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REVISTA DE

MORFOLOGIA
URBANA
Revista da Rede Lusófona de Morfologia Urbana

2015
Volume 3
Número 2
Editor: Vítor Oliveira, Universidade do Porto, Portugal, vitorm@fe.up.pt

Editores Associados: Frederico de Holanda, Universidade de Brasília, Brasil


Paulo Pinho, Universidade do Porto, Portugal

Editores Assistentes: Cláudia Monteiro, CM Arquiteta, Portugal


Mafalda Silva, Universidade do Porto, Portugal

Consultores: Giancarlo Cataldi, Università degli Studi di Firenze, Itália


Ian Morley, Chinese University of Hong Kong, China
Jeremy Whitehand, University of Birmingham, Reino Unido
Kai Gu, University of Auckland, Nova Zelândia
Michael Conzen, University of Chicago, Estados Unidos da
América
Peter Larkham, Birmingham City University, Reino Unido

Quadro Editorial: Isabel Martins, Universidade Agostinho Neto, Angola


Jorge Correia, Universidade do Minho, Portugal
José Forjaz, Universidade Eduardo Mondlane, Moçambique
Judite Nascimento, Universidade de Cabo Verde, Cabo Verde
Luiz Amorim, Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Manuel Teixeira, Universidade de Lisboa, Portugal
Renato Leão Rego, Universidade Estadual de Maringá, Brasil
Sandra Pinto, Universidade Nova de Lisboa, Portugal
Sílvio Soares Macedo, Universidade de São Paulo, Brasil
Stael de Alvarenga Pereira Costa, Universidade Federal de Minas
Gerais, Brasil
Teresa Marat-Mendes, Instituto Universitário de Lisboa, Portugal

Os autores são os únicos responsáveis pelas opiniões expressas nos textos publicados na
‘Revista de Morfologia Urbana’. Os Artigos (não deverão exceder as 6 000 palavras, devendo
ainda incluir um resumo com um máximo de 200 palavras), as Perspetivas (não deverão exceder
as 1 000 palavras), os Relatórios e as Notícias referentes a eventos futuros deverão ser enviados
ao Editor. As normas para contributos encontram-se na página 2.

Desenho original da capa - Karl Kropf. Desenho das figuras - Vítor Oliveira

REDE LUSÓFONA DE MORFOLOGIA URBANA ISSN 2182-7214


REVISTA DE MORFOLOGIA URBANA
Revista da Rede Lusófona de Morfologia Urbana

Volume 3 Número 2 Dezembro 2015


83 Editorial

85 E. Barbosa e P. Fernandes
Formas espontâneas e induzidas: comparando São Paulo, Jacarta, Hanoi e Belo
Horizonte

105 J. M. P. Silva, F. Lima e N. C. T. Magalhães


Aplicação do conceito de Unidade Morfo-territorial nas escalas metropolitana,
intraurbana e local

Perspetivas

123 Transformação e permanência de formas urbanas: uma contribuição metodológica


E. M. N. Mendonça
125 Porque importa a morfologia urbana? I. Samuels
127 Persistências, ruturas, dinâmicas: paradigmas dos estudos históricos de forma urbana
S. M. G. Pinto
130 Estratégias para a renovação do edificado através das Gramáticas de Forma S. Eloy
132 Adaptabilidade, continuidade, flexibilidade e resiliência. Algumas considerações sobre
as propriedades das formas urbanas T. Marat-Mendes
134 A forma física das cidades – uma análise do contributo luso-brasileiro para o debate
internacional C. Monteiro
136 Indicadores Visuais A. Perdicoúlis

Relatórios

102 Rede Lusófona de Morfologia Urbana (PNUM), 2014-15 T. Marat-Mendes


103 1st Symposium of the Turkish Network of Urban Morphology, Istambul, 2015 T. Ünlü
121 4ª Conferência da Rede Lusófona de Morfologia Urbana, Brasília, 2015 S. A. P.Costa

Notícias

84 Urban Morphology
122 2º Workshop PNUM
137 ISUF Conference 2016: Urban morphology and the resilient city
138 PNUM 2016: Os espaços da morfologia urbana
Normas para contributos para a Revista de Morfologia Urbana
Os textos a submeter à ‘Revista de Morfologia Whitehand, J. W. R. e Larkham, P. J. (eds.)
Urbana’ deverão ser originais, escritos em (1992) Urban landscapes, international
Português, e não deverão estar em apreciação em perspectives (Routledge, Londres).
nenhuma outra revista científica. Os textos serão No caso de publicações com múltiplos
aceites para publicação depois da avaliação autores, todos os nomes devem ser incluídos na
favorável de, pelo menos, dois revisores lista de referências. Apenas as referências citadas
independentes. Os artigos não deverão exceder as devem ser incluídas na lista.
6.000 palavras, devendo ainda incluir um resumo
com um máximo de 200 palavras e até cinco Ilustrações e tabelas
palavras-chave. O título do artigo, o resumo e as Os desenhos e as fotografias deverão ter a
palavras-chave deverão ser bilingue, em dimensão adequada à sua reprodução. Nesse
Português e em Inglês. Como a autoria dos textos sentido, a dimensão das páginas da revista deverá
não é revelada aos revisores, o(s) nome(s) e o(s) ser tida em consideração pelo autor ao desenhar
endereço(s) do(s) autor(es) devem constar de uma as ilustrações. As ilustrações devem ser a preto e
folha em separado. As ‘perspetivas’ (também branco a menos que a cor seja essencial. Devem
sujeitas a ‘revisão por pares’) e os book reviews ser numeradas de forma consecutiva, referidas
não deverão exceder as 1.000 palavras. Os artigos diretamente no texto e submetidas em formato
e as ‘perspetivas’ devem ser formatados em word JPEG ou TIFF. As ilustrações fotográficas
e enviados por e-mail para o Editor deverão ter uma resolução de, pelo menos, 1200
(vitorm@fe.up.pt). Os book reviews deverão ser dpi, e os desenhos de, pelo menos, 600 dpi. Todas
endereçados ao Editor dos Book Review as ilustrações devem ter uma designação. No
(marat.mendes@gmail.com). Os textos deverão final do texto, após a lista de referências, deve ser
ser submetidos em formato de coluna única com incluída uma lista das ilustrações, da seguinte
margens largas. Os autores não deverão tentar forma:
reproduzir o layout da revista. Todas as medições
devem ser expressas no sistema métrico. Figura 1. Análise metrológica de Lower
Os autores são os únicos responsáveis pelas Broad Street, Ludlow
opiniões expressas nos textos publicados na
‘Revista de Morfologia Urbana’. São ainda Deverá ser dedicada uma atenção especial ao
responsáveis por assegurar eventuais permissões layout das tabelas, devendo ser desenhada uma
para reprodução de ilustrações, citações extensas, tabela por página. As tabelas deverão ser
etc. desenhadas com o mínimo recurso a
normalizações quer na vertical quer na horizontal.
Referências Deverão ter margens largas em todos os lados.
Os autores deverão usar o sistema de
referenciação Harvard, no qual o nome do autor Página de título
(sem as iniciais) e a data são apresentados no Numa página em separado deverá ser indicado o
corpo do texto – por exemplo (Whitehand e título do artigo e o nome, a filiação académica
Larkham, 1992). As referências são apresentadas (ou profissional) e o endereço completo
por ordem alfabética no final do texto, sob o (incluindo e-mail) do(s) autor(es).
título ‘Referências’, da seguinte forma:
Títulos
Conzen, M. P. (2012) ‘Urban morphology, ISUF Apenas na primeira letra e nos nomes próprios
and a view forward’, 18th International serão utilizadas maiúsculas. Os títulos deverão
Seminar on Urban Form, Montreal, 26 a 29 de ser justificados à esquerda. Os títulos primários
Agosto. deverão ser a negrito e os secundários em itálico.
Conzen, M. R. G. (1968) ‘The use of town plans
in the study of urban history’, em Dyos, H. J. Números
(ed.) The study of urban history (Edward Deverão ser usados algarismos para todas as
Arnold, Londres) 113-30. unidades de medida, à exceção de quantidades de
Hillier, B. (2008) Space is the machine objetos e pessoas, quando estas se referirem a
(www.spacesyntax.com) consultado em 9 valores compreendidos entre um e vinte. Nesse
Setembro de 2013. caso, os números deverão escritos por extenso.
Kropf, K. S. (1993) ‘An inquiry into the
definition of built form in urban morphology’, Por exemplo: 10 dias, 10 km, 24 habitantes, 6400
Tese de Doutoramento não publicada, m; mas dez pessoas, cinco mapas.
University of Birmingham, Reino Unido.
Moudon, A. V. (1997) ‘Urban morphology as an Provas
emerging interdisciplinary field’, Urban Durante o processo de publicação serão enviadas
Morphology 1, 3-10. provas aos autores. Nesta fase, apenas serão
corrigidos erros de impressão, não sendo
aceitáveis alterações de fundo.
Editorial

Permanência e transformação das formas urbanas

Para quem estuda ou intervém sobre a forma valorização do património e de participação ativa
física das cidades, não será nova ou das populações na sua conservação, entre outros),
surpreendente a constatação de que essa mesma a verdade é que mesmo neste caso importa
forma está em permanente mudança. Certos questionar como se delimitam estas áreas. Numa
autores comparam mesmo a cidade a um análise da definição da área que suportou a
organismo vivo. Aliás, a morfologia urbana, classificação da UNESCO da cidade de São
enquanto ciência da forma urbana, tem como Petersburgo, na Rússia, Whitehand (2009)
antecedente disciplinar a ‘morfologia’ (termo sublinha a frágil relação que existe entre a
criado por Johann Wolfgang von Goethe) delimitação que foi proposta pelas autoridades
enquanto abordagem sistemática de observação e locais, eventualmente com base em estudos
classificação da forma dos seres vivos. inadequados, e uma delimitação sugerida por uma
Os processos de mudança da forma física das investigação morfológica detalhada que colocou
cidades têm ritmos diferentes. Por um lado, em evidência um limite mais ‘óbvio’– a cintura
algumas cidades transformam-se mais depressa periférica intermédia da cidade que segue o limite
do que outras. Por outro lado, a história urbana de da área construída em São Petersburgo no final
qualquer cidade é marcada por períodos da Primeira Guerra Mundial. Importa contudo
temporais em que a mudança é mais rápida e por sublinhar que este exemplo da fragilidade na
outros em que a transformação ocorre de modo delimitação concreta das áreas da UNESCO está
mais lento ou em que não há alterações em linha com o modo como estas áreas são
significativas. normalmente definidas pelas autoridades locais
Menos consensual será a ideia de que há quando o propósito é, não a candidatura a uma
vantagens em refletir, previamente e de um modo classificação UNESCO mas, a gestão urbanística
sistemático, sobre como essa transformação deve corrente.
ocorrer e em definir regras para controlar ou, pelo Refletir sobre uma ‘área de conservação’
menos, influenciar essa mudança. O que se implica também perceber aquilo que dentro dessa
conserva e o que se transforma? Quais os área deve ser preservado e aquilo que pode ser
critérios que determinam a preservação de uma transformado. Ao revisitar a ‘lei da persistência
área urbana, de uma rua, de um quarteirão ou de do plano’, de Lavedan, e o conceito de
um edifício (singular ou comum)? Pode, numa palimpsesto, de Giovannoni, Sandra Pinto (pp.
determinada área urbana, o ‘novo’ ser conservado 127-9) lembra-nos que, por um lado, há
e, em simultâneo, o ‘antigo’ ser transformado? elementos da forma urbana que são mais
Cinco das sete ‘perspetivas’ incluídas neste importantes que outros e que têm uma maior
número da ‘Revista de Morfologia Urbana’ perenidade no ‘plano’ da cidade, e que, por outro
fornecem um conjunto de elementos para uma lado, em cada período temporal da história
melhor compreensão desta temática. urbana de uma cidade, por baixo das formas
A definição de uma ou mais áreas como urbanas visíveis é possível encontrar as diversas
merecedoras de uma atenção especial ao nível da ‘cidades’ anteriores, sobrepostas umas nas outras
conservação da sua forma física é algo comum em diferentes camadas (Giovannoni, 1931;
em muitas cidades. No entanto, o modo como Lavedan, 1926). De modo complementar, e numa
essa área é definida, quais são as suas fronteiras e crítica à abordagem townscape (Cullen, 1961)
quais os elementos que se conservam, é algo que desenvolvida a partir do início dos anos 60 com
deverá merecer uma análise atenta. Um dos uma forte predominância na Grã-Bretanha, Ivor
enfoques do texto de Eneida Mendonça incluído Samuels (pp. 125-7) alerta-nos para a necessidade
neste número (pp. 123-5) é a Lista de Património de irmos além daquilo que é visual e explorarmos
Mundial definido pela UNESCO (neste caso aquilo que é estrutural (e por vezes ‘invisível’
específico, a autora centra-se na recente como é o caso das parcelas urbanas). Marat-
classificação do Rio de Janeiro como Património Mendes (2015) oferece-nos uma classificação de
Cultural da Humanidade, na categoria Paisagem quatro tipos de transformação urbana
Cultural). Apesar de uma série de vantagens correspondente a quatro tipos de resposta das
associadas a esta iniciativa da UNESCO criada formas urbanas que sofrem essa transformação:
nos anos 70 (a conservação de um conjunto de adaptabilidade, continuidade, flexibilidade e
sítios com um valor patrimonial de referência, resiliência.
a generalização de uma atitude de Sobre a possibilidade de conservação do novo

Revista de Morfologia Urbana (2015) 3(2), 83-4 Rede Lusófona de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214
84 Editorial

e de transformação do antigo, Mendonça (2015) Eloy, S. (2015) ‘Estratégias para a renovação do


refere um caso concreto de constatação de um edificado através das Gramáticas de Forma’,
certo interesse da população local em conservar Revista de Morfologia Urbana 3, 130-2.
um conjunto de edifícios novos, alertando sobre a Giovannoni, G. (1931) Vecchie città ed edilizia
necessidade de transformar uma série de edifícios nuova (Unione Tipografico-Editrice Torinese,
antigos para viabilizar o uso. A este nível, o caso Turim).
Brasileiro, e mais concretamente Brasilia, é Lavedan, P. (1926) Introduction a une histoire de
paradigmático. A classificação do Plano Piloto da l’architecture urbaine (Definitions-Sources)
capital Brasileira como Património Mundial (Éditeur Henri Laurens, Paris).
introduz uma série de constrangimentos à Marat-Mendes, T. (2015) Adaptabilidade,
transformação de um ambiente urbano criado há continuidade, flexibilidade e resiliência.
apenas meio século. Algumas considerações sobre as propriedades
Por fim, as ‘perspetivas’ publicadas neste das formas urbanas, Revista de Morfologia
número sobre a temática da transformação Urbana 3, 132-4.
permitem-nos ainda ter uma noção da Mendonça, E. (2015) ‘Transformação e
importância de cada contexto específico: a permanência de formas urbanas: uma
rapidez do processo de transformação urbana de contribuição metodológica’, Revista de
um país da América Latina que permite pouco Morfologia Urbana 3, 123-5.
tempo para a reflexão (Mendonça, 1015); um Pinto, S. M. G. (2015) ‘Persistências, ruturas,
processo de transformação urbana mais lento, dinâmicas: paradigmas dos estudos históricos
típico de uma capital Europeia, marcado pela de forma urbana’, Revista de Morfologia
disponibilidade de edificado para reabilitação Urbana 3, 127-9.
(Eloy, 2015); e a discricionariedade do sistema de Samuels, I. (2015) ‘Porque importa a morfologia
planeamento Inglês que conduz a uma certa urbana?’, Revista de Morfologia Urbana 3,
desvalorização da regulação da transformação 125-7.
pelo plano urbanístico e das análises Whitehand, J. W. R. (2009) ‘The structure of
morfológicas que deveriam suportar a elaboração urban landscapes: strengthening research and
desse plano (Samuels, 2015). practice, Urban Morphology 13, 5-27.

Referências

Cullen, G. (1961) Townscape (Architectural Vítor Oliveira


Press, Londres).

Urban Morphology
Foi publicado em Outubro o segundo número do conjunto de módulos de estudos urbanos, poucos
volume 19 da revista Urban Morphology são os que se dedicam a um estudo sistemático da
(http://www.urbanform.org/online_public/2015_2 forma urbana, o que se traduz num peso reduzido
.shtml). Este número inclui cinco artigos. da morfologia urbana nos cursos de arquitetura.
No primeiro artigo, Stephan Marshall propõe Este artigo, de algum modo, complementa o
um sistema para representar e analisar o plano de conjunto de ‘perspetivas’ publicadas no último
cidade (enquanto objeto geométrico) baseado no número da Revista de Morfologia Urbana.
conceito de área estrutural. O texto The study of urban form in Japan
Recorrendo à abordagem histórico-geográfica, integra-se num conjunto de artigos inaugurados
Thomas Kolnberger explora a continuidade entre em 1998 por Vilagrasa Ibarz. Shigeru Satoh,
formas rurais e formas urbanas, com um enfoque Kenjirou Matsuura e Satoshi Asano estruturam a
particular nas parcelas. O caso de estudo de sua revisão sobre o estudo da forma urbana no
Phnom Penh, no Cambodja, coloca em evidência Japão em cinco partes distintas, desde o estudo
a persistência de um conjunto de padrões de das tradicionais cidades muralhadas até à
assentamentos rurais num contexto urbano conceção de métodos de desenho e planeamento.
específico. Numa reflexão sobre as origens da morfologia
Borja Ruiz-Apinánez, Eloy Solis e José Ureña urbana, enquanto área de conhecimento, Peter
analisam a presença efectiva da morfologia Larkham analisa o papel do geógrafo Americano
urbana em 33 escolas de arquitetura Espanolas. A John Leighly e em particular do seu livro The
análise revela que apesar desta área do towns of Malardalen in Sweden, publicado em
conhecimento estar aparentemente presente num 1928.
Formas espontâneas e induzidas: comparando São Paulo,
Jacarta, Hanoi e Belo Horizonte

Eliana Barbosa
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rua Caio Prado, 30-ap34, São Paulo
CEP 01303-000, Brasil. University of Leuven, Kasteelpark Arenberg 1 – bus 2431.
Leuven, Bélgica. E-mail: queirozeliana@outlook.com

Patrícia Fernandes
University of Leuven, Kasteelpark Arenberg 1 – bus 2431, Leuven, Bélgica.
E-mail: patricia.capanemaalvaresfernandes@asro.kuleuven.be

Artigo revisto recebido a 26 de Setembro de 2015

Resumo. Este artigo resume pesquisa realizada em 2012/2013, na qual se


usou o campo da morfologia urbana e seu instrumental para investigar
relações entre urbanização e desenvolvimento em diferentes países do Sul
Global. Trata-se de um estudo comparativo das cidades de São Paulo e
Jacarta, e de Hanói e Belo Horizonte, em seus processos de
desenvolvimento econômico e espacial, seus processos de planejamento
urbano e sua resultante forma urbana. As políticas urbanas e formas
urbanas resultantes foram comparadas em diferentes escalas nas quatro
cidades, de acordo com abordagem proposta por Lamas (1993). São Paulo
e Jacarta foram escolhidas pela importância e relevância econômica dentro
de seus respectivos contextos, América do Sul e Sudeste Asiático, oferecendo
a possibilidade de comparação com a finalidade de encontrar semelhanças.
Hanói e Belo Horizonte apresentam posições análogas em relação aos seus
contextos; ambas são cidades administrativas, com semelhante demografia,
crescimento econômico e acelerada urbanização. Apesar das semelhanças,
as cidades apresentam processos de crescimento e urbanização e aspectos
culturais distintos, que foram destacados através da comparação. Assim,
este estudo investiga a forma urbana dessas quatro cidades, explorando
seus tecidos urbanos e tipos edificados, proporcionando uma melhor
compreensão sobre como cada cidade lidou historicamente com processos
econômicos e como operam hoje, abrindo possibilidades de discussões mais
amplas acerca das lições que estas cidades podem oferecer umas às outras e
a outras cidades em geral.

Palavras-chave: morfologia urbana, tipologia edificada, hemisfério sul

Este artigo é fruto de pesquisa realizada entre desenvolvimento econômico e espacial, de


2012/2013, na qual se usou o campo da planejamento urbano e sua resultante forma
morfologia urbana e seu instrumental para urbana.
investigar relações entre urbanização e A pesquisa em questão teve como
desenvolvimento em diferentes países do Sul objetivos explorar as semelhanças e
Global. Trata-se de um estudo comparativo diferenças entre os diversos contextos das
das cidades de São Paulo e Jacarta, e Hanói e quatro cidades mencionadas acima, a fim de
Belo Horizonte, em seus processos de explorar correlações dos processos de

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86 Formas espontâneas e induzidas: comparando São Paulo, Jacarta, Hanoi e Belo Horizonte

desenvolvimento urbano e econômico e seu Nas considerações finais, a experiência de


impacto na forma urbana. Foram estudadas comparar cidades e contextos tão distintos
quatro cidades em seus processos de foi destacada; sugerindo novas abordagens
urbanização, planejamento urbano e a forma para as dicotomias espaciais observadas,
urbana resultante desses processos. representadas nas noções de ‘formas
Como método, partimos da investigação espontâneas e induzidas’, em contraposição
de diversos padrões de forma urbana de São aos conceitos de ‘formal’ e ‘informal’
Paulo, Belo Horizonte, Jacarta e Hanói, inicialmente aplicados.
expondo alguns de seus tecidos e tipos,
alcançando um melhor entendimento de
como estas cidades lidaram historicamente Metodologia
com processos econômicos e como elas
operam hoje, abrindo possibilidades para Como Lamas (1993) defende, a forma
discussões mais amplas sobre o que cada física do espaço é uma realidade para a
uma dessas quatro cidades pode aprender a qual um número de fatores não-espaciais
partir das experiências observadas nas contribuem. Dentre esses fatores, o autor
demais e como essas lições podem beneficiar enfatiza a importância de condições sócio-
outras cidades em geral. econômicas, que se materializam na forma
Na primeira parte do trabalho, a urbana, através de ações voluntárias no
metodologia é definida, explicitando as espaço, que partem de estéticas, ideologias,
diferentes escalas de comparação propostas – culturas, padrões de comportamento e
escala da cidade, do fragmento e da amostra. sociabilidade diversos.
Posteriormente, as cidades são comparadas Consequentemente, a cidade
duas a duas em cada escala, de acordo com contemporânea contém fragmentos
suas dimensões e semelhanças. A hipótese é consolidados, cada um com uma forma
de que processos similares de urbanização urbana e processos de materialização
podem ter levado a semelhantes resultados específicos, sujeitos a avaliação. Para
espaciais, uma vez que as cidades são possibilitar a leitura, certos elementos podem
caracterizadas por semelhantes dicotomias. ser usados para hierarquizar a forma, de
Portanto, fragmentos ‘formais’ e ‘informais’ acordo com diferentes áreas da cidade,
e amostras de tecidos urbanos foram revelando os múltiplos aspectos do espaço.
selecionados em cada cidade, com o objetivo Para tal, a ação envolve a identificação das
de possibilitar a comparação desses partes (fragmentos) e suas articulações
diferentes fenômenos urbanos. (estrutura) em lógica através da qual cada
Na segunda parte do trabalho, São Paulo escala da análise possui características e
e Jacarta são confrontadas. As cidades foram questões próprias, que acabam por
escolhidas graças à equivalente importância determinar diferentes elementos urbanos
e relevância econômica em seus respectivos relevantes como base de seu instrumental
contextos específicos, América Latina e analítico.
Sudeste Asiático, respectivamente. Suas Assim, um conjunto de escalas e
dimensões e características – mega-cidade ou elementos foi definido para revelar o
cidade-região – ofereceram a possibilidade resultado espacial dos referidos processos de
de comparação que objetiva encontrar urbanização e as particularidades de cada
similaridades. cidade: i) ‘escala da cidade’ – a área
Na terceira parte, Hanói e Belo Horizonte urbanizada, o espaço construído pelo homem
são comparadas, escolhidas por sua que contrapõe elementos naturais e
semelhante posição em relação aos seus construídos, compostos pelos diferentes
contextos – Sul Asiático e Brasil, fragmentos e seus elementos de conexão, ou
respectivamente. Ambas são cidades seja, a própria infraestrutura, como principais
administrativas – capital do Vietnã e capital elementos de análise; ii) ‘escala do
do estado de Minas Gerais – com população fragmento’ – os diferentes fragmentos da
semelhante e atualmente sob processos de cidade, usando a malha, os espaços vazios
desenvolvimento econômico e rápida (públicos e verdes), os monumentos e as
urbanização. referências urbanas como os principais
Formas espontâneas e induzidas: comparando São Paulo, Jacarta, Hanoi e Belo Horizonte 87

elementos de análise; e iii) ‘escala da


amostra’ – amostra territorial como um
recorte da escala do fragmento, delimitada
por uma ‘janela’ de 400 x 400 metros,
definida principalmente por cheios e vazios
(figura-fundo), os tipos, acolhendo elementos
secundários como mobiliário urbano,
atividades e fluxos.
Na escala da amostra os tipos são a chave
para uma interpretação correta e global da
cidade como estrutura espacial, uma vez que
Figura 1. Localização das cidades estudadas.
o agrupamento de tipos compõe os outros
elementos da forma urbana (o quarteirão e, A análise inicialmente contemplou uma
consequentemente, os fragmentos) dando leitura extensa das diferentes escalas
também caráter para toda a composição da espaciais e trajetórias de cada cidade através
cidade. de revisão bibliográfica. Em um segundo
Os espaços livres contêm uma variedade momento, houve um processo de
maior de tipos, funções e elementos – fixos mapeamento, trabalho de campo e coleta de
ou não – que alteram significantemente a dados primários, seguida finalmente da
experiência do espaço e, portanto, a compilação dos materiais e comparação
percepção da forma. As atividades urbanas, relacional, através da avaliação dos
os elementos urbanos não fixos, são elementos e das escalas espaciais acima
responsáveis por uma transformação mencionadas.
completa na experiência do espaço,
modificando, portanto, a forma urbana, a
variedade de formas, usos e fluxos dos A evolução urbana das quatro cidades
vazios, consistindo em outro aspecto das
características físicas do território. Para abordar a escala da cidade, apresenta-se
Assim, parte-se do entendimento de que a brevemente a evolução urbana das quatro
escala da cidade contém diversos fragmentos cidades analisadas (Figura 1), bem como os
da cidade, composto por um conjunto de principais planos para elas traçados, como
diversos outros elementos menores. No forma de introduzir os fragmentos urbanos
presente artigo usam-se esses elementos para que serão comparados.
realizar um estudo comparativo relacional
(McFarlane, 2010), considerando a São Paulo
comparação dos elementos da cidade entre as
diferentes escalas na mesma cidade, além de A cidade de São Paulo que se observa hoje
comparar diferentes cidades nas diversas se espalhou, cresceu e continua crescendo
escalas de análise propostas. em direção à Serra da Cantareira, a norte, e
Num primeiro momento foram escolhidos rapidamente engolindo o território das
fragmentos formais e informais das cidades Represas, a sul (Figura 2). Esse padrão de
analisadas. Como fragmentos formais espraiamento da mancha urbana deu-se em
entendem-se os territórios que se formaram a consequência às contínuas limitações de
partir de políticas de urbanização ou que densidade impostas no planejamento –
foram elaborados e aprovados pelo poder através da constante restrição do coeficiente
público local, mediante regulação urbana de aproveitamento e das sucessivas crises
vigente. Já os fragmentos informais habitacionais, nas quais não foram
representam territórios que se formaram sem produzidas unidades habitacionais
estar inseridos em políticas urbanas ou suficientes – por iniciativa pública ou
regulação urbana específicas. Tratam-se de privada – para a crescente demanda. Planos
ocupações contemporâneas ou seculares, nas existiram, entretanto não foram
quais existem conflitos em relação à posse e completamente seguidos ou implantados por
propriedade tanto da terra quanto dos vários motivos, incluindo ausência de
imóveis nela construídos. vontade política. Ao longo do tempo,
88 Formas espontâneas e induzidas: comparando São Paulo, Jacarta, Hanoi e Belo Horizonte

Figura 2. Evolução da mancha urbana versus crescimento demográfico em São Paulo


(fonte: Barbosa et al., 2013).

Figura 3. Sequência de planos para São Paulo: Plano de Avenidas (1930), Plano Diretor
de 1957 e Plano Diretor de 1961 (fonte: Barbosa et al., 2013).

Figura 4. Sequência de planos para São Paulo: Plano Urbanístico Básico (1965), Plano
Diretor de Desenvolvimento Integrado de 1971, Plano Diretor de 1988 e Plano Diretor de
2002 (fonte: Barbosa et al., 2013).

grandes projetos de restruturação territorial forma final da cidade e os planos dos anos
foram previstos e posteriormente 1960 e 1970 (figuras 5 e 6), podemos afirmar
descartados, tendo como resultado a que essas iniciativas obtiveram certo sucesso
constante expansão da infraestrutura viária, ao confrontar o eixo histórico de
dada a espontânea expansão territorial e o desenvolvimento norte-sul, entretanto em
urbanismo rodoviarista (figuras 3 e 4). uma escala diferente da inicialmente
proposta. Os planos mais recentes de Jacarta
reconhecem que a cidade – assim como nas
Jacarta décadas anteriores – sofre ainda com graves
passivos ambientais, mobilidade ineficiente e
Consecutivas tentativas de descentralização congestão dado o crescente número de
nos sentidos leste e oeste e a construção de veículos. O que mudou com a democracia foi
infraestrutura modal a norte-sul guiaram o a visão acerca do planejamento urbano como
desenvolvimento urbano de Jacarta ao longo uma ferramenta para desenvolvimento social
do século XX (Figura 5). Ao comparar a através de participação popular.
Formas espontâneas e induzidas: comparando São Paulo, Jacarta, Hanoi e Belo Horizonte 89

Figura 5. Evolução da área urbanizada versus a expansão demográfica em Jacarta (fonte:


Barbosa et al., 2013).

Figura 6. Sequência de planos para Jacarta: Plano Diretor de 1965-1985, Plano Regional
Jabotabek 1973, Plano estrutural de Jacarta 1985-2005, Plano Regional 1985, Plano
Diretor 2010 (fonte: Barbosa et al., 2013).

Hanói mais curtos períodos, representam esse


dinamismo e a hibridez desse território.
Acompanhando a evolução urbana de Hanói,
pode-se observar várias áreas urbanas
construídas em diferentes temporalidades, Belo Horizonte
formando camadas históricas alinhadas e, às
vezes, sobrepostas umas às outras. A área De acordo com Amorim (2007), a paisagem
urbana consolidada, a antiga Hanói antes da urbana de hoje é resultado de políticas de uso
expansão dos limites em 2008, consiste na e ocupação do solo da década de 1980. A
somatória de diferentes quadrantes cidade cresceu com a verticalização e
históricos. As camadas históricas mais concentração das atividades econômicas. Os
recentes de Hanói não são tão compactas planos de 1990 e 1996, realizados e
quanto as anteriores. Estão misturadas com aprovados depois da Constituição de 1988,
outras camadas históricas e com muitas vilas mostraram objetivos mais democráticos
tradicionais. Antes periferia da grande (figuras 9 e 10), com o objetivo de
Hanói, essas vilas agora se encontram transformar a estrutura espacial da cidade,
centrais. criar novas centralidades, melhorar as
Observando os planos elaborados para a condições de habitabilidade dos
cidade (Figura 8) pode-se dizer que apesar assentamentos informais, descentralizando os
das diretrizes de expansão da cidade em investimentos públicos e promovendo
certas direções, foi apenas com a economia equilíbrio ambiental, abrindo a possibilidade
liberalizada que o desenvolvimento espacial para participação pública.
se iniciou de fato, seguindo todos os Atualmente ainda existe a tendência de
possíveis eixos viários. São as políticas expansão urbana para a área sul da região
recentes que, sobrepondo-se em cada vez metropolitana, com o desenvolvimento do
90 Formas espontâneas e induzidas: comparando São Paulo, Jacarta, Hanoi e Belo Horizonte

Figura 7. Evolução da mancha urbana versus crescimento demográfico em Hanói


(fonte: Barbosa et al., 2013).

Figura 8. Sequência de planos para Hanói: Plano 1956-1960, Plano 1968-1976 , Revisão
1982, Revisão 1992, Revisão 1998 , Plano 2011 (fonte: Barbosa et al. (2013).

município Nova Lima (Costa, 2006; Villaça, fechados a pequenas fábricas e galpões,
2001), apesar das tentativas históricas do aumentando a fragmentação do espaço da
poder municipal de induzir o metrópole contemporânea.
desenvolvimento em direção a outras áreas. Entendendo as dinâmicas que formaram a
A maior parte das atividades comerciais e forma urbana atual, parte-se para a
ligadas ao setor terciário ainda se concentra abordagem dos fragmentos, comparando as
na área central e ao longo das grandes vias, cidades duas a duas.
formando centralidades lineares (Figura 9).
A mobilidade, os padrões de crescimento
desiguais e os diferentes padrões de Comparando São Paulo e Jacarta
densidade foram historicamente questões na
cidade, agravadas pelo seu desenvolvimento Na escala da cidade, São Paulo e Jacarta
ao longo do tempo. De acordo com mostraram processos de desenvolvimento e
PBH/SMURBE (2009) sempre houve um urbanização bem semelhantes. Ambas as
desacordo entre os processos de cidades alternaram períodos de crescimento
parcelamento e ocupação, bem como o econômico intenso, atraindo imigrantes de
desenvolvimento habitacional; criando um outras partes do país, no qual um progressivo
ciclo especulativo contínuo, corroborado espraiamento urbano ocorreu (em São Paulo
pela política urbana, tendo como resultado nas décadas de 1950 e 1960 e em Jacarta
uma metrópole dispersa e de relativa baixa depois da década de 1970) sem a devida
densidade, tendo suas áreas remanescentes oferta de serviços, habitação e infraestrutura,
ocupadas – formal e informalmente – por processo que define sua configuração
processos e tipologias heterogêneos, espacial das cidades até hoje (Barbosa, 2011;
variando desde grandes condomínios Santoso, 2009). Ambas as cidades
Formas espontâneas e induzidas: comparando São Paulo, Jacarta, Hanoi e Belo Horizonte 91

Figura 9. Evolução da mancha urbana de Belo Horizonte (fonte: Barbosa et al., 2013).

Figura 10. Sequência de planos para Belo Horizonte: Plano de Aarão Reis de 1895, Plano
Diretor de 1975, Lei de uso e ocupação do solo de 1976, PDDI de 1996 e Plano Diretor de
2010 (fonte: Barbosa et al., 2013).

apresentam uma infraestrutura simbólica significância na incidência de suas tipologias


proveniente de períodos ditatoriais que mais comuns (Waisman, 2013), apesar do
marcam sua estrutura espacial, projetadas dinamismo e das constantes transformações
para simbolizar a modernidade. tipológicas observadas nesse contexto e em
Em São Paulo existe o Elevado Costa e todos os estudos de caso.
Silva, construído entre 1969 e 1970, como
exemplo de infraestrutura viária que fissura
parte de bairros tradicionais em nome da Fragmentos formais
eficiência e fluidez no trânsito. Já em Jacarta,
o próprio Thamrin Boulevard, também uma A análise da escala do fragmento exemplifica
infraestrutura viária, foi construído como diferentes formas de desenvolvimento
grande eixo simbólico de desenvolvimento. quando se trata do tecido urbano. No
Apesar de semelhança na forma urbana primeiro caso, temos uma malha ortogonal
na escala da cidade – sendo ambas composta por quarteirões regulares. No
megalópoles – a análise revelou fragmentos segundo caso, apresenta-se uma malha
bem distintos. Os fragmentos ‘formais’ fortemente fragmentada, que, apesar de
escolhidos foram o Bairro dos Jardins em ortogonal, é composta por quarteirões de
São Paulo e o eixo representado pelo dimensões muito irregulares e dependentes
Thamrin Boulevard em Jacarta, e os de um eixo central (Figura 11).
escolhidos para representar a urbanização A diferença da hierarquia do sistema
‘informal’ em cada cidade foram Heliópolis, viário em ambos é evidente. Apesar de
em São Paulo, e Kebon Kacang, em Jacarta. observarmos eixos estruturadores em ambos
Todos os fragmentos escolhidos estão os casos, o Thamrin Boulevard apresenta-se
localizados em áreas consolidadas da cidade, como um eixo central estruturador do
ou seja, cujo processo de formação e restante do tecido urbano. Já o tecido urbano
transformação encontra-se relativamente nos Jardins se desenvolve em malha
estabilizado, contendo algum tipo de ortogonal, graças às características de seu
92 Formas espontâneas e induzidas: comparando São Paulo, Jacarta, Hanoi e Belo Horizonte

Figura 11. Tecido urbano – fragmentos Jardins em São Paulo e Thamrin Boulevard em
Jacarta.

Figura 12. Malha viária – fragmentos Jardins em São Paulo e Thamrin Boulevard, Jacarta.

parcelamento inicial, tendo passado por respeita às proporções do tipo edificado


subsequentes substituições dos tipos dominante. Em ambos os casos o tipo mais
originais, de casas unifamiliares para torres comum é o do edifício em altura, apesar do
de altura média. Em Jacarta, a abertura do exemplo asiático mostrar uma dramática
Boulevard deu origem a uma faixa de aglomeração de subsequentes intervenções
desenvolvimento imobiliário linear na no mesmo lote, com o adensamento das
década de 1960, eixo que persiste até os dias estruturas originais, acoplando edifícios em
de hoje (Figura 12). compostos multifuncionais hiper-densos e
Conceitualmente, o fragmento dos Jardins extremamente altos, enquanto nos Jardins o
pode ser interpretado como uma versão tamanho e projeção vertical do lote original
espraiada do densificado Thamrin permanecem intocados, apesar da alternância
Boulevard, que por sua vez exemplifica o de tipos no tempo e no espaço. Ambas
urbanismo à moda de Las Vegas strip amostras funcionam como amplas colagens –
(Venturi et al., 1977), presente por toda de tipos e funções – operando, entretanto, em
Jacarta. diferentes escalas, na escala do bairro
Ao mesmo tempo, a amostra territorial (Jardins) e na escala do lote (Thamrin
observada revela discrepâncias no que Boulevard).
Formas espontâneas e induzidas: comparando São Paulo, Jacarta, Hanoi e Belo Horizonte 93

Figura 13. Figura-Fundo – amostras Jardins em São Paulo e Thamrin Boulevard em


Jacarta.

Figura 14. Esquema representando os tipos edificados predominantes: Jardins e Thamrin


Boulevard.

Amostra formal
1987) que mantém as estruturas do
Apesar das diferenças relacionadas à malha parcelamento original, modificando as
urbana e à escala das tipologias dimensões dos lotes. Já em Jacarta, a
predominantes (figuras 13 e 14), os dois sobreposição tipológica é mais frequente, em
fragmentos se desenvolveram livremente de atuação cumulativa do mercado imobiliário,
acordo com as tendências do mercado densificando um mesmo lote, criando o que é
imobiliário, induzidos pela criação e chamado de superblock (Santoso, 2007).
desenvolvimento da infraestrutura. No caso Apesar de serem ‘formais’, eles não foram
de São Paulo, houve a transformação dos planejados ou projetados, densificaram-se ao
tipos predominantes do início do século XX longo do tempo, tendo hoje excedido sua
(casas e sobrados) em edifícios verticais, em capacidade de carga em termos de
um processo de verticalização (Somekh, infraestrutura urbana.
94 Formas espontâneas e induzidas: comparando São Paulo, Jacarta, Hanoi e Belo Horizonte

Figura 15. Tecido urbano – fragmentos Heliópolis em São Paulo e Kebong Kacang em
Jacarta.

Figura 16. Malha viária – fragmentos Heliópolis em São Paulo e Kebong Kacang em
Jacarta.

Fragmentos informais características originais do sítio (Padiá,


2013). O tecido de Kebon Kacang foi
Os fragmentos informais selecionados manipulado ao longo do tempo, aparecendo
revelam diferenças similares quanto à escala. hoje como uma malha quase ortogonal, com
Heliópolis (São Paulo) é consideravelmente uma distinta hierarquia de vias internas. As
mais espraiado do que Kebon Kacang. Seu amostras (figuras 15 e 16) mostram
tecido urbano dispõe-se como um labirinto, similaridades na escala e caráter das
graças a sua ocupação progressiva, a tipologias. Kebon Kacang, anteriormente
implantação de equipamentos públicos e às uma vila agrícola agora engolida pela
Formas espontâneas e induzidas: comparando São Paulo, Jacarta, Hanoi e Belo Horizonte 95

Figura 17. Figura-fundo – amostras Heliópolis em São Paulo e Kebong Kacang em


Jacarta.

Figura 18. Esquema representando os tipos edificados predominantes: Heliópolis e


Kebong Kacang.

urbanização, continha inicialmente casas considerada inteiramente espontânea, onde a


unifamiliares que foram densificadas. única diferença entre um fragmento e outro
Heliópolis, uma área ilegalmente parcelada e são os atores que iniciaram o processo
ocupada por migrantes passou por uma espontâneo de ocupação, independente da
considerável transformação tipológica nas ação do poder público. Jacarta, apesar dos
últimas décadas, melhorando a qualidade projetos de modernização da década de 1960,
construtiva e densificando as casas originais. também pode ser considerada como um
resultado espacial de um processo
espontâneo, primeiro pela ocupação dos
Amostra informal Kampungs e depois pelas transformações de
iniciativa privada e aglomerações do
Como resultado, Heliópolis, com suas mercado imobiliário.
grandes dimensões e alta densidade, é um
fragmento distinto da compacta ‘vila urbana’
que é Kebon Kacang. Como conclusão Comparando Hanói e Belo Horizonte
parcial, ao analisar e entender seu processo
de urbanização através da análise dos Quando comparadas na escala da cidade,
fragmentos e amostras de tecido urbano com seus planos e processos, pode-se dizer
(figuras 17 e 18), percebe-se que São Paulo que iniciativas enfatizando a soberania
oferece uma forma urbana atual que pode ser política e processos de modernização
96 Formas espontâneas e induzidas: comparando São Paulo, Jacarta, Hanoi e Belo Horizonte

Figura 19. Tecido urbano – fragmentos de Lihn Dam em Hanói e de Belvedere III em Belo
Horizonte.

Figura 20. Malha viária – fragmentos de Lihn Dam em Hanói e de Belvedere III em Belo
Horizonte.

guiaram o desenvolvimento espacial de orientada pelo mercado.


Hanói e Belo Horizonte. Em ambos os casos,
em períodos distintos, o planejamento Fragmentos formais
urbano foi utilizado como disciplina que se
propunha a ordenar seu futuro. Porém, a Os tecidos urbanos abordados exemplificam
política urbana contemporânea apresenta suas diferenças espaciais, uma vez que Lihn
diferentes processos e resultados espaciais Dam foi inteiramente planejada com um
em cada cidade, como exemplificado na rígido controle da forma urbana e o
análise dos fragmentos. De um lado, uma Belvedere III, inicialmente parcelado para
área altamente controlada pelo estado é acomodar residências unifamiliares
exemplificada por Lihn Dam e de outro, o horizontais, hoje apresenta um processo
Belvedere III surge como uma área altamente intenso de verticalização, devido às pressões
Formas espontâneas e induzidas: comparando São Paulo, Jacarta, Hanoi e Belo Horizonte 97

Figura 21. Figura-fundo – amostras de Lihn Dam em Hanói e do Belvedere III em Belo
Horizonte.

Figura 22. Esquema representando os tipos edificados predominantes: amostras de Lihn


Dam em Hanói e do Belvedere III em Belo Horizonte.

de mercado que acabaram por manipular Lihn Dam há uma hierarquia de espaços bem
regulações urbanas (figuras 19 e 20). clara, representada por eixos de uso misto,
com atividades comerciais no térreo e torres
corporativas marcando as esquinas. O
Amostra formal Belvedere III concentra principalmente
condomínios fechados com poucas
A escala da amostra evidencia resultados interações e aberturas no nível da rua, exceto
tipológicos semelhantes, uma vez que ambas por um incipiente eixo comercial.
contém edifícios verticais como tipo Os fragmentos informais urbanizados são
predominante (figuras 21 e 22), porém, em representados pelo dinâmico e diversificado
Lihn Dam há uma repetição de escalas bairro ‘Jardim Canadá’ (Região
enquanto no Belvedere III o resultado formal Metropolitana de Belo Horizonte, município
é completamente espontâneo (Figura 21), de Nova Lima) e Van Quan (Hanoi), uma
dadas as diferenças de dimensionamento dos melancólica urban village em Hanoi,
lotes e a multiplicidade de atores, gerando engolida por novos empreendimentos em um
empreendimentos de portes distintos. Em dos eixos de expansão urbana. Ambos foram
98 Formas espontâneas e induzidas: comparando São Paulo, Jacarta, Hanoi e Belo Horizonte

Figura 23. Tecido urbano – fragmentos Van Quan em Hanói e Jardim Canadá em Belo
Horizonte.

Figura 24. Malha viária – fragmentos Van Quan em Hanói e Jardim Canadá em Belo
Horizonte.

escolhidos por sua relativa distância dos Fragmentos informais


centros das referidas cidades e por
exemplificar fenômenos de transformação Van Quan é uma vila tradicional que foi
recente: a contração das vilas tradicionais e a pressionada e incorporada pela expansão
expansão da metrópole. oeste da cidade de Hanoi, distante demais do
Formas espontâneas e induzidas: comparando São Paulo, Jacarta, Hanoi e Belo Horizonte 99

Figura 25. Figura-fundo – amostras Van Quan em Hanói e Jardim Canadá em Belo
Horizonte.

Figura 26. Esquema representando os tipos edificados predominantes: Van Quan em


Hanói e Jardim Canadá em Belo Horizonte.

centro para manter vivacidade. O orgânico e que, também informal e espontaneamente


‘leve’ tecido urbano de Van Quan se começaram a transformar sua forma
apresenta limitado por avenidas expressas e planejada oficialmente.
ameaçado por novos empreendimentos
planejados ao longo das avenidas (figuras 23
Amostra informal
e 24). Os tipos antigos também foram
densificados ao longo do tempo, enquanto Essas amostras, em Van Quan e Jardim
poucas atividades comerciais ainda são Canadá, demonstram como distintos
vistas. Formalmente parcelado, o bairro processos econômicos globais recentes –
Jardim Canadá passou por um processo de como os diferentes processos de
subdivisão informal de seu loteamento industrialização asiática e latino-americana –
inicial, densificando seus lotes e não seus foram canalizados no espaço da periferia
tipos (Figura 23). Apesar de seu isolamento destas duas cidades, gerando diferentes
em relação às áreas urbanas de Belo formas urbanas (figuras 25 e 26): Hanoi com
Horizonte e Nova Lima, o bairro funciona um resultado altamente controlado, que se dá
como uma centralidade comercial para outras sem considerar as preexistências; e Belo
áreas da região metropolitana de Belo Horizonte com um modelo privatizado
Horizonte, recebendo espontaneamente uma guiado pelo mercado, responsável por gerar
série de atividades comerciais, seguida da novos arranjos nos parcelamentos pré-
ocupação pelos trabalhadores de baixa renda, existentes (Figura 25).
100 Formas espontâneas e induzidas: comparando São Paulo, Jacarta, Hanoi e Belo Horizonte

Considerações finais dinâmicos.


O referencial teórico tradicional da
Este trabalho apresentou os resultados de morfologia urbana – parcelamento,
uma pesquisa comparativa que, usando a quarteirão, lote e tipo (Solà-Morales, 1997) –
morfologia urbana como uma ferramenta não se adequou completamente às condições
metodológica, objetivou revelar os resultados urbanas contemporâneas que se enfrentou
espaciais do desenvolvimento urbano e de durante a pesquisa de campo. Considerando
processos de urbanização em quatro cidades. a sequência de quarteirão, lotes,
Para tal, São Paulo e Jacarta, e Hanói e Belo equipamentos urbanos e tipos, espera-se que
Horizonte foram selecionadas e comparadas a leitura de um superblock de Jacarta –
em diferentes escalas, de acordo com o entendido como quarteirão, lote e tipologia
enquadramento fornecido pela morfologia simultaneamente – seja diferente da leitura
urbana, estabelecendo analogias entre seu de uma torre residencial em São Paulo,
tecido urbano e tipos edificados mais mesmo sendo ambos parte de um fragmento
frequentes. formal.
A comparação mostrou resultados Não há leitura sem diálogo, um pré-
espaciais dos fragmentos bem diversos, conceito, uma implícita comparação entre o
apesar de semelhantes (i) processos de que está sendo lido e o repertório do
urbanização – que se apoiam na expansão da interprete. A riqueza da metodologia
infraestrutura modal baseada no uso do proposta foi a visão compartilhada e a
automóvel; (ii) paradigmas de planejamento combinação da leitura das diferentes
urbano – que se apoiam na promoção de pesquisadoras com experiências distintas,
planos abstratos de desenvolvimento; e (iii) baseadas no mesmo material espacial e
processos de inserção regional na economia experiência in loco.
global. A pesquisa comparativa ofereceu esta
Esses resultados espaciais foram variedade de condições propiciando um
influenciados tanto por regulações urbanas melhor entendimento das questões
(que influenciaram a dimensão dos pertinentes às cidades do Sul Global, quanto
empreendimentos) e o planejamento urbano à industrialização tardia e rápida
– ou a falta deste. Relacionam-se com a urbanização, explicitando alguns de seus
oferta de serviços públicos e infraestrutura, resultados espaciais contemporâneos.
que altera a maneira através da qual os De acordo com McFarlane (2010) uma
habitantes se apropriam dos espaços livres. nova abordagem sobre estudos urbanos pode
Os tipos observados, entretanto, mostram emergir de comparações norte-sul se os
algumas semelhanças, uma vez que o tipo conceitos paradigmáticos de ‘cidades do
mais comum das áreas formais analisadas é o norte’ e ‘cidades do sul’ são deixados de lado
edifício em altura (figuras 12 e 14) – por um instante enquanto o urbanismo e a
variando de 8 a 40 andares. Nos fragmentos cidade, como conceitos simples sem
informais observam-se principalmente preconceitos, são discutidos. De acordo com
residências baixas e densificadas, ‘uni’- ou o autor, a comparação pode agir tanto como
‘multi’-familiares (figuras 18 e 26). uma ferramenta de aprendizado como uma
São Paulo e Jacarta provaram ser estratégia para mudança, adaptando
semelhantes mega-cidades nos seus conceitos identificados num diálogo de
processos de desenvolvimento espacial tradução. Portanto, a comparação, neste
espontâneo, apesar de distintas na forma – cenário, pode levar à formação colaborativa
cada uma com sua colcha de retalhos de de (novos) objetos ou conceitos. Mais do que
fragmentos característicos. Hanói e Belo um simples estudo comparativo, a pesquisa
Horizonte tiveram seus fragmentos se apresenta como uma oportunidade para
periféricos, e de recente transformação, remodelar conceitos e termos, instigando um
comparados com o objetivo de realçar suas debate etimológico.
singularidades, revelando mais do que Apesar da necessidade de uma
diferenças em suas formas distintas, mas terminologia mais adequada para explicitar a
também nos seus processos de diversa gama de condições urbanas, aqui, a
transformações em andamento, ambos discussão etimológica é levantada em relação
Formas espontâneas e induzidas: comparando São Paulo, Jacarta, Hanoi e Belo Horizonte 101

à morfologia urbana e o fragmento da cidade políticas e regulação urbana.


do sul contemporânea. Para auxiliar o Acredita-se que as noções de ‘forma
diálogo entre diferentes cidades e espontânea’ e ‘forma induzida’ estão mais
pesquisadores os termos formal e informal relacionados a processos de ocupação e
foram inicialmente propostos para transformação de territórios, dialogando de
determinar e classificar os fragmentos modo mais adequado com dinâmicas
urbanos e amostras nas cidades selecionadas. culturais e com o caráter da paisagem,
A experiência no campo provou que esses observados nessas latitudes.
termos estão desatualizados para qualificar
os diferentes fragmentos, não se
relacionando com a dinâmica e experiência Nota
urbana atual. Os termos formal / informal,
legal / ilegal, planejado / não planejado Uma versão prévia deste artigo foi apresentada no
envolvem noções e preconceitos que não são 21st International Seminar on Urban Form
realizado no Porto entre 3 e 6 de Julho de 2014.
necessariamente relevantes ao lidar com a
forma urbana. Um território formal como o
Jardim Canadá, em Belo Horizonte, pode ser Agradecimentos
considerado com menos qualidades espaciais
do que o informal Kebon Kacang em Jacarta. Este artigo pretende sintetizar uma pesquisa
Tais termos estão relacionados com conduzida com o apoio financeiro da Global
direitos de propriedade e regulações urbanas, Development Network (GDN) e ‘Banco
que por sua vez não qualificam o espaço e Interamericano de Desenvolvimento’ (BID) como
não definem seu processo formal. Mesmo parte do GDN Working Paper Series
dentre as pesquisadoras envolvidas neste ‘Urbanization and development: delving deeper
artigo não houve um acordo sobre o que into the nexus’ realizada entre 2012 e 2013,
elaborado em parceria entre as autoras deste
exatamente estes termos significavam
artigo e a pesquisadora baseada em Hanói,
considerando a realidade de cada território Nguyen Tu. O relatório completo da pesquisa
estudado: i) o formal é necessariamente pode ser encontrado em:
planejado?; ii) o não planejado é www.gdn.int/html/workingpapers.php.
necessariamente informal?; iii) podemos
falar de pós-informal?; iv) vernacular é
necessariamente informal? Referências
O trabalho de campo compartilhado foi
decisivo para mostrar que a classificação Amorim, F. (2007) ‘Belvedere III: um estudo
tradicional formal / informal não estava sobre as influências do mercado imobiliário na
adequada para lidar com as condições produção da paisagem e espaços urbanos’, Tese
de Mestrado não publicada, Universidade
urbanas e espaciais com as quais lidamos,
Federal do Rio de Janeiro, Brasil.
nem com os processos que se pretende Barbosa, E. R. Q. (2011) ‘Sao Paulo today, Hanoi
abordar. tomorrow? Landscape urbanism to prevent
Portanto, apresenta-se como contributo parallelisms in the contemporary southern city’,
para o debate, além do exercício comparativo Tese de Mestrado não publicada, Universiteit
em si, os termos ‘fragmento espontâneo’ e Katholieke Leuven, Bélgica.
‘fragmento induzido’ para especificar e Barbosa, E. R. Q., Fernandes, P. C. A. e Tú, N. T.
distinguir os tipos de fragmentos urbanos (2013) ‘Urbanization processes and urban
com os quais lidamos, abrindo a morphology in the periphery of capitalism: São
possibilidade para futuros debates Paulo, Jakarta, Hanoi and Belo Horizonte’,
Global Development Network Working Papers
etimológicos. Fragmentos espontâneos
76, 1-138.
representam territórios formados a partir de Costa, H. S. M. (2006) Novas periferias
processos espontâneos de formação e metropolitanas (C/Arte, Belo Horizonte).
ocupação, não tendo sido provocados por Lamas, J. M. R. G. (1993) Morfologia urbana e
políticas ou regulações urbanas específicas. desenho da cidade (Fundação Calouste
Fragmentos induzidos, ao contrário, Gulbenkian / Junta Nacional de Investigação
representam territórios que foram induzidos Científica e Tecnológica, Lisboa).
ou se apresentam como resultado direto de McFarlane, C. (2010) ‘The comparative city:
102 Formas espontâneas e induzidas: comparando São Paulo, Jacarta, Hanoi e Belo Horizonte

knowledge, learning, urbanism’, International Barcelona).


Journal of Urban and Regional Research 34, Somekh, N. (1987) ‘A (des)verticalização de São
725-42. Paulo’, Tese de Mestrado não publicada,
Padiá, V. (2013) ‘Heliópolis: as intervenções Universidade de São Paulo, Brasil.
públicas e as transformações na forma urbana Venturi, R., Brown, D. S. e Izenour, S. (1977)
da favela (1970-2011)’, Tese de Mestrado não Learning from Las Vegas: the forgotten
publicada, Universidade Mackenzie, Brasil. symbolism of architectural form (MIT Press,
Santoso, J. (2009) The fifth layer of Jakarta Cambridge).
(Graduate Program of Urban Planning Villaça, F. (2001). Espaço intra-urbano no Brasil
Centropoli, Jakarta). (Studio nobel, São Paulo).
Solà-Morales, M. (1997) Las formas de Waisman, M. (2013) O interior da história
crecimiento urbano (Ediciones UPC, (Perspectiva, São Paulo).

Tradução do título, resumo e palavras-chave

Spontaneous and induced urban forms: comparing São Paulo, Jakarta, Hanoi and Belo Horizonte

Abstract. This paper gathers research, developed in 2012/2013, in which urban morphology was used as
an investigating tool to study the relations between urbanization and development, producing a
comparative study of spatial and economic development, planning processes and the resulting urban
forms of four cities: São Paulo and Jakarta, and Hanoi and Belo Horizonte. Planning policies and urban
forms were compared at different scales in these four cities, using the approach proposed by Lamas
(1993). São Paulo and Jakarta were chosen due to their importance and economic relevance on their
respective contexts, Latin America and South East Asia, offering the possibility of comparison aiming at
finding relevant similarities. Hanoi and Belo Horizonte have similar positions regarding their contexts;
both are administrative cities with similar characteristics in terms of demography, economic growth and
rapid urbanization. Despite these similarities, the cities present distinct processes of growth and
urbanization, as well as cultural aspects; both were highlighted in this comparison. This study
investigates the patterns of urban form of these four cities, exploring their urban tissues and building
types, aiming at a better understanding on how these cities have coped with economic processes and how
they work today, opening the possibility of broader discussions on which lessons can be drawn both to
these case studies and to cities in general.

Keywords: urban morphology, building typology, southern hemisphere

Rede Lusófona de Morfologia Urbana (PNUM), 2014-15

A criação de uma rede Portuguesa (PNUM) Julho de 2014 e Julho de 2015, e uma breve
integrada no International Seminar on Urban consideração sobre futuras atividades.
Form (ISUF) teve lugar em 2010, durante a 17ª O interesse que tem sido depositado na Rede
Conferência do ISUF. A proposta de criação do Lusófona de Morfologia Urbana, inclusive pelos
PNUM (bem como a sua Constituição) foi colegas do Brasil, é muito gratificante. A recente
apresentada no ISUF Council dessa mesma mudança na designação de ‘Rede Portuguesa de
conferência em Agosto de 2010. Morfologia Urbana’ para ‘Rede Lusófona de
No meu primeiro relatório do PNUM, na Morfologia Urbana’, conforme aprovado no
qualidade de Presidente, gostaria de aproveitar a Conselho Científico do PNUM em Julho de 2014,
oportunidade para reconhecer o trabalho e a reforça a aliança Portuguesa-Brasileira construída
energia investida no PNUM pelo presidente ao longo dos últimos anos.
antecessor, Vítor Oliveira. Este relatório é um A quarta edição da conferência promovida
resumo das principais atividades do PNUM, pelo PNUM, ‘Configurações urbanas e os
incluindo a indicação de conferências, workshops desafios da urbanidade’, teve lugar em Brasília,
e publicações realizadas no âmbito da rede, entre Brasil, em Junho último, constituindo a primeira
Relatórios 103

edição da conferência do PNUM fora de Portugal. prefácio escrito por Jeremy Whitehand. Este livro
Esta última conferência contou com a integra um conjunto de perspetivas sobre o estudo
participação de 250 pessoas. da forma urbana, dadas por 14 investigadores
Atualmente, o PNUM integra mais de um portugueses, na sua maioria membros fundadores
milhar de membros oriundos de 15 países: do PNUM.
Angola, Austrália, Bélgica, Brasil, Cabo Verde, É desejo do Conselho Científico continuar a
Dinamarca, França, Alemanha, Holanda, Itália, promover as atividades do PNUM junto de todos
Moçambique, Portugal, Espanha, Suíça e aqueles que reconhecem no estudo da forma
Vietnam. O rápido crescimento do PNUM deve- urbana, em Portugal e nos países lusófonos, uma
se sem dúvida à realização das suas conferências característica cultural comum que merece maior
anuais, que têm proporcionado um importante atenção e enfoque. Investigações comuns entre os
espaço de reflexão e de debate para a temática da diferentes países que participam no PNUM serão
morfologia urbana. A quinta conferência do bem-vindas: por exemplo, entre Espanha e
PNUM, terá lugar no próximo ano, em Portugal, cujas origens históricas dotaram a
Guimarães, Portugal, e a sua organização é Península Ibérica de um um sistema regional de
coordenada por Jorge Correia e Miguel Bandeira individualidade marcante, e que marcou
da Universidade do Minho. fortemente um sistema de abertura à comunicação
Foi durante o presente ano que o PNUM com o exterior, conforme defendido pelo notável
testemunhou a organização do seu primeiro geógrafo M. R. G. Conzen (2004).
Workshop, com o tema ‘Diferentes abordagens ao Finalmente, gostaria de convidar todos os
estudo da forma urbana’. Um segundo workshop membros do PNUM e todos aqueles interessados
está a ser preparado para 2016 (p. 122 deste no estudo da forma urbana em Portugal a
número). visitarem o nosso website, em
Para além da organização de conferências e http://pnum.fe.up.pt/, e a enviarem novas
workshops, o PNUM pretende continuar a sugestões de atividades que julguem oportunas
promover o estudo da forma urbana em Portugal serem realizadas pelo PNUM.
também através de publicações. Já no seu quinto
número, a ‘Revista de Morfologia Urbana’,
editada por Vítor Oliveira, constitui um Referência
importante contributo para a publicação de
perspetivas e artigos reportando resultados de Conzen, M. R. G. (2004) ‘The historical
investigação na área da morfologia urbana. A urbanization regions of medieval Europe’, em
inclusão de traduções portuguesas de trabalhos Conzen, M. P. (ed.) Thinking about urban form:
seminais, originalmente publicados em Inglês na papers on urban morphology 1932-1998 (Peter
revista Urban Morphology, constitui outro Lang, Oxford) 197-235.
contributo notável da Revista.
Uma publicação entretanto disponível durante
o ano de 2015 e com interesse para os vários Teresa Marat-Mendes, Instituto Universitário
membros do PNUM e leitores da ‘Revista de de Lisboa ISCTE-IUL, DINÂMIA’CET-IUL,
Morfologia Urbana’ é o livro ‘O estudo da forma Departamento de Arquitectura e Urbanismo, Av.
urbana em Portugal’, editado por Vítor Oliveira, das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal.
Teresa Marat-Mendes e Paulo Pinho, com E-mail: teresa.marat-mendes@iscte.pt

1st Symposium of the Turkish Network of Urban Morphology, Istambul,


2015
Com base na decisão tomada no Foundation forma urbana foram discutidas ao longo de duas
Workshop que teve lugar a 11 de Abril de 2014, o sessões plenárias e uma série de sessões paralelas
1st Symposium of the Turkish Network of Urban durante dois dias. Atraindo 56 participantes de 19
Morphology, acolhido pelo Centre for universidades, o simpósio incluiu 35 artigos
Mediterranean Urban Studies, Mersin University, sobre diferentes tópicos como métodos e técnicas
na Turquia, foi organizado a 22 e 23 de Outubro em morfologia urbana, planeamento, arquitetura e
de 2015. Diferentes abordagens no estudo da desenho, e a sua relação com a forma urbana,
104 Relatórios

crescimento urbano, cinturas periféricas, história da forma urbana, provenientes de diferentes


da forma urbana, agência em morfologia, espaço disciplinas (planeamento, arquitetura e
público, tipo-morfologia, aplicações geografia), acomodando diferentes abordagens e
computacionais em morfologia urbana e space métodos.
syntax. Apesar de poder considerar-se o número de
Na primeira sessão plenária, Tolga Ünlü e participantes relativamente restrito, muitas
Yener Baş, da Mersin University, fizeram uma discussões produtivas estenderam-se durante o
apresentação sobre a transformação do espaço simpósio, de algum modo garantindo aos
urbano da cidade de Mersin ao longo de um participantes a antecipação de um futuro
século, desde as primeiras décadas do século XX prometedor. Na sessão de encerramento, os
até aos dias de hoje. Com base numa abordagem participantes discutiram a estrutura do TNUM –
histórico-geográfica e no método morfogenético, organização, princípios – e possíveis
os autores revelaram os padrões de colaborações de investigadores dentro do TNUM
desenvolvimento urbano a uma escala macro, e com outras redes locais.
através de uma investigação sobre a formação e Os participantes concordaram que o TNUM
os processos de modificação das cinturas será uma organização abrangente para
periféricas. Seguidamente, apresentaram os ciclos investigadores de diferentes disciplinas
de desenvolvimento e os ‘tipos morfogenéticos’ desenvolverem os seus estudos sobre forma
explorando detalhadamente a transformação das urbana. O Centre for Mediterranean Urban
parcelas e edifícios. A sessão plenária Studies na Mersin University irá servir como
subsequente incluiu dois artigos sobre diferentes ‘secretário geral’, de forma a organizar a
perspetivas e métodos do estudo da forma urbana. disseminação de conhecimento entre os
Ayşe Sema Kubat, da Istanbul Technical membros. No entanto, a organização está
University, discutiu a utilização da space syntax decidida a desenvolver-se de forma flexível,
como um método de investigação da relação entre sendo que cada simpósio será organizado
organização espacial e estruturas sociais, com bienalmente por diferentes universidades em
enfoque nos espaços exteriores através de vários diferentes cidades. Os próximos dois simpósios
exemplos de diversas cidades turcas. Cana Bilsel, serão realizados na Istanbul Technical University,
da Middle East Technical University, discutiu a em Istambul em 2017, e na Middle East
contribuição da investigação em morfologia Technical University, em Ankara em 2019.
urbana para os estudos de história urbana. Os participantes concordaram em desenvolver
Recorrendo a exemplos do contexto internacional um vocabulário de morfologia urbana, partilhado,
(França e Grã-Bretanha), focou-se no em língua Turca. Uma vez que o vocabulário de
desenvolvimento de uma estrutura metodológica morfologia urbana está desenvolvido em Inglês,
para estudos de história urbana, explorando a existe uma necessidade urgente de encontrar
conformação do espaço urbano. traduções para Turco. Em paralelo à discussão,
Após duas sessões plenárias, o primeiro dia foi ainda admitido desenvolver a discussão sobre
foi concluído com uma sessão especial sobre o lugar da morfologia urbana na educação em
diferentes abordagens e métodos no estudo da planeamento e arquitetura. Os workshops,
forma urbana. Nesta sessão, abordagens organizados num conjunto de tópicos especiais,
histórico-geográficas, configuracionais e de facilitarão a elaboração de termos Turcos que
análise espacial, foram discutidas, juntamente sejam comummente aceites.
com a sua implementação em diferentes Como a agenda do primeiro simpósio foi
contextos. Para além disso, foi discutido um abrangente e desafiante, os tópicos abordados
método da ‘morfologia paramétrica’ como uma continuarão a ser explorados nos próximos
ferramenta para relacionar investigação simpósios, em Istambul e Ankara em 2017 e
morfológica e prática de planeamento e desenho 2019. Embora os participantes sejam
urbano. O segundo dia incluiu sessões paralelas maioritariamente das disciplinas de planeamento
nos tópicos ‘Processos morfológicos nos centros e arquitetura, antecipa-se que haverá uma maior
históricos’, ‘História da forma urbana’, participação de outras disciplinas, como a
‘Crescimento urbano e cinturas periféricas’, geografia, a história e a arqueologia, nos
Space Syntax, ‘Agentes morfológicos’ e simpósios seguintes.
‘Investigação morfológica e prática de
planeamento e desenho urbano’.
O 1st Symposium of the Turkish Network of Tolga Ünlü, Department of City and Regional
Urban Morphology revelou que existe um Planning, Mersin University, Yenisehir, Mersin
potencial substancial de investigadores no estudo 33343, Turkey. E-mail: tolgaunlu@gmail.com
Aplicação do conceito de Unidade Morfo-territorial na escalas
metropolitana, intraurbana e local

Jonathas M. P. Silva, Fernanda Lima e Natalia C. T. Magalhães


PUC-Campinas – Pontifícia Universidade de Campinas – PosUrb – Pós-graduação em
Urbanismo; Rodovia Dom Pedro I, Km 136 - Parque das Universidades, Campinas - SP,
13086-900, Brasil. E-mails: jonathas.silva@puc-campinas.edu.br,
fernandalima.fcl@gmail.com, nataliacristina.tripoli@gmail.com

Artigo revisto recebido a 17 de Setembro de 2015

Resumo. A forma urbana contemporânea observada na Região Metropolitana


de Campinas, resultante do processo de dispersão e fragmentação, necessita
ser melhor estudada. O presente artigo apresenta métodos de análise
provenientes de diferentes áreas: morfologia, ecologia e estudos da paisagem
urbana. Os conceitos, métodos e procedimentos aqui apresentados tiveram a
contribuição da rede de pesquisadores chamada QUAPÁ-SEL (Quadro do
Paisagismo – Sistema de Espaços Livres) que estuda a relação entre o sistema
de espaços livres e a forma urbana. Adota-se uma abordagem de análise em
três diferentes escalas: i) região metropolitana, formada por 20 municípios; ii)
bairros, constituídos de diferentes tecidos urbanos; e iii) quadra urbana, onde
o espaço edificado e o espaço livre de edificação geram o espaço urbano. Nas
três escalas o sistema de espaços livres é o protagonista da análise. O
resultado apresentado indica os ganhos que os procedimentos de leitura e
análise oferecem na compreensão do processo de fragmentação e dispersão
urbana. O método adotado busca aproximar técnicas de análise de diferentes
campos do conhecimento integrando os procedimentos adotados nos estudos
morfológicos às técnicas utilizadas no campo da ecologia e nos estudos sobre
a paisagem urbana.

Palavras-chave: morfologia urbana, forma urbana, paisagem, ecologia

O presente artigo é produto do esforço espaços livres de edificação considerando a


coletivo da rede QUAPA-SEL criada em presença ou ausência de políticas de solo
1993 que é coordenada por Sílvio Soares urbano. Acredita-se que o valor da terra
Macedo (FAUUSP) envolvendo diversas estabelece padrões de ocupação que irão
universidades em diferentes estados induzir paisagens urbanas com diferentes
brasileiros. No estado de São Paulo a PUC- características. É por conta do valor do solo
Campinas, Pontifícia Universidade Católica, que a população acaba assumindo um maior
por meio do PosUrb – pós-graduação em ou menor deslocamento. É também no solo,
urbanismo e a USP, Universidade de São onde se concretizam os diferentes interesses
Paulo, por meio de suas duas unidades: a na expansão da malha urbana. Procura-se
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de portanto incorporar o valor do solo urbano na
São Paulo (FAUUSP) e o Instituto de análise da forma urbana.
Arquitetura e Urbanismo de São Carlos Cabe ressaltar que a nova constituição
(IAU) participam de um projeto de pesquisa brasileira introduziu o conceito da ‘função
comum. social da propriedade’ que, lograria ser
Nos últimos anos a referida rede de implementado, por meio de instrumentos
pesquisa QUAPA-SEL procura estabelecer a urbanísticos de regularização do solo e de
relação entre a forma urbana e o sistema de recuperação de mais valia do solo urbano.

Revista de Morfologia Urbana (2015) 3(2), 105-20 Rede Lusófona de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214
106 Aplicação do conceito de Unidade Morfo-territorial nas escalas metropolitana, intraurbana e local

Estes instrumentos foram regulamentados O presente artigo apresenta os


pela lei federal 10.257 de 2001, que ficou procedimentos de análise aplicados a três
conhecida como Estatuto da Cidade. diferentes escalas, que denominamos aqui de
Entretanto depois de 14 anos de sua metropolitana, intraurbana e local (quadra
aprovação poucos efeitos tiveram estes urbana). Salienta-se que os termos que se
instrumentos no sentido de implantar a utilizam para denominar as três escalas são
função social do solo urbano. Desta forma, o utilizados, no presente texto, com a única
livre mercado irá tratar o solo como finalidade de facilitar a denominação dos
mercadoria sem haver um controle que faça recortes em análise. Portanto não são termos
prevalecer o interesse público. Mapear o universais nem se quer definir ou limitar, a
processo de valorização do solo urbano pode três, o número de escalas a serem
indicar relações constitutivas da forma das compreendidas. Acredita-se que as escalas de
cidades estudadas. abordagem variam conforme o contexto, o
Parte-se de bases teóricas longamente objetivo da análise e, porque não, a
construídas e lentamente consolidadas nas disponibilidade de informações.
áreas de arquitetura e urbanismo. Desta Os recortes territoriais estudados são: i)
forma podem-se lançar algumas premissas e Regional: Região Metropolitana de Campinas
pressupostos de análise. Primeiro, a crença de (RMC) de aproximadamente 3920 km2,
que a análise ou intervenção em uma formada por 20 municípios, localizada na
determinada escala não prescinde do região sudeste do Brasil; ii) Intraurbana: Sub-
conhecimento das demais escalas. Apegados bacia Hidrográfica do Ribeirão das
a essa visão de mundo, procurou-se, no Anhumas; recorte em área consolidada da
desenvolvimento da pesquisa, desenvolver cidade de Campinas, núcleo da RMC, dotada
um método de análise que lidasse com de infraestrutura e localizada na porção
diferentes escalas do território (Conzen, territorial com valor do solo mais elevado do
1988; Lamas, 1993; Whitehand, 2007). município; iii) Local: escala da quadra
Segundo, entende-se que o estudo da forma urbana, identificando tipos morfológicos e
urbana não está descontextualizado das relacionando-os com as demais escalas.
contradições sociais que a produziram O Brasil é composto por três entes
(Costa, 2007; Conzen, 1988; Lamas, 1993; federativos: federação, estados e municípios.
Whitehand, 2001). As regiões metropolitanas não se constituem
A novidade está na aplicação de métodos em entes federativos. As regiões
de análise, desenvolvidos pelo conhecimento metropolitanas surgiram sob um regime
acumulado na morfologia urbana, totalitário pela Lei Complementar n.º 14 de
considerando as pesquisas feitas por Nestor 1973, que seriam integradas à política urbana
Goulart Reis, que identificam um modelo nacional. Com a Constituição de 1988 a
específico de ocupação territorial decisão de constituição de regiões
denominado por dispersão urbana (Reis, metropolitanas passa a ser atribuição dos
2006). ‘Dispersão urbana pode ser governos de estado, entretanto, não houve até
caracterizada: i) pelo esgarçamento do tecido o momento, nenhum estado que
urbano dos principais centros; ii) pela regulamentou a dotação orçamentária para as
formação de constelações ou nebulosas de regiões metropolitanas enfraquecendo, na
núcleos urbanos de diferentes dimensões, prática, uma ação integrada de planejamento.
integrados em uma área metropolitana ou em Adota-se a morfologia como estudo das
um conjunto ou sistema de áreas formas e dos fenômenos que lhes deram
metropolitanas; iii) pela transformação do origem (Lamas, 1993). Conforme nos lembra
sistema de vias de transporte inter-regionais Stael Pereira Costa no artigo ‘O estudo da
(ferroviários e rodoviários) em apoio ao forma urbana no Brasil’: ‘Os primeiros
transporte diário intra-metropolitano de estudos sobre o tema estão relacionados aos
passageiros; e iv) pela adoção de modos aspectos econômicos, sociais e políticos das
metropolitanos de consumo, também eles formas urbanas brasileiras, empreendidos por
dispersos pela área metropolitana ou sistema historiadores, como Sérgio Buarque de
de áreas metropolitanas, como já ocorre em Holanda, e sociólogos, como Gilberto Freire
São Paulo (Reis, 2006, p. 13). na 1ª metade do século XX’ (Costa, 2007).
Aplicação do conceito de Unidade Morfo-territorial nas escalas metropolitana, intraurbana e local 107

Nos campos disciplinares da arquitetura e na constituição do campo disciplinar da


urbanismo, o estudo da forma urbana ecologia, Jean Paul Metzger, explicita o uso e
possibilita estabelecer as relações entre as o conceito das unidades de paisagem pela
demandas sociais (por moradia, transporte, geografia: ‘Três pontos fundamentais
saúde, ensino, alimentação, lazer, etc.) e os caracterizam essa abordagem geográfica: a
espaços urbanos e rurais resultantes desta preocupação com o planejamento da
disputa. ocupação territorial, através do conhecimento
O presente texto apresenta alguns dos limites e das potencialidades de uso
procedimentos, utilizados em diferentes econômico de cada unidade da paisagem
escalas, que tem como finalidade a análise da (definida, nessa abordagem, como um espaço
relação existente entre o sistema de espaços de terreno com características comuns); o
livres e a forma construída. Toma-se o valor estudo de paisagens fundamentalmente
do solo como um dos fatores que irão modificadas pelo homem, as paisagens
imprimir características no espaço construído culturais (Tricart, 1979), que predominam no
e no espaço livre de edificação. espaço europeu; e a análise de amplas áreas
A leitura da paisagem (Macedo, 1997), espaciais, sendo a ecologia de paisagens
por meio do método de delimitação de áreas diferenciada, nessa abordagem, por enfocar
homogêneas contribui para o entendimento questões em macro-escalas, tanto espaciais
da forma urbana instigando a verificação das quanto temporais (sendo assim uma
contradições existentes e dos produtos macroecologia)’ (Metzger, 2001, p. 3).
espaciais resultantes das disputas sociais. A ciência avança por meio do
Chamam-se estas áreas de Unidades Morfo- questionamento e construção de ‘conceitos’
territoriais, cunhando assim um termo novo. que por sua vez, para serem bem entendidos
Poder-se-ia adotar o termo unidade de e assimilados, necessitam de ‘termos’ que
paisagem, entretanto este possui diferentes passam a denominá-lo com clareza. (Santos,
conceituações dependendo do campo teórico, 2002). Enquanto não fica claro os conceitos e
como se verá a seguir. objetivos dos novos termos criados não é
O termo parte da percepção que a possível estabelecer um diálogo profícuo
definição de uma região onde a paisagem se entre pesquisadores, quer sejam eles de uma
mostra homogênea se apoia nas suas mesma área, quer tenham origens em campos
características morfológicas e, distintos da ciência. Quando os conceitos se
simultaneamente, na constituição de mostram imprecisos, os termos a eles
territórios formados pela ação de grupos relacionados são fadados ao pré-conceito
sociais sobre um determinado suporte físico. gerando a perda de oportunidade de
A identificação das características, entraves e construção do conhecimento. Segundo
oportunidades de uma determinada Unidade Mikhail Bakhtin, pensador sócio-histórico,
Morfo-territorial orienta as ações de que valorizava a interação social no ensino, o
planejamento de forma a considerar as conhecimento só pode se desenvolver com a
particularidades espaciais existentes. percepção dos preconceitos de cada um. É a
O conceito de unidade de paisagem surge partir desse ponto de vista que se revela o
no campo da geografia e é incorporado processo criativo no qual a descoberta é
fortemente pelo campo de investigação da promovida pelo confronto de diferentes
Ecologia da Paisagem, ciência que sempre visões. Portanto, não há criação sem
considera a presença do homem, mas que contestação (Bakhtin, 1997).
nem sempre tem como foco sua inclusão no Se Bakhtin tem como objeto de estudo a
território. No estabelecimento das unidades filosofia da linguagem, os arquitetos e
de paisagem, quando trabalhadas por urbanistas tem como interesse as formas de
ecólogos ou geógrafos, não se costuma uso, ocupação e apropriação de territórios
considerar os diferentes matizes urbanos. urbanos e rurais, onde a sociedade constrói e
Normalmente utliza-se a tradicional listagem transforma a paisagem. Estabelecendo-se um
de ‘coberturas’ que adota como homogênea paralelo transdisciplinar tome-se a afirmação
todas as áreas urbanas sem considerar suas de Bakhtin ao tratar da questão da poética
diferentes formas e dinâmicas. clássica e neo-clássica, onde aponta que:
Para explicitar a abordagem geográfica, ‘Conteúdo e forma devem ser igualmente
108 Aplicação do conceito de Unidade Morfo-territorial nas escalas metropolitana, intraurbana e local

adequados um para o outro. A seleção do e instrumentos de gestão, as diferentes


conteúdo e a seleção da forma constituem um disciplinas que trabalham com a realidade
e o mesmo ato estabelecendo a posição urbana lidam com conceitos que podem
básica do criador; e nesse ato uma e a mesma sugerir uma sobreposição ou conflito de
avaliação social encontra expressão’ abordagens. Este é o caso das: i) ‘unidades de
(Bakhtin, 1976, p. 18). gestão’ (utilizadas na elaboração de políticas
Certamente nossos objetos de públicas, ex.: Lei Nacional de Saneamento
investigação são bastante distintos, Básico); ii) ‘unidades de planejamento’
entretanto, tanto poesia como paisagem são (utilizadas por diversas prefeituras, ex.: Belo
resultantes de fatos sociais onde, para um Horizonte, Rio de Janeiro); e iii) ‘unidades
determinado conteúdo, tem-se a manifestação climáticas’ (utilizadas pelos que atuam na
de sua forma. Enquanto a primeira trata da área de clima urbano, ex.: Pezzuto, 2007).
interação entre sociedade e linguagem, a As diferentes abordagens, acima citadas,
segunda lida com as contradições entre estabelecem recortes territoriais e têm em
sociedade e território. comum o único fato de que cada uma
As áreas da arquitetura e urbanismo delimita, sobre o território, suas unidades.
incorporaram os conceitos conferindo a eles Por terem objetivos distintos não resultam,
um novo olhar. Quando as áreas homogêneas obrigatoriamente, em limites coincidentes.
de paisagem são tratadas nos campos da Entretanto, o fato dos limites não serem os
arquitetura e urbanismo consideram-se mesmos, não gera necessariamente conflitos
aspectos que permitem a melhor entre as abordagens. Cada abordagem tem
compreensão dos espaços e da paisagem seu objetivo e desenvolve o trabalho a partir
urbana. Para exemplificar alguns dos de visões complementares, que podem
aspectos mais específicos do urbano pode-se revelar as questões contraditórias, assim
citar: i) a forma do parcelamento (ex.: como, indicar entraves e oportunidades frente
constituição das vias, quadras, espaços de a uma política pública ou a gestão territorial.
lazer, espaços institucionais, áreas de Da mesma forma, as unidades de paisagem
preservação e proteção ambiental); ii) os carregam uma leitura específica que revela a
tipos de usos e ocupações (ex.: padrão forma urbana existente, assim como sua
edilício, afastamentos, recuos, tamanho de tendência de transformação, possibilitando
lote, etc.); iii) as tendências ou constatações assim identificar os graus de impacto na
de transformação (ex.: potencial edilício gestão, nos programas e ações públicas ou até
permitido pela legislação; processo de mesmo na alteração do clima urbano em
verticalização, desmembramentos, função das transformações ocorridas na
remembramento; alteração de uso; etc.); iv) paisagem.
os espaços livres de edificação (ex.: padrão Portanto, a delimitação das áreas
viário, das calçadas, dos cercamentos dos homogêneas de paisagem poderá não ser
lotes; dimensões e articulações das praças e coincidente com o recorte administrativo ou
parques urbanos); v) a renda e valor de solo com a área de planejamento, assim como não
da população moradora; e, por fim, vi) a serão necessariamente coincidentes com os
mobilidade do território explicitado pelas limites geográficos (ex.: bacia hidrográfica)
pesquisas de origem e destino da população. ou administrativos (ex.: distrito).
A listagem acima não tem a intenção de Trata-se, portanto de um processo de
esgotar o tema, mas sim exemplificar análise proposto que não considera a
aspectos físicos e socioeconômicos que são paisagem ‘como uma imagem’, como ‘uma
próprios do entendimento dos espaços visão ou como tudo aquilo que comporta o
urbanos. Portanto existem outros itens como, olhar’, mas sim ‘como uma estrutura
por exemplo, a topografia, o sistema hídrico morfológica, cujo entendimento demanda a
que também podem ser parâmetro, na divisão em unidades diversas’. O objetivo é a
delimitação das áreas homogêneas, paisagem apreendida ‘como uma totalidade
denominadas aqui de Unidades Morfo- em diferentes escalas de visualização’. O
territoriais, conforme seja sua relevância e objetivo do trabalho é apresentar a aplicação
conveniência para o estudo. do conceito de Unidade Morfo-territorial na
Quando se investigam diferentes métodos escala metropolitana e intra-urbana.
Aplicação do conceito de Unidade Morfo-territorial nas escalas metropolitana, intraurbana e local 109

Figura 1. Inserção da Região Metropolitana de Campinas na Macrometrópole Paulista


(fonte: autor sobre bases da Empresa Paulista de Planejamento Urbano, EMPLASA).

Figura 2. Base da Região Metropolitana de Campinas (fonte: autor sobre bases dos 20
municípios).

Escala metropolitana de estudo é uma das cinco regiões


metropolitanas do estado de São Paulo
Toma-se como recorte territorial a Região (figuras 1 e 2) e se localiza em um eixo
Metropolitana de Campinas (RMC). A região rodoviário que segue do Porto de Santos ao
110 Aplicação do conceito de Unidade Morfo-territorial nas escalas metropolitana, intraurbana e local

Figura 3. Suporte físico: topografia e sistema hídrico (fonte: modificado e adaptado de IG,
1993, e Yoshinaga e Silva, 1997).

interior do estado ligando as regiões coincidentes com o recorte administrativo,


metropolitanas da Baixada Santista, São assim como, não obedecem a limites
Paulo, Campinas, Sorocaba e Vale do geográficos.
Paraiba. Trata-se da região que a Empresa Foram realizados levantamentos
Paulista de Planejamento Metropolitano cartográficos em diferentes escalas e análise
(EMPLASA) convencionou chamar de de imagens com informações específicas
‘Macrometrópole Paulista’. A população da como: topografia, sistema hídrico, forma de
‘Megalópole do Sudeste’, região intitulada parcelamento, mancha urbana, entre outros,
por Eugénio Queiroga em seus estudos, sistematizando os dados levantados e
engloba a Macrometrópole Paulista e se contribuindo para a análise mais detalhada
estende até o Rio de Janeiro (Queiroga, sobre a área investigada.
2002). Esta região superava 44 milhões de A seguir mostram-se algumas das bases
habitantes em 2010 tendo um Produto Interno desenvolvidas e pesquisadas. Estas bases
Bruto (PIB) superior a 700 bilhões de foram consideradas e interpoladas na
dólares, isto é, concentra-se ali mais de um definição das Unidades Morfo-territoriais.
terço da economia brasileira. (IBGE, 2010). As figuras 3, 4 e 5 referem-se a aspectos
Para delimitar Unidades Morfo-territoriais físicos do solo e subsolo. Os aspectos como
na Região Metropolitana de Campinas foram relevo e rede hídrica influenciam diretamente
considerados os seguintes aspectos: i) suporte nas localizações das áreas urbanas. Outros
físico: topografia e sistema hídrico; ii) sub- aspectos, como tipos de solo e mapa de
solo: tipo de solo e aquíferos; iii) valor do aquíferos servem para compreender as
solo e tendências de transformação: pressão condições e áreas de percolação e recarga
por urbanização, alteração de uso; iv) que necessitam de cuidado em sua ocupação
dinâmica da mobilidade sócio-espacial da e uso.
região; e, por fim, v) forma do parcelamento Nas figuras 6 e 7 lida-se com aspectos
urbano: contínuo ou descontínuo da mancha socioeconômicos ligados diretamente à
urbana; homogêneo ou heterogêneo. política de solo urbano. Em estudos
As Unidades Morfo-territoriais anteriores dos autores tem-se procurado
extrapolam os limites do recorte territorial considerar o mapa de valor de solo da região
que se definiu à priori, no caso, a RMC. territorial estudada. Entretanto este dado não
Portanto, não são necessariamente é algo facilmente obtido e normalmente
Aplicação do conceito de Unidade Morfo-territorial nas escalas metropolitana, intraurbana e local 111

Figura 4. Delimitação de recortes em função do tipo de solo (fonte: IG, 1993, e Yoshinaga e
Silva, 1997).

Figura 5. Sub-solo: aquíferos subterrâneos no estado de São Paulo. A região


Metropolitana de Campinas esta delimitada em vermelho (fonte: mapa de águas
subterrâneas do ESP 2005 – DAEE, IG, IPT, CPRM).

requer estudos específicos. Os dados, No Brasil, assim como em diversos


apresentados no presente estudo e que estão países, a condição urbana ou rural do solo irá
relacionados ao valor do solo urbano, foram influir diretamente em seu valor. No Brasil é
objeto de levantamento e análise de pesquisas a ‘lei de perímetro urbano’ que delimita as
anteriores desenvolvidas pelo grupo de áreas que são urbanas e, portanto podem ser
pesquisa dos autores entre 2011 e 2012 parceladas, loteadas e dotadas de serviços
(Silva, 2013). O valor irá influenciar na urbanos.
mobilidade, assim como irá variar conforme Este perímetro pode ser contínuo ou
a condição legal do solo. Ao analisar o mapa descontínuo e é definido por lei municipal. O
de valor de solo (Figura 6) em conjunto com solo urbano (terra dentro do perímetro
o de mobilidade (Figura 7) identifica-se que urbano) tem um valor maior que o solo rural
os dois centros de maior destino também são ou não urbano. As terras não urbanizadas
os municípios que possuem o valor médio de contidas dentro de perímetros urbanos têm,
solo mais elevado. em geral, uma maior pressão para que se
112 Aplicação do conceito de Unidade Morfo-territorial nas escalas metropolitana, intraurbana e local

Figura 6. Valor médio do solo: mapeamento comparativo entre cinco municípios da RMU
(fonte: Silva e Magalhães, 2013).

Figura 7. Dinâmica da mobilidade sócio-espacial da região: mapeamento de origem e


destino na RMU. Observação: a diferenciação de tons de cinzento indica modalidade que
não esta sendo levada em conta no presente estudo (fonte: PITU RMC 2015 – NESUR
UNICAMP).
Aplicação do conceito de Unidade Morfo-territorial nas escalas metropolitana, intraurbana e local 113

Figura 8. Tendências de transformação e forma do parcelamento urbano. Delimitação das


áreas urbanizadas e do limite do perímetro urbano (fonte: Silva, 2013).

urbanizem. Cabe alertar, entretanto, que Delimitando as Unidades Morfo-territoriais


existem conflitos e contradições na definição da Região Metropolitana de Campinas
de uma lei do perímetro urbano, justamente
por interferir no valor do solo e nos interesses Considerando a dinâmica de mobilidade da
de uso de seus proprietários. A Figura 8 RMC percebe-se uma grande influência das
apresenta as áreas urbanizadas e as áreas rodovias que a cruzam. As localizações de
contidas nos perímetros urbanos. Percebe-se maior acesso e oferta de empregos também
que as áreas urbanas não são necessariamente são aquelas com maior valor de solo urbano.
áreas urbanizadas. A dispersão e É conveniente considerar, na delimitação de
fragmentação do território carregam, portanto Unidades Morfo-territoriais (Figura 9), o eixo
a necessidade de diferentes escalas de análise noroeste-sudeste, de grande mobilidade, e as
para a compreensão do processo. demais conexões existentes com este eixo.
114 Aplicação do conceito de unidade morfo-territorial na escalas metropolitana, intraurbana e local

diretrizes de preservação ou transformação,


fim último da presente análise, devem
considerar a relevância do aquífero para a
região. Portanto, considerando o limite
existente entre aquíferos definiram-se
hipóteses de 38 Unidades Morfo-territoriais
(Figura 13).
Cada Unidade Morfo-territorial tem
características, potencialidades e entraves
distintos. Entretanto é razoável pensar-se que
existem ‘tipos’ de Unidades Morfo-
territoriais. Entende-se por tipo de Unidade
Morfo-territorial as unidades que, na
constituição da paisagem formada pela
interação entre homem e suporte físico,
guardam semelhanças quanto às suas
Figura 9. Delimitação, por meio das linhas a características morfológicas. Entretanto cabe
cheio, das Unidades Morfo-territoriais salientar que cada Unidade Morfo-territorial
considerando a dinâmica da mobilidade sócio- é sempre única.
espacial da região (fonte: autor sobre PITU Com o intuito de apresentar a análise das
RMC 2015 – NESUR UNICAMP).
demais escalas – intraurbana e local – serão
relatados os procedimentos utilizados para a
Desta forma estabelecem-se regiões onde leitura e análise da Unidade Morfo-territorial
a mobilidade guarda características
5 delimitada na Figura 13. Na apresentação
semelhantes quanto à intensidade e da escala intraurbana avança-se na discussão
direcionamento. de como o procedimento de identificação dos
Ao sobrepor os limites desenhados sobre
tipos de Unidades Morfo-territoriais pode
a dinâmica de mobilidade da RMC sobre as
auxiliar na análise.
suas áreas consideradas pela lei de perímetro
urbano como sendo urbanas, percebe-se a
existência de áreas rurais circundadas por Escala intraurbana
áreas urbanas, assim como áreas urbanas
isoladas circundadas por áreas rurais. O recorte territorial trabalhado localiza-se na
Considerou-se conveniente assinalar estas Unidade Morfo-territorial 5 (UMT 5, Figura
áreas assim como delimitar os limites entre o 13) em área consolidada da cidade de
urbano e o rural (Figura 10). Campinas, núcleo da RMC. Este recorte é
Ao sobrepor os limites desenhados sobre dotado de infraestrutura e está localizado na
os mapas que caracterizam os aspectos porção territorial com valor do solo mais
físicos da região percebe-se que o relevo se elevado do município.
apresenta como um indutor do processo. As Enfatiza-se que o recorte físico geográfico
linhas desenhadas sobre os mapas que se mostra conveniente às investigações
abrangiam os aspectos socioeconômicos pretendidas. A paisagem não se limita nem a
(figuras 6, 7 e 8) dialogam com o suporte um recorte administrativo, nem tão pouco, a
físico cabendo destacar algumas poucas sub- um recorte físico-geográfico. A dinâmica do
divisões delimitadas na Figura 11 em território, as características fundiárias e os
magenta. aspectos de acessibilidade irão influir de
Os limites são agora sobrepostos sobre as forma marcante sobre o uso e ocupação do
áreas urbanizadas que indicam, após análise, solo.
características distintas de tecidos. Os limites Desta forma pode-se observar que em
são delimitados em laranja na Figura 12. A uma porção da Unidade Morfo-territorial 5
Figura 5 revela que a RMC está sobre dois (escala regional) é possível identificar 18
distintos aquíferos: aquífero Tubarão a leste Unidades Morfo-territoriais na escala intra-
da linha azul (Figura 9) e aquífero Fraturado, urbana, sendo que apenas três (UP3, UP9 e
a oeste. Considerou-se importante levar em UP11) estão completamente inseridas no
conta os aquíferos por entendermos que as recorte da sub-bacia. Para a definição das
Aplicação do conceito de Unidade Morfo-territorial nas escalas metropolitana, intraurbana e local 115

Figura 10. Delimitação, por meio das linhas a Figura 12. Delimitação, por meio das linhas
cheio, das Unidades Morfo-territoriais vermelhas e violetas, das Unidades Morfo-
considerando a delimitação do limite do territoriais considerando a rede hídrica
perímetro urbano (fonte: autores sobre Silva, superficial e as águas subterrâneas (fonte:
2013). autores sobre Silva, 2013).

Figura 11. Sub-solo: tipo de solo. Delimitação,


por meio das linhas violetas, de recortes das
Unidades Morfo-territoriais delimitadas em Figura 13. Delimitação das Unidades Morfo-
vermelho, em função do tipo de solo (fonte: territoriais com destaque da unidade 5 a ser
autores sobre IG, 1993). analisada no presente artigo.

Unidades Morfo-territoriais, nesta escala, posteriormente organizadas em ‘grupos’


foram utilizados os critérios definidos na caracterizados pelos elementos morfológicos
Tabela 1. chave (Tabela 3 e Figura 4). Depois de
O primeiro procedimento foi descrever as proceder a uma longa análise busca-se uma
características de cada Unidade Morfo- síntese, representada pela Tabela 3, onde se
territorial conforme Tabela 2. relaciona as Unidades Morfo-territoriais com
Sintetizando, as 18 Unidades Morfo- o elemento morfológico indutor. Cabe
territoriais identificadas que guardam destacar que os tipos E e F são os espaços
características semelhantes entre si foram livres de edificação que induzem a
agrupadas em tipos morfológicos e delimitação das unidades.
116 Aplicação do conceito de Unidade Morfo-territorial nas escalas metropolitana, intraurbana e local

Tabela 1. Critérios para definição das Unidades Morfo-territoriais

Item Sub-item

Forma do Constituição das vias


parcelamento Dimensões de quadras
Quantidade e distribuição dos espaços de lazer
Presença de espaços institucionais
Presença de áreas de preservação e proteção ambiental

Tipos de usos e Padrão edilício


ocupações Números de afastamentos e existência de recuos
Tamanho de lote

Tendências ou Potencial edilício permitido pela legislação


constatações de Existência de processo de verticalização
transformação Existência de processo de desmembramento ou remembramento
Presença de alteração de uso

Espaços livres de Padrão viário


edificação Dimensões das calçadas
Tipos de cercamentos dos lotes
Dimensões e articulações das praças
Presença de parques urbanos

Figura 14. As Unidades Morfo-territoriais extrapolam o recorte territorial da bacia hidrográfica.


Grupos indicados de 1 a 4 / Tipos indicados de A a I (fonte: autores sobre Google Earth).
Aplicação do conceito de Unidade Morfo-territorial nas escalas metropolitana, intraurbana e local 117

Tabela 2. Caracterização das diferentes Unidades Morfo-territoriais – área de estudo

Unidade Características das Unidades Morfo-territoriais


Morfo-
territorial

UP01 Predominância de casarios horizontais com afastamento de um dos lados, onde ocorre um
processo de verticalização. Interessante notar que a verticalização está predominantemente
junto a linha de divisão de sub-bacia, portanto no terreno de cota mais alta.

UP02 Semelhança com a UP01 sem o referido processo de verticalização.

UP03 Caracteriza-se por ser livre de edificação abrangendo o Parque Taquaral e pelo entorno da
Avenida do Café.

UP04 Prevalece a presença de espaços livres de urbanização com uso institucional e de pesquisa,
onde estão localizadas o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), o Instituto de
Tecnologia de Alimentos (IAL) e a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI),
órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Governo do Estado de São Paulo.

UP05 Predominância de casarios horizontais com afastamento de um dos lados semelhante a


UP02.

UP06 Predominância de casarios horizontais com afastamento de três a quatro lados.

UP07 Conjunto de sete quadras com o tipo morfológico UP02.

UP08 Caracterizada por edificações soltas no grande lote semelhante a um campus. Ex.: área da
Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL). Unidade 3 da Faculdade Comunitária de
Campinas da Rede Anhanguera Educacional. Esta unidade é cortada pela Rodovia Miguel
Noel Nascimento Burnier que esta alteada em relação às vias locais lindeiras onde se
desenvolve comércios em edificações horizontais com um ou dois afastamentos.

UP09 Tipo de unidade semelhante a UP07 composta por quatro quadras.

UP10 Assim como a UP02 tem predominância de casarios horizontais com afastamento de um dos
lados. Entretanto o parcelamento, ao seguir o relevo existente, resulta em um desenho de
quadras mais orgânico.

UP11 Casarios grandes, soltos no lote. A dimensão dos lotes e das edificações assim como a
quantidade de vegetação arbórea caracterizam esta unidade.

UP12 Composta pela Cidade Judiciária e o DER de Campinas. Assemelha-se a UP08.

UP13 Tipo morfológico semelhante a UP10 inclusive traçado e quadras.

UP14 Caracteriza-se pela presença de espaços livres de edificação ou pela ocupação irregular
destes espaços.

UP15 Tipo morfológico semelhante a UP02.

UP16 Caracteriza-se por glebas urbanizadas como condomínios fechados de forma descontinua.
Os grandes empreendimentos caracterizam a unidade. Ex.: Sansung, Alphaville D. Pedro,
Careffour, Residencial Bouganville, etc. A ETE Anhumas localiza-se nesta unidade.

UP17 Casarios horizontais com afastamentos de um ou dois lados em parcelamento não


consolidado.

UP18 Caracteriza-se como glebas não urbanizadas. Área prevista para o Ciatec II (Campinas).
118 Aplicação do conceito de Unidade Morfo-territorial nas escalas metropolitana, intraurbana e local

Tabela 3. Caracterização das Unidades Morfo-territoriais: tipos morfológicos e grupos

Tipos Unidades Morfo-territoriais Caracteristicas comuns


Grupo I O lote é o elemento morfológico estruturador
Tipo A UP01 Casarios horizontais em processo de verticalização

Tipo B UP02 - UP05 - UP07 - UP09 - Casarios horizontais


UP10 - UP13 - UP15

Tipo C UP17 Casarios horizontais não consolidado

Tipo D UP06 - UP11 Casarios horizontais com afastamentos em 3 e 4 lados


Grupo II O espaço livre de edificação é o elemento morfológico estruturador
Tipo E UP03 Espaço livre de edificação

Tipo F UP14 Ocupação de espaços livres de edificação


Grupo III O lote e a quadra não estão presentes como elementos morfológicos
Tipo G UP04 - UP08 - UP12 Campus (edifício no meio de arborização intensa)

Tipo H UP16 Glebas urbanizadas por grandes empreendimentos


Grupo IV Composto por Unidades Morfo-territoriais não urbanizadas
Tipo I UP18 Glebas não urbanizadas

Escala local que por sua vez, possibilita gerir e intervir


sobre o território de forma mais sistêmica e
Passada a apresentação das duas escalas, integrada.
regional e intraurbana, opta-se por apresentar A delimitação de áreas homogêneas de
a síntese desenvolvida referente aos tipos de paisagem apresentada envolve tanto as
quadra urbana presentes no recorte intra- dimensões físico-espaciais, como as
urbano estudado acima. O objetivo é dinâmicas sócio-econômicas. O método
demonstrar a necessidade de estabelecer uma possibilita incorporar qualquer aspecto sócio-
relação entre as três escalas de análise. econômico que seja possível de se
Grupos e tipos identificados se materializam espacializar sobre o território. Cabe observar
com a aproximação da escala sendo as que o presente estudo iniciou-se pela análise
dimensões e tipo edilício elementos chaves das características relacionadas ao valor de
da análise. Apresenta-se a seguir os solo, mobilidade e caracterização jurídica do
resultados desta análise em uma tabela solo (urbano ou rural, etc.). Portanto não se
síntese, a Tabela 4. parte somente do entendimento físico-
O método de trabalho sugere uma espacial, mas também dos aspectos
aproximação das três escalas de maneira socioeconômicos que induzem sua
simultânea. Acredita-se que o conhecimento transformação.
se constrói a partir das alternâncias entre as Os resultados obtidos apontam para uma
três escalas aqui apresentadas. Portanto a compreensão multiescalar necessária para um
investigação ocorre nas três escalas de avanço no entendimento do fenômeno da
maneira simultânea e são sistematizadas dispersão urbana, que no Brasil tem
separadamente para facilitar o processo de características específicas apesar de ser
análise. observada em outras regiões do globo em
função da tecnologia de mobilidade
Considerações finais instaurada sob o território. Tomou-se como
fundamento teórico o conhecimento
O artigo tem a intenção de contribuir para o produzido pelos estudos da morfologia
debate concetual e metodológico. Apresentar urbana, sobre paisagem urbana e políticas de
os conceitos e termos adotados assim como solo urbano, buscando contribuir para o
os procedimentos de análise utilizados. As entendimento e delimitação dos campos
Unidades Morfo-territoriais delimitadas em científicos da arquitetura e urbanismo, que
diferentes escalas auxiliam na identificação no caso brasileiro, são integrados na
de características, potencialidades e entraves mesma graduação e área de pesquisa.
Aplicação do conceito de Unidade Morfo-territorial nas escalas metropolitana, intraurbana e local 119

Tabela 4. Síntese
Grupo
Recorte Unidade Morfo-territorial
e Tipo
U.P. Casarios horizontais e edifícios verticais. Quadra padrão (menor
Grupo I que 100 m). Lotes médios. Pouco espaço livre intraquadra.
Tipo A Processo de verticalização em curso.

U.P. Casarios horizontais. Quadra padrão (menor que 100 m). Lotes
Grupo I pequenos. Pouco espaço livre intraquadra. Processo de ocupação
Tipo B consolidado.

U.P. Casarios horizontais e galpões. Quadra fora de padrão (entre 200


Grupo I e 400 m). Lotes pequenos e médios. Algum espaço livre
Tipo C intraquadra. Processo de ocupação em consolidação.

U.P. Casarios horizontais com afastamentos em 3 e 4 lados. Quadras


Grupo I grandes (entre 200 m). Lotes médios. Algum espaço livre
Tipo D intraquadra. Processo de ocupação consolidado.

U.P. Espaço livre de edificação. Quadras fora de padrão (acima de 400


Grupo II m). Espaço livre público.
Tipo E

U.P. Ocupação de espaços livres de edificação. Quadras grandes


Grupo II (aproximadamente 200 m). Lotes irregulares e pequenos. Pouco
Tipo F espaço livre intraquadra. Processo de ocupação consolidado.

U.P. Edifício no meio de espaço livre. Quadras grandes (acima de 200


Grupo III m). Lotes irregulares, grandes e médios. Processo de ocupação
Tipo G em consolidação.

U.P. Glebas urbanizadas por grandes empreendimentos. Quadras


Grupo III grandes (acima de 200 m). Lotes médios. Processo de ocupação
Tipo H em consolidação.

U.P. Glebas não urbanizadas. Inexistência de quadras e lotes.


Grupo IV
Tipo I
120 Aplicação do conceito de Unidade Morfo-territorial nas escalas metropolitana, intraurbana e local

Nota não publicada, Universidade Estadual de


Campinas, Brasil.
Uma versão prévia deste artigo foi apresentada no Queiroga, E. (2002) ‘A megalópole e a praça: o
21st International Seminar on Urban Form espaço entre a razão de dominação e a razão
realizado no Porto entre 3 e 6 de Julho de 2014. comunicativa’, Tese de Doutoramento não
publicada, Universidade de São Paulo, Brasil.
Reis, N. G. (2006) Notas sobre urbanização
dispersa e novas formas de tecido urbano (Via
Referências das Artes, São Paulo).
Santos, M. (2002) O país distorcido (Publifolha,
Bakhtin, M. (1976) ‘Discurso na vida e discurso São Paulo).
na arte: sobre a poética sociológica’. em Silva, J. M. P. (2013) Os papéis dos
Voloshinov, V. N. (ed.) Freudism – a marxist investimentos públicos (PUC, Campinas).
critique (Academic Press, Nova Iorque). Silva, J. M. P. e Magalhães, N. C. T. (2013)
Bakhtin, M. (1997) Marxismo e filosofia da ‘Contradições da Região Metropolitana de
linguagem (Hucitec, São Paulo). Campinas. Delimitação das ZEIS e a
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consultado em 10 de Janeiro de 2013. morphology: the Conzenian tradition’, Urban
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para gestão integrada (MMA/MPOG, Brasília). Whitehand, J. W. R. (2007) ‘Conzenian urban
Lamas, J. M. R. G. (1993) Morfologia urbana e morphology and urban landscapes’ em
desenho da cidade (Dinalivro, Lisboa). Proceedings of the 6th International Space
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urbanos’, Paisagem e Ambiente 10, 13. University, Istambul).
Metzger, J. P. (2001) ‘O que é ecologia da Yoshinaga-Pereira, S. e Silva, A. A. K. (1997)
paisagem?’, Biota Neotropica l, 1-9. Condições de ocorrência das águas subterrâneas
Pezzuto, C. C. (2007) ‘Avaliação do ambiente e do potencial produtivo dos sistemas aquíferos
térmico nos espaços urbanos abertos: estudo de na região metropolitana de Campinas – SP’,
caso em Campinas, SP’, Tese de Doutoramento Revista do Instituto Geológico 18, 23-40.

Tradução do título, resumo e palavras-chave

Application of the concept of Morpho-territorial Unit in the metropolitan, intraurban and local scales

Abstract. The urban forms in the Metropolitan Region of Campinas, resulting from urban fragmentation
and dispersion, need further investigation. This paper aims at presenting a method of analysis that relates
different bodies of knowledge: landscape, ecology and morphological studies. The concepts, methods and
techniques presented here are the result of years of discussion within the QUAPA-SEL (Quadro de
Paisagismo – Sistema de Espaços Livres) research network that studies the relationship between the
system of open spaces and the built form. The paper presents the analytical procedures in three different
scales: i) metropolitan area, consisting of 20 cities; ii) neighborhoods, formed by different urban tissues,
and iii) urban block, where both open spaces and built forms create the urban space. In the three scales,
the system of open spaces has the main role. The results show that the method of analysis offers valuable
insights on understanding of the phenomenon of urban dispersion and fragmentation. The method aims at
gathering different analytical techniques from different bodies of knowledge, integrating morphological
procedures and techniques used within ecology and urban landscape studies.

Keywords: urban morphology, urban form, landscape, ecology


Relatório 121

4ª Conferência da Rede Lusófona de Morfologia Urbana, Brasília,


2015

Esta foi a primeira edição dessa conferência no comunicações orais dos trabalhos pelos
país, visto que nas versões anteriores foi realizada palestrantes, subdivididos em subtemas descritos
em Portugal. O interesse pelo tema, a seguir. O primeiro denominava-se
‘Configuração urbana e os desafios da ‘Transformações urbanas recentes – novos
urbanidade’, se comprovou pela submissão de impactos, novos desafios’, seguido por
317 resumos no total, sendo 24 de Portugal, 1 da ‘Desigualdade socioespacial das cidades’, como
Espanha e 292 do Brasil. segundo sub tema. O terceiro versava sobre a
Gabriela de Souza Tenorio e Frederico de ‘Configuração urbana e patrimônio cultural’,
Holanda, professores da Universidade Nacional seguido pelo ‘Legado da cidade moderna’.
de Brasília (UNB) foram os responsáveis pela ‘Urbanização total: tendências para a metrópole’
coordenação meticulosa e sucesso desse evento, reuniu comunicações no sub tema 5, sendo o
que ocorreu no Campus Universitário Darcy sexto sobre os ‘Espaços públicos na cidade
Ribeiro, no Instituto Central de Ciências, um contemporânea’, seguido pelas ‘Teorias,
edifício projetado por Oscar Niemeyer conceitos e técnicas morfológicas’ abrigadas no
(Minhocão) cuja qualidade, ao longo dos anos, sub tema 7 e no 8 se discutia a ‘Configuração
foi reforçada pela vegetação profusa e uso urbana e história das cidades’. Todos estes temas
diversificado das suas dependências. contemplaram 156 comunicações e 25 posters
O evento se estruturou por meio de foram selecionados para serem expostos durante
conferências de palestrantes, que aconteciam no o evento.
inicio das sessões, seguidas de debates. Observações durante o evento levam as
No dia 25/06, após a sessão de abertura, seguintes conclusões: i) trabalhos que descrevem
procedeu-se a primeira palestra, por Vítor e analisam processos morfológicos no Brasil
Oliveira, pesquisador da Universidade do Porto baseiam-se, em grande parte, nos conceitos de
(UP), que apresentou o trabalho denominado space syntax; ii) o uso dos métodos tradicionais
‘Comparando diferentes abordagens no estudo da das escolas da morfologia urbana é limitado,
forma física das cidades’. A segunda palestra devido a interpretação equivocada do termo; isto
denominada ‘Costas, ombros e rostos’ foi de contribui para apresentação de trabalhos que
Frederico de Holanda que explorou aspectos descrevem questões urbanas como morfológicas,
relativos à percepção e escalas dos espaços ao invés de incorporar os adequados requisitos
contínuos de uso cotidiano. A terceira palestra, de tridimensionais de um estudo morfológico, ou
autoria de Paulo Afonso Reheingantz, seja, a forma, função e o seu desenvolvimento; e
denominada ‘Politicas ontológicas, conhecimento iii) por outro lado, existem desafios observados
situado e espacialidades’ também abordou em casos brasileiros, que exigem diferentes
aspectos referentes a percepções e avaliações do instrumentos morfológicos para responder aos
espaço urbano. desafios regionais e ambientais, tais como
As três palestras do dia 26/06 foram aqueles apresentados no caso da região
proferidas respectivamente por Maurício Polidori, amazônica ou mesmo na expansão das
denominada ‘Laboratório de Urbanismo: entre megacidades; estes instrumentos, a serem
linhas, células e nós’, da Universidade Federal de desenvolvidos em estudos para aplicação em
Pernambuco (UFPE) e apresentou as atividades escalas de maior dimensão, podem vir a ser
de pesquisa ali desenvolvidas. A palestra de contribuições efetivas do grupo PNUM, pela
Romulo Krafta, discorreu sobre a ‘Forma física– própria existência desses temas contemporâneos
social- cidade’. O professor, da Universidade nos países de língua portuguesa. Estes devem ser
Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), temas, que sugerimos, que devam ser
apresentou instrumentos desenvolvidos para incorporados na próxima conferência a ser
análise e atuação na forma das cidades. A última realizada em Guimarães, na Universidade do
palestra foi do professor Sílvio Soares Macedo, Minho, Portugal.
Universidade de São Paulo (USP), denominada
‘Sistemas de espaços livres e a forma urbana na
cidade contemporânea brasileira – derivações do Staël de Alvarenga Pereira Costa, Departamento
projeto QUAPA-SEL’. Nessa comunicação foram de Urbanismo, Escola de Arquitetura.
apresentadas as diversas características Universidade Federal de Minas Gerais, Rua
encontradas no desenvolvimento dessa pesquisa. Paraíba 697 sala 404c, Bairro dos Funcionários,
A segunda parte do evento ocorria após o Cep 30130140, Belo Horizonte, Brasil. E-mail:
intervalo das palestras matinais e consista nas staelalvarenga@gmail.com
122 Notícia

2º Workshop PNUM
O 2º Workshop PNUM decorrerá na Escola término do Workshop, realizar-se-á um exercício
Superior Gallaecia (ESG), entre 19 e 23 de Julho comparativo entre as diversas abordagens no
de 2016. O incremento da relevância, no Mestrado sentido de evidenciar as potencialidades e as
Integrado em Arquitetura e Urbanismo da ESG, de eventuais fragilidades de cada uma, bem como
problemáticas associadas à forma urbana – e às complementaridades fundamentais tendo em vista
diferentes abordagens possíveis de serem uma utilização integrada.
encetadas para o seu estudo – enquadra-se a partir A Comissão Organizadora do Workshop
de perspetivas comparadas entre vilas e cidades do PNUM 2016 é composta por David Leite Viana
Alto Minho (Portugal) e da Galiza (Espanha). A (coordenação, Escola Superior Gallaecia), Xosé
realização do 2º Workshop PNUM contribuirá Lois Martinez Suárez (Universidad A Coruña),
para aprofundar temáticas morfológicas de âmbito Vítor Oliveira (Universidade do Porto) e Paulo
transfronteiriço. Assim, será central, na segunda Vieira (Câmara Municipal de Viana do Castelo). O
edição do Workshop, a forma urbana e as Conselho Consultivo é constituído por Rui
dinâmicas transfronteiriças entre o Alto Minho e a Florentino (Escola Superior Gallaecia), José Juan
Galiza. Neste contexto, o objetivo do Workshop é González-Cebrián Tello (Universidad A Coruña),
dar a conhecer aos participantes um conjunto de Maria Manuel Oliveira (Universidade do Minho),
teorias, conceitos e métodos de análise da forma Stael Pereira da Costa (Universidade Federal de
urbana das cidades. Para o efeito, ter-se-á Viana do Minas Gerais). Para além destes, o Conselho
Castelo (Alto Minho, Portugal) e Tui (Galiza, Científico do PNUM integra ainda: Teresa Marat-
Espanha) como espaços urbanos a estudar. Mendes (Presidente, ISCTE - Instituto
O Workshop realizar-se-á em Vila Nova de Universitário de Lisboa) Frederico de Holanda
Cerveira, com visitas exploratórias às duas (Universidade de Brasília), Jorge Correia
cidades. Com a duração de uma semana, o (Universidade do Minho), Miguel Bandeira
Workshop destina-se a estudantes, académicos, (Universidade do Minho) e Nuno Norte Pinto (The
investigadores e profissionais nas áreas da University of Manchester).
arquitetura, geografia, planeamento e história. No Os orientadores do Workshop serão: David
primeiro dia serão apresentadas diferentes Leite Viana (assistido por João Pedro Passos),
abordagens morfológicas (Abordagem Histórico- Paulo Vieira, Vítor Oliveira e Xosé Lois Martinez
Geográfica (Escola Conzeniana); Abordagem Suárez. O Workshop PNUM 2016 terá como
Tipológica Processual (Escola Muratoriana); apoios institucionais a Rede Lusófona de
Space Syntax; Sistemas de Informação Geográfica Morfologia Urbana, o Centro de Investigação da
(SIG), entre outras; bem como os casos de estudo, ESG (CIESG), a Câmara Municipal de Viana do
Viana do Castelo e Tui. No final da primeira Castelo e o Concello de Tui. O valor da inscrição
sessão da tarde, cada participante deverá escolher no Workshop PNUM 2016 é de 150 euros (público
uma abordagem morfológica. Seguidamente, serão em geral, técnicos camarários, profissionais
divididos em diferentes grupos de acordo com as liberais) e 100 euros para estudantes de
opções tomadas. Nos dias posteriores, cada grupo licenciatura, mestrado e doutoramento. Em breve
(e respetivo orientador) deverá trabalhar no caso será anunciado o prazo para inscrições e o website
de estudo utilizando a abordagem selecionada. No do 2º Workshop PNUM.

Figura 1. A cidade de Tui em 1800 (autor desconhecido).


PERSPETIVAS
Debate sobre temas fundamentais
em morfologia urbana

Transformação e permanência de formas urbanas: uma


contribuição metodológica
Eneida M. S. Mendonça, Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Centro de Artes,
Universidade Federal do Espírito Santo, Av. Fernando Ferrari 514, Vitória, 29075-910
Espirito Santo, Brasil. E-mail: eneidamendonca@gmail.com

O debate sobre a transformação e permanência de todos os continentes, cujos resultados


formas urbanas na atualidade, remete demonstram a preferência pela paisagem rural,
inevitavelmente, à reflexão sobre o ritmo e a mesmo que esta esteja em desordem, em relação à
característica do processo de urbanização em paisagem urbana, mesmo que, relativamente
curso há algumas décadas em determinadas partes organizada.
do mundo, envolvendo as cidades latino O ritmo empreendido pelo capitalismo ao
americanas e incluindo sobretudo, as brasileiras. processo de urbanização (Harvey, 2008) vem
No contexto mundial, dentre outros autores, contribuindo então, para a transformação das
Porteous (1996) chama a atenção para a acelerada formas urbanas não só de modo intenso, mas
transformação da paisagem urbana a partir de também de modo inesperado por grande parte dos
meados do século XX, com destaque para o cidadãos, resultando em ambientes urbanos
processo de verticalização. Segundo este autor, a insatisfatórios. Tudo isso, afeta os laços da
difusão e a intensificação da construção de população com o lugar, levando à perda de
edifícios altos em diversas cidades identidade e ao enfraquecimento da cidadania.
comprometeram de modo negativo a qualidade Mesmo que o processo descrito seja mais
estética das mesmas e contribuíram para a evidente na atualidade, desde o início dos anos
homogeneização da paisagem. O aspecto estético 60, autores como Lynch (1980 [1960]), Cullen
não foi afetado somente pela verticalização de (1983 [1961]) e Rossi (1982 [1966]), entre outros,
construções, mas pela intensidade de ocupação do chamavam a atenção para a inadequação da
solo, pela inserção de elementos de marketing padronização do ambiente urbano gerado pela
envolvendo tanto a instalação de propaganda construção de habitação em massa no pós-guerra.
comercial de produtos diversos na cidade, como a Estes autores destacavam também, a importância
própria plástica de determinadas formas do reconhecimento das características intrínsecas
arquitetônicas / urbanísticas. a cada ambiente urbano, a partir das relações
O declínio da qualidade estética urbana é entre este e os habitantes / usuários do lugar,
reafirmado por Porteous (1996) ao apontar como subsídio à intervenção arquitetônica e
também, uma série de pesquisas realizadas em urbanística. Norberg-Schulz (1980) evoca o

Revista de Morfologia Urbana (2015) 3(2), 123-37 Rede Lusófona de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214
124 Perspetivas

genius loci, como o significado do lugar, no sudeste do Brasil (Vitória, 2012). O método
sintetizando esta desejada associação. parte da importância de identificar referenciais da
Ao longo da segunda metade do século XX, paisagem (elemento isolado ou conjunto,
foi frequente também, o processo de decadência construído ou não) e orientar a forma futura de
arquitetônica, urbanística, econômica, sucedido ocupação urbana, por meio de simulação gráfica e
pelo de requalificação, de centros urbanos de instrumentos urbanísticos, de modo a manter a
diversas cidades no mundo. A decadência é visibilidade e o acesso a esses referenciais.
atribuída por Villaça (1998) ao distanciamento Sem dúvida, o aspecto mais complexo do
das elites em relação aos centros urbanos. Quanto estudo se refere à identificação dos referenciais da
à estratégia de requalificação, Arantes (1998) paisagem e à decisão sobre o que e quanto
critica a prática da restauração de edificação permitir transformar e exigir conservar,
específica, acompanhada de atribuição de uso admitindo-se a paisagem como algo dinâmico.
cultural destinado ao turismo internacional, em Pesquisa envolvendo a história auxilia a
detrimento da elaboração de políticas públicas compreensão da evolução no tempo, quanto à
integradas em escala, e direcionadas ao interesse importância destas formas urbanas. Fontes como
social local. Mesmo considerando que os relatos, desenhos e fotografias de viajantes,
resultados alcançados variem bastante em termos projetos urbanísticos e seus memoriais e estudos
de sucesso (Vargas, 2009), o processo vem comparativos destes com imagens e projetos mais
exigindo reflexões acerca de como reintegrar o recentes contribuem para esta abordagem.
obsoleto à dinâmica social, econômica e Literatura, crônicas e registros jornalísticos
urbanística contemporânea e de como distinguir o permitem também constatar as transformações
que deve se transformar e o que deve permanecer. ocorridas, bem como as críticas às mesmas. O
Primordial no âmbito destas reflexões é a entendimento sobre a importância contemporânea
ampliação do olhar para o conjunto do ambiente destes referenciais da paisagem pode ser
urbano em detrimento de olhares direcionados constatado a partir de depoimentos de pessoas
estritamente a determinados edifícios e a busca chave, seja pela antiguidade de permanência no
pela associação entre o saber técnico e o local, seja pela participação na transformação do
sentimento da população em relação ao ambiente mesmo. A compreensão do sentimento da
em foco. Neste sentido, o debate e a difusão do população em relação às formas urbanas e à
conceito de paisagem vêm favorecendo a paisagem contribui acrescentando aspectos que
formulação de políticas públicas mais abrangentes escapam ao olhar técnico, surpreendendo quanto
em termos de escala territorial e da identificação ao interesse em conservar o ‘novo’, e alertando
de bens materiais e imateriais a serem mantidos. sobre a necessidade de transformar o ‘antigo’ para
Besse (2006) auxilia esta compreensão abordando viabilizar o uso.
a percepção da paisagem diante de um panorama A complexidade da questão exige então, que a
histórico. Roger (2000) desafia a ideia de decisão final, institucional sobre a transformação
paisagem contemporânea, admitindo nesta, a e permanência das formas urbanas, possa
inserção da tecnologia, des-romantizando a considerar o saber técnico e o popular, sendo vital
questão, ao mesmo tempo em que mantém o inserir sobre a abordagem histórica, reflexão
conceito associado à estética. A surpresa no sobre os valores da cultura contemporânea.
âmbito institucional foi a recente titulação do Rio
de Janeiro, pela UNESCO, como Patrimônio
Cultural da Humanidade, na categoria Paisagem Referências
Cultural, sendo o primeiro ambiente urbano a
receber tal título. A área envolve parte da cidade, Arantes, O. B. F. (1998) Urbanismo em fim de
da baía de Guanabara e da cidade vizinha de linha (EDUSP, São Paulo).
Niterói, sendo ampla o bastante para favorecer a Besse, J. M. (2006) Ver a terra: seis ensaios
inclusão de elementos e conjuntos arquitetônicos, sobre a paisagem e a geografia (Perspectiva,
urbanísticos e paisagísticos de importância, como São Paulo).
também para tornar mais complexa a Cullen, G. (1983 [1961]) Paisagem urbana
identificação do que pode se transformar e do que (Martins Fontes, São Paulo).
deve permanecer. Harvey, D. (2008) O neoliberalismo: história e
Uma contribuição à questão sobre a implicações (Edições Loyola, São Paulo).
transformação e permanência de formas urbanas, Lynch, K. (1980 [1960]) A imagem da cidade
pode ser encontrada em estudo que se propôs a (Martins Fontes, São Paulo).
estruturar um método de análise e construção da Mendonça, E. M. S. (2005) ‘Instrumentos para
paisagem (Mendonça, 2005), recentemente ocupação urbana em favor dos referenciais da
adotado no Plano de Preservação da Paisagem da paisagem’, XI Encontro Nacional da
Área Central de Vitória, capital do Espírito Santo, Associação Nacional de Pós-graduação e
Perspetivas 125

Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional Rossi, A. (1982 [1966]) A arquitetura da cidade


– ANPUR, Salvador, 23 a 27 de Maio. (Martins Fontes, São Paulo).
Norberg-Schulz, C. (1980) Genius loci. Towards Vargas, H. C. (2009) Intervenções em centros
a phenomenology of architecture (Academy urbanos: objetivos, estratégias e resultados
Editions, Londres). (Manole, São Paulo).
Porteous, J. D. (1996) Environmental aesthetics. Villaça, F. (1998) Espaço intra-urbano no Brasil
ideas, politics and planning (Routledge, (Studio Nobel, São Paulo).
Londres). Vitória, Prefeitura Municipal de Vitória (2012)
Roger, A. (2000) ‘La naissance du paysage en Plano de preservação da paisagem da área
occident’, em Salgueiro, H. A. (ed.) Paisagem e central de Vitória (Prefeitura Municipal de
Arte (CBHA, São Paulo). Vitória, Vitória).

Porque importa a morfologia urbana?


Ivor Samuels, Urban Morphology Research Group, School of Geography, Earth and
Environmental Sciences, University of Birmingham, Birmingham B15 2TT, Reino
Unido. E-mail: ivor.samuels@googlemail.com

Numa perspetiva profissional anglófona, a Guerra Mundial, e sob o pseudónimo de Ivor de


Morfologia Urbana poderá parecer uma forma de Wolfe, a AR publicou uma série de comentários
complicar um conjunto de vidas profissionais, já mensais sobre a destruição das qualidades
por si difíceis, ao requerer o desenvolvimento de urbanas. Isto culminou num número especial da
linhas de investigação e reflexão complexas, revista intitulado Outrage, ou Ultraje (Nairn,
obscuras e dependentes de um intenso 1975). Como seria expectável, as cidades Italianas
envolvimento de recursos, pelo que deveria eram vistas como modelos, tendo sido celebradas
permanecer na academia. Para os leitores num livro sobre a paisagem urbana Italiana da
provenientes de outros contextos, este ponto de autoria de Ivor de Wolfe, o pseudónimo de
vista poderá parecer um pouco extremo, mas o Hubert de Cronin Hastings, o proprietário da AR.
contexto profissional e a sociologia da prática têm O editor artístico da Architectural Review era
de ser considerados para se compreender este Gordon Cullen, sendo que o seu notável livro
preconceito. Por exemplo, uma tentativa Townscape (1961) constituía um comentário
desenvolvida pelo autor, enquanto consultor da muito sedutor a partir dos seus desenhos e
cidade de Oxford, de incorporar uma versão fotografias de diferentes lugares. Examinando
ligeira de uma abordagem morfológica no Design este, ainda hoje, influente trabalho é
Code for West Oxford foi inicialmente bem extraordinário como um livro sobre a temática
recebida mas, como uma entrevista recente dos ‘lugares’ tem tão poucas plantas, sendo que
revelou, é vista pelo staff do departamento de esta omissão pode, em parte, ter contribuído para
planeamento, que tem que a operacionalizar, os problemas que iriam estar associados à
como sendo ‘um pouco complicada’. abordagem designada como townscape, que será
Para compreender esta atitude é necessário discutida mais à frente. O livro tem vindo a ser
recuar à reconstrução da Grã-Bretanha após a descrito como ‘um tipo de modernismo ligeiro e
Segunda Guerra Mundial. Como reação ao sentimental baseado no prazer visual, que ignorou
chamado prairie planning e ao universalismo do ou simplificou muitas das questões dos anos 50’
Movimento Moderno, a Architectural Review (Macarthur e Aitcheson, 2004, p. 304).
(AR), uma influente revista mensal, iniciou no Esta redescoberta das qualidades visuais das
final da década de 40 uma campanha para cidades antigas tornou-se uma motivação para que
redescobrir as qualidades visuais das cidades o Civic Amenities Act de 1967 fosse aprovado
tradicionais e as particularidades do ‘lugar’. Este pelo parlamento Britânico. Foi estabelecido – sob
processo de redescoberta estava enraizado na influência da chamada Loi Malraux, que se tornou
tradição pitoresca Inglesa do século XIX e no parte do sistema legislativo em 1962 – que o
trabalho de Camillo Sitte, citado pelo influente carácter de partes significativas de assentamentos
planeador Raymond Unwin. Sob o título de pudesse ser protegido. A inovação consiste no
Counterattack (Contra-ataque), uma metáfora reconhecimento de que grupos de edifícios
militar presumivelmente escolhida devido ao ‘comuns’ poderiam ser tão merecedores de
elevado número de arquitetos e críticos que proteção como os monumentos históricos que
serviram nas forças armadas durante a Segunda tinham sido o elemento central do anterior quadro
126 Perspetivas

de legislação referente à proteção do edificado.


O livro Townscape e o trabalho de Kevin
Lynch (The image of the city), também baseado
na perceção, ofereceram aos profissionais uma
acessível abordagem para compreender a forma
urbana antes de iniciarem a preparação de
políticas para as recentemente designadas Áreas
de Conservação. Em particular, os estudos das
cidades históricas de Bath, Chester, Chichester e
York, foram publicados em 1968 pelo Ministry of
Housing and Local Government como modelos a
seguir pelas autoridades locais no âmbito da
preparação de planos para as suas Áreas de
Conservação. Estes estudos baseiam-se
firmemente na fórmula townscape, que se focava
apenas na visão daquilo que era de domínio
público e raramente se aventurava para além das
fachadas. Por exemplo, o estudo de Chester que
se estende por 250 páginas, surpreendentemente
não considera as qualidades essenciais da relação Figura 1. O estudo para Chester (Insall, 1968).
entre os domínios público e privado, que são
completamente destruídas nas suas
recomendações de re-desenvolvimento dos
quarteirões da cidade. Os padrões de loteamento e
a relação dos edifícios com as parcelas nunca são
discutidos. Por exemplo, o modo como algumas
das casas existentes, de pequena dimensão, dão
lugar a edifícios de maior dimensão prolongando-
se normalmente ao longo de áreas significativas
no interior do quarteirão, é ignorado pelos
projetos de re-desenvolvimento.
Os métodos da townscape, que se encaixavam
confortavelmente na abordagem de Lynch, foram
também fundamentais para a preparação de guias
de desenho para novos desenvolvimentos. Em
particular, o mais influente, o guia de desenho de
Essex (ECC, 1973) foi o primeiro na Grã- Figura 2. Pembroke Street, Oxford. Fotografia
Bretanha a oferecer uma alternativa aos conjuntos de Ivor Samuels.
habitacionais que vinham a ser promovidos pelos
construtores. No caso de Essex foi a negligência
da realidade nos modelos de viabilidade princípios por oposição a avaliações mais
financeira, perversos e especulativos, dos objetivas do carácter dos lugares históricos
construtores que puseram em causa a sua (Samuels, 2010). Desde a sua introdução, a sua
viabilidade (Figura 1). No entanto, é apresentação foi atrativa e facilmente acessível. A
frequentemente esquecido que algumas das mais Morfologia Urbana, na sua definição mais
admiradas paisagens urbanas Inglesas, como os abrangente, poderia aprender esta lição se
‘crescentes’ de Bath, foram projetos puramente pretende uma difusão mais ampla. Uma utilização
especulativos. No caso de Essex, o significado mais frágil da townscape produz uma versão de
dos limites das parcelas é negligenciado e as Disneyworld que esconde a realidade das cidades.
residências de frente ampla que são propostas são Por exemplo, uma rua atrativa de Oxford parece
impossíveis de realizar pois ignoram a ser constituída por casas individuais, mas na
necessidade de reduzir a extensão de serviços realidade as portas não têm maçanetas porque
subterrâneos dispendiosos, o que apenas pode ser toda uma série de parcelas foi transformada numa
conseguido através da utilização de parcelas residência de estudantes com uma entrada que dá
relativamente estreitas. para as traseiras dos edifícios (Figura 2).
Existem lições a tirar da ampla adoção da É fácil, olhando para trás, criticar o
influência continuada da townscape – o movimento townscape, mas quando hoje em dia a
movimento New Urbanism terá sido fortemente arquitetura parece estar obcecada com o edifício
influenciado por esta abordagem. Profissionais da individual icónico desenhado por um ‘arquiteto-
área do património continuam a utilizar os seus estrela’ que ignora o contexto, a sua
Perspetivas 127

prática profissional. Colmatar este vazio é uma


justificação para a existência do International
Seminar on Urban Form.

Referências

Cullen, G. (1961) Townscape (Architectural


Press, Londres).
ECC, Essex County Council (1973) Design guide
for residential areas (Essex County Council,
Chelmsford).
Insall, D. (1968) Chester, a study in conservation
(Her Majesty’s stationary office, Londres).
Figura 3. Blavatnik School of Government, Macarthur, J. e Aitcheson, M. H. (2004) ‘Ivor de
Oxford. Fotografia de Ivor Samuels Wolfe's picturesque, or, who and what was
townscape’, Limits: Proceedings of the 21st
Annual Conference of the Society of
preocupação com o contexto continua a parecer Architectural. Historians, Australia and New
relevante para a manutenção do carácter das Zealand, Melbourne.
nossas cidades (Figura 3). No entanto, é também Nairn, I. (1975) ‘Outrage’, The Architectural
necessário ir além do visual para explorar a Review 158, 328-37.
estrutura subjacente dos lugares. É isto que a Samuels, I (2010) ‘Understanding place?’, Urban
Morfologia Urbana faz. É importante perceber morphology 14, 121-2.
que Conzen publicou o seu estudo pioneiro sobre
Alnwick em 1969 quando o movimento Tradução
townscape estava no auge. Esta é uma
confirmação sólida da incapacidade das diferentes O texto original foi traduzido para Português por
disciplinas falarem entre si uma vez que é Vítor Oliveira e Mafalda Silva, que agradecem a
indiscutível que a sua abordagem à forma urbana Ivor Samuels a disponibilidade permanente ao
poderia ter enriquecido consideravelmente a longo deste processo.

Persistências, ruturas, dinâmicas: paradigmas dos estudos


históricos de forma urbana
Sandra M. G. Pinto, Centro de História d’Aquém e d’Além-Mar (FCSH/NOVA-UAç)
e Centro de Documentação e Pesquisa dos Domínios Portugueses (XV-XIX) (UFPr),
Rua João Bravo n.º 22 1ºG, 3040-379 Coimbra, Portugal. E-
mail: sandramgpinto@gmail.com

Johann Wolfgang von Goethe criou o termo das plantas (Goethe, 1993 [1790]) –, o método
‘morfologia’ para designar a ciência ou doutrina morfológico continha em si uma relativa
da observação da forma. Mas porque as formas, autonomia científica, tendo a capacidade de ser
em especial as formas orgânicas, nunca se aplicável em várias áreas disciplinares, caso da
encontram paradas ou terminadas, estando em biologia, da geologia, ou mesmo da linguística.
permanente movimento incessante, na Por via da geografia, a morfologia chegou aos
morfologia, a forma devia ser tomada ‘apenas estudos das formas produzidas pelos seres
como ideia, como conceito ou uma coisa humanos no espaço físico. A análise promovida
identificada na experiência unicamente por um sobre as formas geológicas seria adaptada às
instante’, interessando, pois, a dimensão dinâmica formas construídas. Ademais, ao considerar os
das ações de formação e de transformação espaços urbanos (as cidades) como ‘organismos’,
(Goethe, 1993 [1817], pp. 68-69). como ‘seres vivos’ em estreita simbiose com o ser
Ainda que o mote inicial tenha sido a forma humano, as formas urbanas encaixavam-se
dos seres vivos, em especial os da botânica – perfeitamente no objeto morfológico ‘goethiano’.
consequência do trabalho sobre a metamorfose Logo, para se estudar a forma dos espaços
128 Perspetivas

urbanos ter-se-ia que fazer o exame da forma da expressão de Frederic William Maitland (1889,
existente confrontando-a com a(s) forma(s) p. 235), os documentos cartográficos tornavam-se
precedente(s). O cotejo dos dados históricos e the most wonderful of all palimpsests.
cartográficos levou à constatação de um No texto fundamental, Vecchie città ed
fenómeno particular: algumas marcas do passado edilizia nuova, Gustavo Giovannoni não deixou
eram visíveis nas plantas urbanas recentes. Com a de ratificar a ‘lei’ de Lavedan. Contudo, o
proliferação dos eventos observados, este conhecimento aprofundado do desenvolvimento
fenómeno converteu-se em paradigma disciplinar. urbano da cidade de Roma, fomentado pelos
Deve-se, contudo, a Pierre Lavedan a vários estudos históricos e arqueológicos
enunciação da loi de persistance du plan, existentes, levou-o a fazer uma outra ilação. Com
estabelecida na sua tese complementar de os seus vinte e sete séculos de vida, Roma tinha
doutoramento defendida em 1926, a qual saiu sofrido várias transformações formais, onde as
publicada no mesmo ano em duas edições em diversas ‘cidades’ anteriores estariam sobrepostas
tudo iguais ainda que com títulos diferentes: umas nas outras, como camadas, por baixo da
Introduction a une histoire de l’architecture ‘cidade’ atual. Roma constituía-se, então, como
urbaine e Qu’est-ce que l’urbanisme (Lavedan, um vero palinsesto (Giovannoni, 1931, p. 49).
1926a; 1926b). Para Lavedan, a sua ‘lei Daí que para Giovannoni a metáfora aplicava-se
científica’ era, senão universal e absoluta, pelo não à representação, mas ao próprio objeto de
menos aplicável à maioria dos casos, mas cuja estudo: a cidade.
‘demonstração’ suportou-se apenas pelo A analogia seria, portanto, direta: a forma da
raciocínio abdutivo de algumas evidências planta urbana era considerada como um texto,
observadas no terreno, ao mesmo tempo que sendo o seu suporte o espaço físico do terreno tal
apresentava a sua proposta metodológica de como o pergaminho era para o texto; e tal como o
utilizar os documentos cartográficos no estudo texto original, que tinha sido apagado ou raspado
retrospetivo da forma da planta urbana. Note-se e substituído por outro, também as
que, para Lavedan, o objeto de estudo da art transformações urbanas apagavam a forma da
urbain era, fundamentalmente, o desenho planta urbana original substituindo-a por outra; os
planimétrico das cidades. vestígios deixados no suporte possibilitavam,
A ‘lei’ fundamentava-se nos seguintes então, o conhecimento e, por vezes, a leitura
argumentos: sempre que numa cidade não parcial dos textos ou das formas planimétricas
existissem ações urbanísticas sistemáticas e destruídas. Por definição, a continuidade formal
dirigidas por forças maiores, a continuidade da da planta urbana seria interrompida, pois, tal
vida urbana ou a reconstrução espontânea não como num palimpsesto, os diferentes textos não
originava modificações significativas na forma da se liam sincronicamente, nem o texto antigo tinha
planta urbana, podendo-se, assim, utilizar os qualquer correspondência ou influenciava o texto
documentos cartográficos recentes ou antigos recente.
como fonte de pesquisa para o conhecimento das Com efeito, se as evidências materiais
formas das plantas urbanas passadas; se, pelo provindas das escavações arqueológicas
contrário, as intervenções produzissem confirmavam muitas vezes a manutenção das
transformações radicais na forma da planta formas indeléveis ao longo do tempo (Pinon,
urbana, a data dos eventos seria utilizada para 2001), não deixaram também de corroborar, em
validar a informação dada pelo documento muitos outros casos, a completa alteração das
cartográfico. Teoria e método entrecruzavam-se. plantas urbanas (Hurst, 1971). O palimpsesto
Tal como o ‘princípio ou lei da continuidade’ urbano tornava-se, identicamente, num paradigma
firmado na expressão latina natura non facit disciplinar. Os estudos arqueológicos que
saltus, largamente presente no vocabulário da utilizavam como fonte de inquirição a fotografia
filosofia e da ciência ocidental e base de reflexão aérea (oblíqua ou vertical) – por recuperar
de diferentes teorias, também a ‘lei da numerosos detalhes formais perdidos na
persistência do plano’ tornou-se num processo representação cartográfica e cuja potencialidade
heurístico da morfologia urbana de vertente era claramente extensível às formas urbanas
histórica. Rapidamente, a ‘persistência’ passou a (Chevallier, 1970) –, contribuíram largamente
ser considerada como a característica fundamental para esta posição. E tal ficou-se a dever ao
das formas urbanas planimétricas e a tarefa de método utilizado na datação das formas
descobrir as ‘formas antigas’ numa das mais planimétricas. Inspirado diretamente na
ativas. A potencialidade deste conhecimento era cronoestratigrafia da geologia, o exame às
dupla: identificar as ideias urbanísticas originais e relações espaciais de sobreposição ou
desenhar esquemas ou reconstituições hipotéticas dependência das formas permitia obter uma
da ocupação inicial / planeada. Regressivamente, cronologia relativa e a inserção de elementos
pela planta atual chegava-se à planta primordial. datados naquela possibilitava a sua conversão em
Assim, e como lembrou Lavedan, ao socorrer-se cronologia absoluta. A metáfora do palimpsesto
Perspetivas 129

estendia-se assim à ‘paisagem’, onde cada Constituirá esta ‘metamorfose’ disciplinar,


camada, pertencente a um período histórico alicerçada na dinâmica, o atual paradigma dos
distinto, iria corresponder a uma forma específica estudos históricos de forma urbana?
que sobreporia e obliteraria as precedentes, a
qual, por sua vez, seria sobreposta e obliterada Referências
pelas subsequentes (Chevallier, 1976).
Ao fenómeno da persistência do plano Abbé, J.-L. (2005) ‘Le paysage peut-il être lu à
contrapunha-se, então, o da rutura do plano. Da rebours? Le paysage agraire médiéval et la
continuidade chegava-se à descontinuidade méthode régressive?’, em Cursente B. e
formal. Em qualquer dos casos, analisavam-se Mousnier, M. (eds.) Les territoires du
apenas instantes formais, fosse da fase inicial / médiéviste (Presses Universitaires de Rennes,
planeada, fosse das fases de transição definidas Rennes) 383-99.
pelos acontecimentos históricos, promovendo Chevallier, R. (1970) ‘Photo-interprétation et
uma morfologia estratificada e fixista. urbanisme’, Photo-interprétation 2, 43-51.
Já as marcas do passado estavam presentes Chevallier, R. (1976) ‘Le paysage palimpseste de
nos dois paradigmas, pois foram elas que l’histoire. Pour une archéologie du paysage’,
fundamentaram quer a ‘lei’ de Lavedan, quer a Mélanges de la Casa de Velázquez 12, 503-10.
metáfora do palimpsesto urbano. Todavia, a Chouquer, G. (1996) ‘La place de l’analyse des
presença e ausência simultânea das mesmas systèmes spatiaux dans l’étude des paysages du
entidades contribuíram, paradoxalmente, para passé’, em Chouquer, G. (ed.) Les Formes des
aproximar ou até mesmo para confundir estas Paysages, Tome 3 - L’analyse des systèmes
duas conceções, revelando, senão a sua ineficácia, spatiaux (Éditions Errance, Paris) 14-24.
pelo menos a sua imprecisão. Por isso, para Chouquer, G. (2007) Quels scénarios pour
alguns investigadores a noção de palimpsesto é l’histoire du paysage? Orientations de
inconciliável com a ideia de cidade, pois, sendo recherche pour l’archéogéographie (CEAUPC,
esta uma obra contínua, as construções e os Coimbra).
traçados têm necessariamente que se Giovannoni, G. (1931) Vecchie città ed edilizia
complementar, sobrepor e opor ao longo do nuova (Unione Tipografico-Editrice Torinese,
tempo (Grumbach, 1992). Turim).
Contudo, têm sido as novas orientações Goethe, J. W. (1993 [1789-1831]) A metamorfose
epistemológicas a provocar um maior das plantas (Imprensa Nacional Casa da Moeda,
entendimento da dimensão dinâmica das formas. Lisboa).
Nesse sentido, destaque-se Gérard Chouquer Grumbach, A. (1992) ‘La ville comme collage’,
(1996), ao inferir, por um lado, que foi o sistema em Galard, A.N. e Kratochvil, P. (eds.) Prague,
espacial pretérito que determinou ou condicionou avenir d’une ville historique capitale (Editions
formalmente a paisagem posterior, e, por outro, de L’Aube, Paris) 229-35.
que nas paisagens atuais não existem ‘formas Hurst, J. G. (1971) ‘A Review of Archaeological
antigas’, encontrando-se, sim, formas herdadas ou Research (to 1968)’, em Beresford, M. W. e
resultantes de formas precedentes. Não por acaso, Hurst, J. G. (eds.) Deserted medieval villages:
também, o método regressivo, utilizado para studies (Lutterworth Press, Londres) 76-144.
reconstituir as formas do passado partindo das Lavedan, P. (1926a) Introduction a une histoire
formas existentes representadas nos documentos de l’architecture urbaine (Definitions-Sources)
cartográficos ou fotográficos, tem sido alvo de (Éditeur Henri Laurens, Paris).
questionamento (Abbé, 2005). Lavedan, P. (1926b) Qu’est-ce que l’urbanisme ?
A pesquisa subsequente tem, por isso, ido ao Introduction a l’histoire de l’urbanisme
encontro dos fenómenos de transmissão e de (Éditeur Henri Laurens, Paris).
transformação das formas no tempo e no espaço; Maitland, F.W. (1889) ‘The surnames of English
interações não explicadas apenas por elementos Villages’, The Archaeological Review 4, 233-
materiais, mas por processos de ‘renovação 40.
incessante dentro de um conjunto complexo de Pinon, P. (2001) ‘La transición desde la ciudad
reinterpretações’ (Robert, 2003, p. 115). Esta antigua a la ciudad medieval. Permanencia y
nova perspetiva tem vindo progressivamente a transformación de los tejidos urbanos en el
renovar a morfologia planimétrica, em especial Mediterráneo Oriental’, em Passini, J. (ed.) La
aquela que lida com a vertente histórica das ciudad medieval: de la casa al tejido urbano
formas, estando em construção um conjunto de (Ediciones de la Universidad de Castilla – La
conceitos e princípios autónomos que permitem Mancha, Cuenca) 179-214.
interpretar as temporalidades e as espacialidades, Robert, S. (2003) ‘Comment les formes du passé
dentro dos mecanismos dinâmicos e dos se transmettent-elles?’, Études Rurales 167-8,
processos complexos (Chouquer, 2007). 115-3.
130 Perspetivas

Estratégias para a renovação do edificado através das


Gramáticas de Forma
Sara Eloy, Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), ISTAR-IUL, Av. Forças
Armadas, 1649-026 Lisboa. E-mail: sara.eloy@iscte-iul.pt

As cidades europeias fazem face à urgência de através da possibilidade destes, através de uma
reabilitar o seu edificado, processo esse que exige ferramenta computacional, poderem personalizar
uma intervenção adequada devido quer à idade de a sua solução de projeto (Eloy e Vermaas, 2014).
construção dos edifícios quer à necessidade de Dada a grande dimensão do parque edificado
rever o seu uso fazendo-os responder às existente e a necessidade de o reabilitar para estes
necessidades atuais. Neste artigo irei referir-me novos grupos da sociedade, é aqui argumentado
em particular à problemática das cidades que que o uso de sistemas gerativos de projeto,
tiveram grandes desenvolvimentos urbanos nos nomeadamente gramáticas de forma, permitem a
séculos XIX e XX e que, durante esses períodos, elaboração de propostas de intervenção
construíram largas extensões de edificado urbano, personalizadas de acordo com o cliente /
nomeadamente habitação que, fazendo parte do utilizador e fazem-no de modo eficaz, rápido e
parque edificado regular ou de acompanhamento, com custos reduzidos para este.
não constituem geralmente, por si, casos eruditos A utilização de gramáticas da forma enquanto
de arquitetura. Pela sua idade e consequente sistema de projeto de arquitetura num contexto de
estado de construção, assim como com o intuito reabilitação habitacional permite a definição de
de responder às exigências técnicas e padrões de propostas de transformação dos apartamentos de
vida atuais, é necessária uma intervenção nestes modo a ir de encontro às necessidades de cada
edifícios que pode ir desde a demolição à sua habitante, cumprindo princípios de projeto
reabilitação. A reabilitação do edificado traz comuns. As gramáticas da forma são sistemas de
grandes vantagens à cidade, quer em termos de geração que se baseiam na aplicação sucessiva de
sustentabilidade ecológica, já que menos recursos regras de forma, de modo a criar um grande
são consumidos, quer social, visto que permite número de soluções de desenho (Figura 1). Uma
combater a gentrificação e manter a população gramática contém regras de forma, um
residente criando ainda maior diversificação na vocabulário de formas e relações espaciais entre
oferta (Semes, 2009). elas e inicia-se pela aplicação de uma regra a uma
Simultaneamente ao envelhecimento dos forma inicial. As gramáticas de transformação
edifícios assistimos a grandes alterações direcionam este processo de geração para a
demográficas como o próprio envelhecer da transformação de formas existentes em vez de
população europeia que levará num futuro formas novas. Numa gramática de transformação
próximo à necessidade de criar mecanismos que do edificado existente, parte-se de um
permitam que os idosos permaneçam nas suas apartamento existente (por exemplo, de uma
casas a viver autonomamente sem necessitar de planta do apartamento) e aplicam-se
optar por residências especializadas. Por outro sucessivamente regras de forma para que seja
lado, a estrutura tradicional da família que incluía definida uma ou mais soluções que cumpram os
um homem, uma mulher e filhos não é aquela que critérios definidos inicialmente.
hoje mais representa as cidades. A nova realidade Cidades como a de Lisboa tiveram diversos
de coabitação é muito diferente daquela para a períodos de extensa construção de edifícios de
qual a maioria do parque habitacional existente habitação e que agora são identificados como
foi projetado e construído, e esta diferença tem tipos. Em outras cidades europeias o fenómeno de
grandes consequências na dinâmica dos bairros. construção foi idêntico e estas detêm também
O foco deste artigo é a reabilitação desse grandes conjuntos de habitação multifamiliar,
conjunto de edifícios comuns de habitação que definidos como tipos, que as caracterizam.
surgem em grande número em cidades como Exemplos disso são, em Londres os blocos de
Lisboa. Propõe-se uma abordagem para a casas Victorianas, em Amesterdão e Roterdão os
renovação das cidades europeias através da edifícios de apartamentos de Berlage e em Paris
reabilitação do seu parque habitacional usando as os de Haussman (Firley e Stahl, 2009). Estes tipos
gramáticas da forma. Esta abordagem apresenta- têm características próprias que os definem como
se como um modo economicamente viável de tal. Uma gramática de transformação é geral no
reabilitar as cidades mantendo o seu tecido social sentido em que define princípios de
e permitindo dar algum poder aos habitantes transformação gerais para todo o edificado da
Perspetivas 131

Figura 1. Estratégias de reabilitação dos edifícios Rabo-de-bacalhau que conduzem a uma


grande diversidade de soluções.

mesma tipologia e é específica porque inclui A disponibilização de uma gramática de


regras de transformação de tipos de edifícios transformação de edifícios, como os Rabo-de-
específicos (Eloy e Duarte, 2012). bacalhau em Lisboa (Eloy, 2012), aos atuais e
132 Perspetivas

futuros proprietários deste tipo de apartamentos – Lisboa, Portugal.


por exemplo, através de uma ferramenta web à Eloy, S. e Duarte, J. P. (2012) ‘Transformation
qual estes pudessem aceder diretamente – grammar for housing rehabilitation: from a
permitir-lhes-ia obter uma proposta de specific to a general grammar’, em Achten, H.,
reabilitação das suas casas baseada nas Pavlicek, J., Hulin, J. e Matejdan, D. (eds.)
características dos próprios habitantes. Digital physicality – Proceedings of the 30th
Os sistemas gerativos de projeto como as eCAADe Conference – Volume 1 (Czech
gramáticas da forma permitem a definição de Technical University, Praga) 471-8.
soluções de projeto personalizados o que Eloy S. e Vermaas, P. (2014) ‘Towards effective
representa uma resposta viável num contexto de city rejuvenation with ICT: web-based shape
reabilitação em massa para a grande exigência de grammar supported refurbishment design’ em
projetos de arquitetura diversificados que Zreik, K. (ed.) Architecture, city & information
respondam a um grupo diferenciado de design – EuropIA.14, 14th International
habitantes. A opção por uma solução que assente Conference on Design Sciences & Technology
na reabilitação personalizada das cidades permite (EuropIA, Nice), 129-39.
manter o tecido social existente e promove a Firley, E. e Stahl, C. (2009) The urban housing
criação de comunidades mistas e mais dinâmicas handbook (Wiley, Chichester).
que suportam quer as necessidades dos mais Lees, L. (2008) ‘Gentrification and social mixing:
novos quer as da população mais idosa towards an inclusive urban renaissance’, Urban
permitindo-lhes envelhecer em casa (Lees, 2008; Studies 45, 2449-70.
Norris, 2004). Norris, M. e Shiels, P. (2004) Housing
developments in European countries. The
housing units (Department of the Environment
Referências Heritage and Local Government,
Dublin).
Eloy, S. (2012) ‘A transformation grammar-based Semes, S. W. (2009) The future of the past: a
methodology for housing rehabilitation’, Tese conservation ethic for architecture, urbanism,
de Doutoramento não publicada, Instituto and historic preservation (W.W. Norton & Co,
Superior Técnico - Universidade Técnica de Nova Iorque).

Adaptabilidade, continuidade, flexibilidade e resiliência.


Algumas considerações sobre as propriedades das formas
urbanas
Teresa Marat-Mendes, Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-IUL,
DINÂMIA’CET-IUL, Escola de Tecnologias e Arquitetura, Departamento de
Arquitetura e Urbanismo, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa. E-mail:
marat.mendes@gmail.com

A presente ‘perspetiva’ parte do pressuposto que político-geográficos, religiosos mas também


qualquer entendimento sobre a forma urbana é ambientais que deram origem à formação de uma
apenas possível através do contributo do determinada forma urbana, ou eventualmente
conhecimento gerado pela própria história da contribuíram para a sua própria transformação ou
cidade. A História é portanto aqui entendida como até extinção (Scoffham e Marat-Mendes, 2000).
uma das principais ferramentas para o É também dentro da História que
entendimento dos processos de transformação e identificamos a presença de um dos principais
de permanência das formas urbanas das cidades, elementos que contribuem de forma
quer daquelas pertencentes ao passado como preponderante para o conhecimento dos processos
daquelas que habitamos hoje. Assim o é, porque a de transformação e da permanência das formas
História encapsula em si conhecimento acerca dos urbanas, que é o fator Tempo. O Tempo é a
atores, dos motivos, dos materiais, das técnicas grandeza física que nos permite medir a duração
construtivas e dos contextos sócio-económicos, das coisas sujeitas a alterações, ou eventualmente
Perspetivas 133

à ausência de alterações. Isto é, o Tempo permite- nos numa breve análise às ‘regras’ e às
nos perceber o período decorrido entre dois ou ‘propriedades’ da forma urbana, procurando
mais momentos de um determinado facto, contribuir para um melhor entendimento dos
permitindo-nos assim ordenar de forma processos de transformação e permanência das
sequencial os processos de transformação da formas urbanas. A análise que aqui se resume
forma urbana, possibilitando uma cronologia para resulta dos resultados obtidos de uma
os factos registados. O uso do tempo permite-nos investigação sobre forma urbana, realizada pela
enriquecer o conhecimento sobre os processos de autora desta ‘perspetiva’, nomeadamente na sua
transformação e de permanência das formas Tese de Doutoramento em Arquitetura com o
urbanas, uma vez que nos permite exercícios de título The sustainable urban form. A comparative
análises comparativas entre o antes e o depois, study in Lisbon, Edinburgh and Barcelona
entre o hoje e aquilo que já foi, mas também entre (Marat-Mendes, 2002) na School of the Built
distintas ações que possam ter ocorrido num Environment da University of Nottingham, sob a
mesmo período temporal. A grandeza física que orientação de Ernie Scoffham.
mede o tempo pode variar entre o segundo, as Vejamos em seguida o significado das regras e
horas, os dias, os anos, os séculos ou até os das propriedades da forma urbana, às quais se
milénios, sendo primordialmente determinada atribui aqui uma importância estratégica para o
pelo interesse específico da análise dos factos estudo do comportamento da forma urbana e que
urbanos em questão. por conseguinte julgamos ter repercussão direta
Feito este breve enquadramento sobre a no entendimento dos próprios processos de
importância da História para a leitura dos transformação e permanência das formas urbanas.
processos de transformação e de permanência das Entenda-se por regras da forma urbana os
formas urbanas, não podemos todavia deixar de princípios ou as normas que determinam as
registar duas obras de referência para o assunto propriedades físicas da forma urbana. Isto é, são
em análise, nomeadamente, as obras The city as regras que determinam os elementos físicos da
shaped. Urban patterns and meanings through forma urbana. Incluem-se nestas regras as opções
history e The city assembled. The elements of de desenho impostas à forma urbana e que
urban form through history, de Spiro Kostof integram o seu dimensionamento, a sua área, o
(1991, 1992) que nos permitem, de uma forma seu perímetro, a sua materialidade e o seu
abrangente, elucidar acerca dos processos de desenho ou aspeto formal. Estas regras são
transformação da forma urbana, desde a sua determinadas por aqueles que tem um papel
evolução aos dias de hoje, para diferentes direto: i) na solução do desenho dessa forma
momentos temporais e espaços geográficos urbana (solução de forma urbana por via da
diferenciados. Complementarmente, estas obras faculdade criativa do desenho); e ii) nas
oferecem-nos uma apreciação do autor acerca dos orientações legais, políticas ou económicas que
diversos elementos que foram compondo as geram o próprio planeamento urbano e que
diversas formas urbanas em análise, ao longo do determinam legalmente os regulamentos que
Tempo. Seguramente, várias outras publicações condicionam os tecidos urbanos (solução de
nos permitirão exercícios de análise semelhantes forma urbana por via de mecanismos legais mas
ou até complementares, no entanto a abordagem omissa do ato criativo do desenho).
histórico-cronológica oferecida por estes dois Entenda-se por propriedade da forma urbana
trabalhos enaltece seguramente a mensagem que uma qualidade intrínseca à forma urbana que
aqui procuramos transmitir. determina o ‘tipo’ de transformação que ocorre
Identificado também o Tempo como um dos nessa mesma forma urbana. A forma urbana
principais elementos de suporte à identificação responde a processos de transformação que não
dos processos de transformação e permanência são sempre idênticos entre si. Detalhemos de
das formas urbanas, torna-se agora necessário seguida que propriedades das formas urbanas nos
focar a nossa atenção nos próprios processos de permitem então ler de forma sistematizada esses
transformação da forma urbana. Isto é, para além diferentes ‘tipos’ de transformação.
do reconhecimento da existência desses processos Conforme referido por Marat-Mendes (2002)
de transformação interessa também perceber de são quatro as propriedades possíveis para avaliar
que forma é que essas mesmas transformações ou o comportamento da forma urbana em termos
permanências da forma urbana ocorrem. da sua transformação, nomeadamente a
Tomemos agora a forma urbana como o objeto ‘adaptabilidade’, a ‘continuidade’, a
de estudo central da presente análise. Procuremos ‘flexibilidade’ e a ‘resiliência’. Cada uma destas
agora focar a nossa atenção nas propriedades propriedades incorpora distintos comportamentos
específicas que a forma urbana incorpora em si e ou tipos de transformação da forma urbana, que
que proporcionam a ocorrência de determinados podem não ser necessariamente de ordem física
processos de transformação ao longo do Tempo. (onde se inclui o desenho, a forma e a
Nesse sentido, convidamos o leitor a acompanhar- materialidade) mas que podem também integrar
134 Perspetivas

aspetos como os usos ou funções. Conforme verificado por Marat-Mendes


Cabe à adaptabilidade a capacidade da forma (2002) a forma urbana encerra em si
urbana ser propícia a um novo uso ou propósito, comportamentos de vária ordem, nomeadamente
enquanto cabe à continuidade a capacidade da os quatro atrás identificados. É também nossa
forma urbana continuar a existir ou a manter a sua convicção de que estes processos podem ser
forma original. No entanto se a forma urbana controlados, propiciados, beneficiados, mitigados
demonstrar capacidade de se adaptar facilmente a ou até evitados caso seja necessário, se aqueles
novos usos ou estilos ela está a responder de que intervém no planeamento ou têm
forma flexível. Diz-se por isso que o seu responsabilidade direta sobre as soluções de
comportamento é flexível. Mas, se a forma urbana desenho urbano tiverem conhecimento desses
demonstrar capacidade de assumir variadas mesmos comportamentos da forma urbana.
funções ou significados, de ser utilizada e Salientamos todavia, que nenhum destes
apropriada de distintas maneiras, mas mesmo comportamentos é infalível, pois tal como a
assim não deixar de dar seguimento aos princípios História já nos tem provado ao longo do Tempo
estruturais que estiveram na sua origem, estamos as condicionantes politicas, religiosas, sociais,
perante uma forma urbana que responde ao económicas e ambientais, entre outras, são fatores
princípio de resiliência, uma capacidade que preponderantes no próprio processo de
determina o balanço entre continuidade e transformação e permanência das formas urbanas.
transformação.
A leitura de cada um destes comportamentos
requer conforme já se referiu nesta ‘perspetiva’
uma análise detalhada dos processos de Referências
transformação ocorridos ao longo do tempo, mas
de forma comparada. A determinação das Kostof, S. (1991) The city shaped. Urban patterns
propriedades da forma urbana consiste num and meanings through history (Thames and
importante exercício, que deve ser promovido e Hudson, Londres).
aplicado no próprio planeamento urbano. Para Kostof, S. (1992) The city assembled. The
além de um melhor entendimento dos processos elements of urban form through history
de transformação que ocorrem na forma urbana, o (Thames and Hudson, Londres).
seu conhecimento proporciona uma importante Marat-Mendes, T. (2002) ‘The sustainable urban
ferramenta de avaliação da forma urbana mas form. A comparative study in Lisbon,
também uma ação preventiva sobre futuros Edinburgh and Barcelona’, Tese de
desenvolvimentos urbanos que se pretendam Doutoramento não publicada, The University of
evitar ou até beneficiar. Destaque-se, neste Nottingham, Reino Unido.
sentido o desafio lançado por Anne Vernez Moudon, A. V. (1986) Built for change (The MIT
Moudon, na sua publicação Built for change Press, Cambridge).
(Moudon, 1986), a todos aqueles que têm Scoffham, E. e Marat-Mendes, T. (2000) ‘The
responsabilidades no planeamento urbano mas ground rules of sustainable urban form’, em
também aqueles que desenham as próprias formas Williams, K.; Burton, E. e Jenks, M. (eds.)
no sentido de conhecerem melhor os próprios Achieving sustainable urban form (E & FN
processos de ‘transformação’ da forma urbana. Spon, Londres).

A forma física das cidades – uma análise do contributo luso-


brasileiro para o debate internacional
Cláudia Monteiro, CM Arquiteta, Rua Lindo Vale 435, Porto, Portugal. E-mail:
aclaudiamonteiro@inbox.com

A investigação em morfologia urbana tem sido interdisciplinaridade (Whitehand, 2015). Este


marcada pelo recente crescimento no mundo texto pretende dar uma perspetiva desse
lusófono, inserido num contexto de contributo luso-brasileiro para o debate
desenvolvimento internacional e de grande internacional, baseado num conjunto de
Perspetivas 135

publicações em revistas internacionais relevantes, morphology (repetida 12 vezes, corresponde a 6


que assumem um papel determinante na por cento das palavras usadas). As outras
divulgação do estudo da forma urbana. ‘palavras’ mais citadas são urban design, urban
Para a procura da representatividade desse form, Brasil e Portugal, que juntas perfazem 12
contributo foram analisadas cinco revistas por cento das palavras usadas. A ‘palavra’ space
internacionais, com revisão por pares: syntax aparece ainda várias vezes citada (2 por
Environment and Planning B: Planning and cento), embora surja muitas vezes associada a
Design, Built Environment, Urban Design outras abordagens morfológicas. Esta presença
Internacional, Journal of Urban Design e Urban espelha o trabalho importante de investigadores
Morphology. As duas primeiras revistas iniciaram portugueses e brasileiros nesta área.
a sua publicação em 1974, sendo que as restantes Analisando a proveniência dos autores
três apenas nos anos 90 (em 1996, a Urban (atendendo ao primeiro autor de cada
Design Internacional e o Journal of Urban contribuição), verifica-se que dois terços dos
Design e, em 1997, a Urban Morphology). Nesse autores são portugueses (40 contribuições) e um
sentido, optou-se por iniciar esta pesquisa no terço são Brasileiros (20 contribuições). Ao nível
começo dos anos 90 (1990-2015). das cidades, em Portugal, o Porto concentra o
Neste período de 25 anos, foi possível maior número de autores (22), seguido de Lisboa
encontrar 60 contributos luso-brasileiros (artigos (14). Aparecem ainda autores de Coimbra (3) e
e viewpoints, ou texto similares) num universo Braga (1). No Brasil, a dispersão geográfica dos
alargado de contribuições internacionais. 92 por autores é muito mais significativa, havendo
cento das contribuições estão distribuídas pelas autores de nove cidades Brasileiras. As cidades
revistas Urban Morphology, Urban Design mais representadas são Maringá e Belo Horizonte
Internacional e Environment and Planning B. (4), seguidas de S. Paulo e Brasília (3).
A análise desses contributos baseou-se Focando a atenção na formação disciplinar
fundamentalmente em cinco aspetos: i) data de dos autores – e uma vez mais limitando ao 1º
publicação, ii) conteúdo dos contributos, iii) autor de cada contribuição – verifica-se que cerca
geografia dos autores, iv) formação disciplinar de 75 por cento dos autores têm como formação
dos autores, e v) impacto dos contributos. de base a arquitetura, seguidos por engenharia (18
Começando pela data de publicação verifica- por cento) e geografia e economia (3,5 por cento
se que 80 por cento das contribuições foram cada). Praticamente a totalidade destes autores
publicadas após 2005, sendo que os 15 anos têm um atividade predominante ligada ao ensino e
anteriores (1990-2004) apenas contabilizam 20 à investigação, não sendo relevante a participação
por cento das publicações. O momento de de autores envolvidos na prática profissional.
emergência da participação dos investigadores de A variedade de abordagens, e de perspetivas
língua portuguesa no debate internacional é integradas e abrangentes – sublinhada nos
evidente nesta análise, tendo havido um aumento conteúdos dos diferentes contributos analisados –
exponencial nos últimos anos. Para isso terá não reflete variedade das disciplinas
contribuído a realização de uma grande representadas. Disciplinas importantes como a
conferência internacional do Internacional geografia e a história, por exemplo, não estão
Seminar on Urban Form (ISUF), no Brasil em representadas nesta amostra.
2007 (Oliveira e Monteiro, 2013, analisam este Finalmente, analisou-se o impacto destas
processo no caso específico da Urban contribuições, com base nas citações identificadas
Morphology). Posteriormente os contributos no Scopus (acesso em Julho de 2015). ‘Towards
portugueses – e brasileiros – para a revista Urban the mass customization of housing: the grammar
Morphology aumentaram significativamente of Siza's houses at Malagueira’ (Duarte, 2005),
(Whitehand, 2015). publicado na Environment and Planning B, é, até
Analisando o conteúdo de cada contribuição ao momento, o artigo mais citado (27 vezes).
(com base nas palavras-chave ou, nos casos em Seguem-se, com dez citações o artigo ‘British
que se verifica a sua ausência, no título do texto) urban form in twentieth-century Brazil’ (Rego e
verifica-se que 166 diferentes palavras-chave são Meneguetti, 2008), com nove citações o artigo ‘A
usadas 220 vezes, sendo que 145 do conjunto das GIS-based decision-support tool for public
166 diferentes palavras são usadas apenas uma facility planning’ (Ribeiro, 2002), e com oito
única vez. Se por um lado, esta diferença de citações os artigos ‘A spatial analysis approach
linguagem utilizada mostra a abrangência das for the definition of metropolitan regions – the
abordagens presentes nos diferentes contributos, case of Portugal’ (Ramos, 2007) e ‘The
por outro lado, reflete muitas vezes o uso de morphological dimension of municipal plans’
palavras diferentes com significados semelhantes (Oliveira, 2006).
e em contextos próximos, não havendo um código Os resultados da análise realizada vêm
de linguagem comum a todos os autores. A salientar o lugar assumido por Portugal e Brasil
‘palavra’ ou expressão mais usada é urban para a atual expansão internacional da morfologia
136 Perspetivas

urbana. Oliveira, V. (2006) ‘The morphological


A esta dinâmica não podemos deixar de dimension of municipal plans’, Urban
associar o papel desempenhado pela Rede Morphology 10, 101-13.
Lusófona de Morfologia Urbana (fundada em Oliveira, V. e Monteiro, C. (2013) ‘What is Urban
2010 como rede portuguesa e posteriormente Morphology made of?’, Urban Morphology 17,
alargada a rede lusófona), que surgiu como uma 118-20.
das primeiras redes regionais associadas do Ramos, R. A. R. (2007) ‘A spatial analysis
International Seminar on Urban Form, approach for the definition of metropolitan
contribuindo para a sua expansão (Whitehand, regions – the case of Portugal’, Environment
2015), e ainda a publicação da ‘Revista de and Planning B: Planning and Design 34, 171-
Morfologia Urbana’, cujo primeiro número saiu 85.
em 2013 e que veio desempenhar um papel Rego, R. L. e Meneguetti, K. S. (2008) ‘British
importante para a divulgação do trabalho dos urban form in twentieth-century Brazil’, Urban
autores lusófonos, sendo a primeira revista Morphology 12, 25-34.
lusófona de morfologia urbana. Ribeiro, A. (2002) ‘A GIS-based decision-support
tool for public facility planning’, Environment
and Planning B: Planning and Design 29, 553-
Referências 69.
Whitehand, J. W. R. (2015) ‘Prefácio’ em
Duarte, J. (2005) ‘Towards the mass Oliveira, V., Marat-Mendes, T. e Pinho, P.
customization of housing: the grammar of Siza's (eds.) O estudo da forma urbana em Portugal
houses at Malagueira’, Environment and (Edições UP, Porto) 15-6.
Planning B: Planning and Design 32, 347-80.

Indicadores visuais
Anastássios Perdicoúlis, CITTA, Centro de Investigação do Território, Transportes e
Ambiente, Faculdade de Engenharia, Universidade do Porto, Rua Dr. Roberto Frias,
4200-465 Porto, Portugal; Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Apartado
1013, 5001-801Vila Real, Portugal. E-mail: tasso@fe.up.pt, http://systemsplanning.org

O ‘declínio urbano’ em qualquer metrópole científicas relativamente a dados e informação.


moderna, ou então nos casos extremos de cidades No entanto, seria uma omissão grave se um
como a recentemente atingida Detroit (EUA), tema como o declínio urbano fosse tratado
pode ser abordado por cientistas (sociais) com meramente como estatística. Talvez as
base em informação estatística sobre desemprego, implicações mais fortes – pelo menos no que diz
taxas de suicídio ou criminalidade. Tais respeito à sensibilidade humana, para não dizer à
‘indicadores’ são abstratos: referem-se a ‘ética’ – sejam de natureza pessoal e social.
conceitos que são entendidos ou apreendidos mais Sofrimento humano, desordem pública, coesão
ou menos do mesmo modo pela maioria dos social, renovação das comunidades e
cientistas, mas que provavelmente têm um solidariedade, por exemplo, são fenómenos que
significado especial para quem vive a situação não podem ser descritos, nem percebidos pela
específica. Por outras palavras, os indicadores natureza numérica dos indicadores científicos
estão intimamente associados a modelos mentais ‘clássicos’. É impossível que qualquer desses
que não são explícitos ou partilhados de modo fenómenos passe despercebido num passeio na
transparente, incluindo por vezes o modo como os cidade – por exemplo, pessoas sem abrigo a
dados mensuráveis são relacionados (e.g. dormir na rua, janelas cobertas com placas de
cálculos) para produzir os índices pretendidos madeira, edifícios abandonados e ‘grafitados’ em
(Perdicoúlis e Glasson, 2011). De qualquer forma, protesto indicam o declínio da cidade, tal como
os indicadores merecem confiança porque são: i) projetos comunitários e reuniões de rua indicam
medíveis ou quantificáveis, ii) apresentados numa reações humanas para quebrar o padrão de
forma numérica e ‘objetiva’, iii) processados declinio. Ao contrário dos dados e da estatística, a
estatisticamente e representados graficamente, informação visual é difícil de medir ou
e iv) geralmente seguem as normas quantificar, de calcular (ou, geralmente,
Perspetivas 137

processar), comparar, ou ‘validar cientificamente’ atribuidas e quais são os caminhos causais? Tudo
mantendo toda a sua essência. isso contrasta com a utilização de fotografias de
Mesmo assim, eventualmente, nenhum casas fechadas, com janelas bloqueadas, mas sem
cientista iria rejeitar diretamente a evidência querer provocar emoções – se tal for possível. Os
visual por não seguir exatamente as normas do cientistas não podem imaginar, mas podem
paradigma científico. Verdadeiramente, não é formular hipóteses, que é um outro tipo de
fácil desenhar experiências científicas, completas liberdade. Mesmo assim, é muito difícil encontrar
com cidades ou bairros de controlo (control modelos mentais em trabalhos científicos
groups), baseadas nas indicações visuais explicitamente apresentados – por exemplo, o
recolhidas – mesmo se as trajetórias dos percursos raciocínio usado na formulação de uma hipótese.
fossem metodicamente tracejadas, seguindo No paradigma científico corrente só a examinação
critérios rigorosos sobre a aleatoriedade das da hipótese tem valor (Popper, 2002).
amostras e sobre a necessidade de obter um De qualquer modo, observações visuais e
grande número de amostras. É difícil ‘provar’ indicadores constituem uma realidade sui generis,
algo cientificamente, meramente com base na que é frequentemente vinculada num domínio
evidência visual. Mas existem formas de usar os diferente, devido à separação centenária entre
indicadores visuais para obter dados ciência e arte (Rashdall, 1895). A íntima
cientificamente válidos – por exemplo, contagens colaboração entre os paradigmas baseados em
de observações, áreas de amostragem – por dados numéricos versus evidência visual é uma
seleção ou conversão, mesmo que isso reduza, ou consideração a resolver no futuro – talvez tão
até elimine, o significado da informação. importante como a transparência dos modelos
É geralmente aceite que não há uma obrigação mentais e da formulação de hipóteses.
científica de os cientistas partilharem os seus
modelos mentais. Seria uma grande desilusão
criar expectativas e ver explicitamente, ou
verificar, o modo como as indicações visuais são Referências
convertidas ou usadas na sua versão numérica.
Por exemplo, qual é o grau de ‘realidade’ que é Perdicoúlis, A. e Glasson, J. (2011) ‘The use of
transmitida por ‘30% das residências uni- indicators in planning – effectiveness and risks’,
familiares têm janelas bloqueadas’ ao grupo de Planning Practice & Research 26, 349-67.
estudo científico sobre o declínio urbano, e Popper, K. (2002) The logic of scientific
exatamente em que sentido? Quais são as discovery (Routledge, Londres).
implicações a extrair e qual é o raciocínio Rashdall, H. (1895) The universities of Europe in
envolvido nesse processo? Quais são as causas the Middle Ages (Clarendon Press, Oxford).

ISUF Conference 2016: Urban morphology and the resilient city


O 23º International Seminar on Urban Form A Comissão Organizadora e o ISUF Council
(ISUF 2016), organizado na Escola de convidam à participação de académicos e
Arquitetura e Planeamento Urbano da profissionais. Os resumos deverão ser
Universidade de Nanjing, terá lugar em submetidos para isuf2016@nju.edu.cn até 31 de
Nanjing, na China, de 8 a 10 de Julho de 2016. Janeiro de 2016. Para além de um resumo com
O tema da conferência é ‘Morfologia urbana e a 250 palavras, as propostas devem incluir: titulo
cidade resiliente’, estruturando-se nos seguintes do artigo, nome do(s) autor(es), filiação, morada
tópicos: i) teoria em morfologia urbana; ii) completa, e-mail, número de telefone, três a
morfologia urbana, desenho urbano e cinco palavras-chave e tópico da conferência. O
planeamento; iii) forma urbana, sociedade e template para o resumo, bem como um conjunto
tecnologia; iv) o conceito de cintura periférica; de informações adicionais, está disponível no
v) morfologia urbana, sustentabilidade e website http://urbanform.cn. Os autores serão
alterações climáticas; vi) transformação e informados acerca da aceitação do seu texto até
resiliência no processo de desenvolvimento 15 de Março de 2016.
urbano; vii) forma urbana numa era global; viii) As excursões pós-conferência incluem
forma urbana na Ásia; e, por fim, ix) Oriente e passeios em Nanjing e uma excursão de dois
Ocidente: semelhanças e contrastes. dias à cidade histórica de Suzhou.
138 Notícia

PNUM 2016: Os espaços da morfologia urbana

A 5ª conferência anual da Rede Lusófona de conferência poderão ser encontradas no


Morfologia Urbana (PNUM), realizar-se-á em website do PNUM 2016 em
Guimarães (mais concretamente no Centro http://pnum2016.weebly.com/.
Cultural Vila Flor / CCVF) nos dias 15 e 16 de A Comissão Organizadora da conferência ‘Os
Julho de 2016. Espaços da Morfologia Urbana’ inclui: Jorge
Com o tema ‘Os Espaços da Morfologia Correia e Miguel Bandeira (Coordenadores),
Urbana’ a conferência irá promover o debate Cidália Silva, Ivo Oliveira, Maria José Caldeira e
sobre o lugar do estudo da forma física das Maria Manuel Oliveira. A Comissão Científica
cidades em três domínios fundamentais, o ensino do PNUM 2016 inclui Teresa Marat-Mendes
universitário, a investigação científica e a prática (Presidente), Eneida Mendonça, Frederico de
profissional. Os tópicos da conferência são: i) Holanda, Jorge Correia, Miguel Bandeira, Nuno
história da forma urbana; ii) heranças Pinto, Stael de Alvarenga Pereira Costa e Vítor
patrimoniais e regeneração urbana; iii) teoria da Oliveira.
morfologia urbana; iv) da cidade ao território; v) A cidade de Guimarães proporcionará a todos
práticas e experiências didáticas; vi) métodos e os participantes um cenário ideal para as
técnicas; vii) agentes e processos de temáticas propostas, oferendo no seu palimpsesto
transformação; viii) do plano ao projeto; e, por urbano marcas identitárias da sua formação
fim, ix) espaço público e transformações medieval, evolução moderna, iluminista e liberal,
recentes. bem como das mais recentes requalificações de
Os resumos deverão ser submetidos até 15 de espaço público e reabilitação do seu tecido
Janeiro de 2016. Os autores serão notificados construído. Classificada como Património da
acerca da aceitação do resumo até 29 de Humanidade e recentemente protagonista da
Fevereiro de 2016. O artigo completo, de Capital Europeia da Cultura 2012, a cidade
elaboração facultativa, deverá ser enviado até 30 complementa os trabalhos de índole científica
de Abril. Informações detalhadas sobre a que se promoverão nas salas do CCVF.

Figura 1. Vista do edificado de Guimarães. Fotografia de Jorge Correia.


REDE LUSÓFONA DE MORFOLOGIA URBANA
A Rede Lusófona de Morfologia Urbana (PNUM) foi criada em 2010, em Hamburgo, como um
grupo regional do International Seminar on Urban Form. Os objectivos do grupo são: promover
e desenvolver o estudo da forma urbana; consolidar uma verdadeira rede de investigação no
domínio da morfologia urbana, através da organização de reuniões e conferências, e da
publicação da presente Revista; e, por fim, estabelecer uma relação privilegiada com o
International Seminar on Urban Form, através da colaboração com iniciativas de debate e
divulgação do ISUF. Para mais informações consultar o sitío do PNUM em: pnum.fe.up.pt/pt.

Conselho Científico

Presidente: Teresa Marat-Mendes, Instituto Universitário de Lisboa, Portugal (2016)

Membros: Frederico de Holanda, Universidade de Brasília, Brasil (2016)


Jorge Correia, Universidade do Minho, Portugal (2015)
Miguel Bandeira, Universidade do Minho, Portugal (2016)
Nuno Norte Pinto, The University of Manchester, Reino Unido (2016)
Stael de Alvarenga Pereira Costa, Universidade Federal de Minas Gerais,
Brasil (2016)
Vítor Oliveira, Universidade do Porto, Portugal (2016)

(As datas entre parentesis indicam o final do mandato)


83 Editorial

85 E. Barbosa e P. Fernandes
Formas espontâneas e induzidas: comparando São Paulo, Jacarta, Hanoi e Belo Horizonte

105 J.M.P. Silva, F. Lima e N.C.T. Magalhães


Aplicação do conceito de Unidade Morfo-territorial nas escalas metropolitana, intraurbana e local

Perspetivas
123 Transformação e permanência de formas urbanas: uma contribuição metodológica E. M. N. Mendonça
125 Porque importa a morfologia urbana? I. Samuels
127 Persistências, ruturas, dinâmicas: paradigmas dos estudos históricos de forma urbana S. M. G. Pinto
130 Estratégias para a renovação do edificado através das Gramáticas de Forma S. Eloy
132 Adaptabilidade, continuidade, flexibilidade e resiliência. Algumas considerações sobre as propriedades das
formas urbanas T. Marat-Mendes
134 A forma física das cidades – uma análise do contributo luso-brasileiro para o debate internacional
C. Monteiro
136 Indicadores Visuais A. Perdicoúlis

Relatórios
102 Rede Lusófona de Morfologia Urbana (PNUM), 2014-15 T. Marat-Mendes
103 1st Symposium of the Turkish Network of Urban Morphology, Istambul, 2015 T. Ünlü
121 4ª Conferência da Rede Lusófona de Morfologia Urbana, Brasília, 2015 S. A. P.Costa

Notícias
84 Urban Morphology
122 2º Workshop PNUM
137 ISUF Conference 2016: Urban morphology and the resilient city
138 PNUM 2016: Os espaços da morfologia urbana

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