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Universidade Federal da Paraíba

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes


Departamento de Psicologia
Graduação em Psicologia

Mariana Pereira dos Santos Caldeira

RELATÓRIO FINAL DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO BÁSICO

João Pessoa
2017
Políticas públicas são entendidas como ações do Estado destinadas ao coletivo,
abrangendo todos os setores da gestão pública, como a saúde, educação, moradia, transporte,
assistência social, cultura e etc. O Estado não pode ser reduzido a uma única gestão pública,
ou um conjunto de órgãos públicos que concebem e implementam as políticas públicas. Isso
significa que as políticas públicas que apresentam resultados positivos devem ser mantidas
mesmo diante da mudança de uma gestão por outra (CRP-RJ, 2010; Höfling, 2001). As
políticas públicas são reflexo da organização da sociedade pautada na democracia (do grego
demos: povo; kratos: poder). Sendo assim, a população pode e deve participar na elaboração
das políticas públicas por meio da colocação de demandas sociais. É a partir dessas demandas
que o Estado irá elaborar e implementar as devidas ações para atendê-las (Marin & Bertarello,
2012; CRP-RJ, 2010).
A existência das políticas públicas enquanto atividade do Estado envolve a discussão a
respeito da política, do espaço público e das relações de poder entre os grupos na sociedade.
Definir política não é uma tarefa fácil, mas interessa saber que é necessário passar pela noção
de conflito e interesse para entender o que é a política, que ela está interessada no espaço
público, e que este espaço é entendido como sendo um produto da relação Estado-Sociedade
cuja delimitação é difícil de ser estabelecida (Abreu, 2008; Bobbio, 2000; Keinert, 2007).
Dentro da sociedade coexistem vários grupos que possuem interesses que podem conflitar ou
não, tais interesses irão afetar a esfera pública em maior ou menor grau, e cada grupo possui
certo poder (Reis, 2009), de modo que as relações entre eles deixam de ser plenamente
horizontais. É dentro desse contexto que se fazem necessárias as políticas públicas: o Estado
atua frente às desigualdades entre os grupos visando equilibrar as relações de poder na
sociedade por meio de várias estratégias.
O Programa Jovem Aprendiz (PJA) é uma das políticas públicas do Estado brasileiro
que surgiu no ano de 2000 como uma resposta do Ministério do Trabalho e do Emprego
(MTE) frente a duas demandas principais. As empresas estão buscando cada vez mais
indivíduos qualificados e com experiência profissional para poder assumir os postos de
trabalho, além disso, existe um grande número de jovens que não possuem qualificação e não
conseguem oportunidades para trabalhar e assim adquirir alguma experiência. Esses
problemas deram origem a um programa de formação técnico-profissional envolvendo
empresas e instituições de ensino no qual jovens, de idades entre 14 e 24 anos, participam de
atividades práticas e teóricas com o objetivo de proporcionar uma formação profissional
básica (Fontes, 2013; Brasil, 2009).
É dentro da temática das políticas públicas, especificamente pensando em uma política
voltada para a aprendizagem que é o PJA, que este trabalho se insere. A experiência que
norteou o desenvolvimento deste trabalho foi uma experiência de estágio realizada ao longo
de 8 meses numa instituição formadora do programa. Nosso objetivo é apontar e discutir
possibilidades para atuação em psicologia no PJA. Este tipo de trabalho pode contribuir para a
formação de profissionais na área das políticas públicas, uma vez que a discussão aqui
presente auxilia na construção de saberes e reflexões a respeito da prática nesse contexto.
Este trabalho conta com uma fundamentação teórica dividida em três partes: Psicologia
e políticas públicas; Políticas públicas em contextos de vulnerabilidade social; e o PJA como
política para juventude. Em seguida será apresentada a experiência de estágio dentro da qual
serão relatadas as principais atividades desenvolvidas. Posteriormente discutiremos a
execução e os desdobramentos dessas atividades. Por fim, algumas considerações finais a
respeito do tema.

Psicologia e políticas públicas

De maneira geral, a psicologia pode atuar dentro das políticas públicas nos processos
de formulação, acompanhamento e avaliação. Neste sentido a participação da psicologia pode
contribuir na medida em que os Direitos Humanos são respeitados e esse saber difundido. Por
exemplo, a psicologia pode contribuir para a formulação de uma política pública ao fornecer
conhecimentos sobre os sujeitos que irão participar dela (Gonçalves, 2011). Essa ideia se
relaciona com a participação popular na forma de demandas que aparecem no diálogo com
um psicólogo.
A atuação da psicologia em diversos espaços, incluindo o campo das políticas
públicas, envolve duas questões fundamentais: a visão de ser humano e a visão de mundo.
Esse primeiro ponto foi brevemente discutido no parágrafo acima, preocupar-se em pensar
nos sujeitos que vão usufruir de uma política pública reflete uma visão específica desses
indivíduos. Neste sentido a psicologia, nesse espaço, percebe o ser humano como um ser
autônomo, ativo na construção do seu meio social, dotado de uma subjetividade que se produz
nas relações com os outros e com o mundo (CFP, 2007).
O trabalho dos psicólogos nas políticas públicas deve ter como finalidade, segundo o
Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas - CREPOP (CFP, 2007), a
busca pela transformação social através da garantia dos direitos sociais. A psicologia pode
contribuir para o desenvolvimento da autonomia e cidadania dos indivíduos, e, portanto, as
práticas psicológicas não podem categorizar, patologizar e objetificar as pessoas atendidas.
É preciso entender e dialogar com as demandas do usuário, primeiramente para fugir
do modelo assistencialista, no qual o profissional acha que sabe o que é melhor para o
usuário. A respeito disso Catão (1981) comenta, de forma análoga, que “Quem sabe
exatamente onde está o problema da empresa são as próprias pessoas que a compõem” (p. 35).
Sendo assim, é necessário ouvir o sujeito participante do contexto no qual se quer intervir e,
juntamente com o saber do profissional, construir a chamada demanda planejada (CFP, 2007).
Uma das visões de mundo predominantes nesta área é a perspectiva sócio histórica de
Lev Vygotsky, que considera o ser humano e seu contexto indissociáveis numa relação
dialética. O mundo é produto da atividade humana, mas este, por sua vez, também influencia
os indivíduos em seu desenvolvimento (Rego, 1999). Essas ideias são fruto da influência do
marxismo dentro do pensamento vygotskyano. Marx e Engels, na sua visão sócio histórica
dos fenômenos, afirmam que não existem fenômenos isolados, eles ocorrem dentro de um
contexto de relações (Machado, 2012).
A partir dessa consideração fica evidente que o olhar sobre o contexto contribui para
uma percepção mais ampla dos fenômenos que não ocorrem de forma isolada ou em um
vácuo. As explicações que consideram apenas o indivíduo são importantes, mas não são
suficientes para explicar o comportamento social (Tajfel, 1982). Podemos fazer uso dessa
compreensão para refletir sobre as relações de poder desiguais na sociedade, descritas
anteriormente. Reis (2009) menciona que essas relações se constituem dentro de uma lógica
capitalista que produz a propriedade privada, diferenciando os indivíduos por meio da
estratificação em classes sociais. Gonçalves (2013) defende que a atuação da psicologia em
políticas públicas deve ser adotada tendo em vista a luta de classes na sociedade.
As seções seguintes aprofundarão a discussão sobre o contexto. A noção de
vulnerabilidade social é um produto das relações desiguais entre os grupos na sociedade, e a
aprendizagem dentro do contexto das políticas públicas para jovens é analisada a partir de
uma perspectiva histórica.

Políticas públicas em contextos de vulnerabilidade social

A vulnerabilidade social é um conceito amplo e, como tal, interessa a diversas áreas do


conhecimento. Destaca-se a definição trazida por Abromovay, Castro, Pinheiro, Lima &
Martinelli (2002), segundo a qual
a vulnerabilidade social é (...) o resultado negativo da relação entre a disponibilidade
dos recursos materiais ou simbólicos dos atores, sejam eles indivíduos ou grupos, e o
acesso à estrutura de oportunidades sociais, econômicas, culturais que provêm do
Estado, do mercado e da sociedade (p. 13).

Desta forma, o fenômeno da vulnerabilidade social atinge uma parcela significativa da


população brasileira, que tem o acesso negado ou extremamente reduzido a uma gama de bens
e serviços. As autoras destacam, ainda, que a impossibilidade de acesso a diversas
oportunidades dificulta a mobilidade social dos indivíduos e grupos desfavorecidos,
inserindo-os em um quadro de exclusão que se mantém ao longo do tempo (Abromovay e
cols., 2002).
O Atlas da Vulnerabilidade Social nos Municípios Brasileiros, relatório desenvolvido
pelo IPEA (2015), operacionaliza o conceito de vulnerabilidade social a partir de três
dimensões: estrutura urbana, capital humano e renda e trabalho. Cada uma dessas dimensões
se subdivide em indicadores. O relatório mostrou que, entre os anos de 2000 a 2010, o Índice
de Vulnerabilidade Social do Brasil foi reduzido em 27%. Entre as três dimensões que
compõem o Índice, a dimensão Renda e Trabalho foi a que sofreu maior redução. Esta
dimensão compreende, de maneira geral, a insegurança de renda e de precariedade nas
relações de trabalho.
Ainda na dimensão Renda e Trabalho, o relatório mostrou uma redução de todos os
indicadores, tais como: proporção de pessoas com renda domiciliar per capita igual ou inferior
a meio salário mínimo, taxa de desocupação da população de 18 anos ou mais de idade, taxa
de atividade das pessoas de 10 a 14 anos de idade, entre outros. A taxa de desocupação da
população de 18 ou mais anos de idade foi o indicador que mais evoluiu em todo o país, com
queda de 47% no período indicado (IPEA, 2015).
Os avanços descritos podem se justificar, dentre outros fatores, pelas modificações
sofridas no modelo assistencialista e autoritário de políticas que regia o país até a década de
80. A partir da Constituição de 1988, as políticas públicas foram crescendo significativamente
em número e importância ao longo dos anos. Contudo, destaca-se ainda hoje o papel
secundário ocupado por algumas políticas públicas predominantemente sociais, em
contraposição àquelas predominantemente econômicas. Essa diferença reflete os resquícios de
um processo inacabado, ainda pautado na verticalização, e teve consequências negativas no
desenvolvimento social do Brasil (Bacelar, 2003).
As políticas públicas são instrumentos de efetivação de direitos para toda a população.
Porém, é diante dos grupos em maior situação de vulnerabilidade social que essas políticas se
mostram mais urgentes (Abramovay, Castro, Pinheiro, Lima, Martinelli 2002; Gomes &
Pereira, 2005; Silva, 2010). Dessa forma, Ayres (2006) propõe que uma intervenção destinada
a reduzir essa vulnerabilidade social deve contemplar o acesso à educação, justiça, emprego,
cultura, mídia e lazer, bem como estimular a liberdade de pensamento, participação política e
cidadania. Nestes elementos, as políticas públicas ocupam um papel central, uma vez que não
se restringem à esfera individual, mas, antes, propõem uma atenção mais sistêmica, capaz de
compreender a multiplicidade de fatores que levam o indivíduo a uma situação desfavorável
(Silva, 2010).

O programa Jovem Aprendiz: uma política para a juventude

A juventude vem sendo bastante estudada e discutida nos últimos anos, tendo como
um dos pontos discutidos a definição do termo, a fim de demarcar um intervalo de tempo que
possa lhe definir (Castro, Aquino e Andrade, 2009). Máximo (2012) aponta o quão é recente a
discussão em torno da juventude, porém ainda há um número elevado de estudos que tem
como foco principal questões acerca da sexualidade, vulnerabilidade e riscos. Enquanto isso,
discussões a respeito da efetivação dos direitos dos jovens são bem limitadas.
Pessoa (2013) aponta o quanto a juventude ao longo do tempo é demarcada enquanto
uma fase de instabilidade e problemas sociais. No entanto, a autora compreende que a
juventude é construída por meio das relações sociais e que sofre influência do momento
histórico e cultural em que os sujeitos se encontram.
Em artigo de 2002, Abad propôs que a atuação do Estado frente à juventude se deu em quatro
fases. A primeira fase, que ocorreu entre 1940 e 1980, definiu-se pelo aumento da educação e uso do
tempo livre dos jovens. A segunda fase, de 1970 a 1985, foi voltada ao controle social das
mobilizações juvenis. A terceira fase, de 1985 a 2000, dedicou-se especialmente a enfrentar a pobreza
e prevenir o delito juvenil. Por fim, a quarta fase, de 1990 a 2000, se empenhou na inserção de jovens
no mercado de trabalho.
A década de 90 foi marcada por modificações na forma de se entender e de se
trabalhar a juventude na atuação estatal. A visão estatal do jovem como indivíduo
problemático e ameaçador, que necessitava ser controlado, foi lentamente substituída. Em seu
lugar, foi-se colocando a visão de um jovem que, enquanto sujeito de direito, demanda
políticas públicas voltadas para a promoção do seu bem-estar. Além disso, surgiu de forma
mais contundente a ideia de um jovem protagonista, cuja atuação nos diversos espaços sociais
não é apenas reconhecida, mas necessária (Brasil, 2013).
Num ponto importante do breve percurso histórico das políticas voltadas para a
juventude, a cartilha Políticas Públicas de Juventude cita a Lei 11.129/2005, que criou a
Secretaria Nacional de Juventude, o Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) e o Programa
Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem). Segundo o documento,

tal medida representou o marco de uma política nacional de juventude porque criava
um órgão responsável por coordenar e articular a política nacional, um conselho para
propor, acompanhar, avaliar programas e ações, e um programa voltado para a
inclusão de jovens (Brasil, 2013, p. 9).

No contexto atual das políticas para a juventude, observa-se a predominância da última fase
proposta por Abad (2002), visto que hoje o Estado demonstra uma preocupação crescente em investir
na formação profissional de jovens com a finalidade de inseri-los no mercado de trabalho (Brasil,
2013; IPEA, 2015).
É com esta proposta que surge o Programa Jovem Aprendiz, instituído através da lei
10.097/00, conhecida também como Lei da Aprendizagem (Brasil, 2000). O programa possui
como característica básica a inserção do jovem no mercado através de uma articulação entre
teoria e prática. Dessa forma, os jovens firmam com as empresas um contrato por tempo
determinado. Na vigência deste contrato, devem desempenhar atividades práticas nas
empresas ao mesmo tempo em que participam de uma formação teórica ministrada por uma
instituição formadora capacitada (Brasil, 2009).
A participação no Programa Jovem Aprendiz é exclusiva aos jovens com idade entre
14 e 24 anos, com exceção dos candidatos com deficiência física, para os quais o limite de
idade não se aplica. Visto que um dos objetivos do programa é promover a educação integral
do jovem, todos os participantes devem observar uma frequência mínima à escola, estando
sujeitos ao desligamento do programa em caso de não assiduidade (Brasil, 2009).
Cabe às instituições integrantes do Sistema Nacional de Aprendizagem, conhecido
também como Sistema S, o oferecimento de cursos de aprendizagem. No caso de superlotação
ou outras dificuldades que possam se impor à plena efetividade dessas instituições, a lei
autoriza as Escolas Técnicas e as Entidades Sem Fins Lucrativos com atividades voltadas para
a profissionalização a fornecer cursos de aprendizagem em caráter complementar (Brasil,
2000). É importante salientar que o atendimento a jovens em contexto de maior
vulnerabilidade social perfila entre as diretrizes gerais para as instituições formadoras, e o
ingresso de jovens no mesmo contexto perfila entre as diretrizes curriculares (Brasil, 2009).

Experiência de Estágio

As atividades foram realizadas entre agosto de 2016 a junho de 2017, mediante


contrato de estágio curricular com a instituição. O trabalho desenvolvido no Projeto Beira da
Linha teve como principais atividades desenvolvidas: acompanhamento individual com os
jovens; rodas de diálogo e aulas temáticas; participação nas reuniões com os/as familiares e
visitas às empresas.

Acompanhamento individual com os jovens


Os acompanhamentos individuais eram realizados com o objetivo de conhecer mais
sobre a vida de cada jovem, estabelecer vínculos de forma mais individual, proporcionar um
espaço no qual os jovens pudessem expor demandas e atuar em cima delas. Para isso, foi
utilizado um roteiro de entrevista semiestruturada contendo perguntas relacionadas à família,
escola (para os que ainda estudavam), trabalho, participação nas aulas teóricas da instituição
formadora e planos para o futuro.
Esses momentos aconteciam em um espaço cedido pela instituição no dia em que eles
atendiam à formação teórica. Os jovens com maior tempo de participação no PJA e que
tinham tido pouco contato conosco em outros espaços eram chamados primeiro. Cada diálogo
com um jovem durava cerca de 15 minutos e se dividia em três momentos: Inicialmente
explicávamos o procedimento, em seguida realizávamos a entrevista e ao final nos
colocávamos a disposição afirmando que eles podiam nos procurar em qualquer outro
momento do expediente de estágio. Esses acompanhamentos eram realizados, em média, com
dois aprendizes, que eram chamados em sequência. A partir das informações coletadas,
relatávamos o que nos foi dito em fichas individualizadas para que pudéssemos acessar as
informações em outros momentos e intervir, a posteriori, naquilo que fosse necessário.
Essa atividade foi realizada com um número considerável de jovens, mas não
compreendendo todos os aprendizes da instituição. Inicialmente eles demonstravam apreensão
em participar da atividade, mas rapidamente compreendiam suas motivações e objetivos e
mudavam sua postura. Para produção das fichas individuais também utilizamos informações
coletadas em outros momentos, como em conversas informais tanto dentro como fora da
instituição.
Rodas de diálogo e aulas temáticas
As rodas de diálogo foram propostas a partir da necessidade que sentimos em nos
aproximar dos jovens e também torna-los mais próximos de nós e entre si. As aulas temáticas,
por sua vez, foi proposta pela assistente social da ONG e foram acatadas pela possibilidade de
haver articulação entre essa prática e nossos objetivos enquanto estagiários de psicologia.
Ambas as atividades tiveram como objetivos: proporcionar reflexão sobre diversos temas
sugeridos por nós e também pelos próprios jovens; formar e fortalecer vínculos entre
estagiários e jovens aprendizes e também entre eles; oferecer um espaço no qual os jovens
pudessem se expressar de várias maneiras em relação aos temas trabalhados, compartilhando
ideias e experiências de vida.
Para desenvolver as rodas de diálogo utilizamos um espaço físico cedido pela
instituição em um horário estabelecido em acordo com a instituição e com os jovens. Nesses
espaços tivemos um contato inicial com eles a partir de aspectos gerais como o trabalho que
executavam e sua participação na instituição formadora. Foram utilizados diversos recursos
materiais e metodológicos, como cartolinas de cores diferentes, dinâmicas e espaços de
discussão para fortalecer a interação e promover reflexão. Para as aulas temáticas utilizamos o
espaço de sala de aula da instituição formadora, nos horários regulares da aprendizagem e em
datas específicas dentro do módulo de formação humana proposto pelo MTE. O módulo foi
composto por seis temas, dos quais três foram ministrados pela assistente social e três por nós,
que foram abordados em seis dias diferentes. Para as aulas utilizamos recursos audiovisuais,
promovemos espaços de discussão e atividades no qual eles precisavam se expressar o que
pensavam sobre os temas.
Os temas trabalhados foram: “Direitos Humanos” e “Educação para o Consumo”.

Participação nas reuniões com os/as familiares


A ONG, a fim de manter o vínculo com as famílias dos Jovens Aprendizes, organiza
uma reunião a cada dois meses. Esse momento tinha como característica fortalecer essa
parceria entre ONG e famílias, já que também eram colocados, para aqueles/as que pudessem,
a importância de disponibilizar um dia para ser voluntário/a no Beira da Linha.
A participação da Psicologia nesse encontro era em mediar essas relações e estar mais
próximo das famílias, podendo também tirar alguma dúvida sobre o processo de formação dos
seus/as respectivos/as.
Visitas às empresas
Dentre as ações desenvolvidas pela Psicologia, destacam-se também as visitas
realizadas às empresas em que os aprendizes cumpriam as atividades práticas. Essas visitas
possuem ao menos quatro objetivos principais. Em primeiro lugar, visam fortalecer a parceria
entre a empresa e a instituição formadora, visto que colaboram para uma comunicação mais
direta entre as partes. Em segundo lugar, visam conhecer algumas das atividades
desempenhadas pelos jovens no espaço de trabalho. Esse conhecimento é complementar aos
relatos trazidos pelo próprio jovem dentro da instituição formadora. Em terceiro lugar, visam
identificar as principais demandas que surgem na relação empresa-aprendiz e reforçar o
compromisso da instituição formadora no atendimento a essas demandas. Em quarto e último
lugar, visam intervir de forma direta, à medida que conscientizam o jovem sobre seus direitos
e deveres e orientam as empresas quanto à política de aprendizagem.
Inicialmente, as empresas selecionadas para visitação foram contatadas por telefone e
as visitas foram agendadas. Posteriormente, os estagiários de psicologia, juntamente com a
assistente social da instituição, dirigiram-se aos locais via transporte público. Em todas as
empresas que visitamos, nossa equipe foi recebida pelo supervisor diretamente responsável
pelos aprendizes. Nas ocasiões em que foi possível, a visita foi composta por três momentos:
um inicial, em que nos apresentávamos como estagiários de psicologia da instituição e
conversávamos com o supervisor dos aprendizes acerca do andamento do processo de
aprendizagem; um intermediário, em que conhecíamos o espaço físico da empresa; e um final,
em que conversávamos com o jovem aprendiz a sós ou acompanhado do supervisor.
Fomos recebidos de forma positiva pelas empresas com as quais estabelecemos
contato dentro desse período. Foi possível conversar também com os jovens e registrar as
visitas por meio de fotografias e relatos escritos.
De maneira geral buscamos, com as visitas, reforçar a importância do Programa Jovem
Aprendiz para os supervisores, informando sobre as razões para a existência do programa e
sobre suas contribuições para o desenvolvimento juvenil. Também buscamos dar apoio aos
jovens, sinalizando interesse em acompanhar o processo de aprendizagem e nos colocando à
disposição para que eles pudessem conversar sobre suas experiências de trabalho a partir de
aspectos positivos e negativos. As visitas não apenas possibilitaram a fundamental articulação
entre as empresas e a instituição formadora, como também trouxeram um entendimento mais
completo da situação dos aprendizes em seus espaços de atuação.
Discussão das atividades

Nesta seção pretendo trazer algumas reflexões sobre as atividades desenvolvidas, que
considero mais importantes a serem discutidas.
Assim que adentrei a instituição para desenvolver o estágio, haviam dois estagiários,
nos quais eu iria substituí-los, visto que seu período de estágio estava chegando ao fim. Nesse
momento me são repassadas as atividades que eram desenvolvidas as quais eu daria
sequência.
Quanto as atividades de acompanhamento individual apontavam dificuldades, já que
os jovens participavam da formação teórica durante quase todo o tempo em que estavam na
instituição. Sendo assim, foi preciso utilizar espaços de tempo entre as aulas, nos horários em
que havia pausa para lanche, para conversar com eles. A formação teórica conta com módulos
de português, matemática, humanas e noções sobre o trabalho como auxiliar administrativo.
Frente à importância dessas aulas para a formação escolar e profissional dos jovens, aliado ao
fato de que as aulas eram rotina da instituição, não era possível retirar os aprendizes de sala de
aula para realizar essas atividades. Desse modo, utilizamos da estratégia em se aproximar
mais dos jovens nos espaços de convivência tanto dentro da instituição, como fora.
Com o tempo esse acompanhamento foi enfraquecendo, pelos motivos que já foram
citados, como também, a partir da reflexão sobre novas possibilidades de estar mais próximo
dos/as jovens. Dessa forma, surge a oportunidade de realizar com mais frequência os
acompanhamentos nas empresas.
Percebi a importância desse momento, pois ao entrar em contato com o local de
trabalho daqueles/as jovens, percebendo as limitações, conhecendo seus/as colegas de
trabalho e supervisores, eu, de alguma forma, para aquele jovem, conseguiria entender melhor
suas demandas. A partir dessas visitas, os/as jovens me trouxeram inúmeros questionamentos
e queixas sobre o trabalho e até mesmo vida pessoal.
Para além das queixas, houve também a felicidade em ter o seu trabalho reconhecido.
Esse sentimento gerou uma ansiedade nos/as demais jovens, sobre o momento em que eu
também iria conhecer seus locais de trabalho.
A maior dificuldade encontrada nessa atividade foi à ida até as empresas. Inicialmente
iniciei as visitas sozinhas, mas a coordenadora do projeto achou melhor que minha
supervisora, a assistente social, fosse comigo nessas visitas. Isso dificultou, pois era bastante
difícil conciliar os horários disponíveis da assistente social com os meus, ocasionando em
poucas visitas por semana.
Considerações Finais

Falar a respeito das políticas públicas é compreendê-las como processos complexos, os


quais exigem a investigação através de múltiplos olhares. Nesse contexto o olhar da
psicologia assume um papel fundamental, visto que não se restringe a atuar de forma técnica
nas diversas etapas em que se efetiva uma política pública, mas também contribui com
propostas e reflexões teórico-metodológicas para entender e trabalhar com diversos aspectos
dos fenômenos sociais.
Entretanto, temos ainda um longo caminho a percorrer no tocante à inserção efetiva da
psicologia nas políticas públicas. Conforme discutido anteriormente, esse espaço ainda não
está bem delimitado, o que leva muitas vezes ao cerceamento da ação da psicologia ao âmbito
individual e à perspectiva clínica. Esses fatos se colocam como desafios tanto aos
profissionais que irão seguir pela área de políticas públicas quanto às instituições que irão
recebê-los, num esforço conjunto de valorização da psicologia.
Dentre as atividades que já se mostram possíveis para uma atuação psicossocial no
PJA, destaca-se a promoção do pensamento crítico e da reflexão nos aprendizes. A
aproximação horizontal e o contato com suas histórias de vida constituem ferramentas para o
protagonismo desses jovens, etapa em que se reconhecem como agentes do seu próprio futuro.
Acredito que o trabalho de anos com politicas publica deva ser árduo e difícil, visto
que a rede ainda é muito falha e o estado extremamente ausente. Essa angústia de “pés
atados” nos frustra e por vezes nos coloca em situações das quais é preciso nos reinventar e
desenvolver estratégias que nem sempre serão compreendidas.
Durante o meu estágio compreendi esse sentimento. Inúmeras vezes julguei, as
atitudes que foram tomadas pelas profissionais da ONG, que eu acreditava estar errada.
Carreguei comigo sentimentos de raiva, pois achava que não se era feito por falta de
conhecimento ou conformismo de que certas realidades não poderiam ser mudadas.
Compreendo que por vezes nos sentimos incapazes de ir contra um sistema tão cruel que
marginaliza e põe no esquecimento determinados sujeitos.
No entanto, ao visualizar tantas mudanças e emponderamento que os/as jovens
aprendizes do Projeto Beira da Linha desenvolveram, retomo as forças de luta por dias mais
justos e igualitários. E acredito na Psicologia como importante nesse processo.
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Anexos

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