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Chuva iluminada

A poesia é como uma cascata escondida


em uma mata fechada que faz jorrar luz
A luz escorre e vai descendo pelas
montanhas de altitudes acachapantes
O homem petrificado debaixo da cachoeira
reverberante sente o espaldar tremer
Mesmo sem matéria, o resvalar
faz o homem semi-selvagem curvar de tamanha força
Essas gotas em blocos luminosos
fazem jorrar sobre o ser o inefável
Curvado se sente prazerosamente subjugado
à tamanha claridade que chega a cegar
Porém, é uma cegueira que faz ver melhor,
que impulsiona e faz com que se lance ao belo recôndito
No lugar de tropas aniquiladoras descerem as
colinas, um brilho dourado que desce como chuva pura
A pureza de clarear e acalmar um instinto
feroz de sangue, de montar guarda com palavras
Luzes especiais forrando aqueles que estão nus
diante da vida, descobertas de cobertas existenciais
E juntamente à enxurrada radiante, palavras
e um ardor em viver
Espectros enfeixam clareiras da alma,
que quer se expandir e correr o mundo
Embarcar nesses raios pelos vales e
ares sensíveis, ser senhor das sensações
Subir e descer pelos cânions dos sentimentos,
e ter um rio caudaloso de fúria luminosa acompanhando
Rir e cair, chorar e subir vertiginosamente
acompanhado por um Apolo risível e necessário
Ver e ter todo isso por trás de um
vidro enclausurador, para correr o risco de perder as imagens
O que é rio, o que é água, o que é luz
nessa mistura grandiloqüente e inexistente?
É como se após tudo isso tivessem cortado
todas as árvores, cimentado cada canto verde
E para finalizar, encaixotar esse pobre miserável
e acender uma luz para resigná-lo
A enchente refletora de intensidade foi lentamente
canalizada e foi vagarosamente secando
Hoje o deserto árido espirra suas centelhas
de fogo ardente, queimando as faces
Aqueles que sentiam torpor na melodia
úmida, tem hoje o seco amargo na garganta
A luz continua, mas confinada não se
esparrama e se espraia, momento decrépito
Beleza decadente, perdida e largada em
algum canto invisível
Subir ao cume é querer ser senhor
dos comandos, e desprezar o escondido
Porém, como tudo que se esconde, só o faz
para manter um mundo paralelo e só seu
Um mundo impenetrável que somente um
furacão verbal pode abrir e destroçar
Unicamente com verbos abrir o
universo contido em uma casca de noz
Fazer surgir o fruto antes implausível,
tornar luz o que era escuro
Somente o que adensa e penetra o indizível
pode recobrar a cegueira por intensa claridade
E viver às cegas, no estupor fumegante das
centelhas luminosas, é poder acreditar na vida e beleza
Ter a vida e beleza em si é estar imerso
na tristeza argilosa e pegajosa
Só que justamente assim poder caminhar
como dantes nos mares radiosos
Tilintam gotas metálicas reluzentes de
um feixe que animou toda uma poesia
Pingando vão se chocando e deformando
a própria existência, a própria existência...

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