
DOIS .BAJA DA TRAIÇÃO: OS POTIGUARA E O ORGÃO
INDIGENISTA OFICIAl. (SPJIFUNAI)........................................................................... 037
. .
3.6. A guisa de analise......................................................................................................
v
143
1-
Imagine-se o leitor, sozinho, numa das praias tropicais da Baía da Traição. O que
você faria? Pegaria sua prancha de surf e enfrentaria as ondas do Tambá e Jerimum?
Pularia carnaval na praça, em meio a multidão de veranistas que invade a cidade? Iria até o
-
alto do Forte conhecer os canhões de ferro fundido da época colonial e tirar fotos da bela
vista que se tem da Baia? Coniprai-ia quilos de peixe e camarão fresco e faria aquele
'.
almoço? Subiria
"'
a ladeira da Vila São MigUèI e pagaria promessas ao santo, acendendo
caixas e mais caixas de velas? Visitaria a aldeia São Francisco, no dia do índio, para ver Ó
I
ritual do tÒré e comprar: artesanato? Não importa qual atividade você escolha fazer, em
qualquer uma delas, com certeza você vai cruzar com algum índio potiguara: surfando,
mais da metade da população dessas duas cidades. Em Rio Tinto, também são uma parcela
6 sobre a história, a organização social e a cultura desse povo que esta dissertação
se debruça, tentando contribuir com u m novo ponto de vista sobre estes índios e sobre o
universo de relações sociais e culturais em que eles vivem. Nossa proposta é apresentar os
grupos e a atualização das froiiieii-as étnicas. Campo este que é definido pela própria
participação dos atores e agências e pelo desenvolvimento dos fluxos de idéias, i.ecursos e
QUEM S A Ó O S PO'I'[C;IJARA1?
---
-~
estado da Paraíba. Sua população gira em torno de 10 837-= pessoas', sendo uma das
-
.-- I
--
I
migratórios também levaram confi~i~entes
-:--
nas &eas urbanas dos municípios de Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto. Processos
-- - -:-
significativos dos Potiguara a habitarem cidades
--
como Mamanguape, João Pessoa e 'mesmo u Rio de Janeiro. Outros locais im~orlantesnas
1 . ...
I
suas rotas migratórias são as cidades de Cabedelo (PB), Canguaretama e Vila ,Flor, estas .
duas últimas no Rio Grande do Norte.
- - L , - - . --
considerados aldeias são aqueles que possuem um líder ou representante, geralmente
-
,
chamado de cacique,
-- não importando necessariamente a quantidade de pessoas que
1
Este nuinero foi obtido por riiirn a partir do cruminenlo de dados dernográficos da FUNAJ e do Distrito
Sanitário Especial Indígena, o DSEI Poligiiiira da FUNASA.
2
FS!C lenno dcsigria a regi50 coinprcciidids 1x10s cslados do Ccará. Paraiba. Periiainbuco. Alagoas, Scrgipc
e Baliia (Norte e Oeste) onde vivcm riiais de 40 grupos étnicos indigcnas cuja longa Iiistória dc contato,
rclaçõcs com o csiado e a própria produçio antropológica sobre esses povos. Ilics confcrcrn caractcríslicas
particulares que nos permitem agrupá-los crn um conjunto relativamente definido. Para mais iiifonnaçõen s
algumas anhliscs sobre essa árca ciiiográíica. inclusive os iiiodos atravb dos qiiais foi pcnsada vc.i?l-sc
Galvão (1 19591, 1979). Ribeiro (1986). Dantas. Carvalho c Saiiipaio (1992). Mclatti (1997). Oliveira (2004) c
Sclicttino (2003).
habitem estes povoa dos^ As aldeias potiguara são: Forte, Galego, Lagoa do Mato,
Cumani, São Francisco, Vila São Miguel, Laranjeiras, Santa Rita, Tracoeira, Bento, Silva,
~cajutibiró~,
Jaraguá, Silva de Beléin, Vila Morite-Mi>r5,Jacaré de São Domingos, Jacaré
Caieira, Nova Brasilia (Ibiquara) e Três ~ios! Além dessas aldeias existe em torno de uka
consideradas como aldeias há pouco tempo: Monte-Mór quando passou a contar com um
representante, saindo da esfera da aldeia Jaraguá e Três Rios, depois que os índios da zona
antigo povoado que havia no local. Já os índios que moram na Baía da Traição geralmente
recorrem aos representantes das aldeias Forte, São Miguel e Acajutibiró pela proximidade
animais em pequena escala (galinhas, patos, cabras, bovinos, muares e cavalos), o plantio
3
Constain no anexo deste traballio quadros corn a divisão populacional dos Potiguara por aldeias e coin
sdrics deinográficascronologicaiiiente idcntiíícadas.
4
Estas no município da Baía da Traição.
Estas três ein Rio Tinto.
Estas ultiinas crn Marcação.
7
São eles Bcnfica, Sarrambi. Vau. Regina. Boa Vista. Tapuio, Carneira, Morrinho e Wova Esperança eiitre
outros.
Durante muitas décadas a economia da regiãc esteve centralizada na dinâmica da
I
Companhia de Tecidos Rio Tinto (CTRT), que contratava inúmeros trabalhadores índios e
não-índios cm suas fábricas c criava urn mcrcado coiisumidor para a produção agrícola c
pesqueira. Nos últimos anos, após a falência da CTRT, a economia da região está baseada
- . - -- . C
-
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-
*
na exploração
-
da cana-de-açúcar, no turismo e na criação de camarões.
*.
'
I
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(TI) Potiguara situa-se nos três municipios e possui 21238ha, que foram dcmarcados em
-
1983 e homologados em 1991. A TI Jacaré de São Domingos tem 5.032ha nos inunicípios
-
de Marcação e Rio Tinto, cuja homologação se deu em 1993.. Por fim, a T1 Potiguara de
Monte-Mór, com 7.487 ha, em Marcação e Rio Tinto, está em processo de demarcação, em
berçários marinhos. Além dos rios Mamanguapz e Camaratuba, com seus pequenos
rio Grupiúna, o rio da Estiva, o rio Jacaré, o rio Sinimbu e o riacho São Francisco
articulam-se num sistema que lança suas águas próximo ao estuário do rio Mamanguape,
Local, no leito dos rios. onde se reinansam as águas, que enclie coin o flriso do mare fica eiii seco coiii o
refluso.
enquanto o rio Tiiito (ou rio Verinellio) é um afluente mais interior deste rio rnaior. As
nascentes desses cursos d'água localizam-se quase sempre nos terrenos chamados de
tcihrrlciro, nas partcs mais altas oiide os índices de pluviosidadc são menores, eiiquanto as
com mar que incluem formaçõcs de restinga, manguezais, terrenos alasados, mata
atlântica, e caatingas litorâneas. Nos terrenos próximos ao mar e com solos areiiosos com
alto índice de salinidade destacam-se as formações de restinga com uina vegetação rala e
açoitada pelos ventos. Ao longo dos estuários dos rios e por extensões consideráveis de
com os ciclos das marés. Árvores esguias, retorcidas e de raízes aérzas compõem a O
Os cursos mais altos dos rios que recebem menos influência das marés apresentam uin
'I
resime de cheias e vazantes sazonais que permitem a agricultura com bons resultados nos
terrenos das margens. As áreas de encosta e do topo dos tabuleiros são favorecidas pela
solos pobres. Nas áreas de tabuleiros mais altas e distanciadas do mar encontram-se
afetado pela mão humana, desde muito tempo. O conhecimento dos Potiguara sobre este
longa intimidade com os solos, as águas, a cobertura vegetal e os animais, assim como as
racional e tião prcdalório das iriaias, iiiaiigues c tios, sob a arncaça de tabus e I-cpreshlias
sobrenaturais.
sifios, os rogados, o ntafo e o marrgtIe. Os q~ritlfaissão as áreas ao redor das casas onde
frutos costumam ser comercializados. Geralmente, os sítios são formados pela proximidade
região. O inhame é um cultivo mais recente e quase sempre tem sua produção direcionaba
para a comercialização e menos para o consumo doméstico. O muro constitui as áreas mais
subsistência como a madeira para lenha, fabricação de carvão e construção, a palha para o
dos quintais, sítios e roçados, que são apropriados de fomii familiar, o ma10 é uma área de .'
uso comum, cujos recursos são aproveitados por todos de forma indistinta. Outra. área de
uso comum muito iiiiportarilc é o ntcrriK/re de oiide retiram a sua maior fonte de proteínas
décadas passadas e pelo cultivo atual de cana-de-açúcar que ocupa os melhores tratos
agrícolas, sej'am em terras diretainente ocupadas pelas usinas e plantadores de cana. como
em Jaraguá, Marcação, Nova Brasília, Vila Monte-Mór e Jacaré de São Domingos, sejam
em terras arrendadas pelos índios, como em São Francisco, Galego, Jacaré de C'ésar,
Brejiiiho, Estiva Velha e Lagoa Graiide. Desse modo, os espaços que sobra111 para a
agricultura familiar são aqueles representados pelas áreas restantes de mato (compostas em
sua maior parte por capoeiras) e pelo mangue, cujos recursos vão sendo exauridos pela
encostas e nascentes.
Alem disso, os manguezais sofrem com os esgotos das cidades e os efluerites das
usinas de cana da região que despejam sazonalmente a calda (vinhoto) nos rios, matando a
Mór, Três Rios, Brejinho, Tramataia, Camurupim e Cumaru. Uma outra atividade que vem
águas. Estes empreendimentos são financiados por empresas de fora da região e incidem
antiga entre os Potiguara, remontando ao período colonial e fonte dos sínlbolos ctnicos,
históricos e territoriais reprcsentados pclas vclhas igrcjas dc IVossa Scnhora dos Pr-azcrcs e
São Miguel com seus oragos e feslas anuais. Cada aldeia possui sua capela e seu santo
área desde a década de 1960 (Vieira, 1999) sendo as mais atuantes a Betel, a Batista e a
Assembléia de Deus. Várias aldeias dispõem de templos para a realização dos cultos e é
feitiçaria. Sua presciiça e atuação são discretas, embora existam alguns terreiros e
centro e:ipírita kardecista dirigido por um casal formado por uma índia e um não-índio. Em
rezadores e rezadeiras que curam males físicos e espirituais e se vinculam as práticas mais
tradicionais do catolicismo. É com discrição que a maioria dos índios mencionam o contato
com aqueles que consideram como os espíritos dos antepassados durante o ritual do teri C
Ainda no século XVII. os índios do litoral nordesiino fora111alvo da caieqiiese calvinista dc prcdicanlcs
tiolandescs. Pordm. findo o domínio flaincrigo. o medo de reprcsalias dos poríugucscs fcz COIII qiic iriilitos
dcsics indios se rcfugiasscin na scrra da Ibiapaba. quc à Cpoca ainda não cra controlada pcla coloni7*7ç8o
poríuguesa, de onde pediram socorro à Holanda. mas não foram alcndidos (cf. Mello, 1978).
outros. Contudo, afirmam que este tipo de contato é real e que seus antepassados ainda
hoje estão presentes nas matas e íiii-lias da região. Que os matos, mangues e as águas são
habitados por entidades que Ihes protegem e que os cahocos ilelhos tinham a faculdade de
dá a partir 'dos grupos de famílias extensas, que geralmente estão alocadas em aldeias
Esses cargos são resultado das adaptações realizadas historicamente nas Kormas de
. .
representação política do grupo étnico .desde o século XlX, e serão tratados mais
detalhadamente no capítulo 2. Por ora, ficamos com esta breve apresentação dps Potiguara
O PESQUISADOR E O CAMPO
Universidade Federal da Paraíba que era coordenado pela professora Annelsina Trigueiro,
etnologia indígena.
inovimentos sociais e de órgãos públicos ein grupos de traballio que se voltam a estudar,
Annelsina aceitou o convite para organizar o grupo e, desde então, diversos projetos já
Educação do estado da Paraíba e a realização de palestras nas escolas de João Pessoa sobre
mas durante a realização de seus vários projetos também mantém relações com o Núcleo
FUNAI''.
Até o fim da graduação, a mirilia relação corn os Potiguara era mediada pelas ações
interesse maior em pesquisar o grupo. Ein 2002, conclui o curso, com um trabalho sobrc a
mobilização política dos indios Xukuru, de Pesqueira, Pernambuco. Logo em seguida, fiz a
Rodrigo Grünewald.
virtude das limitações de tempo dos cursos de mestrado, eu devesse trabalhar com um dos
dois grupos com os quais tenho mais familizridade (os Potiguara ou os Xukuru),
,'
deixando
mestratlo. A minha iniciação ao campo não se deu como a da maioria dos pesquisadores
' O Durante os mcses de inaio a oiitubro dc 2004. participei como coordenador de uiiia das iiictas dc uiii
projclo de promoção social viabiliiado pela PRAC nas aldcias dc Jaraguá e Vila Monte-Mór. Ncssa meta
traballiamos com o desenvolvimento de uin curso de produção de artesanato, ministrado por dois Potigunrn.
Zito e Sandro, no intuito dc viabili7~ruiiia alternativa dc ren. para os mcmbros da coinunidade. ~ o n t ccoill
i
a colaboração de dois incmbros do GT Indígcna, Oadc Vascoiicelos c Fernanda Ribeiro. diiranic ;I rcali2<7ÇãO
dessas atividades. Esta nicta nos pcrinitiu participar não só do processo de invcnção dar tradiçks, qil?!!b!?
percebemos o valor que os indios atribuem aos colarcs e outros adornos dc sernentcs na exibição'publica dc
sua etnicidade, inas tambéin. perceber como através da produção de pcças artcsanais dcstinadas a
cornerciali7ação. dcsdobroii-sc um instigaritc cxcrcício dc ctnobotânica e reconlicciincnto do icmtono c dos
rccursos naturais quc artcs;los c alunos dcscri\lolvcrarn ao longo do curso corn cspcdiçõcs cin busca dc
rnatdria-prinia e a idcntiíícaçAo c c;italog;~çãodas cspkics vcgctais utili;ladas, nativas ou 1130.
.
objelificado por qucstõcs tccii-icas picviatnerite debatidas. Meu contato com os Potiguara jA
estava "poluído" pela ação política qiie exercia junto a outros colegas e professores da
Uma boa parte do meu conhecimento do campo foi se acuinulando a partir das
visitas que fazíamos no desenvolvimento dos vários projetos que foram realizados desde
1999. Alguns deles, inclusive, foram pensados de modo a associar a pesquisa coin a ação
coerente de minha etnografía sobre os Potiguara, sendo este substituído por, pequenos
providenciou também que os longos períodos de campo fossem substituidos por visitas de
Cabe aqui uma nota a respeito de algumas entrevistas r!tilizadas nesta dissertação
que foram realizadas por uma equipe do GT Indígena coordenada pelo professor Carlos
Guilherme do Valle com o fito da produção de dois vídeos sobre os Potiguara de Monte-
Mór. Não estive presente nos trabalhos de campo realizados por esta equipe, mas participei
transcrição aquelas que foram realizadas pela equipe e que periencem ao acervo do GT
Indígena. Aproveito tambéin para agradecer aos colegas Fernando Barbosa, Lusival
Barcelos, Gretha Viana, Miriia Nóbrega, Suelyta Alves e Fernanda Ribeiro por terem
entre índios e não-índios, não permitindo uma clara definição dos limites efetivos do grupo
social para os "de fora"; apesar da presença antiga do órgão indigenista oficial na. região,
mais detalhadamente nos capítulos 2 e 3, a ação indigenista oficial contribuiu, ela mesma,
Pessoa e Natal, abriga uma colônia de pescadores na Baia da Traição e os restos da Fábrica
Rio Tinto na Vila Monte-Mór, tem linhas diárias de ônibus ligando a região ao Brejo
paraibano e a capital. Sem falarmos nas rotas turísticas que saem de Pipa, rio Rio Grande
do Norte e de João Pessoa com direção as aldeias para comprar artesanato, ou nos ônibus
com banhistas, que todo fim de semana congestionam a rua principal da Baia da Traição,
universo social Potiguara como isolado ou com pouca comuiiicação com o "mundo
exterioryy.
Somem-se a isso as várias agências de contato que estão presentes na área: FUNAI,
universidades e escolas, igrejas e movimentos religiosos, todas atraídas pelos indios, pela
,
'
riqueza do meio ambiente ou pela história da região. Essa pluralidade de atores, asências e
antropólogo dos contatos e das relações dos indios com esses sujeitos sociais, deixando O
estava mais familiarizado (Forte, Cumaru, Baía, Marcação e Vila Monte-Mir, estendendo-
me até São Francisco, Vila São Miguel e Jaraguá apenas na procura de dados mais
XIV
específicos) e buscaiido construir a initilia percepção dos Potiguara a partir daqueles
sujeitos que já conhecia Iiá mais tempo e de suas redes de relações sociais.
Os trabalhos dc Ana I .úcia Azcvcdo (1 986), Frans Mooncri & I uciano Maia ( 1 992)
e Glebson Vieira (2001), (oiiiaiii São I;rancisço corno locrrs privilcgiado de suas
etnografias, em boa rncdida pclo pcso social, populaçional, político e simbólico dcssa
aldeia. Nesta pesquisa, busquei mais outras localidades e menos esta pelo fato dela já ter
sido bastante trabalhada, havendo uina carência de dados etnográficos sobre outras aldeias
da terra de Monte-Mór, como a luta pela demarcação, ou estavam mais difusos, como o de
O TRABALHO EM PERSPECTIVA
1970; Azevedo, 1986; Moonen e Maia, 1992 e Vieira, 2001) e seus autores, apesar de uni
claro interesse pela história, organização social e cultura do grupo, não a discu,tiram de
modo a esgotar as questões que envolvem a abordagem de uma sociedade indígena num
/---
contexto pluriétnico.
I1
Coligidd por Tcrcz;i Baiiiiiíiiiii (1981) c111rclalorio quc subsidiou o proccsso dc dcriiíircaç50 d;i Tcrr;i
Indígena Potiguara pcla FUNAI.
AIcm desses trabalhos, vanios encontrar dois outros estudos produzidos na
Outros trabalhos relevantes sobre os Potiguara são os relatórios de identificação das terras
de Paiva e Souza (1988), Maria de Fátima Campelo Brito (1995) e Sidnei Clemente Peres
(2004), re~~ectivamente'~.
Sidnei Peres em sua dissertação de mestrado ( 1 992) dedica um
sobre as formas econômicas (agricultura e pesca). Seus estudos pautavam-se pela teoria da
,'
.Picção iiiteretnica (Cardoso de Oliveira, 1964) e o uso que fez da documentação histórica
serviu apenas como pano de fundo para a sua etnografia. Mesmo assim, a metade da sua
historico e definia esta dimensão como essencial para a análise do gripo. Sua pesquisa,
l 2 Salctc Horácio foi uma das principais agcntcs riiissionarias da igrcja católica a atuar cntre os Potiguari~
durante a década de 1980 quando se derain os processos de rcgularizaçâo fundiária das Tcrras Iiidigenas
Potiguara e Jacaré de Sâo Domingos.
13
A produção etnológica sobrc os Potiguara vcin crescendo nos últimos anos c conta também com um
considerável número de artigos publicados. Frans Moonen publicou vários artigos sobre o gnJpo dcsde a
d6cada dc 1970. quc no cntanto cstão iiiais ou mcnos condcnsados na obra quc cscrcvcu junto coin o
p ~ ~ u i a Luciano
-e------
d ~ r Mariz Maia ern 1992: Glcbson Vicira (2004) e Sidnei Peres (2000. 2002) ii6rn n r t i ~ o s
publicados em periódicos na Internct c o autor dcslc traball~odivide uin artigo sobrc:o torC potiguarii Com
Fcrnando Barbosa (Barbosa c Palitot. 2004) ein coletânea organi7ada por Rodrigo Grünc\vald.
XVI
contudo, centrou-se na analise dc um drama social (Turner, 1974) específico, que foi o
processo de demarcação das terras indígenas ocomdo durante a década de 1980. Em seu
Os trabalhos que se voltam para uma interpretação desse nível são dois: o de Frans
Moonen e :Cuciano Mariz Maia (1992) e o de José Glebson Vieira (20Gl). Mooiien e Maia
organizam um volume que se divide em duas partes: uma referente aos estudos de R4oonen
sobre etnologia indígena e a outra, apresentando uma massa documental considerá\lel, que
na primeira parte do livro, deixa muito a desejar em temos dc análise (é basicamente uma
I-
,'
Vieira (2001) é o autor que conseguiu ir mais longe ao propor uma interpretação
sobre os Potiguara de modo mais abrangente. Contudo, podemos perceber uma guinada
grupo étnico envolvido num campo intersocietário (Oliveira, 1988). Logo depois, porém,
critica esta linha de interpretação como essencialmente política e formal, cujo foco está nas
ações indigenistas e na relação desta com os fenômenos da etnicidade. Afirma tambkm que
esta analise enfatizava "a idenfidade efrlicaconro o feilõnreiro mais imporfairfecomo se ela
p~efigr~rasse
a orgatriza~ãosocial trão aíetrlat~dopara o modo tlafivu de perceber o
con~afo(Vieira, 2001, p. 1 9 . " A partir deste ponto, sua interpretação passa a discorrer
sobre o modo como os Potiguara entendem o contato e busca compreender as concepções
A análise histórica de Vieira poderia ter sido inais aprofutidada, utilizatido-se dos
modo nativò de entender o contato, o autor deixou subentendido que existe uma clivagem
sociedade envolvente o faz. O conjunto das relações sociais entre os dois grupos não seria
cdocam mas, antes disso, um obstáculo a ser vencido pela interpretação antropológica.
para que o sentido do contato interétnico fosse revelado através das concepções endógenns
do grupo.
Fica assim subentendido no seu texto que existe uma diferença entre
,'
os níveis
interno e externo. A história Potiguara seria uma se fosse contada a partir de seus próprios
referenciais e outra se fosse contada a partir da documentação produzida pelos atores não-
indígenas. Verifica-se aí uma divisão ent're história e etnohistória que, como diz Eric Wolf
Minha análise segue a partir do ponto abandonado por Vieira quando adota uma
postura etnohistórica. Tenciono entender os Potiguara não como uma sociedade a parte. .
mas como um grupo que se define e elabora a partir da interação com outros grupos sociais
e'com o Estado.
Desse modo, tenho como objetivo mais geral compreender os Potiguara
contemporâneos como a atualização de uma forma organizacional de base étnica (cf. Barth,
[I9691 2000) cujas fronteiras são historicamente construídas no processo de interação com
a sociedade mais ampla e, para isso, lançam mão de um patrimônio de expressões ciilturais
elaboradas com fins a cstabclcccr os sinais diacríticos quc os identificam ericjuanto índios
processo ou elemento da vida cotidiana dos índios, mas antes, apresentar um panorama
mais amplo que possa servir de estímulo e orientação pâra trabalhos futuros ao mesmo
tempo em que condensa discussões apresentadas nos trabalhos anteriores e cobre algumas
áreas não analisadas nestes. O fio condutor da dissertação é, portanto, compreender como
atualmente.
Faz-se necessário que apontemos aqui os conceitos básicos que estamos utilizando
XlX
apresentaram como primordiais para a prodiição do conhecimento antropológico dessas
a ) (;rupo 1;;lnico
debate que vem se fazendo na antropologia internacional a respeito do tema desde a década
de 1960. A presença deste assunto no começo do trabalho faz-se necessário para que
ainda sob influência dos legados das ciências naturais, atribuíam ao fator biológico - a raça
como científico, era utilizado largamente para justificar a expansão dos impérios coloniais
na África e na Ásia Sua penetração no senso comum deu-se de tal forma que, ainda hoje,
podemos encontrar, nas mais diversas situações sociais, a utilização de idéias oriundas
Uma das primeiras vozes a destoar desta posição dentro das ciências sociais roi a de
Max Weber, em seu livro Economia e Sociedade, de 1921, num breve capitulo sobre as
relcrç6es com~rriifa~.ia.s
éfriicn.r.Neste artigo, distinguc as noções de raça, etnia e nação,
precisando-lhes os significados e usos para a análise soçiol6gica. Assim, para Weber, a
subjetiva de urna origem cornuin dc uiii dcierniiiiado grupo social, o quc Ilics dilcrericia
dos outros grupos humanos. Para Weber a ctnia e a nação aproximam-se justamente neste
ponto - a crença numa origem comum -, mas, a nação - e todas as ações sociais motivadas
por essa idéia - se diferencia da etnia dada a paixão @alhos) relacionada a reivindicação
politicamente organizado.
...
" qire alimentam rrma crerrça .sirhjeti~)aem rrma
com7rnidadc de ortgcm .jilt7dada r7as semelhalr~.cr.~ de
a13at-ência extenra orr dos costrrme.~,o11 dos dois, 074 nas
1embratlça.s da colm~izaçãoou da migrap70, dé modo yac
e.rta crença torna-se in7/)ortat7tc para a propapção da
comrrrralizaflo, po~rcoimporta17doque Irma com~rnidadec/c.
salrgire exista orr não o/?jcti~)an~ente"
(Weber, [I 921 ] 1994, p.
318).
construção das relações étnicas, mas não deterrninantes. Pelo contrário, os conteúdos da
interação. Nesse sentido, a úiiic+aforça que permite a ação comunitária étnica é o interesse
comum, base para a comunidade política, que no dizer de Weber é a forma "mais artiificial"
de origem da crença no parentesco étnico, aquela pela qual uma associação racional - uma
sentimento de dever moral ligado a defesa da pátria (cf. Poutignat e Straiff-Fenart 1998,
p.39-40).
movimentos religiosos, mas esses grupos sociais jamais conseguirão que seus membros
desposem uma crença na origem e no destino comuns que os diferenciem de outros grupos
humanos por esse sentimento de origem. Esse é o conteúdo que podemos determinar para o
conceito de etnia: o sentimento partilhado pelos seus membros de que possuem uma
origem comum que os diferencia no mesmo nível dos outros grupos humanos (Poutignat &
3
'
Streiff-Fenart, I 998).
maior, que inclua outros grupos em relação uns com os outros. Apenas nessas condições é
que a etnicidade torna-se um fator importante nas relações entre os grupos sociais.
Fredrik Barth propôs, em 1969, que o grupo étnico fosse pensado como uma forma
[1969], 2000). Esta proposição dc Barth foi um verdadeiro divisor de águas na teoria
interação social.
Ao definir os grupos étnicos como uma forma de organização social, Barth elege
como característica mais inlportantc deste tipo a autoatribuição e a atribiiição por outros de
uma categorização étnica socialmente efetiva nas relações entre os sujeitos e grupos. E
explicita que
Assim como Weber, Rarth desloca o foco de atenção dos conteúdos culturais, até
manutenção das fronteiras étnicas, que delimitam a pertença dos indivíduos aos gi-upos.
elas englobam, mas, o modo como os atores manipulam esses elementos de cultura para
partes. Nesse sentido, a cultura é uma inassa plástica a ser moldada pelos sujeilos de
pelos distintos grupos, eriquanto outros são patrimonio exclusivo de uma das ctnias e são
sociais dos conteúdos culturais na definição dos grupos étnicos. A classificação social em
termos étnicos é baseada no arranjo das relações sociais num determinado quadro de
pelos atores sociais como sitiais diacrficos para a manutenção das fronteiras étnicas, a
Outros autores também trataram da etnicidade como, por exemplo, Michael Banton,
que no livro A Idéia de Raça (1977), utilizou o termo ettiogétiese para qualificar os
acordo com Banton, muitos movimentos sociais nessa época inspirarani-se na inversão de
valores que o movimento dos negros nos Estados Unidos, provocou sobre as velhas
XXIV
concepções de raça e o uso que se fazia de expressões como negro, chicatto e hldio. Para
clc, as fcrniitiologiasda raça crntn iiiilizndas pcla maioria branca para dividir c doiniiiar os
politico americano e tnundial dos anos 60 (independência dos estados africanos, difusão
dos negros expulsos do campo para os grandcs ccntros industriais) riicxcram coni as
modo, Banton, também vai identificar os fatores decisivos para a etnicidade com o
conjunto das relações sociais numa sociedade composta por diferentes grupos, darido
Essa noção de sociedade composta por diferentes grupos vai ser melhor delineada
por Max Gluckman (1987), que a partir das noções de sihtação social e campo social
bôeres constitui uma única sociedade composta por povos diferentes em interação
constante. Não se trata mais de enxergar os Zulu como um grupo isoiado e singular, mas
Até os dias de hoje, a maior parte dos estudos sobre etnicidade foi realizada na
literatura das ciências sociais de língua inglesa, com uma çrande concentração da produção
xxv
marcado pelo trabalho de Barth (1969) e onde ganham espaço discussões que revelam os
situacionais. Uma postura que vai iniciar uma grande polêmica entre diversos autores que
laças primordiais para a consecução dos grupos étnicos. Esta visão "primordialista" será
Antes mesmo de Harth publicar seu fainoso livro em 1969, Michael Moei-mann, já
trabalho de 1965. Para ele os grupos étnicos sustentam-se nas situações de interação social
e contato. Para isso lançam mão de uma categorização entre membros e não-membros e as
distinções entre os grupos étnicos não são tão aparentes, os grupos lançam mão de
que os emblemas étnicos possuem para relacionar .os vários grupos entre si. É essa
.-
Judith Nagata (1974) nos apresenta uma análise das possibilidades .de oscilação
identitária que uma sociedade plural e poliétnica como a da Malásia permite. Seu texto
hegemonicamente "neutra". Pelo contrário, ela demonstra que em muitas sociedades não
XXVI
existe iim grupo étnico largamente rna.joritáiio e que as oscilações do status étnico ocorrem
livro Custom and Politics in LTrban Africa (1969) nos apresenta as mudaiiças sociais que
a formação de novos grupos políticos nas cidades a partir dos processos que chamou de
populações tribais no mundo urbano, com o abandono rápido de suas tradiqões. Por
grupos políticos. Identifica ambos processos ocorrendo ao mesmo tempo, tanto nas cidades
"industriais" como nas "tradicionais". Para Cohen, os grupos étnicos são grupos políticos
poder. Desse modo, o elemento que vai definir a etnicidade é a política, a associação com
grupo étnico é um tipo organizacional que classifica as pessoas a partir de sua identidade
V
mais básica e geral, ou seja, o sentimento de origem comum. Para Cohen, este argumento é
identificação pelos outros constitui não a conclusão, mas o ponto inicial da pesquisa. De
acordo com o seu ponto de vista, Cohen define o grupo dtnico como um giupo de pessoas
com os mesmos padrões de comportamento que estão em interação com outros grupos
XXVII
dciiiro dc iim incsmo sis~ci~ia
dc I~CI~IÇGCS
sociais. N C S ~ CP~OCCSSOde iiiicraçfío a cinicidadc
se manifesta quando o grupo se organiza com determinados fins a partir dos elementos de
arcabouço cultural que alimenta a ação social de grupos que buscam alcançar determinados
interesses em comum dentro de uma estrutura social, geralmente representada pelo Estado.
coletânea (Despres, 1975) e podem ser vistos como exemplos de uma interpretação da
contextos sociais mais amplos. Na base dos grupos étnicos estariam populações étnicas,,
definidas por partilharem a mesma cultura e/ou oriçem. A etnicidade seria, então, a
/
. . Essa
organização destes grupos de cultura comum em fùnção da captação de recursos.
social. . 1
A chamada corrente dos autores primordialislas, dentre eles Clifford Geertz (1 983),
dicotomia só vai ser realizada algum tempo depois, contribuindo para urna maior abertura
apresentaram como falsas oposições quando foram abordadas por alguns autores que se
voltaram para a compreensão desses fenômenos, já entre as décadas de 1970 e 1980. Estes
alinhamentos étnicos.
,'
Dentre os autores que defenderam esta perspectiva podemos citar A.'. 1,. Epstein
1
(1978), A.S. Ahmed (1 982). As argumentações promovidas nesta fase consideram que os
grupos étnicos não se definem exclusivamente por meios da cultura psrtilhada ou dos
interesses comuns. E a combinação desses dois referenciais que permite a construção dos
grupos. Para este autor os elos primordiais são importantes para a construção da identidade
dinâmicas políticas que constituem a etnicidade do grupo, ou seja, a sua relação com outros
esta, por sua vez, é capaz de realimentar este sentimento quando em situações de crise
XXIX
Neste seiitido, João Pacheco de Oliveira afirma, tomando como exemplo as
sociedades indígenas do Nordeste, que
A leitura de todos estes autores nos revela a percepção da etnicidade como uma
forma de organização social que se processa através do contato entre grupos sociais em
interaçâo permanente. Desse modo, a etnicidade é informada por fatores sociais e políticos,
justamente esse caráter de interdependência que constitui o pano de fundo pani. o estudo
das relações interétnicas, não se contestando a natureza das fronteiras étnicas, mas
,
investigando-se os modos como elas são construidas, mantidas, atravessada% demolidas e
refeitas. . ,
No debate mais recente sobre os povos indígenas no Brasil toda essa literatura foi
vários grupos indígenas e possibilitou que essas teorias tivessem sua operacionalidade
avaliada a partir da confrontação com casos empíricos distintos daqueles que as originaram
XXX
é/ttico.c Niio se /rato de ntat?eira alglrma de 1r17i coll/ex/o
ahs/rn/o e getlerico, que po,r.ra absorver /(&r. ar .socrednde.v
e s1rn.u d~fc.re~t/es
.fi~rma.sde go\~er~to,
mas d m a in/cra~@
ylre é processada det2tr.o de trm quadro f~o/i/ico
~rcciso.cl!jo.s
/~nrcinte/i.ossão dados pelo Es~ado-iracão." (Oliveira, 2004,
p. 23. Grifos nossos)
grupos étnicos que vai levar o autor acima citado a elaborar as noções de .vi/~taqfio
lii.~/cir.icn
e terri~orializa~ão.
Cuja aplicação será efetuada no estudo dos processos de interação entre
b) Situação J-listórica
WIOTECA CENTRAL I UFPB
.'
Esta noção foi elaborada por João Pacheco de Oliveira no decorrer de sua pesquisa
entre os Ticuna do Rio Solimões e decorre de uma reflexão crítica sobre os pressupostos
se refere
XXXI
Tal concepção faz pensar o contato interétnico como o corijunto das relações ,entre
Assim, seguindo a trilha proposta por Fredrik Barth ([I9691 20CO), Oliveira afirma
irifer~iae ao esiahelecimeriio da idetriidaJL. de lrnr gri111o éftrico. (1988, p.58, gri fos no
"
original).
que se delineia nestes momentos, assim, os sujeitos assumem suas posições no quadro
,
'
interativo a partir deste processo de escolhas conscientes, dentro dos referenciais sociais e
P. 59)
XXXII
Assitn, no csliido dc casos concretos dc contato irilcrctnico como o dos Ticuna
É seguindo nesta direção que podemos perceber como o grupo subordinado busca
criur e sustentar seus espaços de autonomia social a partir da incorporação de idéias, regras ,
e instituições do grupo dominante, principalmente nas sociedades onde a presença do
Foi amparado nesta posição que Oliveira ([1998], 2004) cunhou a noção de
territorialização como instrumental para o conhecimento dos povos indígenas postos numa
agentes, onde "ser indio" também está condicionado a um status jurídico e a existência de
seu universo cultural, priricipalmeriie, na relação com o meio ambiente, corn o sagrado e
através de uma estratégia e de uma retórica da mistura14. A sua história pode ser
séculos XVII e XVIII, quando as várias coletividades indígenas foram sendo reunidas e
colonização portuguesa. O segundo ocorreu no século XX, sob a égide da ação do órgão
14
Sobre o uso da categoria "inistura" para os povos indígenas do Nordeste veja-se Dantsa et All.. 1992;
Oliveira. 2004 e Arruti. 200 1.
xxxv
jurídicas e sociais para a viabilização das identidades étnicas indígenas em situações de
Tomando por base esses conceitos, nosso interesse nesta dissertação é compreender
estnituraram no último século. A disscrtação cstá, dcstc modo, dividida cni quatro
capítulos que tomam uma perspectiva histórica e situacional como fundamentais para 0
+
O capítulo um é intitulado provocativamente de O/'lge/7.s!?,com exclamação e
índios de hoje se explicam por suas oriscns primitivas e pela manutenção ou perda de uma
do século XVI ao XIX, fundamental para entendermos como uma forma de org,anizaqão
colonial. ,. .
Nos dois capítulos seguintes delineamos três situações hist.óricas vivenciadas pelos
Potiguara nos últimos cem anos e que possuem um peso profùndo na estmturação de suas
contemporaneamente
identidade étnica que perdurarão de forma mais ou menos distinta - embora coin muitas
pelo Serviço de Proteção aos índios e continuado pela FUNAI. Este tópico foi abordado
;C: Pures (2002), a partir da crítica aos documentos do órgão oficial. Orientamo-nos então
para a reconstmção deste processo através da memória dos índios em diálogo com o que
i
Tinto implantou nas terras da antiga sesmaria de Monte-Mór, dando principal atençgo aos
identidade étnica. O principal recurso utilizado aqui será a memória social dos habitantes
No desenrolar destcs dois capítulos prctendernos mostrar corno estas duas situações
presença de uma única agência ou a divisão do campo entre duas formas dt: poder
atores e fluxos num campo intersocietár-io cujas fronteiras étnicas e territoriais estão em
expansão e por isso mesmo em uma ferrenha disputa. Estes conflitos são drainatiza.dos nos
processos de demarcação das terras indígenas, que são vividos como formas de
Por fim, o quarto capítulo apresenta, amparado nos dois anteriores, os dilemas
trabalhados como a exposição intencional de referenciais e visões de mundo por parte dos
visen tes.
Por fim, nas considerações finais, apontamos a partir das interpretações aventadas
Fonte: Dados do SPI e da Funai citados por Moonen & Maia, 1992.
População Residente
Cor ou Raça
Municípios Total i Sem
Declaração
2E-
4;
7C
13;
27 26C
ALDEIA População
Breiinho 228
Aldeia População
Jaraguá 52 1
Silva do Belém
Vila Monte-Mór
1 Total
325
1.231
2.077 /
1
Fonte: FUNAI - AER João Pessoa/PB e FUNASA - DSEI Potiguara
C..
,-.
O !
-'.J
......
. . . . . .. -- -- -
L-
Mapa das terras indígenas Potiguara, identificando as 26 aldeias que compõem
a etnia. Adaptado de Atlas das Terras Indígenas do Nordeste, 1993, p.41.
. . . . . ... ..- - - - -.. - -- - -. --- --- - ... - -
. .- -. --.
Baía da Traição. Fonte: IBGE
XLII
Mapa do município de Rio Tinto. Fonte: IBGE.
XLIII
Estandarte na porta da oca onde Mazinho produz artesanato. Forte. 12 de agosto
preparatória para uma conferência sobre direitos humanos com algumas lideranças
Grosso - UNEMAT, em Barra do Bugres - MT. Ela me contava como estava sendo a
indigenas, com turmas formadas por índios de vários povos, em cursos modulares durante
outros estados. Dos povos do Nordeste apenas os Potiguara da Paraiba (01 aluna), os
Tapeba do Ceará (02), os Pataxó e Tuxá da Bahia (03) e os Wassu de Alagoas (01)
possuíam estudantes fazendo o curso.
Numa das primeiras aulas de biologia, a sala de aula repleta de alunos Xavante,
cstudaritcs do Notdcstc. A aula c1.a sob1.c a oi.igcrn das cspcçics c o pi-orcssor pcdiu para
que a turma contasse a origem do mundo segundo as tradições de seus povos. E assim.
cada índio que falava, dizia como o mundo havia sido criado pelo passarinho que espalhou
a terra com suas patas c asas, pelos sercs que vieram do fundo das águas e outras narrativas
que salientam a diferença entre a perspectiva indígena sobre a origem do mundlo e a dos
"homens brancos". Quando chegou a vez dos alunos do Nordeste, eles perceberam que não
que não podiam narrar seus mitos de origem porque eram segredos frihais. Deveriam pedir
permissão aos pajés e aos mais velhos para que revelassem suas histórias sagradas e, que
no próximo módulo do curso, quando retomassem de suas aldeias poderiam falar, pois
estariam autorizados pelos "mais antigos" para contar as histórias secretas das suas tribos.
'I
logo depois, mudou sua expressão e disse de modo enfático e com seriedade que ela e
outros Potiguara precisavam se reunir e elaborar um mito de origem para que ela pudesse
apresentá-lo, não só aos seus colegas e professores em Mato Grosso, como para-qualquer
outro interlocutor, de modo que ficassc claro para os outros que os Potiguara possuem uma
história indígena própria e que sabem contá-la. Que este saber os legitima como índios
etnologia das populações indígenas do Nordeste, em especial nos temas que dizem respeito
aos processos de construção de suas identidades étnicas, da sua dinâmica histhrica e dos
elementos de cultura que apresentam para estabelecer a sua diferença perante os não-índios
to e apresentá-lo frente a outros interlocutores revela os dilemas que são colocados aos
grupos étnicos indígenas que vivem em regiões de colonização antiga. Produtos do mesmo
linear da história e uma visão da cultura como um agregado composto por itens de formas
coletivas, que são definidas, exatamente, pela aiegada continuidadc com povos pré-
comum em relação aos povos indígenas que vivem nestas áreas, como os Potigua~a.
grupo (cf Mota, 1996). Não é o conteúdo do segredo que importa, mas o fato da crença na
existência dele ser compartilhada pelos grupos sociais em interação (índios e n5o-índios)
que permite a sua eficácia simbólica e social: a elaboração das fronteiras étnicas e a
qualificação positiva dos índios pela reafirmação constante da posse de um bem de valor
inestimável que deve ser resguardado daqueles que não fazem parte do grupo. O segredo é
obstaculizassem algo, alegando ser segredo tribal. Contudo, a reserva e a discrição fazem
parte do universo de temas ligados a religiosidade presente rio toré e que têm a ver com a
Mais operacional que a idéia do segredo na lógica das relações interétnicas, para os
Potiguara, são as retóricas da perda e da mistura como elementos desabonadores e. que Ilies
com agências oficiais e particulares. Daí o investimento que certos grupos Potiguara
segredo atuam como foi-mas de resolver, em níveis diferentes e para grupos distintos, a
tensão causada pelo contraste entre os modos de vida específicos dos povos indígenas
'I
eles devem ser e que traços dever11 ostentar para comprovar a sua continuidade histórica
de antigas nações, outrora riuincrosas, plcnas c soberanas. Sua história era tida como o
Os Potiguara, em especial, são alvos desta visão por parte de seus vizinhos não-
popular do estado, o mesmo papel que Porto Seguro e Coroa Vermelha no inzaginário
historico nacional (cf. Grünewald, 2001): teria sido nas praias da Baía da ,,Traição que
ocorreram os primeiros contados entre os ameríndios e os europeus iio que é hoje a costa
registrado como uma traição por parte dos índios, que teriam ludibriado os niaririheiros
para que desembarcassem na praia. Este episódic está narrado numa Ie!/er.a (carta) de
Américo Vespúcio, a qual é tratada pelos historiadores mais tradicionais como "o primeiro
I
Para uma transcrição deste docuinento veia-se A!irreida, Horicio dc. Hir!ória da Paraiba. Toiiio I. JWAO
Pessoa: UFPBIEditora Universitária: 1996.
Para a populac;ão c uma parcela iiiiporlantc dos intclcciuais paraibanos. a cxisiência
contemporânea dos Potiguara na Baía da Traição e seus arredores constitui uma prova viva
do passado de lutas que originou o estado. Geralmente, nos livros de história da paraíba2 a
presença indígena é relatada nos capítulos que tratam da conquista do litoral e da ocupação
holandesa no século XVII, notando-sc unia total auscncia nos s6culos scguiiites, até que
indígenas do Estado, que vivem eni estado de pobreza e descaracterização cultural tia Baia
da Traição.
bateria de canhões do século XVIII na aldeia do Forte, vizinhos a casa do Posto Indígena.
Como a Baía da Traição tomou-se um balneário de grande afluxo turístico nas últimas
décadas, uma outra representação se faz bastante forte, a da primitividade dos índios, ou
reforçou essa percepção, como podemos ver nos trabalhos de Frans Moonen (1992.), onde
usurpação das terras e a leniência da ação do órgão indigenista na defesa dos direitos dos
índios
Falo aqui da Paraiba. por eslarinos Iriitaiido de iiin gnipo Icrriloriali7ado ncstc estado. in;is podciiios
cstcndcr essa critica ao resto da prodiição Iiistoriogr;r7fica inassificada distribuída nas escolas brasilciras.
existência o inevitável triunfo da "civilização". Esse é um paradoxo do imaginário
histórico brasileiro sobre os povos indígenas e que nega a essas populações o papel dc
Esta é a perspectiva exotizante que envolve os campos de interação social nos quais
é que poderemos lograr êxito na compreensão de como se processa a sua identidade e das
simplificadoras pode ser alcançada através de um olhar histórico, que nos desvele algumas
olhar que se pretenda problematizador onde, a descrição dos quadros determjnados que
pesquisa. Portanto, resta-nos optar agora por qual perspectiva histórica: uma constitutiva,
que leve em consideração as interações e a inserção dos indígenas em campos sociais mais
amplos; ou uma etnohistória, que os isole enquanto grupo discreto, integrado e pe~-sistente
no tempo e no espaço.
De acordo coin Marileiia Chauí (2000) todo mito fundador possui um caráter a-
p.140). de que os Potiguara atuais são o mesmo grupo social que vivia na Baía da Traição
no século XVI, se aliou aos franceses e combateu os porlugueszs, não seremos ca'pazes de
perceber como uma identidade étnica específica foi se construindo na faixa de terras do
litoral paraibano nos últimos cinco séculos. Devemos, necessariamente, abandonar uma
visão continuista e perceber como uma singularidade étnica e social emerge atraves das ,
litoral nordestino até os dias de hoje. Isto posto, deixamos de lado qualquer recurso a idéia
I*
Os Potiguara não são menos índios pelo caráter descontínuo de sua história ou por
não falarem a língua tupi, nem apresentarem diferenças somáticas e culturais significativas
de uma fronteira étnica nesta região. Por mais que os processos históricos tenham trazido
(Oliveira, 1988) concretas, marcadas pela presença de múltiplos atores sociais, inclusive
relativamente remontadas até o final século XVII, quando foram criados os aldeamentos
Miguel da Baía da Traição, no litoral e interior entre os rios Mamanguape (ao sul) e
destas missões que irá constituir o dado fundamental para a compreensão dos processos de
nação de língua tupi, de que nos falam as crônicas quinhentistas, até um punhado de
cultural e legal de certos alinhamentos étnicos. A permanência, mesmo que latente, destes
Outras parcelas dc população iridigcna identificada lia Iiistoriografia coiiio Potiguara ioraiii aldcadas C111
divcrsos locais como o litoral do Rio Grandc do Norte (Ares, Estremozl Vila Flor c São José do Mipibu). dc
Pernambuco (Goiana, Escada c Barreiras) e do Ccará (Caucaia, Messcjana. Paraganba). além da scrra da
Ibiapaba (Viçosa) e no Maranldo (Ilha de São Luís).
século XX, quando da atuação de agências indigenistas oficiais ou missionárias nestes
cainpos sociais.
descendentes de grupos sociais que foram controlados por divtrsos regimes jurídicos desde
indígenas atuais deve estar atenta aos processos de reconstmção social que foram
cor~fiririidade
que fcrlvez possa ser. /)o.s,sívelsrr.s/ertfaré aqirela de, rec~i/)ercnicioo processo
histórico vivido por fal grilyo, mosirar como ele refabricozr cortstmtfentenfesira ihidade e
dfleran~a
face a oufrosgrri/)os corn os clricris csfeijc.ent iri/erap?o" (idem, p. 1 72).
Traicão e Monte-Mór é um obstáculo a percepção etnológica desse grupo, ela deve ser
relações mais amplos. Dcstarte, a alteridade indígena não é algo dado, mas sim, construído
I~istoi.icanicntc,c sO C passívcl tlc scr pci-ccbida pela análisc das re!açõcs sociais nuin
determinado campo social, através das categorias classificatórias acionadas pelos atores e
do campo.
interação com vários sujeitos sociais e, especialmente, com agentes e órgãos de Estado.
Para tanto, falta-nos uma pequena explanação sobre os principais processos históricos que
*
envolveram os índios no litoral da Paraíba. Não vamos realizar a análise da trajetória
outros, mas tentar operacionalizar uma visão sobre processos de mudança .social que
século XVII com a constituição dos dois aldeamentos, mas não sigriificam de modo a.l$um
que esta é uma história contínua e linear. Pelo contrário, estamos tratando com muitos
projetos.
Para compreendei-mos os I'oti~uara de hoje, precisamos, olhar para os elementos
relatos que nos permitirão reconstruir uma imagem fugaz dos Potiguara em momentos
r
cruciais, tais como: a dcinarcação realizada pclo crigcrihciro Antoiiio Gonçalves da Justa
I
do Serviço de Proteção aos índios e o poder tutelar; a presença dos agentes missionários e
da universidade; a implantação das usinas; a luta pela demarcação das terras indígenas.
Tudo isto constituindo as descoiitinuidades históricas por meio das quais a identidade
analíticas elaboradas pelo pesquisador para dar conta das estruturas de poder e dos padrões
campo e não um dado naturalizado ou uma periodização tortf coitrt. Existir"ao tantas
amplitude destes. O processo de demarcação de uma terra indígena pode ser uma situação
histórica, bem como todo o período de conflitos que envolvem as duas ultimas décadas
onde a demarcação das terras e a prcscnça das usinas tornaram-se um dos eixos principais
'1
históricas desde o século XVI, que se caracterizariam por diferentes quadros de interação e
relações de poder entre eles e outros sujeitos sociais, marcados, como diz Cristina Pompa
ittteresses ~~olíficos
e ferriforiais. Os pequenos resumos a seguir são apenas descrições
"
simplificadas dos quadros históricos passados, que i:ão se esgotam no iaventário sucinto de
atores e processos que enumeramos. Cada situação dessas é passível de uma análise em
separado de sua complexidade histórica e social, um trabalho que não caberia nesta
dissertação. Porém, não podíamos continuar nossa empreitada sem nos referiirmos aos
que o nosso interesse se restringe aos processos quc idcntificamos em três recortcs que
realizamos no último século e cuja análise será o escopo dos capítulos seguiiites deste
trabalho.
relações sociais estavam ceiitradas nas guerras intertribais e na expansão dos povos tupi
pelo litoral do que viria a ser o Brasil e cujos principais atores eram os povos nativos cujas
lança das migrações tupi que vinham avançando desde Iguape, no que atualmente é o
litoral de São Paulo, e que, no momento da chegada dos primeiros navios europeus tinham
como limite máximo de sua exparisão.~litoral entre o Rio Grande do Norte e o Ceará
(Fausto, 1992). De acordo com o consenso da maioria dos estudiosos do assuiito (ver
Rodrigues, 1986; Urban, 1992 e Fausto, 1992), os índios de língua tupi estariam se
deslocando ao longo da mata atlântica desde a bacia do rio Paraná, onde se separaram dos
"cveinos argumentar que sc csiste uina coiisidcrávcl produçiío Iiistoriográíicac ctnológica, ainparadas nuin
rclativamentc dcnso conjunto dc fontes. sobrc as rclaçõcs entre indios e brancos (nas quais os Poiiguara sc
!::C!:%) nos séculos XVi e XVJJ. espccialinente durante o período Iiolandês e, se lia para o séciilo XX urna
produção antropológica e docuincntal (principalmente do SPI e da FUNAl) sobre os índios Potiguara da Baía
da Trniç;?o c dc Monic-Mór. o incsiiio não podc scr dilo sobrc os séciilos XVIII c XIX. sobrc os qiiais. apcsar
coiiliccida. n20 1iá iicnliuina analisc iiiais dctalliada eiii !cr!!!n? d~
da csistência de fontcs scr rn~oa\lclii~cntc
produção histórica.
BIBLIOTECA CENTRAL / UFPB
Ocupavam os nichos ecológicos mais propícios para a agricultura de coivara, tipica da
floresta tropical (mandioca, macaxeii-a e milho), a caça e a pesca, ao longo dos rios
faziam poucas gerações que os índios de língua tupi haviam se estabelecido no litoral do
Nordeste. Sua expansão dava-se não pela conquista territoria1 por parte de u m grupo
Com a chegada dos europeus, 'iniciou-se uma outra situação, aquela das trocas
machados, facas, enfeites e tecidos - e das guerras de conquista. As relações sociais neste
período são marcadas pela confluência de interesses militares e comerciais entre índios e
europeus, que se alinhavam a partir dos interesses da expansão colonial no Novo Miindo e
sobre a guerra nas sociedades Iiipis veja-sc os iraballios de Fernandes, 119481 1989, 1970 e Fauslo. 1902.
Ao mesmo tempo em que as guerras nativas, movidas pelo desejo de capturar
teciiol6gicos e militares inais cliciciitcs, iia lógica de suas guerras (sobrc este tenia veja-se
as análises mais detalhadas constantes nos recentes trabalhos de Fausto, 1992; Pompa,
dos inúmeros grupos tupi denominados de Tabajara. Segundo Fausto, (1992, p.384, 385 e
391) o termo ibhajara, era uma categoria classificatoria dos povos tupi que servia para
de guerra alternadatncnte, advindo daí a sua dupla tradução como cm~hudoe it~imigo.
6
Ou. ao invés de falannos nuin grupo étnico Tabajara, poderíamos dizer os indios dc língua tupi liderados
por Piragibe c aliados dos poriugucscs (Silva, 2004).
5 !eniio Potiguara tainbéin não é dc íicil tradução e, inuito inenos, representaria uin grupo coeso c de
fronteiras sociais claramente dcliinitadas. Inicialincntcparecia designar os indios dc língua lupi da casta cntrc
o rio Paraliyba e o Poicngi que cornerciavaiii com os franceses e niantihliarn relações aiiibiguas de
convivéncia c conllito com os poriugucscs scdiados ein Pcrnambuco. Entrc as varias versões do nome variiar
encontrar corncdorcs dc c;iiniir;l;o(Mooiicii & M~iii.1992). iriascadorcs dc fuino (Pinto. 1935) c. :i16 iiicsiiio.
coiiicdorcs dc bosta (S;iiiipaio. 1987). AICiii dii csis!éiicia dc virias grafias: Potygu:ira, Potiguiir. Pot~goar.
Potyiara. Pitiguara. Pitaguav. Biittiigaris. Pitagoar. Pctiiiguaras. Potivara.
Sobrc as guerras dc conquista da Paraibn c urna crítica a Iiistoriograiía regional. coinproiiictida coin a
criação do mito fundador do estado da Paraíba. veja-s a tcsc dc Gonçalves. 2003.
representada em seus etnônimos. Pois, "l,orige de ser trma prufirrida ex/jrc.s.sãoda irriidad~'
corti qfci/o de chi.s/c"(Oliveira, 1999, p. 172. ParCintcses nossos). Ainda mais nos casos dos
mudando de lado9
índias, e criados em meio as feitorias, percorriam as várias aldeias estreitando os laços que
uniam cada vez mais os dois universos: o indígena e o co!onial. O famoso episódio da
9
Para uma anhlise detalliada dcstes processos dc íraginentações, reuniões e niudanças dc lado. vcja-sc os
traballiosjá citados de Alineida. 2003; Poiiipa. 2003 e Silva, 2004.
territOrio Potiguara c a conscclucn~cruiidação da Capitacia Real d a Parahyba, revela
fugidiasi('.
profundo nas sociedades indígenas, que será responsável por inúmeros deslocamentos
populacionais motivados pelas guerras e pela expansão da empresa colonial. Além dos
relações sociais, neste cenário d e rápidas mudanças. As guerras coloniais entre portugueses
vasta área (da Paraíba a o Ceará) e grupos populacionais, tendo como epicentro das ações, o
colonial lusitano. Esta nova situação apresentará uma pluralidade maior d e sujeitos sociais
índios e europeus no mundo colonial, pois não era só através da adesão religiosa e militar
relacões são as cartas trocadas na língua tupi pelos capitães indígenas Pedro Poti
.~ I. I /]ara
aqui que "o que sig~~!fica para o~rtros"(W olf, 2003 :
~ O I I I I S , abre oportlrr~idades
247) ao observarmos as lógicas faccionais que se criaram no momento em que uma nova
'I
Com a expulsão dos holandeses e a expansão das fi-onteiras coloniais pelo Sertão,
na seçunda metade do século XVJI, novas situações históricas vão surgir em decorrência
aliados aos portuguescs, que rcccbem as maiores bcnesses em tcrmos dc tcrras e titulos
honoríficos, como a família do capitão Antônio Felipe Camarão (cf Silva, 2004).
Na Paraíba, os indios dc língua tupi, já prolundamente transforinados pelas guerras
missões vão ser instaladas para estes indios: Aratagui, Jacoca, Mamanguape e Baía da
Traição. Tereza Baumailn (1 98 1 , p. 45) cita várias cartas régias de 1701, 1703 e 1705 que
mandavam construir igrejas, enviar missionários para cuidar da conversão dos indios e
nlencionavam os indios de Baía da Traição e rio Cainai-atuba. Cita ainda uma publicação
b's padres Carmelitas em que estes "fitittat?ient 1 713 a selr cargo, as niissões dos a1deia.s
de Manía)tg.lraf~e,
da Ijaia da ihai~iioe da I'regriqa" na capitania da Paraíba, além da
missão de Igramació (Vila Flor) no Rio Grande. Alguns anos depois, os índios da missão
da São Pedro e São Paulo, em Mainanguape, vão ser transferidos para a aldeia da Preguiça
noção de território dos índios aldeados. Estas instituições vão ser responsáveis pela
conversão dos índios ao cristianismo, pela sua integração ao mercado e por associar de
forma radical um rótulo étnico a uin' status jurídico possuidor de uma contrapartida
territorial.
outras etnias no espaço das missões resultou na criação de uma categoria étnica dentro do
mundo colonial que incorporou as populações aldeadas como caboclos ou íiídios nínlaos,
sinônimos de crisfãm,do~í~e,sficado,.v.
Não é a toa que os documentos do Século XVITT já se
referiam aos habitantes dos aldeamentos dc litoral da Paraiba como "cahoclos de liiigra
Kera/'"2 (conf Dantas et Alli, 1992) Qualquer traço de especificidade étnica dos grupos
aldeados, ou um etnônimo mais adscritivo foram silenciados por essa imposição, calando
fundo na memória social, de modo que, ate lioje, os Potiguara utilizani-se, eiitre si, do
termo caboclo para designar aqueles índios tidos como mais antigos e "puros".
(Hannerz, 1997) no sentido em que designa tanto a miscigenação fisica - nunia de suas
Além de marcar os caboclos aldeados como uma categoria social híbrida, com
partir do qual eles se inseriam na sociedade colonial. Durante os séculos XVll, XVIII e
XIX, ser caboclo era ser vinculado a um determinado espaço, referenciado pela igreja e
demonstrando como durante mais de trezentos anos os indios souberam apropriar-se das
12
Língua Geral e a denoininaç;?~dada ao conjunto de dialetos Tupi falados por boa parle dos povos
indígenas do litoral brasileiro e que nos séculos seguintes ao descobrimento transformou-se numa língua dc
CcII!2!", entre índios e colonizadores a partir de iim prksso que envolveu índios.'aventureiros. colonos:
comerciantes e padres. disseminando-sepor vastas regiões (Rodrigues, 1986).
categorias administrativas para fazerem valer seus interesses e construir espaços de
Tal capacidade de adaptação é tão grande que não hesito em reconhecer nela uma
que Oliveira (2004) tão bem sinaliza como constitutivos das sociedades indígenas atuais,
ou seja, híbridas.
Baía da Traição e Nossa Senhora dos Prazeres para Monte-Mór. Várias narrativas são
contadas a respeito dos milagres realizados por esses santos, da construção de suas igrejas
Na segunda metade do século XVIII a situação das aldeias missionárias vai ser
modificada pelo diretório pombalino que determina a expulsão das ordens missionarias e a
assimilação dos índios a sociedade colonial, buscando dissolver as fronteiras sociais entre
de poder vão se encaminhar para urna radicalização das tentativas de assimilação e diluição
dos índios na população, por força dc Icis, mcdidas oficiais e um projeto ideológico muito
forte. O interesse pelas terras dos índios vai toniar desneçessáriz para a Ibgica dominante a
distinqões étnicas passam a fazer cada vez menos sentido em quadros políticos mais
amplos e se sustentam apenas em quadros locais oide os antigos aldeamentos deram lugar
dominação particulares.
De acordo com Cunha (1992), no decorrer do século XIX "a qquesfão it~digena
ferras" (p.133). Nas áreas de colonização mais antiga operou-se o esbulho das terras
direta dos missionários ao poder central do Império e a criação das diretorias de iuidios nas
políticas indigenistas.
segundo império foi aquele que associou políticas diversas de regularização da propriedade
poder local: discriminação das tcrras públicas, libertação dos escravos, imigração
catequese e extinção dos aldeamentos. O principal instrumento dessas políticas foi a Lei
Na Paraíba, o marco desse processo é a demarcação das terras dos índios na década
de 1860, pelo engenheiro Antônio Gonçalves da Justa Araújo. Este engenheiro é o ator
lotes entre os índios casados. mas também a avaliação e regularização das posses de
particulares e dos arrendamentos porventura existentes nelas. Trabalho que elle realizou
Arquivo Público Estadual (PB). Consta de relatórios de atividades, cartas dos índios,
época13. Além disso, uma parte dos títulos individuais pode ser recuperada nos cartórios
das comarcas onde as terras foram registradas ou junto aos descendentes dos índios que os
receberam, como pude ver em mais de uma oportunidade, quando os Potiçuara nos
mostravam cópias dos títulos e mapas dos lotes como comprovantes de seus direitos. Dc
acordo com a memória do grupo, estes títulos forma concedidos por D. Pedro 11, quando de
ação do engenheiro Justa Araújo possuía grande respaldo político e não era desconectada
sesmarias de Soure, Messejana e Parangaba, entre os anos de 1860 e 1864. Fazia parte do
Paraíba é marcado pelo assédio constante que as câmaras de vereadores mantinham sobre
os patrimônios territoriais indígenas buscando revertê-los para o seu controle. Desde 1862
13
Essa rnassa docuincntal aitida aguarda por utna pcsquisa Iiistórica adequada, que'cotn ccríc7a. podcrá
rcvclar inúincros proccssos ainda dcsconliccidos sobrc os indios c suas tcrras na Paraiba.
regularização da situação dos ocupaiitcs rião-indígenas com o arrendamento ou a venda das
posscs particulares ria scsrnaria dc Moiilc-Mór. Dcscrcvcndo ainda cssa mcsma scsrnaria,
engenheiro afirma estar demarcando as posses dos índios da Baía da Traição, as quais já
passam de 300.
estas terras que eram requeridas por rendeiros. Das 237 posses demarcadas para os índios,
165 forma distribuídas: 22 no Arripia, 10 em Brejinho, 7 no Catolé, 12 na Gameleira, 7 em
Demarcou
qtrem eram 'deslil~adlr~s". airida o quadro da aldeia da Preguiça (Vila Monte-
Mar), legitimou algumas posses particulares (Buraco, Salema, Três Rios, Salgado) e
discriminou duas porçõcs de tcrras devolutas no oestc da scsmaria que haviam sido
Maia, 1992) afirma que o engenheiro Justa Araújo faleceu no ano de 1868, sem ter
conseguido teminar a divisão das posses na Baía da Traição e que, por isto, estas terras
organizado por Sylvia Porto Alegre encontramos oficios referentes a ação desse
Esse ponto pode parecer de menor importância, mas ele ajuda a esclarecer um mito
em relação as terras dos Potiguara, que se sustenta desde o inicio do século XX quando se
I4
Consta. cin anexo ao rclalório. um iiiíipíi dcmonslralivo onde são apresentadas as despesas fcilas c0111a
mcdição e a demarcação das posscs c os iiomcs dos índios quc as receberam. dc ondc são rcliradas cslas
informações.
'' Agradeço esta indicação ao profcssor Carlos Guilhcnnc Octaviano do Vallc. que consultou csles oficios
quando de sua pesquisa sobrc os indios Trcmcnibé de Almofala.
acirraram as disputas territoriais na região: o de que apenas os indios da Baía da Traição
Mór teriam sido incorporados a sociedade nacional pelo fracionamento das suas terras.
Essa visão se reproduz tanto nas opinioes dos agentes do órgão indigenista, como nas
alegações dos grupos interessados nas terras indígenas, possuindo um efeito ~~ernicioso
afirmando esse suposto "acaso histórico" como responsável pela manutenção das fronteiras
étnicas. não permite que possamos dimensionar o campo intersocietario e como as relações
interesses dos arrendatários de terras públicas. Porém, cada vez mais acu;idos pela
dependência e reciprocidade até que duas grandes agências entram no ca.inpo para
modificar esta dinâmica: uma, acelerando a ocupação das terras dos indios, outra contendo
Tecidos Rio Tinto (CTRT) e a segunda o Serviço de Proteção aos índios (SPI). Estas duas
~g8i.ciasvão implicar tia divisão do campo social Potiguara em duas situações históricas
importante no que toca ao estudo das forinas de organização social iridígetia que foram
(1992) que trata do mesmo assunto, mas a partir da ótica do órgão indigenista. Nosso
interesse é confrontar o ponto de vista do SPI com a perspectiva dos índios, inclusive
-/para efeito de nossas análises, essas situações históricas vão se estender mais ou
menos até a década de 1980 quando as mobilizações indigenas pela demarcação de suas
distantes estamos nós e os Potiguara daquelas situações vividas no século XVI, e onde,
geralmente, começa a história canônica das relações entre a sociedade ocidental e os índios
na Paraiba.
1.7. ICONOGRAFIA
Gravura de Theodor de
Bry, ilustrando o livro
de Hans Staden sobre
suas viagens no Brasil.
Vê-se o ritual do
sacrificio aiitropofágico
do inimigo. Marca das
sociedades tupi do
século VXí. 1554.
Quem chega até a Baía da Traição pela ponte da Caieira, através do Único acesso
asfaltado a cidade, não se impressiona com a paisagem plana e de terrenos alagado:; que a
precede. Muito menos com a visão das primeiras coristruçoes esparramadas sobre pequenas
dunas, resultado da especulação imobiliária dos últimos anos. Apenas quando d.obra a
pequena curva que dá acesso a praça principal é que se perde o fõlego. Ao longe, as
,falésias do Forte e Tambá fecham a visão, qual um paredão sobre o mar, servlindo de
moldura para a baía que se forma. Logo ali, do lado direito de quem olha p&a o mar, um
recife rochoso estronda com o impacto das ondas, formando um porto seguro para as
dezenas de barcos de pesca que ancoram próximos a praia e sob a guarda do raro1 na
Para quem se dirige ao Forte, sede do Posto Indígena Potiguara, segue-se sempre
em frente pela comprida rua principal, paralela ao mar. Indo por este caminho tem-se a
impressão de que a Baía da Traição é uma cidade estreita, espremida entre o inar e o
alagadiço do rio Sinimbu. Se não for época de veraneio, a metadedas casas estará vazia e o
movimento nas pousadas será pequeno. Antes de se chegar ao limite com a terra indígena -
pois o perímetro urbano foi excluído da demarcação em 1983 - o calçamento de pedras
Nada vai fazer o visitante desavisado perceber que estará entrando na aldeia do
indicando que aquela c lima "área proibida", fica quase imperceptível numa calçada.
Somente depois de subir a ladeira para conferir a vista de lá de cima é que o visitante ira se
deparar com uma oca para a venda de artesanato, a sede do Posto Indígena, os canhões de
-r
ferro apontados para o mar e o posto de saúde do Distrito Sanitário Especial Indígena
Seu Antônio Gomes mora no Forte e, dos Potiguara que foram hncionários do
Posto Indígena, contemporâneos aos tempos do Serviço de Proteção aos índios - SI'I, é o
último ainda vivo. Seu Antônio nasceu em São Francisco e só depois é que se mudou para
com ele que retirei as principais informações sobre o modo como o SPl começou a atuar
I/
na região (cf Peres, 1992). As informações fornecidas por ele foram ainda confirmatlas por
sua esposa, Dona Maria Gomes e por Dona Nancy Cassiano, ex-prefeita da Baía e também
moradora do Forte. Seu Riitônio não foi contempcrâneo de vários dos fatos que narrou,
mas o seu pai participou ativamente da mobilização dos índios no intuito de conseguir a
proteção do SPI.
de triste memória para os indios de Monte-Mór), que num artigo publicado no jornal
Correio da Manhã, em 1 9 1 9, onde afirmava que "as /erras oc11l)aJ.spe/o.s it1Jio.y tr6o sfio
d e v o l ~ ~ / ase
s ' ~estendendo
, desde o Forte, limite norte da freguesia da Baia da Traição até o
Engenho Cumaru, no rio Cainaratuba, numa distância dc dez quilômctros de cosia (Citado
Lundgren (cf. Arnorim, 1970, p. 41), estivesse se colocando na defesa dos indios de São
Miguel, não fosse Seu A.ntÔnio Gomes destacar a aliança estabelecida entre o Chl.o)~eI
Frederico Lundgren e o Regetrle Jos hrdios Manoel Santana. Segundo o relato, lblanoel
Santana era amigo do Corotiel Fredcrico, tendo inclusive recebido deste um cavalo e uma
,'
Traição e Cumaru, foi ao C'ororiel Frederico que eles recorreram, como a Única instincia de
poder na região capaz de apoiá-los. De acordo com Seu Antônio, os irmãos Dantas
LC
en?r,rrlava alé os ítidios tirar car.a)igicjo tro matig-ue, pescar. Não qireria", iinp~:dindo a
1
A documentação do SPI refere-se ao Dr. Franklin Danlas; Seu Antônio Gomes fala ein João Dantas. que
scria o mesmo quc disparou os tiros contra o prcsidcnte do cstado. João Pessoa, cm 26 dc julllo ~dc19.30 c
Ec!!? Jczna. do Galego. refcre-se ainda a Manocl Dantas, quc morava na Baia da Traiçâo e tcria sido vitima
da ira popular após o assassinato dc João Pcssoa.
proprietários ficou marcado na metnoria do grupo e faz parte das narrativas que contam a
em resposta a essa solicitação dos índios, realizou-se a visita do ajudante adido do SPI,
Rio Tinto, onde ficou hospedado e o cavalo para que percorresse as terras dos índios. A
CTRT enviou ainda alguns de seus assessores para acompanhar Dagoberto durante a sua
estadia na região (cf. SEDOCIMI. Microfilme 170, fotogramas 1557-1589 e Peres, 1992,
A visita de Dagoberto de Castro e Silva consistiu no primeiro movimento do SP1
em atuar efetivamente junto aos índios do Nordeste, pois visitou tanto os Potiguara, quanto
prioridades que o órgão deveria toinar no atendimento a estas populações. No seu relatório,
desordem e o desrespeifoas leis " (SEDOCIMI. Microfilme 170, fotogramas 1 557- 1 589),
Rio Tinto dirigiu-se a São Francisco onde encontrou 191 índios vivendo em 49 casas de
palhü, ao longo de uma rua. Segurido o relatório, os índios viviam na pobreza, trabalhando
'I
estavam em poder dos índios, a maioria tendo sido vendida para ynrlic~~lmes
como o
senhor João Domingos (já falecido a época). Ainda havia três casas, com sítios e roças,
pertencentes aos senhores Antonio Bello, Antonio Alexandre e aos irmãos Dantas, que
também possuíam uina casa de farinha. De São Francisco saiu em direção do Taiépe.
Lagoa da Barra, Tambar, São Miguel, Baía da Traição, Tapuia, Laranjeiras, Tracueira,
Saiila Rita, Rio Silva, Rio Grupiútia, Izstiva Vclha, Cartieira e Rio Jaca1.C.
desde vários anos, com casas, benfeitorias, criações, plantações e muitos sítios de fruteiras.
dados não consta a população de algumas localidades como Camurupim, Tramalaia, Vau,
Caieira e a própria Baía da Traição, que nesse tempo já era uma vila e sede de distrito do
posse particular.
Castro e Silva idetitifica ainda os limites das terras dos índios. Ao norte, localizou
cinco marcos de pedra, com a letra R gravada. Segundo os moradores estes marcos foram
colocados pelo engenheiro Antônio da Justa Araújo, quando da demarcação das sesmarias
dos índios em 1868 e eram conhecidos pelos nomes dos locais onde haviam sido fixados:
Cajarana, Jardim ou Taiépe, ltaúna, Encantado e Suzana, estando alguns deles danificados
ou arrancados. Registra ainda a existência dos engenhos Itaúna, Itaunbnha e Cumaru nos
limites desses marcos. Ao sul, limitava-se com a antiga sesmaria de Monte-Mór, cita que o
que adquiriram por compras" os lotes de terra que os caboclos haviam recebido do
engenheiro Justa Araújo. Ao leste, eram confrontadas com "as ferras do L)r. 1;ratlklitl
Dair/a.s,ale a igreja de S. Adigrel e dahi com a lagoa do Sii~imbu,ruii~asdo Forfe c..,? afk a
barra do rio Camarafilhcr."Ao oeste, ficaria o vértice das divisórias norte e sul.
Finalizando o seu relatório, Castro e Silva nega a identidade étnica dos Potiguara,
alegando que estes são mestiços de vários tipos, vivendo "eni promiscuidade coni os
benefícios do Seri~içode Protecção aos Ítldios". Além disso, argumenta que o elevado
inconvenientes para o SPI, pela possibilidade de ações na Justiça por perdas e danos. Alega
inclusive, que alguns destes proprietarios possuíam títulos antigos de terras, adquiridos a
terceiros, como o Dr. Franklin Dantas e o Major José Ribeiro Bessa, com grande influência
soltrcionar essa questão de terras de\~o/zrtase dos itldios". Em razão destes argumentos
.indica como prioridade para o SPI a instalação de um posto para os Fulni-9, ppis os índios
viviam aldeados e conservando a lirigua e alguns costumes dos antepassados. Além disso,
os proprietarios incidentes nas terras dos índios estariam dispostos a pagar rendas ao SP1;
enquanto na Baía da Traição estes deveriam ser indenizados pelas benfeitorias que
possuem:
E com grandes reticências, portanto, que o Serviço de Proteção aos índios passa a
exercer as suas atividades junto aos Potiguara. Entre 1929 e 1930 o inspetor Antônio
dos antigos aldeamentos de São Miguel e Monte-Mór, criando assim as bases para a
incorporação como arrendatários do Posto Indígena dos que não possuissem tais títulos,
dcixando, portanto, dc pagarcm impostos a colctoria estadual. Foi adicionada também uma
cliiusulu uiirivds tla tlual as Ici.i.as i~cvci.ici.iaiiiao podci do cstado caso o SI'] suspcritlcssc os
seus trabalhos de assistência ao índio (cf. Peres, p.93-94). O Posto Indígena São' Francisco
foi instalado em 1932, quando passou a atuar dcnti.0 dcssc cainpo dc forças sociais já
órgão sobre os recursos fundiários, madeireiros e agrícolas que estavam sendo utilizados
para a Fábrica Rio Tinto serão os principais motivos de atritos entre o SPl e os índios,
É tiesse período - 1939 - que ocorre a expulsão dos índios da Vila Monte-Mór, quando
estes recorrem ao SPI solicitando sua proteção. Neste mesmo ano os arrendatários do Posto
somavam mais 400 (cf. Amorim, 1970, p. 5 1 ; SEDOCIMuseu do índio. Mjcrofilme 180,
fotogramas 45-68; SEDOC/Museu do Índio. Microfilme 180; Fotograma 1 75; Peres, 1992,
Entre as décadas de 1940 e 1960 as ações do SPI na área vão se voltar cada vez
longo das décadas como uina situação de recorrentes conflitos em torno dos postos de
destes processos, o que envolve, basicaniente. o controle dos recursos náturais e da mão-
incorporação das formas de representação indígenas por este mesmo aparato. Segundo
índios de outro. Ao mesmo tempo será instituído um novo sistema de ordenação do poder
sécu!o XIX e aliada aos interesses de exploração dos recursos naturais pelos proprietários
estabelecidos nas terras indígenas, será cornbatidz pelos encarregados do Posto Indígena.
Em 1942, com a morte de Manoel Santana, ocorrerá a substituição desse papel pelo de
esse sistema de poder se constituiu e vem se reproduzindo nas últimas décadas. Antes,
Ca.s/elo, sejam as disputas em torno da escolha do líder dos índios ou o regim6 de trabalho
pesado nas roças e coqueirais do Posto. Por seu turno, a documentação do SPI e da FUNAI
disputas pelo controle dos recursos e pela definição das direções que a atuação do posto
deveria tomar. Passemos agora a narrativa de alguns desses embatek para que o leitor possa
ter uma dimensão de como eles se processavam em meio a estrutura de poder esiabelecida.
O 'Iempode Ca.s/eloe o marcador cronológico através do qual os indios identificam
Posto Indígena Nísia Brasileira, ariiigo P.1. São Francisco, transferido para o Forte em
1942. Corriatii os pi-iinciros anos da dkcada de 1940, a Segunda Guerra Muiidial provocava
litoral, com a instalação de bases aéreas militares em Natal, Recife e For-taleza. Castelo
Branco, ao que parece, era um militar ainda não vinculado ao SPI, que assumiu a
responsabilidade do Posto Indígena nesse periodo, tendo ingressado formalmente i10 órgão
Nesse mesmo ano falece Manoel Santana, último Regetife dos jndios da Baía da
Traição, que exercia o cargo desde os anos 1920. Para substitui-lo na função, Castelo
Branco decide colocar o genro de Manoel, o índio conhecido como João Batista. Porém, os
escolhido Pedro Ciríaco para representá-los. Pedro Ciriaco havia sido uma, espécie de
"segundo homem" de Manoel Santana, e para uma parte dos índios seria a escolha
"natural" para a sucessão na chefia. Deu-se o impasse e foi convocada uina reunião no
Posto para decidir-se quem seria realmente o novo lider dos indios. Segundo o relato de
Num relato semelhante ao de Seu Antônio, Dona Joana, do Galego, conta que nessa
época as pessoas neçavam que eram índios com medo de serem presas e obrigadas a
trabalhos forçados. A prisão seria numa caixa d'água que existia ao lado do Posto onde os
caboclos ficavam detidos por dias. Ainda de acordo com o que ela nos relatou, Castelo
terminou sendo preso pelo Exército por maltratar demais os caboclos e andar montado a
perpetuação dos conflitos como parte da dinâmica social instaurada. Num oficio de 195 1,
enviado ao Diretor do SPI por Raimundo Dantas Carneiro, Chefe da 4" Inspetoria Regional
Afirma que os indios são envolvidos por inimigos do SPI, que reside& na Baía da
"/)aJc~.ses.sa,s circ~i~r,stci~rciu,s,
r160 sei se fum/)i!m/)elo
receio clc ser ugrediJo, o /n.s/~etorAry~iimeJe.~ Sol~foMclior
Filho, at~ralrneilterespotlsável pelo Posto em apreço c..)
com/~a~*ecc?/)olrcas vezes ao l'o.sto, vez que e.stií sediado na
ciJc7Je de Mclt~matlprc~/~e, cli.stat~te6 ICp1u.s ck) I? I. Ni.sia.
"
Em 1978, mais de trinta anos depois dos fatos do rlkmpo de Ca.stelo e das surras
que os caboclos deram nos encarreçados do SPI, um chefe de posto da FUNAI, Iiamilton
conflito entre indios e topógrafos que faziam a medição do Sítio do Melo, afirmou que
indigenista buscarem afirmar a posição do SPI no contexto local. Entre várias medidas
tomadas nesse sentido ganharam destaque ao longo das décadas de 1940 e 1950 a
'Se a estratégia oficial era delimitar a área de atuação do SPT e retirar dela os
estabelecendo alianças com alguns líderes indígenas. Seu Antônio Gomes susterita uma
versão muito interessante sobre como findou o pagamento das rendas dos parficiilares para
o posto indígena.
com os grandes arrendamentos que se fazem hoje para o plantio de cana, mas depois narra
como se forjou a aliança entre os pequenos moradores e alguns líderes indígenas frente a
ameaça de expulsão das terras em que trabalhavam por decisão do SPI acabar com os
arrendamentos. Antes que o órgão finalizasse os contratos anuais, como muitas disposições
responsáveis pela organização das festas de São Miguel e Nossa Senhcra da Conceição e
anuais para as festas. Desse modo, criavam laços de solidariedade com os índios e se
Pedro Ciríaco, depois que assumiu a liderança dos índios contra a vontade do posto,
cita várias reclamações de encarregados contra ele e os índios que liderava, primeiro sobre
a retirada de madeiras, depois a respeito da arrecadação das rendas que deveriam ser
recolhidas no posto e ainda sobre o controle dos coqueirais do Sitio das Cardosas (em
Em 1951, foi proposta a remoção de três famílias da área indígena por virem
Souto Maior, procurou deslegitimar Pedro Ciríaco acusando de ser um dos "itrd~osn~ui.v
Inspetoria ponderou que seria muito dispendioso transferir essas famílias para outra área e
se negou a cumprir a solicitação do encarregado. Contudo, foi acionada a presença tle força
policial que Souto Maior solicitou para coibir os índios (SEDOCIMI. Filme 169.
Esta outra faceta das relações entre o SPT e os índios, a da presença constante de
'I
força policial para coibir ações mais ousadas dos tutelados foi corriqueira e marca ainda
hoje as lembranças dos descendentes de Pedro Ciríaco, como José Ciriaco Sobrinlio, mais
conhecido como Capitão. Tudo começou com a tentativa de demarcação das terras por
parte do SPT em 1948, quando foi contratado um agrimensor e, apesar, de terem sido pagas
algumas parcelas adiantas do trabalho, este foi paralisado antes de finalizar a Segunda
etapa, em 1949. Os índios liderados por Pedro Ciríaco reclamavam que mesino esta
demarcação vinha deixando de fora áreas ocupadas por sitiantes da vila de Mataraca, ao
longo de 4 léguas do rio Carnaratuba e que a Companhia de Tecidos Rio Tinto vinha
ocupando grandes extensões entre o marco das balanças - que havia sido modificado de
por estar cortando madeira e fazendo carvão Fato que provocou a revolta dos cnhocas do
Sifio, que dcsceram dc São Francisco para o Foi-te e espancaram o chefe de posto Leonel
Carneiro de Morais, liberiaiido os pi-esos. Iim 1049, I'edro Ciríaco e seus lilhos são levados
presos ele segue para a penitenciária em João Pessoa e os seus filhos ficam relidos em
propõe a redução da área indígena como uma forma de expulsar os invasores as avessas
Esta política, levada a cabo ao longo das décadas seguintes é chamada por Peres (1992, p.
demarcar apenas aquelas terras que estão ocupadas permanentemente pelos índios,
propriedade das terras. Tal política teve como resultado o recrudescimento dos conflitos
I*
dos problemas administrativos restringindo a fronteira étnica oficial apenas aqueles grupos
mais próximos ao Posto, reificando uma situação de exclusivismo para os índios da Baía
da Traição. O que se reproduz na demarcação das terras indígenas na década de 1980 onde
QS g i p o s que conseguiam demarcar suas terras não se solidarizavam com os que haviam
a sua organização social no scculo X X pautada pela presença do órgão indigenista oficial,
analisar as particularidades deste modo de vida sob o controle de uma agência colonial.
Contudo, a crítica antropológica a tal perspectiva está bastante sedimentada, inclusive com
a publicação de vários livros sobre este tema (Oliveira, 1988, 1998; Lima, 1995), nos
mais frutífera sobre a massa documental e o material coletado na memória social sobre esta
primeiro foi a disputa pelos recursos econômicos (terra, madeiras, plantações e mão-de-
obra) entre os índios e os agentes do SPIIFUNAI, que vai se estender durante todo o
período analisado, tendo um reflexo direto na forma de organização social do grupo e nos
livre escolha dos índios, do outro era garantida pelo exercício do poder tutelar e da
na Baía da Traição é devedora daquilo que apontou o trabalho de Sidnei Peres (1 992, p. 60
invasores das áreas indígenas como arrendatários do órgão. Criando, desse modo, um
mediação e dominação num cenário conflituoso que envolvia interesses diversos, desde o
governo estadual até o dos índios, passando por latifundiários e pequenos posseiros
regionais. A oficialização dos arrendamentos é considerada por Peres (1992, p. 61) como
um "disposi~i\~o
de resolrrçtio de cor!fli/os"com as instâncias governamentais que tinham
opor aos padrões de alianças anteriores entre índios e regionais. A documentação do SPI
vai falar muitas vezes em desobediência e turbulência dos índios que não aceitavam as
posto por causa do exercício do poder e do controle dos recursos existerit~sna área
indígena.
Na interação entre indios e o posto indígena a violência será utilizada conio forma
de ação pelos dois lados, e se constitui em nosso segundo ponto de análise. As estratégias
e a violência, causando medo entre os índios. Tal regime de força era enfrentado pelos
índios a partir de outras formas de violência, desta vez ccletivas. A coação era utilizada de
formas distintas pelos dois lados: uma era a imposição do poder do Estado e de seus
encarregado. Neste ponto parece ser interessante ver uma aproximação com E. P
Thompson (1998) c a sua aiiálisc sobrc a Economia Moral da Multidão, onde propõe que
os atos de violência das multidões ein certos períodos históricos não sejam encarados pelos
historiadores como episódicos ou explosões de fiiria scm sentido, mas formas soc;ialineiite
elaboradas de ação por parte dos grupos dominados contra os grupos dominantes em
numa situação de tutela (Grünewald, 1993). Neste caso, apenas fornecemos as infòrmações
índios da Baía da Traição foi informada pela ação oficial, reificando no imaginário social e
nos discursos as fronteiras entre as terras e os grupos das antigas sesmarias de São Miguel
e Monte-Mór. Estes Últimos argumentos serão retomados com mais profundidade nos itens
seguintes.
2.3. A D E M A R C A Ç A O D A S 'J'EIIRAS J N D f G E N A S
de 1970 com a entrada de novos atores e agências atuando nos intersticios da ação tutelar e
demarcação das terras indigenas foi a maior mudança trazida pela ação dos novos atores
níveis até então pouco realizados. Tomo este processo como um marco para as mudanças
que o campo intersocietário passou nas últimas décadas e me dedico, neste item a sumariar
,
'
os principais dados fornecidos no trabalho de Azevedo.
modo mais sério que o SPI com relação a demarcação das terras indígenas. Limitava-se a
levantar a lebre algumas vezes quando os delegados regionais de Recife iam até a área
informa que fará a demarcação da área Potiguara e apresenta um memosial descritivo, sem
mapa, definindo os limites e a extciisão de 57.000 ha. Em 1978, porém, emite duas
interesse dc particularcs. Um atcndcrido aos intcrcsscs da Usina Agicam, que estava sendo
proprietários do Sitio do Melo, localizado nas imediaçoes da Baía da 'Traição, quc tinharn
Nesse mesmo período, começa a atuar junto aos índios da aldeia São Francisco a
enfermeira e agente pastoral da arquidiocese da Paraiba, Maria da Salete Horácio cla Silva,
que convidada pela FUNAI passa a dar asscssoria de saúde (cf Azevedo, 1986, p. 134).
onde ela participou, com auxiliar de enfermagem das atividades realizadas pela pastoral
organizada por Dom José Maria Pires. (cf Moreira, 1997, p. 199). Em suas ações Salete
busca conhecer os problemas mais graves que os índios viviam e divulga entre eles
sC
algumas cópias do estatuto do índio, fazendo-os perceber de modo mais palpável que
existia um ordenamento jurídico que Ities garantia direitos sobre as terras que ocupavam.
incentivados pelo governo. Uma ação de aviventação de picadas foi realizada pelo c,hefe de
posto, Hamilton Lima Soares e um grupo de índios recebendo como resposta dos
Tinto, em julho de 1978. Em novembro, ocorre um gravc conflitg entre os índios, liderados
por Daniel Santana e um grupo de topógrafos que realizava medições no Sítio do Melo,
quando estes são agredidos e tem os instrumentos de medição quebrados e jogados no rio
Siiiiinbu. Em dezembro, os índios da São Francisco, são levados por Salete até a
professores 'da UFPB que estavam prestando apoio técnico aos índios, suspendendo as
demarcação das terras indígenas, suspenso algum tempo depois. Nestas ações, começam a
Faustino como líderes do grupo que reivindicava a demarcação das terras. Data desse
Camaratuba, enviando cartas ao Ministério do Interior e dando entrada em ações iia justiça
contra a FUNAI, acusando-a de ser responsável pela movimentação dos índios, que
madeira.
No ano seguinte, a FUNAi noticia que o Exercito demarcará as terras dos I'otiguara
ate o fim do ano. Diante da situação de conflitos que se intensificaram desde 1978 e da
movimentação dos ocupantes não-indígenas o órgão tutor ameaça apelar para a i n t b e n ~ ã o
das forças armadas, lembrando aos atores envolvidos que ainda estavam todos sob um
Augusto havia viajado até o Rio de Janeiro, tendo trabalhado uns tempos num estaleiro e,
dos índios corn a abertura de litltias de crédito e outras raçitidadcs para o itiçctitivo da
manobra para desviar a atenção dos índios da luta pelas terras. Com isso, instaura-se um
processo faccional na área, com o alinhamento de 14 aldeias lideradas por Daniel Santana,
Ainda em 1981 os índios darão início a autodemarcação das terras contando com o
1.
reconhecer os limites demarcados pelos índios,, mas estes serão reduzidos, ao longo dos
anos de 1982 e 1983, pela intervenção do Exército para 21.238 ha. Essa intervenção é
resultado da mobilização dos produtores de cana de açúcar que, ao acionarem um.a rede de
relações dentro das instâncias governamentais, conseguiram excluir as áreas que ocupavam
nos limites das terras indígenas. A redução das terras indigenas processou-se no âmbito de
Tinto, dos proprietários do rio Camaratuba e da prefeitura da Baía da Traição, que ganhou
primeira, entre 1985 e 1993, para a área de Jacaré de São Domingos c a segunda, desde
1993 até hoje, para os Potiguara de Monte-Mór, cujas terras não haviam sido contempladas
Segundo Azevedo (1986, p. 227) a luta pela demarcação permitiu que os Potiguara
,
'
Potiguara repercutiu entre a população indígena das aldeias que foram excluidas pela ação
do Exército e a daquelas áreas que sequer eram consideradas mais como habitadas por
índios. Por enquanto, continuemos com a análise das formas de organização social
podemos tratar das formas de organização social e política dos Potiguara, observando-as
como resultado das direrentes políticas dc intervetição a que foram submetidos no século
XX. Em destaque, serão abordadas três dimensões ab vid; desse povo indígena: a
I
um campo político de representação étnica imbricado com as disposições da inclianidade
mistura que perpassam as ciisputas faccionais sobre 3 coiitrole das fontes de recursos.
r-
Et-ic Wolf, na crítica que faz as formas naturalizadas e substancialistas de se ,falar
([I 969: 2000) de que os grupos étnicos são formados no decorrer da interação entre grupos
1999) conduzido num quadro histórico específico, marcado pela ação tutelar tio órgão
constituição das formas de organização do grupo, sejam elas étnicas, políticas ou culturais.
Devemos lembrar, portanto, que atos políticos e jurídicos desde o período colonial
incorporando-as por relações de poder mais amplas qtre se or-igitlamfora delas e \?donzuifo
além delas, que devem stra cri.s/alizciçãoa essesprocesscs, parricipm deles e, por sua vez,
I*
de Monte-Mór e São Miguel era habitado por grupos sociais heterogêneos, sendo os
caboclos apenas um dos grupos, e talvez o mais pauperizado. Havia senhores de..engenho
(Cumaru, Preguiça, Patrícia, Três Rios, Piabussú, Itaúna, Itauninha), fazendeiros (nas
pequenos agricultores, arrendatários e foreiros, entre outros. A identidade étnica era algo
marcadas pelo trabalho agrícola e pesqueiro e pe!as festas dos santos padroeiros que,
apesar de serem realizadas nas antigas missões e lembrarem a ascendência indígena de
alguns grupos familiares, eram festas católicas (oficiais) e, por isso, congregavam todos os
Nessa época, os índios estavam dispersos por várias localidades das antigas
sesmarias, vivendo nas mais distintas situações: nas Gilas e povoados maiores dividiam o
espaço com moradores não-índios, as vezes sendo minoritários; nos engenhos e fazendas
ocupavam a situação de moradores; nos lotes entregues pelo engenheiro, na área de Monte-
Mór eram pequenos proprietários, assediados por grileiros; em outras localidades eram
hegemônicos (como São Francisco), mas r?ão exclusivos; nas terras da sesmaria de São
Apesar das fronteiras étnicas serem menos aparentes do que hoje, não prevalecia
uma invisibilidade total da condição indígena dos habitantes da região. E o que podemos
ver, por exemplo, nesta passagem do livro Notas sobre a I'arahyba de Innêo
,
'
Joffily,
publicado em 1892:
"li'ti/re/at~fo,
~rmaexcepção se iw/a em cío~r.s/)oti/o.s da
orla mari lima, coiisliluiiido isoladores ethiiicos. ReJirimo-tios
a Bahia da Traição ao norte da capital, e a fiesdezia de
Alhat~draao srrl, onde aii~da;wje se eeiiconlra o ypa indígena
y~rro. ( 1 977, p.234)
"
As diversas situaç6es vividas pelos índios constituíam uma rede de relações sociais
e espaciais informada pelo parentesco e pela idéia de que aquelas terras haviam sido
doadas aos seus antepassados por que estes erari: indígenas, onde os santos padroeiros
2002).
Outras narrativas destacam que após a imagem ter sido encontrada os holíindeses
construíram a igreja na Vila São M.iguel, onde o santo foi entronizado e ficoii sendo
,venerado pelos índios. Segundo nos contou Seu Tonhô, de São Francisco, muitos
duvidavam que o santo fosse vivo, até uma certa vez uma índia, muito curiosa, espetou o
braço dele com uma agulha, sem que ninguém visse, e o sangue começou a ecorrer.
causando grande admiração. Ainda contam que a imagem toda vez que era retirada da
igreja retomava misteriosamente para o altar e, quando, a igreja da Vila São Miguel ruiu e
os índios levaram a imagem para a igreja da aldeia São Francisco, o céu- parou o
Desse modo, as festas em homenagem ao santo servizin e servem para lembrar aos
perpetuação dessas narrativas e do reencontro das aldeias nas nove noites de novena.
Por outro lado, estes riiuais íarnbérn contribuem para estabelecer as relações com os
não-índios. Dona Joaiia Ferreira da Silva, do Galego, nos relatou que vários proprietários e
arrendatários das margens do rio Camai-atuba contribuíam com as festas de São Migucl, na
Vila e de Nossa Senhora da Conceição, no Sífio, como é mais conliecida a aldeia São
Francisco. No relatório sobre o Posto Indígena Nísia Brasileira elaborado por Cícero
Ainda hoje, esta prática se faz presente. Pedro, professor da aideia Nova Brasília
vos contou que o proprietário Murilo Paraíso, que ocupa terras vizinhas a sua aldeia com
,'
plantações de cana, costuma contribuir com certas quantias em dinheiro todos os anos para
a festa de São Miguel, através dos índios dessa aldeia2. Lembremos, ainda, o que Seu
Antônio Gomes falou a respeito do fim ,dos pagamentos de renda dos pequenos posseiros
para o Posto Indígena, que deixavam de recolher suas c!íl!idss com o brgão indigeinista em
troca de alianças com os líderes das aldeias mediadas pela contribuição nas festas dos
santos. Podemos afirmar, portanto, que as festas da igreja se tratavam - e ainda se tratam -
2
Atualniente. este fazendeiro apresento11 iitna contestação adniinistrnliva contra a identificação da Terra
Indígena Potiguarn de Monte-Mór o qiic ab;iloii a sua alé ent5o boa rclação coni os índios.
Tal raciocínio se apreserita corno coinplementar aos apresentados por Vieii-a (200 1,
p. 1 0 1- 108) e Peres (2004, p. 70-7 1 ) quando afirmam que os festejos católicos são o 1ocir.s
grupo, mas também as suas relações com os outros membros do campo intersoc:ietário,
permanecido assim, vivenciada poucas vezes por alguns grupos de famílias, se não
aos índios - SPl entre as décadas de 1920 e 1930, possibilitando que novas relações de
de poder vigente nos dias de hoje na área indígena, nos deparamos, em primeiro lugar, com
as categorias de atribuição étnica correntes no campo e, que, por força da ação tutelar
fazem parte de um campo semântico da etnicidade (Valle, 1993, 2004) criado pelas
relações entre os atores, legitimados por diferenças sensíveis de poder, inclusive aquele de
uma fronteira étnica na região e incorporando uma população heterogênea a sua malha
administrativa, serviu como canal primordial de elaboração desse campo semântico, pois,
se podemos identificar o uso histórico dos termos "índio" e "caboclo", seus sigr~ificados
original)
A primeira categoria que se apresenta nesse campo é o termo caboclo. Como vimos
no capítulo 1, este seria uma categoria social produzida pelos processos de territorialização
dos séculos XVIlI e XIX, evidenciando o caráter de incorporação física e cultural dos
índios a sociedade colonial e depois nacional. Pude chegar a esta forma de atribuição não
só através da literatura sobre o grupo e dos documentos consultados, mas a partir das
entrevistas que realizei em campo onde, muitas vezes, para definirem o que era ser índio os
Potiguara argumentaram que índio é um termo utilizado hoje e Cjue se refere aos. direitos
jurídica atual, seria o de cahoco, cahoco vel/?o, choco Cegiiimo ou ainda cahoco
caratlp~ejeiro, que serviria como base para o entendimento daquilo que eles eram
~~o, o
A categoria cahoco e uma dc suas variantes, o cahoco c a r a t ~ p ~ j e iassocia
complementar (reserva de mão-de-obra para um mercado local). Tudo isso dentro de uma
trabalhadores determinados por instâncias sociais e jurídicas herdeiras das antigas formas
(cf Peres, 1992) permite a remodelação dos significados atribuídos a categoria dos
f
caboclos, tornando-os sujeitos de dircitos garantidos por um órgão de Estado. D-nti-e estes
direitos destaca-se aquele que reconhece a sua primazia em relação a utilizaçilo dos
recursos naturais, principalmente a terra. 3 o que nos lembra Amorim (1975, p.15) a
índios e a situação de tutelados que estes vivenciam, dispondo "de reserr7a.s que, pelo
3
Tal raciocínio taiiibbrn c foniiulado pclos Atikuiii. da serra do Uiiiã-PE estudados pbr Grüne\\~ald(1993.
p.71 e seg. )
No contexto em que os Potiguara vivem atualmente, quando certos grupos de não-
misturados, referindo a "pureza" étnica aos seus antepassados ou aos índios do Xirigu, que
são veiculados na mídia como protótipos do índio brasileiro (cf. Vieira, 2001)'. Porém,
eles próprios entendem que ser caboclo é ser índio, que o seu direito as terras em que
habitam é derivado dessa condição de descendentes de índios, o que significa ser índio,
mais como sinônimo de diluição. mas como vetor de diferenciação e construção de uma
determinado6.
reformulações das formas de controle pretéritas das populações indígenas (d~sdeo século
XVII), a categoria particlrlar parece ser mito das lógicas de ação do Serviço de Proteção
aos Índios ao longo do século XX. Como vimos no capítulo anterior, esse termo já aparece
identificar os ocupantes não-indígenas das terras que seriam alvo da proteção do órgão.
Ocupantes estes que, de acordo com a lógica institucional da época, deveiiam ser
4
Em especial fazendeiros. usinciros e outros invasores das terras indígenas
Devemos ter em mente também que os sentidos das categorias de atribuição não s20 fisos no cainpo.
variando para os difcrcntcs alorcs sociais que o coinpõcni. a dcpndcr da situação c dds irilercsses ein jogo.
Para uma discussão sobre cssa forina dc constmção da identidade indígeiia ver Gninewald. 1997.
mL
1"
TECA CENTRAL I UFPB
Desse modo, nossa reflexão sobre a identidade étnica Potiguara enquanto forma de
(historicamente referenciado pelos limites dos antigos aldeamentos), da devoção aos santos
coletividadejuridicamente diferenciada).
foram pontuados nos últimos séculos pelas políticas indigenistas da Colônia, do Iniperio e
Uma boa parte das arenas políticas em que os Potiguara interagem estão marcadas
acesso a recursos. Porém, nem todas essas arenas são univocas na relevância que atribuem
ao fator étnico, um exemplo é a política partidária dos municípios em que vivem. Eiiquanto
tomam a questão indígena o tempo todo como crucial para suas ações. O que não quer
dizer que o fato dos três municípios estarem inseridos nas terras indígenas não inteifira nas
questões politicas municipais. O que quero dizer aqui é que, pela lógica das administrações
municipais as questões indígenas não teriam centralidade na distribui~ãodos re:cursos
municípios causa uma disputa constaiitc com as outras esferas de poder representadas pelas
políticas da FUNAI (terra), F U NASA (saúde) e educação. Tainbécii aíirrrio que se 1 i.aiaiiios
estas duas esferas políticas de modo separado aqui, para melhor exposição, na realidade
concorrência pelo poder municipal se reflete na disputa pelo controle dos recursos da terra,
Como já disse, nossa explanação toma como ponto central o caráter étiiico da
interação política dos Potiguara nas mais variadas arenas. Nesse sentido, buscan~os
compreender dos níveis mais básicos de etnicidade até os mais complexos. Numa çradação
realizada de modo superficial poderíamos dizer que na base encontramos como elementos
seja, território e parentesco, intimamente ligados, pois é índio aquele que é fiIho.de índios e
índios são aqueles que detêm o acesso exclusivo as terras da região, delimitadas por uina
instância superior de poder que os incorpora a uma sociedade mais ampla. Desse modo, os
particulares, pelo menos dos mais pobres, é conseguir um pedaço de terra para trabalhar,
0'
numa região em que o acesso a esta é escasso. Assim, se as fronteiras são porosas
permitindo a incorporação de elementos estranhos ao grupo, este processo não se clá sem
onde os primeiros são muito mais numcrosos que os segundos. Nesses casos as disputas
grupos, ora apelando para as prefeituras e os políticos regionais, ora apelando para a
política oficial de indianidade promovida pela FCTNAI e outros órgãos, como a FUNASA.
,
'
.,,
n l l ~
É essa relação com os aparelhos de Estado, tidos como fontes de recursos e bens,
,,..stitui
~ n n o principal espaço de produção e distribuição do poder entre os Potiguara
Nossa análise dos processos políticos de constituição e legitimação das lideranças leva em
conta o seu papel de intermediários na relação entre o grupo e as agências de contato. Esse
etnológica (vide Azevedo, 1986; Moonen & Maia, 1992 e Vieira, 2001) como o interesse
procurador Luciano Mariz aia^ na intenção de entrevistá-lo para esta dissertação e ele me
dissc quc cra prcciso sabcr sobrc quais bascs sc assentava a Icgitirnidadc das 1ic;lcranc;as
Potiguara, para que o Ministério Público pudesse agir na responsabilização dos in(livíduos
Da ótica de uma das agências responsáveis pela defesa constitucional dos direitos
indígenas, Luciano Maia pontuou um grave problema que atinge os índios, o da enorme
arrendamento e os demais habitantes das aldeias que vêem suas terras de trabalho e o
mangue serem devastados pela monocultura canavieira. A partir do momento que tais
Público deseja identificar os responsáveis por tais atos. Contudo, a conjuntura política local
impede, muitas vezes, que se chegue a esses Iíderes. Na maiona dos casos, os mesmos são
Tais situações são claramente prodi~tode sete décadas de exercício do poder tutelar
7
O Dr. Luciano Maia ioi procurador do Ministério Piiblico c111 João Pess-da e ateou durante o pro<:esso dc
demarcação da terra indígena Jacaré de São Domingos e na resolução dos arrendamentos que tomavam conta
do território Potiguara no inicio da década de 1990. Publicou ein conjunto com Frans Moonen o livro
Etnohistória dos Indios Potiguara (1992). Além disso. é membro do Conselho Estadual de Direitos Huinanos
e como professor da Universidade Fcdcral da Paraíba permitiu a intennediação de atores dcstas duas agencias
no campo político Potiguara. notadamciitc nas qucslõcs relativas a dcinarcação de tcrhs c a conflil~ss ~ h E
Q
uso dos recursos naturais.
grupo étnico em disputa pelo coiitrole dos canais de acesso a recursos e b instâncias
população beneficiada pela assistência desses dois órgãos, e passadas a época dessas ações,
conceder declarações e atestados de indianidade para as pessoas que, por alçuni niotivo,
não foram contabilizadas. Estes fatos nos levam de volta a discussão presente nos tra.balhos
sobre o grupo, de quais seriam os meios e as bases através dos quais se constrói e
2000 e Brasileiro, 2004, entre outros) destacam-se considerações a respeito das tensões
1988) - que enfatiza a família nuclear como unidade básica de produção e consumo, em
critica aos trabalhos e Moonen & Maia (1992) e Vieira (2001), observamos que os carsos e
Índios, vigente da segunda metade do século XIX até as duas primeiras décadas do século
X X . Tal posição, ao que parece era uma atualização dos cargos d e diraelores de nldeicr e
Janeiro e citada por Baumann (198 I), consta que o cargo de liegerile era exercido poi-
indios nas aldeias de Alhandra, Jacoca, Monte-Mór e São Miguel na década de 1860. De
acordo com os primeiros relatórios do Serviço de Proteção aos índios a respeito dos
1913, afirma que os indios de Grupiúna e das cabeceiras do rio Jacaré faziam suas festas na
igreja da Vila de Monte-Mór, onde ainda havia "alguns índios dispersos". E que os indios
de Estiva Velha, de Jacaré do Meio e Jacaré de Baixo, Laranjeiras, Santa Rita e São,
Francisco faziam suas celebrações na igreja da Vila São Miguel. Tal assertiva faz
"ieira (2001, p. 85 e seguintes) identifica iiessas atribuições rituais e no parentesco a fonle da legitiinidadc
política dos lideres Potiguara. O que considero reducionista, uma vez que não contempla a relaç20 necesdria
com o poder esercido pclas agências dc Estado e o papcl dc intcrmcdiários na distribuição de reciirsos quc as
lidcranças indígenas assumcm.
Como vimos anteriormente, em 1923, um outro relatório do SPI (SEBOC/MI.
Cyriaco como chefc c ajudanlc do chcrc rcspcctivamentc Os dois rclatórios citam a aldcia
oriciitação do órgão tutor que preleiidia substituir a igreja e sua ação catequética
Manoel Santana é citado por Vieira (2001, p. 85) como o Iíder que anga.riou mais
prestígio e legitimidade frente aos índios no último século, sendo tratado por alguns como
campo e nos parece que tem a ver com dois fatos: o primeiro, foi o de Manoel Santana ter
liderado um grupo de índios ao Rio de Janeiro para pedir a proteção do SPI, sendo
atendido com a instalação do Posto; e, o segundo, o seu papel como intermediador das
relações políticas e de trabalho dos índios da sesmaria de São Mguel com a pFncipal fonte
Como vimos, ao ser instalado o' posto indígena na década de 1930, o SP'T procura
população causou alguns choques com os líderes Manoel Santana e Pedro Ciriaco que
pretendiam também exercer o controle sobre os recursos da área indígena (Peres, 1992).
Como vimos mais acima, em 1942, Manoel Santana vem a falecer e o SPI não reconhece o
direito de Pedro Ciríaco a sucessão, conduzindo Daniel Santana, filho de Manoel, ao posto
de iirxalra, após a tentativa fmstrada de colocar João Batista no cargo. A comunhão de
interesses que não havia conseguido realizar com hlarioel Saritana o SPI, logrou fazer com . .
Apesar da escolha do SPI ter recaído sobre Daniel Santana, os índios de São
Francisco mantiveram Pedro Ciriaco como seu líder, marcando uma posição de autonomia
frente ao centro de poder representado pelo Posto Indígena. Esta divisão do poder na área
administrada pelo posto perdurou até a década de 1980, com a formação de duas
"linhagens" de chefes: uma na aldeia São Francisco, onde os líderes eram escolhidos pelos
índios e a outra no Forte, sede do Posto Indígena, onde era o órgão tutor que nomeava os
líderes.
Em São Francisco, a sucessão deu-se de Pedro Ciriaco para seu filho Manoel Pedro
e deste a João Batista Faustino. No início da década de 1980, num contexto marcado pela
penetração das usinas de cana e pela luta pela terra, Batista Faustino foi substituído
,*
por
Conselho Indigenista Missionário - CIMI - que estavam estimulando os índios na luta pela
terra. Severino Fernandes foi escolhido 'como líder sob inspiração do movimento indígena
Moonen & Maia (1992, p. 127) afirmam que a escolha de Severino Ferna.ndes deu-
se por influência do ClMI que pretendia "destituir" Daniel Santana do cargo de Tuxalra.
Pouco depois do conturbado processo no qual o exército terminou por demarcar a Terra
intermediárias que são os caciques das aldeias. De acordo com Azevedo (1986) e Moonen
Maia (1992) paralelo ao proccsso dc rnobilização dos íridios pela demarcação díis tcrras,
índios. Os agentes do CIMI e os íridios dc São Fraricisco opuseram-se a este projeto, que
foi endossado por Daniel Santana e os lideres de outras aldeias como Gaiego, Forte, Jacaré,
Estiva velha, Cumaru, Tracocira, São Miguel, Silva, Camurupim ctc. Estc!; lídercs
Estes lideres não surgiram do nada ou foram produto da interferência das usinas.
Antes disso, já exerciam um certo tipo de liderança em seus grupos familiares, geralmente
a designação de noiteiros ou rtoiiaros, por serem responsáveis pela animação das rioites de
deviam exercer algum tipo de representatividade frente aos seus parentes e vizii~hos,ao
maiores até o liegertte em São Francisco (cf Azevedo, 1986 e Vieira, 2001). Tal lorma de
adentrar a área indígena contribuiu para que estas figuras que já çozavaiii de certo prestígio
político e ritual, conseguissem se firmar fiente ao órgão tutor e outras instâncias de poder
como representantes de suas comunidades, ainda mais no período de grave crise que
envolveu a demarcação das terras indígcnas entre 1978 e 1984, no qual, tanto os lideres de
São Francisco como Danicl Santana saíram desgastados. Alguns destes lideres emergentes
foram chamados por Moonen & Maia (1992, p.128) de "caciques da cana" ou "índios
Daniel Santana faleceu em 1986 e a FUNAT indicou seu filho Heleno, como novo
Cacique, função para a qual ele não demonstrou muita disposição após alguns anos,
fosse confirmado como Caciqtre-Geral pelo órgão tutor durante a década de 1990.
funcionários do SPI ainda vivo, foi criado no Forte e conseguiu estudar até o nível médio,
tendo conduído o curso de técnico agrícola. Duas irmãs suas fazem cursos universitarios e
são professoras de escolas indígenas e o irmão mais novo também é técnico agrícola.
É na aldeia do Forte, inclusive, que se encontra uma certa "elite" dos índios
Santana, que depois de ocupar o cargo tornou-se prefeito da Baía da Traição, por dois
Brasil, em 1992.
indígena numa reunião na aldeia do Forte. Através destes contatos Caboquinho chegou a
Espírito Santo - APOINME. Depois de morar em Brasília e ter viajado para a Alemanha e
Holanda representando essas duas entidades voltou para a Baía da Traição e lá passou a
destacado nas aldeias de Cumaru, São Francisco, Vila Monte-Mór e Jaraguá, onde além da
,*
Em 2000, Capitão foi eleito vereador pelo PT. Em 2001, conseguiram levar o índio
tempo, Djalma tinha sua liderança questionada por suspeitas de que estava se apropriando
de albwns recursos que vinham para os indios, como uma casa de farinha comunitária,
Nesse mesmo ano, numa reunião com as famílizç do Forte, Heleno Santana indica
Caboquinho como seu sucessor na linha dos líderes oficialmente reconhecidos pela
9
Ein São Francisco conseguiram o apoio de uina das associações coinunitárias, eiti Cuinaru. o apoio do
cacique Luís; em Tracoeira, do Cacique Davino entre outros.
policiais federais e agcriies do IUAMA ciii toi-tio da coiistrução irregular de alsuiis viveii-os
de camarão na área de mangue que está scb prote;ão permanente foi !evada ao Ministério
Público para que este intermediasse a resolução. Neste processo, a atuação de Capitão e
os índios responsáveis pelos viveiros o que 1Res garantiu o apoio dos Iíderes das aldeias de
Tramataia e Camumpim.
o seu ato de posse com um grandioso ritual as margens do Rio Sinimbu onde foi batizado e
,'
arrendamento nas aldeias de São Francisco, Tracoeira e Cumam. Suas ações chegaram
inclusive a destituir o cacique Luis da liderança da aldeia Cumam, num ato marcado pela
indígenas reavivou os dilemas a respeito das forrrias de controle e utilização das recursos
organização marcada pela objetividade e pelas formalizações, mas, pelas alianças entre os
grupos familiares e de interesse e as disposições dos jogos políticos com o 8rgão tutor e as
demais agências. A disputa por recursos em um campo povoado por agências e estruturas
de poder provoca o surgimento de cisões e grupos concorrenciais que numa situação social
mistura.
atores sociais envolvidos nestas relações: agentes do Estado, posseiros e índios (<:f Arruti,
1989). Os rótulos étnicos são, então, produtos dessas lutas, ainda mais em formações
dos interessados nas terras indígenas como pelas facções da mesma etnia em confronto
pelos recursos das políticas públicas destinadas aos índios. Cada grupo aciisa o outro de ser
Antes de ser uma concepção nativa exclusivamente indígena, como Vieiira (2001)
papel de diferenciador no acesso aos recursos produzidos pela ação tutelar. Tentamos aqui
seguir as ponderações de Oliveira (2004, p. 19) de que a afirmação dos rótulos da mistura
sobre as populações indígenas deve receber mais atenção, ' i o i s permite exp/icita,r*i~alores,
homenagem aos santos padroeiros e não a diferenciação produzida pela ação do Estado no
a fronteira étnica ganha novos contornos e a distinção entre os que são alvo da proteção
oficial e os que dela são excluídos deve tomar-se clara. Desse modo, constituiu-se um
espaço propício para o desenvolvimento de retóricas da mistura, levadas adiante tanto por
municipais, impondo agenciamentos sobre populações (Artuti, 2001, p. 218) ela irá se
repoduzir ao longo do século XX para evitar que se reconstituam os territórios nativos por
meio da ação do órgão indigenista. Nesse sentido, os posseiros do rio Camaratuba enviam
'j)lwvidZtlcia.s er~&r~ica.sjirt~/o
ao Scrvi~ode I'roic~ão
aos jtldio.s set~ticl'o.fazer sustar i~~cursõesit~di~lid,ros
qlre se
dizem caboclos sz~borditiados I'ôsto It7dige)ia Haia da
Tiaição 0.7 qlrais invadem nossas propriedades c..) 13.s.re.s
itidii~id11o.rque se dizem ítidio.~o11 caboclos são ,Ia maiona
poriadores de /itlrlo de eleitor conierciat~iesalmocreves e
an~hula~lies /)revalecetido-se falsa idetliidade caboc!u para
abi~~rn~-eni ia1 prerrogatii~asómoite itr/trito de etieflciar-se
/)~'od~~io.s/)ropriedades alheias ..j o I'osto I~ídigetiaesiá
itld!feretlie as nossas cotaiaiiie,~reclamações." (cit. em
Arnorim, 1970, p.3 1).
outro lado, a população mais pobre da região, compelida pela falta de terras, vem
demonstrar.
E essa tentativa de incorporação de não-índios ao ciclo de distribuição de recursos
promovido pela indianidade tutelar que causa as mais freque2tes acusações faccionais
entre os Potiguara. Não há aldeia que não conte com a presença de regionais. Mesmo São
Francisco, tida como a que guarda a população Potiguara mais pura e tradicional - a aldeia
mfie, como os indios costumam dizer - apresenta não-índios convivendo lá desde longa
São Francisco não é só tida como a mais tradicional das aldeias, mas como a
origem de muitas famílias que fundaram outras aldeias (cf Vieira, 2001) abrindo roçados e
como aquela que resistiu durante mais tempo as imposições do órgão tutor. Vários autores
(Azevedo, 1986; Moonen e Maia, 1992 e Vieira, 2001) apontaram a rivalidade existente
entre as aldeias de São Francisco e Galego, por exemplo, onde os habitantes da primeira
acusam os da segunda, e de todas as outras aldeias por extensão, de que não querem
,'
mais
ser indios, ou de só o ser para adquirir os beneficios oriundos da assistência oficial. Por seu
turno os habitantes das outras aldeias alegam que os índios de São Francisco, os C~ahoco.~
do SIlio, são mais atrasados e agressivos e que só querem os recursos para si,
recebe e quem perde tomam-se mais árduas e atingem o nível de verdadeiros dramas
sociais, como podc scr pcrccbido, por cxcmplo, no caso da luta dos índios de Monte-Mór
l.'riorizados'' (Oliveira, 2004, p.28), enfrentando para isso, a força dos iatifundiários, o
31NA)S CONVENCIONAI~
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;R ta I I I D ~ ~ C H A POTJVUARI a c u r m ~ ~ ~ f o
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serra da Borborema, recebendo as águas de riachos quase secos pela ausência de chuvas e
atravessando uma das zonas de colonização mais antigas da Paraíba. Terras d6 engenhos e
macaxeira. Próximo a sua foz, o rio banha a cidade homônima. Mamanguape, velha cidade
do açúcar na Paraiba, como Santa Rita, Pilar e Areia. Suas igrejas centenárias testemunham
o tempo do poder dos senhores de engenho e da escravidão, assim como a sua matriz de
São Pedro e São Paulo lembra o primeiro aldeamento missionário de íiidios na região,
para os altos do rio da Preguiça em virtude dos conflitos com os senhores de engenho que :
' Algumas epígrafes serão grafadas em caixa alra. pois é assiin que aprecem em uma canillia elalmrada pelos
índios de Monte-Mór e que conta a "sua liistória".
96
Este era um ponto estratégico para um aldeamento missionário, localizava-se numa
solo de massapê, água em abundância e bons portos naturais. A fixação dos índios nesta
alem de proteger uni dos pontos mais vulneráveis da costa entre a Paraíba e o Rio Grande
contra invasões de outras polências colotiiais. Ao longo dos séculos XVII, XVIII c XIX a
da região.
de uma relação especial entre a santa padroeira, Nossa Senhora dos Prazeres, e os
aldeados, que a tinham como milagrosa, pois foi achada nas matas pelos indios.
Além disso, a santa não se adaptava em nenhum outro lugar. Contam que certa vez
ela foi levada para a igreja de São Pedro e São Paulo em Mamanguape pelo Padre João e.
quando ele fechou a igreja, ela voltou para a capela da Vila se recusando a sair de lá. Então
ela foi levada para Roma para que fosse estudada sendo eliviada uma réplica para. ficar em
seu lugar. A Vila Monte-Mór seguiu habitada pelos indígenas, fulcro de sua identidade
étnica, até a primeira metade do século X X quando estes se viram forçados a abandonar o
local com a chegada dos irmãos Frederico e Arthur Lundgren. Estes dois eram
iiistalaçiío da Fábrica de 'Tecidos Rio 'I'itito deu inicio ao regime .de terror, esbulho e
A primeira vez em que estive na área indígena, foi durante a I Assembléia do Povo
Indígena Potiguara, realizada na aldeia Estiva Velha nos dias 10 e 1 1 de abril de Y 999. Lá,
vi um senhor de idade - de pele beni escura, chapéu na cabeça e capanga de coHro embaixo
do braço - pedir licença a mesa que conduzia os trabalhos e relatar, numa voz.,pausada e
firme - com um carregado sotaque da região - a história da usurpação das terras dos índi~s
de Monte-Mór. Era Seu Domingos, cacique da aldeia Jacaré de São Domingos, que nos
últimos quinze anos havia lutado arduamente pela demarcação das terras de sua aldeia
enfrentando todo o aparato repressor da Usina Miriri, formado por pistoleiros, policiais e o
próprio sistema judiciário. Por ordem da juíza da comarca, Seu Domingos chegou a ser
preso por 48 horas na. cadeia de Rio Tinto por liderar a oposição dos índios contra os
fortc rclaio, contando corno o í'oro~tclFicdcr-ico Lundgren fazia para expulsar os índios de
Esta narrativa retrata a violência e o terror que se instalaram nas terras da Sesmaria
terra pelos cabocos, ressaltando a doação feita entre compadres do direito de uso de uma
posse, destacando-se a interdição em comercia-Ia. O que nos leva a supor que, mesino com
continuidade das relações entre os membros do grupo e o espaço. Significativo disso são as
afirmativas perante o Corortel de que as terras pertenciam aos cabocos e a Nossa Senhora
dos Prazeres.
Pcço desculpas ao leitor pela transcrição iiiuito extensa. periiiiti-inc coloci-Ia ciii Iioiiienagciii a Scii
Do~iiingos,falccido ein íevcrciro dc 2003, e porquc este relato sintetiza muitas das experiências sociais dos
Potiguara com relação a sua noção de temtório, as categorias étnicas operacionais e a violência a que forain
submetidos pela Coinpanhia Rio Tinto. Por outro lado, a narrativa não 15autoexplicativa. Ela foi transcrita do
registro ein SuperVHS da Asseinbldia supracitada e alguns trcxlios estão inaudíveis. Em nenliuin inoiiiento
Seu Domingos se refere noininalmente ao Coronel Frederico Lundgren, embora fique claro que é dcle que
está falando, daí optei por marcar com uma inicial maiuscula as palavras que substituein o nome do Coronel
("Homem" e "Ele"). Da mcsma fonna, optci por marcar com inicial maiúscula todas as vezes eiii que Seu
Domingos se refcria ao "Cabôco" como uin pcrsonagcin individuali7r;ido. apesar da nariativa rcssaltar uina
violSncia histórica coletivamente vivida.
Seguindo a narrativa, podemos perceber que a ocupação das terras indígenas pelos
Lundgren deu-se de forma gradual, mas rápida. Pois, inicialmente adquiriram através de
compra, uma propriedade em Três Rios, talvez o engenho mencionado nos relatórios do _ _
S .
.-
..-:
engenheiro Justa Araújo. Outros índios, como Seu Vicente Espindola que mora na Vila
Regina em Rio Tinto, relatam que primeiro G Coronel cornprou o engenho da Presuiça e as
terras que iam até Maria Pitanga, limitando-se com os índios ao longo do rio Vermelho. De
acordo com seu Vicente, a Fábrica de Tecidos começou a ser construída 1918.
Outras fontes (Amorim, 1970; Baumann, :981) informam que antes mesnno dos
força de cerca de 30 títulos de terras dos índios. Vendendo-os depois para os .Lutidgren.
Por volta de 1917, Artur Góes e Ornilo Costa, intermediários da CTRT são enviados a
região para comprar terras e preparar a instalação da fábrica. O senhor Alberto César, que
recompensa por ter lutado na Guerra do Parabwai, vendeu este terreno para os .Luiidgren.
posses dos índios na Vila Monte-Mór. Documentos do Serviço de Proteção aos índios dão
a entender que em 1939 teria sc dado o cotiflito envolvendo os iridios da Vila contra a Cia
Rio Tinto.
Pedro Lourenço, ou Pedro Belmiro, como é mais conhecido na memória dos índios
da Vila Monte-Mór, teria liderado a resistência a expulsão pela Companhia de Tecidos Rio
Ferreira Viana. Mas nem mesmo o Serviço de Proteção aos Índios pode fazer frente a
"M~ri/o.s
irtdio,~morreram e .ficoir bem poirco. 0 s clrre
.ficotr se chegaran? S í,í,nil)arihia. NZío f i ~ ~ com
h a c/ire brigar.. * ,
A Curiil~arthiaconi 200 huniem arniado de cipó-pair e rifle.
Nessa época ttão exisfia policia, ttão. Qire a /)olícia s(j erlr
eles mesmo, os ipigia, e f t ~ d omal. O qire eles chaniava esa a
Amorosa, rtesse femjjo. " (Seu Vicente José da Silva, Jaraguá,
agosto de 2004. acervo do GT Indígena)
vigias era seu amigo e lhe avisou para que fosse embora antes que viessem matá-lo em sua
casa. Segundo Seu Antônio Cândido, natural de Jacaré de São Domingos e morador na
Vila Monte-Mór a muitos anos, Pedro Lourenço fugiu de noite para Gmpiúna, onde ficou
vivendo uns tempos num casebre de palha na beira do rio, trabalhando escondido no seu
procuravam, até que descobriram seu paradeiro e ele foi obrigado a fugir novamente,
/
abandonando tudo.
mais, mas esse número é o que ficou marcado na memória das pessoas. As torturas e
mortes eram realizadas nas instalações da fábrica ou no meio do mato, em lugares ermos.
Na fábrica, falam que os índios eram atirados dentro de uma das caldeiras. Havia um lugar
na Mata do Burro D'água onde dentro de um buraco tinha umas agarras de ferro, onde os
cahocos eram atirados. Aqueles que ficaram negavam ou não eipunham a identidade
No lugar das casas de palha dos índios a Companhia construiu uma segunda fábrica
e uma vila operária onde muitas famílias indígenas foram reassentadas, a Vila Regina.
Nestas casas, as condições de vida eram precárias, sendo que dependendo do número de
quartos de cada residência, se dois, três ou quatro, igual número de famílias era obrigada a
aí conviver. Em cada rua, vigias ficavam de prontidão circulando para coibir qualquer
domicílio
criaram uma estrutura de poder que enfeixou todos os aspectos da vida social nesta região
durante mais de cinco décadas. A cidade de Rio Tinto é produto da fábrica, que com sua
vida religiosa e do lazer (cf. Panet et Alli., 2002). A expropriação violenta das terras
indígenas impediu que a identidade étnica continuasse operando como uma forma de
organização social explícita, sendo banida para os subterrâneos dzs memórias familiares,
Estc c uin outro poiito a scr dcslacado, a rorinac;ão do corpo de agentes repressores.
exercício da sua dominação sobrc uma população, cada vez mais heterogênea, atraída pela
oferta de trabalho que a fábrica representava. Aos vigias era dispensada a incumbência de
.- . -
estado arregimentados por funcionários da Companhia, principalmente nas cidades que , .-
numa categoria étnica, que qualificava todos os chegados de fora, em oposição a categoria
de caboco que era resguardada aos antigos moradores do lugar, aos da Baía da Traição e de
dando-se preferência aqueles que já haviam servido nas forças policiais. O Sargento
Barreto, morador de Marcação, é o paradigma desses sujeitos sociais que transitavam entre
Sargento Barreto, que casou-se com a índia Emilia Gomes de Brejinho, geralmente, os
com a população que deviam coagir. Este tipo de aliança também era procurado não só
pelos cabocos como pelos outros trabalhadores de modo a conseguirem alguma margem de
social de Rio Tinto - até porque isto já foi tratado por outros autores numa perspectiva que
destacava os aspectos ui-banos c iridustriais (Panet et all, 2002) - mas sim na análise da
indígena. Certos eventos marcam a memória dos índios a respeito de suas relações com a
Os índios que ficaram vivendo sob o domínio dos Lundgren relatam a época de
dominação patronal. Sob esse regime viviam muitas famílias de caboclos misturadas aos
sertanejos que eram trazidos para trabalhar. As memórias relatam também uma vida
agitada na cidade, com feira movimentada, festas e cinema. Quem vivia da agricultura
produzia quase que exclusivamente para abastecer a cidade e pagava renda3 e diárias a
Companhia. . .
Durante todo esse tempo criou-se também um folclore em torno de Rio Tinto e da '
origem alemã dos seus proprietários, na verdade sJecos, mas ao que parece simpatizantes
dos regimes totalitários das décadas de 1930 e 1940. De modo que muitas histórias'sobre o
campo de pouso e o casarão afirmam que estes eram destinados ao acolhimerito de Hitler,
no final da Guerra. Com a vitória dos aliados, em 1945, uma multidão depredou o casarão
Rio Tinto tornou-se uma poderosa cidade industrial com agitada vida urbana e
passaram menos de três décadas. Contudo, ao longo das décadas de 1960 e 1970 o modelo
suas portas. Até que nos anos 1980 vendeu grande parte das terras que possiía para. Usinas
- -
Nacional do Álcool, que visava estimular o setor canavieiro do país através de incentivos
nácional de veículos, em virtude da crise mundial do petróleo de anos antes. É esse projeto
,
'
que impulsiona as usinas de cana dos estados da Paraíba e Pemambuco a avançare. sobre
novas áreas antes exploradas apenas pela agricultura de subsistência, seja com a compra e
Nesse período, a Cia Rio Tinto começa a negociar com as usinas as terras que
corporação passam a exercer o controle sobre vastas áreas antes de posse da CTRT. Os
desmatamentos para o plantio de cana e a expulsão de pequenos agricultores, foreiros e
estes grupos subalternos a se organizarem na defesa dos seus direitos de acesso a terra e de
mobilizar demarcação das terras indígenas e no que isso significa para a reformulação
produto destas novas situações políticas e econômicas na região. Nossa narrativa a respeito
dessas mobilizações seguirá mais ou menos a seqüência de eventos que levam a 111fnpelas
Monte-Mór é composta pelas seguintes aldeias: Lagoa Grande, Nova Brasília (lbiquara) e
Tinto.
dizer que uma parte da população destes povoados passou a reivindicar o seu .
que moram como í~ldiose aldeias. A narrativa desta luta é a de uma.en~ergêrtciaéfilica que
Por que falamos aqui de uma emergência étnica? Pelo fato de que os principais
grupos Potiguara que reivindicam a demarcação da terra indígena hoje n-i30 eram
reconhecidos enquanto tais, nem se mobilizavam para isso antes dos anos 1980, inicio da
luta pela terra. O atendimento que o posto indígena oferecia a população de descendentes
dos índios da antiga sesmaria de Monte-Mór era residual e periférico, uma vez que estas
terras se encontravam sob controle da poderosa Cia de Tecidos Rio Tinto. O própriio órgão
indigenista, nas propostas de demarcação que aventou ao longo do século XX, considerava
muito difícil a retirada da CTRT destes locais, não incluindo-os portanto em nenhuma das
possibilidades de demarcação5.
Jacaré (Lagoa Grande, Jacaré de São Domingos e Nova Brasilia) esta se confiindia com os
1
Apesar do desconforto e das ressalvas que os próprios antropólogos fazein ao utilid-10, o terino emerg2ncin
étnica, assim como etnogênese (Banton, 1979; Gallagher, 1974; Goldstein, 1975; Sidcr, 1976): vem sendo os
mais cornumente citados na literatura especialbada para referir-se aos processos de forinação de grupos
sociais politicaincnte organizidos coin base cin alinliainenlos identitários alicerçados iio scntiinciito dc
origein comum, que os difercncia do rcsto da população de cstados nacionais,'@rincipalraentc aqueles cuja
!!!s!irin_ está inarcada pcla colonização, escravidão ou iinportação de trabalhadores imigraritcs. Pa.m uma
definição dos grupos étnicos corno forinas organimcionais veja-se Barth, 119691 2000; Webcr, [ 1921) 1991 e
Colicn, 1969. 1974, 1985 enlrc outros.
A cssc rcspcito vcja-sc o traballio dc Azcvcdo (1986) sobre o proccsso dc deinarcaç.20 da Tcrra liidigcna
Potiguara e os inapas quc o acornpanliarn. Ncstcs inapas, difcrentcs propostas de cxiensa'ò parí a TI Poliguara
são aventadas, ncnhuma dclas incluindo os povoados ao sul de Marcação.
estes realizados por meio de laços de pareiitesco e pela participação comum nas festas dos
realizada pelo Exército em janeiro de 1984 e que contemplou a área Potiguara coni apenas
20.820 ha dos 34.320 ha pleiteados pelos indios. Também excluída dessa demarcaqão foi a
aldeia Gmpiúna de Cima. Devemos lembrar, contudo, que mesmo esses 34.320 ha
de outubro de 1983, em Lagoa Grande, quando foi morto e esquartejado Elionai da Silva
Freitas, técnico agrícola da empresa Rio Vermelho. Tendo sido responsabilizado José
Soares (cacique de Lagoa Grande) e mais seis índios, incluindo alguns filhos deste. No
decorrer da perseguição judicial e policial que se seguiu estes indios foram acolhidlos em
São Francisco por dois anos. Azevedo (1986, p. 234) comenta que este "episOdio $)i
Analia; soçro do atual cacique de Três Rios, que as vésperas do assassinato do capataz, a
B!Bf ETECA CENTRAL / UFPB
Rio Vermelho vinha pondo obstáculos a utilização das áreas de uso comum nas matas e
capoeiras, chegando inclusive a fechar com uma cerca a estrada que levava de Marcação
para o Porto no rio Mamanguape, onde todos os dias as pessoas iam pescar. Essa cerca foi
logo derrubada pela ação cotijutita dos pescadores de Marcação, não sendo mais recrguida.
Esses fatos alargam o entendimento do fato da morte do capataz da Rio Vermelho como o
desfecho previsível de um conflito pelo acesso aos recursos naturais que vinham sendo
restringidos pela instalação das empresas canavieiras no lugar da antiga Cia Rio Tinto.
pela demarcação de suas terras, quarido um grupo familiar da aldeia, liderado por Elita
Pereira da Cruz, tentou vender os lotes distribuídos no século XIX, e dos quais eram
herdeiros. para a Usina Miriri No seniido de impedir essa transação. os índios de Jacaré de
São Domingos, liderados pelo cacique Domingos Barbosa dos Santos e com o apoio da
demarcação de suas terras como parte da antiga sesmaria dos indios de Monte-Mór
para os atuais descendentes daqueles índios que receberam os lotes distribuídos pelo
engenheiro Antônio Gonçalves da Justa Araújo em 1867. Uma comissão de índios formada
por João Batista Faustino, José Augusto Sobrinho, Domingos Barbosa dos Santos, Vic:ente
José da Silva e Manoel Bernardes dos Santos segue até Brasília, em maio de 1986, para
Os indios de Jacaré de São Domingos não contaram com o apoio das outras aldeias
Potiguara durarite muito tempo, apesar de nu início a demarcação das terras ter sido uma
luta conjunta. Os graves dilemas que envolviam na época a utilizaçãodos recursos da terra
indígena demarcada, como por exemplo, a obrigatoriedade da extinção dos arrendamentos,
de cana que estavam em disputa com os habitantes de Jacaré e Gnipiúna, impediram que
houvesse uma continuidade de interesses entre os indios que já tinham sua:; terras
demarcadas e aqueles que ainda não as tinham (como poder ser visto em Azevedo, 1986 e
Desse modo, os principais agentes que colaboraram com as lutas dos índios de
Jacaré de São Domingos e, depois, de Jaraguá foram trabalhadores rurais de outras áreas
Trabalhadores na Agricultura.
Domingos, foi-se construindo uma identidade étnica Potiguara específica, pyis, se essas
aldeias foram excluídas da demarcação da Terra Indígena Potiguara por esta ter-se .baseado
nos limites da antiga sesmaria de São Miguel (opção demarcatória encampada pelo órgão
para isso, valiam-se da massa documental reunida pela FUNAI para realizar a demarcação
da terra Potiguara - O relatório Baumann (1981). Isso fica claro num relatório que
dos advogados da Cia Rio Tinto e da Usina Miriri, que afirmavam não mais existireiri
índios nas terras da antiga sesmaria, e a posterior demarcação da terra indígena Jacaré de
São Domingos, com 5.032 ha em 1988, abriu o precedente e a perspectiva de que outras ,
Nessa época, na Paraíba, não eram apenas os índios Potiguara que estavam
mobilizados pela conquista de terras, mas muitas populações camponesas, formadas por
zigrhria (cf. Morcira, 1997). No iiiuiiiçípio dc Itio l'into as duas lutas sc aproximavam
das terras que ocupavam depois que a CTRT as vendeu para as ~ s i n h s Maria
. Emília
Moreira (1997) no livro "l'or ttnt I'edaqo de (:/~ão"
cita, na década de 1980, os casos dos
conflitos tùndiários em Rio Tinto envolvendo as fazendas Tatupeba, Pacaré, Tavares, Rio
alguns desses conflitos, a presença indígena era quase nula e não havia relações com as
antiga Vila Monte-Mór, que fora queimada pela Cia. Rio Tinto, tendo como'priricipal
ponto de referência a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres. Outras famílias sustentai~ama
descendência de índios que haviam recebido lotes de terras no século XIX - era o caso de
várias famílias de Marcação, assim como as de Jacaré de São Domingos. Outras, haviam
(famílias espalhadas por Jaraguá e Monte-Mór). Há, ainda, aquelas que reivindica111 sua
origem em Vila Flor, velho aldeamento missionário no Rio Grande do Norte, (:orno
justificativa para serem reconhecidos como índios - é o caso de uma fmilia extensa em
Jaraguá, mas tainbéin de outros grupos que, no entanto, alegam que seus bisavós
transitavam entre as duas "terras de índios", tendo em algum momento se fixado
A luta pela terra e a elaboração de uma nova identidade étnica - menos residual e
carregado de conflitos e que passa por rápidas mudanças nos esquemas de controle dos
recursos naturais. Até a década de 1980, mais ou menos, a Companhia Rio Tinto ainda era
de gerentes e vigias que se definia como os recursos (madeiras, acesso ao mangue, terrenos
para roçados, etc.) seriam utilizados e por quem. Contudo, o processo de falência da (ZTRT
causou profundo impacto nessas relações, pois, a fabrica fechou as portas lançando a
cidade de Rio Tinto numa estagnação econômica completa. As terras que ocupava foram
lotes de terras que ocupavam para as periferias de Rio Tinto, Vila Monte-Mór ,'e Marcação,
canavial com defensivos químicos (ação que os índios chamam de aguar a cana) e o
secagem dos mananciais, bem como a completa escassez de peixes, moluscos e cnisticeos,
fontes primordiais de proteína e renda para a população da região. Sidnei Peres ('2000,
2002), nos artigos que escreveu a partir do relatório de identificação da terra indígena
6
Esse t o caso das famílias que se reivindicam o iiidio Cliico dos Santos como anceslral que. lendo circulado
cntrc Vila Flor c Montc-Mór dcisou vas1:i dcsccnd8ncia nas aldcias de Jacard dc São domingos. Lagoa
Grande. Grupiuna e Marcação.
7
Marcação só crnancipou-sc cin 1996.
atenta para os "cor?flifo,~
.socioanthienfai.srto '7entpo das IJ.sirtasn'como a principal causa
de sobrevivência que a luta pela demarcação das terras indígenas vai chegar até os
caboclos que viviam em Jaraguá, Monte-Mór e Marcação, como uma alternativa para a
nova situação de privação e miséria. Se antes, dizer-se índio era tornar-se um alvo da
repressão da Companhia, nos últimos anos passou a ser uma atitude de negação radical ao
poder das Usinas e da falida CTRT, um leão moribundo que ainda assusta pelo seu rugido
e pela força demonstrada outrora Afirmar a identidade indígena das pessoas e o seu
usufiuto que os latifundiários fazem das terras que compraram da Companhia Rio 'Tinto.
Uma nova memória começou a ser produzida, rearticulando eventos e experiências numa
legitimação, dando aos tcrmos caboclo e írldio um novo significado, não mais,suballerno,
Monte-Mór é minjmizada pelos advogados da Cia Rio Tinto e das usinas que, em rrções
judiciais, esforçam-se em negar a existência dos índios, afirmando que as terras que
A própria FUNAJ não escapa das crÍticas tecidas pela advogada Madalena Lianza,
que a acusa de mistificadora, ao carrear recursos para a área contribuindo para a adesão de
várias pessoas supostamente indígenas a reivindicação territorial. "IZu sejo isso como unia
está pegaltdo pessoas pouco esclarecidas de que a terra é deles, mas delas nmica foi, pode
A FUNAI também é alvo de reclamações por parte dos índios e de outros atores do
tempo e a realização dos estudos de identificação da terra indigena, foi tornando,se mais
publicamente reconhecida. Assim, mais pessoas foram aderindo ao pequeno grupo que
iniciou a luta pela terra, dando novos contornos a mobilização étnica. Em anos mais
recorte étnico na região. É o desenrolar deste processo que passo a narrar agora.
3.3. JARAGUA E O COMIZÇO I)/\ 1,II'I'A P E L A 'I'ERHA
Tudo indica que o início de uma mobilização temtorial em Jaraguá deu-se a partir
reforma agrária. Além de referências fornecidas em entrevistas com índios de Jaragua, nas
quais afirmam que o começo de sua hrfa contou com o apoio dos sem-terra e da CPT -
Comissão Pastoral da Terra, encontramos uma sugestiva citação no já citado livro "llor rlm
pedaço de chão":
pesquisa que resultou no livro e que constam nos arquivos da FETAG~e do INcRA~,
nenhuma outra informação sobre o conflito de terras em Jaraguá é registrada por essas
agências na década de 1990. Isso se dá porque uma parte de seus moradores passam a
Seu Vicente relata ainda nesta entrevista o apoio que ofereceu aos índios de Jacaré
de São Domingos, revelando uma luta conjunta que depois seguiu caminhos diversos.
Assim, em 1988 apenas as terras que envolviam mais diretamente a aldeia de Jacare
de São Domingos foram demarcadas, ficando o restante das terras sob o controle da CTRT
e das usinas. É neste período que começa a se destacar a liderança de Seu Vicente, em
Jaraguá, que articula umas poucas famílias indígenas em sua aldeia e nos povoados de Vila
os recursos econômicos estão mais ameaçados de restrição e os índios contam com o apoio
da FETAG e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Tinto (cf. Peres, 2004, p. 3).
imediato, o apoio das agências vinculadas a luta pela reforma agrária no Estado, o recurso
Pessoa são ressaltados nas interpretações acerca deste momento. Data dessa época também
o início da realização do toré pelos índios de Jaraguá e da Vila Monte-Mór como uma
forma de demarcar a identidade étnica e os posicionamentos políticos daqueles que
Ministério Público Federal uma solicitação a FUNAI para que sejam tomadas as
ficando o relatório pronto em 1996. A área identificada possuía uma extensão de 5.300
hectares, nos municípios de Rio Tinto e Marcação, incluindo as aldeias de Jaraguá, Nova
Brasília e Lagoa Grande, além da Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, marco do antiço
10
Frci Anastácio atuou durante muitos anos na Coniissão Pastoral da Terra e foi eleito deputado estadual pcla
primeira vez em 1996, pelo Partido dos Trabalhadores com uma grande base de aptoio entre as areas dc
reforma agrária do cstado.
1) aldeamento de Monte-Mór. Ficaram excluídos dos limites da Terra Indígena o perímetro
urbano de Marcação - sede de muiiicipio instalado ein 1996 - e as Vilas Regina e Monte-
Mór. A equipe de identificação ponderou que mesmo com a grande presença indígena
sobre a terra indígena a Usina Japungu, Rio Vermelho Agropastoril Mercantil S.A.,
FUNAI pelos representantes da Companhia Rio Tinto, das usinas e de plantadores de cana.
Luismar Melo, Emilio Celso Cavalcaiiti de Morais, Paulo Fernando Cavalcanti de Morais e
Tal decisão foi publicada apenas dois meses depois que os Potiguara de ~ o n t e - ~ ó r
despacho do ministro foi refutado e a FUNAI intimada a realizar novos estudos sem
em 2000 sob a coordenação de Sidiiei Clemente Peres, que identificou, num primeiro
momento, uma área de 5.800 ha, posteriormente ampliada para 7.487 ha, a qual foi
grande golpe contra a mobilização dos índios, frustrando suas expectativas de um desfecho
, ..
' ~ o ~ - a ~ uapo so!pu!
m sop epoisyq e
arqos (oqqnâad osoprea o~zaupqqolpu! olad epez!ue8ro eq~!~.re:, ep o q : , a ~ ~
Em virtude das contestaçòes judiciais ao processo de regularização fundiaria, da
que seu Vicente não estaria mais agindo com tanto afinco na defesa dos interesses dos
protnovido pela UFPB, criando associações indígenas tias aldeias, também contribuiu para
Antônio Culau. Em Jaraguá, Aníbal Cordeiro Campos foi escolhido cacique; na Vila
da luta, que passou a ser liderada pelos índios da Vila Monte-Mór (Vila Regina). A Vila
Monte-Mór e uma vila opcraria próxima a scdc do município de Rio Tinto, havia ficado fora dos
limites da terra indígena proposta em 1995 por ser uma área urbana (considerava-se que
companhia de Tecidos Rio Tinto que vinha cobrando judicialmente o pagamento dos
,'
aluguéis atrasados. . .
A mobilização liderada por Vado ganhou novo fõlego e angariou a disposição dos
Monte-mór como aldeia e a sua inclusão no território a ser demarcado, pela supressão do
pagamento dos aluguéis das casas habitadas por índios e para a retomada de pequenas
aglutinando aquelas famílias mais diretamente envolvidas com a realização do ritual como
as que estão a frente das reivindicações territoriais. O toré que registramos ria Vila Monte-
Mór cumpria a função de exteriorizar a identidade dos Potiguara que vivem lá, e não só
dos moradores, mas da própria terra, como algo indissociável da unidade étnica que
O cahoco pofigcara,
Nesfa terra ele nasceu.
IZIa é sanfa.ela é mãe.
Ela é do hldio, ela é de Ber~.s.
étnica, tomou-se uma hrirtcadeira do cotidiano. Os índios se reúnem para relembrar quem
são de forma alegre e desprendida, se pintam, dançam, comem e bebem. Sempre que há
abertura, todos se ajoelham e oram, num ato cristão, ao mesmo tempo em que afirmam
" Ncsic ponio dcsiaco1~-sca csposa dc Vado. Doii;i \.,ia. qiic cuidava da organização c disiribiiiç50 d;i coiiiida
durante o ritual.
estar pedindo a presença de seus antepassados. Esta é a forma por onde se expressam os
motivo de orgulho e prazer dançar o toré em praça pública. Alguns chegam a afirmar, num
tom emocionado, que ao dançar o toré hoje podem ser livres, por eles próprios e por seus
roda do toré em Monte-Mór lembramo-nos de que "A cvltura aparece ayiri conto a atttilese
de irm projeto colortiali.s/ade esfahilização, zrma vez que os povos a utilizam rtno a~>erias
para marcar sua identidade, como para retomar o cotitrole do próprio destino" (Sahlins,
poderosos do lugar, que Ihes roubaram as terras, poluem seus rios, não Ihes dão trabalho e
ainda cobram aluguel das casas em que vivem, ameaçando-os de despejo. Assim; o toré é
invocacio como expressão do ser indígena, patrimônio espiritual exclusivo dos Potiguara
Nessa luta pelo espaço de afirmação simbólica do grupo podemos perceber como O
de Nossa Senhora dos Prazeres e praticaiiiente o único elemento material que assevera a
existência da antiga aldeia dos índios. Nesse sentido, os Potiguara investiram, desde o
primeiro Grupo de Trabalho da FUNAI em 1995, para que ela ficasse dentro dos limites da
2001, p . ~ 8 - i 9 ) .
Por sobre os restos da antiga aldeia foi construída a fábrica, a vila operária e o
grande casarão dos Lundgren, modificando totalmente a face do antigo po;loado de índios,
uma marca das memórias da opressão e das profundas mudanças causadas pela Companhia
Rio Tinto. Sendo relembrada com freqüência nas narrativas sobre o passado, "Isso não era
cidade assim, não, isso aqlri era níata, mata, mala, mata".(D. Antônia Conceição de
. -
Assim, como muitos Potiguara já disseram, "a Vila c! oride /h toda a hi.vt~j~kI",
teceram suas vidas como operários e operárias têxteis, recriaram espaços de visibilidade de
sua nova condição social: primeiro, foi o toré, realizado no quintal da casa de Seu João
Cândido, de frente a uma das praças; depois, a construção de uma grande oca comunitária
numa das extremidades da Rua Nova para a realização de rituais, reuniões e aulas da escola
indígena que então se estruturava precariamente. A construção da oca foi embargada uma
primeira vez pelo delegado de polícia de Rio Tinto atendendo a um pedido da Companhia.
Vila Monte-Mór em agosto de 2003 os índios conseguiram proteção oficial para levantar a
Nesse meio tempo realizou-se a transferência do pólo base de saúde de Rio Tinto
local. O grupo de professores envolvidos com a escola indígena também logrou consolidar
sua posição institucional e ocupou um dos horários da escola estadual existente, adornando
Por outro lado, o problema com a cobrança dos aluguéis das casas ampliou o
circuito de reivindicações étnicas para outras famílias, que passaram a ser atendidas pela
FUNAi quando esta assumiu o pagamento das dívidas de 174 casas junto a CTRT, I--
indígenas pela perspectiva dos direitos. Muitos não mobilizam tima identidade indígena em
nenhuma outra situação a não ser naquelas em que o acesso aos recursos é garantido pelo
acesso aos direitos. Contudo, essa prática gera disputas entre grupos familiares,
1994, tendo elegido seu primeiro prefeito em 1996. Quando o engenheiro 14ntônio
Gonçalves,da Justa Araújo demarcou as terras dos indios de Monte-Mór e Baía da Traição
em 1866, Marcação já era referida como povoado, sendo que a linha divisória entre os dois
Durante o século XX, este povoado foi marcado pela dominação da CÓmpanhia de
Tecidos Rio Tinto que passou a controlar as terras da região e obrigava os indios e demais
Marcação era conhecido como Sargento Barreto e exercia o poder com mão dc: ferro.
macaxeira, mandioca, milho e feijão realizada nos terrenos mais altos, pela coleta de
se desfazer de parte de suas propricdadcs que são vendidas as usinas Japungu e Miriri. Ao
plantações de cana. Essas famílias são empurradas para o povoado onde passam a vender a
sua força de trabalho as próprias usinas ou pagar renda aos caciques da Terra Indígena
potiguara para trabalhar dentro da área demarcada. Essa prática de arrendamentos já era
antiga pelo que pudemos observar de listas de arrendatários do Posto Indígena nos tempos
envolto pelas terras indígenas Potiguara, Jacaré de São Domingos e Potiguara de Monte-
Grande, Nova Brasilia, Jacaré de César, Grupiúna, Jacaré de São Domingos e Três Rios.
órgãos. As primeiras mobilizações dos índios forain incentivadas por Seu Vicente, que
vinha de Jaraguá para fazer reuniões e dançar o toré. Segundo Bel, atual cacique de
2000, os índios de Marcação haviam ocupado uma pequena faixa ao lado da estrada que
fez-se sentir também ein Marcação, de modo que Antônio Culau, representante: ligado a
Seu Vicente, vinha sendo contestado por vários índios, principalmente aqueles liderados
por Josesí Soares, o Nêgo Si. As próprias agências indigenistas contribuíam para uma
remédios, atendimento médico e sementes encaminhadas por aquelas pessoas que os índios
estando mais interessados em utilizar o posto como forma de aumentar suas próprias redes
de influência na cidade. Foi aí que um grupo de índios indicou o nome de Bel, pois a sua
Antônio Culau a suspeita de não ser índio. Bel foi escolhido por não representar em
principio nenhuma das partes em questão e logo çanhou o apoio de Caboquinho e Si, que
Miriri e dois talhões de cana na fazenda Rio Claro, de propriedade da Usina Japungu. A
fazenda Rafaela fica as margens do riacho Arrepia, antiga aldeia de índios, expulsos pelos
1,undgren no começo do século XX. Já os talhões da fazenda Rio Claro ficam dc frente a
"A terra qire lava ocirjiada tttrm lava mais dattdo /ira
comirrt~dadetrabalhar, tté. Aí, Si (vice-cacique de Marcação)
coni~er~son cirm Caboqiritlho e falou (para) 1~e/l.onio1'. Dixe: -
'Os ittdlos, que tem, tão passando fome. eles tão
precisa)ido de terra mais'. E soubemos também que a
jirefeitirra ia .fazer irm cor~jirntoali! Que dixe qtre cla titlha
tnil nietros por trás da /iista. Nirlgdém yodia (...)deixar
acontecer irnia coisa dessas. Porqtre a terra era da gente. Ai
110s comecemos. Marqlrentos o dia de etltr*arlá, jirnto com a
contutlidade. Chamenio .Jaraprá, a turma de ./ai-agvrh, a
Vila... e, hoje, os ítldios tão... itêgo que tlão tiilha. tiriha
,9011 qiritlha seniente de itlhame, hoje, rlêgo ta tirattdo itlhanie,
tté, a niandioca. E o ohjetiijo da gente é fazer as casa,.foiniar
a aldeia da get~te c..) qire aonde eir e Si chageva, eir conto
caciqire era discrimitlado pelas próprias lideratisa.~,por-qire
ticis morava deritro da cidade. O objetii~oda gctite era
jirociwar e niattter. oude nós titiha o direito da Kettte (José
"
Um mês após os índios plantarem suas roças, a usina Japungu enviou uni trator e
provocou a apreensão, por parte dos índios, de três veículos (o trator, uma saveiro e um
terras retomadas. índios de Jaraguá, Vila Monte-Mór, Marcação, Nova Brasília, Lagoa
Brasília, onde reivindicaram o término das ações do segundo grupo de trabalho, paralisadas
os índios de Marcação, liderados por Bel e Nêgo Sí, externaram a intenção de saírem com
suas famílias da cidade e ocuparem aquela área com suas casas, onde poderiam exercer um
controle maior sobre o uso dos recursos naturais e a circulação de pessoas. A zoiia urbana
são muito próximos, não guardando as condições de relações entre os moradores que os
índios consideram ideais. Além disso, como já haviam manifestado aos dois Grupos de
Trabalho da FUNAI não tinham interesse que a sede municipal ficasse dentro dos limites
da terra indígena, de modo que, a partir daquele momento estariam ocupando aqueles
terrenos vizinhos a cidade para a consolidação da aldeia Três Rios, marcando no plano
etnicidade. Este é o caso da sapucaia, uma árvore centenária que existe no local-da antiga
aldeia de Três Rios. Ela é um marco da ocupação indígena e símbolo da resistência aos
usineiros, que já tentaram queimá-la, mas não conseguiram, pois ela resistiu àIs chamas.
Desde as primeiras vezes em que estive em Três Rios os índios fizeram questão de falar e
de mostrar a Sapucaia, protegida agora por uma cerca para evitar depredações.
As retomadas de terras nesta área não contaram com o apoio expressivo dos lideres
Cesar, quc estão dcntro da árca dcmarcada cm 1983. Os índios quc cstavam acainpados em
Tits Rios i.csscii~iliiii-setlc que alguiis caciclucs os ti-alava111dc roi.ina pcjoraiiva, laxaiido-
identidade étnica. Em convcrsa com alguns íridios da Baía da Traição tanibcm pude
perceber que referiam-se aos habitantes de Monte-Mór e Marcação como falsos índios que
queriam apenas se aproveitar dos recursos trazidos pela FUNAI e pela FUNASA,
deslegitimação de grupos
Durante o ano de 2004, alguns fatos vieram modificar um pouco a situação na área.
abril, é eleito um novo cacique para a Vila Monte-Mór, depois de tumultuado processo
decisivo onde cinco candidatos são lançados para ser escolhido um através de
,'
voto secreto.
!Jnla prática muito diferente daquela realizada até então nas outras aldeias, onde a escolha
se dá por aclamação em reuniões onde a posição do grupo familiar conta mais do que o
voto individual. Tal forma de escolha 'do novo cacique foi criticada por muitos como uma
"eleição de branco" e não "de índio". O cacique eleito foi Dedé, presidente da Associação
da área, prometido para janeiro e depois para abril, os Potiguara das três a1deia.s resolvetn
ocupar a sede da FUNAI em João Pessoa (segunda-feira, 17/05) e só sair de lá quando a
portaria de identificação da terra indígena fosse publicada, fato que aconteceu após cinco
dias de ocupação. Durante este tempo os iridios percorreram, a pé, vários locais da capital,
voltar pra casa. Antes, porem reccberam vários órgãos de imprensa. Dançaram o toré
agitando as cópias do DOU nas mãos e deram depoimentos emocionados. Pouco antes do
meio-dia, dois ônibus cheios saíram da sede da FUNA1 em direção a Rio Tinto,
,'
onde u m
Por volta das 13:00 h um ônibus trazendo índios da Baía da Traição chegou ao
Fórum de Rio Tinto, encontrando-se com os dois ônibus de João Pessoa e os I'otiguara que
já estavam esperando. Reunidos somaram cerca de 200 pessoas, que saíram em-marcha
pelas ruas de Rio Tinto, exibindo as cópias do Diário Oficial, passando em frente a antiga
marcha. As crianças corriam agitadas de um lado para o outro. A primeira parada foi de
Monte-Mór e da relação entre o grupo indígena e as terras que habitam. Lá, já esperava a
marcha um grupo de indios de Jaraguá. Um foré foi realizado em frente à igreja Na imensa
depois, ~nitial,cacique de Jaraguá coriduziu unia emocionada oração a Tupã, São Migucl e
Da igreja, seguiram para o terreiro de toré, onde construíram uma 0c.a para os
rituais, reuniões e aulas da escola indígena. Neste local foi velado o corpo do cacique
Valdemar (Vado), que faleceu no começo do ano. 'Lá, os líderes Potiguara discursaram e
homenagearam Vado e sua família. Durante os cinco dias de ocupação da FUNAI: em João
Pessoa Dona Lia, viúva de Vado, junto com sua mãe, Dona 12nt6nisn, suas filhas e netas
Uma caminhada ainda mais árdua esperava pelos indios que se dirigiram depois
para Marcação (a 7 KM da Vila Monte-Mór). Após de quase uma hora de marcha, homens,
mulheres, velhos e crianças chegaram a aldeia Três Rios. Mais fogos e bastante comida
recepcionaram os caminhantes: água de coco para matar a sede, macaxeira cozida, feijão
verde, carne de charque, caranguejos e picado de bode para refazer as enersias. índios de
Nova Brasília e Lagoa Grande já estavam esperando pelos que vinham em caminhada.
Novo toré foi realizado na chegada dos índios a Três Rios. Depois, as pessoas se
dispersaram para finalmente almoçar, quando já passavas das 16:OO h. Antes que as
festividades fossem encerradas, todos se reuniram mais uma vez. Agora, embaixo da oca
da aldeia, que serve para as reuniões comunitárias. Novos discursos foram proferidos,
lembrando que o resultado favorávcl dcsta mobillzação só foi possível graças a união de
todos, e que este era apenas o primeiro passo no processo de regularização fundiária das
terras indígenas. Antes que escurecesse por coinpleto, foi feita urna leitura dos principais
dançando o toré, mas a maioria já se dirigia a suas casas, principalmente aqucles que
Juntamente a estes fatos consolidou-se a posição dos índios nas terras de Três Rios
e o crescimento da aldeia com a construção de casas e a ocupação com roçados dos talhões
tensão, solucionado apenas pela interrnediação do Ministério Público que selou.,iim acordo
entre as partes, onde os indios concordaram, não sem relutância, em ceder uma. parte das
terras ocupadas em 2000, nas proximidades de Três Rios. O que ainda está para ser feito no
inicio de 2005
arranjo das forças políticas em Marcação. Nas úkimas eleições, ocorridas em outubro de
juntamente com Íris apoiaram as ações dos índios que retomaram Três !Rios. Em
contrapartida, Bel declarou publicarnente o seu voto para Paulo Sérgio, invertendo a
tendência política do município, cujo prefeito anterior contava com o apoio das usinas.
Essa situação provocou uma cisão entre as lideranças das aldeias que se
Dona Célia e Zé da Estiva dc outro. Em r-epresália, alguns caciqucs chegaram a propor que
cidade, uma vez que ele agora era lider de uma aldeia própria. Contudo, em uma reunião
essa proposta não foi accita permanecendo Bel como cacique de Três Rios e Marcação.
iniciou-se em estreita associação com a chamada "luta pela terra" de outras coiriunidades
especulativo sobre as antigas áreas de uso comum e de concessões patronais ela fo,i
reformulação do campo de forças políticas existentes. O grande mote dessas lutas foi a
de resolução para o conflito que passava justamente pelo alinhamento étnico dos
políticos e os horizontes de ação para um outro conjunto de agências formado pela FUNAI,
campo
mobilização e das estratégias e conceitos trazidos a baila nesta. No caso dos índios de
sua modificação repcrcutc na modificação do perfil do grupo. Assiin, iião sc lula apeiias
pela terra no sentido de um recurso econômico básico para a subsistência, mas como o
mobilização étnica "A rela@io etltre a /)es.soa e o grrpo d/tiico seria niediuda /]elo
da memória, mas também as imageta mais expressivas da aufocíonia.. " (01ivei ra, 2004,
Então, não é qualquer terra que serve para os Potigiara, como seria de pensar para
os grupos camponeses que são clientes da reforma agrária, mas essa terra específica da
qual falam suas memórias e os documentos históricos compulsados ao longo dos processos
de demarcação e que, uma vez nas mãos dos índios, são apropriados como importantes
atestados de suas pretensões. A relação com os recursos naturais passa por- diferentes níveis
Porque, como disse Nego Si, "Aqiri é área itldigetia, mas a getite t~60lit.ihcr como
gente /amos tetrdo hoje. A lavo~rragire a getlle tamo tetldo hoje. lodo mrttldo chega aí e i@.
(Marcação, agosto de 2004. acervo do GT Indígena). Pelz sua fala podemos perceber que
valores são atribuídos como fundamentais a organização étnica dos Potiguara de Monte-
da existência do grupo.
Por fim, a rcorgani7~çãodas iiistâncias de poder coloca novas pcssibilidades de
nçiio, pois junto coin a ctiiicidadc vêiii iiiiiii csirii~urade autoridades e postos de mando que
piuiiiovida pclo órgão iiidigciiista olicial c por scus corolái.ios voltados para a assistSricia i
saúde e educação. As disputas em torno do cargo de cacique, uma função até então
dos índios das aldeias já atendidas na Raia da Traição. As manipulações das categorizações
Desse modo. podemos afirmar que uma terceira situação histórica vem se
construindo nas últimas décadas e é marcada pela expansão do campo de ação indigenista,
como resultado das mobilizações dos próprios índios que querem ser incorporados nele. A
luta pela demarcação das terras, desde a década de 1970, redimensiona as posições e os 4.-
horizontes políticos dos vários segmentos que habitam a área em questão, modificando os
As mudanças provocadas nas últimas duas décadas pela multiplicação das agências
e dos atores sociais que circulam no cainpo social Potiguara constituem unia outra'marca
caracterizados pelo cnvolvimento com a luta pela reforma agrária, como o CIMI e a CPT, e
necessárias para que os índios possam atua: com inaior desenvoltura aletn dos limites do
O campo de ação indigenista oficial também se modificou, com a FUNAl tendo que
luta pela demarcação das terras e à expansão do campo indigenista, mas se compJexificou
ainda mais com o aumento da participação indígena na politica dos municípios que estão
inseridos em seu território com a eleição de vários vereadores para as duas câmaras
municipais de Baia da Traição de Marcação e de três prefeitos indígenas, dois para a Raia
Por fim, tais mudanças são apreendidas e manipuladas pelos indios em suas ações e
projetos de modo que a sua vida social ganha novos níveis de realiza~ãoe embates. É o
que podemos perceber, portanto, nos investimentos que fazem hoje na revitalização de
praticas culturais tidas como tradicionais, nas mais diversas arenas de interação: política,
tutelar, turística e territorial. O último capítulo desta dissertação toma como objeto esta
nova dimensão da vida dos Potiguara e que perpassa todas as situações históricas até aqui
descritas.
Ruínas da fhbrica de tecidos dos Lundgren na Vila Monte-Mór.
19 de junho de 2004. Foto: Estêvao Palitot.
Casas geminadas na Rua Nova. Maiores e com mais cômodos chegavam a abrigar
três ou quatro famílias. O valor dos aluguéis cobrados aos índios é de R$ 47,OO.
Nesta rua moram muitas das famílias indígenas que sustentam a identidade étnica
mais abertamente como o grupo familiar dos Cândidos, o cacique Vado, quando
vivo também residia aí. O terreiro de toré e a oca comiinitária ficam situados nlela
também. 11 de agosto de 2003. Foto: Estêvão Palitot.
Seu Doi.iiingos Bai-bosa, caciqiie Falecido de Jtici-iré
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O r a ç a o inicial do toié.
Terreiro da casa de Seu João
Cândido. Vila Monte-Mór. f
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1 1 de agosto de 2003. !
I
Ao lado, José Viaiia dos Santos
(Dedé), presidente da associação
coinunitária e caciqiic daI Vila Monle-
I
Mór. Jai-agiia. 25 de setenibi-o dc 2004.
Foto: Feriiaiida Ribcii-o
I
Seu Antonio Cândido,
nasceu em Jacaré de são
Domingos, morou em
Gnipiuna e veio morar na
Vila Monte-Mór para cortar
madeira para a Companhia.
Líder de um importante
grupo familiar e guardião
da memória sobre vários
acontecimentos.
Vila Monte-Mór, agosto de
2004. Foto: Mirna Nóbrega.
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u
Conflito em usinagera
tensáo com indígenas
o cirini:FS i11
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I,
Bel e Z6 Máximo exibem org~lhosos
a produção dos acjueiros , anões
plantados pelos índios na primeiia
área retomada em 1999. ~ e z e k b r ode
2004. Fote: Lusival Barcelos.
:jl
Ocupação da sede da
FUNAI em João
Pessoa. Índios dançam
o toré em frente a
Assembléia Legislativa.
20 de maio de 2004.
Foto: Estêvão Piilitot.
Ocupação da sede da
FITNAI em João Pessoa.
índios são recebidos por
comissão de deputados na
Assembléia Legislativa, ?
recebendo cobertura da
imprensa. 19 de maio de
2004.
Foto: Estêvão Palitot.
Ocupação da sede da FüNAI em João Pessoa. índios marcham
pelas ruas da cidade chamando a atenção da população para a sua
mobilização. 20 de maio de 2004. Foto: Estêvão Palitot.
. t
Potiguara bloqueiam
estrada lia frente de
Marcação em protesto
contisaordem judicial de
reintegração de posse.
Julho de 2004. Foto:
Estêvão Palitot.
Mapa da Terra Indigcna Jacaré de São Doiniilgos, identificada coin 4.500 ha. ei1.i
1988. Note-se a exclusão de Nova Rrasilia, Marcação e Vila Monte-Mór. I'onle:
FUNAI, 1991, p.35.
Mapa indicando a localização de Rio Tinto, Vila Monte-Mór e Jaraguá. Retirado de
Panet, et al. 2002, p.45.
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Mapa de Rio Tinto e Vila Monte-Mór apresentando a estrutura urbana criada pela
Companhia de Tecidos Rio Tinto. Adaptado de Panet, et al. 2002, p.46.
h,lapn iiidic.;tiitio:i I)i.cseiiça das iisiiias e de Arca das terras iiidigeiias destiiiada
iiiiia
i N I Iilaboi-adua pai.iii de dados dc caiiipo sobre adaptação de inapa
coiisiaiiic iio A I Ias das '1'ci.i.a~l iidigeiias clo Noi.dcsic. 1093. 13.4 1 .
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Levantamento fundiário da terra indigena Potiguara de Monte-Mór. atente-se para o s
limites da proposta de 1995, excluindo a Vila Monte-Mór. FLJNAI.2001. '
1
~ I O V C CENTRAL
A / UFPB i
em coco de sapucaia produzida pelo pajé Zé Máximo. Três Rios. Agosto de 2004.
EM QUESTÃO
origem enquanto uma estratégia de produção cultural com vistas a modificação da posiqã~
Potiguara estão o tempo todo realizando releituras e novas proposituras sobre sua. cultura,
institucionalização das tradições através de vários movimentos, entre eles a escola. indígena
são a faceta mais atual de um processo que poderíamos chamar de intetts!fica~io c~rl~rrral
sentimento étnico. A festa de São Miguel e um dos exemplos de que nem todas as
dimensões da sua vida social são exibidas como indígenas. As comemoi-ações ein
tioiiicriagciri ao padrocii-o são vivitlas coirio uiiia rcsta católica, iião sctido acioiiiidas tia
produção dos sinais diacríticos da identidade étnica, apesar de possuírein forte ligação com
localidades - Vila São Miguel e São Francisco -, a disputa pela posse da imagem do santo
e pelos recursos advindos das contribuições das aldeias ajuda a diluir os significados
meramente cristãs. Vale destacar que uma parcela significativa dos Potiguara são afiliados
a igrejas evangélicas1 e não sustentam sua identidade étnica na devoção a.os santos
I
padroeiros. Neste trabalho, fùrto-me, então, a uma análise mais demorada dessas
,'
festas,
deixando para o leitor a referência ao trabalho de Vieira (2001, p. 101-1 14), onde se tem
processo de revitalização cultural vivido pelos Potiguara e que, pelo menos nos Últimos
resgate como alguns índios falam, é tematizado neste capítulo como parte essencial das
universo simbólico do grupo. Não são apenas os recursos que estão em disputa, mas as
(Handler, 1984. p. 56 tradução minha) os Potiguara agem do mesmo modo que as formas
Este conjunto é, então, tratado como um objeto a ser cuidado, cultivado e exibido com a
I*
revelam duas dimensões fundamentais onde estes esforços se concentram. A primeira diz
respeito as arenas de interação social desses grupos com as agências e atores "externos",
com "os outro^'^, onde a representação da cultura assume importante papel na delimitação
dos grupos e no acesso aos recursos carreados nestas situações. Estas arenas podem ser
destas relações e se apresenta como uma disputa "interna" pelo monopólio da autenticidade
das tradições que são exibidas, alinhando cisões faccionais a perspectivas culturais
momento chave para compreeiidcrmos cstas dinâmicas, pois associa, exatamcritc numa
'I
1983).
2004) e suas origens são de difícil localização histórica, sendo geralmente aceito como
catequese católica levadas adiante nos aldeamentos coloniais (cf Nascimento, 1994). Nas
no litoral sul, como um ritual religioso rnediúriico referenciado ao uso da planta jurerna e à
Albuquerque, 2003); e rio litoral riorte, corno expressão da identidade étnica dos indios
Potiguara.
interpretação acerca do ritual. Originalmente, o toré seria uma prática ancestral de contato
homenagear os santos padroeiros, a união e a alegria dos índios. O toré representa aquilo
sua realização. Já em Monte-Mór o toré seria uma prática proibida desde os "7ern/)arda
(Carlini, 1994). Nas imagens gravadas .pela Missão o toré aparece sendo executado
juntamente com o coco pelos índios de São Francisco, em roupas comuns e ao som de
bombos, caixa e gaita. Durante muitos anos o toré esteve desarticulado entre os índios,
sendo apenas apresentado em datas oficiais como uma brincadeira folclórica. Foi retomado
no período de luta pela demarcação da Terra Indígena Potiguara entre os anos de 1978 e
1983, em função dos contatos com o movimento indígena (Moonen & Maia, 1992). Ao
que tudo indica é nesse período que é incrementado pelo uso de roupas de palha e adornos
de penas que passam a constituir o traje ou //.ajo, utili7~dohoje em dia nos principais
mais grave e o outro mais agudo - ganzá, inaracás e uma gaita (flauta reta com quatro
envoltos por um círculo composto pelas crianças e de outro ainda maior pelos adultos. No
espaço entre os dois círculos posiciona-se o cacique geral, numa atitude de observação e
guarda. Os pajés e os caciques das aldeias ora posicionam-se no círculo maior, ora
evoluem junto com o cacique entre os círculos. Os maracás são portados por várias
leveza e harmonia a base percussiva e orienta a entonação das músicas. Aperías Seu José
Bitu, sabe executar as peças musicais na gaita. Existem sensíveis diferenças efítre o toré
executado ao som da gaita e aquele que é feito apenas ao som dos bombos e das' vozes
Assim que a roda do toré é formada, e antes que qualquer música seja iniciada,
dos seus antepassados. Essas orações devem ser feitas em silêncio, podendo ser um Pai-
idéia ou pessoa. Este momento dura em torno de um minuto e finda-se quando o cacique
anti-horário, ou no dizer dos índios parc~as direitas cada pessoa vira-se para um seu
para o outro lado e cumprimentando o outro vizinho da mesma forma, e dai repetindo o
movimento. Algumas alterações nesse passo são feitas quando num ritmo de marcha
executada pela gaita, sem acompanhamento de vozes, caminham em fila, as vezes dando
saltinhos levantando o pé que vai a frente, as vezes de forma mais lenta e compassada.
marcha são entoadas algumas músicas que se referem á Cahoquit~hada .Jrrt-emae ao Xei
dos ~ t ~ d i oOutras
s. vezes, essas mais raras, quando cantam "os caboclos lu t ~ omar-,
roda, dando rápidos pulinhos para a direita com o tronco curvado e os braços estendidos
mariscos. f
. .
Acompanhando as mobilizações pela demarcação das terras indígenas o toré se
difundiu de São Francisco para as outras aldeias e passa a ser exibido cada vez mais como
surge também a produção de peças artesanais, como colares, pulseiras, saias de palha e
Iúdicos, soma-se o de delimitador das fronteiras étnicas. Contudo, essa expansão do ritual
leva a atritos com grupos de índios de São Francisco que se consideram como os legítimos
Nos Últimos anos, o toré passa a ser incorporado as iniciativas de instituição de uma
patrimônio cultural indígena a ser encampado nas ações dessa instituição como algo a ser
de se reabilitar o uso da língua tupi entre os índios. Muitas opiniões divergentes são
colocadas, uma vez que, pelo menos a 250 anos, os Potiguara são monolíngues em
português. Também especulou-se muito sobre qual variante da língua tupi seria ensinada,
pais a maior parte dos registros que se tem dela são das normatizações produzidas pelos
jesuítas; se seria certo chamar este processo de resgate, ou se o ensino dessa Iínpa não
terminaria sendo arbitrário e impositivo de uma visão dominante que não se satisfaz com a
Conselho Estadual dc Dcfcsa dos Diicitos da Mullicr Indigcria foi a r-csporisávcl pcla vinda
do professor e por fazê-lo circular entre os índios e nas agências que estavam envolvidas
com a construção do projeto de educação escolar indígena Alguns iridios ficaram muito
interessados'na possibilidade de tomar contato com aquela que teria sido a lingua materna
desta língua indígena. lndios de varias aldeias fizeram o curso que durou dois anos,
governo estadual algumas cartilhas em tupi para o uso nas escolas das aldeias
Certa vez. curioso sobre qual seria o efeito real deste curso sóbre os Pqtiguara e de
toda a discussão que se realiza então sobre resgate crrltrrral, aproveitei a oportunidade de
indígena que foi realizada em novembro de 2002, e perguntei aos índios presentes o que
eles entendiam por cultura indígena, quais práticas e rituais eram significativos para eles e
se a língua tupi fazia parte de sua cultura. Como resposta, extemaram uma linha de
pensamento que se apoiava na cultura como um conjunto de traços que serviam para
demarcar a sua diferença em relação aos brancos: o toré, o artesanato e a língua tiipi como
um projeto de fùturo, no qual os seus filhos e netos poderiam ser hábeis no uso e
visibilizadores da fronteira étnica, vale agora, mostrar como a exibição desses traços
dançar o toré numa exibição pública e oficial para as agências de contato, a imprensa e
excursões de estudantes e turistas que afluem para a região. Nesse moment6, a fronteira
e políticos da região.
envolvente. Contudo, nem todos os anos isso acontece da mesma forma. Em 2002,
Caboquinho, o cacique geral recém-empossado, realizou uma festa do dia do índio na Vila
São Miçuel reunindo alguns grupos familiares, caciques das aldeias e certas agências;
enquanto Djalma, o cacique geral anterior, realizou outra festa na aldeia São Francisco,
reunindo outros grupos familiares, caciques das aldeias e outras agências. A alimentação
conseguida com a prefeitura e a FUNAI foi dividida entre os dois grupos, assim como a
participar da festa do dia do índio promovida por Djalma. Enquanto isso, os índios de
~ o n t e - M Ótentaram
; organizar uma festa ria entrada da área indígena, pedindo apoio a
Universidade Federal da Paraíba e a FUNAI, alegando que toda vez que participam da
festa em São Francisco suas reivindicações são minimizadas e deixadas de lado, e que seria
melhor fazer uma festa na Vila de Monte-Mór já que todos os carros e Ônibus que seguem
para a Baía da Traição têm que passar obrigatoriamente por lá. No entanto, como não
aldeias na disputa por recursos e poder simbólico, bem como as fissuras e linhas de tensão
,'
o dia do índio é o momento mais emblemático dessa relação. A disputa em tomo do poder
distribuir os recursos captados externamente com seus partidários revela como as alianças
políticas se realizam dentro da área indígena e a sua relação com formas diferentes de se
políticas, tanto externas como internas ao grupo, e tarr~bémo ?!etor de separação entre as
facções políticas e grupos de interesse. O que importa é que essa data não pode deixar de
sociedade mais geral, momento onde se diferenciam enquanto grupo étnico portador de
interloc~tor'~ode
ser de dependência, clientelismo, patronagem, barganha ou oposição.
Nesse dia saí de João Pessoa acompanhado pelos pesquisadores Lusival Baecellos,
Glebson Vieira e Mirna Nóbrega que também desenvolvem estudos entre os Potiguara,
onde os índios estavam iniciando os preparativos para a festa ria área retomada em Três
Rios. Quando passamos por Monte-Mór demos carona para alguns índios que iain para a
festa em Marcação
3
Lusival é doutorando ein Educação na Universidade Federal do Rio Grandc do Norte e pesquisa os sisleiilas
religiosos e educacionais Polipara; Glcbson C professor dc antropologia na Univcrsidadc Estadiial do Rio
Grande do Norte e dcfcndcu dissertação dc mcstrado sobrc os Potiguara na Univcrsidadc Fcdcral dc PXu!!S:
Mirna, aluna de jornalismo e ciEncias sociais na UFPB, colega do GT lndígcna pesquisa as rclaçõcs de
gênero entre os Potiguara.
Adaílton, um dos índios qiic scguiu conoscc, logo comentou que sei1 irmão, Anibal,
cacique de Jaraguá, havia levado os índios desta aldeia para dançar o toré em Tramataia, na
festa organizada por Deda, cacique desta aldeia, e com patrocínio de D. Célia, catididata à
prefeita de Marcação. Não comparecendo por este motivo a festa promovida pelos índios
de Ma~cação.Também falou que saii-ia uin ônibus de Monte-Mor para Marcação, poréni,
modo que poucos índios iriarn ate Três Rios. Falou que havia muito cacique para pouco
(Estiva Velha) e Oliveira (Nova Brasília) vestidos com camisas amarelas com seus nomes
e de suas aldeias estampados no peito. Estas camisas foram confeccionadas com o apoio do
deputado estadual Ariano Fernandes, e estavam sendo distribuídas por Carioca entre os
caciques das aldeias do mutiicípio de Marcação. Nas costas havia estampado o nome do
deputado. Carioca demorou-se pouco, pois ainda tinha que distribuir algumas
,'
dessas
festa numa área retomada a usina Japungii e sem o apoio da prefeitura. Em Tramataia
houve um campeonato de futebol durante o dia inteiro e a noite um show com bandas de
Este ano, praticamente cada aldeia resolveu realizar a sua própria festa do dia do
coiicentrar as representações de outras mais próximas ern suas festas, como foi o caso de
'I'rês Rios, com Monlc-MÓr e Nova Urasilia; 'I'rainataia com Jaraguá c Caniurupirn; São
Francisco com Galego, Tracoeira e Santa Rita, e Forte, com os índios da Baia da Traição.
Em Três Rios, a festa começou por volta das 10:OO e seguiu até as 19.00 horas
Embaixo da oca que foi construída para as atividades comunitárias foram montadas duas
mesas com artesanato (uma de Sandro, de Monte-Mór e outra de Pedro, professor de Nova
Brasilia) e uma com comidas típicas feitas de mandioca, fiutas e caranguejos. Essa mesa
era muito significativa dos primeiros resultados da retomada em Três Rios, onde alguns
O grupo de teatro Fala Curumim, formado por crianças indígenas organizadas pelos
Pessoa e atuante em Marcação há alguns anos, encenou uma peça de teatro que falava dos
primeira vez em que assisti a encenação dessa peça, cujos atores-mirins são membros das
famílias que estão vivendo da agricultura em Três Rios. No decorrer do ano de 2004 ela foi
encenada pelas crianças do Grupo Fala Curumim, em duas outras situações: na assembléia
redor das poucas casas já construidas, muitos roçados de feijão, macaxeira e mandioca
Os índios de Monte-Mór que foram até Marcação representavam dois dos grupos
Dona Lia, viúva de Vado. Chegaram até lá em transportes separados. D. Lia não
compareceu, mas pessoas que a apoiavam estavam lá e declaravam-se a seu favor. Muitas
das conversas que rolaram durante o dia faziam referência ao processo dt: preenchimento
pelo menos cinco candidatos e das tentativas fnistradas de se manter uma comissão de
processo escolhido para a definição do novo cacique: uma eleição nos moldes tradicionais,
,
com voto secreto, uma e comissão eleitoral, presidida pelo cacique-geral e o chefe de posto
da FUNAI. Ao que parece, Dedé havia escolhido esta forfila dc processo, pois.fdava dela
Irmã Juvanete, uma freira vinculada ao CIMI, que trabalha junto aos Potiguara
chegou em Três Rios um pouco antes do alnloço. Ela mora no Forte e participou
comida. Conversei com ela e fiquei sabendo que os índios do Forte estavam realizando
também uma comemoração na sua própria aldeia. Combinamos de irmos juntos para 0
Forte logo depois do almoço. Lusival e Glebson haviam seguido de carro para São
caminho.
Antes de sairmos de Três Rios, conversamos ainda com Rel e Oliveira sobre nossas
futuras visitas para a realização de vídeos sobre a luta pela terra e o toré. Também
conversamos com alguinas pessoas i10 M A C (Nena e Aline) que nos fàlararn sobre a ,
Marcação, que narra a luta pela preservação de uma imensa Sapucaia que estava ameaçada
de ser derrubada pelos plantadores de cana. Esta árvore é hoje um símbolo da luta pelas
terras dos índios e quando estivemos na área da retomada pela primeira vez fomos
informados da sua existência e levados até ela. Znclusive, o cacique 'Bel já havia externado
mais de uma vez a intenção de realizar grandes torés embaixo dela para que nós os
registrássemos em vídeo.
presentes na festa de Três Rios, mas de forma muito rápida, evidenciando os investimentos
tocar e cantar, estimulados pela minha presença com o gravador. Repentinamente, seu
Antônio Cândido, da Vila Monte-Mór, interpôs-se no nosso meio, reclamando que aquele
não era o momento do coco-de-roda e sim do toré, que aquela era uma festa dos índios e
não de "brancos", que o coco não era tradiqão indígena e que se devia tocar toré o dia todo.
Jurandir e seu Francisco Batista, que estavam cantando com animação, argumentaram
dizendo que coco e ciranda também fuiam parte da cultura do indio, assim como o toré4.
Eles haviam crescido dentro das aldeias vendo e participando tanto de cocos e cirandas
como de torés. Seu Antonio, bastante irritado, asseguroti que se o coco de roda não parasse
ele pegaria a sua "tropa" (isto é, seus familiares, cerca de uma dezena de pessoas, todos
~rajndos)e voltaria para casa Com essa situação o coco encerrou-se e seu Antônio ainda
ficou um bom tempo falando sobre a impropriedade dessa brincadeira no dia do indio.
Infelizmente, não pude conversar com ele a respeit~,pois logo depois a irmã nos chamou
para irmos ao Forte. Fiquei apenas com as palavras de Jurandir e seu Francisco, que
afirmavam serem o coco e a ciranda hrirlcncleiras válidas nos festejos do dia do índio.
desabafo sobre o comportamento de seu irmão Aníbal, que estava abandonando os seus
parentes para participar da festa promovida pelo cacique Deda em Tramataia. Quando este
'I
por parte de algumas lideranças das aldeias da Terra Indígena Poti~waratem urn peso
político e simbólico muito grande, e revela uma das dimensões das complexas teias
4 O coco e a ciranda são expressões da cultura popular da região, seus ritinos e letras são conhecidos de norte
a sul. variando pouco cm sua forma dc esccução e nas datas quc aconiccem, geraliiiente os rncscs de maio a
jullio. com maior intensidade nos fcstcjos juninos. O banho dc São João. a incia-~ioitcdc 23 para 24 dc junlio.
c o scu ritual mais tradicional. scja para os ii~dios.pcscadorcs ou coinunidadcs ncgras (cf. Ayala Clr. Ayala.
2000, p. 30-3 1).
que são maltratados e discriminados por seus "parentes", que deveriam apoiá-los na luta
sesmaria de Monte-Mór já estariam completamente misturados aos brancos e por isso, não
compram cana a alguns índios de Tramataia, Brejinho, Jacaré de César e São Francisco. As
prefeituras locais, cujas redes de aliança e clientelismo por vezes atravessam as dissensões
a etnicidade de outros, que buscam afirmá-la perante certos conjuntos de atores sociais.
Alguns índios da TI Potiguara recusam o status étnico dos seus vizinhos, que são apoiados
por outros índios - em especial pela numerosa família de Caboquinho, residente no 'Forte -
e legitimados pela presença da FUNAI e da FUNASA em suas áreas, bem como através da
Façamos uma pausa nesta reflexão e voltemos ao relato de nossa visita. Fomos de ,
táxi até o Forte, junto com a irmã, e lá encontramos os índios dançando o toré no pátio ao
lado do Posto Indígena. O pátio estava todo enfeitado e a oca que Mazinho, um artesão do
Forte, havia construido para vender seu artesanato estava aberta. O toré era puxado por Seu
Tonhô, de São Francisco, que tocava o bombo, e por três irmãs conhecidas como as
cararp~ejeiras:Zuleide, Ieda e ~ d i l e u z a ~ .
Uma ausência sentida na festa do Forte foi a de Seu Zé Bitú, índio de Cuniaru que
toca a gaita, uma flauta reta de quatro furos cuja sonoridade é a marca do toré dos
Potiguara. seu Zé Bitu, gosta de tocar sempre acompanhado por Seu Tonhô, mas, neste
ano ele foi impedido por algumas liderariças de São Francisco de tocar no Forte, pois, eles
disseram que se ele não tocasse na festa do Sífio, não tocaria em nenhum outro lugar."
Marcos Santana ex-chefe de posto e prefeito da Baia da Traição por dois mandatos (1 996-
disseram que a comunidade precisou pressionar muito Irenildo para que a festa d o dia do
As Ires innãs moram na cidade da Baia da Traição, na localidade conliecida como Morrinlio e destacam-se
pela animação com que cantam o tore, bem corno cocos, cirandas e boide-reis, brincadeira da qual scu pai
era Inesfre. O seu apelido vein do falo que seu pai. por trabalhar vendendo os produtos que pescava no
mangue, era conhecido como I/r?lho.Joaquirti Caranguejeiro. Elas dizcrn que não se iinportam com o apclido
e dão sonorosas gargalliadas quando convcrsaiii. Nasccrain cin Piabussú no liinitc das tcrras dc S2o Migiicl C
seus pais são de São Francisco, mas iiiorain desde pequenas na Baía.
Atualmente Seu Zé Bitu mora em Canguaretaina - RN onde têm parentes, pois algumas pessoas dc C u i i i a ~
aliadas aos índios quc arrendam tcrra dcstruirain o seu roçado e passaram uiiia cerca no quinlal dc siia casa.
plantando cana onde ficava a sua roça. Seu 2 recorreu as lideranças indígenas e a FUNAI. iiias nada Iòi fciio
no sentido de defendc-10, cntão para quc os coisas não lomasscrn urna proporção iiiaior clc prcfcriu iiiudar-sc
para perto de uma filha sua, voltando periodicamente ao Cumam para ver corno está a sua casa c marcar a
intenção de reaver scu roçado tão logo cncontre apoio de algudm.
índio fosse realizada na aldeia, iiiclusive para que ele repassasse os recursos destinados a
alimentação dos participantes. Doiia Maria Gomes, mãe de Caboquinho, teve papel
Caboquinho e Capitão, que estavam em 13rasília, a fcsta foi rcalizada. Um grupo dc chefes
irmãos Mazinho e Manoel (da família Cassiano) tomaram a frente da organização, junto
com Lúcia (esposa de Caboquinho), lolanda, Cecília e Dona Maria Gomes. Resolveram
realizar a festa no Forte porque se recusavam a ir para São Francisco, participar da festa de
Djalma, ex-cacique geral e que faz oposição a Caboquinho. Djalma e o grupo que
políticas de cducação, saúdc c gcstão dos iccursos naturais. Lidercs aliados a Caboquiiilio,
Marcação, Gilberto Barreto, e a sua candidata que estariam presentes a festa naquela
aldeia, cujo cacique, Deda, era conhecido pela sca aliança histórica com o prefeito da
cidade. Nesta "recepção", cartazes cobrando da prefeitura os repasses das verbas da escola.
Semana C~lltnralda escola que havia se iniciado no dia 13 de abril e culminava com as
comemorações do dia 19. lolanda coinciitou que a escola estava muito bonita e que se eu
ignorando a'festa dos índios no terreiro do Forte dirigiu-se até os canhões que ficam na
cxtremidade da falcsia para tirar Iòtos. Logo dcpois, um comboio de carros do Distrito
vieram assistir as comemorações do dia do índio. Conversei com eles rapidamente e soube,
que estavam percorrendo as aldeias onde as festas estavam acontecendo de modo a marcar
f ~ i n ijuntos
s para Tramataia. Lá chegando, nos deparamos com um intenso mo,vi,mentode
pessoas, motos, carros e ônibus. Muitas pessoas estavam com trajes de banho, e o forró e o
brega saiam em altissimo volume das caixas de som. Um grande palco para o show da
noite já estava montado, numa das extremidades da aldeia. Estacionamos o carro de frente
a escola indígena e fomos ver os cartazes que estavam afixados nas paredes.
observados pelo corpo de professores da escola, parei em frente ao primeiro cartaz com
cobranças para o prefeito e tirei uma foto dele. Depois, me dirigi para onde já estavam
câmera. Alguns dias depois, encontrei-me com Iolaiida e ela me falou q u ~os
, professores
de Tramataia queriam saber quem eram aqueles cstranhos, especialmente o j)nj)irdinho que
chegou lá tirando fotos e que só escapou de apanhar porque guardou logo a máquina
fotoçráfica. Realmente, a chegada do nosso grupo na escola foi muito abrupta e. em meio a
multidão que circulava pcla aldeia, não passamos dcsperccbidos, especialmente pelo grupo
Escapando da surra iminente, scguimos até o cainpo de futebol atrás da escola onde
uma das partidas do campeonato estava para ser decidida em empolgantes cobraiiças de
pênaltis. Depois disso voltamos para frente da escola e encontramos com Pedro, professor
de Nova Brasília, que tinha vindo da festa em Três Rios, Edson cacique da aldeia
Camurupim, e Edvaldo, índio Potiguara natural da aldeia de Edson e padre, ordenado pela
arquidiocese da Paraiba. Edvaldo foi ordenado há poucos anos e é responsável por uma
paróquia no Agreste, estava passando o final de semana na casa dos pais e resolveu
/
ficar
até as comemorações do dia do índio, naquela segunda-feira para poder rever outras
parentes e amigos. Ao longc pudc obscrvar Carlos, cacique dc Jacaré de São Domingos.
com uma das camisas amarelas distribuidas por Carioca, subindo num ônibus que levava o
Depois que encontramos com Pedro, Edson e Edvaldo foi-nos servido água-de-coco
Encontramos ainda com Josafá, professor e chefe do posto indígena. Neste momento a
composição do nosso grupo se alterou com Glebson seguindo com Josafá de volta para São
Francisco e Pedro nos pedindo uma carona até' sua casa em Nova Brasília. Antes de
sairmos de Tramataia ainda falamos com Luiz Carlos, administrador substituto da AER-
.loHo Pessoa da FUNAI. qiic virilia pcrcorrcndo as aldeias, do rncsmo modo que a equipe da
FUNASA.
No caminho até sua casa, Pedro foi-nos contando como tem sido o seu trabalho de
professor de tupi, agciitc de saudc e aricsão indígena, cnvolvido com todas as esferas da
cultura indígena. Relatou algumas mudanças de nomes de aldeias que vem realizando,
como o da sua própria, balizada agora de Ibiquara, que quer dizer grota em tupi, o que
Jacaré de fronte a Gruta do Gurubu. Também falou que o nome indígena da Baía da
Traição, Acajutibiró que é traduzido como "terra do caju azedo" é incorreta, pois o sentido
verdadeiro da palavra deve ser cajueiro bravo, uma espécie nativa cujas folhas são tão
duras que utilizam como lixa. Pedro falou isso apontado-nos de dentro do carro diversas
árvores dcssa cspécie ao longo do caininho. Dcpois dc mais mcia hora dc conversa cm sua
I
casa e algumas saborosas laranjas. Nos despedimos e voltamos para João Pessoa.
Os evcntos ocorridos ncstc dia do índio e as dcmais situações crn quc observci os
Potiguara exibirem a sua cultura, só podem ser entendidos dentro' de uma dimensão
por moldar o próprio grupo étnico O escopo de miriha interpretação é compreender como
essa elaboração é realizada pelos diferentes segmentos que compõem o povo indígena
colonização e globalização estradas de mão dupla: largas e com fluxo intenso no sentido da
partir dos contextos locais onde a vida dos riativos se refaz em contracorrentes híbridas e
múltiplas.
compreensão e ação no mundo dos grupos dominados. Apesar do caráter étnico e político
da exibição do toré pelos Potiguara, podemos perceber que esta ação se constrói dentro de
um universo maior que organiza a vida cotidiana e fornece os elementos simbólicos que
Emblema privilegiado do ser Potiguara articula-se em outros níveis que vão além da
origem, pois é tido pelos índios como o momento privilegiado de contato coin os espíritos
dos antepassados e as forças sobrenaturais presentes nas matas, mangues, rios e mar.
Como Grünewald (1997, 2001) já havia notado para os casos Atikum e Bataxó, as
cultura não é matéria inerte a ser conservada e exibida, seja em museus, shoppings.
,
'
ou
programações oficiais. Ela é muito mais subversiva e rebclde. Seu caráter maleável e
dinâmico é muito mais próximo das noções de fluxo (Hannerz, 1997) ou de correntes
(Barth, 2000b) do que da noção de bem, no sentido de algo passível de ser tombado e >
maiores.
dia do índio, seja na oca da Vila Monte-Mór, ou na retomada de Três Rios - são tomados,
próprios parentes como especialistas na cultura indígena, valorizando assim a sua posição
sociais com quem os Potiguara interagem nunca geram respostas totalmente instrumentais.
contato com outros povos indígenas também contribui para essa reordenação de
Nordeste vêm sendo incorporados nos últimos anos - e os Potiguara não fogem a esse
processo - Gmnewald (2001) caminha num sentido próximo ao de Sahlins (1997) quando
'I
fortemente entre os Pataxó, já há um bom tempo, podem estar prenunciando uni processo
que n3o tardará a chegar aos Potjguara, e que já ensaia seus primeiros passos em
apresentações em shoppings centers e no dia do índio ou na construção de ocas para a
Tudo o que viemos apresentando até aqui leva em direção ao entendimento de que
0s Potipara vivem um processo de invenção das tradições. Tal conceito, do modo como
foi colocado por Hobsbawri e Rariger (1983) é propositadamente iconoclasta e deriuricia
caráter dessas análises parece ser puramente instrumental, e até certo ponto o é, por
denotadores da condição única do grupo que os aciona. Nesse sentido, Handler e Linnekin
. .
realizado no presente com vistas ao passado e a reconstrução de uma continuidade
a autenticidade é definida não pela sua antiguidade, mas pelas relações construidas na
atualidade sobre fatos, signos e idéias localizadas na história. Deste modo, a tradição,
assim como a história, é algo fluido, mutável, não um marco de pedra duro e fixo ádvindo
Apesar de Moonen & Maia (1992) imputarem um incentivo externo para que os
Potiguara exibam traços culturais específicos não podemos deixar de lado a percepção que
os próprios índios manifestam sobre a sua cultura. Percepção esta que se faz plural entre os
de sua "cultura tradicional" para pessoas de fora, que chegam a dançar o toré para
cxcursõcs dc turisias ou cotiiratar grupos dc outras aldeias para abrilhantar a fcsia do dia do
atestar, num contexto de interação, a identidade especifica do grupo, elas não seriiam em si
intersocietário no qual desempenham suas ações, onde cada vez mais a exibição de uma
cultura própria faz parte das posturas e expectativas políticas que os atores esperam uns
dos outros.
modo como os diversos segmentos indígenas conceitualizam o que deve ser a "sua
cultura", qual o papel que ela assume nas relações com as agências e em que situações é
luta pela terra, procuram vivenciar a diferença culturai no cotidiano, usando colares.
realizando o toré com freqüência e investindo-se numa busca religiosa do contato com OS
naqueles traços que os unem internamente e os singularizam na relaçãc com outros grupos.
Apesar dessas mobilizações preverem no seu horizonte a relação com os atores não-
tradicional, que deve ser realizado com regularidade, incorporando nos sujeitos o que fora
indianidade hegemônica. Não há liderança indígena que se diga contrária ao toré, inas são
podem auferir algum capital material ou simbólico, não contribuindo para a retomada e o
que grupos de parentesco e interesse específicos sustentam para todo o povo indígena,
,
'
buscando legitimar as imagens, simbolos, idéias, discursos e práticas que elabqram como
A "invenção das tradições" é um processo consciente, mas nem por isso meramente
objetivo e utilitário, uma vez que essas pessoas vivem isso como parte do que das são,
como escolhas e opções de vida frente a alternativas possíveis. Lembrando que cada ,
cultural vivido pclos Potiguara n(io (': tiina siibiia ioinada dc corisciência a rcspcito dc lima
perda cultural progressiva, lenta e inexorável que viviam até então, mas, uma nova postura
frente a novas situações sociais, onde o elemento discursivo e performático "cultura" passa
Antes, a idéia de uma cultura própria não era tão relevante na afirmação de sua
condição étnica e dos direitos daí advindos. O parentesco e a presença no órgão tutor
constituíam o núcleo a partir de onde se legitimava o status jurídico e social das pessoas. A
folclóricas pontuais que serviam para dramatizar a identidade étnica frente a visitantes e
agências oficiais, inclusive como uma prática de estado para as populações indágenas do
e 2004b) a respeito das exigências feitas pelo SPI ao longo das décadas de 1940150 para
I*
sociedade Potiguara como um todo, a cultura toma novos contornos e produz novas
dijerenciadas, pelo caráter étnico da população atendida, cria novos espaços de a.ção para
' Tais processos IainbCin gcrain facciorialisiiios. ao coloc;~rctiig n i p s dc indígenas cni siiii:içõcs oposias
quanto as formas de controle do terrilório.
os índios, legitimando a posse de saberes e práticas exclusivos que devem ser tra.tados por
permita permanecerem em seus lares e atualizarem uma memória étnica Assim, diferentes
Potiguara, o ser caboclo é um ser híbrido, é um crioirlo que vive como "branco" e é
cobrado como "índio" pelas agências com quem negocia. Essa imposição da necessidade
de traços diferenciadores como língua, tradição e fenótipo, termina por gerar uma
apropriação resistente e criativa por parte dos índios das exigências descabidas dos não-
marcam ao longo dessa linha pontilhada os emblemas do ser Potiguara nos dias de hoje.
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Um processo consciente e determinado'de construir o seu lugar no quadro de iiiterações
marcado pela presença inevitável de muitos outros atores e pelo' desejo de garantir
melhores condições de vida e, até mesmo, de consumo, sem abrir mão de sua autonomia de
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Foto: Estêvão Palitot.
Barracas montadas pata a
venda de comidas típicas
no terreiro de ritual da
aldeia São Francisco.
Festa do dia do índio, 19
de abril de 2003.
Foto: Estêvão Palitot.
I I
Após não conseguirem efetuar os apoios necessários para a realização de uma festa
própria de torC na Vila Monte-Mór, os índios desta aldeia comparecem a festa em
São Francisco. Na foto, o cacique Vado é entrevistado por uma das emissoras de
televisão que registravam a festa. 19 de abril de 2003. Foto: Estêvão Palitot.
Toré na Vila Montc-Mór.
rilon~ctito de cclehrac;ão
aos caboclos da jurema.
Em destaque Jurandir e
Luís. Agosto de 2004.
Foto: Mima Nóbrega.
As pessoas vão
chegando para a festa
na Oca. Ao redor, as
plantações da macaxeira
e feijão verde.
Três Rios. 19 de abril
de 2004. 'I
respeito daquilo que foi dito e ousar discutir possíveis direções para as quais o campo
tende a seguir. Minha preocupação principal foi apresentar os Potiçuara como inseridos
num campo de relações múltiplas e heterogêneas, através das quais eles constituem-se
I
como um grupo étnico em relação a sociedade, ao Estado e as forças do capital com que se
defrontam
relação a este povo indígena e seus distintos níveis de interação social. A opção
,'
por uma
Optei, então, por recuperar, ainda que de forma lacunar e arbitrária, o longo
XVI até o presente momento. Busquei com isso, localizar os processos descontínuos no
tempo e nas relações sociais que engendraram as reformulações das fronteiras étnicas na
região, permitindo que uma rorma dc organização social baseada na idéia de uiila origeiil
compreensão das formas através da qual a organização étnica dos Potiguara foi elaborada
ao longo de diversos processos. Assim, a análise das situações históricas apreseiitadas nos
operam no campo.
recente, quando os índios das duas situações envidarem esforços para a demarcação de
suas terras.
Os processos de territorialização encetados nas duas últimas decadas se fazem
então, a partir da mediação dos esqliemas de autoridade característicos das relações com o
órgão tutor, tornando-se assim, vcíciilos atravcs dos quais sc articulam as fronteiras
identidade. O quadro de relações que envolvem as lutas pelas terras revela-se mais
destinos a serem dados aos recursos naturais, a aceitação ou não da presença dos pequen's
posseiros que desde longa data estão vivendo na área indígena e o status e o valor das
presentes no campo. ,
Por fim, como resultado das transformações ocomdas, dos reposicionaiiientos dos
significantes da diferença
Proponho, então, que este trabalho seja um panorama das situações históricas
aiifroyologia hisfurica (Oliveira, 1999, 2004) seja a melhor forma de tratar as questões
sobre a história indígena na Paraíba - não só sobre os Potiguara - cujos documentos, ainda
inéditos, resistem bravamente as traças nos fundos dos arquivos; sobre as relações entre os
social; sobre o dinâmico quadro de invenção das tradições e intensificação cultural vivido
indígena, não só como promotora dessa discussão, mas como espaço de coiiflito entre
visões distintas sobre'a cultura e a identidade, para ficar apenas nas propostas mais óbvias.
Dou, então, este trabalho por f nalizado, dentro dos limites a que me propus e aos quais fui
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