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AS VILAS DO MUNICÍPIO DE VITÓRIA DA CONQUISTA: UMA ANÁLISE DAS

REDES.

Ana Emília de Quadros Ferraz


Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – milaferraz@gmail.com

Altemar Amaral Rocha


Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia –altemarrocha@gmail.com

Iara Silva Aguiar


Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – iara-aguiar@hotmail.com

INTRODUÇÃO

Vários trabalhos acadêmicos já foram realizados sobre a cidade de Vitória da


Conquista, entretanto, poucas análises foram feitas sobre as vilas e povoados do interior
do município, especialmente com base nos estudos da rede geográfica. Essa carência de
estudos é um dos fatores motivadores dessa pesquisa, além de lhe conferir um caráter
inédito e relevante.
Tem como objetivo geral: analisar o interior do município de Vitória da
Conquista com base na rede geográfica, que tem propriedade multifária. Versam como
objetivos específicos: coletar, sistematizar e disponibilizar informações geográficas
sobre áreas no interior do município; resgatar aspectos sócio-históricos da formação
dessas áreas; identificar suas condições socioespaciais; reconhecer o cotidiano dos
moradores; mapear os principais fixos e fluxos no interior do município; relatar as
principais atividades econômicas; e, mapear vilas e povoados municipais, dentre outros.
Para alcançar os objetivos estabelecidos estão sendo adotados procedimentos
metodológicos que possibilitam analisar as relações existentes no interior do município,
com base no estudo das redes.
Essa pesquisa encontra-se em fase de trabalho de campo, com observação direta.
Paralelamente está sendo realizada uma revisão bibliográfica que tem permitido a
composição do histórico como procedimento metodológico, com vistas a análise de
aspectos diacrônicos e sincrônicos da rede. Em concomitância, os esforços tem se
concentrado num trabalho de campo, fundamental para a sistematização dos objetivos
apontados. Com base em observação direta estão sendo visitadas, pesquisadas e
analisadas vilas e povoados, com vistas ao reconhecimento das redes, com registro
fotográfico, caracterização dos fixos e suas relações com os fluxos nas localidades
pesquisadas e a descrição e análise da infraestrutura. Além de observações diretas estão
sendo coletados dados primários de pesquisa, com a aplicação de questionários à
população local, descrição de relato de cotidiano e realização de entrevistas. Os
entrevistados são definidos de acordo com as informações de campo, com a seleção de
pessoas representativas da comunidade. Em concomitância aos trabalhos de campo são
realizados levantamentos de dados no IBGE e em secretarias municipais.

RESULTADOS PRELIMINARES

Como resultados preliminares de pesquisa pode-se inferir que até meados da


década de 1950, a população de Vitória da Conquista era, na sua maior parte, rural.
Somente em 1960 a população urbana supera a rural, com 60,7% constituindo-se como
urbana. Essa concentração de população em áreas urbanas foi aumentando nas décadas
posteriores e em 2010 esse percentual pontuou 89,6%. O acréscimo populacional,
agregado a outras variáveis e às modificações nas técnicas, acalorou o processo de
urbanização da região e modificou as redes estabelecidas até então.

Tabela 1 - População de Vitória da Conquista, por situação domiciliar de 1940 a 2010.

Ano População % População % TOTAL


Rural Urbana
1940 24.910 74,3 8.644 25,7 33.554
1950 26.993 58,4 19.463 41,6 46.456
1960 31.401 39,3 48.712 60,7 80.113
1970 41.569 32,5 85.959 67,5 127.528
1980 43.245 25,3 127.652 74,7 170.897
1991 36.740 16,3 188.351 83,7 225.091
2000 36.949 14,1 225.545 85,9 262.494
2010 32.127 10,4 274.739 89,6 306.866
Fonte: Censos Demográficos – IBGE – 1940, 1950, 1960, 1970, 1980,
1991, 2000, 2010.
A população do município está distribuída em doze distritos. Nesses distritos
conta-se doze vilas e aproximadamente 180 povoados. Como pode ser observado no
Mapa 1, existe uma distribuição de povoados por toda a extensão municipal, não se

Mapa 1 – Povoados e Vilas no município de Vitória da Conquista, Bahia,


percebendo áreas extensas sem a presença de uma concentração populacional.
Quando se detalha a distribuição da população nos distritos é possível inferir
que, no interior do município a maior parte da população vive na zona rural, como pode
ser observado na tabela 2.

Tabela 2 - População de Vitória da Conquista, por situação domiciliar, por distrito,


2010.

Urbana Rural Total


DISTRITOS Total
Total Total Total %
%
Bate-Pé 1 181 29,7% 2 797 70,3% 3 978
Cabeceira do Jibóia 742 19,9% 2 987 80,1% 3 729
Cercadinho 795 39,8% 1 203 60,2% 1 998
Dantelândia 656 44,0% 836 56,0% 1 492
Iguá 824 21,4% 3 027 78,6% 3 851
Inhobim 2 464 41,0% 3 547 59,0% 6 011
José Gonçalves 2 019 34,3% 3 867 65,7% 5 886
Pradoso 1 428 44,2% 1 803 55,8% 3 231
São João da Vitória 1 587 67,1% 777 32,9% 2 364
São Sebastião 1 641 51,8% 1 528 48,2% 3 169
Veredinha 1 142 50,4% 1 126 49,6% 2 268
Vitória da Conquista -
260 260 96,8% 8 629 3,2% 268 889
Distrito Sede
Fonte: Censo Demográfico – IBGE –2010.

Apesar do diagnóstico de que a maior parte da população do interior do


município é rural, nesta fase inicial do trabalho o foco central está nas questões de como
as vilas do município - também consideradas áreas urbanas pelo IBGE - estão
estruturadas e como se tornam nó, com base na relação da rede. As outras áreas também
são foco dessa pesquisa, contudo, num momento posterior.
No estudo de redes, os aspectos técnicos e sociais não devem ser considerados
separadamente, mas de modo conjunto, consubstanciado, de forma a possibilitar o
entendimento da complexidade do espaço móvel e integrado. O técnico é um aspecto do
social. Reforçando esta tese, Dias (2005) conclui:

A rede, como qualquer outra invenção humana, é uma construção


social. Indivíduos, grupos, instituições ou firmas desenvolvem
estratégias de toda ordem (políticas, sociais, econômicas e territoriais)
e se organizam em rede. A rede não constitui o sujeito da ação, mas
expressa ou define a escala das ações sociais. As escalas não são
dadas a priori, porque são construídas nos processos. Como os
processos são conflituosos, as escalas são ao mesmo tempo objeto e
arena de conflitos. (DIAS, 2005, p. 23).

Na busca por dissipar as ambiguidades acerca da noção de rede, Santos (2004, p.


277) assinala que, apesar de algumas se materializarem mais visivelmente, “As redes
são virtuais e ao mesmo tempo são reais.” O autor considera ainda:

A geografia deve trabalhar com uma noção de espaço que nele veja
uma forma-conteúdo e considere os sistemas técnicos como uma
união entre tempo e matéria, entre estabilidade e história. Desse modo,
superaremos as dualidades que estão, também, direta ou
indiretamente, as matrizes da maior parte das ambigüidades do
discurso e do método da geografia. (SANTOS, 2004, p. 279).

Concorda-se com Santos (2004, p. 262) por alertar que “[...] a rede é também
social e política, pelas pessoas, mensagens, valores que a freqüentam”. Assim, a rede é
uma realidade concreta, material e, ao mesmo tempo, abstrata, imbuída de relações
sociais. Uma realidade não pode ser analisada sem que se leve em consideração a outra.
Mostrando a imbricação das redes com a sociedade, Santana (2006) faz a seguinte
ponderação:

Para estudar as redes é preciso entender como elas são inseridas na


sociedade, ou melhor, como elas também são sociedade, seu papel
econômico e social e como as pessoas têm acesso a essas redes, [...]
No dia-a-dia não é costume pensar nas redes, na sua constituição, sua
forma, sua fisionomia e sua estrutura. As pessoas apenas usam as
redes, e usando, as constroem e as reconstroem. (SANTANA, 2006, p.
33).
O conceito de rede tem propriedade multifária. Quando utilizado em análises
geográficas, ele é imbricado de elementos, tais como conexidade, fixos, nós, sistemas de
objetos, fluxos, linhas, sistemas de ações, fluidez, horizontalidade, verticalidade, entre
outros. Esses elementos consubstanciados dão suporte ao próprio conceito, e a sua
análise permite perscrutar a cidade para além da própria cidade. A cidade se expressa
como uma realidade geográfica numa articulação de diferenças, pois os processos não
se realizam da mesma forma em todos os lugares.
Para a pesquisa dar conta da complexidade dos elementos da rede, no entanto, é
necessária uma abordagem de cada um desses elementos, em particular, para em
seguida estabelecer a conectividade os mesmos. Nesse entendimento, com o objetivo de
registrar os fixos encontrados nas vilas pesquisadas, para uma posterior articulação com
os outros elementos da rede, foi observada a presença de alguns equipamentos públicos
para o atendimento à população moradora da vila, das fazendas e povoados do seu
entorno. Em todas as vilas existe uma Unidade de Saúde da Família e pelo menos uma
escola municipal. A Figura 1 representa o tipo de unidade de saúde que geralmente
ocorre nas vilas.

Figura 1 – Unidade de Saúde da Família na Vila de


Cercadinho, município de Vitória da Conquista, Bahia, 2013

Fonte – Trabalho de campo na Vila de Cercadinho, município de Vitória


da Conquista, Bahia, 2013. Foto – Ana Emília de Quadros Ferraz
A Figura 2 representa o tipo de unidade escolar que geralmente se encontra nas
vilas.
Figura 2 – Unidade Escolar na Vila de Cercadinho,
município de Vitória da Conquista, Bahia, 2013.

Fonte –aos
Com relação Trabalho de campo nacomo
equipamentos Vila deescolas
Cercadinho, município
e postos de Vitória
de saúde, nas vilas, existe
da Conquista, Bahia, 2013. Foto – Ana Emília de Quadros Ferraz
uma certa uniformidade na forma e estrutura. No entanto, quanto à estrutura dos
logradouros públicos, do padrão das residências e das casas de comércio existe uma
variação substancial entre as vilas. As figuras 3 e 4.

Figura 3 – Tipo de logradouro e casas comuns na Vila de


Inhobim, município de Vitória da Conquista, Bahia, 2013

Fonte – Trabalho de campo na Vila de Inhobim, município de Vitória da


Figura 4 – Tipo de logradouro e casas comuns na Vila de
Cercadinho, município de Vitória da Conquista, Bahia, 2013

Fonte – Trabalho de campo na Vila de Cercadinho, município de Vitória


da Conquista, Bahia, 2013. Foto – Ana Emília de Quadros Ferraz

Para Correa (1999), a sobrevivência dos pequenos núcleos, em razão dos


serviços de que dispõem e da sociabilidade que viabilizam, é efetivada por meio de sua
transformação funcional. Essa nova funcionalidade pode ser percebida nos núcleos
urbanos de Inhobim, Cercadinho, José Gonçalves e São Sebastião, pois nesses núcleos
urbanos distritais, nos últimos anos, ocorreu uma transformação da funcionalidade de
espaços produtivos para locais de concentração de força de trabalho para o campo
circunvizinho. Ainda segundo Correa (1999, p. 49), “o hábitat rural, disperso ou
concentrado em ‘colônias’ localizadas no interior de grandes propriedades, desaparece,
sendo, de certa forma recriado na periferia das pequenas cidades. Ou ainda nos
‘aglomerados humanos’ em pleno campo”.
O debate acerca da abordagem cidade-campo/urbano-rural se apresenta, em
razão da complexidade que esses espaços assumiram com as mudanças que ocorreram
na sociedade, com transformações em suas relações e novas dinâmicas socioespaciais.
Essa complexidade dificultam a sua compreensão, pois esses espaços vem assumindo
novos conteúdos, novos sentidos e formas. A diversidade de interpretações das
abordagens de cidade-campo/urbano-rural, em seu debate teórico, nem sempre
apresentam uma interação mútua entre esses espaços. Alguns autores em suas definições
sobre cidade-campo/urbano-rural tratam desses espaços enfocando as diferenças entre
eles, os apresenta como espaços antagônicos, apresentando o campo como sendo restrito
à produção agropecuária e a cidade como centro industrial. Desta forma cidade-
campo/urbano-rural aparecem como espaços opostos e distintos. Para Alentejano
(2013, p. 11) o conjunto de mudanças pela qual passa a cidade e o campo tem causado
expressivos impactos sobre esses espaços e as relações entre ambos, mudando suas
funções e conteúdos na sociedade. Para o autor, os tradicionais estereótipos que
definiriam campo e cidade, rural e urbano, não são pertinentes. Neste sentido, a relação
rural-urbano, passa por uma reformulação conceitual e reafirmação socioespacial já que
as alterações ocorridas no processo produtivo que se materializam tanto no campo
quanto na cidade, já não são os mesmos que refletem as tradicionais formas que
localmente universalizam o modo de produção vigente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do ponto de vista espacial, pode-se dizer que as vilas do município de Vitória da


Conquista, nos últimos anos, passaram por diversas alterações tanto do ponto de vista
funcional quanto da estrutura e da forma, já que os aglomerados populacionais dos
distritos e suas respectivas sedes distritais tiveram um acréscimo do contingente
populacional e modificações no modo de vida urbano. Isso no que se refere ao processo
organizacional e também ao consumo, que nestes locais se assemelham aos ritmos das
pequenas cidades. Representando assim essas mudanças nas relações rural/urbano.
Verifica-se, nos locais que circundam as vilas e povoados dos distritos,
alterações no processo produtivo do campo, já que a estrutura agrária, na maioria dos
centros produtivos houve uma diminuição da mão de obra ocupada, diminuindo a
densidade demográfica dimensionada no território do município, passando a ter uma
concentração nos núcleos urbanos dos povoados e vilas.

REFERÊNCIAS

ALENTEJANO, Paulo Roberto R., As relações campo-cidade no Brasil do século XXI.


In: Revista Politicas Públicas. 2013. Disponível em:
<www.revistapoliticaspublicas.ufma.br/site/download> Acesso em: Novembro 2013.

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