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Os Sete Níveis do Ser

O Conceito Islâmico de Perfeição Humana

As dimensões islâmicas dedicadas à provisão de diretrizes para o desenvolvimento do


potencial pleno para a natureza humana foram institucionalizadas sob diversas formas. Muitas
delas podem ser agrupadas sob o nome de “Sufismo”, enquanto que outras podem ser
definidas por nomes como “filosofia” ou “gnose xiita”. De forma geral, estas escolas de
pensamento e prática compartilham determinados ensinamentos sobre a perfeição humana,
embora estes possam diferir em diversos pontos. Aqui sugeriremos algumas das ideias que
podem ser encontradas na maior parte das diferentes abordagens encontradas.

Os Sete Nafs

Os primeiros versos sobre a Jihad foram revelados em Makkah, antes da Hijra para
Medina. Nestes versos existe a referência à “Jihad an-Nafs”, ou seja, à luta contra o eu (o ego e
os desejos humanos mais básicos). Mas é preciso notar que este termo, Nafs, possui dois
sentidos distintos.
O primeiro refere-se aos poderes da raiva e do apetite sexual no ser humano. Este uso
é encontrado principalmente entre as pessoas do tasawwuf (sufis), que consideram a palavra
“nafs” um termo abrangente para tratar dos atributos negativos de uma pessoa. É por este
motivo que costumam dizer: “é preciso que se trave uma batalha contra o ego para derrotá-lo”
(la budda min mujahadat al-nafs wa kasriha), ou como está dito no hadith: “A`da `aduwwuka
nafsuka al-lati bayna janibayk” (Seu pior inimigo é o nafs, que se encontra entre os seus
flancos). Al-‘Iraqi diz que este hadith se encontra em Bayhaqi, sob a autoridade de Ibn ‘Abbas,
cuja corrente de transmissão contém Muhammad Ibn Abd al Rahman ibn Ghazwan.
O segundo sentido de nafs é alma, o ser humano na realidade, o seu eu (self) e a sua
pessoa. Contudo, isto é descrito de forma distinta de acordo com os diferentes estados em
que o homem pode se encontrar em determinado momento. Caso este eu se evidencie por
uma grande calma que o controla e que removeu de si mesmo a perturbação causada pela
investida das paixões, este nafs é chamado de “alma satisfeita” (al-nafs al-mutma’inna).
No primeiro sentido, os nafs não visam o retorno a Deus, buscando se manter longe
d’Ele: tais nafs são da facção de shaytan. Contudo, quando a alma não atinge tal calmaria,
embora se lance contra os afetos desordenados por paixões e desejos mundanos, é chamada
de “a alma que acusa a si mesma” (al-nafs al-lawwama), pois repreende seu possuidor pela
negligência de ter evadido à sua obrigação de adorar o seu Mestre. Caso desista frente aos
protestos de sua alma e se renda em total obediência ao chamado das paixões e de shaytan,
passa a ser chamada de “a alma que ordena o mal” (al-nafs al-ammara bi al-su’), o que refere-
se novamente ao ego em seu primeiro sentido.
Desde o principio de nossa entrada na escola do Sufismo fomos ensinados sobre os
sete níveis do Ser. Estes níveis são como que as etapas de qualquer sistema educacional pelos
quais se deve passar para se conseguir uma graduação. Contudo, em nosso sistema, as
avaliações são realizadas por uma Autoridade mais Elevada que o professor comum.
Neste aprendizado, o passar ou reprovar de série torna-se conhecido através de
sonhos reais, onde o Professor atribui novas responsabilidades e deveres ao buscador. Porém,
mais importante do que isto, é o fato de que o próprio buscador deve se tornar apto a
perceber o nível onde no momento se encontra, para que possa começar a viver de acordo
com as expectativas de um próximo nível para o qual aspira chegar. Obviamente, em primeiro
lugar é necessário que tal buscador esteja consciente e desperto o suficiente para perceber os
traços de temperamento e os cursos de ação que costuma tomar nas mais variadas situações
pelas quais passa em sua vida. Portanto, torna-se necessária uma sinceridade no olhar para
consigo mesmo. E também é preciso conhecer plenamente as características de cada nível de
desenvolvimento, especialmente aqueles onde a pessoa presume-se estar e o próximo, para o
qual aspira ascender.
Por este motivo é necessário estudar as características dos sete níveis do ser (nafs),
para que possamos perceber exatamente onde nos encontramos neste momento. Esperamos
que este intuito aumente os nossos esforços em atingir um nível acima e nos torne mais
cuidadosos para que não retornemos a um nível inferior.
Não há dúvidas de que existe um potencial completo para a perfeição dentro de todos
os seres humanos, pois Allah, o Altíssimo, colocou os seus próprios Segredos Divinos na
essência do homem a fim de que, desde reinos desconhecidos, trouxéssemos a tona os Seus
mais Belos Nomes e Atributos. Mas esquecemos desta perfeição que foi colocada em nós
antes mesmo que chegássemos a este mundo, revestidos de carne e ossos. Nosso ser físico e
sua conexão com o mundo em que vivemos cobre e obscurece a beleza e a sabedoria que
encontram escondidas dentro de nós, fazendo-nos esquecer de nossa origem e nos deixando
em um estado de ignorância.
Allah, em toda a sua Misericórdia, revelou instruções através de Seus Livros Divinos e
nos enviou Seus profetas e santos enquanto guias e exemplos, para que eles pudessem nos
ensinar e guiar de volta ao zelo divino e à luz original da qual viemos antes que nos
cobríssemos com a escuridão. Àqueles que conseguem realizar este despertar e descobrem
novamente a dimensão sagrada que existe dentro de cada um de nós e que desejam se
aproximar de nosso Criador e origem, que é a própria perfeição, é prometido que: “Se dermos
um passo rumo a Allah, Ele virá correndo ao nosso encontro”.
O homem possui duas almas. Uma delas é chamada de Ruhu Hayvani (a alma animal) e
a outra de Ruhu Insani (a alma humana). A alma animal é criada a partir de uma substância
refinada que controla a vida, a mente, os sentidos, os sentimentos, as emoções, à vontade e o
movimento do corpo físico. Nosso ser relacionado a este corpo animal é chamado de o “eu
(self) animal”, guiado pelos desejos da carne, ou Nafsi Ammara, o eu (self) que governa ao
mal, sendo este o primeiro e mais baixo de todos os sete níveis do ser.
Nafsi Ammara é a própria manifestação da alma animal no homem, enquanto que os
seis degraus acima deste ego que governa ao mal representam o desenvolvimento próprio da
alma humana, que é também chamada de Nafsi Natiqa, ou seja, o ser que pode se comunicar
através da fala, o ser racional.

Os seis níveis seguintes são:

• Nafsi Lawwama: quando o homem escuta a voz de sua consciência e tenta resistir aos
seus desejos carnais;
• Nafsi Mulhima: quando o homem recebe instruções diretas através de inspirações
advindas de seu Senhor;
• Nafsi Mutmainna: quando o homem é liberto da autoindulgência e encontra paz e
tranquilidade em seu estado de piedade e obediência ao seu Senhor;
• Nafsi Radiyya: quando o homem aceita tudo o que lhe acontece sem ressentimento ou
dor, quando o bem e o mal se tornam o mesmo e ele se encontra satisfeito com
qualquer coisa que lhe aconteça;
• Nafsi Mardiyya: quando o homem passa a assumir os Atributos Divinos, abandonando
sua materialidade; e
• Nafsi Safiyya: quando o homem atinge a pureza da perfeita harmonia.
1 – Nafsi Ammara

Neste primeiro nível do desenvolvimento humano, o eu (self) racional e a consciência


humana encontram-se derrotados pela luxúria e pelos desejos carnais. Desta forma, o nosso
eu (self) não reconhece quaisquer barreiras racionais ou morais para atingir aquilo que almeja,
expressando-se através de egoísmo, arrogância, ambição, mesquinhez, inveja, raiva, cinismo,
preguiça e estupidez.
Em sua origem, os nafs, o eu (self) de uma pessoa, representam a sua própria
personalidade e realidade, ou seja, é uma das dádivas entregues pelo Criador ao homem. Mas,
por ter sido permitida ao homem a inclinação aos valores da matéria, ao prazer em uma vida
meramente mundana, e pelo fato de termos sucumbido ante os desejos da carne, este eu
(self) é capaz de tornar se disforme ao ponto de parecer completamente animalesco, embora
sua forma permaneça a de um ser humano.
Na realidade, esta é uma camuflagem que falseia a aparência de um homem e sob esta
camada se esconde um animal selvagem e louco, que morde e arranha a si mesmo e aos
outros. Este ego é o próprio demônio sob a forma individual, o pior inimigo que vive dentro de
cada um de nós, que nos domina e nos tiraniza, mantendo como prisioneira nossa própria
alma humana, que passa a se esconder nas profundezas do subconsciente.
Caso tenhamos sorte suficiente de sermos conduzidos a um estado melhor por um
guia, o demônio passará a sussurrar em nosso ouvido: “O que te faz estar neste caminho?
Você não percebe que todos os que já estiveram nele mais cedo ou mais tarde também
morrem? Tudo o que restou deles foram apenas algumas poucas palavras. Eu sei que você
deseja a verdade, mas onde estão os sábios que poderiam ensiná-lo alguma coisa? Mostre-me
apenas um único homem santo que receba revelações e que possa expor milagres! Na
verdade, estas pessoas pertenceram a outro tempo e agora é o tempo dos fatos, da ciência, da
prosperidade e da boa vida. Se você deseja ser uma pessoa religiosa, tudo bem! Vá à mesquita,
reze, jejue e ore para que os espíritos destes santos homens do passado possam ajudá-lo, pois
não há professor vivo que valha a pena!”
Desta maneira o demônio esconde a verdade. A palavra Kufr, infidelidade, significa na
língua árabe acobertamento, o ato de esconder algo. Esta palavra é a origem de “coffer” na
língua inglesa, que significa baú1. Kafir, o infiel, significa aquele que está escondendo algo ou
alguma coisa. O diabo esconde o fato de que existem sempre homens perfeitos e professores
dignos que podem conduzir o buscador à salvação ainda neste mundo.
Nosso Mestre, o Mensageiro de Allah (saws), possui dois aspectos. Um deles é o do
profeta, hubuwwa; o outro é o da sua santidade, sua amizade e proximidade a Allah, ou
walaya. Ele é Hatemul Enbiya, o último, o Selo dos Profetas e enquanto tal é único; mas o seu
aspecto de santidade sempre pôde e poderá ser herdado por homens perfeitos que o amam e
o imitam, e tais pessoas existirão em todos os tempos, até o final dos tempos.
Contudo, se o buscador der qualquer atenção às insinuações do demônio e sofrer de
dúvidas relacionadas ao seu professor e caso desvie-se do Caminho, seus esforços se reduzirão
e ele novamente dará ouvidos aos suspiros do amaldiçoado demônio. Desta vez ele lhe dirá:
“Allah é clemente, conte com sua Misericórdia. Ele não desgosta das pessoas que ensinam
coisas que Ele permite. Seja gentil consigo mesmo e não se tiranize. Se você for gentil para
com o seu ego e der-lhe a ele as coisas que deseja, então ele o obedecerá!”.
Se ludibriado por estas tentações o buscador começará a ter dúvidas, e então se
tornará incerto sobre as coisas, se elas são lícitas ou ilícitas, certas ou erradas. Quando isto
acontece é mais provável que ele opte pelas ilícitas, pois elas normalmente são as mais
agradáveis aos sentidos. E quanto mais seus sentidos forem satisfeitos, mais seu coração se
tornará cego, duro e mais inclinado para o mal.

1
N.T. E também “Cofre” na língua portuguesa.
Neste nível do ego que comanda ao mal, todas as influências mencionadas são de
caráter muito denso. Para sair de seu jugo, é preciso que alguém forte o suficiente pegue-o
pela mão e o retire de baixo delas. É muito difícil, senão impossível, fazê-lo por si mesmo.
Mas também é possível que com da ajuda de Allah se ouça a voz da razão, que diz:
“Fazer as coisas que Allah permite que sejam feitas por conta de Sua Misericórdia, ao invés de
fazer aquilo que Ele nos ordena a fazer é o que fazem as criaturas preguiçosas”. Para os
verdadeiros servos de Allah é uma obrigação viver de acordo com as leis da Shari’a e os ideais
da Tariqa.
E ao decidirmos seguir esta decisão racional, que é uma dádiva imerecida de Allah, o
Altíssimo, ou caso sejamos resgatados de nossa miséria por um professor dotado de força,
então poderemos nos alçar ao segundo nível do Nafsi Lawwama. Deste modo a alma é puxada
para fora da caverna escura do ego rumo à luz da consciência e veremos nossa arrogância
sendo transformada em humildade; a vingatividade e o ódio em amor; a raiva em bondade; a
luxúria em castidade... se Allah assim desejar.

2 – Nafsi Lawwama

Este é o segundo passo no desenvolvimento do homem, quando ele torna-se


consciente de suas ações e pode distinguir entre o certo do errado e pode, assim, arrepender-
se de seus erros. Contudo, ele ainda não é totalmente capaz de parar de tomar as escolhas
erradas, pois é muito difícil romper com os hábitos de seu estado anterior. Tenta seguir as
obrigações de sua religião e ora, jejua, dá esmola e tenta comportar-se da forma correta, mas
espera ser reconhecido enquanto uma pessoa reformada. Faz divulgação de sua piedade, boas
ações e espera apreciação das outras pessoas. Isto torna o seu comportamento hipócrita e
algumas vezes ele mesmo percebe isto, arrependendo-se e tentando mudar de sua forma de
se comportar. A hipocrisia, um grande pecado, é o principal perigo neste estágio.
Existem dois outros grandes perigos nele: a arrogância e a raiva. Qualquer pequena
tentativa de se tornar melhor do que se era no estado anterior parece uma grande conquista.
Então pensamos que somos os melhores e ficamos nervosos quando os outros aparentam não
nos respeitar. A arrogância, a mentira para si mesmo, a hipocrisia, a raiva e a intolerância são
todos soldados do demônio.
Neste nível do Nafsi Lawwama ainda não estamos a salvo do demônio, que injeta seu
caráter arrogante em nossas veias e suspira em nossos ouvidos: “Você é tão bom quanto os
seus professores agora; não apenas você conhece tanto quanto eles, mas se comporta de
forma ainda melhor do que a deles. Se eles pudessem aplicar o que ensinam em suas próprias
vidas, não seriam a metade do que você já é. Você não precisa de suas pregações ou
conselhos. Agora deixe que estas pessoas vejam a sua sabedoria e seus feitos para que você se
torne um exemplo para elas”. Não apenas os sussurros do demônio, mas toda a vida mundana
está contra o buscador neste estágio de seu desenvolvimento. É certo que o mundo não perde
sua atratividade para ele, pois constantemente o chama e também o tenta.
Se a determinação do buscador for fraca, ele será atingido pela ignorância e não
escutará aos bons conselhos e, na verdade, lutará contra aqueles que desejam o seu bem,
acreditando que estes estão diminuindo-o e se comportando de maneira altiva. Tomado pela
raiva, tal pessoa pode tentar realizar proezas muito maiores do que é realmente capaz, e
então cairá. O fracasso o tornará ainda mais irado e seu estado de espírito se tornará sombrio,
desapontado; ele pensará que optou pelo caminho errado, que estava melhor antes e também
pode culpar àqueles que o levaram a este Caminho, e isto o faz voltar à sua condição anterior
de animal sob a forma humana.
Caso seja avisado de todos os perigos logo no começo desta segunda etapa de sua
jornada, seja inteligente o suficiente para não largar a mão daquele que o guia e siga os
conselhos sobre como lutar contra os três inimigos, a hipocrisia, a raiva e a arrogância, a
pessoa passará rapidamente por este estágio. Quanto mais tempo se perdurar no estágio
transitório do Nafsi Lawwama, piores serão os testes pelos quais se será forçado a passar.

• A CURA PARA A HIPOCRISIA encontra-se em perceber o real valor de tudo aquilo que
se encontra no mundo, inclusive as opiniões das outras pessoas, com seu caráter
temporal, inconsistente e subjetivo, que muda de minuto a minuto, de lugar para
lugar, de pessoa para pessoa e finalmente desaparece. Portanto, deve-se optar por
aquilo que seja permanente, eterno e poderoso ao invés de algo que pode estar aqui,
agora, e amanhã já se foi. Que tipo de tolo acende uma vela enquanto o sol ainda está
brilhando? Não conte com o respeito e o louvor de outras pessoas e também não as
tema, pois é dito: “Quem quer que lhe elogie é o seu inimigo, pois é aliado do seu
inimigo; e quem quer que aponte o que está errado em você é o inimigo de seu
inimigo”.

• A CURA PARA A ARROGÂNCIA é lembrar-se de que seu começo se deu através de uma
gota do sêmen do seu pai e um óvulo da barriga de sua mãe, e que ao final você será
um cadáver apodrecido sob o solo. Beleza, força e inteligência em breve diminuirão e
desaparecerão. Toda a sua fortuna, propriedades, reputação e amigos estarão
excluídos no momento em que você for baixado sozinho em seu túmulo. Suas orações,
piedade e boas ações, se praticados para impressionar aos outros, evaporarão e pior,
poderão se voltar contra você. Perceba que tudo o que tem, incluindo o seu corpo e a
sua própria vida, na realidade não são seus, mas foram emprestados e confiados a
você pelo Criador. Suas ações são também as d’Ele caso estas sejam boas e, quando
são más, é você quem está sendo o tirano de si mesmo. Agradeça por tudo e sinta
vergonha pelo que faz de errado, e então você se tornará humilde. A queda de quem
está baixo é muito menos dolorosa do que a de quem está no alto.

• A CURA PARA A RAIVA a principio é realizada caso seja possível curar-se da arrogância.
É o arrogante que se torna enraivecido pela adversidade, ou até mesmo pela ausência
de recompensas suficientes por aquilo que ele crê estas terem sido merecidas. A
emoção negativa da raiva quando inflamada é mais rápida do que o esforço racional
para contê-la. Uma vez que raiva pegou fogo, é difícil de extingui-la e, assim como o
fogo, queima tudo o que há de humano em nós: compaixão, amor, gentileza,
generosidade, a capacidade de comunicação, de considerar as consequências e a
inteligência são todos reduzidos a cinzas. Tudo o que resta é um animal ferido,
selvagem e perigoso.

Como remédio para nos recordarmos de nossa própria humanidade, o Mensageiro de


Allah (saws) sugere que no momento em que a raiva for sentida, se deveria imediatamente
mudar de postura: se se estava de pé, deveria sentar-se; se estava sentado, se deveria ficar de
joelhos. Afinal, é difícil gritar e amaldiçoar em uma posição tão humilde como é a nossa ao
ficarmos de joelhos. Ou também é possível deitar-se de costas para o chão orando: “Oh
Senhor, enriqueça-me de sabedoria, embeleza-me de gentileza, dá-me o dom da piedade, o
temor e o amor por Vós, o equilíbrio e a saúde. Amin”. A ablução com água gelada também é
uma possibilidade.
Se formos capazes de evitar estes perigos, com a vontade de Allah, a orientação de
nossa religião, a ajuda de nosso professor e o desejo de avançar na senda, então poderemos
ascender ao terceiro nível, do Nafsi Mulhima, onde recebemos as inspirações de nosso Senhor.
3 – Nafsi Mulhima

Este é o estágio onde o buscador é recompensado pelos esforços, persistência e


obediência ao seu professor. Agora, ele passa a ocasionalmente receber mensagens que vêm
de dentro dele: inspirações que não possuem nem som, nem palavras, que lhe dão direção,
encorajamento e força para continuar a progredir. Ainda assim, existem graves perigos, dentre
os quais o pior é o fato de o demônio ser capaz de imitar as inspirações divinas e o buscador
pode não ser apto para diferenciar entre elas. É por isto que neste estágio a condução por
parte de um mestre é tão necessária, pois é preciso alguém que seja capaz de distinguir as
verdadeiras inspirações das imaginações falsas inspiradas pelo demônio.
É durante este período que a relação entre buscador e o seu mestre precisa ser a mais
próxima, e nada deve ser ocultado dele: o buscador deve revelar todas as suas esperanças,
medos e erros; mesmo que ele sinta ressentimento ou oposição por parte de seu professor, é
preciso que ele confesse tudo a ele. São como os sintomas de uma doença que são revelados
pelo doente ao médico em que confia. Da mesma forma que o paciente acata o conselho
dado, a dieta indicada ou o remédio prescrito, se o buscador obedecer aos conselhos de seu
mestre, ele será capaz de avançar.
A voz do ego pode ser facilmente confundida como uma espécie de inspiração,
especialmente quando o ego muda seu vocabulário de termos materiais para os espirituais.
Seu objetivo é isolar o buscador de seus companheiros buscadores e de seu professor. Os
irmãos no Caminho podem parecer a ele como escravos servis do mestre, e este como uma
espécie de tirano egocêntrico que tira vantagem de seus seguidores; na realidade, seus irmãos
e seu mestre são apenas os espelhos nos quais ele vê a sua própria feiura.
Quando isto acontecer, o amaldiçoado demônio falará com tal pessoa sob a forma de
inspiração e lhe dirá: “Agora que você viu e entendeu tudo, agora que você é um homem
sábio, seja o seu próprio professor! Por que você precisa obedecer e fazer todas estas coisas
desnecessária que seu professor lhe impõe. Ele está tentando fingir que ainda está acima de
você. Deixe que ele e os seus seguidores, que ainda não penetraram no sentido profundo das
coisas, continuem fazendo o trabalho exterior de rezar e servir. Agora você se encontra em um
nível onde o Senhor lhe fala diretamente, então realize o trabalho interior: medite e tente
escutar as mensagens ocultas que vêm até você...”
Nesta tempestade, o único colete salva-vidas que será capaz de salvá-lo do
afogamento serão as regras de sua religião. Tal pessoa deve orar, jejuar e dar esmola com mais
fervor e atenção do que jamais fez. Acima de tudo, deve reviver os sentimentos de amor que
um dia sentiu pelo shaikh e seus irmãos de Caminho, pois o amor cura a todos os males e o
amante é capaz de seguir a todos os desejos do amado.
Outra aflição que se dá durante este período é a mudança no entendimento e na
sensibilidade. É como se o buscador esquecesse-se de tudo aquilo que um dia conheceu, até
mesmo da própria ideia de si mesmo. Novas impressões não correspondem às antigas. Ele
passa a ver as coisas de uma maneira diferente e, ao não entendê-las, cometer erros. Sente-se
como se não existisse mais, e pode imaginar que atingiu ao nível final do Fana Fillah – o
perder-se em Allah. Mas os seus sentimentos não possuem qualquer conexão com este
elevado estado. O buscador deve perceber que o estágio onde se encontra neste momento é o
do desamparo, do vazio, da necessidade desesperada de ajuda; em suma, o estado do Fakr, o
qual é louvado por nosso Profeta (saws), quem disse: “Estou orgulhoso de meus fakr”.
Mas se o buscador estiver cansado de travar batalhas contra o seu ego e tornar-se
relutante no cumprimento de seus deveres religiosos, então escutará novamente a voz do
demônio: “Seu Senhor é o seu segredo e você é o segredo de seu Senhor. Você atingiu o
objetivo final de perder-se em Deus, o Eterno. Tudo o que era proibido ou obrigatório para os
outros servos não pode ser aplicado a você. O que lhe vier à mente, faça, pois tudo o que fizer
é d’Ele e, assim sendo, está correto. Você não precisa prestar contas a ninguém”.
Que Allah nos proteja de tal eventualidade, pois cair neste estágio é como despencar
do topo de um alto edifício. É mortal e mata ao próprio coração, e aquele que se tornar sem
coração, não terá consciência ou o temor a Deus, se tornará um brinquedo nas mãos do
demônio. Roubará, matará, beberá e será tomado pela devassidão; não haverão limites para
os pecados que se tornará capaz de cometer. Tal pessoa também se tornará cega e não será
capaz de perceber quando estiver prestes a cair no abismo do inferno; quando seu shaikh e
irmãos de Caminho tentarem detê-lo, chutes serão lançados e lágrimas escorrerão, existindo
também o perigo desta pessoa puxar a todos para o inferno juntamente consigo.
Mas Allah, o Todo-Poderoso, salvará àqueles que estiverem atentos a estes avisos e
mantiverem-se firmes à sua religião, às mãos de seu professor, e continuarem nutrindo o amor
sentido por seu shaikh e irmãos no Caminho do Amor de Allah. E assim, com certeza, será
elevado ao nível da paz e da harmonia nos reinos do Nafsi Mutmainna.

4 - Nafsi Mutmainna

Este estágio representa um lugar seguro para o buscador após uma longa e difícil luta
contra o demônio particular, o seu ego, e o exército de demônios tentando-o na vida
mundana. Para ser capaz de chegar e este nível é preciso ter subjugado a ambos. Assim, neste
estágio se está comparativamente livre de perigos. Agora que se está sob o comando da alma
humana, que se alegra em seguir as leis da religião e o exemplo do Profeta (saws), passa-se a
ter as qualidades louvadas por Allah: gentileza, generosidade, paciência, perdão, sinceridade,
gratidão, contentamento e está em paz. Ele escuta a voz de Allah dizendo:

“Oh, o que encontrou a Paz


Retorna ao teu Senhor satisfeito com Ele
e Ele satisfeito contigo. Fique dentre os meus bons servos
e entre em Meu Paraíso.”

Ele encontrou paz, felicidade e deleite em seu Senhor. A este buscador foi-lhe dado o
céu na terra, e ele pôde entrar no Paraíso ainda nesta vida. Cada palavra que sai de seus lábios
vem do Sagrado Corão, da tradição do Profeta (saws), ou do ensinamento dos santos. Sua
adoração e devoções são como alimento para o crescimento de sua alma. Ele torna-se um
professor não apenas por suas palavras, mas principalmente por seu exemplo. Milagres que
transpiram através de sua presença são atribuídos por ele a outras causas, jamais os
reivindicando, renegando-os e chegando até mesmo ao ponto de negar que sequer teriam sido
milagres. Cada ação sua corresponde às leis da religião. Ele recuperou o nome de Insan, o
verdadeiro ser humano. Tal palavra deriva-se de “uns”, que significa estar próximo, ser intimo
de seu Senhor. A partir deste ponto, seu Senhor irá guiá-lo pela mão e levá-lo adiante sem
muitas dificuldades.

5 – Nafsi Radiyya

Ai de mim! Muitos poucos homens podem sequer aspirar chegar a um estado de alma
tão elevado quanto este. Em todos os estágios anteriores, e até o presente nível, o buscador é
ensinado por palavra e/ou exemplos de outros que não sejam ele mesmo, através do Ilm al
Yaqin, conhecimento adquirido. Agora ele aproximou-se do nível do conhecimento através da
experiência pessoal e das revelações: Ayn al Yaqin, a Certeza. Até este momento tudo era
relativo e agora a Verdade passa a ser oferecida a ele.
A manifestação deste estado se dá através do amor, de um amor todo-envolvente. O
buscador vê a tudo e a todos como atos perfeitos de Allah e, assim, passa a amá-los enquanto
ações, fil, do Amado. Ele atinge a perfeita submissão a tudo o que acontece, e esta é a
“Verdade do Islã”. Tudo se encontra em perfeita harmonia, da qual ele está ciente, não
havendo possibilidades de erro, pois ele é o mestre de seu ego e o próprio ego se tornou um
Muçulmano, submetendo-se ao seu Senhor. Ele não deseja mais nada além daquilo que já tem
e, assim, não pede mais nada para si a Allah. Porém, quando reza por outra pessoa, suas
orações são imediatamente gratificadas. Ele está sentado em um trono no reino espiritual,
enquanto que o mundo exterior está pronto para servi-lo. Sua aceitação, submissão, alegria,
gratidão e amor para com o Senhor são tão perfeitos que o próprio Senhor responde com
alegria ao Seu servo.

6 – Nafsi Mardiyya

Neste nível, o elo entre Criador e criatura torna-se manifesto através de uma
comunhão amorosa entre ambos. O Criador encontra no homem perfeito as qualidades
conferidas por Ele no momento em que o criou, conforme diz:

“É certo que criamos o homem da melhor forma...”

Os Seus próprios Belos Nomes e Atributos, que ensinou ao nosso pai Adão, tornam-se
manifestos no buscador. Assim, o homem perfeito, aquele que atingiu o nível onde merece a
alegria de Allah, perde todas as suas características físicas animais, assim como os aspectos
humanos imperfeitos que se encontravam sob o domínio de seu ego. Agora, os Divinos
Atributos de Allah passam a ser manifestos nele, que vê a Verdadeira Realidade, a Verdade,
pois foi abençoado com Ayn al Yaqin, a Certeza. Ele passa a ver a beleza em tudo, a amar a
todos, a perdoar as falhas daqueles que ainda não conhecem a verdade e a ser compassivo e
generoso, alguém que dá e nunca pede, servindo através de tudo o que tem para trazer outros
à luz da alma e protegê-los dos perigos de seus próprios egos e da escuridão de sua
mundaneidade. Tal pessoa realiza tudo isto simplesmente por amor e em nome de Allah.
É difícil reconhecer estes seres, pois seu estado não pode ser descrito em palavras. Eles
não podem ser comparados aos conceitos que habitualmente conhecemos. Uma característica
identificável e muito particular a eles é que se encontram sempre em perfeito equilibro, como
o centro de um círculo e o ponto de apoio em uma balança: exatamente no meio, nem mais,
nem menos, no meio. Allah nos pede e o Profeta (saws) nos aconselha que atinjamos este
ponto de balanço onde todos desejam estar, mas só se chega quando atinge-se a perfeição.

7 – Nafsi Safiyya

Estando no meio de tudo, tendo descoberto o centro, a alma encontra seu lugar
apropriado. É um ponto sem comprimento ou largura, que não cobre área ou espaço algum,
sendo assim um lugar puro. Não há desejos e nem pedidos. É o começo e o fim. Assim como
acontece com o ponto sob o Ba e sobre o Nun, todo conhecimento está contido nele. Quando
o ser que possui esta alma pura se move, o movimento é um poder benéfico; quando fala, é
sabedoria e música aos ouvidos; quando aparece, é beleza e alegria para quem o contempla.
Todo o seu ser é a própria devoção; cada célula em seu corpo está em contínuo louvor
ao seu Senhor. Ele é humilde e, embora sem pecados, derrama lágrimas de arrependimento.
Sua alegria é ver o homem buscar ao seu Senhor; sua dor é vê-lo desgarrar-se. Ele ama, mais
do que a qualquer outra coisa, àqueles que servem a Allah. Irrita-se com aqueles que se
revoltam. Tudo o que deseja para a humanidade é o que Allah deseja, e teme pelo destino
daqueles que não têm fé. É justo, e muito mais do que justo! É aquele que irá interceder pelos
pecadores.
Allah sabe o melhor, e pedimos que Ele nos guie pela Senda Reta e nos alce a níveis em
que possamos encontrar Sua aprovação; pedimos também que nos dê paciência,
perseverança, força e sabedoria para termos sucesso no Caminho. Amin.

Fonte: https://sufipathoflove.com/seven-levels-of-being/

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