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RESUMO
Com o objetivo de subsidiar programas formadores de educadores, o artigo trata do sentido ético
das questões socioambientais, no processo educativo amplo, aportando uma sistematização
didática de alguns conceitos epistêmicos e princípios éticos fundamentais, sob a concepção de
uma Ética da Responsabilidade e, ainda, referindo-se ao conteúdo e à congruência da Política
Nacional de Educação Ambiental como instrumento legal ao avanço desejável da formação
profissional de educadores, na linha da atual urgência de uma cidadania eticamente efetiva.
ABSTRACT
In view of subsidizing educators‘ preparation programs, the text deals with the ethic meaning of socio-
environmental questions within education at large. It points out the purpose of a didactic systematization
of some fundamental epistemic concepts and ethical principles, under an Ethics of Responsibility
conception. And it refers to the contents and the congruency of the Brazilian National Policy of
Environmental Education as a legal instrument to forward a desirable development regarding the
professional preparation of educators, in alignment with the nowadays urgency for an ethically
effective citizenship.
O presente artigo tem por objetivo trazer tese de Doutorado da autora (1999), em razão de
subsídios de fundamentação referencial aos sua presente validade acadêmica e pedagógica,
formadores de educadores, nos âmbitos de com as cabíveis adaptações e atualizações.
profissionalização inicial ou de educação Mais que em outras épocas, as sociedades
continuada. Os conteúdos retomam parte da humanas ressentem-se hoje dos problemas
1
Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento, com tese na área de Educação Ambiental. Professora sênior junto ao Programa
de Pós-Graduação em Educação da UFPR. E-mail: <sonmarc@brturbo.com>.
relacionada à sobrevivência do planeta” (GA- que, para tanto, seria necessária uma grande
DOTTI, 2000, p.81-82). revolução política e moral. Em meados do séc.
XX, aparecem as propostas de Aldo Leopoldo
Uma ética ambiental relaciona-se ao bem
(1887-1948), com a obra Ética da Terra (1949),
estar humano e, por conseqüência, ao bem estar
defendendo, por uma ética de orientação
geral do ambiente de vida humana, do ecúmeno,
biocêntrica e holística, a transformação do papel
ou seja, da própria Terra. O homem sentir-se-á
do homem: de conquistador da comunidade da
integralmente bem na medida em que alcançar
Terra, para seu simples membro e cidadão; e a
desenvolver um ambiente saudável, que lhe ofereça
de Albert Schweitzer (1875-1965), que
condições dignas de vida, pois qualquer dano ao
desencadeou, em 1954, o movimento “reverência
meio ambiente reverte-se em dano à própria vida
por tudo vivo”, alcançando popularizar a concepção
humana. A ética ambiental, pois, passa a fazer
de uma ética ambiental (DIESEL, 1991, p.40;
parte necessária do exercício da cidadania, a ser
DIAS, 1993, p.34-35; DIEGUES, 1998, p.26; 30-
alcançada particularmente pela prática educativa,
31; 32).
tanto formal (instituições) quanto não-formal (no
âmbito das vivências e realizações culturais de Foi, no entanto, o filósofo alemão Hans
uma sociedade em seu todo). Nesse sentido, a Jonas (1903-1993) quem firmou a proposição do
Educação, enquanto prática social ampla, princípio da responsabilidade como base a uma
constitui-se num processo básico à formação de ética para a civilização tecnológica, em
uma consciência político-cultural referenciada, publicação de 1988 – Das Prinzip Verantwortung
crítica e autocrítica, numa dada comunidade, em (O princípio da responsabilidade) – com tradução
torno da conquista de direitos e da em espanhol desde 1994. O autor discute, em
responsabilização pelos deveres, em vista da perspectiva do futuro, o imperativo da sobrevivência
dignidade de vida e do bem estar de todos da humanidade, no contexto de teorizações
(SANTOS JÚNIOR, 1988, p.74-76). socioeconômicas e políticas do poder e em
conexão com teorias éticas, para elaborar uma
A referenciação ética da Educação passa
teoria da responsabilidade e propor, propriamente,
hoje, necessariamente, pela ética ambiental,
os fundamentos de uma Ética da
ante a urgência de uma nova compreensão de
Responsabilidade. Jonas desenvolve, no capítulo
homem e de mundo, uma vez que a crise
VI dessa obra, sua argumentação conclusiva
ecológica de nossos tempos é um problema de
pela Ética da Responsabilidade, no contexto de
responsabilidade do homem frente à vida, à
uma crítica às utopias levantadas em torno dos
História e frente si mesmo (ORDÓÑEZ, 1992,
dinamismos socioeconômico e tecnológico como
p.51). Nesse sentido, teve crescente emergência
soluções para a problemática da relação
uma Ética da Responsabilidade, inclusive, na
necessidade-liberdade (no impulso progressista
linha das colocações axiológicas de conferências
da humanidade), enquanto visões includentes do
e eventos internacionais em torno da problemática
uso de “meios que não respeitariam os homens
ambiente-educação, desde a Conferência de
em sua própria época”, de modo que, em
Estocolmo (1972), passando pelo Seminário de
perspectiva do futuro, “uma herança degradada
Belgrado (1975), pela Conferência de Tbilisi (1977),
degradará também aos herdeiros”: por isso, o
pelo Congresso de Moscou (1987), pela
temor (em sentido positivo, i. é, não egoístico) se
Conferência do Rio (1992), entre outros eventos,
converterá no “dever preliminar de uma ética de
até a Conferência de Tessalônica (1997) e a de
responsabilidade histórica”; o sentido da realidade
Johannesburgo (2002).
humana total, pois, é o pressuposto fundador de
A conexão da ética com a questão ambiental uma problematização crítica do nosso poder de
fora já levantada por uma obra de 1864, Man and pensar e querer na perspectiva da esperança –
Nature (O homem e a natureza), de George esta como condição de toda ação no presente,
Perkins Marsh (1801-1882), propondo o usufruto ancorada no passado e referida ao futuro, desde
da terra contra o consumo degradador e afirmando a inquisição heurística de princípios à consciência
reais do meio ambiente diante das demandas A primeira responsabilidade é para com a
sociais, mas no contexto dos inerentes direitos vida: o homem é convocado não apenas a
e deveres, torna-se possível a identificação de conservá-la, mas a mantê-la e enriquecê-la, de
alguns princípios éticos referenciais, outrossim modo que a ação humana se paute pelo
justificados pela lógica de um consenso amplo, compromisso de um uso da natureza referenciado
senão universal. Faz-se aqui pertinente lembrar à vida humana plena, com o enriquecimento das
a questão do consenso como critério de validade condições de vida sobre a Terra, isto é, que o
ética, no sentido da sua discussão por J. mundo em que vivemos se torne mais habitável
Habermas na formulação da Ética Discursiva ou (ORDÓÑEZ, 1992, p.48; 51).
do Consenso, concebida no plano do agir
A segunda responsabilidade é frente à
comunicativo (enquanto universo moral) e tendo,
História: ao homem cabe aprender, com os erros
como pressuposto último, o imperativo da não-
e acertos do passado, a conduzir-se
coercitividade (HECK, 1994, p.353-366). Por
responsavelmente para com as gerações futuras,
conseqüência, os princípios focados valem, no
considerando a desigualdade de ritmos e
propósito deste artigo, como uma sistematização
multiplicidade de níveis dos acontecimentos no
didática, na perspectiva de uma Ética da
presente (ORDÓÑEZ, 1992, p.51-53). Nesse
Responsabilidade; quaisquer outros princípios,
sentido, o agir humano implica “o futuro pensado
até dentre os integrados nessa linha, têm validade
de antemão” como recuperação do respeito ao
por si mesmos e poderiam constituir pontos de
que o homem foi e é e pode vir a ser (JONAS,
partida a outras éticas voltadas ao meio ambiente.
1995, p.358); o presente exige do homem “nova
Um primeiro princípio, simultaneamente compreensão de si mesmo”, como “sujeito capaz
fundamento compreensivo e síntese de de fazer da natureza seu objeto de estudo e de
convergência, é o próprio princípio de transformá-la”: para tanto, terá de avaliar e
responsabilidade, no entendimento que dele se recolocar seu ethos tanto em termos de como se
pode ter com base em Jonas: dá essa transformação, quanto do uso dos
produtos, numa interação do histórico-social com
• negativamente: recusa à inevitabilidade
o histórico-natural (ORDÓÑEZ, 1992, p.48).
histórica dos dinamismos socioeconômico
e tecnológico, no sentido do progresso A terceira responsabilidade é para consigo
contínuo, necessário ou natural; mesmo: necessidades e interesses sócio-
individuais tornam o homem produtor de bens a
• positivamente: abertura à exigência de
partir dos recursos naturais e fazem-no
cuidado como dever para com o ser do
“responsável não só pelo uso do ambiente mas
outro, isto é, “consideração para com
também de sua administração” – tendo de fazer
nossos descendentes” – o que, na
opção ética, como vivente situado e relacionado,
presente situação, será “por algum tempo
por estilos de desenvolvimento na atual
um trabalho predominantemente de
complexidade político-econômica, valorizando
conservação e proteção, no qual nos cabe
diferenças nacionais, regionais e locais, na sua
o dever de sanar e, na medida possível,
concretude histórico-social e econômico-
melhorar” as condições de vida e do meio,
ecológica, em vista da superação do atual e
em perspectiva de compromisso
predominante padrão economicista, neoliberal e
relativamente ao futuro humano (JONAS,
culturalista, de orientação quantitativa
1995, p.354-359).
(ORDÓÑEZ, 1992, p.53-54).
Em vista dessa sistematização, a tríplice O princípio da responsabilidade, aclarado a
responsabilização ética do homem colocada por partir de Jonas e Ordóñez, entra na trama das
Ordóñez, referida anteriormente, será associada decisões e condutas de referência ético-ambiental
ao entendimento do princípio de responsabilidade, mediante alguns princípios constitutivamente
segundo Jonas. integrantes de todo processo educativo: respeito,
ainda, a desvios burocráticos (PASSET, 1994, Ambiental (Artigos 4º. e 5º.). Desse modo, a
p.25-29; GADOTTI, 2000, p.173). formação de educadores, por sua vez, formadores
de educadores para a escola básica e, ainda,
O conjunto dessas proposições, a partir do
com extensão a todas as áreas da educação
seu contexto histórico-epistêmico, delineia uma
não-formal, encontra presentemente uma
orientação reflexiva em vista de uma dinamização
ancoragem estrutural suficientemente sólida e
do tratamento de temas socioambientais, sob o
referenciada, em termos jurídicos e legais. E a
foco de uma Ética Ambiental, no desenvolvimento
Lei em questão, numa linha do tempo, nada mais
dos programas de formação de educadores,
é que uma culminação de embates e debates
como posto no início do artigo. Nessa perspectiva,
socioculturais e políticos, em contínuo
A Política Nacional de Educação Ambiental – Lei
processamento e demandando avanços e
9.795/99, regulamentada pelo Decreto 4281/2002
atualizações, na dinamização efetiva de uma
(BRASIL, 1999; BRASIL, 2002), integra aos
vontade política por parte das instituições
princípios da Educação Ambiental a vinculação
governamentais ou não, públicas e privadas;
da Ética com a Educação, o trabalho e as
nesse sentido, vale ressaltar a orientação de
práticas sociais (Art 4º., IV); e, a mais, afirma os
pluralidade pedagógica afirmada na mesma Lei,
aspectos éticos na compreensão integrada do
com abertura para inovações curriculares e
meio ambiente, no rol dos objetivos fundamentais
metodológicas, em perspectiva multi, inter e
da mesma Educação Ambiental (Art. 5º., I).
transdisciplinar (Art. IV, II).
Esse documento legal, explicitando tardiamente
dispositivos constitucionais de 1988, veio a dar Por fim, pode-se aventar, no âmbito dos
expressão jurídico-política, em nosso País, à conteúdos programáticos dos cursos de formação
própria natureza da Educação, só concebível em de educadores, um aproveitamento interativo-
seu intrínseco sentido ético; o avanço de época integrativo dos conceitos ou princípios postos
das estruturas legais da Educação Brasileira, como estruturantes de uma Ética da
em alinhamento com as conjunturas mundiais, Responsabilidade: tal aproveitamento será
foi a incorporação da dimensão ambiental a pedagogica e metodologicamente mais efetivo a
todas as modalidades educativas e a todos os partir de focos temáticos problematizadores,
níveis escolares, abrangendo a “(...) formação, relacionados a situações e condições locais,
especialização e atualização dos profissionais regionais, nacionais e mundiais. Sem dúvida, em
de todas as áreas” (art 8º.), com ênfase na “(...) adequação ao ensino superior, temas ético-
formação de professores, em todos os níveis e ambientais poderão ser dimensionados tanto
em todas as disciplinas” (Art. 11). Assim, os intra quanto interinstitucionalmente, para serem
programas de preparação dos formadores de trabalhados por meio de seminários, simpósios,
educadores, em termos de sua própria justificativa mesas-redondas, encontros e palestras,
sócio-institucional (compromissada com a envolvendo especialistas, com debates
realidade-hoje) e, pois, não apenas por injunções participativos e uso de outras estratégias
legais, deverão desenvolver – com e nos seus adequadas, sem se descartarem alternativas
sujeitos – competências crítico-epistêmicas no dos recursos virtuais.
âmbito socioambiental, para a formação de uma
consciência de responsabilidade ética, por sua
vez, geradora de uma cidadania atuante. No REFERÊNCIAS
propósito deste artigo, faz-se significativo focar a
integração da Ética da Responsabilidade ao teor
da Lei 9.795/99, não como simples coincidência AGUIAR, R.A.R. Direito do meio ambiente
vocabular, mas sim, em suas formulações e participação popular. Brasília: Ministério
substantivas em torno de conceitos e valores, no do Meio Ambiente e da Amazônia Legal; Ins-
desenvolvimento de atitudes – como consta dos tituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Re-
princípios e objetivos fundamentais da Educação cursos Naturais Renováveis-IBAMA, 1994.