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ANTES QUE A TERRA FUJA

(Rascunho da primeira versão)

PRÓLOGO

COMETA NARRADOR – A história que a gente vai contar eu nem


lembro mais como é que começa, porque tudo começou há muito tempo...
Essa história narra sobre a era em que existiu por essas paragens um
planeta chamado Terra! O que restou desse planeta que outrora Gaia
cultivava são apenas as raízes, as cascas, a secura. Só sobrou coisa caída,
coisas com pouca ou quase nada de vida! Pois a vida que um dia por aqui
habitou desapareceu, fugiu; se escafedeu junto com esse tal planeta
saliente. E a história que vamos contar narra sobre as pessoas que um dia
por Terra passaram. Mal sabiam elas que tudo era passageiro, efêmero. A
marca desse povo era a alegria! A irreverência! Povo danado esse que
passava parte dos seus dias com conversas fora a jogar. A coisa que mais
gostavam de fazer era respirar, parar e observar a Lua que se aconchegava
à tardinha sobre as suas mentes cansadas. E num quintal de mãe, assim
protegidos, para a Lua cantavam! Cena 1: Samba Para a Lua Subir!

1. SAMBA PARA A LUA SUBIR

(Em clima de festa – algo como um churrasco na laje num fim de tarde
qualquer – os humanos cantam para consagrar o surgimento da Lua.
Após um tempo de cantoria, entra a LUA sambando junto com a
música e se firmando cada vez mais alto no céu).

LUA – Arrocha esse samba que eu tô subindo! Ah, como é bom ser
adorada e relembrada a todo instante. O batuque do tambor, a ginga do
pandeiro me alucina. Essa é a minha sina. Vim para esse mundo para
irradiar essa alegria que me derrama; esse ziriguidum que me inflama. Ah,
como é bom requebrar nessa toada! Ir até o chão desgovernada! Ah…
Como é bom ser Lua!
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(A LUA dança no ritmo da música e se envolve de tal maneira que até


parece gente. Perde a compostura e se esquece de que é Lua. Depois de
um tempo de requebrado, entra o SOL inconformado com a postura
da ousada LUA).

SOL – Mas era só essa que faltava... Lua! Recomponha-se já!

LUA – Olha só quem chegou. Olha só se não é o amargurado Sol.

SOL – Você não aprende nunca mesmo, não é Lua? Quando é que você vai
perceber que você não é gente? Quando é que você vai perceber que você
tem quatro fases? Você tem que trabalhar muito pra conseguir a perfeição
em todos os seus ciclos, você não pode se distrair Lua!

LUA – E quem disse que eu estou distraída? Pois é cantando e dançando


que eu administro os ciclos da natureza. É nessa cadência musical crescente
que me torno a mais crescente de todas as Luas deste universo. É
contagiada por música nova que eu sou a Lua mais nova desta órbita. É
com os problemas cada vez mais minguados que eu sou a Lua mais
minguante do Sistema Solar. É cheia de alegria, irreverência e requebrado
que eu sou a Lua mais cheia de graça que possa existir em qualquer parte
do espaço sideral!

SOL – Para com isso, Lua! Não posso admitir tamanha vaidade, afinal, eu
sou o Sol! Sou eu quem deve brilhar para os humanos e não você. Você
não! Você deve ficar quietinha, enquanto eu brilho e ilumino tudo que
existe em torno do meu eixo!

LUA – Ah! Você tá se achando só porque você tá no centro do sistema


solar. Mas sou eu que vivo girando em torno do planeta mais lindo desse
universo.

SOL – Que planeta?

LUA – Ora, a Terra! O único planeta que tem vida.

SOL – Será?

LUA – O quê?

SOL – Será que ela é a única?

LUA – Hein?
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SOL – É. Você já viajou por todo o universo?

LUA – Não.

SOL – Então não pode ter certeza que só na Terra tem vida! A gente nem
conhece nossos vizinhos direito! Imagine então, o que existe lá longe, além
da via Láctea! Existem planetas que nós não vemos, mas eles estão lá! Só
que a gente não pode tocar, ouvir, sentir…

LUA – (Relutante) Outros planetas? Depois da via Láctea? Que papo


furado… Você fica inventando essas coisas só porque os humanos da Terra
gostam mais de mim do quê de você…

SOL – Quem disse que os humanos gostam mais de você?

LUA – Ninguém e nem precisa. É só reparar na qualidade das tantas


músicas que os humanos já compuseram pra mim. Ah Sol, que pena que
com você não acontece o mesmo.

SOL – Pois você fique sabendo que é graças a minha luz e ao meu calor
que os humanos conseguem te adorar, pois sem isso nada seria possível.

LUA – Cada um tem a função que merece Sol… E outra, cansei desse
papo! Cansei dessa história! Se quiser falar, fala… Mas eu não tô nem
ouvindo, pois eu só tenho ouvidos para as minhas músicas… (Dança
embalada pela música).

SOL – Lua… Lua… Lua você precisa me ouvir!

COMETA NARRADOR – O Sol e a Lua nem se quer perceberam que a


discussão varou a noite e varreu o dia. Inflamados pela disputa infantil
esqueceram-se de trocar de posição. E por conta de tamanho descuido,
aconteceu na Terra o maior Eclipse nunca antes observado por nenhum
mortal.

(Os humanos param de tocar e observam o Eclipse).

COMETA NARRADOR – Foi nesse dia então, que o Sol diminuído


quase se apagou por detrás da Lua soberana. Ninguém nunca tinha visto
antes, assim, a Lua tão cheia de tanta alegria. Feliz estava por sempre ser
adorada e celebrada pelos humanos que viviam sobre a face da Terra.
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(Música. Os humanos voltam a tocar. A Lua manifesta a alegria de ser


adorada).

LUA – Eu sou a Lua! A senhora que ilumina a vida terrestre. Aquela que
rege os ciclos da natureza. Que sopra as ondas do mar. A responsável pela
fertilidade dos animais, pela semeadura daqueles que tem fome. A Mãe. Eu
sou a protetora da Terra!

COMETA NARRADOR – E foi sob esta paz, amparada por tamanha


felicidade, que os humanos viveram pela primeira vez o dia em que a noite
teve Sol e em que o dia teve Lua... Porém, nem tudo era festa. A Terra, que
em tempos remotos chovia e agradecia por ser a sede de tanta alegria, de
uns tempos pra cá ficou quieta. Calada. Parecia estar triste e desanimada. A
Terra era só silêncio. Cena 2: A Terra.

2. A TERRA

(Terra entra de malas prontas anunciando sua partida).

TERRA – Eu sou Gaia. A Terra forasteira. Aquela que foge na calada do


tempo. Neste momento meu coração pulsa impreciso, descompassado,
desritmado. Na minha pele se instalam chagas inconsequentes. Meu ventre
seco dá luz ao nada. Nos meus rios deságuam lágrimas escaldantes. Não há
mais nada que se possa fazer. Assim, pálida e desesperada parto desta para
a melhor. Uma vida serena me espera do lado de lá. Na fronteira. Eu sou a
Terra, estou acostumada a nascer e renascer após o caos. Sem anunciar a
minha partida, embarco numa viagem sem volta. Sedna, aí vou eu! (Sai).

COMETA NARRADOR – E assim partiu a Terra para os confins do


infinito. Em passos lentos ela caminhou desobediente em direção aos
espaços proibidos das galáxias vizinhas. No entanto, aqui no sistema solar,
o Sol que de uns tempos pra cá passou a sentir irritantes calafrios, percebeu
que algo não ia muito bem com o universo. Certo de que todos os corpos
celestes estavam necessitados de alinhamento convocou todos os planetas,
satélites naturais, estrelas e cometas para uma assembleia geral
extraordinária no sistema solar. A reunião tinha como intuito colocar cada
corpo celeste no seu devido lugar para evitar assim, futuras desordens
espaciais. Cena 3: Assembléia Geral Extraordinária Universal.
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3. ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA UNIVERSAL

COMETA NARRADOR – Como já era de se esperar, na Assembléia


compareceram todos: estrelas distantes, cometas desconhecidos, planetas
gelados. Foi um ti-ti-ti daqueles antes de começar a reunião. Abraços pra lá
e pra cá. Todos querendo matar as saudades dos amigos celestiais distantes.
Porém, ninguém sabia o motivo da tão repentina reunião. Alguns
desconfiavam que pudesse ser sobre os acidentes com meteoritos que
estavam rolando a torto e a direita pelo espaço. Outros achavam que a
reunião pudesse ser para discutir a aposentadoria dos planetas mais velhos
e rabugentos. Outros ainda desconfiavam que o Sol estivesse cansado de
ficar no centro do sistema solar e talvez propusesse um rearranjo dos
corpos no espaço… Enfim, conjecturas era o que não faltava. Eis que então
o Sol finalmente iluminou o espaço de reuniões com a sua calorosa luz e
foi direto ao assunto.

SOL – Queridos amigos e amigas, parceiros inseparáveis desta galáxia.


Convoquei todos para esta reunião porque ando sentindo uma enorme
necessidade de fazer uma rigorosa manutenção dos eixos do universo. Não
estou com bons pressentimentos, temo que determinadas esferas ganhem
outros rumos… Lua, minha assistente, por favor, faça a chamada para que
possamos dar início a esta reunião.

LUA – Claro que sim excelentíssimo Sol. (Pega a sua prancheta e faz a
chamada) A começar pelos planetas, Marte!

MARTE – Presente.

LUA – Saturno!

SATURNO – Aqui.

LUA – Vênus!

VÊNUS – Presente com alegria.

LUA – Urano!

URANO – Tô aqui.
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LUA – Terra!

(Silêncio).

LUA – Terra!

(Silêncio. Os planetas entreolham-se).

LUA – Terra?

(Os planetas começam a cochichar entre si).

LUA – Vixi… Então, excelentíssimo Sol… Acho que temos um pequeno


probleminha… A Terra ainda não chegou. Acho que ela tá atrasada.

SOL – Mas ela foi avisada sobre esta reunião?

LUA – Sim. Todos os planetas receberam a convocação.

SOL – Passaram o horário corretamente?

LUA – Sim. Para todos igualmente.

SOL – Que estranho… A Terra costumava ser pontual… Afinal, alguém


sabe onde está a Terra?

CONTINUAR…

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