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O processo de interiorização da
Psicologia e o meio rural
Dois aspectos marcaram a entrada da Psicologia no século
XXI, no contexto brasileiro: a interiorização da profissão e dos cur-
sos de formação em Psicologia por todo o território nacional.
Sobre o primeiro aspecto, registra-se que dos 236.100 psicó-
logos inscritos no Sistema Conselhos de Psicologia de todo o país,
48% atuam nas cidades do interior, destacando aquelas de médio
e pequeno porte, enquanto 32% estão localizados nas capitais
(Bastos, Gondim, & Rodrigues, 2010). Quanto ao funcionamento
da formação de psicólogos, observa-se que dos 510 cursos existen-
tes, 52% estão localizados nas cidades do interior enquanto 48%
estão nas capitais. Especificamente sobre os cursos localizados no
interior, pelo menos 105 funcionam em municípios de médio porte
(100 a 300 mil hab.), 59 cursos estão em municípios de médio-
-pequeno porte (50 a 100 mil hab.) e 35 cursos em municípios de
pequeno porte (menos de 50 mil hab.) (Macedo, 2012).
A tendência à interiorização do exercício profissional e das
agências formadoras em Psicologia é resultado tanto da estrutura-
ção de uma rede de serviços ligados ao campo do bem-estar social,
ou seja, fruto da municipalização das políticas de saúde e assistên-
cia social, quanto pela implantação de projetos e outros dispositivos
de reforma e expansão da educação superior, que no setor público
efetuou-se pelo REUNI e o PRONATEC e no setor privado advém
da busca por novos mercados, especialmente na região Nordeste,
com incentivos do PROUNI e o FIES.2
5 Conceito criado por Michel Foucault para dar visibilidade ao regime político
que toma a vida em seu aspecto biológico, subjetivo e social como objeto de
intervenção. Com a biopolítica não apenas os indivíduos tornam-se foco de in-
tervenção dos diversos aparelhos do Estado, mas também as populações, por
meio de mecanismos de regulação e controle, ou seja, de gestão e governo de
condutas e subjetividades (Foucault, 2008).
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1996; Campos, 1999; Góis, 2005; Brandão & Bonfim, 1999; Ieno
Neto, 2007), com trabalhos em torno das categorias de estudo da
Psicologia Social, tais como identidade, atividade e consciência,
bem como dos processos comunitários de organização participa-
tiva e emancipação (Lane, 1994; Lane & Sawaia, 1995; Ieno Neto et
al., 1985).
Outro campo marcadamente presente são as contribuições
advindas da Educação Popular (Freire, 1987, 2005), com as ações
de alfabetização de jovens e adultos, dos círculos de cultura, com
vistas a um processo de tomada de consciência dos mecanismos de
exploração vividos pelos agricultores familiares na sua relação de
trabalho com a terra.
Um terceiro campo tem relação com os Direitos Humanos
(Zenaide, 2006) na busca pela garantia do direito de acesso à terra,
nas denúncias de violação de direitos sofridos por trabalhadores
que lutam por terra, em busca da permanência no seu território ou
do seu reconhecimento.
Entendemos que na atuação do profissional de Psicologia,
bem como no seu processo de formação, algumas diretrizes neces-
sitam ser perseguidas para que possamos avançar no compromisso
social dessa ciência e profissão:
1. Conhecer a dinâmica histórica, social e política do nosso pais
no que tange ao conjunto de lutas sociais deflagradas em torno
da democratização e do acesso à terra. O Brasil se configura
mundialmente como um dos países de maior concentração
fundiária do mundo e isso impacta diretamente na produção
da existência de inúmeros trabalhadores e trabalhadoras que
vivem no campo. Aqui, entendemos ser fundamental apreender
a heterogeneidade que se formou no meio rural brasileiro por
meio dos variados modos de relação com a terra, bem como dos
processos sociais gerados nesse contexto.
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Considerações finais
Sem dúvida alguma que estamos diante de um campo de
discussões recente na Psicologia, embora possamos dizer que as
contribuições até aqui produzidas são inquestionáveis.
É forçoso reconhecer, dado o cenário atual, que nossas
agendas de pesquisa, ações de extensão e atuação profissional
necessitam incorporar as questões levantadas no presente capítulo,
a exemplo do processo de interiorização da formação e atuação em
Psicologia, das novas ruralidades que se desenham no campo bra-
sileiro e da diversidade de atores sociais e dos processos de subjeti-
vação inaugurados.
As possibilidades de atuação do psicólogo no que diz
respeito ao meio rural e toda diversidade que ele se reveste são
múltiplas. O cotidiano de vida das pessoas dota-se de uma hetero-
geneidade e intensidade que permite uma variedade de interlocu-
ções com tal riqueza. O que se apontou, até aqui, pode ser tomado
como ponto de partida ou de reflexão para proposições outras.
Desdobramentos podem surgir e o convívio com as comunidades
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Referências
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