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João Pessoa
2017
Políticas públicas são entendidas como ações do Estado destinadas ao coletivo,
abrangendo todos os setores da gestão pública, como a saúde, educação, moradia, transporte,
assistência social, cultura e etc. O Estado não pode ser reduzido a uma única gestão pública,
ou um conjunto de órgãos públicos que concebem e implementam as políticas públicas. Isso
significa que as políticas públicas que apresentam resultados positivos devem ser mantidas
mesmo diante da mudança de uma gestão por outra (CRP-RJ, 2010; Höfling, 2001). As
políticas públicas são reflexo da organização da sociedade pautada na democracia (do grego
demos: povo; kratos: poder). Sendo assim, a população pode e deve participar na elaboração
das políticas públicas por meio da colocação de demandas sociais. É a partir dessas demandas
que o Estado irá elaborar e implementar as devidas ações para atendê-las (Marin & Bertarello,
2012; CRP-RJ, 2010).
A existência das políticas públicas enquanto atividade do Estado envolve a discussão a
respeito da política, do espaço público e das relações de poder entre os grupos na sociedade.
Definir política não é uma tarefa fácil, mas interessa saber que é necessário passar pela noção
de conflito e interesse para entender o que é a política, que ela está interessada no espaço
público, e que este espaço é entendido como sendo um produto da relação Estado-Sociedade
cuja delimitação é difícil de ser estabelecida (Abreu, 2008; Bobbio, 2000; Keinert, 2007).
Dentro da sociedade coexistem vários grupos que possuem interesses que podem conflitar ou
não, tais interesses irão afetar a esfera pública em maior ou menor grau, e cada grupo possui
certo poder (Reis, 2009), de modo que as relações entre eles deixam de ser plenamente
horizontais. É dentro desse contexto que se fazem necessárias as políticas públicas: o Estado
atua frente às desigualdades entre os grupos visando equilibrar as relações de poder na
sociedade por meio de várias estratégias.
O Programa Jovem Aprendiz (PJA) é uma das políticas públicas do Estado brasileiro
que surgiu no ano de 2000 como uma resposta do Ministério do Trabalho e do Emprego
(MTE) frente a duas demandas principais. As empresas estão buscando cada vez mais
indivíduos qualificados e com experiência profissional para poder assumir os postos de
trabalho, além disso, existe um grande número de jovens que não possuem qualificação e não
conseguem oportunidades para trabalhar e assim adquirir alguma experiência. Esses
problemas deram origem a um programa de formação técnico-profissional envolvendo
empresas e instituições de ensino no qual jovens, de idades entre 14 e 24 anos, participam de
atividades práticas e teóricas com o objetivo de proporcionar uma formação profissional
básica (Fontes, 2013; Brasil, 2009).
É dentro da temática das políticas públicas, especificamente pensando em uma política
voltada para a aprendizagem que é o PJA, que este trabalho se insere. A experiência que
norteou o desenvolvimento deste trabalho foi uma experiência de estágio realizada ao longo
de 8 meses numa instituição formadora do programa. Nosso objetivo é apontar e discutir
possibilidades para atuação em psicologia no PJA. Este tipo de trabalho pode contribuir para a
formação de profissionais na área das políticas públicas, uma vez que a discussão aqui
presente auxilia na construção de saberes e reflexões a respeito da prática nesse contexto.
Este trabalho conta com uma fundamentação teórica dividida em três partes: Psicologia
e políticas públicas; Políticas públicas em contextos de vulnerabilidade social; e o PJA como
política para juventude. Em seguida será apresentada a experiência de estágio dentro da qual
serão relatadas as principais atividades desenvolvidas. Posteriormente discutiremos a
execução e os desdobramentos dessas atividades. Por fim, algumas considerações finais a
respeito do tema.
De maneira geral, a psicologia pode atuar dentro das políticas públicas nos processos
de formulação, acompanhamento e avaliação. Neste sentido a participação da psicologia pode
contribuir na medida em que os Direitos Humanos são respeitados e esse saber difundido. Por
exemplo, a psicologia pode contribuir para a formulação de uma política pública ao fornecer
conhecimentos sobre os sujeitos que irão participar dela (Gonçalves, 2011). Essa ideia se
relaciona com a participação popular na forma de demandas que aparecem no diálogo com
um psicólogo.
A atuação da psicologia em diversos espaços, incluindo o campo das políticas
públicas, envolve duas questões fundamentais: a visão de ser humano e a visão de mundo.
Esse primeiro ponto foi brevemente discutido no parágrafo acima, preocupar-se em pensar
nos sujeitos que vão usufruir de uma política pública reflete uma visão específica desses
indivíduos. Neste sentido a psicologia, nesse espaço, percebe o ser humano como um ser
autônomo, ativo na construção do seu meio social, dotado de uma subjetividade que se produz
nas relações com os outros e com o mundo (CFP, 2007).
O trabalho dos psicólogos nas políticas públicas deve ter como finalidade, segundo o
Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas - CREPOP (CFP, 2007), a
busca pela transformação social através da garantia dos direitos sociais. A psicologia pode
contribuir para o desenvolvimento da autonomia e cidadania dos indivíduos, e, portanto, as
práticas psicológicas não podem categorizar, patologizar e objetificar as pessoas atendidas.
É preciso entender e dialogar com as demandas do usuário, primeiramente para fugir
do modelo assistencialista, no qual o profissional acha que sabe o que é melhor para o
usuário. A respeito disso Catão (1981) comenta, de forma análoga, que “Quem sabe
exatamente onde está o problema da empresa são as próprias pessoas que a compõem” (p. 35).
Sendo assim, é necessário ouvir o sujeito participante do contexto no qual se quer intervir e,
juntamente com o saber do profissional, construir a chamada demanda planejada (CFP, 2007).
Uma das visões de mundo predominantes nesta área é a perspectiva sócio histórica de
Lev Vygotsky, que considera o ser humano e seu contexto indissociáveis numa relação
dialética. O mundo é produto da atividade humana, mas este, por sua vez, também influencia
os indivíduos em seu desenvolvimento (Rego, 1999). Essas ideias são fruto da influência do
marxismo dentro do pensamento vygotskyano. Marx e Engels, na sua visão sócio histórica
dos fenômenos, afirmam que não existem fenômenos isolados, eles ocorrem dentro de um
contexto de relações (Machado, 2012).
A partir dessa consideração fica evidente que o olhar sobre o contexto contribui para
uma percepção mais ampla dos fenômenos que não ocorrem de forma isolada ou em um
vácuo. As explicações que consideram apenas o indivíduo são importantes, mas não são
suficientes para explicar o comportamento social (Tajfel, 1982). Podemos fazer uso dessa
compreensão para refletir sobre as relações de poder desiguais na sociedade, descritas
anteriormente. Reis (2009) menciona que essas relações se constituem dentro de uma lógica
capitalista que produz a propriedade privada, diferenciando os indivíduos por meio da
estratificação em classes sociais. Gonçalves (2013) defende que a atuação da psicologia em
políticas públicas deve ser adotada tendo em vista a luta de classes na sociedade.
As seções seguintes aprofundarão a discussão sobre o contexto. A noção de
vulnerabilidade social é um produto das relações desiguais entre os grupos na sociedade, e a
aprendizagem dentro do contexto das políticas públicas para jovens é analisada a partir de
uma perspectiva histórica.
A juventude vem sendo bastante estudada e discutida nos últimos anos, tendo como
um dos pontos discutidos a definição do termo, a fim de demarcar um intervalo de tempo que
possa lhe definir (Castro, Aquino e Andrade, 2009). Máximo (2012) aponta o quão é recente a
discussão em torno da juventude, porém ainda há um número elevado de estudos que tem
como foco principal questões acerca da sexualidade, vulnerabilidade e riscos. Enquanto isso,
discussões a respeito da efetivação dos direitos dos jovens são bem limitadas.
Pessoa (2013) aponta o quanto a juventude ao longo do tempo é demarcada enquanto
uma fase de instabilidade e problemas sociais. No entanto, a autora compreende que a
juventude é construída por meio das relações sociais e que sofre influência do momento
histórico e cultural em que os sujeitos se encontram.
Em artigo de 2002, Abad propôs que a atuação do Estado frente à juventude se deu em quatro
fases. A primeira fase, que ocorreu entre 1940 e 1980, definiu-se pelo aumento da educação e uso do
tempo livre dos jovens. A segunda fase, de 1970 a 1985, foi voltada ao controle social das
mobilizações juvenis. A terceira fase, de 1985 a 2000, dedicou-se especialmente a enfrentar a pobreza
e prevenir o delito juvenil. Por fim, a quarta fase, de 1990 a 2000, se empenhou na inserção de jovens
no mercado de trabalho.
A década de 90 foi marcada por modificações na forma de se entender e de se
trabalhar a juventude na atuação estatal. A visão estatal do jovem como indivíduo
problemático e ameaçador, que necessitava ser controlado, foi lentamente substituída. Em seu
lugar, foi-se colocando a visão de um jovem que, enquanto sujeito de direito, demanda
políticas públicas voltadas para a promoção do seu bem-estar. Além disso, surgiu de forma
mais contundente a ideia de um jovem protagonista, cuja atuação nos diversos espaços sociais
não é apenas reconhecida, mas necessária (Brasil, 2013).
Num ponto importante do breve percurso histórico das políticas voltadas para a
juventude, a cartilha Políticas Públicas de Juventude cita a Lei 11.129/2005, que criou a
Secretaria Nacional de Juventude, o Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) e o Programa
Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem). Segundo o documento,
tal medida representou o marco de uma política nacional de juventude porque criava
um órgão responsável por coordenar e articular a política nacional, um conselho para
propor, acompanhar, avaliar programas e ações, e um programa voltado para a
inclusão de jovens (Brasil, 2013, p. 9).
No contexto atual das políticas para a juventude, observa-se a predominância da última fase
proposta por Abad (2002), visto que hoje o Estado demonstra uma preocupação crescente em investir
na formação profissional de jovens com a finalidade de inseri-los no mercado de trabalho (Brasil,
2013; IPEA, 2015).
É com esta proposta que surge o Programa Jovem Aprendiz, instituído através da lei
10.097/00, conhecida também como Lei da Aprendizagem (Brasil, 2000). O programa possui
como característica básica a inserção do jovem no mercado através de uma articulação entre
teoria e prática. Dessa forma, os jovens firmam com as empresas um contrato por tempo
determinado. Na vigência deste contrato, devem desempenhar atividades práticas nas
empresas ao mesmo tempo em que participam de uma formação teórica ministrada por uma
instituição formadora capacitada (Brasil, 2009).
A participação no Programa Jovem Aprendiz é exclusiva aos jovens com idade entre
14 e 24 anos, com exceção dos candidatos com deficiência física, para os quais o limite de
idade não se aplica. Visto que um dos objetivos do programa é promover a educação integral
do jovem, todos os participantes devem observar uma frequência mínima à escola, estando
sujeitos ao desligamento do programa em caso de não assiduidade (Brasil, 2009).
Cabe às instituições integrantes do Sistema Nacional de Aprendizagem, conhecido
também como Sistema S, o oferecimento de cursos de aprendizagem. No caso de superlotação
ou outras dificuldades que possam se impor à plena efetividade dessas instituições, a lei
autoriza as Escolas Técnicas e as Entidades Sem Fins Lucrativos com atividades voltadas para
a profissionalização a fornecer cursos de aprendizagem em caráter complementar (Brasil,
2000). É importante salientar que o atendimento a jovens em contexto de maior
vulnerabilidade social perfila entre as diretrizes gerais para as instituições formadoras, e o
ingresso de jovens no mesmo contexto perfila entre as diretrizes curriculares (Brasil, 2009).
Experiência de Estágio
Nesta seção pretendo trazer algumas reflexões sobre as atividades desenvolvidas, que
considero mais importantes a serem discutidas.
Assim que adentrei a instituição para desenvolver o estágio, haviam dois estagiários,
nos quais eu iria substituí-los, visto que seu período de estágio estava chegando ao fim. Nesse
momento me são repassadas as atividades que eram desenvolvidas as quais eu daria
sequência.
Quanto as atividades de acompanhamento individual apontavam dificuldades, já que
os jovens participavam da formação teórica durante quase todo o tempo em que estavam na
instituição. Sendo assim, foi preciso utilizar espaços de tempo entre as aulas, nos horários em
que havia pausa para lanche, para conversar com eles. A formação teórica conta com módulos
de português, matemática, humanas e noções sobre o trabalho como auxiliar administrativo.
Frente à importância dessas aulas para a formação escolar e profissional dos jovens, aliado ao
fato de que as aulas eram rotina da instituição, não era possível retirar os aprendizes de sala de
aula para realizar essas atividades. Desse modo, utilizamos da estratégia em se aproximar
mais dos jovens nos espaços de convivência tanto dentro da instituição, como fora.
Com o tempo esse acompanhamento foi enfraquecendo, pelos motivos que já foram
citados, como também, a partir da reflexão sobre novas possibilidades de estar mais próximo
dos/as jovens. Dessa forma, surge a oportunidade de realizar com mais frequência os
acompanhamentos nas empresas.
Percebi a importância desse momento, pois ao entrar em contato com o local de
trabalho daqueles/as jovens, percebendo as limitações, conhecendo seus/as colegas de
trabalho e supervisores, eu, de alguma forma, para aquele jovem, conseguiria entender melhor
suas demandas. A partir dessas visitas, os/as jovens me trouxeram inúmeros questionamentos
e queixas sobre o trabalho e até mesmo vida pessoal.
Para além das queixas, houve também a felicidade em ter o seu trabalho reconhecido.
Esse sentimento gerou uma ansiedade nos/as demais jovens, sobre o momento em que eu
também iria conhecer seus locais de trabalho.
A maior dificuldade encontrada nessa atividade foi à ida até as empresas. Inicialmente
iniciei as visitas sozinhas, mas a coordenadora do projeto achou melhor que minha
supervisora, a assistente social, fosse comigo nessas visitas. Isso dificultou, pois era bastante
difícil conciliar os horários disponíveis da assistente social com os meus, ocasionando em
poucas visitas por semana.
Considerações Finais
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