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DIREITOS LGBTQIA+

ÍNDICE
1. CONCEITOS E NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE DIVERSIDADE SEXUAL E DE GÊ-
NERO...........................................................................................................................................4
Porque estudar os conceitos...........................................................................................................................................4
Conceitos..................................................................................................................................................................................4

2. A SIGLA LGBTQIA+..............................................................................................................8

3. CONTEXTO HISTÓRICO MUNDIAL DOS DIREITOS DA POPULAÇÃO LGBTQIA+.....9


A Colonização da Sexualidade e do Gênero.............................................................................................................. 9
Homossexualidade na História Antiga......................................................................................................................... 9

4. O INÍCIO DA HOMOFOBIA, AS INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS E O ESTADO HOMOFÓ-


BICO..........................................................................................................................................10
O início da homofobia, as instituições religiosas e o Estado Homofóbico.................................................. 10
Início do Movimento no Brasil......................................................................................................................................... 11

5. ANÁLISE DA HOMOFOBIA, INTOLERÂNCIA E CRIMES DE ÓDIO..............................12


Análise da homofobia, intolerância e crimes de ódio...........................................................................................12

6. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE HOMOFOBIA.......................................................14

7. CATEGORIAS DA HOMOFOBIA........................................................................................15
Categorias de Homofobia................................................................................................................................................ 15

8. A CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA...........................................................................16
A Criminalização da Homofobia.................................................................................................................................... 16

9. INSTRUMENTOS JURÍDICOS DE COMBATE À HOMOFOBIA..................................... 17


Instrumentos Jurídicos de Combate à Homofobia...............................................................................................17

10. OS DIREITOS HUMANOS E A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À DI-


VERSIDADE.............................................................................................................................19
Os Direitos Humanos e a Proteção Constitucional do Direito à Diversidade............................................. 19

11. OS DIREITOS LGBTQIA+ COMO DIREITOS HUMANOS............................................. 20


A ONU e os Direitos à Diversidade.............................................................................................................................. 20

12. ESTUDO DE CASOS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS....21


Caso 01. Informe da Corte IDH condenando assassinatos de mulheres trans no Brasil......................21
Caso 02. Jean Wyllys..........................................................................................................................................................21
Caso 03. Mônica Benício...................................................................................................................................................21
Caso 04. Atala Riffo vs. Chile..........................................................................................................................................22

13. O ATIVISMO JUDICIAL E O PANORAMA JURÍDICO SOBRE A DIVERSIDADE SE-


XUAL E DE GÊNERO NO BRASIL......................................................................................... 23
Ativismo judicial e Repartição de Poderes...............................................................................................................23
Intervenção do Poder Judiciário como instrumento de garantia de direitos...........................................23
Ativismo Judicial ou Protagonismo Judicial...........................................................................................................23
1. Conceitos e Noções Preliminares sobre Diversidade
Sexual e de Gênero
Porque estudar os conceitos
Os conceitos são fonte importante de conhecimento e auxiliam a compreender o tema de
forma ampla. Assim, é necessário compreender algumas nomenclaturas utilizadas no estudo,
mesmo que não se liguem diretamente aos direitos LGBTQIA+.

Conceitos
DIVERSIDADE SEXUAL E DE GÊNERO
Diversidade de gênero refere-se às infinitas formas de vivência e expressão da sexualidade.
Isso porque, parte-se do pressuposto de que a sexualidade humana é formada por uma
cadeia de fatores biológicos, psicológicos e sociais, que envolve sexo biológico, orientação
sexual, identidade de gênero e expressão de gênero.

SEXO BIOLÓGICO
É o conjunto de informações biológicas, fruto da combinação de cinco fatores: o sexo
genético (cromossômico), o sexo gonadal, genitália externa, genitália interna e características
fisiológicas secundárias que distinguem “machos” e “fêmeas”. É, portanto, ligado às
características fisiológicas da pessoa.

Há também pessoas que nascem com a combinação de ambos os sexos biológicos, sendo
definidas como intersexo. Como o sexo biológico possui mais de uma determinante, pode-
se afirmar que existem várias maneiras de ser intersexo. Essas pessoas eram denominadas
“hermafroditas”. No entanto, esse termo é carregado de sentido pejorativo e estereotípico e
não deve ser utilizado.

GÊNERO
Comumente, conceitua-se gênero como a identificação com um dos marcadores sociais do
sexo biológico. Para Judith Butler, gênero é uma construção social, que tem por base o
discurso de adequação ao que se espera do sexo biológico. Isso porque, socialmente, é
exigido do indivíduo que ele se identifique e se expresse de acordo com um arquétipo, uma
ideia socialmente aceita do que é próprio do sexo biológico. Nas palavras da autora, exige-se
a correspondência compulsória entre coerência total entre sexo, gênero e desejo/prática.

Quando uma criança nasce, é entregue a ela um conjunto de normas sociais. O que determina
quais normas serão exigidas dela é o sexo biológico, com base no que a sociedade entende
ser papel “masculino” e “feminino”. A esse conjunto de regras, determinações e conformações
sociais dá-se o nome de gênero.

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IDENTIDADE DE GÊNERO
É a percepção íntima que cada indivíduo tem sobre si, sobre qual conjunto de regras se
identifica, e como quer ser reconhecido. A identidade de gênero pode ser dividida em:

• Cisgênero: concordância entre a identidade de gênero do indivíduo e o padrão de gênero desig-


nado ao seu sexo biológico. Essa pessoa é não trans.
• Transgênero: conceito que engloba todas as pessoas que não se identificam com o gênero atri-
buído ao nascer, levando em consideração seu sexo biológico. É uma categoria ampla, genérica, um
guarda-chuva que engloba aquele que não se identifica, de forma total ou parcial, com a equivalência
dada ao sexo biológico e ao gênero. São parte dessa categoria:

• Transexuais: pessoas que possuem uma identidade de gênero oposta àquela designada
pelo sexo biológico.
• Travestis: identidade de gênero autônoma, na qual a pessoa assume papéis de gêne-
ro distintos dos impostos pela sociedade. Não reivindicam a identidade “mulher”. No entanto,
devem ser designadas com pronomes femininos.
• Não-binários: pessoas que não se identificam com a binariedade de gênero, ou seja, nem
com o masculino, nem com o feminino. Há quem se identifique com ambos os gêneros
(não-binário bigênero), ou mesmo com nenhum deles (agênero), ou, ainda, transite entre os
gêneros (gênero fluido).

Muitos têm a ideia equivocada de que o que diferencia transexual de travesti é a cirurgia
de adequação. No entanto, essa afirmação não é verdadeira. A escolha entre ser deno-
minada transexual ou travesti é de foro íntimo.

EXPRESSÃO DE GÊNERO
É a manifestação pública da identidade de gênero. Ela poderá ser expressa por meio dos signos
relativos a um ou outro gênero, como o nome, a vestimenta, o corte de cabelos, entre outros
marcadores de gênero existentes na sociedade. A luta do movimento LGBTQIA+, em especial
das pessoas trans, é para que esses símbolos carregados de significado não sejam atribuídos
de forma exclusiva a um ou outro gênero. São três as principais expressões de gênero:
1. Androginia: pessoa que apresenta características, traços ou comportamentos neu-
tros ou ambíguos entre masculino e feminino.
2. Drag Queen/Drag King: homem que se traveste de mulher (drag queen), ou mulher
que se veste de homem (drag king), com finalidade artística e de entretenimento.
Além de expressões artísticas, o movimento drag trouxe imensas contribuições para a luta
pelo combate às imposições de expressão de gênero, por meio da brincadeira com os símbolos
relacionados aos gêneros. Para saber mais sobre o movimento drag e sua importância,
recomendamos o documentário “Paris is Burning”, disponível na Netflix, que conta o início

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do movimento drag nos anos 1980 em Nova York e o funcionamento dos bailes vogue que
acolhiam inúmeras pessoas LGBTQIA+ em situação de pobreza na cidade.

ORIENTAÇÃO SEXUAL
É um conceito ligado à atração afetiva ou sexual de uma pessoa por outra. Ou seja, é por
quem determinado indivíduo se sente atraído. Esse indivíduo pode ser atraído por Homens,
Mulheres ou ambos os sexos. O termo é orientação, não opção, uma vez que se trata
de uma condição humana que faz parte de sua própria essência, e não uma simples
escolha de vida:

• Heterossexual: pessoa que se sente atraída afetiva/sexualmente por pessoas do sexo ou gêne-
ro oposto.
• Homossexual/Homoafetivo: pessoa que se sente atraída afetiva/sexualmente por pessoas do
mesmo sexo/gênero. Se homens, são denominados gays; Se mulheres, são lésbicas.

O correto a se referir a essa sexualidade é Homossexualidade, e não homossexualismo,


uma vez que este último é termo carregado de sentido pejorativo, já que o mesmo sufi-
xo é utilizado para definir doenças.

• Bissexual: pessoas que se atraem por ambos os sexos/gêneros. Contrapõem-se aos monosse-
xuais, como os dois casos acima, que se atraem por um único gênero. Algumas sexualidades monos-
sexuais que podem ser elencadas:

• Pansexual;
• Omnisexual;
• Polissexual;
• Fluid;
• Heteroflexível;
• Homoflexível;
• Queer.

ESCALA KINSEY
Alfred Kinsey foi um cientista americano estudioso da sexualidade humana, que criou, por
meio de experiências sociais, uma escala para aferir o comportamento da sexualidade ao longo
do tempo. A escala vai do zero ao 6, sendo que o zero representa a pessoa exclusivamente
heterossexual, e o 6 a pessoa exclusivamente homossexual. Esse estudo escancarou o quão
ultrapassada é a descrição em 3 categorias da sexualidade, uma vez que a expressão da
sexualidade varia em espectros de preferência não comportados por elas.

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QUEER
O termo queer, em sua tradução literal do inglês, significa “estranho”, e já foi utilizado de
forma pejorativa, para definir as pessoas LGBTQIA+. No entanto, foi ressignificado pela própria
comunidade, e é amplamente utilizado para definir as pessoas que não se identificam com os
padrões e definições impostos pela sociedade.

Essas pessoas podem transitar entre os gêneros e orientações sexuais, não se definindo
por rótulos sociais. Muitas vezes se recusam a definir seu gênero, ou simplesmente não sabem
em qual categoria se encaixam. Hoje, esse termo é empregado para demarcar socialmente
uma luta política pela queda dos padrões sociais definidores de gênero e sexualidade.

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2. A Sigla LGBTQIA+
A sigla tem como objetivo principal a união de pessoas pertencentes a essa comunidade em
torno de um movimento cujo nome exprima e reconheça sua identidade, e que, portanto, as
represente pela denominação. O nome não foi sempre esse, já que a evolução da nomenclatura
foi fruto da luta das pessoas LGBTQIA+ por reconhecimento dentro da própria comunidade. A
evolução da sigla foi a seguinte:
1. GLS: criada no ano de 1994, essa sigla significava “Gays, Lésbicas e Simpatizantes”.
Simpatizantes seriam indivíduos não propriamente pertencentes à comunidade LGBT-
QIA+, mas que apoiavam a causa. No entanto, essa sigla entrou em desuso, já que não
fazia sentido manter os simpatizantes na nomenclatura, uma vez que essas pessoas
apagavam o protagonismo na luta dos demais.
2. GLBT: significa Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros.
3. LGBT: a diferença foi apenas na ordem das letras. O movimento de mulheres, em
especial mulheres lésbicas, em razão do grande foco que se dava à causa gay em detri-
mento de suas pautas, reivindicou a ordem da nomenclatura.
4. LGBT+: com o passar do tempo, a comunidade percebeu que a sigla não represen-
tava todos os membros dessa comunidade tão heterogênea. Por isso, acrescentou-se o
símbolo de adição no fim da sigla, para representar todas as demais não abarcadas pelas
letras expressas.
5. LGBTQIA+: atualmente, essa é a sigla mais correta e utilizada, fruto de lutas políticas
da comunidade Queer, Intersexo e Assexual.

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3. Contexto Histórico Mundial dos Direitos da
População LGBTQIA+
A Colonização da Sexualidade e do Gênero
Aníbal Quijano, sociólogo peruano, em sua obra “A Colonialidade do Poder”, explica que a
Colonização se sustentou por 3 pilares:
1. Raça;
2. Exploração Capitalista;
3. Classificações de Gênero.
O autor sustenta que o processo de colonização da Europa sobre o resto do mundo utilizou
o conceito de raça e da construção de gênero para sustentar um status quo de poder e
submissão das nações consideradas “não civilizadas”. Por isso, é importante entender que a
sabedoria tradicional sobre sexualidade é uma construção que expressa uma posição, e deve
ser estudada com cuidado, pois há o risco de reforçar discursos que muitas vezes aprisionam
em uma lógica colonial. Caso queira aprofundar sobre o assunto, pesquise sobre o movimento
do pensamento decolonial e a sua luta pela criação de um conhecimento livre da episteme
eurocêntrica.

Homossexualidade na História Antiga


Na Antiguidade, a relação sexual e afetiva entre homens era uma prática comum e aceita,
sendo, inclusive, institucionalizada pela sociedade política da época pela chamada Pederastia
Institucionalizada. Essa prática consistia na relação entre homens mais novos e mais velhos,
com a finalidade de que o jovem recebesse a masculinidade e virilidade do homem experiente
e sábio nesse processo.

O homem mais velho e sábio deveria exercer a postura ativa, enquanto o jovem aprendiz
exercia o papel de passivo. Inclusive, se essa ordem fosse subvertida, havia consequências
políticas e sociais ao mais velho, pois a subversão era enxergada como uma espécie de
renúncia à masculinidade, e, portanto, inaceitável.

Nessa época não existiam propriamente “homossexuais” e “heterossexuais”, já que todos


poderiam manter relações sexuais e afetivas sem que representasse uma mudança em seu
status social. As fontes históricas pouco encontraram sobre a relação entre mulheres na
Antiguidade. Isso porque a sexualidade feminina era, de certa forma, irrelevante socialmente,
passando despercebida pelos relatos antigos. Sobre o assunto, importante ler sobre a história
da poetisa Safo, residente na Ilha de Lesbos (daí o nome “lésbica”).

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4. O início da homofobia, as instituições religiosas e o
Estado Homofóbico
O início da homofobia, as instituições religiosas e o Estado
Homofóbico
EUROPA
Até meados do século XIX havia forte ingerência da religião no Estado. Desde antes da
ascensão do Cristianismo no mundo, as comunidades judaicas recriminavam o que era
denominado por eles de “Libertinagem” – ou seja, toda relação afetivo-sexual sem fins
reprodutivos. Por isso, as práticas homossexuais começaram a ser condenadas, já que
entravam no conceito de Libertinagem.

Com a ascensão do Cristianismo e a aliança entre essa instituição e o Estado, as penas a quem
realizava atos de Libertinagem começavam a ganhar força e serem cada vez mais violentas.
Com o tempo, o foco da punição passou a ser não quem cometia atos de libertinagem,
mas quem se relacionava com pessoas do mesmo sexo. As punições exemplares eram
amplamente aplicadas, como os desmembramentos, punições com fogo, etc.

BRASIL
No Brasil, antes da colonização portuguesa, a maioria das comunidades ameríndias
considerava gênero em 3 vertentes: masculina, feminina e “dois espíritos”, sendo comum
a relação indígena entre pessoas do mesmo sexo. A partir da colonização, essa prática foi
criminalizada e considerada paganismo.

O primeiro caso conhecido de “homofobia” no Brasil foi em relação a um indígena, da


tribo Tibira, em 1614. Ele era considerado um “dois espíritos” e quando descoberto pelos
colonizadores foi punido severamente, assassinado amarrado em um canhão. A vedação à
homossexualidade perdurou e foi cristalizada no Brasil Império, no Código Penal do Império
de 1830 que tipificava a sodomia.

A REVOLTA DE STONEWALL
O marco que deu início ao movimento LGBTQIA+ foi a Revolta de Stonewall, ocorrida
em 28 de junho de 1969 em Nova York, nos Estados Unidos. O contexto da época era de
criminalização da homossexualidade, de modo que em 1968, um ano antes da revolta, cerca
de 5 mil pessoas estavam presas por crimes relativos à orientação sexual na cidade. Havia
uma lei, desde 1875, que proibia o uso de roupas ou adereços que não fossem próprios da
expressão correspondente ao sexo da pessoa.

O estopim da revolta foi a invasão e repressão policial no bar Stonewall Inn, um dos poucos
locais que acolhiam pessoas LGBTQIA+, servindo de ponto de encontro entre elas. Após a
invasão, as pessoas ligadas à causa organizaram uma grande marcha pela visibilidade da luta
das pessoas LGBTQIA+. Foi a primeira parada do orgulho, e marco de início do movimento

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pelos direitos sexuais das pessoas LGBTQIA+, em um contexto mundial marcado, também,
por lutas pelos direitos e liberdades civis.

Sobre essa questão, cumpre destacar o papel de Marsha P. Johnson, que após o ocorrido em
Stonewall percebeu a importância da luta política pelos direitos da população LGBTQIA+, em
especial à população transgênero, da qual era representante. Foi idealizadora da Ação das
Travestis de Rua Revolucionárias (S.T.A.R, em inglês), organização que abrigou e acolheu
centenas de jovens transgêneros e drag queens em Nova York. Sobre a vida de Marsha,
recomenda-se o documentário “A morte e vida de Marsha P. Johnson”, produzido pela
Netflix.

Início do Movimento no Brasil


No Brasil, o movimento organizado surgiu no contexto das repressões perpetradas pela
Ditadura Militar (1964-1985). Na época alguns movimentos organizados de combate à ditadura
foram fortalecidos, em especial compostos por estudantes e operários. Também em razão da
censura foi criada e fomentada a imprensa alternativa. Alguns destaques dessa imprensa
foram o Lampião da Esquina (1978-1981) e a Chanacomchana (1981-1987), considerada a
primeira a primeira publicação lésbica brasileira.

No Brasil, houve uma revolta conhecida como “A Stonewall Brasileira”, no Ferro’s Bar, que
fez surgir o dia do orgulho lésbico no país. Ferro’s bar era um ponto de encontro de pessoas
LGBTQIA+ na cidade de São Paulo. Inclusive, era onde se veiculava as edições do jornal
Chanacomchana. No dia 19 de agosto, o dono desse bar proibiu a distribuição do jornal dentro
do estabelecimento, sob o pretexto de que ele feria os bons costumes. Essa proibição fez
insurgir uma revolta muito grande por parte das mulheres que frequentavam o bar. Em razão
disso, o dia 19 de agosto é conhecido nacionalmente como dia do orgulho lésbico.

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5. Análise da homofobia, intolerância e crimes de ódio
Análise da homofobia, intolerância e crimes de ódio
CONCEITO DE DISCRIMINAÇÃO
A concepção mais completa sobre discriminação surgiu na Convenção Internacional dos
Direitos das Pessoas Com Deficiência de 2009. Segundo essa convenção, discriminação
é qualquer diferenciação, exclusão ou restrição, com o propósito ou efeito de impedir ou
impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades,
com as demais pessoas de todos os Direitos Humanos e liberdades fundamentais. Esse
conceito é o utilizado pela Constituição Federal, em razão da incorporação desse diploma
internacional ao ordenamento brasileiro, inclusive com o rito especial próprio das Emendas
Constitucionais.

A discriminação pode ser realizada de forma direta ou indireta:

• Discriminação Direta: tem o propósito de excluir de forma direta determinado grupo social, como
propósito primordial.
• Discriminação Indireta: não nasce de uma intenção de exclusão, mas seus efeitos ocasionam a
discriminação, como reflexo do estabelecido pela medida.

Da leitura do art.3º, IV da CF, depreende-se que a proteção jurídica antidiscriminatória é


destinada aos grupos sociais que dela necessitarem, trazendo um rol exemplificativo de
quem comporia esse grupo.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;


II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.

DEFINIÇÃO DE CRIME DE ÓDIO


Crime de ódio é toda infração penal cometida contra outra pessoa, cuja motivação se dê em
razão da raça, etnia, cor, origem nacional ou territorial, sexo, orientação sexual, identidade de
gênero, religião, ideologia, condição social, física ou mental da vítima. Ou seja, o que diferencia
esse crime é a motivação da ação de quem a comete, uma vez que a ação é perpetrada em
razão de características da vítima.

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Portanto, nem todo crime cometido contra as pessoas pertencentes aos grupos que
compõem essa definição serão crimes de ódio, já que esses necessitam da motivação
específica. O cometimento desses delitos atenta contra a Democracia e os objetivos da
República elencada pela própria Constituição Federal (art. 3º). Por isso, crimes perpetrados
em razão dessa motivação são especialmente graves.

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6. Breves considerações sobre homofobia
A homofobia é a discriminação e violência que se fundamenta na crença da existência de
uma hierarquia de sexualidades, onde a heterossexualidade ocupa a classe superior. Dessa
forma, todas as demais sexualidades são consideradas doentias, perversas, pecaminosas,
etc.

Essa ordem social foi imposta pelo opressor, e incorporada no imaginário do oprimido, de
modo que se forma uma ordem social naturalizada. Dessa maneira, tudo o que desvia da
heterossexualidade, segundo essa ordem social, deve ser combatido.

A homofobia anda de mãos dadas com o sexismo, que é a mesma crença de superioridade
dos gêneros, onde o masculino é superior e o feminino é inferior, subalterno.

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7. Categorias da Homofobia
Categorias de Homofobia
1. Homofobia Afetiva: também conhecida como psicológica, é a condenação moral
da homossexualidade. Essa modalidade a encara como uma conduta desviante, conde-
nável
2. Homofobia Cognitiva (social): visa ressaltar as diferenças entre homossexual e
heterossexual, em suas peculiaridades e distinções, para embasar uma superioridade da
última sobre a primeira.
3. Homofobia Geral: é a conhecida fiscalização de gênero, que se calca na constante
afirmação dos papeis sociais de gênero designados para cada sexo biológico, exigindo
o respeito e adequação a esses papéis. Exemplo: “homem não chora”.
4. Homofobia Específica: é aquela destinada especificamente às pessoas em ra-
zão de sua orientação sexual e de gênero. Pode ser de cunho lesbofóbico, gayfóbico ou
bifóbico. Na lesbofobia, ao contrário da gayfobia, percebe-se não somente a violência
em razão de sua orientação sexual, como também a subalternização em razão de seu
gênero, uma vez que a violência lesbofóbica é praticada em detrimento de mulheres.
5. Sexismo: crença em uma ordem natural e biológica dos gêneros, na qual as pes-
soas devem se comportar da forma determinada por essa ordem natural. Como sabe-
mos, não há nada natural nessa ordem, já que foi construída socialmente ao longo da
história para oprimir determinados grupos.
6. Homofobia Internalizada: trata-se justamente da internalização, pelos membros
da comunidade LGBTQIA+, das normas sociais que pregam a superioridade biológica
e natural dos grupos opressores, de forma que o indivíduo desviante crê em sua própria
inferioridade.

RACISMO
Raça é um conceito político, que visa fundamentar as segregações e naturalizar as diferenças
entre as pessoas em razão de sua cor e etnia. Nesse sentido, racismo é uma violência
praticada por um grupo social opressor, supostamente superior biologicamente, contra
um grupo social supostamente inferior. Sobre o conceito de raça e racismo, para aprofundar,
sugerimos a leitura da obra “Racismo Estrutural”, de Sílvio de Almeida.

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8. A Criminalização da Homofobia
A Criminalização da Homofobia
Em 2019 o STF julgou a ADO nº 26 e o MI nº 4733, ambos com escopo na omissão legislativa
acerca da criminalização da homofobia. O argumento do legitimado, o partido PPS, foi de
que o art.5º, XLI e XLII da CF trariam mandados de criminalização que não foram cumpridos
pelo legislador.

Mandados de criminalização são disposições constitucionais que expressam um comando


ao legislador: coibir, mediante instituição de tipos penais, determinadas condutas atentatórias
ao bens jurídicos considerados fundamentais aos seres humanos.

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: [...]

XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos
da lei;

Diante da constatação de omissão do Legislativo, o STF ampliou o conceito de Racismo


Social, para que a prática de homofobia seja abarcada no crime de Racismo, que já
existe. Trata-se de mutação constitucional, definida como a ampliação da interpretação de
conceitos, com finalidade de adequar a interpretação à ordem social atual.

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9. Instrumentos Jurídicos de Combate à Homofobia
Instrumentos Jurídicos de Combate à Homofobia
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Os princípios que veiculam a liberdade e a dignidade da pessoa humana são fundamentos
utilizáveis em ações judicias para que se busque reparação caso haja a violação desses
direitos. Conforme veicula o caput do art.5º, todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza.

LEI DE RACISMO (LEI Nº 7.716/89)


A lei de Racismo poderá ser utilizada para coibir atitudes LGBTfóbicas. Portanto, poderá ser
reportada a ocorrência de crimes de discriminação sexual e de gênero às delegacias, para
o processamento com base no crime de racismo. No Estado de São Paulo, foram criadas
as Delegacias da Diversidade, viabilizando que as pessoas façam ocorrências online, sem
necessidade de ir pessoalmente ao órgão.

LEI ESTADUAL DE SP Nº 10.948/2001


É uma lei que visa punir e coibir atos discriminatórios e atentatórios face a pessoas LGBTQIA+.
Ela não cria crime, já que a criação de tipos penais é de competência privativa da União.
No entanto, cria punição administrativa para quem discriminar ou atentar contra pessoas
LGBTQIA+. A competência para processamento desse procedimento administrativo é da
Secretaria de Cidadania e Justiça do Estado de São Paulo.

CRIME DE ESTUPRO CORRETIVO


Essa conduta foi inserida em 2018 no Código Penal, como majorante, e consiste no
cometimento de crime sexual com o intuito de corrigir um comportamento social da vítima.

Art. 226. [...]

A pena é aumentada: [...]

IV - de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado: [...]

b) para controlar o comportamento social ou sexual da vítima.

Crimes Contra a Honra

Os crime de injúria é qualificado quando tiver intuito discriminatório.

Art. 140, CP. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. [...]

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§3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a
condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:

Pena - reclusão de um a três anos e multa.

ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO


Há possibilidade de requerer indenização, na justiça do trabalho, a quem sofre assédio moral
em razão de sua orientação sexual ou de gênero.

AÇÕES INDENIZATÓRIAS
É possível que essas condutas discriminatórias sejam indenizadas no âmbito cível, uma vez
que configuram ato atentatório à dignidade da vítima, trazendo sofrimento à ela. O dano
moral é presumido.

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10. Os Direitos Humanos e a Proteção Constitucional do
Direito à Diversidade
Os Direitos Humanos e a Proteção Constitucional do Direito à
Diversidade
SURGIMENTO
Os Direitos Humanos surgem com mais força após a 2ª Guerra Mundial, com a Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948 e criação da Organização das Nações Unidas,
a fim de trazer um rol de direitos universais às pessoas, para que não houvesse mais riscos de
violações massivas à integridade humana como as ocorridas na guerra. Os Direitos Humanos
são inerentes à pessoa humana, de modo que ela não precisa de qualquer atributo para que
seja destinatária deles. Por isso esses direitos são universais.

DIREITOS HUMANOS NA CONSTITUIÇÃO


A Constituição Federal de 1988 foi a primeira a elencar a prevalência dos Direitos Humanos
como princípio fundamental. Ou seja, têm absoluta prioridade, acima, inclusive, da soberania
estatal.

Art. 4º, CF. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
[…]

II - prevalência dos direitos humanos; […]

A dignidade da pessoa humana é o princípio interpretativo que instrumentaliza o preceito


de prioridade dos Direitos Humanos, de forma que toda e qualquer disposição de lei deve
respeitar essa dignidade.

Art. 1, CF A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]

III - a dignidade da pessoa humana […]

Os tratados internacionais de direitos humanos, desde que ratificados pelo Brasil, fazem
parte do ordenamento brasileiro e devem ser respeitados. Em regra, os tratados de direitos
humanos ratificados pelo Brasil terão status supralegal, abaixo da CF e acima das leis. Se
incorporados seguindo o rito das emendas constitucionais, terão status constitucional.

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11. Os Direitos LGBTQIA+ como Direitos Humanos
Os Direitos LGBTQIA+ fazem parte dos Direitos Humanos baseados nos princípios do direito à
vida, dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade, livre manifestação sexual e do direito
básico da busca à felicidade. Inclusive, a educação em Direitos Humanos só será efetivada se
englobar os direitos à diversidade sexual e de gênero.

Isso porque a identidade de uma pessoa é uma condição, e não uma opção. Por isso, sua
identidade não pode ser excluída dele. Uma pessoa que tem sua identidade tolhida não
poderá exercer seu direito à vida de forma plena. Retirá-lo de exercício é tirar uma parte de
quem a pessoa é.

A igualdade é tolhida da pessoa LGBTQIA+ a partir do momento em que alguém, pela condição
de heterossexual e cisgênero, tem mais direitos que ela. Se mais direitos são conferidos a
pessoas em razão de sua identidade sexual e de gênero, não há isonomia de tratamento e
fruição de direitos. Além disso, impedir que pessoas LGBTQIA+ gozem de direitos básicos
em função de sua identidade é impedir que exerçam o direito à busca pela felicidade,
pois são contrapostos o exercício de direitos básicos e o exercício pleno da sexualidade e da
afetividade.

A ONU e os Direitos à Diversidade


A ONU foi criada em 1945, mas somente em 1994 tratou do tema de forma específica. Nesse
ano, o Comitê Internacional de Direitos Humanos, órgão fiscalizador pertencente ao sistema de
proteção global dos direitos humanos no âmbito do Pacto de Direitos Civis e Políticos, declarou
que leis que violem os Direitos LGBTQIA+ também violam os Direitos Humanos. Em 2008,
a Organização dos Estados Americanos (OEA), órgão central do Sistema Interamericano de
proteção dos Direitos Humanos, afirmou que os Direitos Humanos englobavam os direitos à
orientação sexual e identidade de gênero.

Em 2011, a ONU editou Resolução no Conselho de Direitos Humanos, considerando que os


direitos LGBTQIA+ são Direitos Humanos. O relatório elaborado afirmou que o Brasil e outros
países não cumprem com a garantia do direito humano à diversidade sexual e de gênero, e que,
por isso, deveriam sofrer sanções diplomáticas para que façam valer a determinação. Dados
demonstram que o Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo. Por isso,
questiona-se se há efetividade na implementação dos Direitos Humanos às populações
LGBTQIA+ no país.

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12. Estudo de Casos da Corte Interamericana de
Direitos Humanos
Caso 01. Informe da Corte IDH condenando assassinatos de
mulheres trans no Brasil
Em 2012, a Corte IDH editou um informe condenando o assassinato frequente de pessoas
trans no Brasil, e exigindo a criação de mecanismos efetivos para a investigação e punição
dos responsáveis pelos atos, que além de crimes, também representam violação sistemática
aos Direitos Humanos.

Caso 02. Jean Wyllys


O ex-deputado Jean Wyllys solicitou à Corte que fossem concedidas medidas cautelares
com a finalidade de proteção a ameaças proferidas em razão de sua orientação sexual e de
seu trabalho.

Nas palavras do relatório da Corte, Jean solicitou que a CIDH exigisse que a República
Federativa do Brasil adotasse as “medidas cautelares necessárias para proteger seus direitos
à vida e à integridade pessoal”. A Corte concedeu o pedido, exigindo que o Brasil providenciasse
cautelarmente a proteção de Jean.

Após analisar as alegações de fato e de direito apresentadas pelas partes, a Comissão considera que a
informação apresentada demonstra prima facie que o Senhor Jean Wyllys de Matos Santos se encontra em
uma situação de gravidade e urgência, posto que seus direitos à vida e à integridade pessoal estão em grave
risco. Em consequência, de acordo com o Artigo 25 do Regulamento da CIDH, a Comissão solicita ao Brasil
que:

a) adote as medidas necessárias para proteger os direitos à vida e à integridade pessoal do Senhor Jean Wyllys
de Matos Santos e do seu núcleo familiar;

b) acorde as medidas a serem adotadas com o beneficiário e seus representantes; e

c) informe sobre as ações realizadas para investigar os fatos que deram lugar a adoção da presente medida
cautelar e, assim, evitar sua repetição.

Caso 03. Mônica Benício


Após a denúncia do assassinato da vereadora Marielle Franco, sua esposa Mônica Benício
começou a sofrer uma série de ameaças que atentavam contra sua vida e integridade física.
Isso porque, além de o assassinato de Marielle envolver disputas de poder local, sendo
sua investigação uma ameaça a essas autoridades, Mônica também é ativista dos Direitos
Humanos. Por isso, recorreu à denúncia perante a Corte, com a finalidade cessar as ameaças.

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Caso 04. Atala Riffo vs. Chile
Karen Atala Riffo se divorciou do marido. Ela tinha três filhas, que ficaram sob sua guarda, com
concessão de visitas periódicas ao pai. Após a separação, Karen iniciou um relacionamento
homossexual. Em razão disso, o pai das crianças propôs ação pedindo a guarda, pelo fato
de Karen ser lésbica, alegando que as crianças teriam seu desenvolvimento prejudicado.
Conseguiu a guarda, mediante recurso à Corte Suprema de Justiça do Chile, em 2004, por
3 votos a 2, sob o argumento de que a orientação sexual de Karen poderia expor suas filhas
à discriminação e causar confusão psicológica, porque:

[...] deveriam se desenvolver no seio de uma família estruturada normalmente e apreciada no meio social,
segundo modelo tradicional que lhe é próprio.

Inconformada, a genitora das crianças o denunciou por via da Comissão. O caso chegou à Corte
IDH, que declarou o Chile responsável por violar o direito à igualdade e não discriminação,
direito à vida privada, proteção à honra e dignidade, bem como proteção à família.

Na ocasião, a Corte entendeu que a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH)


não define um conceito fechado de família, e, portanto, não se pode afirmar que a
proteção internacional estaria restrita ao modelo tradicional. Também afirmou que as
autoridades chilenas, com esse tipo de decisão, impedem as pessoas de desenvolverem suas
personalidades, seus projetos de vida (dano ao projeto de vida). Esse caso é paradigmático
por representar o primeiro caso da Corte sobre proteção do direito à diversidade sexual.

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13. O ativismo judicial e o panorama jurídico sobre a
diversidade sexual e de gênero no Brasil
Ativismo judicial e Repartição de Poderes
No Brasil vige o princípio da separação dos poderes, prelado iluminista (Montesquieu) segundo
o qual, para que não haja abuso de poder dos governantes, os três poderes (legislativo,
executivo e judiciário) devem ser independentes e harmônicos entre si.

O poder do Estado continua sendo uno e indivisível. A tripartição é apenas uma divisão
funcional, ou seja, a única coisa repartida são as funções do Estado, não o poder estatal
em si. Cada um desses poderes exerce funções típicas e atípicas. Dessa forma, apesar de
o legislativo tipicamente exercer a função de elaborar leis e fiscalizar o cumprimento das
normas orçamentárias do Executivo, ele também poderá exercer funções atípicas de natureza
executiva e judiciária.

Exemplo disso é o julgamento do Presidente da República por crimes de responsabilidade,


quando exerce função atípica de natureza judiciária. Da mesma forma ocorre com os demais
poderes. No caso do Judiciário, a função típica é julgar, dizer o direito no caso concreto e
abstrato (STF), garantindo sua aplicação. No entanto, realiza também funções atípicas
executivas e legislativas. Ativismo judicial é um fenômeno atrelado à função atípica de
natureza legislativa e também executiva.

Intervenção do Poder Judiciário como instrumento de


garantia de direitos
O Poder legislativo legisla representando todos os cidadãos. No entanto, na prática, muitas
vezes o é desprovido de representatividade, por não atender de fato aos anseios da população.
Por isso, em algumas ocasiões, o Legislativo se omite do dever de criar leis que respondam às
necessidades sociais. Ocorrendo tal omissão legislativa, haverá a intervenção de outro poder
para efetivação desses direitos.

Nesse contexto surge o ativismo judicial, denominado assim em razão da posição ativa que o
Poder Judiciário assume para intervir e preencher o vácuo causado pela omissão legislativa.
Isso não quer dizer que o judiciário legislará no lugar do poder legislativo, garantindo que os
direitos constitucionalmente efetivados sejam efetivados.

Ativismo Judicial ou Protagonismo Judicial


A ideia de ativismo judicial está relacionada à ampla participação do judiciário na concretização
dos valores e fins constitucionais. O juiz ativista procura dar proteção aos direitos fundamentais
e garantir, com isso, a supremacia da Constituição. Ele atua, na maior parte das vezes, em
casos de omissão do poder público na produção da lei.

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No Brasil, a judicialização da política e das relações sociais se intensifica em razão da crise
de representatividade. Se quem é eleito não representa a população, ela vê necessidade de
judicializar demandas para efetivar direitos constitucionais, já que o legislativo não o faz de
forma satisfatória. Exemplo de casos desse tipo decididos pelo STF foram questões relativas
a direitos e garantias de pessoas LGBTQIA+, como casamento e união estável, retificação do
registro civil por pessoas trans, etc.

O ATIVISMO JUDICIAL COMO MEIO DE CONQUISTA DE DIREITOS LGBTQIA+


O direito relativo às pessoas LGBTQIA+ nãotem lei, sendofruto de consolidações jurisprudenciais,
pois há desinteresse legislativo em positivar essas garantias, as quais, entretanto, encontram-
se consagradas na Constituição. Portanto, se os direitos não estão positivados por falta de
interesse legislativo, é comum que o judiciário seja constantemente instado a emitir pareceres
sobre esses assuntos. Alguns exemplos:

• ACP 2000.71.00.009347 – RS: concessão de benefícios previdenciários aos dependentes eco-


nômicos homossexuais.
• ADPF 132 e ADI 4277 – STF: reconhecimento da União Estável homoafetiva como entidade fami-
liar.
• Resolução 175 – CNJ: impede os cartórios brasileiros que se recusem a converter uniões estáveis
homoafetivas em casamento civil.
• REsp 1525714/PR – STJ: viabilidade da inscrição de pessoa homoafetiva no cadastro de interes-
sados em adoção.
• ADI 4275 e RE 670.422/RS: reconhecimento do direito à substituição de prenome e sexo direta-
mente no registro civil para pessoas trans, independentemente de laudos ou até mesmo da cirurgia
ou hormonização.
• ADO 26/MI 4733: criminalização da homotransfobia com aplicação da Lei de Racismo a esses
casos.
• ADI 5543: inconstitucionalidade da proibição da doação de sangue por homens homossexuais.

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Direitos LGBTQIA+

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