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REVISTA DE

MORFOLOGIA
URBANA
Revista da Rede Portuguesa de Morfologia Urbana

2014
Volume 2
Número 1
Editor: Vítor Oliveira, Universidade do Porto, Portugal, vitorm@fe.up.pt

Editores Associados: Frederico de Holanda, Universidade de Brasília, Brasil


Paulo Pinho, Universidade do Porto, Portugal

Editor dos Book Review: Teresa Marat-Mendes, Instituto Universitário de Lisboa, Portugal,
marat.mendes@gmail.com

Editor Assistente: Mafalda Silva, Universidade do Porto, Portugal

Consultores: Giancarlo Cataldi, Università degli Studi di Firenze, Itália


Jeremy Whitehand, University of Birmingham, Reino Unido
Kai Gu, University of Auckland, Nova Zelândia
Michael Conzen, University of Chicago, Estados Unidos da
América
Peter Larkham, Birmingham City University, Reino Unido

Quadro Editorial: Isabel Martins, Universidade Agostinho Neto, Angola


Jorge Correia, Universidade do Minho, Portugal
José Forjaz, Universidade Eduardo Mondlane, Moçambique
Judite Nascimento, Universidade de Cabo Verde, Cabo Verde
Luiz Amorim, Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Mário Fernandes, Universidade do Porto, Portugal
Renato Leão Rego, Universidade Estadual de Maringá, Brasil
Sandra Pinto, Universidade Nova de Lisboa, Portugal
Sílvio Soares Macedo, Universidade de São Paulo, Brasil
Stael de Alvarenga Pereira Costa, Universidade Federal de Minas
Gerais, Brasil
Teresa Marat-Mendes, Instituto Universitário de Lisboa, Portugal

Os autores são os únicos responsáveis pelas opiniões expressas nos textos publicados na
‘Revista de Morfologia Urbana’. Os Artigos (não deverão exceder as 6 000 palavras, devendo
ainda incluir um resumo com um máximo de 200 palavras), as Perspetivas (não deverão exceder
as 1 000 palavras), os Relatórios e as Notícias referentes a eventos futuros deverão ser enviados
ao Editor. As normas para contributos encontram-se na página 2.

Desenho original da capa - Karl Kropf. Desenho das figuras - Vítor Oliveira

REDE PORTUGUESA DE MORFOLOGIA URBANA ISSN 2182-7214


REVISTA DE MORFOLOGIA URBANA
Revista da Rede Portuguesa de Morfologia Urbana

Volume 2 Número 1 Julho 2014


3 Editorial

5 F. Holanda
O mundo das miudezas: Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília
(PPCUB)

15 N. Palma
Estudos urbanos e geometria fractal

25 G. Cataldi, G. L. Maffei e P.Vaccaro


Saverio Muratori e a escola Italiana de tipologia projetual

Perspetivas

37 As origens da morfologia urbana e a geografia alemã V. Oliveira e C. Monteiro


40 Extensões da forma A. Perdicoúlis
42 A ‘rua direita’ portuguesa: elemento estruturador ou designação toponímica?
S. M. G. Pinto
44 Gramáticas genéricas para o domínio da cidade e urbanismo J. N. Beirão

Relatórios

14 Criação da INTBAU Portugal R. Florentino


24 Turkish Network of Urban Morphology T. Ünlü
36 Chinese Network of Urban Morphology W. Ding

Book reviews

47 C. D. Coelho (2013) Os elementos urbanos T. Marat-Mendes


48 F. de Holanda (2013) 10 mandamentos da arquitetura V. Oliveira

Notícias

4 Urban Morphology
13 ISUF2014: Our common future in Urban Morphology
50 PNUM2015: Configuração urbana e os desafios da urbanidade
Normas para contributos para a Revista de Morfologia Urbana
Os textos a submeter à ‘Revista de Morfologia Whitehand, J. W. R. e Larkham, P. J. (eds.)
Urbana’ deverão ser originais, escritos em (1992) Urban landscapes, international
Português, e não deverão estar em apreciação em perspectives (Routledge, Londres).
nenhuma outra revista científica. Os textos serão No caso de publicações com múltiplos
aceites para publicação depois da avaliação autores, todos os nomes devem ser incluídos na
favorável de, pelo menos, dois revisores lista de referências. Apenas as referências citadas
independentes. Os artigos não deverão exceder as devem ser incluídas na lista.
6 000 palavras, devendo ainda incluir um resumo
com um máximo de 200 palavras e até cinco Ilustrações e tabelas
palavras-chave. O título do artigo, o resumo e as Os desenhos e as fotografias deverão ter a
palavras-chave deverão ser bilingue, em dimensão adequada à sua reprodução. Nesse
Português e em Inglês. Como a autoria dos textos sentido, a dimensão das páginas da revista deverá
não é revelada aos revisores, o(s) nome(s) e o(s) ser tida em consideração pelo autor ao desenhar
endereço(s) do(s) autor(es) devem constar de uma as ilustrações. As ilustrações devem ser a preto e
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sujeitas a ‘revisão por pares’) e os book reviews ser numeradas de forma consecutiva, referidas
não deverão exceder as 1 000 palavras. Os artigos diretamente no texto e submetidas em formato
e as ‘perspetivas’ devem ser formatados em word JPEG ou TIFF. As ilustrações fotográficas
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endereçados ao Editor dos Book Review as ilustrações devem ter uma designação. No
(marat.mendes@gmail.com). Os textos deverão final do texto, após a lista de referências, deve ser
ser submetidos em formato de coluna única com incluída uma lista das ilustrações, da seguinte
margens largas. Os autores não deverão tentar forma:
reproduzir o layout da revista. Todas as medições
devem ser expressas no sistema métrico. Figura 1. Análise metrológica de Lower
Os autores são os únicos responsáveis pelas Broad Street, Ludlow
opiniões expressas nos textos publicados na
‘Revista de Morfologia Urbana’. São ainda Deverá ser dedicada uma atenção especial ao
responsáveis por assegurar eventuais permissões layout das tabelas, devendo ser desenhada uma
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etc. desenhadas com o mínimo recurso a
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Referências Deverão ter margens largas em todos os lados.
Os autores deverão usar o sistema de
referenciação Harvard, no qual o nome do autor Página de título
(sem as iniciais) e a data são apresentados no Numa página em separado deverá ser indicado o
corpo do texto – por exemplo (Whitehand e título do artigo e o nome, a filiação académica
Larkham, 1992). As referências são apresentadas (ou profissional) e o endereço completo
por ordem alfabética no final do texto, sob o (incluindo email) do(s) autor(es).
título ‘Referências’, da seguinte forma:
Títulos
Conzen, M. P. (2012) ‘Urban morphology, ISUF Apenas na primeira letra e nos nomes próprios
and a view forward’, 18th International serão utilizadas maiúsculas. Os títulos deverão
Seminar on Urban Form, Montreal, 26 a 29 ser justificados à esquerda. Os títulos primários
de Agosto. deverão ser a negrito e os secundários em itálico.
Conzen, M. R. G. (1968) ‘The use of town plans
in the study of urban history’, em Dyos, H. J. Números
(ed.) The study of urban history (Edward Deverão ser usados algarismos para todas as
Arnold, Londres) 113-30. unidades de medida, à exceção de quantidades de
Hillier, B. (2008) Space is the machine objetos e pessoas, quando estas se referirem a
(www.spacesyntax.com) consultado em 9 valores compreendidos entre um e vinte. Nesse
Setembro de 2013. caso, os números deverão escritos por extenso.
Kropf, K. S. (1993) ‘An inquiry into the
definition of built form in urban morphology’, Por exemplo: 10 dias, 10 km, 24 habitantes, 6400
Tese de Doutoramento não publicada, m; mas dez pessoas, cinco mapas.
University of Birmingham, Reino Unido.
Moudon, A. V. (1997) ‘Urban morphology as an Provas
emerging interdisciplinary field’, Urban Durante o processo de publicação serão enviadas
Morphology 1, 3-10. provas aos autores. Nesta fase, apenas serão
corrigidos erros de impressão, não sendo
aceitáveis alterações de fundo.
Editorial

Diferentes abordagens no estudo da forma urbana

Ao longo das últimas décadas tem vindo a representação de ‘unidades de paisagem


desenvolver-se todo um conjunto de urbana’. Tendo em vista a aplicação do
diferentes teorias, conceitos e métodos para a método em diferentes contextos, Whitehand
descrição, explicação e desenho da forma alerta para a necessidade de um
física das cidades. Os artigos e viewpoints conhecimento aprofundado de cada local e
reunidos neste número da ‘Revista de da utilização do mesmo nível de resolução na
Morfologia Urbana’ expressam esta identificação das unidades de paisagem.
diversidade teórica e metodológica: desde a Conzen (2009) desenvolve uma avaliação
abordagem tipológica projetual promovida comparativa do desempenho do conceito de
pela Escola Muratoriana (Cataldi et al., pp. ‘cintura periférica’ nos diferentes contextos
25-36) até à sintaxe espacial (Holanda, pp. 5- culturais em que foi aplicado. Para além de
13), da análise fractal (Palma, pp. 15-24) às identificar as semelhanças e as diferenças
gramáticas da forma (Beirão, pp. 44-6). De fundamentais entre os diferentes casos de
algum modo, estes textos dão também estudo, Conzen reflete sobre a eficácia e
continuidade ao conjunto de artigos e sobre os limites do próprio conceito.
viewpoints, incluídos no primeiro número da Num âmbito diferente, Conzen (2008)
Revista, sobre a abordagem histórico- analisa os resultados do European Historic
geográfica promovida pela Escola Town Atlas, um programa cujo objetivo
Conzeniana, a sua articulação com a sintaxe fundamental, partilhado por um vasto
espacial e, ainda, sobre os autómatos conjunto de investigadores em diferentes
celulares. países, é o ‘redesenho’ de cartografia antiga
Este dinamismo na formulação e de áreas urbanas, a uma escala uniforme e
desenvolvimento de novas teorias, conceitos com as mesmas regras de representação, no
e métodos tem, naturalmente, uma série de sentido de facilitar a sua posterior
vantagens, mas contém também uma comparação.
fragilidade fundamental, já que o debate em Outros autores exploraram a utilização de
morfologia urbana não foi ainda capaz de diferentes abordagens no mesmo caso de
fornecer uma meta-estrutura comparativa que estudo. Osmond (2007) propõe uma
permita, a académicos e profissionais, metodologia integrada, desenvolvida em
perceber: i) que abordagens usar face à torno do conceito de Urban Structural Unit e
natureza específica de um determinado caso incluindo técnicas morfológicas
em análise; ii) se é possível combinar complementares (sintaxe espacial e
diferentes abordagens; e, ainda, iii) em que geometria fractal), e aplica-a a dois
momentos ou perante que aspetos de um subúrbios de Sydney. Pinho e Oliveira
determinado caso fará mais sentido usar cada (2009) estudam a evolução da forma urbana
uma das abordagens escolhidas. O esforço de do Porto ao longo dos séculos XIX e XX,
construção de uma estrutura desta natureza combinando a abordagem Conzeniana e a
deverá ser informado pelo desenvolvimento sintaxe espacial e encontrando importantes
de estudos comparativos das várias teorias, relações entre diferentes conceitos
conceitos e métodos morfológicos. formulados no seio das duas abordagens. Do
Perante este desafio, alguns projetos de mesmo modo, Griffiths et al. (2010)
investigação têm-se centrado na utilização de combinam estas duas abordagens, num
uma abordagem morfológica, ou de um ambiente integrado de SIG, para analisar a
conceito ou método, em diferentes tipos de persistência de centros urbanos no território
áreas urbanas em diferentes partes do da ‘Grande Londres’.
mundo. Whitehand (2009) descreve a Kropf (2009) desenvolve uma análise
utilização do método de ‘regionalização crítica de um conjunto de textos
morfológica’ na identificação e fundamentais das seguintes abordagens:

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4 Editorial

análise espacial, configuracional (sintaxe espacial e análise espacial) no mesmo caso


espacial), tipológica projetual e histórico- de estudo, a Rua de Costa Cabral na cidade
geográfica. Depois de identificar os do Porto. Por último, no final do primeiro
fenómenos que são objeto da análise semestre de 2015 realizar-se-á (em
morfológica, Kropf identifica um aspeto articulação com o ISUF2015-Roma e com o
comum às quatro abordagens que poderá ser PNUM2015-Brasília), na Faculdade de
usado para coordenar as diferentes visões. O Engenharia da Universidade do Porto, o
seu objetivo fundamental é estabelecer uma primeiro Workshop de Morfologia Urbana do
estrutura comparativa na qual as diferentes PNUM com o tema ‘Diferentes Abordagens
abordagens se suportem mutuamente no no Estudo da Forma Urbana’.
sentido de construir um conhecimento mais
aprofundado dos assentamentos urbanos. No
final, e apesar dos passos dados no artigo, Referências
Kropf sustenta a necessidade de aprofundar
esta análise crítica comparativa. Conzen, M. P. (2008) ‘Retriving the pre-
A necessidade de desenvolver estudos industrial built environment of Europe: the
comparativos sobre as diferentes abordagens Historic Town Atlas programme and
é, de facto, um desafio fundamental que se comparative morphological study’, Urban
Morphology 12, 143-56.
coloca à morfologia urbana. Ao longo dos
Conzen, M. P. (2009) ‘How cities internalize
próximos meses, três eventos promovidos their former urban fringes: a cross-cultural
pelo International Seminar on Urban Form comparison’, Urban Morphology 13, 29-54.
(ISUF) e pela Rede Portuguesa de Griffiths, S., Jones, C. E., Vaughan, L. e Haklay,
Morfologia Urbana (PNUM) darão um M. (2010) ‘The persistence of suburban centres
sólido contributo a este debate. O primeiro in Greater London: combining Conzenian and
corresponde à inclusão de um conjunto de space syntax approaches’, Urban Morphology
sessões no ISUF2014-Porto, coordenadas por 14, 85-99.
Jeremy Whitehand, dedicado a este tema. Kropf, K. S. (2009) ‘Aspects of urban form’,
Estas sessões irão centrar-se na comparação Urban Morphology 13, 105-20.
Osmond, P. (2007) ‘Quantifying the qualitative:
das diferentes escolas e abordagens
an evaluation of urban ambience’, Proceedings
morfológicas, na comparação da aplicação de of the 6th International Space Syntax
conceitos morfológicos em diferentes Symposium, Istanbul.
contextos geográficos e, por fim, na análise Pinho, P. e Oliveira, V. (2009) ‘Different
das dinâmicas da forma urbana em ambientes approaches in the study of urban form’, Journal
multiculturais. O segundo será a conclusão e of Urbanism 2, 103-25.
publicação de resultados, de um estudo, Whitehand, J. W. R. (2009) ‘The structure of
financiado pelo ISUF, que compara a urban landscapes: strengthening research and
utilização de quatro abordagens (histórico- practice’, Urban Morphology 13, 5-27.
geográfica, tipológica projetual, sintaxe
Vítor Oliveira

Urban Morphology
O último número da revista Urban Morphology, and Practice in Urban Morphology – a cidade do
referente ao mês de Abril, foi já publicado, sendo Porto e o seu Plano Diretor Municipal (PDM).
que a versão online se encontra disponível, para Karl Kropf desenvolve um ensaio crítico sobre as
os subscritores, em http://www. diferentes definições de forma construída, de
urbanform.org/online_public/index.shtml. modo a construir um elemento de referência para
Este número inclui quatro artigos. Kai Gu e a análise dos diferentes aspetos da forma urbana.
Jian Zhang debatem a utilização de fontes Por fim, Renato Leão Rego aborda a temática da
cartográficas na investigação em morfologia ‘cidade ideal versus cidade construída’ através da
urbana que tem vindo a ser desenvolvida na análise comparada de duas cidades Brasileiras
China. Vítor Oliveira, Mafalda Silva e Ivor planeadas em meados do século XX, Maringá e
Samuels apresentam os resultados do primeiro Sinop. O próximo número da revista Urban
caso de estudo desenvolvido sob o Morphology será publicado em Outubro.
enquadramento da ISUF Task Force on Research
O mundo das miudezas: Plano de Preservação do Conjunto
Urbanístico de Brasília – PPCUB

Frederico de Holanda
Universidade de Brasília, Campus Universitário Darcy Ribeiro, Brasília - CEP 70910-
900, Brasil. Email: fredholanda44@gmail.com

Artigo revisto recebido a 18 de Fevereiro de 2014

Resumo. O projeto de lei complementar do Plano de Preservação do


Conjunto Urbanístico de Brasília encontra-se em tramitação no âmbito do
Poder Legislativo, do Distrito Federal, Brasil. Infelizmente, o projeto não
considera históricos problemas da cidade: rupturas do tecido urbano;
vazios sem justificativa funcional, bioclimática ou expressiva; questões de
acessibilidade universal; má definição de espaços para a vida pública; uma
das mais perversas estratificações socioespaciais do mundo. Décadas de
crítica a configurações modernas, que não consideram o espaço ‘entre
edifícios’ como alvo da atenção projetual, são ignoradas. Mais que em
projetos do período clássico do urbanismo moderno (anos 1960), projetos
recentes fazem proliferar espaços definidos por paredes cegas, ou edifícios-
ilhas em esquemas introvertidos: atividades abrem para o interior dos
prédios e esvaziam o âmbito público de transições entre fechado e aberto.
As iniciativas do ‘homem comum’ de Certeau, sempre a reinventar a cidade
mediante fascinantes ‘fissuras urbanas’ na ordem hegemônica, são
ignoradas. Em vez de atacar problemas estruturais da cidade, o Plano
perde-se em pormenorizar atributos das parcelas urbanas, no furor
legislativo de quase duzentos artigos e uma miríade de anexos. O mundo das
miudezas.

Palavras-chave: Brasília, patrimônio, preservação, PPCUB.

No momento da escrita a minuta do Projeto se que o controle urbanístico de Brasília


de Lei Complementar do Plano de transformou-se, no tempo, num labirinto
Preservação do Conjunto Urbanístico de interminável de NGBs (Normas de Uso e
Brasília (doravante PPCUB) encontra-se em Gabarito), quase uma para cada terreno da
tramitação no Poder Legislativo do Distrito cidade. O PPCUB seria a oportunidade para
Federal (doravante DF), Brasil, a ele reordenar o caos jurídico e fazer da
encaminhado pelo Poder Executivo local. O legislação urbanística algo mais claro, que
documento de quase 200 artigos trata da área concebesse os documentos legais como
tombada de Brasília como Patrimônio instrumentos para a consecução de uma
Cultural da Humanidade, pela UNESCO. A melhor paisagem urbana – para a resolução
proposta inclui considerações sobre as ‘áreas dos problemas estruturais da cidade, pelo
de entorno’, que supostamente também menos os relacionados à configuração da
devem ser controladas por interferirem na urbe.
paisagem da área tombada. Mais uma oportunidade perdida, como
A prolixidade do documento impressiona. tantas outras na história da Capital Federal
A área tombada é dividida em onze Áreas de do Brasil. E o mais lamentável: o intenso
Preservação (APs), subdivididas em 71 debate sobre o Plano ocorrido ao longo de
Unidades de Preservação (UPs) (o Art. 2, 2013 entre o Poder Executivo e a Sociedade
sobre as 45 siglas utilizadas, indica o que Civil. Não poderia ter sido mais ‘ideológico’,
vem pela frente). Tradicionalmente observa- no mau sentido do termo: fundado em

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6 O mundo das miudezas: Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília – PPCUB

‘aparências’, ignorando o conhecimento centro demográfico, ou ‘de massa’, não


sistemático produzido sobre a cidade ao coincide com o primeiro nem com o segundo
longo de décadas; eivado de ‘valores (Figura 1). A Figura 1 mostra parte dos eixos
inconfessos’ e de doutrinas que se gostaria viários do município de Brasília, onde estão
de ter visto há muito enterradas; ‘paroquial’, os três centros da cidade tricéfala. O mapa de
porque não enxerga as medidas propostas no eixos provém de técnicas da Teoria da
contexto da ‘cidade como sistema’, mas Sintaxe Espacial. Quanto mais quentes as
como intervenções a supostamente cores, mas acessíveis são os eixos ao
resolverem problemas pontuais. conjunto do sistema. A separação das três
Decerto os problemas de Brasília centralidades em ‘locais distintos’ – o que
extrapolam o âmbito da área tombada. Mas, não acontece em outras cidades brasileiras –
no mínimo, seu equacionamento também implica enormes custos, particularmente para
passa por transformações na área. Não há a população de baixa renda que dispõe de um
espaço aqui para a análise das diretrizes de arremedo de transporte coletivo: caro,
todas as áreas de preservação, menos ainda ineficiente e sucateado.
de todas as unidades de preservação ou das O centro morfológico e o centro
áreas de entorno. A título de exemplo, alguns demográfico estão na AE 02 (Área de
pontos ilustram as diretrizes do PPCUB e Entorno 02, Figura 2). A área é tangenciada
revelam como elas passam ao largo dos pela ‘Estrada Parque Indústria e
problemas identificados em várias Abastecimento’ (EPIA), via que define o
oportunidades e por vários autores (Holanda, limite oeste da área tombada (Figura 2). Ao
2002, 2010, 2011a, 2011b, 2011c, 2011d, longo dela, o uso do solo transformou-se
2012; Paviani, 1985). radicalmente nas últimas décadas – exemplo
da ‘lei do movimento natural’, como
Áreas de entorno sugerida por Hillier et al. (1993): a alta
acessibilidade de uma área urbana puxa para
Brasília é uma ‘cidade tricéfala’ (Holanda, ela intensos fluxos motorizados, que por sua
2010). Para caracterizar a situação, vez atraem atividades urbanas centrais.
propomos três conceitos de ‘centro’. As O desenvolvimento de qualquer cidade
cidades têm: i) o ‘centro funcional’, ou faz deslocar as centralidades. Fenômeno
centro de comércio e serviços (CCS), ponto universal, o mero tamanho da cidade implica
em torno do qual se concentra a maioria dos novos centros, embora o centro histórico
empregos e serviços; ii) o ‘centro raramente perca sua proeminência – no caso
morfológico’, ponto mais acessível brasileiro, assim foi com o Rio de Janeiro,
topologicamente, isto é, aquele a que São Paulo, Recife (Villaça, 1998). À medida
chegamos com menos inflexões de percurso, que distâncias crescem, novos centros criam
em média, a partir de todos os demais pontos oportunidades de emprego e serviços mais
da cidade, considerado o sistema viário – próximos às residências.
conceito de acessibilidade advindo da Teoria Uma excelente oportunidade para
da Sintaxe Espacial (Hillier e Hanson, 1984; desenvolver-se uma nova centralidade de
Holanda, 2010); iii) o ‘centro demográfico’, Brasília está na AE 02, e nas AE 06a e AE
ponto que minimiza a distância per capita 06b, também situadas ao longo da EPIA.
média para os habitantes da metrópole, Minuta recente do PPCUB reconhece a
considerado o local de moradia (o ‘centro de potencialidade, mas ela foi retirada do
massa’ populacional). projeto de lei, depois de intensos debates
Brasília é tricéfala porque organiza de entre governo e representantes da Sociedade
maneira peculiar a relação entre as três Civil. Lamentavelmente, a discussão foi
centralidades. O ‘centro funcional’, ponto em intensamente ideologizada. Nada
torno do qual estão 44 % dos empregos do pormenorizada, sabe-se, contudo, que a
DF (CODEPLAN, 2004), localiza-se no proposta do Executivo retoma os piores
entorno imediato do cruzamento dos dois problemas do urbanismo moderno: haveria
eixos estruturais do Plano Piloto – o Eixo um ‘setor de trabalho’ isolado das
Monumental e o Eixo Rodoviário. Ele dista habitações; o ‘setor habitacional’ seria mais
10 km do centro morfológico, a sudoeste. O um bairro socialmente homogêneo, como da
O mundo das miudezas: Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília – PPCUB 7

Figura 1. Centralidades em locais distintos, peculiaridade de Brasília.

tradição no DF (neste caso, para a classe malgré os desejos isolacionistas das classes
média). Por outro lado, a reação crítica não altas que habitam áreas centrais da
está preocupada com estes problemas, mas metrópole.
com o fato de uma nova zona urbana vir Dentre as considerações sobre as
eventualmente agravar os problemas de expansões, não se comenta sobre alturas
tráfego na região. Uso de solo e mobilidade edificadas em função de critérios claros de
não são ‘ambas’ pensadas como ‘variáveis’ visibilidade do conjunto tombado, cujo sítio
da equação; não se cogita que uma nova tem a forma aproximada de uma calota (área
centralidade ‘exige’ a contrapartida de novos clara no centro da Figura 2). Na AE 06b, na
padrões de mobilidade, mormente em mesma figura, nada construído com menos
Brasília, onde cedo ou tarde os padrões de 100 m de altura será visto das asas
atuais baseados no carro terão que ser residenciais ou do Eixo Monumental. Sequer
revistos (já o estão sendo, embora muito teremos um contraponto similar ao de La
timidamente, pois a cidade está seriamente Défense (Paris), no prolongamento dos
travada). Champs Élysées, onde o problema não é a
Mas a reação da Sociedade Civil, em altura dos espigões, mas o mau espaço
bloco, contra a área de expansão, esconde público que eles definem (Figura 3). Essas
algo mais, não apenas questões de áreas do ‘entorno’ são um recurso precioso
mobilidade: mascara a ‘ideologia da para o desenvolvimento metropolitano, uma
apartação’, pela qual um cordon sanitaire potencialidade até agora ignorada. Difícil
deve continuar a isolar, tanto quanto discernir o que é pior para a cidade: as
possível, o coração metropolitano – o Plano propostas do Executivo ou as reações
Piloto projetado por Lucio Costa – do resto ideológicas da Sociedade Civil.
da urbe. Por imediatismo político, o Estado
retirou a proposta de pauta. Cedo ou tarde ela
retornará: mais um capítulo, dentre outros, Eixo Monumental
que ilustram a tendência, também em
Brasília, para uma cidade mais compacta, O Eixo Monumental é o mais forte
8 O mundo das miudezas: Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília – PPCUB

Figura 4. Unidades de Preservação (UPs) da


Área de Preservação 1 (AP1). Fonte:
www.sedhab.df.gov.br/.

implementada, o que implica novo


Figura 2. Áreas do Entorno, segundo o parcelamento – é positiva a recomendação de
PPCUB. Fonte: www.sedhab.df.gov.br/. concurso público para tal (tema abordado em
Holanda e Tenorio, 2010); ii) no último
tramo, a oeste, que vai da Praça do Buritis à
Estação Rodoferroviária (AP1, UP6),
admite-se a complementação com atividades
institucionais, de comércio varejista
relacionado a artigos ‘culturais, recreativos e
desportivos’, e de prestação de serviços,
proposta também retirada do projeto de lei
(não se explicam as razões de serem apenas
estes usos).
Chama a atenção o fato de o perímetro
das unidades morfológicas (no caso, as UPs)
coincidir com o eixo das vias limítrofes (à
exceção da Praça do Buriti). Como na boa
cartilha moderna, não se considera os
Figura 3. La Défense, Paris. ‘espaços’ por onde passamos e que
percebemos, de fato, como unidades
morfológicas que deviam ser objeto de
elemento macroestruturador de Brasília, a atenção; afinal, pela cartilha, vias obedecem
unidade morfológica responsável pelo forte à função exclusiva de circular, não de
caráter simbólico da cidade. Mede quase 9 permanência ou usufruto do lugar.
km da extremidade leste da Praça dos Três Considerar vias como simples
Poderes até a Estação Rodoferroviária, na ferramentas de circulação motorizada reflete-
ponta oeste (considerando o prolongamento se – novamente – na desconsideração para
até a borda lacustre, são mais 3 km). No com as construções lindeiras. A configuração
PPCUB ele é a AP 1, dividido em seis UPs do Eixo Monumental, necessariamente
(Figura 4). À exceção da Praça do Buriti, diferençada por tramos, deveria ter estado
sede do governo local, todas as UPs são presente, mormente numa cidade que prima,
áreas ‘consolidadas, vedados novos em muitos aspectos, por uma ordem
parcelamentos’. Entretanto, ao mesmo espacial-volumétrica clara. Não: hoje a
tempo, admite-se: i) a complementação da ocupação das bordas é aleatória e não há, no
Esplanada dos Ministérios por edifícios para Plano, discussão sobre isso. Nas laterais do
atividades de apoio, segundo proposta Eixo Monumental há de tudo: prédios de 65
original de Lucio Costa, nunca m de altura nos setores hoteleiros; vazio
O mundo das miudezas: Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília – PPCUB 9

de estacionamentos de grandes 1960), projetos mais recentes (por exemplo,


equipamentos, como os do Estádio Mané o Setor Comercial Norte, Figura 5) fazem
Garrincha ou do Ginásio Nielson Nelson; os proliferar espaços definidos por paredes
palácios da Praça do Buriti; as residências cegas ou edifícios-ilhas em esquemas
unifamiliares do Setor Militar Urbano e do introvertidos: as atividades abrem para o
bairro Cruzeiro Velho, etc. A cada demanda interior e esvaziam o âmbito público de
surgida, a definição dos tipos edilícios é ad transições entre o fechado e o aberto.
hoc – e arbitrária – não está relacionada à Preocupações morfológicas quanto ao espaço
configuração da unidade maior que deveria para a vida pública estão ausentes do
definir (algo que se faz, tão bem, na PPCUB. Não há índices ‘urbanísticos’, há
Esplanada dos Ministérios). índices ‘edilícios’: o Art. 63 lista cinco deles,
Nas áreas ‘consolidadas’, mas com ‘todos’ relativos ‘ao espaço da divisa do lote
muitos espaços vazios admitia-se, na para dentro’. Preocupações quanto à
proposta do governo, lotes ‘de no mínimo ‘configuração do espaço público aberto’
10 000 m2 e no máximo 20 000 m2’, mas não simplesmente inexistem (exceto
há nada sobre critérios para sua quantidade, recomendações genéricas quanto ao seu
localização e configuração. É mobiliário, arborização, etc.). Nada impede a
particularmente o caso da área retangular proliferação, noutras áreas, das soluções
gramada central entrevias de 2 500 m de perversas já detectadas. É de temer um
extensão por 170 m de largura onde existe eventual projeto de reformulação da parte
apenas a Catedral Militar Rainha da Paz dos setores hoteleiros onde estão prédios de
(último tramo a oeste, UP6, Figura 4). apenas dois pavimentos – cedo ou tarde isso
Mantendo-se o caráter predominante de acontecerá, pois nada justifica essa ocupação
parque mediante lotes isolados, baixos numa área tão central. As mais altas
índices de aproveitamento, taxas de densidades contribuirão para maior
ocupação e alturas, o espaço deveria ser vitalidade da área central da cidade. Mas,
pontuado por edifícios ímpares. Seriam como antes, não se trata simplesmente de
fortalecidas referências imagéticas locais, aumentar alturas e índices de
aumentando a informação visual e aproveitamento, como é a exclusiva
consequente orientabilidade ao longo do preocupação hoje, mas de configurar o
elemento macroestruturador Eixo âmbito público.
Monumental. As descontinuidades atuais não Em todas as áreas da metrópole isso se
têm qualidades funcionais, expressivas ou verifica, mas é mais grave nos setores
ecológicas, ao contrário, funcionam como centrais de Brasília. Em vez de dar o
rupturas indesejadas no tecido urbano. No exemplo para o resto da cidade, o centro
entanto, sua ocupação foi vista, por setores metropolitano maximiza a perversidade. O
da Sociedade Civil, como refletindo recuo ante o modernismo clássico chega ao
interesses inconfessáveis em prol da ponto de propostas de Lucio Costa,
privatização de terras públicas. Não: ocupar constantes do Relatório do Plano Piloto
criteriosamente parte desses espaços com (1957), serem ignoradas. Por exemplo, nunca
equipamentos de interesse público implicaria foi executado o edifício explicitado no
mais gente a usufruir espaços de centralidade ‘Relatório do Plano Piloto’, entre os Setores
privilegiada. Ideologia, novamente. de Diversões, norte e sul – no local, um
imenso buraco (Figura 6). No PPCUB, nem
Os setores centrais uma palavra sobre ele. Pelo contrário, é ‘área
consolidada, vedados novos parcelamentos
Nas áreas centrais mais densas do Plano urbanos’. Como em outros casos, um
Piloto proliferam rupturas e caminhos a ‘urbanismo de adições’ seria altamente
serem percorridos pelos pedestres em longos recomendável – para referir provocativa
trechos desprovidos de atividades – ideia de Rodrigo Perez de Arce, quando faz a
caminhos em meio ao nada. Mais até que em crítica dos ‘desertos’ modernos. Aqui, não
projetos do período clássico do urbanismo seria nem isso, mas um ‘urbanismo de
moderno (consideremos assim os anos completações’...
10 O mundo das miudezas: Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília – PPCUB

urbanismo moderno. A eles, Hillier e Hanson


se referem no pós-escrito de The social logic
of space, embora usem termos diversos: a
‘solução dura’, o primeiro labirinto, e a
‘solução suave’, o segundo labirinto (Hillier
e Hanson, 1984).
É quase inacreditável que a vista da
Figura 7 tenha sido tomada de um ponto de
enorme centralidade da metrópole,
imediatamente ao norte da Esplanada dos
Ministérios. Ao sul do Eixo Monumental o
problema se repete: há inúmeros trechos de
‘terra de ninguém’ entre as quadras das
Figura 5. Setor Comercial Norte, Brasília. embaixadas. Aqui, uma ocupação de baixa
densidade, com reformulação do sistema
viário labiríntico atual, seria condizente com
a ‘escala bucólica’ (como normalmente a
área é referida). Se sobra ‘labirinto do
deserto’ na escala bucólica, espaços livres e
públicos na margem do lago deveriam ser
mais amplos. O ponto está relacionado a um
pecado original do projeto. Lucio Costa
admitia a privatização da orla, embora não
tanto quanto aconteceu: ‘apenas os clubes
esportivos, os restaurantes, os lugares de
recreio, os balneários e núcleos de pesca
poderão chegar à beira d’água’ (Costa, 1995,
p. 294). Admitir privatização das margens
Figura 6. Vazio imprevisto pelo projeto, entre contrasta com a tradição brasileira de se
o Setor de Diversões Sul e seu simétrico norte, manterem públicas as áreas lindeiras a
Brasília. corpos d’água – rios, lagos, mar (Couto,
2003). Criou-se precedente que fez da
exceção a regra. Além de clubes e
O ‘labirinto do deserto’ restaurantes, surgiram centros de
convenções, conjuntos de cinema multiplex
A AP 07 e AP 08 compreendem as áreas de com praças de alimentação, academias de
baixa ocupação a leste das asas residenciais ginástica e apartamentos de luxo cada vez
do Plano Piloto. São áreas de muito baixa menos disfarçados de hotéis (a imprensa tem
ocupação, onde proliferam resquícios de um dado inúmeros exemplos de clubes
dos dois ‘labirintos’ típicos do urbanismo substituídos por condomínios fechados). O
moderno – o ‘labirinto do deserto’, onde PPCUB propõe a desprivatização da orla,
predomina ‘o longe’: grandes mas prevê apenas a norma legal de reserva
descontinuidades morfológicas, com poucos de 30 m. Ao contrário, e variando em função
ou nenhum estímulo visual na escala menor, do trecho, a faixa pública deveria ser muito
prejudicando legibilidade e orientabilidade mais generosa. Ainda há bons trechos a
urbanas. O termo é inspirado no conto de (re)conquistar para o cidadão comum.
Jorge Luís Borges ‘Os dois reis e os dois
labirintos’. Borges (2009) fala no ‘labirinto
de muros’ (onde se perdem referências mais À guisa de conclusão: o mundo das
amplas, onde só se apreende o ‘perto’) e no miudezas... incompleto
‘labirinto do deserto’ (onde se perdem
referências locais, onde só se apreende o O PPCUB é o mundo das miudezas, contudo,
‘longe’). Os dois labirintos são típicos do mesmo nelas, incompleto. Além da falta de
O mundo das miudezas: Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília – PPCUB 11

Figura 7. O ‘labirinto do deserto’, imediatamente ao norte da Esplanada dos Ministérios.

equacionamento de problemas no nível complementaridade e distribuição temporal


macro da metrópole (desejáveis e factíveis), das atividades, relacionadas num espaço
o documento carece de atenção para com o urbano vital; a ocorrência de habitação nas
âmbito local. A literatura acumula sugestões zonas centrais, em distribuição adequada de
de indicadores para o espaço digno da boa tipos edilícios variados e em densidade que
vida pública, particularmente nas áreas proporcione a concentração de pessoas; o
centrais das cidades. Desde os pioneiros microdesenho do espaço para atender as
Kevin Lynch (1960) e Jane Jacobs (1961) – questões de mobilidade, prioridade ao
para não falar em Camillo Sitte (1889) – têm pedestre, ciclistas, transporte público, etc.,
contribuído Christopher Alexander et al. mas a predominância do carro é generalizada
(1977), Bill Hillier e Julienne Hanson na cidade, ocupando uma parcela espantosa –
(1984), Alan Jacobs e Donald Appleyard e crescente – dos espaços livres; a reduzida
(1987), o movimento Project for Public dimensão dos quarteirões, facilitando a
Spaces (2005), Andrés Duany et al. (2000) e permeabilidade interpartes da cidade nas
o Congress for the new urbanism (1993), Jan suas áreas centrais; o tamanho das parcelas
Gehl (2006) e muitos outros (Tenorio, 2012, relacionadas ao espaço público, favorecendo
apresenta uma revisão crítica da literatura e a maior quantidade de estabelecimentos por
uma proposta metodológica para a avaliação metro linear de extensão de rua; as
de tais lugares). Exemplificam-se ‘constituições’ dos lugares – frequentes
preocupações dos autores, ausentes no transições diretas entre dentro e fora, mas
PPCUB: a quantidade e a forma do espaço também numerosas janelas (os ‘olhos da
livre ante o espaço total das áreas (espaço rua’) – evitando-se uma das mais perversas
livre em demasia só é ocupado em doenças do urbanismo moderno: as longas
circunstâncias excepcionais, não no dia a dia empenas cegas, etc.
da cidade); o tamanho médio das unidades de O PPCUB reproduz a visão moderna
espaço aberto, particularmente a largura das clássica da cidade: os objetos de atenção são
ruas, mirando um espaço adequado os ‘setores’ da cidade. As normas ‘nunca’
interfachadas, para a boa visibilidade e dizem respeito aos espaços ‘entre’ as massas
reconhecimento do outro; a variedade, edificadas – concentram-se nos índices
12 O mundo das miudezas: Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília – PPCUB

‘dentro das parcelas’. As regras estão tombamento, ou esse é um discurso


relacionadas às ‘unidades de preservação’ ideológico cego às qualidades ‘essenciais’ da
cujos limites são vias arteriais importantes cidade? Pensar assim não seria ‘degradar a
que, entretanto, não são objeto de atenção apreciação estética a uma apreciação
enquanto definidas pelas massas edificadas histórica’ (Cícero, 2012)? Sim: Brasília vale
lindeiras – ou então se chega ao aparente porque Lucio Costa não está entre os
paradoxo de definir uma via, ‘ela própria’, primeiros a fazer algo, mas porque está entre
como unidade de preservação, os melhores; não porque faz o novo, mas
independentemente do que está ao redor porque faz o que não envelhece (Cícero,
(caso da manutenção da configuração 2012).
perversa do ‘Eixão da Morte’). Decerto, a Resolver os problemas pendentes é
normativa mantém as alturas edificadas libertar a cidade das (perversas)
condizentes com as ‘escalas’ da cidade – circunstâncias nas quais ela foi gerada.
maiores no centro, mais baixas nas asas Ainda não foi dessa vez.
residenciais, etc. É pouco. Em todas as áreas
problemas morfológicos continuarão a
rondar a cidade como fantasmas insepultos. Referências
O PPCUB é a tradução exemplar, na letra
da lei, da hegemonia do urbanismo moderno, Alexander, C., Ishikawa, S. e Silverstein, M.
contestado em tantos lugares do planeta pelo (1977) A pattern Language (Oxford University
dano causado aos espaços para a vida Press, Nova Iorque).
pública. Em Brasília ele continua a reinar Borges, J. L. (2009) O Aleph (Editora Schwarcz,
soberano. Acredita-se que a manutenção das São Paulo).
qualidades essenciais da cidade depende da Cicero, A. (2012) Poesia e filosofia (Civilização
reprodução ortodoxa dos princípios Brasileira, Rio de Janeiro).
CODEPLAN, Companhia de Desenvolvimento
modernos. Pelo contrário: as qualidades
do Planalto Central (2004) Pesquisa Distrital
essenciais de Brasília não se relacionam à por Amostra de Domicílios – PDAD (SEPLAN
cartilha moderna. Elas decorrem de atributos - Subsecretaria de Estatística e Informações,
que fazem a excelência das cidades desde Brasília).
sempre, ainda que, no caso de Brasília, CNW, Congress for the New Urbanism (1993)
limitem-se principalmente a dimensões Charter for the New Urbanism
expressivas: uma forte identidade, uma (https://www.cnu.org/charter) consultado em 1
legibilidade interpartes clara (à la Lynch), de Abril de 2014.
uma beleza ímpar, uma configuração que Costa, L. (1995) Lucio Costa: registro de uma
cumpriu à excelência os requisitos de cidade- vivência (Empresa das Artes, São Paulo).
Couto, B. (2003) ‘A barra e a morte anunciada da
símbolo da nacionalidade. Os problemas,
cidade: o capital imobiliário, os urbanistas e a
sim: a cidade-para-todas-as-classes, realizada vida urbana no Brasil’ in Castriota, L. B. (ed.)
mediante um ‘tipo edilício ideal e universal’, Urbanização Brasileira: Redescobertas
revelou-se um mito (superquadras não são (Editora C/ Arte, Belo Horizonte) 115-6.
acessíveis a baixos poderes aquisitivos); Duany, A., Plater-Ziberk, E. e Speck, J. (2000)
fortes barreiras físicas impõem pesados ônus Suburban Nation – The Rise of Sprawl and the
para os pedestres; padrões de mobilidade são Decline of the American Dream (North Point
compatíveis com o veículo privado, não com Press, Nova Iorque).
o transporte público; bioclimaticamente, a Gehl, J. (2006) Life between buildings: using
cidade é confortável no interior dos setores public space (The Danish Architectural Press,
(ou superquadras), muito desconfortável fora Copenhaga).
deles (ou entre eles). Hillier, B., Penn, A.; Hanson, J; Grajewski, T. e
Brasília não foi tombada por razões Xu, J. (1993) ‘Natural movement: or,
configuration and attraction in urban pedestrian
‘históricas’, não por ser ‘original’, por
movement’, Environment and Planning B:
representar à maravilha certo movimento Planning and Design 20, 29-66.
arquitetônico ou certa época. Decerto razões Hillier, B. e Hanson, J. (1984) The Social Logic
‘contingenciais’ aparecem nos textos de sua of Space (Cambridge University Press,
declaração como Patrimônio Cultural da Cambridge).
Humanidade. Mas será isso que subjaz ao Holanda, F. (2002) O espaço de exceção (Editora
O mundo das miudezas: Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília – PPCUB 13

Universidade de Brasília, Brasília). American Planning Association, 53, 112-20.


Holanda, F. (2010) Brasília: cidade moderna, Jacobs, J. (1961) The death and life of great
cidade eterna (FAU UnB, Brasília). american cities (Random House, Nova Iorque).
Holanda, F. (org.) (2011a) Arquitetura & Lynch, K. (1960) The image of the city (The MIT
Urbanidade (FRBH, Brasília). Press, Harvard).
Holanda, F. (2011b) ‘É a luta de classes, Paviani, A. (org.) (1985) Brasília, ideologia e
estúpido!’, XIV Encontro Nacional da ANPUR, realidade. Espaço urbano em questão (Projeto
Rio de Janeiro, 23 a 27 de Maio. Ed., São Paulo).
Holanda, F. (2011c) ‘O rei está nu!’, Correio Project for Public Spaces (2005) How to turn a
Braziliense. place around - A handbook for creating
Holanda, F. (2011d) Oscar Niemeyer: De vidro e successful public spaces (Project for Public
concreto (FRBH, Brasília). Spaces, Nova Iorque).
Holanda, F. (2012) ‘Paradoxos do tombamento’, Sitte, C. (1992 [1889]) A construção das cidades
Correio Braziliense. segundo seus princípios artísticos (Editora
Holanda, F. e Tenorio, G. (2010) ‘Brasilia: Ática S. A., São Paulo).
informalidad en los intersticios del orden Tenorio, G. (2012) Ao desocupado em cima da
dominante’, X Congreso Internacional de ponte: Brasília, arquitetura e vida pública.
Rehabilitación del Patrimonio Arquitectónico y Tese de Doutorado não publicada, Universidade
Edificación, Santiago, 3 a 5 de Novembro. de Brasília, Brasil.
Jacobs, A. e Appleyard, D. (1987) Toward an Villaça, F. (1998) Espaço intraurbano no Brasil
urban design manifesto, Journal of the (Studio Nobel, São Paulo).

Tradução do título, resumo e palavras-chave

A piecemeal world: the Preservation Plan for the Urban Complex of Brasilia - PPCUB

Abstract. The Project for the Complementary Law of the Preservation Plan for the Urban Complex of
Brasilia is now within the realm of the Legislative Power, Federal District, Brazil. Unfortunately the
project does not consider the historical problems of the city: ruptures of the urban tissue, urban voids
without functional bioclimatic or expressive reasons, accessibility issues, poor definition of spaces
promoting public life, and one of the most perverse socio-spatial stratifications in the world. Decades of
critique on modern configurations, which do not consider the ‘space between buildings’, are ignored.
More than the projects of the classic period of the modern urbanism (1960s), the recent projects propose
the proliferation of spaces defined by blind walls, of ‘island buildings’ in introverted schemes, and of
activities opening to inner spaces and emptying the public realm of transitions between the ‘inside’ and
the ‘outside’. Initiatives of the ‘ordinary man’, who reinvents the city through fascinating ‘urban
fissures’ in the dominant order, are ignored. Instead of facing the structural problems of the city, the
Plan focuses on attributes of urban plots individually, in a ‘legislative storm’ of almost 200 articles and a
great number of appendixes. A piecemeal world.

Key words: Brasilia, heritage, preservation, PPCUB

ISUF2014: Our common future in Urban Morphology


A Faculdade de Engenharia da Universidade do história do ISUF.
Porto recebe, entre os dias 3 e 6 de Julho, o Os 4 dias de trabalhos incluem 4 sessões
International Seminar on Urban Form (ISUF). A plenárias, uma série de sessões paralelas, eventos
21ª conferência do ISUF, organizada por uma sociais (com o apoio da Câmara Municipal do
equipa coordenada por Vítor Oliveira e Paulo Porto) e um conjunto de passeios pela cidade
Pinho, reunirá na cidade do Porto os maiores onde os participantes, vindos dos 5 continentes,
especialistas no estudo da forma física das poderão contactar diretamente com as ruas, os
cidades. A julgar pelo número de abstracts quarteirões e os edifícios da cidade do Porto.
submetidos e aceites, esta deverá será uma das Mais informações estão disponíveis no website da
maiores conferências já realizadas nos 20 anos de conferência em http://isuf2014.fe.up.pt/.
14 Relatório

Criação da INTBAU Portugal

Figura 1. Criação da INTBAU Portugal: 1ª Assembleia Geral.

No dia 4 de Abril de 2014 realizou-se em Lisboa não poderia deixar de ser, a promoção da
a 1ª Assembleia Geral da Associação INTBAU construção, da arquitetura e do urbanismo
Portugal, tendo sido aprovados o seu regulamento tradicionais em Portugal, mediante a organização
e os primeiros órgãos sociais. Esta Associação é o de atividades destinadas a esse fim.
chapter português da INTBAU – International Na 1ª Assembleia Geral da INTBAU Portugal
Network for Traditional Building, Architecture ficou decidido o princípio de não se implementar
and Urbanism, com sede em Londres e cujo qualquer quota aos seus membros, procurando-se
patrono é sua alteza real o Príncipe de Gales. Esta que a Associação possa gerar receitas das suas
rede internacional visa a promoção das formas de atividades e de mecenato, sobretudo institucional.
construção tradicional, numa perspetiva Os primeiros órgãos sociais são formados, na sua
culturalista, em todos os países onde tem grande maioria, por arquitetos: a Mesa da
delegações, não apenas na Europa, mas também Assembleia Geral está a cargo de Cristina
em todos os continentes, no Canadá, na Índia, no Cavaco, Jorge Silva e Catarina Santos, o
Irão ou na Austrália, por exemplo. Conselho Fiscal de Eduardo Figueiredo, Álvaro
Por ocasião da recente criação do chapter Barbosa e Alexandre Reffóios e a Direcção de
Espanhol, surgiu a hipótese de se constituir uma José Baganha, Alexandre Gamelas e Rui
Associação Ibérica, mas a sede da INTBAU Florentino. Na Assembleia foi também a decidida
entendeu que se deveria formalizar a delegação a agenda de uma nova reunião, para debate sobre
portuguesa, dado ter nos seus registos cerca de 40 as primeiras atividades da Associação, que deverá
membros inscritos, residentes no nosso país. realizar-se no Convento de Cristo, em Tomar.
No final de 2013, a Direção da INTBAU
celebrou com José Franqueira Baganha o acordo
para a constituição da INTBAU Portugal, que
veio a registar-se enquanto associação sem fins Rui Florentino, CESUR-IST, Universidade de
lucrativos, de direito português, a 3 de Fevereiro Lisboa, Av. Rovisco Pais 1, 1049-001 Lisboa,
deste ano. Nos seus objetivos está, como Portugal. Email: ruiflorentino@gmail.com.
Estudos urbanos e geometria fractal

Niara Palma
Universidade de Santa Cruz do Sul, Rua Jerônimo Coelho 267, CEP 90010241 Bairro
Centro Histórico, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.
Email: niara.palma.br@gmail.com

Artigo revisto recebido a 24 de Janeiro de 2014

Resumo. Muitas metodologias convencionais utilizadas no estudo da forma


urbana não têm considerado o grau de irregularidade dos perímetros urbanos
nem toda a complexidade morfológica, pois tratam a forma das cidades dentro
do âmbito da geometria euclidiana. Este artigo explora a aplicação da
geometria fractal ao estudo de áreas urbanas, centrando-se num conjunto de
aspetos da forma urbana relacionados com a fragmentação dos tecidos
urbanos, a presença de vazios urbanos e, por fim, a ‘auto-semelhança’ em
diferentes escalas de observação. Esta análise desenvolve-se a partir do
trabalho de investigação desenvolvido por Frankhauser desde os anos 90. A
análise fractal é aplicada a um conjunto de cinco cidades no Vale do Rio
Pardo, no Rio Grande do Sul, Brasil. Ao longo dos últimos anos, este conjunto
de cidades tem crescido de forma desordenada, sendo que o desenvolvimento
acelerado e a ampliação do perímetro urbano originaram uma ocupação
rarefeita com grandes impactos sobre os tecidos urbanos.

Palavras-chave: estudos urbanos, geometria fractal, dimensão fractal, auto-


semelhança, Vale do Rio Pardo

A evolução da estrutura urbana pode ser transformações, os padrões que nela vão
representada como um sistema que progride emergindo – as novas ordens e estruturas.
em passos discretos. Cada estado alcançado Neste sentido, os investigadores nesta área
depende das relações funcionais, da história e científica têm trabalhado no desenvolvimento
do processo de evolução anterior. Neste de modelos que possam refletir, de uma
artigo considera-se a cidade como um forma cada vez mais refinada, as
sistema dinâmico, em constante características dinâmicas do sistema urbano.
transformação, onde a estrutura urbana é O modelo, sendo uma representação
formada ao longo do tempo, gerando simplificada da realidade, permite a
potenciais de atratividade capazes de ‘descrição’ de um modo sistémico. Este
catalisar a transformação espacial. A processo ocorre no sentido de extrair do
estrutura urbana é, então, o resultado de uma sistema urbano concreto os aspetos
série de relações espaciais e socioeconómicas fundamentais de cada fenómeno estudado e
que se complementam e que se manifestam de inferir sobre as principais relações
fisicamente no espaço construído. Assim existentes.
como as decisões de localização de A análise do crescimento urbano pode
atividades (decisões que deixam marcas requerer formas quantitativas de ‘descrição’
importantes na composição do espaço que permitam a identificação de diferentes
urbano), também as inovações de uso padrões de ocupação. Para uma reflexão
interferem no crescimento e na densidade de sobre as diferentes formas de crescimento
ocupação, estruturando a organização e a urbano deverá ser considerada a forma destes
complexidade do sistema urbano. padrões, a sua representação e a possibilidade
Os estudos urbanos consideram o de comparação da sua forma, podendo
crescimento da cidade, as suas relacionar diferentes sistemas urbanos ou

Revista de Morfologia Urbana (2014) 2(1) 15-24 Rede Portuguesa de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214
16 Estudos urbanos e geometria fractal

manter o foco na análise da evolução de um volume no espaço é 3-dimensional. Pelo


apenas um sistema ao longo do tempo. contrário, um fractal num plano terá uma
Em muitos casos, as áreas urbanas são dimensão entre 1 e 2, e um fractal no espaço
formadas por clusters, de diferentes terá uma dimensão entre 2 e 3. Os fractais
tamanhos, distribuídos espacialmente de têm uma dimensão não-integral pois ocupam
forma não homogénea ao longo de vales, mais espaço do que uma simples linha – a
linhas de transporte ou áreas menos primeira dimensão – mas não ocupam todo o
acessíveis ocupadas de maneira esparsa. plano – a segunda dimensão (Joye, 2011).
Estas situações levam os investigadores e os Falconer (1991) sustenta que para um
profissionais a procurar novos modos de objeto ser considerado um fractal deverá
‘descrição’ da forma urbana, abrindo-se aqui cumprir um conjunto de requisitos: ser auto-
um espaço para a utilização da geometria similar (um intervalo entre 0 e ½ deve ser
fractal. igual a um intervalo entre ½ e 1); ser
demasiado irregular para poder ser descrito
pela geometria tradicional; possuir dimensão
Geometria fractal fractal, que será normalmente superior à
dimensão Euclidiana; poder ser obtido
Ao longo dos anos 70 e 80, Mandelbrot através de um procedimento recursivo; e, por
desenvolveu a geometria fractal, uma fim, não variar com a escala.
descrição sistemática e abrangente da A geometria fractal tem vindo a ser
linguagem matemática subjacente aos utilizada em diversas áreas do conhecimento
processos e formas naturais – ver por como o estudo de sistemas caóticos (por
exemplo, o livro seminal The fractal exemplo, o padrão de formação de nuvens), a
geometry of nature (Mandelbrot, 1982). Em caracterização de objetos, a análise e o
1975, Mandelbrot introduziu o termo fractal, reconhecimento de padrões em imagens, a
do latim fractus, que significa ‘fragmentado’. análise de texturas e a medição do
A própria palavra ‘fractal’ contém um comprimento de curvas.
importante aspeto visual dessas estruturas Desde os anos 80 a geometria fractal tem
matemáticas, e de muitas estruturas naturais sido utilizada para a análise de fenómenos
– a sua aparência irregular e fragmentada urbanos, destacando-se: na década de 90, os
(Joye, 2011). trabalhos de Allen (1997), Batty e Longley
Uma característica importante das formas (1994) e Frankhauser (1994, 1998); na
fractais é que este aspeto fragmentado surge primeira década do século XX, os textos de
em diferentes escalas da estrutura – uma Batty (2003), Benguigui et al. (2008),
propriedade designada como ‘auto- Cooper e Oskrochi (2008), Frankhauser e
semelhança’. Talvez a característica mais Pumain (2000), Frankhauser (2002) e
importante de um fractal seja a ‘dimensão Weidlich (2000); e nos primeiros anos da
fractal’. Enquanto na geometria Euclidiana a presente década, Feng e Chen (2010) e Terzi
dimensão fornece uma informação sobre o e Kaya (2011). No Brasil esta abordagem foi
espaço ocupado pelo objeto, na geometria já utilizada, na área da geografia, por
fractal a dimensão (fractal) representa Azevedo e Christofoletti (2007) e Trentin
também o nível de irregularidade de um (2012).
objeto (Mandelbrot, 1991). Quanto maior for Batty e Longley (1994) consideram que
a irregularidade de uma forma, maior será a do mesmo modo que o crescimento natural,
sua dimensão fractal. Essa característica da também o crescimento urbano envolve
dimensão fractal torna-a numa ferramenta adição e subtração de unidades básicas,
muito útil para a apreensão das características células ou partículas. No caso das cidades,
individuais de uma forma. Torna-a, por estas unidades podem ser individuais,
exemplo, uma ferramenta útil para perceber a residências, firmas, ligações de transporte e
expansão de novas áreas urbanas a partir de outros. As cidades crescem através da
uma área inicial. acumulação destas unidades básicas. Estes
Na geometria Euclidiana, um ponto tem padrões podem existir em escalas maiores e
dimensão 0, uma linha tem dimensão 1, um indicar auto-similaridade em escalas que
quadrado ou um retângulo têm dimensão 2 e emergem do processo de crescimento.
Estudos urbanos e geometria fractal 17

Considera-se que dentro de cada processo de


crescimento existem códigos que determinam
o modo como a organização destas unidades
básicas de desenvolvimento urbano define o
seu crescimento e forma, repetindo-se em
diferentes escalas. Deste modo a repetição de
padrões torna-se um elemento natural no
crescimento urbano. Figura 1. Geração de um Tapete de Sierpinski.
Em cada passo, cada quadrado é substituído
por n=5 quadrados com comprimento
reduzido pelo fator r = 1/3.
Modelos clássicos

A propriedade mais básica de um objeto


fractal é ele ser, por definição, multi-escalar.
Esta característica resulta do procedimento
utilizado para construir um fractal teórico,
baseado na repetição da mesma operação,
definida pelo objeto gerador, em escalas cada
vez menores. Ao mesmo tempo, o limite
deste objeto geométrico torna-se cada vez
mais complexo pela inclusão de um número Figura 2. Geração de um fractal pela adição de
elementos (relacionável com a rede viária).
crescente de tentáculos (Frankhauser, 2004).
A Figura 1 ilustra a geração do chamado
‘Tapete de Sierpinski’ (figura plana
desenvolvida por Sierpinski).
Neste exemplo a estrutura geométrica
permanece confinada á área do quadrado
inicial. O mesmo tipo de objeto geométrico
pode ser também construído pela adição de
quadrados de uma determinada dimensão e Figura 3. Um Tapete de Sierpinski consistente
de acordo com uma regra de geração, dando de uma série de clusters (a), um compacto com
origem a um objeto cada vez mais complexo. hierarquia de espaços abertos (b) e um tipo
Segundo Frankhauser (2004), este Poeira de Fournier que remete uma rede viária
exemplo pode ser, de algum modo, intra-urbana (c).
relacionado com um processo de expansão
urbana onde, a partir de um núcleo inicial,
são adicionadas novas áreas ao longo de elementos constitutivos da ‘massa’ de uma
quatro eixos de saída da cidade. Numa fase estrutura fractal. Este processo envolve a
seguinte, a expansão continua ao longo dos contagem do número de pontos ocupados,
eixos principais, mas também ao longo de que se encontram a uma determinada
eixos secundários dando origem a uma rede distância de cada ponto ocupado, calculando-
viária hierarquizada (Figura 2). se em seguida a correlação entre eles. O
Por outro lado, a Figura 3 poderá sugerir processo inicia-se com apenas um ponto (um
áreas metropolitanas formadas por pixel), sendo de seguida ampliada a escala de
assentamentos de dimensão variada, análise até se cobrir a figura como um todo.
desconectados, distribuídos de maneira A dimensão mede o grau de concentração
desigual sobre o espaço. Novamente, a dos espaços ocupados através de diferentes
estrutura dos fractais torna-se mais e mais escalas, ou mais precisamente, o decaimento
complexa a cada nova iteração. relativo na massa em qualquer distância do
Os fractais, regulares e irregulares, ponto onde a massa é concentrada. Neste
parecem assim oferecer uma base sentido, é possível perceber em detalhe a
interessante para o estudo de assentamentos distribuição dos pontos ocupados na forma
urbanos. Em seguida, serão considerados os em análise. Como foi já referido, para as
espaços construídos da cidade como os formas perfeitas, usualmente estudadas pela
18 Estudos urbanos e geometria fractal

geometria Euclidiana, o valor estimado de


dimensão fractal é muito próximo de 1.
A dimensão fractal de uma superfície
uniformemente ocupada será igual a 2, pois
essa não possui irregularidades. Note-se que
no modelo de Frankhauser (2004), aqui
utilizado para o cálculo de dimensão fractal, Figura 4. Dimensão Fractal de um círculo
o valor é estimado segundo o número de segundo seu perímetro, preenchimento
pixels ocupado em cada figura, representada irregular e totalmente preenchido.
como uma forma dentro de um limite
quadrado (geração de imagens que ainda
alteração de pontos proporcionalmente à
deixam espaços em branco no seu limite).
escala da nova janela (correlação positiva), a
Devido a esta característica de leitura do
forma é considerada uniforme. Por outro
modelo, os valores não são exatamente iguais
lado, se o número de pontos não for
a 2.
proporcional à mudança da escala de
Naturalmente, os assentamentos urbanos
crescimento das janelas utilizadas, está-se em
não são construídos como as figuras aqui
presença de uma forma fragmentada e
apresentadas. Como tal, Frankhauser (2004)
irregular, como mostra a Figura 5. Em cada
sugere diferentes métodos para verificar o
gráfico, o eixo X representa o lado da janela
quanto um padrão observado é, de facto,
Ɛ = (2i + 1), o eixo Y representa a média de
estruturado de acordo com a lógica fractal.
pontos contados por janela e o parâmetro
Estes métodos reproduzem a lógica de
principal é o tamanho do lado da janela Ɛ.
interação medindo a distribuição dos espaços
ocupados ou do comprimento da fronteira
através de múltiplas escalas. Este tipo de Caso de estudo: cinco cidades no Vale do
análise foi utilizado para o estudo de Rio Pardo
diferentes tipos de ocupação, especialmente
tipos considerados ‘amorfos’, com fronteiras Escala regional e urbana
‘suaves’ ou ‘dendríticas’. Quando a forma
em análise não é uma figura geométrica Esta secção apresenta a aplicação da
perfeita, ou é preenchida de forma irregular, geometria fractal a cinco cidades do Vale do
a sua dimensão fractal assume um valor Rio Pardo, no Rio Grande do Sul: Estrela,
compreendido entre 1 e 2. A Figura 4 Lajeado, Santa Cruz do Sul, Venâncio Aires
compara uma forma circular perfeita e, por fim, Vera Cruz. O Vale do Rio Pardo é
(perímetro), com uma forma circular com uma região no Rio Grande do Sul – uma das
preenchimento irregular e, ainda, com uma 27 unidades federativas Brasileiras,
forma circular com a superfície localizada no extremo sul do país. Reside
uniformemente ocupada. nesta região (com uma área de 13 250 km²)
Na secção seguinte descreve-se uma uma população de perto de 450 000
aplicação a um conjunto de cidades do Vale habitantes (dados da Fundação de Economia
do Rio Pardo. A aplicação centra-se no e Estatística do Rio Grande do Sul)
perímetro urbano e nos vazios internos, e tem distribuída por um vasto conjunto de cidades
em vista a identificação do tipo de ocupação de pequena e média dimensão. A rede de
presente em cada cidade. Foi utilizado o cidades do Vale do Rio Pardo é apresentada
software Fractalyse desenvolvido no centro na Figura 6, onde se identifica as que serão
de investigação ThéMA num projeto parte desta análise. Embora a figura destaque
coordenado por Frankhauser e Tannier. Será apenas as estradas principais, pode-se
aplicada a medida de dimensão fractal, do perceber a existência de uma rede formada
tipo correlação, onde cada ponto é rodeado por essas estradas e pelo conjunto de vias
por uma janela de pequena dimensão. secundárias utilizadas diariamente pela
Contabiliza-se o número de pontos população que transita entre estas cidades em
ocupados dentro de cada janela, sendo que, função das relações de trabalho, estudo e
em seguida, a mesma operação é aplicada transporte de mercadorias.
para janelas cada vez maiores. Se houver De entre as cinco cidades selecionadas
Estudos urbanos e geometria fractal 19

Figura 5. Ampliação da janela para a contagem de pontos existentes em cada escala


considerada até preencher toda a figura. Neste caso foram consideradas janelas de 1 a 117
pixels.

será dada uma maior atenção a Santa Cruz do Permanente – o Cinturão Verde –
Sul, devido à sua situação de principal polo contribuíram para este tipo de ocupação e
regional, concentrando as principais para o crescimento do perímetro urbano.
indústrias de fumo, principal produto agrícola Outra característica fundamental de Santa
da região. A partir de uma primeira análise Cruz do Sul é a ocupação de áreas próximas
de Santa Cruz do Sul será possível às suas principais saídas em direção às
estabelecer um conjunto de parâmetros que demais cidades do Vale do Rio Pardo, com
sirvam de referência para a análise dos uma forte ligação de complementaridade
resultados das demais cidades que fazem socioeconómica, provocando uma grande
parte do seu sistema regional. Santa Cruz do interação espacial. Esta interação ocorre
Sul é um dos principais núcleos da diariamente, sendo que o fluxo de pessoas
colonização alemã do Rio Grande do Sul. A gerado se deve fundamentalmente a
colónia foi fundada, por lei provincial, a 6 de deslocações casa-trabalho, casa-estudo, local
Dezembro de 1847. Esta cidade possui dois de produção-abastecimento, e por fim, ao
importantes limites: a leste, o morro chamado acesso à oferta diversificada do seu polo
‘Cinturão Verde’, e a oeste, a BR 471. Santa principal, Santa Cruz do Sul. Naturalmente,
Cruz do Sul desenvolveu-se a partir de um esta rede afeta também as outras cidades, de
núcleo planeado, com lotes de traçado dimensão mais reduzida, do Vale do Rio
regular (demarcados pelo engenheiro Pardo (Figura 9).
Frederico Cabral) e com um limite Muitos sistemas numa fase de
quadrangular – figuras 7 e 8. crescimento apresentam auto-similaridade.
Até aos anos 20 do século passado, Santa Também a cidade tem sido considerada como
Cruz manteve uma forma bastante regular. um elemento com estas características. A
Ao longo do século XX a cidade foi-se similaridade pode também influenciar um
expandindo seguindo antigas estradas e conjunto de elementos que possuam ligação
incluindo parcelas ligadas ao perímetro entre si, assim como as interações espaciais
urbano anterior (Figura 7). Os morros foram encontradas em sistemas regionais. Nas
sempre os ‘constrangimentos’ mais últimas décadas do século XX, uma parte da
significativos, acabando por definir uma comunidade científica, na área da Física,
cidade com uma forma mais ‘dendrítica’. começou a interessar-se pela dinâmica de
Nos últimos anos, a cidade cresceu de forma sistemas ditos complexos, cujas partes
rápida e pouco regulada. Esta particularidade interagem de forma não-linear. Uma das
é detetada através da observação dos valores propriedades marcantes de tais sistemas é a
de dimensão fractal que, em apenas 10 anos, presença de leis de escala ou Leis de
aumentaram cerca de 25 por cento (Figura 8). Potência. Uma Lei de Potência é uma relação
A criação do distrito industrial e a funcional entre duas quantidades. Por
ocupação da Área de Preservação exemplo: a relação de complementaridade
20 Estudos urbanos e geometria fractal

do solo e de uma expansão incontrolada da


área urbana. Nas cidades estudadas é possível
observar um parcelamento de propriedades
próximas às áreas já urbanizadas, e o
desenvolvimento urbano ao longo de eixos
fundamentais de transporte.
A uma escala menor, o crescimento
envolve transições individuais relacionadas
com o uso do solo, a ocupação e a densidade
urbana. Se há uma alteração na configuração
deste conjunto de componentes, o sistema
Figura 6. Distribuição territorial das cidades urbano resultante deixa de apresentar apenas
estudadas. as propriedades coletivas dos componentes,
passando também a incluir propriedades
emergentes do sistema decorrentes de
socioeconômica existente num sistema alterações das relações entre os componentes
regional, regido por um polo principal, que da estrutura urbana. Neste caso, a Lei de
pode afetar as demais cidades da rede, num Potência, gerada por novas formas de
determinado atributo. Neste caso, o atributo é ocupação urbana, leva a que no contexto
a forma urbana e a ocupação urbana, medida regional se encontrem padrões similares. Isto
pela dimensão fractal de cada cidade mesmo é visível nas Tabela 1 e 2, que
analisada. apresentam os resultados da análise da
A hipótese principal é que se um dimensão fractal das cinco cidades
determinado tipo de ocupação começa a analisadas.
desenvolver-se numa cidade que é No caso da cidade de Lajeado, a ocupação
considerada um polo de um sistema regional urbana possuiu outro grau de organização,
– como é o caso de Santa Cruz do Sul – com uma alta dimensão fractal, próxima de 2.
outras cidades da mesma região poderão vir a Como tal, poderia ser considerada uma figura
apresentar o mesmo tipo de crescimento e totalmente ocupada. A contradição, porém, é
ocupação do solo, gerando assim a formação de um tecido urbano com pouca
características formais similares. A dimensão acessibilidade, com muitos loteamentos, com
fractal de cada uma das cidades permite um modelo do tipo ‘espinha de peixe’ que
comparar o grau de fragmentação do tecido está associado a uma elevada segregação.
urbano gerado pela ocupação recente – que As Leis de Potência revelam
define sua forma atual – tendo em regularidades em propriedades de sistemas
consideração o seu perímetro urbano e os complexos – como são as cidades – que
vazios internos. sofrem transformações em diferentes escalas
Apesar de Santa Cruz do Sul ter mantido, e que apresentam similaridades entre elas. A
ao longo de muitas décadas, uma forma visão numa determinada escala pode ser
compacta e regular semelhante ao seu núcleo similar à visão noutras escalas. Os exemplos
inicial, com as mudanças na região e com o apresentados nas primeiras secções do artigo
aparecimento de novos loteamentos e novos apresentam uma auto-similaridade perfeita
tipos habitacionais (por exemplo, os por se tratarem de modelos matemáticos. No
condomínios fechados), a cidade passou a entanto, isto não acontece nem no ambiente
apresentar uma forma dendrítica. urbano nem na natureza.
No contexto regional do Vale do Rio Conforme foi dito anteriormente, em
Pardo, o fenómeno de ocupação do solo muitos casos, as áreas urbanas são formadas
urbano pode ser considerado como ‘co- por clusters de diferentes tamanhos,
evolução’, ou seja, um processo distribuídos espacialmente de um modo não
evolucionário que surge da interação entre homogéneo ao longo de vales, linhas de
componentes de espécies diferentes num transporte e áreas menos acessíveis, que são
mesmo sistema – neste caso, as cidades da ocupadas de maneira esparsa. Uma mudança
região que têm apresentado mudanças na sua de escala, da urbana para a regional, e
forma urbana resultantes de novas ocupações considerando as diferentes cidades
Estudos urbanos e geometria fractal 21

Figura 7. Plantas de Santa Cruz do Sul em 1870, 1922 e 1957.

Figura 8. Perímetro urbano de Santa Cruz do Sul entre 1870 e 2012.

Figura 9. Contorno e vazios internos das cidades de Venâncio Aires, Vera Cruz, Estrela e
Lajeado.
22 Estudos urbanos e geometria fractal

Tabela 1. Dimensão Fractal de Santa Cruz Tabela 2. Dimensão fractal de Venâncio


do Sul entre 1870 e 2012. Aires, Vera Cruz, Estrela e Lajeado.

Figura 10. Parcela da cidade de Santa Cruz do Sul.

Figura 11. Parcela da cidade de Lajeado.

integrantes do Vale do Rio Pardo, evidencia propriedades importantes do modo como se


todo um conjunto de semelhanças no tipo de estrutura internamente. Estas propriedades
crescimento urbano. Por outro lado, a podem ser medidas de diversos modos numa
característica básica de um fractal é a auto- hierarquia que define dimensão, forma e
similaridade em diferentes escalas que pode escala. A característica de auto-similaridade
passar do âmbito regional para o urbano e em contexto intraurbano foi testada nas duas
para o intraurbano. maiores cidades do conjunto em análise,
Santa Cruz do Sul e Lajeado. Escolheram-se,
de forma aleatória, parcelas ocupadas
Escala intraurbana localizadas no perímetro urbano das
respetivas cidades. O objetivo era testar se,
A análise dos limites de uma cidade revela em escalas menores, com uma definição de
Estudos urbanos e geometria fractal 23

ruas e quarteirões, a alta fragmentação do cidades analisadas).


tecido urbano permaneceria (mantendo-se
também no perímetro urbano como um todo).
No caso de Santa Cruz do Sul existe auto- Referências
semelhança quando se parte para escalas
menores de observação intraurbana. A Allen, P. M. (1997) Cities and regions as self-
dimensão fractal da parcela estudada nesta organizing systems: model of complexity
cidade é 1,565, quando analisado o perímetro (Gordon and Breach Science Publishers,
urbano e as áreas de ocupação mais rarefeita Amsterdão).
(Figura 10). Do mesmo modo, também no Azevedo, T. e Christofoletto, A. (2007) ‘Fractais
caso da parcela da cidade de Lajeado a em geografia, conceitos e perspectivas’
dimensão fractal continua elevada, com Climatologia e Estudos da Paisagem 2, 30-49.
1,567 (Figura 11). Batty, M. (2003) ‘Agent-based pedestrian
modelling’ in Longley, P. e Batty, M. (eds.)
Os exemplos das parcelas de Santa Cruz Advanced spatial analysis, the CASA book of
do Sul e Lajeado mostram que, mesmo GIS (ESRI Press, Redlands).
alterando a escala de observação do Batty, M. e Longley, P. A. (1994) Fractal cities:
território, é possível observar que os a geometry of form and function (Academic
impactos gerados no tecido urbano são Press, Londres).
semelhantes às análises anteriores – Benguigui, L., Blumenfeld-Lieberthal, E. e Batty,
desenvolvidas a escalas maiores – desde o M. (2008) ‘Macro and micro dynamics of city
desenvolvimento de uma forma dendrítica, size distributions: The case of Israel’, CASA
até à incompatibilidade dos novos Working Paper 139.
loteamentos com a rede viária existente. Cooper, J. e Oskrochi, R. (2008) ‘Fractal analysis
of street vistas: a potential tool for assessing
levels of visual variety in everyday street
scenes’, Environment and Planning B: Planning
Conclusões
and Design 35, 349-63.
Falconer, K. J. (1990) Fractal geometry:
Com o estudo de caso aqui apresentado, foi mathematical foundations and applications
possível demonstrar a validade de uma (John Wiley & Sons, Londres).
metodologia de análise dos fenómenos Feng, J. e Chen, Y. (2010) ‘Spatiotemporal
urbanos, centrada na forma urbana e com evolution of urban form and land-use structure
uma forte componente de geometria fractal. in Hangzhou, China: evidence from fractals’,
Neste caso, o grau de fragmentação e Environment and Planning B: Planning and
preenchimento urbano pode ser avaliado a Design 37, 838-56.
partir da dimensão fractal que, em Santa Cruz Frankhauser, P. (1994) La fractalité des
do Sul, contribui para a compreensão da structures urbaines (Anthropos, Paris).
dinâmica espacial e temporal da sua forma Frankhauser, P. (1998) ‘The fractal approach. A
urbana. Com essa abordagem foi também new tool for the spatial analysis of urban
agglomerations. Special Issue on Population’,
possível analisar a dinâmica regional de
New Methodological Approaches in the Social
expansão urbana de um conjunto de cidades Sciences 10, 205-40.
inter-relacionadas por complementaridades Frankhauser, P. e Pumain, D. (2002) ‘Fractales et
socioeconómicas no Vale do Rio Pardo. géographie’, in Sanders, L. (ed.) Modèles en
Com base na dimensão fractal analyse spatiale (Lavoisier, Paris) 301-29.
identificaram-se padrões de crescimento Frankhauser, P. (2004) ‘Comparing the
semelhantes associados à expansão morphology of urban patterns in Europe a
desregrada, vigente na região, que leva à fractal approach’ in Borsdorf, A. e Zembri, P.
fragmentação dos tecidos urbanos e à (eds.) Report COST Action 10 Urban Civil
emergência de formas urbanas irregulares. Engineering (COST, Bruxelas) 79-105.
Joye, Y. (2011) ‘A review of the presence and use
Essa propriedade foi detectada através da
of fractal geometry in architectural design’,
aplicação da dimensão fractal, mostrando-se Environment and Planning B: Planning and
tanto em âmbito intraurbano (indicando a Design 38, 814-28.
existência de descontinuidades e vazios) Mandelbrot, B. (1982) The fractal geometry of
como em perímetros irregulares (que se nature (W H Freeman, Nova Iorque).
repetem, em maior ou menor grau, nas Terzi, F. e Kaya, H. S. (2011) ‘Dynamic spatial
24 Estudos urbanos e geometria fractal

analysis of urban sprawl through fractal cidades médias do estado de São Paulo
geometry: the case of Istanbul’, Environment (Instituto de Geociências, São Paulo).
and Planning B: Planning and Design 38, 175- Weidlich, W. (2000) Sociodynamics: a systematic
90. approach to mathematical modelling in the
Trentin, G. (2012) Dimensão fractal, dinâmica social sciences (Wolfgang Harwood Academic
especial e padrões de fragmentação urbana de Publishers, Amsterdão).

Tradução do título, resumo e palavras-chave

Urban studies and fractal geometry

Abstract. Conventional methodologies in the study of urban form have not been considering the whole
morphological complexity of cities or the degree of irregularity of urban perimeters as they address the
physical form of cities within the scope of Euclidean geometry. This paper explores the application of
fractal geometry in the study of urban areas, focusing on a number of aspects of physical form related to
the fragmentation of urban fabrics, the presence of urban voids and, finally, the existence of self-
similarity at different scales of observation. This analysis draws on the research work developed by
Frankhauser from the 1990s onwards. Fractal analysis is applied to a set of five cities in the Vale do Rio
Pardo, Rio Grande do Sul, Brazil. Over the last years, this set of cities had an uncontrolled pattern of
growth. The rapid urban development patterns and the expansion of urban perimeters have led to a type
of rarefied territorial occupation with major impacts on the urban fabrics of these cities.

Key Words: Urban studies, fractal geometry, fractal dimension, self-organization, Vale do Rio Pardo

Turkish Network of Urban Morphology


A primeira reunião da Turkish Network of presidida por Ayşe Sema Kubat (Department of
Urban Morphology (TNUM) teve lugar no dia Urban and Regional Planning, Istanbul
11 de Abril de 2014 no Center for Technical University) coadjuvada pelo diretor
Mediterranean Urban Studies da Mersin do Center for Mediterranean Urban Studies,
University, em Mersin. Os objetivos Tolga Ünlü (Department of City and Regional
fundamentais desta reunião foram os seguintes: Planning, Mersin University).
formar um espaço comum para a partilha de O segundo aspeto que importa referir
diferentes estudos morfológicos; discutir as prende-se com a formação de uma comissão
possibilidades de desenvolvimento de estudos com o objetivo de preparar uma lista
colaborativos, na área da forma urbana, por bibliográfica de estudos sobre forma urbana na
diferentes investigadores e instituições turcas; e, Turquia. Este trabalho terá por base o artigo de
por fim, alargar os estudos a um nível Ayşe Sema Kubat, The study of urban form in
internacional através da cooperação com outras Turkey, publicado na revista Urban Morphology
redes nacionais e regionais e com o (Kubat, 2010).
International Seminar on Urban Form (ISUF). Por fim, foi estabelecido que o primeiro
A primeira reunião da rede, designada como simpósio do TNUM realizar-se-á na Mersin
Foundation Workshop, foi palco de muitas e University, a 22 e 23 de Outubro de 2015, e irá
proveitosas discussões. Na primeira parte do discutir as diferentes abordagens e perspetivas
workshop os vários investigadores tiveram no estudo da forma urbana na Turquia.
oportunidade de partilhar os seus estudos e
análises. A segunda parte foi dedicada a um
debate sobre o futuro do TNUM e sobre os Reference
diferentes desenvolvimentos possíveis para esta
nova rede de investigação. Kubat, A. S. (2010) ‘The study of urban form in
Sublinham-se três aspetos fundamentais Turkey’, Urban Morphology 14, 31-48.
deste debate. O primeiro refere-se à estrutura
organizacional da rede. Foi definido que o
Center for Mediterranean Urban Studies irá
atuar como elemento coordenador do TNUM. Tolga Ünlü, Department of City and Regional
Os investigadores que estiveram presentes no Planning, Mersin University, Yenisehir, Mersin
workshop farão parte de uma comissão diretiva 33343, Turkey. Email: tolgaunlu@gmail.com
Saverio Muratori e a escola Italiana de tipologia projetual

Giancarlo Cataldi, Gian Luigi Maffei e Paolo Vaccaro


Dipartimento di Progettazione dell’Architettura, Università degli Studi di Firenze,
Viale Gramsci 42, 50132 Firenze, Italy, Email: giancarlo.cataldi@gmail.com,
gianluigimaffei@libero.it

Artigo originalmente publicado na Urban Morphology em Abril de 2002

Resumo. Este artigo descreve o desenvolvimento da escola Muratoriana de


morfologia urbana e tipologia do edificado. Partindo do trabalho de
Muratori enquanto arquiteto experiente, profundamente envolvido na
interpretação Romana do racionalismo Italiano, os autores descrevem o
crescente interesse de Muratori pela história como meio para recuperar o
sentido de continuidade na prática arquitetónica. Adotando uma abordagem
teórica assente na arquitetura e no desenho urbano, Muratori começou a
trabalhar num quadro crítico que pudesse explicar a criação e a
transformação da forma urbana ao longo dos séculos. Muratori teve muitos
seguidores. Descreve-se o ressurgimento do interesse pelo trabalho de
Muratori nos anos 90.

Palavras-chave: Muratori, Caniggia, história, tipologia projetual, Itália

O quinquagésimo aniversário da publicação Saverio Muratori


do ensaio fundamental de Saverio Muratori
Vita e storia della città (Muratori, 1950) Muratori (1910-73) desenvolveu o seu
constitui uma oportunidade para descrever os percurso como estudante, na escola e na
acontecimentos e a evolução das ideias que universidade, durante um período de
caracterizaram a escola desenvolvida a partir profunda renovação das instituições de
da atividade de ensino de Muratori. De ensino Italianas (Cataldi, 1982a, 1984;
acordo com Muratori, ao longo da primeira Marcucci, 1984; Pigafetta, 1990). A Riforma
metade do século XX, o planeamento urbano Gentile de 1923 constituiu uma tentativa de
e a teoria de desenho urbano foram deixando reestabelecer o conhecimento académico nas
de ser instrumentos culturais enraizados na disciplinas das humanidades e das ciências.
história. Este processo refletiu-se no A mudança foi finalmente introduzida em
crescimento de uma abordagem positivista 1929. A aproximação destas duas culturas
relativamente ao edifício. O planeamento e o deu relevância à arquitetura, já que nela seria
desenho tornaram-se pouco mais do que possível ultrapassar as diferenças entre
instrumentos técnicos. Na opinião de escolas de arte e escolas politécnicas de
Muratori, isto conduziu, progressivamente, a engenharia.
um empobrecimento da disciplina. Apenas Pouco tempo depois da sua graduação,
um conhecimento sistemático das leis de numa escola clássica, o jovem Muratori terá
reprodução da história poderia recrear o absorvido o conceito de arquitetura
papel reclamado anteriormente pelo desenho contextualizada nas aulas dos seus primeiros
urbano. Para alcançar esse conhecimento era professores (Fasolo, Giovannoni, Foschini,
necessário um novo quadro teórico, e foi à Calandra e Piacentini), em particular
construção desse quadro que Muratori Gustavo Giovannoni. Este conceito foi
dedicou a sua vida profissional. posteriormente incorporado e desenvolvido

Revista de Morfologia Urbana (2014) 2(1) 25-36 Rede Portuguesa de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214
26 Saverio Muratori e a escola Italiana de tipologia projetual

na sua própria teoria. ed Assicurazione Sociale em Bolonha


Após a conclusão do curso em 1933, uma (Figura 2), a sede do Partido Democrata
grande curiosidade intelectual e um elevado Cristão (Figura 3) e a, incompleta, igreja de
referencial cultural levaram Muratori a Tuscolano, ambos em Roma. Desta forma,
aprofundar o seu conhecimento sobre Muratori pode explorar soluções para
arquitetura moderna, através da elaboração problemas técnicos modernos (inerentes a
de um conjunto de artigos para a revista novos materiais e, em particular, ao betão
Architettura sobre os mais recentes projetos armado) quer ao nível do estilo quer ao nível
arquitetónicos na Europa. Este trabalho do ambiente. É notável como, nestes
influenciou os seus primeiros projetos, trabalhos, Muratori abarca os períodos mais
maioritariamente desenvolvidos em significativos da história da arquitetura
colaboração com Ludovico Quaroni e Italiana: desde o Românico em Pisa, ao
Francesco Fariello, nos quais se inclui uma Gótico em Bolonha, até ao Renascimento e
maqueta da Praça Imperial Romana para a ao Barroco em Roma. Não importa a nossa
Exposição Universal de Roma em 1937. apreciação destes trabalhos; eles sobressaem
Os projetos subsequentes, de sua no panorama internacional da arquitetura
exclusiva autoria, caracterizam-se por um contemporânea porque os temas que
interesse experimental pela composição das exploram estão décadas à frente do seu
praças Italianas: temas urbanos tempo.
fundamentais, nos quais o ambiente Muito provavelmente, estas experiências
consolidado envolvente constitui a razão induziram em Muratori uma profunda
contextualizada para a existência da praça e insatisfação com o vazio conceptual que é
dos edifícios monumentais que a rodeiam. evidente entre os planos urbanos e estes
A guerra interrompeu a atividade de trabalhos de arquitetura. Ele considerou que
planeamento de Muratori, mas não a sua os primeiros – seguindo as funções do seu
reflexão crítica que, pelo contrário, tempo – se encontravam relacionados de
aumentou de intensidade. Os seus ensaios de forma pobre com a complexidade e a
1944-46, publicados a título póstumo por originalidade dos últimos.
Guido Marinucci, testemunham isto mesmo. Em 1952, foi convidado para Veneza para
O conceito de cidade como organismo vivo, a cátedra de Características Distributivas dos
como obra de arte coletiva, e a ideia de Edifícios. Aqui, reexaminou as primeiras
planear novos edifícios em continuidade com pesquisas urbanas sobre o centro da cidade e
a cultura edificatória do lugar são as hipóteses teóricas do seu ensaio de 1950.
apresentados pela primeira vez nesses Muratori fez tudo isto utilizando os conceitos
ensaios. Com uma forma embrionária está fundamentais de tipo, tecido, organismo e
também presente a ideia de ‘história história operativa. Studi per una operante
operativa’, que viria a encontrar uma storia urbana di Venezia constituiu a
definição explícita nos livros sobre Veneza. primeira pesquisa sistemática sobre os
Nos anos de reconstrução do pós-guerra, edifícios históricos de uma cidade e surgiu
Muratori envolveu-se profundamente nos um ano antes do livro complementar de
planos de habitação do Istituto Nazionale Paolo Maretto sobre L’edilizia gótica
delle Assicurazioni (INA), lançados em 1948 veneziana, que continha uma introdução
e implementados em todas as grandes crítica de Muratori (Maretto, 1960; Muratori,
cidades Italianas. Muratori foi responsável, 1959).
enquanto líder de grupo, por alguns distritos Em 1954 Muratori regressou a Roma para
de Roma, como é o caso de Tuscolano, onde substituir Arnaldo Foschini como Professor
a abordagem de planeamento urbano e o de Composição Arquitetónica. Em Roma,
edificado foram influenciados pelo Muratori procurou renovar o ensino da
empirismo Escandinavo. arquitetura. A sua experiência em Veneza
Durante este período, Muratori desenhou despoletou a ideia de história operativa, que
quatro edifícios públicos fundamentais em veio a inspirar e a fornecer a base para os
três cidades Italianas: a igreja de S. Giovanni planos dos estudantes em Roma. Os temas
al Gatano em Pisa (Figura 1), o edifício de propostos tinham em vista a compreensão
escritórios da Ente Nazionale di Previdenza dos diferentes valores inerentes às diferentes
Saverio Muratori e a escola Italiana de tipologia projetual 27

Figura 3. Edifício de escritórios, Roma (1955-


58), anterior Sede do Partido Democrata
Cristão, projetado por S. Muratori.
Figura 1. Igreja de S. Giovanni al Gatano, Pisa
(1947-70), projetada por S. Muratori.
edifício representativo e coerente, no qual, a
organização espacial da forma – enquanto
síntese de materiais, estrutura e plano
compositivo – era o propósito fundamental.
No início dos anos 60, a equipa de
professores assistentes de Muratori começou
a formar-se. Esta equipa incluía Renato
Bollati, Sergio Bollati, Gianfranco Caniggia,
Guido Figus, Sandro Giannini, Romano
Greco, Paolo Maretto e Guido Marinucci.
Com os Bollati e com Marinucci, Muratori
foi responsável pelo notável atlas Studi per
una operante storia urbana di Roma,
concluído em 1963 (Muratori et al., 1963).
Com outros, participou em importantes
concursos de arquitetura, vencendo o
concurso para Barene di S. Giuliano em
Veneza em 1959. Este projeto incluía a
recreação, numa versão moderna, na frente
da lagoa, de três momentos particularmente
Figura 2. Edifício de escritórios da Ente significativos da história urbana de Veneza.
Nazionale di Previdenza ed Assicurazione Muratori tinha já aplicado este método de
Sociale, Bolonha (1952-57), projetado por S. planeamento por fases (Cataldi, 1998), de
Muratori.
forma menos explícita, nos conjuntos
habitacionais do INA nos planos de
fases de formação urbana, incluindo as expansão urbana em Magliana, em Roma.
influências e as implicações dos novos Entretanto, o ensino de Muratori, que se
projetos sobre os edifícios existentes quer no tinha distanciado de forma radical das
centro histórico das cidades, onde o tecido é tendências em voga, foi contestado por
compacto, quer nos subúrbios, onde os movimentos de jovens estudantes e por
territórios eram suscetíveis de acomodar um colegas do corpo docente de Roma, que
vasto leque de soluções. acharam prudente afastarem-se de uma
Ao considerar os organismos pessoa incómoda, totalmente comprometida
arquitetónicos, Muratori reforça os temas com uma refundação da arquitetura e que,
urbanos, como é exemplificado pelo famoso como tal, não apoiaria os formalismos e
exercício da ‘capela em alvenaria’. Aqui, era tecnicismos do movimento moderno. No
pedido aos estudantes para planearem um final, o trabalho, a controvérsia e as
28 Saverio Muratori e a escola Italiana de tipologia projetual

contendas produziram em Muratori um A escola Romana de Saverio Muratori


sentido crescente de isolamento, que
coincidiu com o seu desejo de concentrar as A revolução no ensino iniciada por Saverio
suas reflexões filosóficas em temas mais Muratori resultou numa reforma intelectual,
abrangentes, fora do campo disciplinar ao invés de uma reforma cultural, para os
específico da arquitetura. Civilità e territorio seus assistentes que chegavam com
constitui o culminar de um percurso diferentes experiências de aprendizagem. Ao
reflexivo que começou em 1962 com longo dos anos, desenvolveu com eles um
Architettura e civilità in crisi (Muratori, seminário, com a participação de alguns
1963, 1967): ambos os títulos são indicativos alunos mais interessados, no qual cada
das suas preocupações intelectuais. No assistente era responsável por um conjunto
primeiro, assume-se que a crise arquitetónica de temas. Mais tarde, essa experiência
é expressão de uma crise mais abrangente. O conduziu aos cursos livres de 1965-66
segundo livro analisa os processos de auto- desenvolvidos sob sua orientação (Muratori,
consciência. Para Muratori, a única forma de 1967). Estes cursos constituíram uma
resolver a crise consistia na capacidade dos tentativa de criar um curriculum para uma
seres humanos estabelecerem, a uma escala nova faculdade de arquitetura, altamente
global, uma relação equilibrada com os integrada, no que se refere às componentes
‘seus’ territórios. de ensino. Esta tentativa entrou em conflito
Muratori morreu em 1973 num momento aberto com as propostas inovadoras para os
de grande fervor intelectual, rodeado de estudos arquitetónicos, introduzidas alguns
alguns estudantes e colegas, incluindo Enzo anos antes por Bruno Zevi, para quem
Flamini, que teve a oportunidade de Muratori era um académico e um
assimilar os últimos aspetos problemáticos tradicionalista. Atacado publicamente,
do seu pensamento. Os projetos Atlante Muratori reagiu através do famoso Discorso
territoriale e Tabelloni, que pretendiam ser del Roxi (Cataldi, 1984), no qual reafirmou a
uma espécie de classificação lógica universal sua posição e convidou para os seus cursos,
das estruturas construídas pelo homem, aqueles que no movimento estudantil não
ficaram por concluir (Cataldi, 1984). partilhavam o extremismo de Zevi. Este
Nos últimos anos, consciente do pouco processo deu lugar à formação de um grupo
tempo que lhe restava e da dificuldade em de estudantes altamente motivados, que
expressar as suas ideias, Muratori adquiriu o promoveram uma campanha, na faculdade, a
hábito de gravar os seus discursos e as suas favor de Muratori. Muratori decidiu aceder
aulas, que preparava utilizando diagramas e aos seus pedidos e organizou cursos de
cartas sinópticas. Este é o tema das planeamento não-institucionais. O fracasso
transcrições de Guido Marinucci (1924- dessas iniciativas, devido à oposição da
2000) que, com uma profunda dedicação e faculdade e ao levantamento dos estudantes
uma paciência inesgotável, se dedicou ao em 1968, provocou em Muratori um sentido
trabalho do mestre nas décadas de isolamento e introversão que atravessou
subsequentes. Em larga medida, Marinucci as aulas dos seus últimos anos (que foram
foi o responsável pelos dois volumes de publicadas a título póstumo por Marinucci).
trabalho póstumo centrado na metodologia Entretanto, um conjunto de assistentes de
do sistema realidade / auto-consciência, que Muratori começou a desenvolver os seus
constitui a última evidência escrita do próprios programas de investigação sobre
pensamento de Muratori (Muratori, 1976, tecidos, organismos urbanos e território.
1978). Um homem culto com inúmeros Enquanto Marinucci e os Bollati ajudaram
interesses, um grande arquiteto com instinto Muratori com o seu livro sobre Roma,
para os problemas das formas; Marinucci Caniggia publicou Como: lettura di una città
ficou tão impressionado pelo seu encontro em 1963, ao mesmo tempo que publicava
com Muratori que decidiu ser o curador e o Esperienze operative sul tessuto urbano di
promotor das suas ideias. Juntamente com os Roma com S. Bollati, G. Marinucci e A.
Bollati, Marinucci deu um importante Giannini (Bollati et al., 1963; Caniggia,
contributo para a preparação do livro sobre 1963). Estes livros foram seguidos pelo
Roma, que ele bem conhecia e amava. ensaio do jovem bolseiro Paolo Vaccaro
Saverio Muratori e a escola Italiana de tipologia projetual 29

sobre Tipo e tissuto edilizio a Roma Como presidente da comissão científica


(Vaccaro, 1968). da nova Faculdade de Reggio Calabria,
Para um grupo considerável de Vagnetti convidou Paolo Maretto e
assistentes, a primeira oportunidade para Gianfranco Caniggia para assistentes (sendo
colocar em prática o método tipológico que o primeiro, em alguns aspetos, se tinha
surgiu na Etiópia em 1964, com a tornado mais independente do mestre). Mais
necessidade de planear 22 cidades (Bollati et tarde, em Génova e Florença, Vagnetti
al., 1968). Neste caso, a interpretação dos confirmou o seu papel ‘histórico’ enquanto
processos de formação territorial Etíope promotor da escola Muratoriana,
forneceu a chave conceptual para formular promovendo a contratação de Giannini, dos
os diferentes planos de cidades. Estes foram Bollati e de Vaccaro. Grupos de assistentes
condensados numa única carta sinóptica: um formados em Reggio Calabria, Génova e
procedimento clássico de Muratori. Florença, reviviam assim, na sua prática
Alessandro Giannini deixou-nos um pedagógica, o método de trabalho
conjunto de artigos que constituem um apreendido em Roma com Muratori.
registo escrito destas experiências, com uma Enquanto estudante, Paolo Maretto
grande importância quer a nível científico (1931-98) colaborou com Muratori em
quer como registo histórico de um mundo Veneza, estudando a cidade lagunar
pós-colonial em desaparecimento. enquanto se formava. O seu último livro, La
casa veneziana nella storia della città,
publicado em 1986, concluiu um ciclo de
A dispersão a partir de Roma investigação apaixonada, cujo ponto de
partida tinha sido L’ edilizia gótica
A morte de Muratori privou os seus veneziana. Maretto também publicou livros
assistentes não só de uma referência sobre as cidades e o território do sul da
essencial para o seu desenvolvimento Calábria e sobre o centro histórico de
intelectual como também de um conjunto de Génova (Cataldi, 1975; Maretto, 1975;
oportunidades de carreira na Universidade de Maretto et al., 1978). Os seus textos teóricos
Roma, onde foram ostracizados pelo restante fundamentais (Maretto, 1971, 1973, 1980)
corpo docente. No entanto, as reformas nos expressam o desejo de organizar o estudo
estudos arquitetónicos de 1970, que criaram tipológico de acordo com as quatro escalas
novas faculdades, ofereceram-lhes novas interrelacionadas fundamentais do contexto
oportunidades, sendo de destacar o apoio humano. Maretto também mostrou um
fundamental de Luigi Vagnetti. grande interesse pela experimentação de
Praticamente um contemporâneo de linguagens arquitectónicas, evidente no
Muratori, Luigi Vagnetti (1915-80) complexo paroquial de Sarmeola na
distinguiu-se como um dos mais brilhantes província de Pádua.
alunos de Arnaldo Foschini, tornando-se seu Desde o início, Renato e Sergio Bollati
assistente após a conclusão do curso (ambos nascidos em Atlanta, EUA, em
(Cataldi, 1982b; Cataldi e Rossi, 2000). A 1929), que foram formados na escola de
sua relação com Muratori intensificou-se Roma nos anos 50, demostraram uma
durante o período do pós-guerra na marcada inclinação para a prática
sequência de concursos e de trabalhos profissional de arquitetura. Juntamente com
desenvolvidos em equipa, testemunhando o Guido Marinucci foram os mais fiéis
interesse que Vagnetti partilhava com assistentes do mestre. Sob a orientação de
Muratori por uma arquitetura Muratori participaram na preparação do livro
contextualizada. Quando Muratori substituiu sobre Roma, do incompleto Atlas territorial,
Foschini na docência, Vagnetti, que dos planos para Magliana e para a Barene
permaneceu alguns anos como assistente em veneziana, e dos edifícios religiosos e da
Roma antes de se tornar professor Câmara dos Deputados em Roma.
catedrático em Palermo em 1962, teve a Contactados por Vagnetti para a Reggio
oportunidade de conhecer o seu pensamento Calabria, foi aqui que desenvolveram a sua
e, em simultâneo, de apreciar o trabalho dos experiência pedagógica, com investigação
seus assistentes. abrangente sobre numerosos tecidos e
30 Saverio Muratori e a escola Italiana de tipologia projetual

cidades na Calábria e na Sicília. Esta do processo de desenvolvimento urbano,


investigação fundamental é praticamente através de um método de síntese tipológica
desconhecida devido à relutância dos Bollati que avança e recua no tempo, permitiu-lhe
em expô-la fora dos círculos académicos compreender, perante as casas em banda
(Bollati R, 1976; Bollati S, 1976; Bollati R, Romanas, a persistência da domus como um
1980; Bollati S, 1980; Bollati et al., 1990). tipo de substrato. Esta foi uma intuição
Os seus projetos mostram como Muratori os fundamental que abriu uma linha de
influenciou no sentido da criação de soluções investigação sobre os processos de formação
orgânicas e contextuais (Cataldi, 1991a). das casas-pátio medievais nas cidades
Sandro Giannini (nascido em 1929) tem históricas Europeias (Caniggia, 1976).
um percurso de vida complementar ao dos Como os outros assistentes de Muratori,
Bollati, com quem partilha a autoria do também Caniggia foi obrigado, pela diáspora
Tabellone, um exemplo gráfico do trabalho de Roma, a ensinar em Reggio e depois em
de Muratori (Bollati et al., 1978). Giannini Génova e em Florença. Nas duas últimas
foi o primeiro assistente a seguir o mestre no cidades, construiu, nos cursos de
desenvolvimento de estudos territoriais de planeamento, uma linha de investigação em
larga escala; primeiro em Reggio e depois que desenvolve a metodologia de
em Génova, tendo começado com os artigos interpretação das cidades e as suas
mencionados acima sobre a Etiópia, componentes. Caniggia foi progressivamente
desenvolvendo depois estudos fundamentais estabilizando uma sólida experiência
sobre a Ligúria (Giannini e Ghelfi, 1980, pedagógica que viria a dar corpo a
1981). Participou também na interpretação Composizione architettonica e tipologia
dos tipos e tecidos de Ostia Antica e edilizia, estruturado em quatro volumes. Os
realizou, de forma sistemática, uma dois primeiros, publicados com o importante
comparação entre arquitetura, música e contributo de Gian Luigi Maffei, centram-se
filosofia (Giannini, 1983). Giannini revisitou na interpretação do ‘edificado básico’
o pensamento de Muratori (Giannini, 1983) (Caniggia e Maffei, 1979, 1984): concebidos
de um modo original, redefinindo e como um manual, foram utilizados em
atualizando os termos fundamentais do muitos cursos de arquitetura, tendo sido
léxico do mestre (Giannini, 1979, 1993). Nos traduzidos para Espanhol, Francês e Inglês
seus últimos anos, desenvolveu uma (Caniggia e Maffei, 1995; 2000; 2001). Os
metodologia específica para interpretação volumes sobre a interpretação e o desenho
territorial com ênfase especial nas periferias dos edifícios de exceção encontravam-se
das cidades, focando a sua atenção nos numa versão provisória quando Caniggia
‘espaços vazios’, por oposição aos ‘espaços morreu.
construídos’ (Giannini, 1995). A preocupação fundamental de Caniggia
era transmitir as ideias de Muratori em
termos arquitetónicos, partindo da convicção
Gianfranco Caniggia que a sua difusão era, de algum modo,
impedida pelas dificuldades de compreensão
Desde os seus dias como estudante do pensamento de Muratori. Como tal,
universitário, Gianfranco Caniggia (1932-87) Caniggia procurou simplificar e reduzir o seu
teve um percurso brilhante. Seguiu o sistema teórico, sublinhando os aspetos
percurso do seu pai, Emanuele, que desde operativos mais diretos. Neste sentido, o
cedo o envolveu em importantes projetos, significado fundamental deste contributo
incluindo o complexo Trinità dei Pellegrini consiste na utilização e na importância dada,
em Roma, construído em três fases nos seus textos, aos termos e conceitos de
sequenciais, o que demonstra a progressiva ‘tipo’, ‘tecido construído’ e, acima de tudo,
aquisição por Caniggia dos temas de ‘edificado básico’, entendido como a matriz
planeamento de Muratori. Convidado por formativa dos edifícios especializados. Não
Muratori para o seu grupo de assistentes, era por acaso que Caniggia utilizava esta
Caniggia aplicou o método de interpretação última expressão ao invés de ‘arquitetura’,
nos estudos sobre Como, uma cidade contestando abertamente a visão de Zevi de
planeada de origem Romana. A interpretação edifícios de arquitetura como invenções ou
Saverio Muratori e a escola Italiana de tipologia projetual 31

fenómenos irrepetíveis. textos – que na sua maioria não foram


O plano do tribunal de Teramo (1971-75) publicados – foram recolhidos por Maffei no
foi claramente influenciado por temas que volume póstumo Ragionamenti di tipologia
Caniggia desenvolveu durante os cursos de (Caniggia, 1997).
Muratori. O seu período de observância mais
próxima de Muratori inclui os planos da
Câmara de Deputados e das igrejas em A atual escola
Roma.
Depois da morte do mestre, Caniggia Existe atualmente uma geração de seguidores
seguiu o seu próprio caminho, colocando em da obra de Muratori que não o conheceram
prática no bairro Quino, em Génova (Figura diretamente. Estão presentes em diferentes
4), aquilo que tinha aprendido sobre as universidades Italianas, nomeadamente em
peculiares características do ambiente urbano Reggio Calabria, Génova, Florença, Roma e,
Genovês (Caniggia e Maffei, 1984). mais recentemente, em novas faculdades de
Durante os anos 80, Caniggia e os seus arquitetura como Ferrara, Cesana e Bari.
colegas participaram em importantes O grupo de Florença tem sido,
concursos nacionais. As estações ferroviárias indubitavelmente, o mais ativo e o centro
de Pescara e Bolonha, a área de Murate em académico de referência para a escola, desde
Florença, a expansão edificada da Giudecca a morte de Caniggia. Para os seus membros,
em Veneza e os ‘vazios’ em Roma (Caniggia a primeira ocasião para uma colaboração
et al., 1984; Maffei, 1988; Regazzoni reciproca foi fornecida pela exposição de
Caniggia, 1988) constituem passos de um 1987 Cortona, struttura e storia coordenada
único e consistente processo de planeamento, por Paolo Vaccaro, e que teve Giancarlo
que pretende demonstrar a sua convicção de Cataldi e Enrico Lavagnino como
que a única forma verdadeiramente responsáveis pela interpretação territorial, e
inovadora de planear as cidades consiste na Gian Luigi Maffei e Vaccaro como
sua interpretação de acordo com a história, responsáveis pela interpretação urbana e do
evitando soluções extemporâneas ligadas a edificado (Vaccaro et al., 1987). Foi uma
invenções individuais injustificadas. oportunidade fundamental para o
O contínuo diálogo com Caniggia desenvolvimento de discussões
estimulou Adelaide Reggazoni Caniggia a metodológicas e para a comparação e o
aplicar o seu método a elementos móveis que intercâmbio interdisciplinar com arqueólogos
contribuem para a definição qualitativa e e historiadores, particularmente para
dimensional dos espaços interiores. O seu verificar e examinar, na cidade Etrusca, as
livro Profilo di tipologia dell’ arredo, em relações, a várias escalas, entre fases
combinação com outros estudos, representa espontâneas e planeadas.
um importante contributo para o Em simultâneo, Giancarlo Cataldi e os
conhecimento da decoração interior seus assistentes investigaram o período até
(Reggazioni Caniggia, 1977). Esta escala então inexplorado da arquitetura primitiva.
interior surge na classificação de estruturas Os resultados foram apresentados num
construídas pelo homem de Muratori (e conjunto de exposições internacionais,
também nas versões dos Bollati e de conferências e publicações (Cataldi, 1986,
Giannini) como a primeira das escalas 1988, 1989, 1991b; Cataldi e Farneti, 1989;
construídas. Cataldi e Corallo, 1992; Cataldi et al., 1982).
Após a morte prematura de Caniggia, os Esta investigação é baseada na hipótese de
seus inúmeros e inacabados estudos foram classificação geral dos processos tipológicos
integrados e publicados por Gian Luigi (Figura 5).
Maffei, seu pupilo e amigo. Nesta ligação, os Em meados dos anos 90, uma outra
livros de Maffei sobre as casas Romanas e investigação em Florença, coordenada por
Florentinas têm um particular significado. A Gian Luigi Maffei, abordou os edifícios
abordagem metodológica e os conteúdos históricos Toscanos sujeitos a sismos
referem-se explicitamente a Caniggia (Maffei, 1997). O estudo comparativo
(Maffei, 1990a, 1990b, 1999) cujos últimos envolvendo inúmeros assentamentos,
32 Saverio Muratori e a escola Italiana de tipologia projetual

Figura 4. Parte do bairro Quino, Génova (1982), projetado por G. Caniggia.

Figura 5. Visão geral de um conjunto de tipos habitacionais.


Reproduzido de Cataldi (ed.) (1986).
Saverio Muratori e a escola Italiana de tipologia projetual 33

incluindo cidades de pequena e de média vista teóricos e metodológicos das escolas


dimensão, sublinhou, face a uma identidade Francesa, Inglesa e Italiana emergiram de
cultural comum, o caracter distintivo das forma cada vez mais clara. Depois da
diferentes áreas sub-regionais. conferência de Birmingham, em 1997, o
Em 1981 Giancarlo Cataldi, com ISUF tornou-se no principal ponto de
Nicholas Adams, Lero Di Cristina, Fausto referência internacional para os estudos de
Formichi, Laura Marcucci e Henry Millon, forma urbana, suportado pela Urban
fundou o CISPUT (Centro Internazionale Morphology, que rapidamente se tornou num
per lo Studio dei Processi Urbani e eficaz instrumento de difusão, debate e
Territoriali). O propósito fundamental era comparação.
fornecer oportunidades para arquitetos e Para a nossa escola, a conferência em
historiadores de arquitetura se encontrarem e Florença em 1999 (Corona e Maffei, 1999)
desenvolverem comparações, verificando, representou um importante reconhecimento
sob o ponto de vista de diferentes disciplinas, que fortaleceu a nossa vontade de trabalhar
os resultados do método de Muratori, em em equipa. A este nível, a construção do
particular em relação a Pienza e ao seu nosso Léxico, sob os auspícios do ISUF, é
território (Cataldi, 1978, 1983, 1992). particularmente importante. Este trabalho
No décimo aniversário da morte de procura dar resposta à necessidade de
Muratori, em 1983, o CISPUT organizou em clarificar o uso e o significado de diferentes
Pienza – com o importante contributo dos termos em diferentes línguas. Com este
seus assistentes – uma exposição e uma propósito realizou-se um conjunto de
conferência sobre o pensamento e o trabalho seminários (em Florença, no Dipartimento di
do mestre (Cataldi, 1984). A esta seguiram- Projettazione dell’Architettura, e em
se outras conferências internacionais sobre Anghiai e Chioggis – 12ª e 13ª conferências
edifícios e cidades (Cataldi, 1985). Desde do CISPUT). Um importante contributo
1993, as conferências do CISPUT têm-se epistemológico foi dado por Pier Giorgio
realizado com uma periodicidade anual, Cerosa e Pierre Larochelle. Nos seminários
criando oportunidades fundamentais para o desenvolveu-se o debate e a comparação
debate no interior da escola. com base num léxico pormenorizado de
Depois de Pienza, a exposição sobre ‘fragmentos’ das principais definições
Muratori deslocou-se para outras cidades utilizadas por Muratori. Uma simplificação e
Italianas: Reggio Calabria, Génova, Modena uma redefinição crítica e funcional dos
e Bolonha; e depois para o Instituto termos deverá ser a base para o futuro léxico,
Politécnico de Zurique (através do convite de que pretendemos traduzir para Inglês,
Sylvain Malfroy), para a Escola de Francês e Espanhol.
Estrasburgo (através do convite de Pier
Giorgio Gerosa) e para alguns colégios e
universidades nos Estados Unidos (por Referências
iniciativa de Nicholas Adams). Durante os Bollati, R. (1976) Metodo di lettura delle
anos 80, Caniggia foi convidado por Malfroy strutture urbane, attraverso le fasi evolutive,
e Anne Vernez Moudon para lecionar em applicato ai centre calabresi di Gerace,
Lausanne e Seattle. Conseza, Reggio Calabria. Ipotesi di lavoro
Nos anos 90, era chegado o momento de (Istituto Universitario Statale di Architettura,
um encontro internacional de grupos e Reggio Calabria).
escolas centradas nas cidades e nos seus Bollati, R. (1980) Metodo di lettura delle
processos de transformação. O primeiro strutture urbane, attraverso le fasi evolutive
destes encontros realizou-se em Lausanne (Istituto Universitario Statale di Architettura,
Reggio Calabria).
em 1994. Entre os presentes estavam Gian
Bollati, R., Bollati, S. e Giannini, A. (1978)
Luigi Maffei, Sylvain Malfroy, Bruno Quadro generale delle strutture
Marchand, Paulo Maretto, Anne Vernez architettonische in 16 tabelle statistiche
Moudon e Jeremy Whitehand. Este encontro (Istituto di Architettura dell’Ambiente, Roma).
conduziu à fundação do ISUF. Durante a Bollati, R., Bollati, S. e Lonetti, G. (1990)
segunda metade dos anos 90, os pontos de ‘L’organismo architettonico. Metodo grafico di
34 Saverio Muratori e a escola Italiana de tipologia projetual

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Saverio Muratori e a escola Italiana de tipologia projetual 35

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Istituto Poligrafico dello Stato, Roma); (3ª ed, (Alinea, Florença).
1978, Filippi, Veneza). Regazzoni Caniggia, A. (1987) L’organismo
Maretto, P. (1971) Architettura, edilizia, arredativo. Metodologia di analisi e lettura
urbanistica, territorio. Introduzione alla comparata (Kappa, Roma).
composizione architettonica (Istituto di Regazzoni Caniggia, A. (1988) ‘Progetti (di G.
Elementi di Architettura e Relievo, Génova). Caniggia)’, Bollettino del Dipartimento di
Maretto, P. (1973) Nell’ architettura (Teorema, Progettazione Architettonica e Urbana 11
Florença). (Università di Roma ‘La Sapienza’) 14-20.
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settecentesche nella Calabria meridionale’, Roma, dalla fine del XIV sec. alla fine del XVIII
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Firenze) (3ª ed., 1993, Alinea, Florença). una conoscenza operante della città e del
Maretto, P. (1986) La casa veneziana nella storia territorio (Editrice Grafica l’Etruria, Cortona).
36 Saverio Muratori e a escola Italiana de tipologia projetual

Tradução do título, resumo e palavras-chave

Saverio Muratori and the Italian school of planning typology

Abstract. This paper outlines the development of the Muratorian school of urban morphology and
building typology. Starting from Muratori’s experience as a talented architect, deeply rooted in the
Roman interpretation of Italian rationalism, the authors describe the growth of Muratori’ s interest in
history as a means of recovering a sense of continuity in architectural practice. Adopting a theoretical
approach grounded in architecture and urban design, he started working on a critical framework which
could explain the creation and transformation of urban form over the centuries. He had many followers.
The resurgence of interest in Muratori’s work in the 1990s is described.

Key Words: Muratori, Caniggia, history, processual typology, Italy

Tradução

Este texto foi traduzido por Vítor Oliveira, que agradece a Giancarlo Cataldi a disponibilidade
permanente para esclarecer todas as questões relacionadas com este processo.

Chinese Network of Urban Morphology


Durante o processo de urbanização sem como uma teoria nuclear de suporte à prática de
precedentes que tem vindo a ocorrer na China desenho urbano; ii) os resultados da
desde os anos 90, novas questões teóricas e investigação em morfologia urbana deverão ser
práticas foram sendo levantadas. utilizados na prática profissional de um modo
Perante este cenário, a morfologia urbana, mais eficaz; e, finalmente, iii) para lançar um
enquanto ciência da forma urbana, parece conjunto de solidas fundações neste domínio do
fornecer não só o enquadramento teórico como conhecimento é essencial construir uma
também um conjunto de ferramentas para terminologia integradora e uma metodologia de
abordar estas questões. morfologia urbana que tenha em conta o fórum
Ao longo dos últimos anos foram-se internacional, diverso e multilinguístico, no
estabelecendo, nas principais universidades qual a teoria e a prática morfológica têm vindo
Chinesas, grupos de investigação com um a funcionar.
trabalho relevante na área da forma urbana. A Foram ainda definidos três objetivos
Chinese Network of Urban Morphology foi fundamentais para a Chinese Network of Urban
recentemente estabelecida (o seminário Morphology: i) a promoção do estudo da forma
inaugural decorreu na Nanjing University em urbana na China; ii) o desenvolvimento de uma
Outubro de 2013) com o propósito fundamental rede de investigação ‘dentro’ e ‘fora’ da China
de fornecer uma plataforma para incentivar, e sobre a morfologia urbana chinesa, através da
cristalizar, interesses de investigação e práticas organização de seminários e da publicação de
de comunicação. Os fundadores institucionais uma newsletter; e ainda iii) o fortalecimento das
da rede são a Nanjing University, a South China relações com o International Seminar on Urban
University of Technology, a Southeast Form (ISUF), e com as suas redes nacionais e
University, a Peking University, a Tongji regionais, através da colaboração nas suas
University e, ainda, a Xi’an University of diferentes iniciativas.
Architecture and Technology.
A partir destas contribuições individuais e
institucionais foram acordados três requisitos
que deverão sustentar o caminho a percorrer Wowo Ding, School of Architecture and Urban
num futuro próximo pela Chinese Network of Planning, Nanjing University, Hankou Road 22,
Urban Morphology: i) existe uma necessidade Nanjing 210093, China. E-mail:
crucial de estabelecer a morfologia urbana dww@nju.edu.cn
PERSPETIVAS
Debate sobre temas fundamentais
em morfologia urbana

As origens da morfologia urbana e a geografia alemã


Vítor Oliveira, CITTA – Centro de Investigação do Território, Transportes e
Ambiente, Faculdade de Engenharia, Universidade do Porto, Rua Roberto Frias 4200-
465 Porto, Portugal. E-mail: vitorm@fe.up.pt. Cláudia Monteiro CM Arquiteta, Rua
Santos Pousada 1185-1ºEsq, Porto, Portugal. E-mail:aclaudiamonteiro@inbox.com

O termo ‘morfologia’ foi inicialmente proposto, a que este texto se construísse fundamentalmente
na viragem do século XVIII para o século XIX, a partir da leitura de um vasto conjunto de fontes
por Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), o secundárias, das quais se destacam dois artigos de
famoso escritor e pensador alemão que dedicou revisão deste período publicados na revista Urban
uma parte do seu trabalho à biologia. Goethe Morphology, Hofmeister (2004) e Heineberg
utilizou a expressão morfologia para designar a (2007), bem como o artigo de Whitehand sobre a
‘ciência que lida com a essência das formas’. tradição Conzeniana, cuja tradução para
Apesar da expressão morfologia ter sido Português se incluiu no último número da
proposta como um ramo da biologia, o seu ‘Revista de Morfologia Urbana’ (Whitehand,
sentido mais geral e abstrato permitiu-lhe ser 2013).
aplicada muito para além da ciência dos seres A geografia humana alemã da última década
vivos. Um século mais tarde esta aplicação adotou do século XIX é marcada por duas obras
as áreas urbanas como objeto de estudo. Na fundamentais (Tabela 1). Em 1894, o historiador
viragem para o século XX e durante as primeiras (e esta é a única exceção disciplinar num contexto
décadas desse século, surgem os primeiros dominado por geógrafos) Johannes Fritz publica
estudos em morfologia urbana desenvolvidos, Deutsche Stadtanlagen, um estudo comparativo
essencialmente, por geógrafos Alemães. Em sobre mais de 300 cidades alemãs. A inovação
meados do século XX a história da morfologia fundamental deste estudo é a utilização do ‘plano’
urbana, enquanto área do conhecimento, passará da cidade e da cartografia como fonte de
inevitavelmente pelos trabalhos de um conjunto informação primordial para a história urbana, algo
de arquitetos em Itália e geógrafos em Inglaterra – que até então não acontecia. Um dos resultados
em particular Saverio Muratori e M. R. G. do estudo é a proposta de uma classificação de
Conzen – e nas últimas décadas do século por cidades baseada precisamente no tipo de plano.
uma nova abordagem, inicialmente desenvolvida Cinco anos mais tarde, e claramente influenciado
por arquitetos ingleses – a sintaxe espacial. pelo texto de Fritz, Otto Schlüter publica Über
Esta ‘perspetiva’ centra-se no contributo den Grundriβ der Städte. Este artigo fundamental
pioneiro dos geógrafos alemães para o campo da desenvolve a linha de investigação sobre o plano
morfologia urbana. A perceção rigorosa desse da cidade iniciado por Fritz, incluindo a
contributo é dificultada pela língua em que os identificação das diferentes partes ou zonas que
mesmos são escritos. Esse constrangimento levou constituem o centro da cidade. Whitehand (2007)

Revista de Morfologia Urbana (2014) 2(1) 37-46 Rede Portuguesa de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214
38 Perspetivas

Tabela 1. Geografia humana Alemã 1890-1929

Década Ano de Autor (Instituição Estudos sobre cidades


publicação de ensino)

1890-99 1894 Johannes Fritz Deutsche Stadtanlagen


(Estrasburgo) Cidades Alemãs

1899 Otto Schlüter Über den Grundriβ der Städte


(Halle) Sobre a estrutura das cidades

1900-09 1903 Friedrich Ratzel Die Geographische Lage der groβen Städte
(Leipzig) A localização geográfica das grandes cidades

1910-19 1916 Hugo Hassinger Kunsthistorischer Atlas von Wien


(Viena) Atlas histórico-artístico de Viena

1918 Walter Geisler Danzig: ein siedlungsgeographischer Versuch


(Halle) Danzig: um ensaio sobre a geografia do assentamento

1920-29 1924 Walter Geisler Die Deutsche Stadt: ein Beitrage zur Morphologie der Kulturlandschaft
(Halle) A cidade Alemã: um contributo para a morfologia da paisagem cultural

1925 Hans Dörries Die Städte im oberen Leinetal,Göttingen, Northeim und Einbeck
(Goettingen) As cidades de Leinetal, Goettingen, Northeim e Einbeck

1927 Hans Bobek Grundfragen der stadtgeographie


(Viena) Questões básicas em geografia urbana

1928 Rudolf Martiny Die Grundriβgestaltung der deutschen Siedlungen


- A estrutura dos assentamentos Alemães

1930-39 1932 M. R. G. Conzen Die Havelstädte


(Berlim) As cidades do Havel

1936 Herbert Louis Die geographische Gliederung von Gross-Berlin


(Berlim) A estrutura geográfica da Grande Berlim

sustenta que este trabalho foi pioneiro daquilo para isso à utilização da cor. O resultado desta
que, anos mais tarde, se viria a designar por análise é um conjunto de plantas que constitui um
‘abordagem morfogenética’. Um outro aspeto elemento fundamental para a conservação do
importante no trabalho deste geografo é a património edificado de Viena. Como os seus
convicção de que o estudo da cidade passa colegas, Hassinger sustenta que uma planta podia
necessariamente pelo estudo da paisagem mais mostrar toda uma série de aspetos que um texto,
abrangente onde ela se insere. uma tabela ou um diagrama, não podiam. Dois
Na primeira década do século XX, Die anos mais tarde, um antigo aluno de Schlüter
Geographische Lage der groβen Städte de Walter Geisler, publica um dos textos mais
Friedrich Ratzel continua a linha de investigação importantes deste período (Geisler, 1918).
iniciada no final do século XIX. Um dos Paradoxalmente, Geisler faz referência ao
principais contributos deste texto de 1903, é o trabalho de todos os autores descritos acima, à
facto de se centrar não só na localização das exceção de Hassinger. O livro sobre Danzig
cidades, mas nos motivos e nas características que estrutura-se em duas partes fundamentais,
levam à escolha do local original para a fundação divididas em dezassete capítulos: a primeira
dos assentamentos humanos. aborda as condições físico-geográficas,
Na década seguinte surgem dois textos em que demográficas e económicas de Danzig; a segunda
se pretende ir para além do estudo de localização parte centra-se na estrutura e na organização
e das questões genéticas. Cada um dos textos espacial da cidade. Para além de um vasto
estuda em detalhe uma única cidade, Viena e conjunto de quadros e fotografias de Danzig, o
Danzig (a atual cidade de Gdańsk). Em 1916, livro contem uma inovação fundamental, para a
Hugo Hassinger publica um atlas histórico- época em que foi preparado, uma série de plantas
artístico de Viena. Neste livro, o geógrafo desenhadas pelo autor incluindo a identificação
identifica na planta da cidade de Viena, os estilos dos usos do solo e do edificado, e do número de
arquitetónicos e a idade dos edifícios, recorrendo pisos dos edifícios residenciais na área central da
Perspetivas 39

Figura 1. Planta da área central de Danzig.


Fonte: Geisler (1918) Danzig: ein siedlungsgeographischer Versuch.

cidade (Figura 1). na geografia humana Alemã. De um modo geral,


Em 1924, Geisler publica um novo e influente a partir de então e até às últimas décadas do
livro, desta vez sobre as cidades Alemãs, Die século XX, a questão das funções urbanas adquire
Deutsche Stadt. Neste texto propõe uma um maior peso em detrimento da temática da
classificação dessas cidades com base nos sítios forma urbana.
escolhidos para a sua fundação, no plano térreo e No entanto, na década de 30 são ainda
nos tipos de edificado. Em 1925, Hans Dörries produzidos dois textos com um papel fundamental
retoma a linha desenvolvida por Hassinger e nas origens da morfologia urbana. O primeiro é a
Geisler na década anterior, identificando no plano dissertação de M. R. G. Conzen concluída em
de um conjunto de cidades históricas a idade dos 1932 (um ano antes do geógrafo emigrar para
seus edifícios e os seus estilos arquitetónicos. Em Inglaterra), onde é analisado o plano e o tecido
1928, e após um conjunto de estudos preliminares edificado (os dois primeiros elementos da sua
sobre cidades da região de Vestfália, Rudolf divisão tripartida da paisagem urbana) de doze
Martiny publica um texto sobre a estrutura dos cidades localizadas a noroeste de Berlim. Do
assentamentos alemães. Do mesmo modo que mesmo modo que Geisler, Conzen utiliza a cor
Geisler, quatro anos antes, Martiny procura para representar o número de pisos e os diferentes
definir um conjunto de elementos generalizáveis tipos edificatórios existentes nestas cidades. O
sobre as cidades Alemãs. Quase em simultâneo, segundo é o texto de Herbert Louis (um dos
Hans Bobek publica um artigo sobre questões mentores de Conzen) sobre a estrutura geográfica
básicas em geografia urbana. Segundo Hofmeister da ‘Grande Berlim’. Neste capítulo de livro,
(2004), este artigo lança as bases para uma Louis introduz o conceito de Stadtrandzone
mudança de direção numa das linhas dominantes (cintura periférica), um elemento de forma urbana
40 Perspetivas

constituído por parcelas com uma grande alemão, então emigrado, desenvolve em
variedade ao nível da geometria e das dimensões, Inglaterra.
e cuja formação na borda de uma área construída
está associada a um momento de estagnação ou
crescimento lento dessa área e ao modo como, Referências
anos mais tarde, essa mesma área reinicia o
processo de crescimento. Geisler, W. (1918) Danzig: ein
O trabalho dos geógrafos alemães no início do siedlungsgeographischer Versuch (Kafemann,
século XX teve uma importância fundamental Danzig).
para o estabelecimento da morfologia urbana Heineberg, H. (2007) ‘German geographical
como ciência que estuda a forma física das urban morphology in an international and
cidades, bem como os atores e os processos que a interdisciplinary framework’, Urban
moldam. Este trabalho teve uma forte influência Morphology 11, 5-24.
não só na Alemanha (apesar de tardia) mas Hofmeister, B. (2004) ‘The study of urban form
também noutros países. Tendo por base a série de in Germany’, Urban Morphology 8, 3-12.
revisões nacionais publicadas na revista Urban Oliveira, V. (2013) ‘The study of urban form:
Morphology, com a designação ‘The study of reflections on national reviews’, Urban
urban form in…’, Oliveira (2013) identifica uma Morphology 17, 21-28.
forte influência destes autores na morfologia Whitehand, J. W. R. (2007) ‘Conzenian urban
urbana na Polónia, Irlanda e Inglaterra. É morphology and urban landscapes’,
justamente em Inglaterra que esta influência Proceedings of the 6th International Space
adquire a sua expressão maior, no trabalho de M. Syntax Symposium, Istanbul.
R. G. Conzen. Apesar de a partir da década de 30, Whitehand, J. W. R. (2013) ‘Morfologia urbana
a abordagem morfogenética perder peso na Britânica: a tradição Conzeniana’, Revista de
geografia humana Alemã, ela vai ser retomada Morfologia Urbana 1, 45-52.
nas décadas seguintes no trabalho que o geógrafo

Extensões da forma
Anastássios Perdicoúlis, CITTA – Centro de Investigação do Território, Transportes e
Ambiente, Faculdade de Engenharia, Universidade do Porto, Porto, Portugal; ECT –
Escola de Ciências e Tecnologia, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila
Real, Portugal. E-mail: tasso@utad.pt

A forma é – por definição – a parte visível, ou a aponta as suas observações.


configuração da essência. Falando em forma, logo ‘O primeiro encontro com a cidade é marcado
se pensa em espaço: a forma tem dimensões pelo seu ar quente e húmido. Um vento suave faz
físicas, é ‘3D’, e tem que ser visível – passar um cheiro forte a especiarias. Ao fundo,
principalmente visível. Mas, ‘se retirassemos o ouve-se trânsito rodoviário, imensas buzinadelas,
aspeto visual da forma, como poderíamos motores a dois tempos e sente-se um ligeiro
perceber a essência?’ Colocando a questão cheiro a óleo queimado’.
especificamente em relação à cidade, como Face à ausência de informação visual, os
podemos perceber a essência urbana sem auxílio sentidos de ‘segunda ordem’ como o olfato, a
visual? Não há melhor maneira de saber do que audição e o tato – neste caso, o con-tato da pele
fechar mesmo os olhos – ou, por razões de com a temperatura, a humidade, e o vento –
segurança, fazer uma experiência mental. despertam e tornam-se protagonistas na perceção
Para este propósito, enviaremos um do espaço. Existe sentido de orientação (dado, por
‘observador’ em missão a uma cidade exemplo, pelo vento) e de atividade humana
desconhecida – num sítio ‘exótico’, num país (transmitido, por exemplo, pelo trânsito). Os
distante – para explorar ‘a qualidade invisível da cheiros das especiarias despertam a imaginação
cidade’: o que seriam os complementos ou ou, até mesmo, o apetite.
extensões da forma urbana ou, por vezes, os seus ‘A dado momento, o sentido do tato fica
substitutos. Para este tipo de experiência, com muito intenso: o que parecem ser dezenas de
estímulos visuais reduzidos, o observador chega pequenas mãos agarram o meu corpo pelas
ao sítio à noite, após uma viagem de avião, e pernas, imobilizando-o por completo. Ouvem-se
Perspetivas 41

vozes de crianças – muitas crianças – todas a falar daquela cidade.


no mesmo tempo. A interpretação torna-se ‘O dia revela também um aspeto da vida nesta
absolutamente necessária. Será um assalto? Será cidade exótica que é raro, ou até impossível, na
um convite para uma brincadeira? Ou será cidade ocidental: o sorriso genuíno das pessoas –
simplesmente o ato de pedir esmola em grupo?’ tantos sorrisos, de tantas pessoas – impressionaria
O contato com a cidade aprofunda-se um pouco em quaisquer circunstâncias, mas dentro de um
mais, tornando-se literalmente em envolvimento. meio urbano que seria caracterizado como
Cada uma das hipóteses do observador revelaria desordem no mundo ocidental, contrasta e
situações sociais diferentes. O assalto seria mais impressiona. Como é que é possível alguém estar
grave, indicando condições de vida muito feliz naquelas condições?’
degradadas, com violência elevada, uma eventual Os imensos sorrisos poderiam ser dirigidos,
motivação de sobrevivência, ou inclusive a ou não, ao observador: a informalidade do
ausência de princípios civilizacionais. O convite ambiente, mesmo em torno dos grandes edifícios,
para uma brincadeira poderia ser uma hipótese, leva as pessoas a estarem mais ‘à vontade’,
em alguns contextos, mas o observador teria de dando-lhes liberdade para fazerem coisas naturais
ser, ou de ter, algo especial para atrair a atenção – por exemplo, serem amigáveis sem desconfiar
das crianças. O pedido de esmola seria a opção se vão ser atacadas ou burladas, sorrirem quando
mais provável, mas o elevado número de pedintes estão contentes, parar e olhar quando e para tudo
conferia uma grande intensidade ao ato, tornando- que lhes apeteça, procurarem comida nas
o relativamente perigoso. proximidades, ou até, fazerem as suas
Não intimidado pela surpresa, o observador necessidades no mesmo espaço de proximidade –
continua a exploração noturna da cidade, talvez um extremo comportamental,
confiando no motorista para o conduzir pela particularmente perigoso em ambientes de alta
cidade — afinal, de algum modo, tem que densidade populacional. Sorrir pode também
conhecer a forma, ou ‘como a cidade é’. indicar descontração. Por exemplo, a
‘Ouve-se que o trânsito é dominado por descontração de quem não tem preocupações
triciclos (motor a dois tempos) cada vez mais relativas à desvalorização da sua propriedade, ao
perto. O nosso triciclo entra numa corrida de cumprimento dos pagamentos de crédito pessoal
trânsito com acelerações bruscas em três na hipótese de perder o seu emprego, de que está
dimensões: no plano horizontal, e no eixo frente- mesmo contente com aquilo (pouco) que tem.
trás, o motor e os travões provam-se capazes de De forma não revelada, parece que a essência
provocar emoções fortes. A agilidade dos da cidade é naturalmente incógnita. E quando se
veículos provoca movimentos bruscos também no trata de uma realidade fora das convenções
eixo lateral do plano horizontal. Os buracos na familiares, como a cidade exótica, este carácter
estrada são responsáveis por uma imensidade de incógnito transforma-se em mistério. Mas com
altos e baixos. O espaço da cidade começa a ser um pouco de atenção em relação aos outros
vivido muito intensamente, em três dimensões sentidos e à informação que vem por via destes,
(envolvendo tontura e náusea) mas, curiosamente, há sempre pistas para substituir o aspeto visual da
continua a ser um espaço que ainda não foi visto.’ forma urbana. Este modo de conhecer a cidade
Após uma irresistível tentativa de adivinhar a está atento a qualidades da essência da cidade que
forma visível do espaço (as figuras e as cores, o poderiam não estar presentes nas fotografias ou
horizonte, a vegetação, as casas, os espaços nos desenhos técnicos de arquitetura – por
comerciais, as estradas com os triciclos), no dia exemplo, a formalidade (ou não) da ‘estrutura’
seguinte chega uma revelação. Mais uma surpresa socio-económica (propriedade, competição) e a
– desta vez à primeira vista – com aquela ‘função’ humana no ambiente urbano (liberdade
sensação familiar de que ‘ver é conhecer’. de usos). Estas dimensões invisíveis estendem a
‘A forma visível da cidade, no seu exotismo, é essência da cidade para além da forma, que é
impressionante: edifícios altos e favelas coloridas visual. Ou, talvez, definam uma ‘forma invisível’.
na mesma vista; esgotos de águas pluviais a céu
aberto atravessam a cidade; e um mar de triciclos Referências
a saltitar, misturado com um outro mar de pessoas
e de animais – todos a emitirem os seus sons, a Pinto, S. M. G. (2013) ‘Regular = planeado
marcar a sua presença e a desenvolverem as suas versus irregular = espontâneo: nascimento e
atividades.’ morte de uma relação dicotómica nos estudos
A cidade ‘exótica’ parece ter uma forma históricos da forma urbana’, Revista de
precária, face a standards ocidentais. No entanto, Morfologia Urbana 1, 5-16.
é muito concreta para muitos outros sítios do Viana, D. L., Sanz, J. R. L. e Natálio, A. (2013)
mundo (Pinto, 2013; Viana et al., 2013). Mais ‘Aprendendo com a forma urbana de Maputo
uma surpresa espera o observador ao entrar em (in)formal’, Revista de Morfologia Urbana 1,
contacto um pouco mais próximo com os adultos 17-30.
42 Perspetivas

A ‘rua direita’ portuguesa: elemento estruturador ou


designação toponímica?
Sandra M. G. Pinto, Centro de História de Além-Mar, Lisboa, Portugal. Centro de
Documentação e Pesquisa dos Domínios Portugueses (XV-XIX), Curitiba, Brasil. Rua
João Bravo n.º 22 1ºG, 3040-379 Coimbra, Portugal. Email: sandramgpinto@gmail.com

Nesta ‘perspetiva’ procura-se questionar o nacional, a aparente falta de regularidade


conceito de ‘rua direita’ dentro da História do geométrica dos espaços urbanos foi compensada
Urbanismo Português. A pergunta enunciada no por um modo caraterístico ou específico da
título é necessariamente provocadora, já que não produção portuguesa, no qual o elemento urbano
se duvida que aquela foi, ou é, uma designação com aquela designação passou a constituir-se
toponímica. A hesitação prende-se, portanto, em como ‘o’ eixo a partir do qual se organizava todo
entendê-la como ‘o’ elemento estruturador dos o espaço. Através de um raciocínio abdutivo,
espaços urbanos. Perceba-se, então, a razão da criou-se, assim, um fenómeno de estudo,
própria questão. sustentado empiricamente pelas atuais
Entre os diversos estudos linguísticos e designações toponímicas dos arruamentos.
etnológicos relativos a Portugal, Vasconcelos Metodologicamente tornou-se corrente procurar
(1917), ao examinar Chaves, deu conta que o ‘a’ rua direita de cada caso particular, e a proposta
topónimo de ‘rua direita’ estava presente em teórica disseminou-se nos estudos históricos do
várias cidades e vilas, mas que, ao contrário do urbanismo português, pois aquela designação
que o qualificativo (i.e. ‘direita’) à partida poderia fazia-se sentir em várias aglomerações
indiciar, as ruas assim nomeadas eram sinuosas. continentais e ultramarinas (por exemplo:
A ‘aparente contradição’ foi resolvida pelo Fernandes, 1989; Gaspar, 1985; Rossa, 1995).
esclarecimento de que o qualificativo não se Todavia, o posterior confronto com as
referia à forma física, mas ao facto de tal rua ser informações toponímicas e topográficas de
central e de ligar diretamente um extremo ao períodos mais recuados – pois as primeiras até ao
outro da área urbana. Este mesmo fenómeno e a século XIX variaram ao longo do tempo
mesma explicação foram depois aprofundados por (Andrade, 1993) – levou ao reconhecimento de
outros investigadores, tendo Ribeiro (1968) que tal qualificativo existiu em muitas artérias
dedicado especial atenção à Rua Direita de Viseu, viárias num mesmo espaço urbano e que estas
tornando-se assim consensual considerar que as podiam ainda receber outros atributos, conforme
‘ruas direitas’, apesar de serem formalmente o percurso aludido, começando-se a questionar a
tortuosas, eram funcionalmente o centro relação, anteriormente estabelecida, entre o
comercial, ‘o coração’, e o eixo principal de topónimo e a forma/função das artérias (por
circulação, ligando os pontos de referência, ‘os exemplo: Borges, 1995; Rossa, 2001).
órgãos vitais’ (Ribeiro, 1984 [1965]). A exploração dos documentos escritos antigos
Teoricamente, a contraposição foi dada por consente ainda outras considerações, de âmbito
Robert Smith. Como forma de provar a sua toponímico. Permite comprovar a aceção de
conjetura, de que os portugueses não souberam direção, como se depreende pelo exemplo
planear cidades ordenadas e regulares no Brasil, escalabitano de uia publica que uenit directe de
aproveitou para ridiculizar o facto de que as ‘ruas, porta de Alpram et uadit ad portam de Alcaçoua,
ironicamente chamadas direitas, eram tortas e assim designada em 1294, sendo fácil presumir a
cheias de altibaixos’ (Smith, 1955, p. 12). redução da expressão ‘rua que vai direita’ para
Contudo, a sua leitura derivava mais da apenas ‘rua direita’. Mas, mostra igualmente que,
comparação formal entre as aglomerações em alguns casos, o tal circunlóquio foi
coloniais da América Latina erigidas por introduzido em épocas posteriores, não só ao
portugueses e por espanhóis, do que do aparecimento físico/material das artérias viárias,
conhecimento efetivo da cultura e produção mas até à própria inclusão de outros atributos,
urbana dos primeiros. Curioso é que foi o como se verifica também para Santarém, onde,
‘desmanchar’ deste preconceito que fez avançar o entre outras, as ruas ‘da Ramada’, ‘dos
próprio conhecimento. Mercadores’ ou ‘do Açougue Velho’ foram
Neste sentido, e provavelmente não por acaso, referidas somente como ‘ruas’, respetivamente,
a ‘rua direita’ passou a ser vista como o elemento em 1240, 1245 e 1294, aparecendo já como ‘ruas
disciplinador do desenvolvimento urbanístico direitas de’ em 1437, 1380 e 1363 (Viana, 2007).
português. Para a emergente historiografia De facto, as fontes documentais, como também os
Perspetivas 43

estudos históricos de toponímia, permitem atestar para assim perceber as dinâmicas e as mutações
que foi na segunda metade do século XIV que a ao longo do tempo.
palavra ‘direita’, utilizada para qualificar
determinadas ‘ruas’, começou a aparecer Referências
abundantemente na documentação escrita. Tal
como, outrossim, também o qualificativo de Andrade, A. A. (1993) ‘Conhecer e nomear: a
‘travessa’, tomando, neste caso, a expressão de toponímia das cidades medievais portuguesas’,
‘rua travessa’, como tão bem comprova o caso do A Cidade, Jornadas Inter e Pluridisciplinares I
topónimo bracarense, Rua Travessa que vai do (Universidade Aberta, Lisboa) 123-40.
Postigo até à porta da Igreja de Santiago da Borges, A. M. (1995) ‘A toponímia de Évora no
Cividade primeiramente da mão direita como vão final da Idade Média’, Estudos de Arte e
para a dita Igreja, referido no Tombo do Cabido História, Homenagem a Artur Nobre de
datado de 1369-80 (Ribeiro, 2008, p. 421). Daqui Gusmão (Editorial Vega, Lisboa) 80-8.
depreende-se que ‘direita’ e ‘travessa’ foram, Fernandes, J. M. (1989) ‘O Funchal e o
então, qualificativos de direção, justapostos ao urbanismo de raiz portuguesa no Atlântico,
substantivo ‘rua’, de modo a nomear, distinguir e Estudo comparativo e de enquadramento
a caracterizar determinadas artérias fossem elas histórico-estrutural’, Colóquio Internacional de
novas ou existentes dentro do conjunto urbano. História da Madeira I (DRAC, Funchal) 247-
Ambos os qualificativos aludiam ao itinerário, 60.
pois se naquele o percurso era ‘direto’ entre dois Gaspar, J. (1985) ‘A cidade portuguesa na Idade
pontos de referência, neste era de Média: aspetos da estrutura física e
‘atravessamento’ entre dois espaços de circulação. desenvolvimento funcional’, En la España
Evidencie-se ainda que com o tempo surgiram medieval (La ciudad hispánica durante los
alterações nas designações: algumas ‘ruas siglos XIII al XVI) 6, 133-50.
direitas’ perderam o qualificativo; nalgumas ‘ruas Ribeiro, M. (2008) Braga entre a época romana e
travessas’ o qualificativo transformou-se em a Idade Moderna. Uma metodologia de análise
substantivo; e outras artérias foram para a leitura da evolução da paisagem urbana,
alternadamente identificadas de ‘rua’ e ‘travessa’, Tese de Doutoramento não publicada,
dentro de um mesmo intervalo cronológico ou, até Universidade do Minho, Portugal.
mesmo, dentro do mesmo documento. Ribeiro, O. (1984 [1965]) ‘Cidade’, Dicionário de
Com efeito, os dados toponímicos encontrados História de Portugal II (Livraria Figueirinhas,
na documentação histórica obrigam, assim, a Porto) 60-6.
relativizar a ideia de que todas as artérias Ribeiro, O. (1968) ‘A rua direita de Viseu’,
identificadas pela designação de ‘ruas direitas’ Geographica, Revista da Sociedade de
foram ‘os’ eixos estruturantes dos espaços Geografia de Lisboa 16, 49-63.
urbanos portugueses. Não se nega que algumas Rossa, W. (1995) ‘A cidade portuguesa’, História
dessas ruas, tal como outras, ou até algumas ‘ruas da Arte Portuguesa III (Círculo de Leitores,
travessas’, tenham desempenhado tal papel; ainda Lisboa) 233-323.
que outras com o mesmo qualificativo possam ter Rossa, W. (2001) DiverCidade: Urbanografia do
sido somente um acesso mais direto, mais curto espaço de Coimbra até ao estabelecimento
ou mais rápido, sem qualquer importância definitivo da Universidade, Tese de
comercial. O que se almeja com este Doutoramento não publicada, Universidade de
esclarecimento é que, nos estudos históricos da Coimbra, Portugal.
forma urbana portuguesa, se procure e dê a Smith, R. C. (1955) Arquitetura colonial: as artes
importância devida a cada artéria viária dentro de na Bahia (Livraria Progresso, Salvador).
uma leitura morfológica mais global, e não se Vasconcelos, J. L. (1917) ‘Por Trás-os-Montes’,
evidencie as ruas chamadas de ‘direitas’, apenas e O Archeogolo Português 22, 1-53.
só, por causa da sua designação toponímica, Viana, M. (2007) Espaço e povoamento numa
sendo então necessário cruzar duas leituras vila portuguesa, Santarém 1147-1350
históricas diferentes, a formal e a toponímica, (Caleidoscópio, Casal de Cambra).
44 Perspetivas

Gramáticas genéricas para o domínio da cidade e urbanismo


José Nuno Beirão, CIAUD, Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, Rua
Sá Nogueira, Pólo Universitário Alto da Ajuda, 1349-055 Lisboa. Portugal. Email:
jnb@fa.ulisboa.pt

Em Urbanismo o recurso ao uso de regras ou (1) B = (C-A) + t(A)


códigos constitui uma constante. As regras podem
utilizar-se em 4 níveis de atuação distintos: i) num Por outras palavras subtraímos a uma forma
modo analítico, como forma de compreensão do complexa C a ocorrência A e adicionamos a sua
desenvolvimento dos tecidos e padrões urbanos; transformação t(A). Na realidade, a leitura da
ii) como instrumento de síntese na génese de ocorrência A verifica-se não só ao nível de um
soluções, iii) como instrumento regulamentar; e, reconhecimento puro da forma A mas de qualquer
ainda, iv) na instrução de algorítmos de simulação variação Euclidiana de A, seja ela uma simetria,
do comportamento e desenvolvimento urbano. uma rotação ou homotetia de A. Esta operação
No presente documento apresenta-se o permite a aplicação da transformação a uma
conceito de ‘gramática genérica’ como estrutura forma existente ou a qualquer ocorrência de uma
suporte constituinte de software aplicável aos 4 forma semelhante escalada ou não, rodada ou não.
níveis de atuação referidos recorrendo à ‘regra’ Quando a regra se aplica a uma forma qualquer
como o elemento gerativo. Começa-se por que seja a proporção das suas partes (por
explicar a estrutura comum de uma regra, exemplo, a qualquer quadrilátero) podemos dizer
transversal a uma linguagem de padrões e a uma que a regra se aplica a qualquer atribuição de
gramática da forma. De seguida expõe-se a sua valores g aos parâmetros de A. A expressão (1)
aplicação a um domínio formal específico toma então a forma:
estruturado sob a forma de uma ontologia.
Finalmente, indica-se como se constituem (2) B= (C-g(A)) + t(g(A))
gramáticas genéricas num domínio formal
recorrendo como exemplo ao domínio da cidade. A gramática torna-se assim uma gramática
A título conclusivo explica-se como as gramáticas paramétrica (Stiny, 1980).
genéricas podem constituir a base de um sistema O paralelo acima traçado com a teoria da
de modelação de informação urbana (City linguagem de padrões de Alexander pode-se
Information Modeling – CIM). facilmente suportar argumentando o recurso ao
A estrutura comum de uma regra possui na mesmo formato A→B. A grande diferença ocorre
sua forma mais genérica o formato ‘predicado → ao nível da estrutura semântica das regras e,
consequente’, ou, numa linguagem mais familiar acima de tudo, ao nível da sua pragmática. A
ao domínio da sintaxe formal o formato: ‘se → estrutura descritiva dos padrões de Alexander
então’. Genericamente este formato propõe que mantém uma ambiguidade de leitura das
num domínio de objetos previamente definido, ocorrências (predicados) útil à interpretação
perante a ocorrência de um objeto ou conjunto de semântica dos espaços urbanos e arquitetónicos.
objetos A se aplique uma transformação t a esses Igualmente, e acima de tudo, essa ambiguidade de
objetos produzindo um consequente B tal que B = interpretação mantém-se ao nível da
t(A). Este formato genérico de regra (A→B) é transformação a aplicar (dimensão semântica e
transversal quer ao conceito de linguagem de dimensão pragmática) obtendo-se como resultado
padrões (Alexander et al., 1977), quer ao de um consequente que abre o seu espaço
gramáticas da forma (Stiny e Gips, 1972). Veja-se representacional à ambiguidade e ao espaço
na estrutura da linguagem de padrões (capítulo idiossincrático da profissão de arquiteto e
introdutório: ‘Using this book’, pp. IX a XLIV) urbanista.
onde se indica a identificação de um problema Concentremo-nos agora na noção de domínio
recorrente em meio urbano como predicado para formal e/ou conceptual e em particular no
o qual se aponta uma solução suportada na domínio da ‘cidade e o urbanismo’. O domínio da
tradição ou experiência comprovada como cidade deverá conter os conceitos capazes de
consequente desse predicado. Numa gramática da descrever a cidade tal como ela é, enquanto o
forma tomamos como argumentos das nossas domínio do urbanismo tem em vista descrever a
regras formas A ocorrendo num projeto C que cidade como se pretende que ela seja, ou mais
reconhecemos como predicado e que precisamente, descrever quais as transformações
transformamos de acordo com a seguinte que admitimos que ocorram no domínio da cidade
expressão: para garantir que a sua evolução não se desvia
Perspetivas 45

muito de um objetivo a que chamaremos visão de regras R que operam sobre o conjunto {Fi,Si} a
(Friedman, 1997). No campo da computação partir de uma forma inicial Ii. Uma gramática
chamamos uma ontologia computacional às genérica Γ que opera no domínio da ‘cidade e
especificações da conceptualização de um urbanismo’ é constituída pelo conjunto das
domínio (Gruber, 1993). Mais concretamente, subgramáticas Γi em que i representa a classe de
trata-se de uma descrição do nosso domínio em objectos {Fi,Si} da ontologia considerando que as
termos das classes e subclasses de objetos que o classes são identificadas pelo índice i
compõem, dos seus atributos e das relações (1,2,3,4,...,i).
expressas entre classes. A forma inicial Ii estabelece o elemento de
O domínio da ‘cidade e o urbanismo’ é comunicação entre as diferentes gramáticas Γi
particularmente complexo porque as leituras do pois são as únicas formas nas gramáticas que
que são ‘as coisas’ (ou objetos) neste domínio podem pertencer a conjuntos de formas fora da
revestem-se por vezes de grande ambiguidade. No classe a que a gramática se refere. As formas
entanto, a fim de simplificar essa leitura podemos iniciais podem ser de três tipos: i) objetos pré-
subdividir as descrições do domínio em existentes; ou seja, objetos selecionados pelo
subdomínios (sistemas) correspondentes a óticas projetista ou utilizador da ferramenta
distintas de leitura do domínio principal. Por computacional, a partir do conjunto de todos os
exemplo, podemos ler a cidade como um sistema elementos pré-existentes E0, ou seja, do contexto;
de ruas, como um sistema construído ou como um ii) objetos que na gramática Γi podem ser lidos
sistema de propriedade. Dentro de cada sistema como objetos iniciais; iii) objetos resultantes da
podemos incluir subclasses que complementam a geração produzida por outras gramáticas e que
descrição do sistema. Por exemplo, considerando foram (a) ou podem ser (b) classificados como
a cidade como sistema de ruas a que chamaremos objetos iniciais da gramática que estamos a
apenas networks podemos identificar várias considerar. Os objetos (a) são objetos que foram
subclasses de representação deste sistema: i) as anteriormente classificados como objetos iniciais
ruas como representação axial da network ou de outras gramáticas em função das relações
apenas como eixos de composição de um plano expressas na ontologia. Os objetos (b) são
onde se especificam as suas hierarquias na rede; classificados pelo projetista.
ii) a classificação da rua no sistema viário (via Cada gramática assume a forma
coletora, distribuidora, acesso local, etc); iii) a sua Γi={Fi,Si,R,Ii}. Voltando aos padrões, um padrão
nomenclatura no léxico corrente da língua natural reproduz transformações urbanísticas genéricas
do contexto em que nos inserimos (por exemplo, comuns ao ato de projeto urbano ou a uma
rua principal, avenida, travessa, beco, circular, transformação espontânea comum em meio
etc); iv) a composição de cada rua para cada urbano, as quais, por serem comuns, podem ser
descrição das classes anteriores como um geralmente entendidas através de um curto
conjunto de faixas (ou componentes) que vocábulo ou representação icónica como
constituem um perfil de rua em particular; e, por Alexander sugere. Por exemplo:
fim, v) a descrição detalhada (incluindo GridbyAddingAxes ou GridbyAddingCells. Um
parâmetros e atributos) de cada componente de projeto urbano ou uma simulação é obtido pela
perfil de rua (faixas de rodagem, estacionamento, aplicação combinada de vários padrões que geram
passeios, ciclovias, faixas bus, faixas ajardinadas, soluções de acordo com a sua gramática e com os
alinhamentos arbóreos, etc). Para maior detalhe inputs fornecidos.
ver Beirão (2012). Assim, utilizando gramáticas genéricas
Na descrição de um domínio as dependências organizadas sob a forma de padrões obtém-se
ou relações entre as classes são especificadas nas uma metalinguagem de padrões aplicável na
definições dos objetos pertencentes a cada classe. geração de projetos urbanos ou na simulação de
Podem existir também relações de dependência desenvolvimentos urbanos. Na implementação de
entre objetos pertencentes a subdomínios ou um tal sistema obtém-se uma ferramenta
sistemas diferentes. Por exemplo, edifícios que computacional que automatiza alguns
pertencem ao sistema construído estão dentro de procedimentos e deixa outros para a decisão e
lotes que pertencem ao sistema de propriedade. interferência do utilizador. A estrutura descritiva
Voltando às gramáticas e padrões, cada regra do domínio (ontologia) mantém no entanto a
opera apenas um conjunto limitado de objetos integridade nas representações, qualquer que seja
geralmente pertencente a uma classe de objetos. a formalização do projeto, que permite a partir
Numa gramática, uma classe representa-se por um das representações produzir cálculos de
conjunto de formas (Fi) e símbolos (Si): {Fi,Si}. propriedades do projeto gerado pelo sistema, por
Uma gramática urbana descreve um pequeno exemplo, o cálculo automático de indicadores de
conjunto identificável de operações de urbanismo densidade (Berghauser-Pont e Haupt, 2010) ou
que podem ser traduzidas através de um conjunto outros que possam ser calculados a partir dos
46 Perspetivas

dados ou representações gerados pelas Beirão, J. (2012) CItyMaker: Designing


gramáticas. O confronto dos cálculos de Grammars for Urban Design
indicadores com as soluções formais permite ao (http://repository.tudelft.nl/view/ir/uuid:16322b
utilizador da ferramenta avaliar a pertinência da a7-6c37-4c31-836b-bc42037ea14c/) consultado
correlação entre indicadores e solução formal e em 28 de Março de 2014.
variar os parâmetros de entrada para afinar as Beirão, J., Nourian, P. e Mashhoodi, B. (2011)
soluções. ‘Parametric urban design: an interactive
Para a obtenção de uma tal ferramenta sketching system for shaping neighborhoods’,
desenvolveu-se um modelo juntando uma base de 29th eCAADe Conference, Ljubljana.
dados geográfica, uma plataforma de SIG Beirão, J., Arrobas, P. e Duarte J. (2012)
(Sistema de Informação Geográfica) e um ‘Parametric urban design: joining morphology
interface de desenho paramétrico incluindo uma and urban indicators in a single interactive
plataforma de CAD e um interface de model’, in Achten, H., Pavlicek, J., Hulin, J. e
programação visual onde se implementaram os Matejdan, D. (eds.) Digital Physicality -
padrões acima referidos conjuntamente com um Proceedings of the 30th eCAADe Conference,
módulo de cálculo de indicadores. Este conjunto Czech Technical University, Prague
integrado de ferramentas permite reunir num (http://cumincad.scix.net/cgibin/works/Show?_i
conjunto pleno de interatividade, a análise urbana, d=ecaade2012_130&sort=DEFAULT&search=
a síntese de soluções e algumas ferramentas de Beir%e3o&hits=11) consultado em 28 de
avaliação. Tais ferramentas podem ser usadas Março de 2014.
como bases para projetar o urbano ou, Berghauser-Pont, M. e Haupt, P. (2010)
simplesmente, simular os seus comportamentos Spacematrix. space, density and urban form
analisando e avaliando resultados em contexto (NAi Publishers, Roterdão).
disponibilizando uma plataforma que dá corpo às Friedman, A. (1997) ‘Design for change: flexible
tendências mais recentes de integração e planning strategies for the 1990s and beyond’,
conjugação de vários métodos e ferramentas Journal of Urban Design 2, 277-95.
analíticas como suporte à decisão em projeto Gil, J., Stutz, C. e Chiaradia, A. (2007)
urbano, como por exemplo Gil et al. (2007), Nes ‘Confeego: tool set for spatial configuration
et al. (2012), Stahle et al. (2003), Ye e Nes studies’, New developments in space syntax
(2013). Este conjunto de ferramentas, por software, 15.
analogia com o BIM (Building Information Gruber, T. R. (1993) A translation approach to
Modeling) designou-se por CIM (City portable ontology specifications
Information Modeling). (http://www.dbis.informatik.huberlin.de/dbisold
Nesta ‘Perspetiva’, abordou-se a definição de /lehre/WS0203/SemWeb/lit/KSL-92-17.pdf)
uma gramática genérica aplicada ao domínio da consultado em 28 de Março de 2014.
cidade e urbanismo como conceito primordial Nes, A. v., Berghauser-Pont, M. and Mashhoodi,
constituinte de uma plataforma de CIM. B. (2012) ‘Combination of space syntax with
Ilustrações das aplicações deste sistema estão spacematrix and the mixed use index’, 8th
disponíveis no link http://www.measurb.org/docs/ International Space Syntax Symposium,
TODOS_Workshop.pdf onde se podem consultar Santiago do Chile, 3 a 6 de Julho.
os resultados da sua aplicação, num formato de Stahle, A., Marcus, L. e Karlstrom, L. A. (2003)
workshop, a um problema de desenho urbano ‘Place syntax tool - GIS software for analysing
específico. Ficam por detalhar a estrutura geographic accessibility with axial lines’, New
discursiva das gramáticas genéricas e a descrição developments in space syntax software, 35.
detalhada da implementação, as quais podem ser Stiny, G. (1980) ‘Introduction to shape and shape
consultadas respetivamente em Beirão (2012), grammars’, Environment and Planning B:
Beirão et al. (2011) e Beirão et al. (2012). Planning and Design 7, 343-51.
Stiny, G. e Gips, J. (1972) ‘Shape grammars and
the generative specification of painting and
Referências
sculpture’, Information Processing 71, 1460-5.
Alexander, C., Ishikawa, S., Silverstein, M., Ye, Y., e Nes. A. v. (2013) ‘The spatial flaws of
Jacobson, M., Fiksdahl-King, I. e Angel, S. new towns’, 9th International Space Syntax
(1977) A Pattern Language (Oxford University Symposium, Seoul, 31 de Outubro a 3 de
Press, Oxford). Novembro.
BOOK
REVIEWS

Os elementos urbanos, de Carlos Dias exemplo, à temática da inventariação de


Coelho (coordenação), João Pedro Costa, elementos específicos da forma urbana,
João Silva Leite, José Miguel Silva, Luísa designadamente ‘a praça’ (Coelho, 2007; Coelho
Trindade, Paulo Pereira, Sérgio Barreiros e Lamas, 2005).
A maior parte dos conteúdos deste livro
Proença, Sérgio Padrão Fernandes e Xavier
resultam de material recolhido de Projetos de
Monteys, Argumentum, Lisboa, Portugal, Investigação, realizados por este grupo,
2013, 205 pp. ISBN 978-972-8479-78-7. nomeadamente o Projeto ‘Atlas Morfológico’,
mas também da contribuição de vários projetos
‘Os Elementos Urbanos’ constitui o primeiro de investigação individuais, articulados com o
número de uma série de quatro volumes da projeto anterior. Neste sentido destacam-se os
coleção ‘Cadernos de Morfologia Urbana - contributos de várias teses de doutoramento,
Estudos da Cidade Portuguesa’, que resulta do realizadas por alguns dos investigadores deste
trabalho realizado pelo grupo de investigação grupo de investigação e co-autores do livro.
FormaUrbis Lab, no âmbito do Centro de Grande parte dos investigadores deste grupo é
Investigação de Arquitetura, Urbanismo e Design também docente na Faculdade de Arquitetura da
(CIAUD) da Faculdade de Arquitetura da UL. A investigação produzida por este grupo
Universidade de Lisboa (FAUL). Os restantes beneficia certamente da oportunidade de articular
números desta coleção cujas edições se aguardam o ensino com a investigação, promovendo-se
para breve incluirão os seguintes títulos: O desta forma um enriquecimento dos conteúdos
Tempo e a Forma; Outras Abordagens; e pedagógicos, no âmbito do ensino da Arquitetura
Conceitos e Metodologias. e do Urbanismo, através do processo
‘Os Elementos Urbanos’ constitui uma metodológico levado a cabo por este grupo e dos
notável publicação que resulta do trabalho de seus respetivos resultados científicos.
reflexão sobre a forma da cidade, realizada pelos ‘Os Elementos Urbanos’ constituem uma
membros do grupo Forma Urbis Lab, com a excelente oportunidade, para que um público
coordenação de Carlos Dias Coelho. São co- mais alargado, para além dos estudantes de
autores desta obra João Pedro Costa, João Silva arquitetura da FAUL, venha a conhecer a
Leite, José Miguel Silva, Sérgio Barreiros excelência do trabalho de investigação realizado
Proença, Sérgio Padrão Fernandes, membros do pelo grupo FormaUrbis Lab. Excelência esta, que
grupo de investigação FormaUrbis Lab, mas nos tem sido já dada a conhecer através de
também Paulo Pereira da FAUL e Xavier diversas comunicações, de diferentes elementos
Monteys da Universidade Politécnica da do grupo, em diversos encontros científicos
Catalunya, ambos consultores do grupo de nacionais e internacionais.
investigação, bem como Luísa Trindade, da Resumidamente, destacam-se neste livro dois
Universidade de Coimbra. aspetos fundamentais. Primeiro, a qualidade
A divulgação da investigação produzida pelo gráfica e visual que tem acompanhado desde
grupo FormaUrbis Lab tem sido disponibilizada sempre o trabalho produzido por esta equipa de
através do website do grupo investigadores, bem como a consistência desse
http://formaurbislab.fa.utl.pt/home. O interesse mesmo material gráfico. Segundo, a coerência
dos membros do grupo pelo estudo da forma da dos vários temas abordados pelos diferentes
cidade portuguesa revê-se nomeadamente através membros do grupo, no que concerne ao estudo da
de publicações anteriores dedicadas, por forma urbana, evidenciando o sucesso da

Revista de Morfologia Urbana (2014) 2(1) 47-50 Rede Portuguesa de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214
48 Book Reviews

coordenação do trabalho realizado por este grupo Referências


mas também numa apreciável unidade de grupo,
face aos objetivos a cumprir nas diferentes Coelho, C. D. e Lamas, J. (coord.) (2005) A
investigações em curso. Estes dois fatores Praça em Portugal - Açores, Inventário do
permitem a identificação de uma identidade, Espaço Público (FAUTL e DROTRH, Ponta
neste grupo de investigação, que se destaca pelo Delgada).
esforço de construir ferramentas de leitura da Coelho, C. D. (coord.) (2007) A Praça em
cidade apoiadas numa metodologia, cujo objetivo Portugal, Inventário de Espaço Público -
é o de analisar exaustivamente os diferentes Continente (DGOTDU, Lisboa).
elementos que compõem a forma urbana no seu Oliveira, V. (2014) ‘Manuals for urban
todo, através de um exercício de decomposição. E morphological education’, Urban Morphology
assim, procurando responder a um objetivo 18, 77-8.
comum – o estudo da cidade portuguesa. Marat-Mendes, T. e Cabrita, M. A. (2012)
Foi precisamente apoiando-se neste exercício ‘Morfologia urbana em Portugal: percurso e
de decomposição dos diferentes elementos que visibilidade’, in Sampayo, M., André, P. e
constituem a forma urbana, que os autores deste Marat-Mendes (eds.) Morfologia urbana nos
livro estabeleceram a sua estrutura. Encontramos países lusófonos (ISCTE-IUL, Lisboa) 1750-
assim neste livro, ‘Os Elementos Urbanos’, nove 81.
capítulos que testemunham, segundo os seus
autores, a decomposição do tecido urbano através
dos seus vários elementos urbanos. Teresa Marat-Mendes, Instituto Universitário de
Designadamente: i) o Tecido; ii) o Traçado; iii) a Lisboa ISCTE-IUL, DINÂMIA’CET-IUL,
Malha; iv) a Praça; v) a Rua; vi) o Quarteirão; Departamento de Arquitectura e Urbanismo, Av.
vii) a Parcela; viii) o Edifício Singular; e ix) o das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal.
Edifício Comum. Email: teresa.marat-mendes@iscte.pt
O livro inclui ainda um conjunto considerável
de imagens a ilustrar os seus vários capítulos.
Estas imagens testemunham a excelência da
qualidade gráfica que identifica este grupo e que
certamente contribui enquanto importante 10 mandamentos da arquitetura, de
ferramenta de divulgação do trabalho junto do Frederico de Holanda, FRBH, Brasília,
seu público-alvo, o estudante de arquitetura, mas Brasil, 2013, 344 pp. ISBN 978-85-64222-
também do leitor com interesse pelo estudo da 06-9.
forma da cidade. Salienta-se o uso da planta,
como imagem primordial para a representação Frederico de Holanda é um dos maiores
gráfica da forma urbana por este trabalho e que é comunicadores do nosso tempo na área da
notória ao longo dos seus vários capítulos, com morfologia urbana. Antevi-o quando assisti pela
pequenas exceções. Estas incluem o uso da primeira vez a uma das suas apresentações em
fotografia bem como perfis. Estocolmo, em 2009. Confirmei-o nas
Finalmente, a apresentação sumária da comunicações a que assisti nos três anos
metodologia, que os autores procuram enunciar, seguintes – no Porto, em Montreal e em Lisboa –
poderia ter encontrado neste livro um capítulo e ainda na leitura dos seus livros. ‘10
específico para sua sistematização, mandamentos da arquitetura’ comprova esta
nomeadamente num capítulo conclusivo. Assim capacidade. É um livro notável, escrito numa
‘Os Elementos Urbanos’ teriam certamente linguagem simples e apelativa, que certamente
contribuído para que o seu público-alvo, mais alcançará um público alargado, indo muito para
facilmente identificasse essa mesma metodologia além dos círculos académicos e profissionais.
e a pudesse utilizar como guia para futuras O formato do livro retoma uma ideia de
aplicações. Hanson (1988), na altura centrada
Destaca-se contudo a oportunidade de exclusivamente na escrita de textos académicos,
calendário da publicação deste livro, pois estruturando-se num conjunto de dez
coincide com um momento rico em debates ‘mandamentos’ ou orientações. Em termos de
acerca do ensino da morfologia urbana, e que tem organização dos conteúdos, o texto constrói-se a
conquistado espaço e atualização (Marat-Mendes partir de uma experiência de Holanda como
e Cabrita, 2012; Oliveira, 2014) no âmbito da Professor Visitante em Santiago de Querétaro,
Rede Portuguesa de Morfologia Urbana e do México, em 2005. Alguns dos textos são inéditos
próprio International Seminar on Urban Form (na totalidade ou em parte), outros revisitam
(ISUF). temas abordados em anteriores apresentações,
Book Reviews 49

artigos e livros (particularmente em Holanda, arquitetura à cidade (às ruas e às praças) e ao


2010, 2011). Como nos trabalhos precedentes de território (ao território artificial e à paisagem
Holanda, o leitor reencontrará aqui a cidade de natural), incluindo não apenas os objetos
Brasília, os arquitetos Lucio Costa e Oscar excecionais, mas também a ‘arquitetura sem
Niemeyer, bem como, a Teoria da Sintaxe arquitetos’ (Rodofsky, 1964), produzida por um
Espacial. Ficará também a conhecer outras saber implícito, ainda que sem uma aparente
influências de Holanda, nomeadamente Evaldo ‘intenção’ estética.
Coutinho e Carlos Nelson dos Santos. Como Holanda nos lembra, o modo como tem
O livro estrutura-se em dez capítulos, cada um sido abordada a relação entre arquitetura e
deles correspondendo a um ‘mandamento’, comportamentos – o determinismo arquitetónico
abordando os seguintes temas: i) o alargamento – enquadra-se normalmente em dois extremos
do conceito de arquitetura à cidade e ao território opostos. Por um lado, os que acham que a
(clarificando logo à partida qualquer mal- arquitetura determina a sociedade, porventura
entendido que o título da obra pudesse sugerir); seguindo o apelo modernista. Por outro lado,
ii) as causas, ou ‘aquilo’ que está por detrás da aqueles que defendem que a arquitetura é vazia
arquitetura (definindo ainda os elementos de conteúdos sociais e que as opções da
arquitetónicos fundamentais – cheios, vazios e arquitetura não têm qualquer efeito sobre a vida
relações cheios-vazios); iii) os efeitos que a diária das pessoas. O autor apela a uma
arquitetura provoca (abarcando aspetos abordagem mais informada desta questão,
funcionais, económicos, sociológicos, alertando para o facto de a arquitetura refletir
topocetivos, afetivos, simbólicos e estéticos); iv) igualdades e desigualdades sociais, contradições
as possibilidades e as restrições da arquitetura, e conflitos. Para ilustrar isto mesmo recorre a três
bem como o modo como esta interfere na vida exemplos esclarecedores na cidade de Brasília – o
das pessoas; v) o modo como a arquitetura reflete comércio informal na Esplanada dos Ministérios,
(e pode contribuir para fomentar) igualdades e os vendedores ambulantes na Plataforma
desigualdades sociais; vi) dois tipos de Rodoviária e a feira da Torre da TV – e ainda ao
implicações da arquitetura, as implicações caso de uma área residencial em Islington,
sintáticas, relacionadas com a configuração, e as Londres, estudada por Hillier (1996). Holanda
implicações semânticas, ligadas a aspetos alerta ainda para o facto de a arquitetura ser um
convencionais, circunstanciais e históricos; vii) o campo de possibilidades mas também um campo
equilíbrio entre ordem e desordem, relacionando de restrições. Trata-se, no fundo, de tornar o
a última, ora com uma dimensão de inovação, ora arquiteto consciente de que as suas ações podem
com uma dimensão de regressão; viii) a utilização contribuir para o estabelecimento de uma cidade
da história em arquitetura, apelando a um mais justa e de uma sociedade mais democrática
conhecimento crítico que seja capaz de abarcar – ou o contrário.
longos períodos temporais; ix) o contributo de Por fim, ‘10 mandamentos da arquitetura’
cada edifício para a qualificação do espaço coloca-nos um desafio fascinante: mudar o nosso
público, distinguindo entre edifícios ‘com rosto’ e enfoque da forma para o espaço. A ideia não é
‘edifícios com costas’ ou ‘edifícios com ombros’; nova (desde o final dos anos 70 que Hillier,
e, por fim, x) as teorias do conhecimento e a Hanson e tantos outros aderentes da Teoria da
valorização de um conhecimento objetivo Sintaxe Espacial, a têm vindo a desenvolver) e é
informado pela evidência. aparentemente simples, mas na realidade
De entre os temas abordados ao longo do representa uma mudança de paradigma no modo
livro gostaria de retomar três: o alargamento do como vemos e construímos os nossos edifícios e
conceito de arquitetura; a relação entre as nossas cidades. O desafio consiste assim em
arquitetura e comportamentos; e, por fim, o privilegiar os vazios, os ‘elementos-fim’ que são
enfoque no espaço e não na forma. No prefácio realmente estruturantes nas nossas cidades e nos
do livro, Ruth Verde Zein refere que ‘(…) cada nossos edifícios, ao invés dos cheios, os
vez menos a arquitetura é socialmente ‘elementos-meio’, que dependem de convenções
considerada como uma das mais importantes e ideologias (no sentido mais estrito do termo) de
facetas da vida e da criatividade humanas’. Uma uma determinada sociedade e de um dado tempo
das razões fundamentais para este fenómeno será e que, como tal, sofrem constantes alterações.
porventura o enfoque cada vez mais reduzido que Aceitar este novo paradigma significa aceitar a
o arquiteto adota, concentrando todo o seu importância fundamental da rua (dos espaços
esforço técnico e criativo no desenho do edifício exteriores de circulação) e da praça (dos espaços
isolado. A modernidade iniciou este processo e a exteriores de permanência) nas nossas cidades;
pós-modernidade continuou a alimentá-lo. Daí a significa voltar a conformá-los com fachadas
importância fundamental do primeiro frontais (com rosto) e não com fachadas laterais
‘mandamento’ deste livro: alargar o conceito de (ombros) ou fachadas de fundo (costas); significa
50 Book Reviews

ainda questionar, com base num conhecimento (Cambridge University Press, Cambridge).
profundo da história, o modo como as Holanda, F. de (2010) Brasília – cidade moderna,
‘arquiteturas contemporâneas’ elegem como seu cidade eterna (FAU UnB, Brasília).
objetivo último o desenho do edifício isolado e o Holanda, F. de (2011) O espaço de exceção
desenvolvimento de uma linguagem dos (FRBH, Brasília).
‘elementos-meio’. Rudofsky, B. (1964) Architecture without
architects. A short introduction to non-
pedigreed architecture (Museum of Modern
Referências Art, Nova Iorque).

Hanson, J. (1988) ‘The ten commandements


(for writing academic papers)’ Vítor Oliveira, CITTA – Centro de Investigação
(http://eden.dei.uc.pt/~jcardoso/ForStudents/Wr do Território, Transportes e Ambiente,
itingPaper.pdf) consultado em 20 de Janeiro de Faculdade de Engenharia, Universidade do
2014. Porto, Rua Roberto Frias 4200-465, Porto,
Hillier, B. (1996) Space is the machine Portugal. Email: vitorm@fe.up.pt

PNUM2015: Configuração urbana e os desafios da urbanidade


A 4ª Conferência Anual da Rede Portuguesa de completo (opcional) até 31 de Maio de 2015. A
Morfologia Urbana (PNUM) realizar-se-á em data limite de inscrição no PNUM2015 é o
Brasília, Brasil, a 25 e 26 de Junho de 2015. primeiro dia da conferência, 25 de Junho. O
O título da conferência é ‘Configuração website do PNUM2015 contendo informações
urbana e os desafios da urbanidade’ e os temas detalhadas sobre a conferência, será lançado
em debate são os seguintes: i) transformações muito em breve.
urbanas recentes – novos impactos, novos A Comissão Organizadora da conferência
desafios; ii) desigualdade socioespacial das inclui: Gabriela Tenorio (Presidente), Frederico
cidades; iii) configuração urbana e patrimônio de Holanda, Valério Medeiros, Ana Barros, Liza
cultural; iv) o legado da cidade moderna; e, por Andrade, Cláudia Garcia e Mônica Gondim. A
fim, v) a urbanização total: tendências para a Comissão Cientifica do PNUM2015 inclui:
metápole. Frederico de Holanda (Presidente), Décio
O call for abstracts será lançado em Rigatti, Edja Trigueiro, Gabriela Tenorio, Jorge
Outubro de 2014, sendo que os resumos deverão Correia, Luiz Amorim, Miguel Bandeira, Nuno
ser submetidos até 1 de Fevereiro de 2015. Os Norte Pinto, Renato Saboya, Stael Pereira da
autores serão notificados acerca da aceitação do Costa, Teresa Marat-Mendes, Valério Medeiros,
resumo até 6 de Abril, podendo enviar o artigo Vinicius Netto e Vítor Oliveira.

Figura 1. Brasília (Source: Rodrigo Studart Corrêa).


REDE PORTUGUESA DE MORFOLOGIA URBANA
A Rede Portuguesa de Morfologia Urbana (PNUM) foi criada em 2010, em Hamburgo, como
um grupo regional do International Seminar on Urban Form. Os objectivos do grupo são:
promover e desenvolver o estudo da forma urbana; consolidar uma verdadeira rede de
investigação no domínio da morfologia urbana, através da organização de reuniões e
conferências, e da publicação da presente Revista; e, por fim, estabelecer uma relação
privilegiada com o International Seminar on Urban Form, através da colaboração com
iniciativas de debate e divulgação do ISUF. Para mais informações consultar o sitío do PNUM
em: pnum.fe.up.pt/pt.

Conselho Cientifico

Presidente: Vítor Oliveira, Universidade do Porto, Portugal (2016)

Membros: Frederico de Holanda, Universidade de Brasília, Brasil (2016)


Jorge Correia, Universidade do Minho, Portugal (2015)
Miguel Bandeira, Universidade do Minho, Portugal (2016)
Nuno Norte Pinto, The University of Manchester, Reino Unido (2016)
Stael de Alvarenga Pereira Costa, Universidade Federal de Minas Gerais,
Brasil (2016)
Teresa Marat-Mendes, Instituto Universitário de Lisboa, Portugal (2016)

(As datas entre parentesis indicam o final do mandato)


3 Editorial

5 F. Holanda
O mundo das miudezas: Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB)

15 N. Palma
Estudos urbanos e geometria fractal

25 G. Cataldi, G. L. Maffei e P. Vaccaro


Saverio Muratori e a escola Italiana de tipologia projetual

Perspetivas
37 As origens da morfologia urbana e a geografia alemã V. Oliveira e C. Monteiro
40 Extensões da forma A. Perdicoulis
42 A ‘rua direita’ portuguesa: elemento estruturador ou designação toponímica? S. M. G. Pinto
44 Gramáticas genéricas para o domínio da cidade e urbanismo J. Beirão

Relatórios
14 Criação da INTBAU Portugal R. Florentino
24 Turkish Network of Urban Morphology T. Ünlü
36 Chinese Network of Urban Morphology W. Ding

Book reviews
47 C. D. Coelho (2013) Os elementos urbanos T. Marat-Mendes
48 F. Holanda (2013) 10 mandamentos da arquitetura V. Oliveira

Notícias
4 Urban Morphology
13 ISUF2014: Our common future in Urban Morphology
50 PNUM2015: Configuração urbana e os desafios da urbanidade

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