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University Conference [Con- ialética da Biolo-

Richard Levins e Richard Lewontin


ferência para uma Nova Uni- gia: ensaios mar-
versidade]. xistas sobre eco-
No presente volume, Levins logia, agricultura e saúde
e Lewontin ressaltam a con- reúne um conjunto de ensaios
vicção de que o envolvimen- de dois renomados cientistas
to militante e, em especial, estadunidenses sobre a dialé-
a relação com a tradição de tica da relação entre ciência
pensamento marxista tive- e humanidade, natureza e
ram efeitos positivos em suas cultura, biologia e sociedade,
atividades científicas, tendo Richard Levins e Richard Lewontin
intelectualidade acadêmica e
a dialética como um de seus Por um lado, a ciência é o desenvolvimento genérico do ativismo político.

A DIALÉTICA
principais fundamentos. conhecimento humano ao longo de milênios, porém, por Richard Levins (1930-2016)
Em contraposição a uma su- outro, é um produto cada vez mais mercantilizado da in- foi professor na Cornell Uni-

DA BIOLOGIA

A DIALÉTICA DA BIOLOGIA
posta neutralidade científica – dústria capitalista do conhecimento. O resultado é um versity, na Columbia Univer-
defendida por aqueles que tra- desenvolvimento peculiarmente desigual: crescente so- sity e na Harvard T. H. Chan
balham para manter a ordem e fisticação ao nível do laboratório e de projetos de pes- School of Public Health e de-
pelos seus financiadores – eles quisa, ao lado de uma também crescente irracionalidade
senvolveu contribuições nas
demonstram como a relação do empreendimento científico em seu conjunto. [...] Ensaios marxistas sobre ecologia,
áreas de ecologia, genética de
entre ciência e sociedade e a agricultura e saúde
Isso significa que temos que nos envolver em duas fren- populações, biomatemática e
crítica ao modo de produção tes de luta: 1) na oposição à anticiência obscurantista [...] filosofia da ciência, além de
capitalista é fundamental para também na rejeição ao cientificismo, a noção segundo a ser um crítico do agronegócio
se compreender os desequi- qual as ideias dos outros povos seriam superstição, en- e promotor da agroecologia;
líbrios na natureza e as suas quanto as nossas estão amplamente apoiadas em co- Richard Lewontin (1929-
consequências como as mu- nhecimento objetivo confirmado por números. 2021) ocupava a cátedra Ale-
danças climáticas, a infestação xander Agassiz de Zoologia na
de pragas em lavouras, o sur- Richard Levins e Richard Lewontin Harvard University e se des-
gimento de novas doenças etc. tacou por sua crítica bastante
Este livro, que inaugura a fundamentada a muitas pro-
série Ecologia Marxista da posições científicas de cunho
Expressão Popular, é de fun- racista. Eles desenvolveram
damental importância para pesquisas sobre diversidade
o conjunto de estudantes, das populações humanas e
cientista e docentes da área teoria evolutiva que se tor-
das Ciências Naturais e para naram clássicos nessa área.
todos aqueles preocupados 9 786558 910749 Além disso, foram militan-
em compreender a catástrofe tes nos movimentos Science
ambiental que o capitalismo for the People [Ciência para
produziu e empenhados em o Povo], Science for Vietnam
preservar a vida. [Ciência para o Vietnã], New
DIALÉTICA DA
BIOLOGIA
Ensaios marxistas sobre
ecologia, agricultura e saúde

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RICHARD LEWONTIN E RICHARD LEVINS

DIALÉTICA DA
BIOLOGIA
Ensaios marxistas sobre
ecologia, agricultura e saúde

Tr a dução
Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento
e Ritmos Biológicos da Universidade de São Paulo

1ª edição

EXPRESSÃO POPULAR

São Paulo • 2022

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Copyright Monthly Review Press
Copyright desta edição© 2022, by Editora Expressão Popular Ltda.
Richard Lewontin and Richard Levins. Biology Under the Influence –
Dialectical Essays on Ecology, Agriculture and Health. New York: Monthly
Review Press, 2007.
Coordenação de tradução: Luiz Menna-Barreto e Nelson Marques
Equipe de tradução: Adriana Tufaile. Adriana Yoko Sasatani, Alberto Tu-
faile, Antonio Takao, Bruna Del Vechio Koike, Cris Juciara, Evany Bettine,
John Fontenele Araújo, Luiz Menna-Barreto, Maria Cristina de Lucca,
Mário Miguel , Nelson Marques, Robson Silva, Rúbia Mendes, Ruy Soares
e Vania Agostinho
Produção editorial: Miguel Yoshida
Revisão: Aline Piva e Lia Urbini
Projeto gráfico e diagramação: Zap Design
Capa: Rafael Stédile

Todos os direitos reservados.


Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada
ou reproduzida sem a autorização da editora.

1a edição: setembro de 2022

EXPRESSÃO POPULAR
Rua Abolição, 197 – Bela Vista
CEP 01319-010 – São Paulo – SP
Tel: (11) 3112-0941 / 3105-9500
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ed.expressaopopular
editoraexpressaopopular

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SUMÁRIO

Nota dos tradutores.................................................................................................. 9


Apresentação.......................................................................................................... 11
Maíra Tavares Mendes e Victor Marques
Introdução............................................................................................................. 15

PARTE I
O fim da História Natural?.................................................................................... 21
O retorno de velhas doenças e o aparecimento das novas....................................... 27
Falsas dicotomias................................................................................................... 35
Acaso e necessidade................................................................................................ 41
Organismo e ambiente........................................................................................... 47
O biológico e o social............................................................................................. 53
Quão diferentes são as ciências naturais e sociais?.................................................. 59
Alguma coisa nova já aconteceu?............................................................................ 65
A vida em outros mundos...................................................................................... 71
Nós somos programados?.......................................................................................77
Psicologia evolutiva................................................................................................ 85
Deixe os números falarem...................................................................................... 91
A política das médias.............................................................................................99
A Lei de Schmalhausen........................................................................................ 105
Um programa para a Biologia.............................................................................. 113

PARTE DOIS
Dez proposições sobre ciência e anticiência.......................................................... 123
Dialética e Teoria de Sistemas.............................................................................. 139
Aspectos das totalidades e das partes em Biologia das Populações....................... 169

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Estratégias de abstração....................................................................................... 199
A borboleta ex Machina........................................................................................ 221
Educando a intuição para lidar com a complexidade........................................... 241
Preparando para a incerteza................................................................................. 259

PARTE TRÊS
Greypeace............................................................................................................ 283
Genes, ambiente e organismos............................................................................. 285
O sonho do genoma humano............................................................................... 303
A cultura evolui?.................................................................................................. 341
O capitalismo é uma doença? A crise na saúde pública dos EUA......................... 379
Ciência e progresso: sete mitos desenvolvimentistas na agricultura......................407
Amadurecimento da agricultura capitalista: o agricultor como proletário............ 417
Como Cuba aderiu à ecologia.............................................................................. 433
Vivendo a 11ª tese................................................................................................ 459

Referências........................................................................................................... 471

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Cinco cubanos estão cumprindo longas sentenças
nas prisões dos EUA por monitorar as atividades
de grupos terroristas cubanos emigrados em
Miami. De suas celas, eles têm sido ativos tanto
na ajuda para tornar a vida na prisão mais supor-
tável para os outros detentos de sua comunidade
próxima quanto na participação integral na vida
da Revolução Cubana. Admiramos sua firmeza
e criatividade na resistência, e dedicamos este
livro a Antonio Guerrero, Fernando González,
René González, Gerardo Hernández e Ramón
Labañino, e a todos aqueles ao redor do mundo
que estão lutando por sua libertação.1

1
Quando o livro foi originalmente publicado, em 2007, foi dedicado aos “cinco heróis
cubanos”: membros dos serviços de inteligência de Cuba que foram presos enquanto
monitoravam, na comunidade cubano-estadunidense em Miami, atividades de grupos
terroristas contrarrevolucionários, responsáveis por colocar bombas em aviões e hotéis.
Todos já foram liberados e retornaram a Cuba. Em 2020 a Netflix lançou um filme – “Redes
de espiões” (Wasp Network) – sobre a história dos cinco cubanos, estrelado por Wagner
Moura, Penelope Cruz e Gael Garcia Bernal. (N.E.)

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NOTA DOS TRADUTORES

Richard Lewontin, um pioneiro da biologia evolutiva, crítico radical


do racismo científico e do determinismo genético, geneticista e matemá-
tico e ativista social, faleceu em 4 de julho de 2021, aos 92 anos (New
Scientist, July 5, 2021). Em menos de dois anos, passamos de uma alegria
e satisfação imensas, por sua imediata e efusiva aprovação de traduzirmos
e publicarmos sua obra em língua portuguesa, ao sentimento de tristeza.
Nestes dois anos de trabalho rigoroso gostaríamos de ter podido entregar
ao fim deste tempo, dezembro de 2021, a sua obra Dialética da biologia:
ensaios marxistas sobre ecologia, agricultura e saúde. Infelizmente para ele
e para nós, suas condições de saúde se agravaram nos últimos meses e ele
acabou não resistindo, falecendo apenas três dias depois do passamento
da sua esposa de muitos anos, Mary Jane.
O livro que você tem em mãos, trata de temas fundamentais da
pesquisa biológica, relevante tanto do ponto de vista de sua funda-
mentação, quanto das proposições e demonstração da importância
da atuação política dos próprios cientistas. Richard Charles Lewontin
foi um biólogo evolutivo e crítico de muitas proposições científicas de
cunho racista. Lewontin nasceu em New York City, New York, em 29
de março de 1929. Richard “Dick” Levins, falecido em Massachusetts,
EUA, em 19 de janeiro de 2016, havia nascido em 1º. de junho de 1930
no Brooklyn, New York, com heranças ucraniana e judia. “Dick” partiu
do trabalho em sua própria terra, em Porto Rico, junto com sua esposa

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10 NELSON MARQUES E LUIZ MENNA-BARRETO

Rosario Morales, no início dos anos 1950, depois de ser “listado” por
atividades antiamericanas, ainda quando estudante na Cornell, para se
transformar num ecologista, geneticista de populações, biomatemático
e filósofo da ciência.
Os dois Richards, Lewontin e Levins, desenvolveram pesquisas na
área da diversidade das populações humanas e teoria evolutiva, publican-
do trabalhos seminais, hoje transformados em clássicos, e de referência
constante. Importante destacar que ao lado da sua atuação política, foram
acadêmicos também atuantes, Levins na Cornell University (na área da
agricultura e matemática), Columbia University e, até o seu falecimento,
na Harvard School of Public Health; Lewontin na Columbia University,
University of Chicago e na Harvard University, onde ocupou a cátedra
Alexander Agassiz Professor of Zoology and Biology, até 1998.
Os seus trabalhos acadêmicos percorreram os campos da genética
de populações, diversidade da genética humana, biologia e modelagem e
muito em implicações sociais da biologia. As suas críticas, de Lewontin
e Levins, giram em torno da biologia evolutiva, sociobiologia, psicologia
evolutiva e sobre as questões econômicas e sociais do agronegócio. Mui-
tos de seus trabalhos foram reunidos nos dois livros de coleção temática
de ensaios: The Dialectical Biologyst, publicado em 1985, pela Harvard
University Press e no Biology Under the Influence, publicado pela Monthly
Review Press, em 2007, e que agora, você leitor, tem essa obra em portu-
guês, publicada pela Expressão Popular.
Como demonstração clara de seu envolvimento crítico com os afa-
zeres acadêmicos e sociais, há um aspecto pouco conhecido de ambos,
que é a publicação sob o pseudônimo de Isadore Nabi, de uma série de
trabalhos satíricos criticando a sociobiologia, a modelagem de sistemas
em ecologia e muitos outros tópicos.
Todos os responsáveis por esta tradução em português – coordena-
dores, colaboradores e editores – externam aqui o seu sentimento de
pesar e constrição.

Nelson Marques e Luiz Menna-Barreto,


em nome da equipe de tradutores
Julho de 2022

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APRESENTAÇÃO

Maíra Tavares Mendes e Victor Marques1

C hega em boa hora a publicação no Brasil deste conjunto de ensaios


que abordam a dialética da relação entre ciência e humanidade,
natureza e cultura, economia e política, intelectualidade acadêmica e
ativismo político. As reflexões de Richard Levins e Richard Lewontin,
dois biólogos conscientemente influenciados pelo marxismo, ganham uma
extraordinária atualidade em um momento em que a crise sanitária da
pandemia se entrelaça com uma crise econômica e social, mostrando o
insuperável enredamento entre biologia e sociedade.
Tanto Levins quanto Lewontin ganharam renome e reconhecimen-
to por trabalhos técnicos pioneiros em suas áreas de especialização.
Lewontin, aluno de Theodosius Dobzhansky, foi vanguarda nos estudos
de evolução molecular, autor de artigos que revolucionaram a genética
de populações e pioneiro no uso de simulação computacional e técnicas
de eletroforese para estudos de loci genéticos polimórficos. É coautor dos
principais manuais de referência em análise genética moderna. Levins,
por sua vez, contribuiu de forma inovadora para o campo da ecologia

1
Maíra T. Mendes é bióloga formada pela USP, com mestrado e doutorado em Educação.
É docente do curso de licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Estadual de
Santa Cruz (UESC) e cofundadora da Rede Emancipa. Victor Marques é formado em
Ciências Biológicas pela USP, professor de filosofia da ciência na Universidade Federal do
ABC (UFABC) e diretor editorial da revista Jacobin Brasil.

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12 MAÍRA TAVARES MENDES E VICTOR MARQUES

matemática, inaugurando a teoria de metapopulações e oferecendo novos


recursos formais para a modelagem de evolução populacional em ambien-
tes em transformação. Por suas pesquisas com modelos epidemiológicos,
Levins, que faleceu em 2016, ocupou até o fim da vida uma cátedra de
professor na Escola da Saúde Pública da Universidade de Harvard – a
mesma universidade em que Lewontin ocupou a cátedra Alexander
Agassiz de Zoologia.
Como pesquisadores destacados, ambos foram convidados a ingressar
na prestigiada Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos –
Lewontin renunciou ao posto, Levins não chegou a aceitá-lo. Era uma
forma de protesto contra o envolvimento da Academia em pesquisa
militar relacionada à guerra do Vietnã. Influenciados pelas lutas tra-
vadas no final dos anos 1960 – o ativismo estudantil contra a guerra,
o antirracismo do movimento pelos direitos civis, a luta feminista e as
lutas anticoloniais – Levins e Lewontin se entendiam não apenas como
cientistas e acadêmicos, mas também como militantes. Ambos partici-
param ativamente do movimento “Ciência para o povo”. Já no primeiro
volume da revista do movimento, de 1970, consta um artigo de autoria
de Lewontin: uma crítica bastante atual às tentativas ideológicas de jus-
tificar as desigualdades sociais a partir de uma suposta natureza biológica
inata – tema que Lewontin continuaria desenvolvendo em livros como
Not in Our Genes e Biologia como ideologia.
O envolvimento de Levins com a política radical vem ainda de mais
longe: no ensaio autobiográfico “Vivendo a Tese 11”, ao final deste livro,
Levins dá a entender que aprendeu sobre socialismo no colo dos pais,
crescendo em um bairro de classe trabalhadora e em uma família de
militantes marxistas. Levins se casa também com uma ativista, Rosario
Morales, de origem porto-riquenha, com quem se muda para Porto Rico
em 1951, onde vivem como agricultores e participam ativamente do
movimento camponês e do movimento independentista. Esse período
de mais de uma década em que viveram por lá, marcou a política de
Levins com uma forte orientação latino-americanista e o dotou do que
chama de uma “consciência anti-imperialista”, que se expressa também
em sua relação de solidariedade com Cuba. Levins fez visitas regulares
à ilha desde 1964, quando foi pela primeira vez a Cuba para contribuir

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APRESENTAÇÃO 13

com o desenvolvimento da pesquisa biológica no país, ainda nos primei-


ros anos da revolução. Durante o período especial, na década de 1990,
Levins contribuiu diretamente para a transição ecológica em Cuba, um
episódio fascinante belamente descrito em um dos capítulos deste livro.
Tanto neste volume como na coletânea anterior que publicaram
conjuntamente, The Dialectical Biologist [O biólogo dialético] (de 1985),
Levins e Lewontin ressaltam a convicção de que o envolvimento mili-
tante e, em especial, a relação com a tradição de pensamento marxista
tiveram efeitos positivos em suas atividades científicas. Levins costumava
dizer que se inspirou nos Grundrisse de Marx para escrever seu trabalho
clássico, Evolution in Changing Environments [Evolução em ambientes em
mudança]. Contudo, a aplicação das lições dialéticas que aprenderam de
Marx nunca foi rígida ou dogmática, como nos velhos manuais sovié­
ticos. Por dialética, entendiam uma visão relacional, antireducionista,
que enfatize o caráter processual dos fenômenos materiais, assim como
a própria historicidade das teorias científicas, e que chame atenção para
a interconexão universal das dinâmicas da natureza, assim como sua
organização em níveis integrativos de diferentes escalas. Nesse sentido,
a dialética nos ajuda na tarefa urgente de compreender “a complexidade
como o problema intelectual central do nosso tempo” – com suas impli-
cações epistemológicas, éticas e políticas.
Fomos, em nossa formação de biólogos, profundamente influenciados
pela seriedade intelectual e postura crítica engajada expressa na fértil
parceria dessa dupla de autores e amigos. A chegada, enfim, de uma
edição brasileira da obra possibilita um salto de qualidade na formação
de estudantes, cientistas e docentes, que agora têm mais elementos para
ousar ir além da hegemonia de uma visão de ciência que é cúmplice das
injustiças da nossa época e refém de amarras ideológicas que constran-
gem o pensamento.
Para além dos estudiosos da vida orgânica, todas as pessoas interes-
sadas em ferramentas úteis para a compreensão da natureza, da ciência,
da política – assim como de suas relações mútuas – a partir de bases
dialéticas, sejam elas cientistas de outras áreas, ambientalistas, intelec-
tuais críticos ou militantes, encontrarão neste livro uma indispensável
contribuição.

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INTRODUÇÃO1

D ialética da biologia é uma coleção de ensaios nossos construídos


em torno do tema geral da natureza dual da ciência. Por um lado,
a ciência é o desenvolvimento genérico do conhecimento humano ao
longo de milênios, porém, por outro, é um produto cada vez mais mer-
cantilizado da indústria capitalista do conhecimento. O resultado é um
desenvolvimento peculiarmente desigual: crescente sofisticação ao nível
do laboratório e de projetos de pesquisa, ao lado de uma também cres-
cente irracionalidade do empreendimento científico em seu conjunto.
Isso resulta em um padrão de discernimento e cegueira, conhecimento
e ignorância, que não é ditado pela natureza, deixando-nos impotentes
no enfrentamento dos grandes problemas que afligem nossa espécie. Essa
natureza dual nos dá uma ciência impelida – tanto por seu desenvolvi-
mento interno quanto pelos variados resultados de suas aplicações – a
compreender a complexidade como o problema intelectual central do
nosso tempo. Entretanto, esse movimento é bloqueado pela tradição
filosófica do reducionismo, pela fragmentação institucional da pesquisa
e pela economia política do conhecimento como mercadoria.
Isso significa que temos que nos envolver em duas frentes de luta: 1)
na oposição à anticiência obscurantista, que abrange desde as manipu-

1
Tradução: Luiz Menna-Barreto.

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16 RICHARD LEWONTIN E RICHARD LEVINS

lações diretas das agências EPA e FDA2 pelo governo e o exagero nas
campanhas da indústria farmacêutica, até o criacionismo e a mistifica-
ção do caos matemático; mas 2) também na rejeição ao cientificismo,
a noção segundo a qual as ideias dos outros povos seriam superstição,
enquanto as nossas estão amplamente apoiadas em conhecimento ob-
jetivo confirmado por números. Rejeitamos a visão pós-moderna que,
ainda atordoada pela descoberta da falibilidade da ciência, passa a negar
a validade do conhecimento, ou, ainda, entusiasmada com os detalhes
das particularidades, recusa-se a admitir padrões mesmo nas singularida-
des. O cientificismo se foca sobretudo nos últimos estágios da pesquisa,
ou seja, o teste de hipóteses, ignorando assim a questão das origens das
hipóteses a serem testadas e das fontes das regras de validação dessas
hipóteses. Nós desafiamos tanto o holismo místico que vê tudo como
uma mesma “totalidade”, feito um borrão sem partes, e o reducionismo,
que reivindica que as verdades mais fundamentais se encontram nas
menores partes das coisas. Mostramos como essas visões aparecem na
agricultura, saúde, ecologia e evolução. A partir daí damos um passo
atrás para analisar os processos de abstração e construção de modelos,
e retornamos para os obstáculos da atualidade propondo uma visão de
mundo integral, complexa e dinâmica.
Chegamos a este projeto como observadores e participantes. Ambos
estivemos ativos em áreas sobrepostas, mas algo distintas, da genética
populacional, ecologia, evolução, biogeografia e modelagem matemática.
Como participantes, estivemos engajados nas engrenagens das nossas
ciências, nos nossos laboratórios, no campo e nos computadores. Em
nosso trabalho científico, tentamos aplicar as intuições do materialismo
dialético que enfatizam a totalidade, a conectividade, a contingência
histórica, a integração entre níveis de análise e a natureza dinâmica das
“coisas”, como retratos instantâneos de processos. Embora tenhamos
trabalhado com enzimas, moscas das frutas, milho, formigas, frequências
genéticas e laranjeiras, nossos pontos de vista sempre foram influenciados
pelo modo de vermos o mundo enquanto um todo.

2
Evironmental Protection Agency e Food and Drug Administration, agências de proteção
ambiental e de alimentos e drogas do governo estadunidense. (N. T.)

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INTRODUÇÃO 17

Também damos um passo além dos problemas científicos específicos


para nos tornarmos observadores e para examinar a natureza da ciência
e os usos da matemática e da modelagem. Nesse caso, adentramos no
que se costuma chamar de Filosofia da Ciência. Em algumas ocasiões,
trabalhamos juntos. Em outros momentos, nossos trabalhos individuais
foram mais ou menos influenciados por nosso diálogo contínuo ao longo
de quase 45 anos.
Também fomos militantes e companheiros nos movimentos Science
for the People [Ciência para o Povo], Science for Vietnam [Ciência para
o Vietnã], New University Conference [Conferência para uma Nova
Universidade], além de lutas contra o determinismo biológico, o racis-
mo “científico”, o criacionismo e em apoio aos movimentos estudantis
e contra a guerra. No dia em que a polícia de Chicago assassinou Fred
Hampton, líder dos Panteras Negras, visitamos juntos seu quarto ainda
banhado em sangue e vimos seus livros na cabeceira: ele foi assassinado
por causa de sua militância bem informada e intelectualmente séria.
Nosso ativismo é um lembrete constante da necessidade de relacionar
a teoria com os problemas do mundo real, bem como da importância
da crítica teórica. Em movimentos políticos, temos defendido frequen-
temente a importância da teoria como forma de proteção contra o risco
de nos vermos sobrecarregados pelas urgências momentâneas e locais,
enquanto no ambiente acadêmico ainda temos que argumentar que a
fome e o direito à comida não são um problema filosófico.
Os ensaios deste livro foram escritos ao longo de 20 anos, e foram
dirigidos a diferentes públicos: alguns para colegas da academia, outros
para militantes com pouco conhecimento técnico. Nem todos os capítu-
los serão igualmente relevantes para todos. A redundância é geralmente
indesejável em livros, mas aqui se justifica por duas considerações: a
remoção das repetições destruiria a coerência de alguns capítulos e, visto
que a abordagem não é amplamente conhecida, repetições em diferentes
contextos não são um problema.
Alguns dos textos são pequenos ensaios da nossa coluna Eppur si
muove publicada na revista Capitalism, Nature, Socialism [Capitalismo,
natureza, socialismo]. Eles incluem “Nós somos programados?”, sobre
determinismo genético, “A política das médias”, sobre estatística, “A Lei

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18 RICHARD LEWONTIN E RICHARD LEVINS

de Schmalhausen”, sobre vulnerabilidade, “A vida em outros mundos”,


“Psicologia evolutiva” e vários outros. Textos mais extensos, alguns publi-
cados previamente, debatem incerteza, economia política da agricultura,
Cuba, Teoria dos Sistemas, construção de modelos, a relação organismo/
ambiente e caos. E, claro, há também a contribuição de Isador Nabi,
“Greypeace”, por meio da qual dissipamos, com humor, nossa raiva.
Há, ainda, tópicos importantes que não discutimos. Não temos
nenhum ensaio específico sobre análise feminista, crítica cultural ou o
papel da subjetividade na vida social, projetos para um mundo melhor,
ou questionamentos sobre como chegar lá. Aqui, somos consumidores
dos trabalhos de nossos companheiros. Isso pode levar alguns críticos à
conclusão equivocada de que somos indiferentes a essas questões e que
somos materialistas mecanicistas.
Seguimos a mesma regra do livro anterior, The dialectical biologist [O
biólogo dialético]: não dizemos nada sobre algo para o qual não temos
nada a acrescentar.

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