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Quente como chamas de isqueiros controladas

Nicholas Carter estava exausto, o último a estar na delegacia, era um homem que não
tinha motivos para voltar cedo, sem família, sozinho. Estava lá arrumando algumas
papeladas quando um barulho alto na porta de entrada o assustou. As mãos
espalmadas no vidro gélido fez um abafo de circulação de ar quente, deixou a marca e
atraiu um olhar de espanto do detetive.

-Quem está aí? – disse alto o suficiente para o indivíduo escutá-lo.

-Sou eu Carter, Alex Smith- se identificou um homem ofegante de cabeça baixa


apoiado pelos próprios joelhos em uma reverência.

-Já fazem o que? Dez anos? – respondeu um pouco estático com a presença de um
amigo bem antigo, fez parte de muitas travessuras do seu passado, se separaram
quando ele se casou e mudou para uma fazenda distante da cidade onde estudaria
para ser quem é hoje.- Entre, pode se sentar ali- indicou um lugar e Alex foi logo se
sentar, parecia desesperado, prestes a entrar em colapso a qualquer momento.- Calma
cara, respira, vou pegar água, um momento.

Enquanto praticava uns movimentos respiratórios controlados, começou a contar que


sua irmã havia desaparecido a um mês, e que outros vizinhos ao qual fazia negócios,
tiveram o desprazer do mesmo acontecimento com mulheres de suas famílias e
conhecidas, com idades entre dezesseis e vinte e dois anos. Por alguns minutos
Nicholas forçou a memória para encontrar resquícios de lembranças, até que
fragmentos vieram na cabeça, a garotinha franzina de cabelos longos e traços
delicados, enquanto os dois rapazes brincavam ela era ensinada a cozinhar e ajudar a
mãe nas atividades domésticas, quando encontrava Alex, se lembrava dela tímida e de
bochechas coradas o servindo pedaço de bolo que cozinhara a pouco tempo.

-Você precisa me ajudar, é o único com quem posso contar, preciso achar Olívia.

Então era esse o nome dela. Reencontrar seu amigo depois de tanto tempo era bom, só
não imaginaria que seria naquela situação.

-Pode contar comigo, está sozinho?

-Minha mulher está na fazenda dos pais, não me lembro tão bem de Londres, faz muito
tempo mesmo.

-Aqui mudou bastante, tem lugar para ficar?

-Ainda não- colocou o copo na mesa.

-Fica na minha casa hoje, amanhã iremos para a fazenda logo cedo.

-Obrigado, obrigado mesmo Ni.- sorriu com o apelido quase esquecido.

-Vamos achar Olívia Le.- sorriram motivados mais uma vez.


A casa era de estrutura um pouco desatualizada, a rua arborizada, pintura um pouco
escassa, iluminação amarelada, era aconchegante. Ao mesmo tempo em que Alex
tomava banho, o detetive preparava uma refeição para ambos, peixe e batatas fritas,
um pouco de alecrim e ervilhas sem muito sal, esse típico prato acompanhado com
cerveja de malte escurecido.

Conversaram, trocaram memórias, riram, relembraram, como a muito tempo não


faziam. Depois de ajeitar o quarto de hóspedes, embora nunca recebesse, tinha um,
Carter foi descansar, seus últimos segundos acordado foi pensando no passado,
especialmente, Olívia.

No outro dia acordaram às cinco da manhã, tomaram um chá e pegaram o transporte


ferroviário o mais perto possível da fazenda, depois de um tempo pararam e foram de
carroça, esta que estava estacionada na frente do local pelos funcionários de Alex.

O dia se seguiu com perguntas da rotina da menina e depoimentos das pessoas que
trabalhavam no local, recebeu a informação de um adolescente que no dia em que
Olívia sumiu, tinha visto um funcionário do Coronel Steve perto da área de colheita.

Antes do entardecer resolveu ir até a pousada de uma das famílias de outra vítima, eles
cederam um quarto, conversariam no jantar.

-Qual o nome da garota, idade e a quanto tempo desapareceu?

-Sophie, ela se chama Sophie e tinha dezoito anos, sumiu a um ano e três meses- a mãe
respondeu aflita apertando as mãos do marido que fez um carinho ali.

-Onde ela estava?

-Naquele dia ela estava mais afastada da gente, tempo de colheita, ela ajuda com os
grãos- o pai respondia já que a mulher chorava.

-A área mais afastada são as plantações então?

-Sim elas são, as fazendas de Londres tem as mesmas demarcações, o designer é o


mesmo.

Ele anotou no bloquinho, precisaria de mais pistas. No dia seguinte foi para outra
fazenda vizinha, observou bem, a área mais afastada eram as plantações e o poço,
certamente algo válido para a investigação.

-Bom dia, posso ajudar?-Um homem baixinho e pele branquíssima perguntou.

-Bom dia, sou Nicholas Carter, detetive de Londres, Sr. Riley?

-Sou eu mesmo, algum problema? Olha, já estou farto de olhar a servidores públicos.

-Como? Aqui é bem afastado, nem com frequência eles vieram aqui, isso eu tenho
certeza.

-Só não me trás boas lembranças, o que queres rapaz?


-Como disse, sou detetive, e no momento investigando o desaparecimento da sua filha.

Dito isso, o homem empalideceu mais se possível.

-Depois de um ano- respirou fundo- depois de um ano você vem aqui para investigar?

-Eu sinto muito, por favor colabore comigo, estou fazendo o possível.

-Vamos para a varanda, não quero oficiais na minha casa e nem minha mulher
preocupada com isso de novo- desdenhou.

-Tudo bem, mas por que não tem boas lembranças?

-No dia que minha Amélia desapareceu, foi a última vez que vimos um policial por
aqui. Nem impediram ela de sumir.

Carter anotou no bloco de novo e perguntou sobre o oficial, quem seria ele?

-Era um subordinado do atual Coronel, como é mesmo o nome dele? Es... Este...

-Steve, Coronel Steve.- deduziu desconfiado.

-Esse mesmo.

-Onde ela estava?

-A um ano era época de colheita, ela foi buscar lá em cima antes dos meus funcionários
para cozinhar. Essa idade tem que aprender.

-Qual a idade?

-Ela tinha recém completado vinte anos, tinha que aprender a fazer algo para cuidar do
futuro marido, mas ela não está mais aqui.- uma mulher de vestido longo e avental
saiu pela porta se pronunciando assim.- Tem mais algo que queira saber detetive...

-Carter, e não, vou investigar mais, se tiver mais informações atualizo o casal.

Pegou a carroça, dessa vez seria uma mais longe, não sabia o local exato e as páginas
do bloquinho estavam acabando, precisava de outro, além do mais, estava com a
barriga roncando.

Estacionou e amarrou o cavalo que pastava. A barraquinha de artesanatos não tinha


muita gente, um casal e uma senhora atendente, apenas. Tinham alguns doces e
especiarias. Um pouco mais no fundo algumas fotografias avulsas em cartões de
material resistente penduradas em uma linha de palha de milho. Aproximou-se e viu
mulheres jovens, Amélia, Olívia, Sophie, Agatha, Isla e Helena. A folha já estava
empoeirada e suja. Pegou um bloquinho para suas anotações, pão caseiro, água e pediu
para a velinha as folhas.

Com as fotografias em mãos seguiu o trajeto que continha nas informações debaixo da
imagem.
Um sobrado um tanto quanto grande foi avistado, sua visão já pedia arrego, passou à
tarde dando comando ao cavalo quase sem pausas, apenas para suas necessidades
fisiológicas e descanso do cavalo. Numa placa de madeira no alto da parede a
identificação, família Jones, bateu o ferro da porta.

-Boa noite, precisa de algo?

-Eu sou detetive de Londres, Nicholas Carter- estendeu a mão para um aperto que foi
retribuído- estou de passagem na sua fazenda por minha investigação, o sumiço de
Isla.

O homem pareceu pensar um pouco, olhou para detrás do detetive e viu o cavalo
amarrado.

-Pode passar a noite aqui, vou pedir a minha mulher dar água ao seu cavalo, ela adora
animais, assim como Isla-murmurou- Mas e então, entre, ajudei ela a fazer ensopado,
fomos a feira hoje.

-Tem uma feira aqui perto?- disse enquanto tirava os sapatos- eu não vi nenhuma.

-É do lado oposto que veio Sr. Carter. Um pouco perto do poço.

-Ah sim, obrigado pela hospitalidade.

No quarto espaçoso e bem localizado separou uma roupa, aquela casa tinha a honra de
água canalizada, sem bacias por hoje. Tomou banho e se sentiu ótimo, aproveitou o
momento e deu uma vasculhada na cômoda do lugar, não estava empoeirada, mas o
objeto de dentro sim. Era um álbum com montagem de fotos da família em papel
encorpado. Estavam lá um casal, o homem reconhecido August Jones e sua esposa
Marta Jones, quatro filho homens e uma mulher, Isla. Aquela era uma ascendência
linda. Sentiu-se sozinho mais uma vez.

No jantar conheceu Marta e o filho caçula deles, Apolo. Eram bem diferentes do que
Nicholas costumava ver, August não mandava, ele pedia para a mulher algo quando
não fazia ele mesmo, falava baixo, a ajudava, Apolo respeitava a mãe também e não só
o pai, oque era surpreendente. O patriarca só não deixava a esposa sair sozinha por
causa dos homens lá de fora, não gostaria de perdê-la, compreensível. Observou que
apesar da aparente diferença de idade, treze anos, se amavam e se respeitavam muito.

-Isla mal conseguia pegar Apolo no colo por isso vivia correndo atrás dele e
tropeçando por aí, sempre teve muitas cicatrizes- riram da história de Marta.- boas
lembranças, só espero a encontrar novamente.- abaixou um pouco a voz ainda com o
semblante feliz e esperançoso.

-Iremos amor, iremos.- o homem ao seu lado pegou a mão dela e deu um beijo perto
das pulseiras.
-Eca, temos convidados-riram e August deu outro selinho só que nos lábios de Marta
dessa vez- papai e mamãe, que coisa feia- gargalharam, a noite se passou assim, iriam
falar mais sobre o desaparecimento da filha no outro dia.

No meio da noite, Carter repensava todas as pistas que tinha até agora, estava
perdendo a confiança que tinha no Coronel, afinal, era bem suspeito aquilo, toda vez
um funcionário dele estava lá, não podia ser coincidência. Se remexeu na cama e
pensou na família que conhecera a pouco tempo, eram unidos, assim que o jantar
acabou Apolo ajudou a mãe com a louça, tudo tinha um toque de familiaridade, a
solidão se fez presente em seu coração novamente e nem se camuflou.

De pé no meio da escada viu o casal na cozinha, Srta. Jones estava envolvida pelos
braços de August.

-Já faz quase quatro anos, amor, você acha que irão encontrá-la?-resmungou contra o
peito do homem.

-Meu bem, olha para mim- ela negou e ele ergueu a cabeça dela- Vai dar tudo certo,
positividade, hum? Eu te amo.

-Eu amo você também, 'muitão!

-Muito, muito?

-Muito, muito!

Beijou o marido e Nicholas fez cara feia, estava parecendo um candelabro ali, meloso
de mais, “Deus me livre, mas quem me dera” pensou voltando para o quarto, a sede
tinha passado, apesar da chama de ter sido vela o deixasse quente.

No chá após o almoço do outro dia frio, começaram com um assunto mais sério sem a
presença do caçula.

- Podemos esperar um tiquinho? Mais cedo, Apolo chamou os pais de Helena aqui, as
duas sumiram juntas- Marta disse e Carter se surpreendeu, não sabia disso, anotou no
bloquinho.- ali estão, chegaram- levantou-se e foi até a janela de madeira acenando- A
porta está aberta Paige!

A mulher a olhou e esboçou um sorriso bonito, o homem do seu lado parecia


emburrado.

-O que aconteceu com ele?-perguntou a amiga.

-Briguei com ele, não me deixa comer doces de ameixa.

-Você já comeu doces de mais, Paige!

-Eu estou grávida, Benjamin!

-E então, esse aqui é o detetive Nicholas Carter, ele vai nos ajudar a achar nossas filhas.
A mulher que até então estava de braços cruzados de costas para o marido se virou
rapidamente esperando uma confirmação do detetive e seu companheiro quase cuspiu
toda água que bebia.

-Obrigado, Sr. Jones, sim irei ajudar e por isso, respondam minhas perguntas, certo?-
assentiram ainda em choque- e parabéns pela gravidez!

Agradeceram em uníssimo e Benjamin ajudou sua esposa a se sentar mais confortável


no sofá com uma almofada nas costas. E novamente Nicholas se sentiu surpreendido,
famílias fora do comum, não machistas resumidamente, tiravam expressões de espanto
entre as pessoas. Se em pleno século XIX uma mulher brigar ou fazer birra com um
homem, capaz dele agredi-la ou pior, matá-la.

-O que estavam fazendo naquele dia?

-Pelo que eu me lembre, era dia de feira, estávamos todos juntos na casa dos Coopers
para preparar receitas. Era aniversário de Apolo e Matteo, filho de Paige, August e
Benjamin tiveram que sair para comprar formas novas, alguns temperos e as meninas
água. Era o que faltava, não tínhamos facilidade com o acesso dela canalizada antes.

Então, foram ao poço e de lá não voltaram, posteriormente Marta pegou outro álbum e
mostrou as garotas, outros desenho em papéis finos da arquitetura da fazenda e
planejamento de mercados próximo a feira, além de um método para o poço estar mais
perto. Obras ainda não iniciadas. Levando em consideração tudo oque teve até agora,
estava óbvio que sumiam quando estavam longe da família, nada além do esperado.

-Vocês viram algum oficial, servidor público em geral no dia?- Apenas queria
confirmações de suas teorias.

Juntas as mulheres e August disseram que não.

-Aquele oficial já falecido, que trabalhava para o coronel estava na feira, ele morreu a
dois anos atrás. – Tinha que investigar imediatamente Steve, todos os relatórios o
tinham como centro, sempre em ligação, de alguma forma, era um pouco difícil de
aceitar pois, ele sempre estava em eventos beneficentes e em protesto com cidadãos, a
população gostava dele, até então. Mas Carter descobriria, afinal, contra fatos não tem
argumentos.

Sem muito esperar um descanso se despediu e recebeu agradecimentos dos Jones e


Coopers, voltaria lá, prometera isso, se deram bem. Levara consigo uma fotografia das
adolescentes, Isla e Helena juntas e sorrindo.

Enquanto ia ao seu destino achou a feira que falavam e o poço mais afastado. Horas
depois, Nicholas chegou numa casinha, era bem simples, passou do cercado e bateu na
porta depois de palmas não atendidas.

Estava quase desistindo quando viu uma mulher de aparência cansada, cabelos
desgrenhados e concha na mão.
-Sou Carter...

-Eu sei quem é você, ouvi da vizinhança que estava rondando fazendas, veio falar de
Agatha? Pois se sim, fale daí de fora, meu marido está de ressaca e eu preciso ajudá-lo,
não quero que ele pense coisas erradas de eu estar aqui sozinha com outro homem.-
interrompeu.

-Ah sim, bem, eu queria te perguntar onde Agatha estava quando desapareceu.

-Ela estava na fazenda perto do campo, comprando ervas.

-Ervas?

-Medicinais, Henrico estava bêbado e cansado das dores de cabeça.

O detetive assentiu, outra família dentro dos padrões do século. Não conseguiu
perguntar muita coisa depois, a mulher estava estressada e bateu a porta na cara dele,
dizendo “Eu tenho que acabar a sopa, se você não sabe, eu posso ser castigada depois
por estar perdendo tempo”. Triste realidade.

Iria descansar num celeiro propínquos, o sol estava se pondo, tinha pedaço de torta
salgada enrolados no pano, presente dos Jones. Ajeitaria as palhas, fazendo com que
ficassem juntas, estenderia a cobertinha, que trouxe de casa, e dormiria, já que seus
planos eram ir ao encontro do Coronel, antes do amanhecer.

Dito e feito, ao meio-dia já estava chegando, ficou abismado com o tamanho da casa,
ou melhor, daquela mansão, era realmente monumental. Cumprimentou devidamente
os oficiais prestando segurança. Vira um perto do departamento do centro de Londres,
entraria com sua ajuda. Nicholas estava ansioso, nunca em seus vinte e cinco anos de
vida entrara num lugar tão imenso e conhecera por esses meios, de acusação no caso,
alguém de tão importância na sociedade. Se manteve paciente até sua presença ser
anunciada ao anfitrião.

Coronel Steve, um homem espalhafatoso, quarenta e quatro anos, viúvo, faz caridade.
Nicholas conversaria com ele, perguntaria sobre sua rotina e projetos, depois
investigaria a veracidade de suas palavras, que pelas circunstâncias não acreditava
muito.

-Senhor Coronel- fez uma espécie de reverencia em respeito- gostaria de fazer algumas
perguntas.

Desde que Steve soube da presença do detetive por seus subordinados ficou curioso e
nervoso com sua vinda, e nesse momento, tentava controlar suas expressões faciais, na
tentativa de ocultar todas as brechas de suas mentiras, falso.

-Claro, Amanda, sirva um chá ao nosso querido detetive- a mulher abaixou a cabeça
assentindo, ele pigarreou.- Amanda?

-Sim? Senhor Coronel.


-Não se esqueça de me responder.- deu um sorriso com gentileza fingida. Um flash de
medo passou pelos olhos da mulher, Nicholas quis revirar os seus.

O chão de madeira bem limpo fazia contraste com os objetos caros nas estantes, sob a
mesa tinha uma planilha, na parede um retrato dele mesmo, egocêntrico. O teto da sala
era alto e tinha bons ângulos para a iluminação solar.

-Sim senhor, Coronel.- retirou-se.

-Bem, a que devo a honra de sua presença, Carter?

-Essa é a planilha de que?

-Constitui em um projeto para a abertura de um restaurante. Na Carnaby Street.

-Vai render grande conhecimento em Londres.

-É a intenção. Um estilo mais moderno e destinado principalmente para os Senhores,


com toda a certeza, acho que gostaria de lá.

-O Senhor fez caridade esse ano, lá na periferia, não é?

-Sim fiz, gastei grande parte das minhas economias- lambeu os lábios ressecados.

-Quando pretende iniciar a obra?

-Mês que vem.- disse convicto.

O investigador quase soprou um sorriso debochado de lado, se conteve. Para quem


estava ruim das economias por doar quantia gorda para os necessitados, abrir um
negócio tão grande como pretendia... “é cada coisa, viu?!” Nicholas pensava enquanto
anotava no seu bloquinho.

-Mas, vamos direto ao ponto, o Senhor costuma mudar muito de rotina?

-Não, não. Minha rotina é a mesma desde que minha mulher faleceu. Há treze anos.

-No primeiro trimestre do ano, o que faz?

As perguntas seguiram acompanhadas de chá, não conseguiu tirar muita coisa do


suspeito por isso iria seguir com o plano inicial.

Seguia o Coronel pela noite, Carter o viu olhando de relance para as áreas atrás de si,
mesmo depois de dois funcionários seus checarem o trânsito de pessoas, não era
comum naquele horário, mas era melhor a prevenção. Ele trajava um sobretudo de cor
escura por cima do paletó bem alinhado preto, as calças faziam justo ao tamanho de
suas pernas, relógio pendurado, estava perfeitamente elegante. Nicholas usava um
terno, não tão caro, afinal, era difícil usar roupas quando se trabalha para a
comunidade e governo, em favor de onde nascera, o que era irônico nessa ocasião. Já
estavam um pouco afastados da casa dele, numa rua escura e mal iluminada, o detetive
estranhou, o que aquele homem fazia ali aquele horário? Olhou no seu relógio de bolso
mais uma vez confirmando as horas, quase uma hora pós meia-noite.
Mais longe dali um oficial vigilante observada Carter franzir o cenho para as palavras
de outro homem. Iria enviar uma carta, e quem sabe, ganhar uma promoção.

Voltando pela escuridão e noite sem vento, os pensamentos de Nicholas iam longe, um
prostíbulo, um bordel mesmo? O Coronel? Ah, agora sim iria atrás de respostas.

Steve abriu o selo do papel quase sumindo entre seus dedos, a escrita escura o fez ter
raiva de sua confirmação, quem era aquele investigadorzinho medíocre pensava que
era? Estava descrente, se alguém soubesse de suas ações ilegais estaria condenado, foi
pego no flagra, no entanto, mandaria alguém para despistá-lo, com a justiça jogaria
sujo.

Dois dias depois Carter continuava com seus estudos, depoimentos, e finalmente
estava pronto para ir mais afundo, entraria no local. Vestiu-se apropriadamente e foi.
Não demorou muito para chegar no bordel, a entrada era estreita, já dava para se ouvir
o recorte de instrumentos da música clássica, e sentir o cheiro de fumaça. Visualizou
alguns homens com tabaco e outros com o famoso charuto alternativo, as mulheres
prostituas estavam lá, com roupas e maquiagem exageradas, que para os clientes, era o
desejado e procurado, considerado muito atrativo.

Tentava reconheceu no meio daquela gente as mulheres que conheceu por foto, com
exceção de Olívia, com quem já teve contato direto na sua infância. Até pediu
informação e conseguiu achar uma delas.

-Sophie?-sussurrou e a garota o olhou estática e em alerta, sentia problemas.

-Não sei do que está falando- desconversou, quando foi sair de perto teve seu pulso
segurado- me solta, eu não sei quem é essa!- os olhos denunciavam medo e mentira. A
boca trêmula como se dissesse “me salve, me ajuda” o que de fato queria dizer. Não
queria estar ali e não podia ignorar um cliente e por isso foi repreendida com um gesto
de um dos trabalhadores da casa, foi como um balde de água fria, ela não era ninguém
para ter direito de escolher.- quer dizer, mas se o senhor quiser, posso satisfazer suas
fantasias- de um jeito totalmente diferente do anterior se aproximou passando a mão
pelo terno do rapaz sem reação.

Calmamente ele a levou para um canto perto das paredes onde o som da música e
conversa não chegava bem, a posicionou devagar em sua frente e começou dizendo:

-Sophie, eu sou detetive, meu nome é Nicholas, me encontrei com sua família, eu vou
te ajudar a sair daqui.

-Eu fui sequestrada a um bom tempo atrás, outras garotas também- respirou fundo
controlando a imensa vontade de chorar, não faria isso, não queria apanhar- acha
mesmo que você pode me tirar das garras do Coronel?

-Então ele mesmo mandava sequestrar vocês, estou certo?- quis uma confirmação
direta.
-Sim, essa é uma luta com o Senhor Steve, acha que vai conseguir?- perguntou
novamente, só que em tom de escárnio.

-Eu estou fazendo justiça.

-Não acredito que pensa que pode vencer ele, ele é corrupto e joga sujo!- afirmou
nervosa de tom alterado, se controlou melhor e manteu a pose.

-Se ele tenta trapacear é porque sabe que vai perder e por isso quer uma garantia. Com
a verdade se joga dependendo da forma que usa ela, ele tem cartas nas mangas e quem
as entregas sou eu.

Ela direcionou seu olhar para o chão, depois de tanto tempo veio alguém para resgatá-
las, se fosse um sonho, não queria acordar.

-Sabe onde estão as outras?

-Como eu fui a primeira a chegar sei sim, Isla e Helena chegaram depois, Aghata
acabou falecendo grávida.

-Sabe de Olívia?

-Aquela jovem provavelmente está passando pelas torturas psicológicas, devem estar
dizendo coisas absurdas, ameaçando a família dela e dando um valor, como uma
mercadoria.

Suspirou Carter, é tão ruim que é real, precisava acabar com isso o quanto antes.

-No final das contas ela é carne fresca e virgem, se não for leiloada para a perca de
pureza, é a resposta ao que sei que está pensando nesse momento.

“O próprio Coronel a desfloraria”, correria contra o tempo, salvaria as garotas, as


tirariam desse tormento.

Olívia recebeu uma folha pequena de sua amiga no dia seguinte, escondida demorou
para conseguir ler algo, aprendeu pouco com o irmão, Isla e Helena.

“Se mantenha firme, ajudarei você Olívia, você e suas amigas, me aguarde. Seu
irmão está com saudades! Se mantenha aquecida até lá!

Carinhosamente, Ni Carter.”

As lágrimas já desciam pela bochecha da garota, estava mais aliviada, e diferente


do que falaram, teria alguém que a tiraria dessa.

Na semana seguinte, o detetive já tinha conseguido grande progresso, arquitetado


todo o plano, Alex estava em sua companhia desta vez, ele iria retirar as meninas
do prostibulo e Nicholas iria pegar provas de antemão em sua casa, dos sequestros
e tudo. Era arriscado? Sim, mas era o jeito.

Contando os segundos para entrar na mansão, deu um passo receoso, a rifled


musket estava mantida de posicionamento dianteiro. Foi andando pelo corredor, a
respiração estava desregulada, se conhecia bem, se não prestasse atenção ou se não
focasse nos objetivos, iria ter uma crise de ansiedade, estava de fato nervoso, não
gostou nadinha do lugar e da energia que o mesmo tinha, se conteve, afinal, é um
detetive e estava em busca da liberdade de garotas inocentes, desistir não era uma
opção para Carter.

Caminhou até a sala, não tinha avistado nenhum oficial ainda, por um descuido,
quando foi abrir uma porta foi atingido na cabeça, não desmaiou, mas o deixou
muito tonto. Alguns golpes foram desferidos contra sua face, desviou e deixou
alguns no rosto alheio também.

Enquanto isso, Alex tentava passar as meninas pelo espaço apertado quase sem ar
de trás do camarim onde se arrumavam. Estavam em uma espécie de fila,
abaixadas em sequência, todas menos Aghata. A única coisa que pegaram da
menina foi um chapéu e manta que ela tinha conseguido comprar com o pouco
capital que tinha para seu falecido bebê. A mataram de forma brutal, além de
estuprada foi estrangulada, Sophie, Isla e Helena não gostavam nem de lembrar
dos gritos que ouviram no dia.

Deixando o subordinado inconsciente no chão, Nicholas pegou a arma novamente


e apontou para o homem, a porta se abriu no meio da luta corporal e de lá Steve
assistia.

-Até que você não é tão ruim detetive.- desdenhou.

-Vamos logo, você foi pego, desiste eu tenho provas!

O Coronel sabia disso, montou uma armadilha também, por isso foi se
aproximando do investigador, sem esperar hesitação dois de seus homens tiraram
bruscamente sua forma de defesa das mãos.

-Carter, Carter- disse em entonação doce como veneno- deveria saber que se
queima mexendo com fogo.- provaria o próprio.

O detetive foi imobilizado, teve os joelhos dobrados por chutes consecutivos, e


mesmo assim falou:

-Acontece, Coronel, que eu amo brincar com fogo!-Tempos atrás foi vela romântica
de um casal, aprendeu domar aquele fogo, por sorte alguém o incentivou a tê-los
nas palmas das mãos, Olívia.

-Fogo, fogo, evacuem, rápido!

Gritaria e pisoteamento, um completo caos se encontrava o bordel, um dos


trabalhadores sentiu cheiro de queimado, verificou e avistou as vestes das
prostitutas em chamas, imediatamente saiu correndo anunciando o incêndio.

Olívia apagou o isqueiro e o colocou no bolso, tarefa cumprida.


-Acha que pode brincar comigo Carter, Me responde, hum?! Estou falando com
você seu merda!- tinha o colarinho de Nicholas nas mãos, esse, que começou a rir.-
está rindo do que?

-Cala a Boca Benjamin!- uma voz estridente chamou atenção de todos, o oficial
caído no chão também.

-Brigando de novo?

-Sabe Marta, é minha esposa que acha que vai derrotar alguém com essa frigideira-
apontou.

Quando a Cooper levantou o objeto para ameaçar o marido, acertou na cabeça do


segundo oficial, os dois no chão pela mesma mulher, August de boca aberta sem
reação. Foi momento de agir, aproveitou a distração e deu um golpe que acertou
precisamente Steve.

Os corruptos no chão, Collins e Jones se encarando sem saber o que dizer, silêncio
até...

-Será que eu o matei?- A grávida cruzou os braços e esperou resposta do pedaço de


ferro.

-Isla! Meu Deus, graças ao Senhor- um reencontro bonito Carter presenciou.

Seguiu-se de choro e agradecimentos, catarro, beijos, orações, novidades, mais


choros e abraços, estavam de volta ao lugar que nunca deviam ter saído.
Infelizmente ou felizmente a mãe de Agatha não ligou muito para a notícia, se
acostumou com a falta de uma criança, que desde nova nunca quis, talvez fosse
melhor assim. Viveriam em paz.

O agora Ex-Coronel Steve teve sua pena cumprida, morreu enforcado, pelas
pessoas que matou, lavagens de capital, sequestro, entre outros crimes.

Cinco anos depois, Collins tiveram a benção de gêmeos, já estavam grandinhos e


rechonchudos, eram mais velhos que o casal de filhos de Nicholas e Olívia. Que se
casaram um ano depois da estabilidade emocional da moça.

Isla e Helena não buscavam se casar por hora, estavam em momento de


recuperação, querendo ou não, o que aconteceu foi muito traumático.

Sophie e Amélia se encontravam entulhadas de papéis, se preparavam para uma


mudança nos hábitos da sociedade, seus sonho não estavam longe, tiveram apoio
suficiente para batalhar por eles. O machismo não iria a impedir de escreverem e
publicarem seus próprios livros, apesar do século XIX.

A vida continuou para todos, superação e força de vontade foi essencial, Carter de
jeito nenhum se sentia sozinho, às vezes da esposa até levara um puxão de orelha
para ajudar com os filhos. Essas famílias não estavam nos padrões de normalidade
impostos, não mudariam isso, sentiam orgulho da união que tinham, em invernos
frios como gelo e verões quente como chamas de isqueiros controladas, não se
importavam, estavam todos juntos agora.

Isabela Galharini ignês Nono ano

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