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Criança

Ter em idéias aquilo que sutilmente


não se resolve
Na valise, o que amplamente
se carrega, no vazio dos automóveis
Ter por mim um grande ódio
uma vontade de explodir
Quero pouco, sou pouco
e não tenho muito a valorizar
Talvez um grande resquício
daquele tempo grandioso juvenil
Mas em carcaça novo
estou senil, sofro senil
A mesa toda posta, as pessoas deglutindo
e eu ali a pensar, rememorar passado
O tédio se adensa na carcomida
vida que implora
O tédio se avoluma em horror,
em um asco enorme pelas bestas
Idiotas idolatrados
indispensáveis relegados
Na mentira, na ironia,
sobra um resto de vontade
Mas se a vontade é crise
dos vivos, é desejo inconformado
Os livros se empilham nas estantes
mas se encavalam em minha mente
O mundo num só quarto,
mas na mesa o imundo
Se avó me percebeu em tédio-mor
foi triste ao retribuir olhar solene, “nada não...”
Mas resta na família algo da memória,
algo perdido, inencontrável, sumido
Aquelas brincadeiras com prima,
aquelas casinhas de madeira
O envelhecer tristonho, bem que
não devia, me disseram muitos
“Moço jovem, o que há?”
não há nada, esse é o pior
Não há sentido, não há razão
há estupor horrível de psicose doentia
Mas em mim resta a cena-mor
de um Bates fêmea, que aterroriza
A mente insana não me ajuda
só complica a situação
Morre a vontade, morre a infância
tudo se perdeu brevemente, em uma palavra
Solidão, é ela, é ela, é ela,
a palavra que define meu ser
Mas se sou assim estou pronto?
Indefinível, inconformado
nessa forma disforme de viver
Essa vida semiburguesa de mansidão servil
e o meu ser vil nada quis
Nada tenho, nada sou
pois se tenho e não sou, sou
Mas se sou e não tenho
então não sou
E se não sou e não tenho,
sou barata em mármore reluzente
Sigo assim, em momentos
tão sublimes de nós dois
Nós dois? Sim, eu e minha mãe,
minha mãe Bates é sofrida e truculenta
E em mim criei dois seres
o para o mundo e o para mim
Qual deles me é verdade?
Nenhum
E quanto resquício de loucura
move-me por entre o povo, oh calor dos desgraçados?
Na rua nem as pombas me querem,
nem as migalhas que elas comem
Na mesa à minha frente, pai, mãe, avó...
todos querendo me ver grandioso, poderoso
Sou pequeno e muito mole
sou flácido para ambições terríveis
Terei na terra criadora a existência?
Quero saber, mas procurarei nas mil línguas
Língua do povo? Não! Nas línguas
afiadas das pontas de lápis e canetas
Parece que em todas elas a dor impera
o cérebro é psicótico, agente
Sem ação estão os homens, oh humanidade
quanto de tua verdade me é valida?
Terei poderes novos, palavras cortantes
que não amaciam a dureza do existir
Mas se existo realmente, deixarei
para as estruturas, que andam combalidas
Por pressa e por desazo, pois as festas
andam entupindo os dias sem valor
E lamentação é bastante nefasta
e assim hei de corroer-me
Mas prefiro a corrosão
a estar perdido no centro da cidade
Como uma criança inofensiva,
quer carinho e atenção
Por entre nós desilusões
e possibilidades cortadas na raiz
Somos nós adultos comandantes
do batalhão do exército da selvageria
Desprovidos de força
continua a pobreza vil das palavras incompletas
Os brinquedos, o carrinho, que rolava ao chão,
é hoje o que rola no asfalto duro e concreto da mentira

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