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A V I D A S E C R E TA D E

ORAÇÃO

David McIntyre

Éden Publicações
Direitos autorais © 2022 Éden Publicações

Título original em inglês: The Hidden Life of Prayer


Primeira impressão na Escócia: 1906
Todos os direitos da tradução em língua portuguesa reservados por:

Éden Publicações
Caixa Postal 10546
71620-980 – Brasília, DF

Produção editorial
Editor: Rafael Salazar
Capa & Arte Gráfica: Rebeca Salazar
Tradução: Vinícius Nascimento Souza
Revisão: Michelline Bastos e Eduardo Almeida
Diagramação: Marcos Jundurian

Todas as citações bíblicas foram extraídas da versão Almeida Revista e Atualizada, 2ª edição (Sociedade Bíblica do Brasil), salvo
indicação específica. Nenhuma parte deste livro pode ser usada ou reproduzida de qualquer maneira sem permissão por escrito,
exceto no caso de breves citações contidas em artigos críticos e revisões. Direcione suas solicitações ao editor no seguinte
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Impresso no Brasil / Printed in Brazil


Aos oficiais, membros e visitantes da Igreja Finnieston, Glasgow (Escócia) na celebração
de quinze anos de história da congregação.
ÍNDICE

Página do título
Direitos autorais
Dedicatória
Endossos
Excerto do Prefácio do Autor
Capítulo 1: A Vida de Oração
Capítulo 2: O Equipamento
Capítulo 3: A Direção da Mente
Capítulo 4: O Compromisso - Adoração
Capítulo 5: O Compromisso - Confissão
Capítulo 6: O Compromisso: Petições
Capítulo 7: As Riquezas Escondidas do Lugar Secreto
Capítulo 8: A Recompensa Pública
ENDOSSOS
“Toda vez em que leio este livro, o Senhor o usa para aprofundar minha vida de oração e
encorajar minha fé. Eu o recomendo fortemente!”
--- Wayne Grudem, professor de teologia e estudos bíblicos no Phoenix Seminary (EUA) e
autor de Teologia Sistemática (Ed. Vida Nova).
“Essa pequena tapeçaria cheia de joias fez por mim, aos 64 anos, o que o livro 'Poder Pela
Oração' de [E. M.] Bounds fez aos 34”.
--- John Piper, fundador e professor principal no desiringGod.org e chanceler no Bethlehem
College and Seminary (EUA).
“Meu primeiro encontro com os escritod de D. M. M’Intyre ocorreu através de uma cópia de A
Vida Secreta de Oração entregue a mim (e a muitos outros jovens) por Leonard Ravenhill. Esse
continua sendo o livro mais útil no tópico de oração que eu já li”.
--- Charles Leiter, autor de Justificação e Regeneração (Editora Fiel).
"Raramente temos um vislumbre, hoje, da vida de oração que esse livro evidencia. Não
surpreende que seja recomendado pode tais homens como Geoff Thomas, Wayne Grudem e John
Piper. Leia devagar e deixe o autor te instruir na oração”.
--- The Evangelical Magazine
“Pense n[esse livro] como uma xícara de espresso para a disciplina da oração. McIntyre (1859-
1938) era um ministro na Escócia. Sua fidelidade diária precede este volume. É útil lembrar que
este livro foi um resultado de uma vida imersa em oração e no ministério da palavra. O esboço é
simples. O conteúdo, cada capítulo, é útil e confrontador”.
--- Erik Raymond, pastor na Redeemer Fellowship Church em Boston (EUA).
EXCERTO DO PREFÁCIO DO
AUTOR
A ocasião que me levou à dedicação desse livro me permite registrar sobre ele o nome
honrado do Dr. Andrew A. Bonar, e relembrar sua fervorosa devoção que caracterizou aqueles
que estavam mais proximamente associados com ele em seu serviço a Cristo.
O Diário do Dr. Bonar, já um clássico cristão, é provavelmente o melhor tratado sobre
oração particular que possuímos. Originalmente com a intenção de registrar os acontecimentos
de sua vida, ele se tornou, quase exclusivamente, um instrumento para registrar e testar suas
orações.
Talvez o mais íntimo dos associados de ministério do Dr. Bonar tenha sido Robert
Murray M’Cheyne. Sua vida de oração chegou a ser quase proverbial. Dr. James Hamilton
escreve sobre ele: “Ele dedicou-se à oração. Como seu bendito Mestre, frequentemente levantou-
se cedo bem antes do alvorecer, e usava o tempo cantando salmos e hinos e a leitura devocional
da Palavra que habitava tão ricamente nele. Suas caminhadas, cavalgadas, e jornadas eram
santificadas pela oração...Não havia nada que ele gostasse mais do que ir para o lugar solitário e
orar (...)”.
Dr. A. N. Sommerville era outro “verdadeiro companheiro de fardos”. No seu trabalho em sua
congregação, era seu costume “ir para a igreja a sós, andar pelos bancos, e, lendo os nomes
daqueles que se assentavam lá, entregá-los a Deus em oração”. Quando o zelo missionário o
tomou e dominou seu coração, ele costumava abrir um mapa e orar por homens de cada nação,
tribo, povo e língua. De sua cadeira na Assembleia Geral de sua denominação, ele exortou seus
membros a se dedicarem mais fervorosamente e com fé à intercessão: “Os maiores, os mais
responsáveis, mais ocupados, e mais bem-sucedidos servos de Cristo dividiram suas funções em
dois departamentos - ‘nos consagraremos à oração e ao ministério da palavra’ (At. 6:4). O que
pensariam se dividíssemos as doze horas do dia separando seis para a oração pelo Evangelho e
seis para o ministério da Palavra? Se todos os servos de Cristo tivessem agido assim, será que
alguém poderia estimar quão poderosos seriam os resultados sobre o mundo hoje?”.
Livros sobre oração secreta são inumeráveis. Mas, pareceu-me que ainda havia espaço para
mais um no qual um apelo à vida pudesse ser feito, de modo constante, e de cada aspecto, para a
experiência dos crentes. O que é oferecido aqui é uma enumeração de algumas coisas que
aqueles que lembravam-se de Deus acharam úteis na prática da oração.
Senhor, ensina-nos a orar.

David M. M’Intyre
Glasgow, Escócia, 1906.
CAPÍTULO 1: A VIDA DE
ORAÇÃO
"Meu Deus. Tua criatura responde a Ti"
- Alfred de Musset

“O amor de Cristo é meu livro de orações."


- Gerhard Tersteegen

"A oração é a chave do céu; o Espírito auxilia a fé a girar esta chave."


- Thomas Watson

Em uma das catedrais do Norte da Europa uma primorosa exibição em alto relevo
representa a vida de oração. Está disposta em três painéis. O primeiro nos relembra a ordem
apostólica: “Orai sem cessar”. Vemos a fachada de um espaçoso templo que se abre para a área
do mercado. A grande praça está abarrotada com multidões de homens ansiosos, gesticulando,
barganhando – todos com o propósito de lucrar. Mas vemos um Homem, que tem uma coroa de
espinhos e está vestido com uma capa sem costura de alto a baixo, se movimentar
silenciosamente em meio à barulhenta multidão, e subjugar a um temor santo o mais cobiçoso
dos corações.
O segundo painel apresenta os recintos do templo e serve para ilustrar a adoração comum
da Igreja. Ministros com roupas brancas apressam-se aqui e ali. Eles carregam o óleo para a
luminária, água para a pia e o sangue do altar; com intenção pura, seus olhos estão voltados para
a glória invisível. Eles cumprem os deveres de seu chamado sagrado.
O terceiro painel nos introduz ao interior do santuário. Um solitário adorador entrou para
além do véu e, silenciosa e humildemente na presença de Deus, se inclina diante da brilhante
Shekinah. Este representa a vida secreta de oração da qual o Mestre falou nas palavras já
familiares: “Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai,
que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará” (Mt. 6:6).
Nosso Senhor considera como certo que Seu povo irá orar. E, de fato, nas Escrituras, a
obrigação da oração geralmente está implícita ao invés de afirmada. Movida por um instinto
divinamente implantado, nossa natureza clama por Deus, pelo Deus vivo. Mesmo que este
instinto possa estar esmagado pelo pecado, ele desperta poderosamente na consciência da
redenção. Teólogos de todas as escolas e cristãos de todo tipo concordam no reconhecimento
deste princípio da nova vida. Crisóstomo disse: “O homem justo não desiste da oração até que
ele deixe de ser justo” e Agostinho: “Aquele que ama pouco, ora pouco, e aquele que ama muito,
ora muito;” e Richard Hooker: “A oração é a primeira coisa com que uma vida justa começa e a
última com a qual ela termina”; e Pere la Combe: “Aquele que tem um coração puro jamais
deixará de orar e aquele que estiver em constante oração saberá o que é ter um coração puro;” e
Bunyan: “Se você não for uma pessoa de oração, você não é um cristão”; e Richard Baxter: “A
oração é a respiração da nova criatura”; e George Herbert: “Oração... o sangue da alma”.

A Oração É Obra Intensa


E ainda que nossa dependência de Deus seja instintiva, nenhum dever é mais enfatizado nas
Escrituras do que o dever da comunhão contínua com Ele. A razão principal para esta incessante
insistência é a dificuldade da oração. Em sua natureza existe um empreendimento laborioso e,
em nosso empenho para manter o espírito de oração, somos chamados para lutar contra os
principados e potestades das trevas.
"Querido leitor cristão”, diz Jacob Boehme, “orar corretamente é um trabalho sério
intenso”. Oração é a mais sublime energia da qual o espírito do homem é capaz. Por um lado é
glória e bênção; por outro é labuta, trabalho, batalha e agonia. Mãos levantadas tremem bem
antes que o campo de batalha seja conquistado; câimbra e respiração ofegante proclamam a
exaustão do “soldado celestial”. O peso que sobrevém a um coração dolorido preenche a fronte
com angústia, mesmo que o ar da meia-noite esteja fresco. A oração é o que eleva a alma, que
está ligada à terra, aos céus, a entrada do espírito purificado no santo dos santos; o rasgar do
luminoso véu que esconde, atrás das cortinas, a glória de Deus. É a visão das coisas invisíveis; o
reconhecimento da mente do Espírito; o esforço de formular palavras que o homem não
consegue pronunciar. “Um homem que verdadeiramente ora,” diz Bunyan, “nunca mais será
capaz de expressar com sua boca ou caneta os desejos indizíveis, sentidos e anseios que foram
direcionados a Deus naquela oração”. Os santos judeus da Igreja primitiva tinham uma energia
admirável na intercessão: “Batendo nos portões do céu com tempestades de oração,” eles
tomavam o reino dos céus com violência. Os primeiros cristãos provaram no deserto, nas
masmorras, nas arenas e nas fogueiras a verdade das palavras de seu Mestre: “tudo o que disser
lhe será feito” (Mc. 11:23, ACF). Suas almas ascenderam a Deus em súplica, assim como as
chamas do altar sobem em direção ao céu. Os talmudistas afirmam que na vida piedosa quatro
coisas exigem coragem; a oração é uma delas. Uma pessoa que conheceu Tersteegen em
Kronenberg comentou: “Pareceu-me que ele havia ido diretamente para o céu e se perdido em
Deus; mas com frequência, quando terminávamos de orar, ele estava branco como a parede”.
David Brainerd lembra que em certa ocasião, quando sua alma havia “se alargado imensamente”
em súplicas, ele estava “em grande angústia, e clamou com tanta intensidade e importunação”
que quando se levantou de seus joelhos sentiu-se “extremamente fraco e sobrecarregado”. “Eu
mal conseguia caminhar reto,” ele continuou a dizer, “minhas juntas estavam soltas, o suor corria
por meu rosto e corpo, e parecia que a natureza se dissolveria”. Um escritor contemporâneo nos
lembra de John Foster, que costumava passar longas noites em sua capela, absorto em exercícios
espirituais, andando para frente e para trás na inquietude de seu espírito, até que seus inquietos
pés causaram uma marca no corredor.
Poderiam ser dados muitos exemplos, mas não há necessidade de ir além das Escrituras
para encontrar uma ordem ou exemplo para nos impressionar com a dificuldade da oração que
prevalece com Deus. Será que as súplicas do salmista: “Vivifica-me, conforme a Tua palavra...
vivifica-me em Tua justiça... vivifica-me segundo a tua bondade... vivifica-me conforme Teus
juízos... vivifica-me, Ó Senhor, por amor do Teu nome”; e os lamentos do profeta evangélico:
“Já ninguém há que invoque o teu nome, que se desperte e te detenha”, encontram um eco em
nossa experiência? Será que sabemos o que é “trabalhar”, “lutar”, e “agonizar” em oração?
Outra explicação para a dificuldade da oração está no fato de que somos espiritualmente
impedidos: há “o estrondo dos flecheiros, entre os lugares onde se tiram águas” (Jz. 5:11, ACF).
O apóstolo Paulo nos assegura que devemos manter nossa energia de oração “contra os
dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes”. O
Dr. Andrew Bonar costumava dizer que, como o rei da Assíria ordenou que seus capitães não
lutassem contra grandes nem pequenos, mas somente contra o rei de Israel, da mesma forma o
príncipe das potestades do ar parece focar todas as suas forças de ataque contra o espírito de
oração. Se ele conseguir ser vitorioso contra isso, venceu o dia. Algumas vezes percebemos os
impulsos satânicos direcionados contra a vida de oração em nossas almas; às vezes somos
levados a experiências “secas” e desérticas, e a face de Deus se escurece sobre nós. Algumas
vezes, quando mais lutamos para trazer todo pensamento e imaginação em obediência a Deus,
parece que nos entregamos à desordem e inquietude. Outras vezes, a preguiça inata de nossa
natureza nos leva ao maligno como um instrumento pelo qual ele pode tirar nossa mente do
exercício da oração. Por causa de todas essas coisas, portanto, devemos ser diligentes e
decididos, observando como uma sentinela que se lembra de que as vidas dos homens estão nas
mãos de sua vigília, capacidade e coragem. “O que, porém, vos digo,” diz o Senhor a seus
discípulos, “digo a todos: vigiai!”

A Importância Da Vigilância
Há momentos em que até mesmo os soldados de Cristo se tornam negligentes de Sua
confiança e não mais guardam com vigilância o dom da oração. Que qualquer um que vier a ler
essas páginas, e esteja consciente da perda do poder na intercessão, da falta de alegria na
comunhão, da dureza e impenitência na confissão, “lembr[e-se], pois, de onde cai[u], arrepend[a-
se] e volt[e] à prática das primeiras obras”.
“Ó, estrelas dos céus que desvanecem e flamejam,
Ó, ondas sussurrantes abaixo!
Era a terra, ou o céu, ou eu o mesmo,
Há um ano, um ano atrás!
As estrelas mantiveram seu lar no alto,
As ondas seu fluxo habitual;
O amor que uma vez tive se perdeu,
Há um ano, um ano atrás”.
O único remédio para esta falta de ânimo é que devemos “reacender nosso amor”, como
Policarpo escreveu à igreja de Éfeso, “no sangue de Deus”. Vamos pedir um novo dom do
Espírito Santo para reavivar nossos corações desanimados, uma nova revelação da caridade de
Deus. O Espírito nos auxiliará em nossa enfermidades e a compaixão do Filho de Deus será
derramada sobre nós, nos vestindo com zelo como uma vestimenta, atiçando nossas afeições em
uma chama veemente e enchendo nossas almas do céu.
"O homem deve sempre orar, e” – embora a fraqueza de espírito siga a oração como a
sombra – “nunca esmorecer”. O solo no qual a oração da fé se enraíza é uma vida de inquebrável
comunhão com Deus, uma vida na qual as janelas da alma estão sempre abertas em direção à
Cidade do Descanso. Nós não conheceremos o verdadeiro potencial da oração até que nossos
corações estejam tão firmemente inclinados a Deus que nossos pensamentos se voltam para Ele,
como por um instinto Divino, toda vez que eles se libertam das coisas terrenas. Já foi dito de
Orígenes (em suas próprias palavras) que sua vida era “uma incessante súplica”. Por este meio,
acima de quaisquer outros, a ideia perfeita da vida cristã se concretiza. A ligação entre o crente e
seu Senhor nunca deveria ser interrompida.

A Oração É Constante
"A visão de Deus,” diz o bispo Westcott, “faz da vida uma contínua oração”. E nesta visão todas
as coisas fugazes se resolvem, e aparecem em sua relação às coisas invisíveis. Em um uso mais
amplo do termo, a oração é a soma de todos os serviços que prestamos a Deus, para que todo o
cumprimento do dever seja, em um sentido, a realização da obra de Deus, e o famoso ditado:
“trabalho é adoração,” é justificado. “Eu, porém, oro”, disse o salmista (Sl. 109:4). “Em tudo,
sejam conhecidos diante de Deus os pedidos de vocês, pela oração e pela súplica, com ações de
graças”, disse o apóstolo.
No Antigo Testamento, a vida imersa em oração é constantemente descrita como uma
caminhada com Deus. Enoque andou em segurança, Abraão em perfeição, Elias em fidelidade,
os filhos de Levi em paz e equidade. Ou então, é descrita como habitar com Deus, da mesma
forma em que Josué não se afastava do Tabernáculo; ou da mesma forma que certos artesãos da
antiguidade habitavam com os reis por causa de seu trabalho. É definido como a ascensão da
alma à Sagrada Presença; como os planetas, “contemplando face a face,” sobem à luz da face do
sol, ou como as flores, cheias de beleza e mergulhadas em fragrâncias, alcançam a luz. Em
outros tempos, se dizia que a oração é a união de todas as faculdades em um ardor de reverência,
amor e louvor. Assim como uma nota clara pode levar à harmonia um número de vozes
mutuamente discordantes, assim os impulsos que governam a natureza espiritual unem o coração
para temer o nome do Senhor.
Mas, a mais familiar (e talvez a mais impressionante) descrição de oração no Antigo
Testamento, encontra-se naquelas numerosas passagens onde a vida de comunhão com Deus é
descrita como uma espera por Ele. Um grande teólogo deu uma linda definição sobre esperar por
Deus: “Esperar não é meramente permanecer impassivo. É ter expectativa – procurar com
paciência, e também com submissão. É ansiar, mas não com impaciência; procurar, mas sem se
desesperar com atraso; aguardar, mas sem ficar inquieto; sentir que se Ele não vier, iremos
concordar, e ainda se recusar a deixar a mente concordar com o sentimento de que Ele não virá”.
Não permita que alguém diga que esse estilo de vida é visionário e inútil. O mundo real não
é este véu dos sentidos que nos cobre; a realidade pertence àquelas coisas celestiais das quais as
coisas terrenas são apenas “cópias” e correspondências. Quem é tão prático quanto Deus? Quem
dentre os homens tão sabiamente dirigiu seus esforços para as circunstâncias e ocasiões com as
quais teve que lidar, como “o Filho do Homem que está nos céus”? Aqueles que oram bem,
trabalham bem. Aqueles que oram mais, alcançam os maiores resultados. Utilizando a famosa
frase de Tauler: “Em Deus nada é impedido”.
Ore Sempre
O cultivo do hábito da oração assegurará sua expressão em todas as ocasiões oportunas.
Em tempos de necessidade, em um primeiro momento; quase todo mundo irá orar. Moisés
estava nas praias do Mar Vermelho, observando o pânico dos filhos de Israel quando perceberam
que as carruagens de Faraó chegavam velozmente contra eles. “Por que clamas a mim?” disse o
Senhor. Neemias estava diante do Rei Artaxerxes. O monarca percebeu seu lamento interior e
disse: “Por que está triste o teu rosto, se não estás doente? Tem de ser tristeza do coração”.
Aquela pergunta abriu as portas para a resposta a três meses de oração; e o ardente desejo que
havia subido a Deus naqueles meses consumou-se em uma fervente oração: “Então, orei ao Deus
dos céus”.
Aquele que passa a sua vida em comunhão com Deus buscará e encontrará oportunidades
para se aproximar do trono da graça rápida e recorrentemente. Os apóstolos trazem todo dever
aos pés da cruz; ao nome de Jesus, suas almas leais sobem aos céus em adoração e louvor. Os
cristãos primitivos nunca se encontraram sem invocar uma bênção; eles nunca se despediram
sem uma oração. Os santos da Idade Média fizeram com que cada situação pela qual passavam
os levasse à intercessão – a sombra no ponteiro do relógio, o sino da igreja, o voo da andorinha,
o nascer do sol e o cair da folha. A aliança que Sir Thomas Browne fez consigo mesmo é bem
conhecida, mas é sempre bom relembrá-la: “Orar em todos os lugares onde a quietude é
convidativa; em qualquer casa, estrada ou rua; e que não haja nesta cidade nenhuma rua que não
tenha sido testemunha de que nela, eu não me esqueci de Deus e de meu Salvador; e que
nenhuma paróquia ou cidade onde tenha estado não possa dizer o mesmo. Orar em qualquer
ocasião em que vir uma igreja ou passar por ela, conforme sigo o caminho. Orar diariamente, e
particularmente por meus pacientes doentes e por todas as pessoas que estão sob o cuidado de
alguém. Ao entrar na casa de algum doente dizer: ‘A paz e a misericórdia de Deus estejam sobre
esta casa’. Após um sermão fazer uma oração, desejar a bênção e orar pelo pastor”. E muito mais
coisas dessa natureza.
Aquele que vive em espírito de oração passará muito tempo separado em íntima comunhão
com Deus. É por meio de tal deliberado engajamento em oração que as fontes frescas de devoção
que fluem ao longo do dia são alimentadas. Pois, embora a comunhão com Deus seja a energia
vital da nova natureza, nossas almas “apegam-se ao pó” e a devoção tende a se tornar formal – se
esvazia de seu conteúdo espiritual e se exaure em atos externos. O Mestre nos lembra desse
grave perigo, e nos informa que a verdadeira defesa contra a insinceridade em nossa
aproximação de Deus está no exercício diligente da oração particular.
Nos dias da Commonwealth, um dos primeiros quakers, “um servo do Senhor, mas um estranho
exteriormente”, veio à uma reunião de pessoas sérias que haviam se encontrado para um culto.
“E depois de esperar no Senhor por um tempo ele teve a oportunidade de falar, todos ficaram em
silêncio; ele disse de forma exortativa: ‘Mantenham a vigília do Senhor.’ Estas palavras sendo
faladas no poder de Deus tiveram efeito sobre todos ou quase todos os presentes, de modo que
sentiram grande medo e temor em seus espíritos. Depois de pouco tempo ele falou novamente,
dizendo: ‘O que digo a vós, digo a todos, vigiai.’ Então ele ficou em silêncio novamente por um
pouco de tempo, mas todos na reunião, estando sensíveis ao fato de que este homem estava com
espírito e poder extraordinários, se indagavam que tipo de ensino devia ser esse, sendo tal voz
algo que a maioria dos ouvintes nunca tinha ouvido, que carregava tamanha autoridade que todos
eles precisavam se submeter a esse poder”.
Soldado de Cristo, você está em território inimigo; “mantenha a vigília do Senhor”.
CAPÍTULO 2: O EQUIPAMENTO
"Lembre-se de que na Lei Levítica há uma celebração e uma incumbência dada aos dois
sacrifícios diários, um para ser oferecido pela manhã e o outro pela noite. Estas ofertas por
incenso nosso santo, inocente e imaculado Sumo Sacerdote retirou. Ao invés deles, todo cristão
devoto deve oferecer sacrifícios espirituais no tempo apropriado, que é a oração: pois ‘Deus é
espírito, e é necessário que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade’. Nestas
horas prescritas, se você deseja que suas orações subam a Deus, deve se livrar de todas as
ocupações externas para se preparar para o interior e as coisas de Deus”.
-Henry Vaughan, Silurist

"Deus vem a mim em horas silenciosas,


Como o orvalho da manhã sobre as flores de verão”.
-Mechthild von Magdeburg

"Nada estará bem em nós até que transformemos todo o universo em uma sala de oração, e
continuemos no Espírito conforme vamos de lugar em lugar... A hora da oração é deixada diante
de Deus até que outras horas cheguem e se coloquem ao seu lado; então, se elas forem
encontradas em harmoniosa irmandade, a oração é concedida"
- George Bowen

“Mas, ao orar, entre no seu quarto e, fechada a porta, ore”. "Acerca dessa forma de oração,”
diz Walter Hilton de Thurgarton, “nosso Senhor fala em uma figura, assim: ‘O fogo sempre
ficará aceso sobre o altar; não deve ser apagado. O sacerdote acenderá lenha no altar cada
manhã. O fogo queimará continuamente sobre o altar; não deve ser apagado’. Ou seja, o fogo do
amor deverá estar sempre aceso na alma de um homem e mulher devotos e puros, os quais são o
altar de Deus. E o sacerdote deverá todas as manhãs arrumar sua lenha e cuidar do fogo, ou seja,
este homem deverá, por meio dos benditos salmos, pensamentos puros e fervoroso desejo, cuidar
do fogo do amor em seu coração, para que não se apague em tempo algum".
O equipamento para a vida interior de oração é simples, embora nem sempre facilmente
assegurado. Ele consiste particularmente em um lugar tranquilo, uma hora silenciosa e um
coração aquietado.

1. Um Lugar Tranquilo
Para a maioria de nós, o primeiro, um lugar tranquilo, está dentro do nosso alcance. Mas
existem dezenas de milhares de nossos irmãos que acham praticamente impossível se retirar para
a desejada reclusão do lugar secreto. Uma dona de casa em uma casa lotada, um aprendiz nos
alojamentos da cidade, um lavrador em seu alojamento, um soldado no quartel, um garoto no
internato, estes e muitos mais podem não conseguir o silêncio e a solitude. Mas, “vosso Pai
sabe”. E é muito confortante refletir que o Príncipe dos peregrinos compartilhou de experiências
como essas. Na pequena casa do carpinteiro em Nazaré havia, ao que parece, não menos do que
nove pessoas vivendo sob o mesmo teto. Havia a Santa Criança, Maria sua mãe e José. Haviam
também os “irmãos” do Senhor – quatro deles – e no mínimo duas “irmãs”. A casa consistia,
vamos supor, principalmente de uma sala de estar, a oficina, e uma câmara interior – uma
despensa – onde se colocavam as provisões para o dia, os utensílios de cozinha, lenha, etc.
Aquele recesso escuro tinha uma tranca na parte de dentro, colocada ali, pode ser, pelo Filho do
carpinteiro, pois aquele quarto escuro era Seu oratório, não menos sagrado do que o santuário
envolto na nuvem da Presença de Deus no templo.
Posteriormente, quando nosso Senhor já tinha começado Seu ministério público, haviam
ocasiões em que Ele achava difícil encontrar o privilégio da solitude. Frequentemente, recebia
hospedagem das pessoas que lhe demonstravam o mínimo de cortesia, o que não lhe facilitava
para se retirar. Quando seu espírito ansiava pela comunhão com o Pai, Ele se dirigia para os
planaltos distantes:
"Montanhas frias e o ar da meia-noite
Testemunharam o fervor de Sua oração".
E quando, sem-teto, subiu a Jerusalém para as Festas, era Seu costume “recorrer” ao Jardim
do Getsêmani no Monte das Oliveiras. Sob os ramos carregados de alguma árvore retorcida, que
já era velha quando Isaías era jovem, nosso Senhor deve ter observado as estrelas durante as
frescas noites de verão.
Qualquer lugar pode se tornar um oratório, desde que se possa encontrar nele a reclusão.
Isaque costumava ir para o campo para meditar. Jacó permaneceu na margem leste do Vau de
Jaboque, depois de toda sua caravana ter passado; lá ele lutou com o Anjo, e prevaleceu. Moisés,
escondido nas fendas do Horebe, contemplou a glória desvanescente que marcava o caminho
pelo qual Jeová havia passado. Elias enviou Acabe para comer e beber, enquanto ele mesmo se
retirou para o solitário cume do Carmelo. Daniel passou semanas em um êxtase de intercessão na
margem do rio Tigre, o qual uma vez havia regado o Paraíso.
E Paulo, certamente para que pudesse ter uma oportunidade de meditar e orar sem
perturbação, foi a pé de Trôade para Assôs.
E se nenhum lugar melhor se apresentar, a alma que se volta para Deus pode se revestir de
quietude, mesmo em meio a uma multidão ou em ruas movimentadas. Uma pobre mulher em
uma grande cidade, que nunca conseguia se livrar do choro de seus pequeninos, fez para si
mesma um santuário da maneira mais simples. “Eu coloquei meu avental sobre a cabeça,” ela
disse, “e ali é o meu quarto”.

2. Uma Hora Tranquila


Para a maioria de nós, deve ser mais difícil encontrar uma hora tranquila. Eu não me refiro
a uma hora exata de 60 minutos, mas a uma porção de tempo separada dos deveres do dia,
protegida dos ataques dos negócios ou do prazer, e dedicado a Deus. Os devotos do mundo
antigo podiam se deitar nos campos meditando sobre o Senhor até que a escuridão chegasse. Mas
nós que vivemos com o barulho das máquinas e o barulho do tráfego em nossos ouvidos, cujas
obrigações atropelam umas às outras conforme as horas passam, somos tentados o tempo todo a
dar outras funções para aqueles momentos nos quais deveríamos estar em sagrada comunhão
com os céus. O Dr. Dale diz em algum lugar que se cada dia tivesse quarenta e oito horas, e cada
semana tivesse quatorze dias, poderíamos dar conta de nosso trabalho, mas isso, do jeito que as
coisas são, é impossível. Existe pelo menos um pouco de verdade nesta expressão. Certamente,
se vamos ter uma hora silenciosa programada no meio da correria do dia a dia, e mantê-la
sagrada, devemos exercitar tanto a antecipação quanto a autonegação. Devemos estar preparados
para abandonar muitas coisas agradáveis e algumas coisas lucrativas. Devemos remir o tempo,
pode ser da recreação, ou da interação social, ou dos estudos, ou das obras de benevolência, se
vamos encontrar tempo livre diariamente para entrar em nosso quarto e fechar a porta para orar
com nosso Pai que está em secreto.
Sou tentado a permanecer aqui, e, com toda a humildade e intensidade, estimular a
consideração deste ponto. Muitas vezes ouvimos dizer: “Confesso que não passo muito tempo no
meu quarto secreto (em oração quieta e reclusa), mas tento cultivar o hábito de oração contínua”.
E neste comentário, está implícito, que seria mais e melhor do que o outro. As duas coisas não
devem estar em oposição. Cada uma é necessária para uma vida cristã bem ordenada; e cada uma
foi perfeitamente aplicada pelo Senhor Jesus. Ele estava sempre envolvido no amor divino. Sua
comunhão com o Pai era inquebrável. Ele era o Filho do Homem que está nos céus. Mas, Lucas
nos diz que era Seu hábito retirar-se a um lugar deserto para orar (Lc. 5:16). A Versão
Autorizada em inglês não transmite a força total do original nesse versículo. Dean Vaughan
comenta: “Não foi um retiro, nem um lugar solitário, nem só uma oração, tudo está no plural no
original – os retiros eram repetidos; os lugares silenciosos eram mais do que um só e as orações
eram habituais”. Grandes multidões afluíam para o ouvir e para serem curadas de suas
enfermidades; não tinha tempo livre nem para comer. Mas Ele encontrava tempo para orar. E
este que buscava o retiro com tanta solitude era o Filho de Deus, não tendo nenhum pecado para
confessar, nenhuma falta de amor para compensar. Nem devemos imaginar que Suas orações
eram meramente meditações pacíficas ou arrebatadores atos de comunhão. Elas eram
extenuantes e guerreiras, desde a hora no deserto quando os anjos vieram ministrar ao prostrado
Homem de Dores, até aquela terrível “agonia” na qual seu suor era como grandes gotas de
sangue. Suas orações eram sacrifícios, oferecidos com grande clamor e lágrimas.
Se fazia parte da sagrada disciplina do Filho de Deus Incarnado que ele observasse
frequentes temporadas de retiro, quanto mais é incumbido a nós, quebrados como somos e
incapazes pelos muitos pecados, de sermos diligentes no exercício da oração particular!
Atropelar esse dever seria nos privar dos benefícios que procedem dele. Sabemos, é claro,
que a oração não pode ser medida pela divisão do tempo. Mas as vantagens derivadas da oração
em secreto não podem ser obtidas a não ser que a pratiquemos deliberadamente. Devemos
“fechar a porta”, guardando e assegurando uma porção suficiente de tempo para a realização
adequada do compromisso diante de nós.
Pela manhã, deveríamos olhar para os deveres do dia, antecipando as situações nas quais a
tentação possa aparecer, e nos preparar para abraçar as oportunidades de utilidade conforme se
apresentam a nós. Pela noite, devemos nos lembrar das providências que nos sobrevieram,
considerar nossas realizações em santidade e esforçar-se para aproveitar as lições que Deus
deseja que aprendamos. E sempre devemos reconhecer e abandonar o pecado. Em seguida,
existem inúmeros temas de oração que podem ser sugeridos por nosso anseio pelo bem-estar da
Igreja de Deus, pela conversão e santificação de nossos amigos e conhecidos, pelo avanço do
esforço missionário e pela vinda do Reino de Cristo. Tudo isso não pode ser atropelado em
alguns pequenos momentos. Devemos estar com tempo ao entrar no lugar secreto. Em pelo
menos um momento de sua vida, o falecido Sr. Hudson Taylor estava tão ocupado durante suas
horas do dia com a direção da Missão para o Interior da China que ele tinha dificuldade de ter a
liberdade para a oração privada. Por causa disso, ele fez uma regra pessoal de se levantar a cada
noite às duas da manhã, vigiar com Deus até às quatro, então se deitar e dormir até de manhã.
Na igreja do Antigo Testamento, era costumeiro separar um espaço de tempo para
meditação e oração três vezes ao dia – pela manhã, ao meio-dia e no início da noite (Sl. 55:17;
Dn. 6:10). Mas, nas terras bíblicas existe uma pausa natural ao meio-dia a qual, em nosso clima
mais fresco, geralmente não observamos. Onde for possível separar alguns momentos no meio
dos deveres do dia, isso deve certamente ser feito. E a própria natureza nos ensina que a manhã
e a noite são ocasiões oportunas para nos aproximarmos de Deus.
Uma questão que tem sido frequentemente discutida (e não sem interesse): Devemos
separar a manhã ou a noite para nosso mais deliberado e prolongado período de espera em Deus?
Isso cada um pode responder melhor por si mesmo. Mas deve sempre ser entendido que damos
nosso melhor a Deus.

3. Um Coração Tranquilo
Para a maioria de nós, é ainda mais difícil assegurar um coração tranquilo. Os
contemplativos da Idade Média desejavam apresentar-se diante de Deus em silêncio, para que
Ele lhes ensinasse o que seus lábios deveriam dizer e seus corações esperar. Stephen Gurnall
reconhece que é muito mais difícil pendurar o sino do que é tocá-lo depois de ter sido pendurado.
Robert Murray Mc’Cheyne costumava dizer que a maior parte do seu tempo de oração era
dedicado a se preparar para orar. Um puritano da Nova Inglaterra escreve: “Enquanto eu estava
na Palavra, percebi que tinha um coração selvagem, para o qual era tão difícil ficar e permanecer
diante da presença de Deus em uma ordenança, como um pássaro diante de qualquer pessoa. E
Bunyan enfatiza de sua própria experiência: ‘Ah! As entradas de túneis que o coração tem no
momento de oração; ninguém sabe quantos desvios e quantos becos o coração tem para fugir da
presença de Deus’”.
Em particular, existem três grandes (mas simples) atos de fé, que servirão para fixar a
mente em Deus.
(a) Devemos, em primeiro lugar, reconhecer nossa aceitação diante de Deus por meio da
morte do Senhor Jesus. Quando um peregrino, seja da igreja grega ou da latina, chega a
Jerusalém, sua primeira ação, antes mesmo de procurar por descanso, é visitar o local da paixão
do Redentor. Nosso primeiro ato na oração deve ser a entrega de nossas almas ao poder do
sangue de Cristo. Era no poder do sacrifício ritual que o sumo sacerdote de Israel passava pelo
véu no dia da expiação. É no poder da oferta aceita do Cordeiro Divino que somos privilegiados
em entrar na presença de Deus. “Tendo, pois, irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos,
pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou pelo véu, isto é, pela sua
carne, e tendo grande sacerdote sobre a casa de Deus, aproximemo-nos, com sincero coração, em
plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água
pura. Guardemos firme a confissão da esperança, sem vacilar, pois quem fez a promessa é fiel”.
"Ainda que estivesse carregado da transgressão
De mil mundos além,
Ainda assim, por esse caminho eu entro –
O sangue do Cordeiro que morreu”.
(b) É importante também confessarmos e recebermos a libertadora graça do Divino
Espírito, sem o qual nada é santo, nada é bom. Pois é Ele quem nos ensina a clamar, “Abba, Pai”,
quem sonda para nós as coisas profundas de Deus, quem nos revela a mente e a vontade de
Cristo, quem cura nossas enfermidades e intercede em nosso favor “de acordo com Deus”. “E
todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos
transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito” (2 Co.
3:18). Quando entramos no Lugar Santíssimo devemos nos apresentar diante de Deus em
humildade e confiança, abrir nossos corações para a chegada e o preenchimento do Espírito
Santo. Assim receberemos do Espírito que ora, e entregaremos ao Cristo que ora, aquelas
petições que são de origem Divina e se expressam por meio de nossos corações finitos e lábios
manchados com o pecado, em “gemidos inexprimíveis”. Sem a ajuda do Espírito Santo, a oração
se torna incrivelmente difícil. “Quanto ao meu coração,” disse alguém que estava extremamente
exercitado neste empreendimento, “quando vou orar, acho tão detestável ir até Deus, e quando
estou com Ele, tão detestável estar com Ele, que muitas vezes sou forçado em minhas orações,
primeiro a pedir a Deus que Ele tome meu coração e o ponha sobre Si mesmo, em Cristo, e
quando estiver lá, que lá o mantenha. Na verdade, muitas vezes eu não sei pelo que orar, sou tão
cego, nem como orar, sou tão ignorante; somente, bendita seja a graça, o Espírito cura nossas
enfermidades”.
(c) Mais uma vez, conforme “o Espírito cavalga triunfantemente em Sua própria
carruagem,” Sua forma escolhida de iluminação, conforto, vivificação e repreensão sendo a
Palavra de Deus, nos é bom para, no começo de nossas súplicas, direcionarmos nossos corações
às Santas Escrituras. Será de grande ajuda para acalmar a mente “contrária” se abrirmos o
volume sagrado e lê-lo na presença de Deus, até que venha a nós, das páginas impressas, uma
palavra da parte do Eterno. George Mueller confessou que ele não conseguia orar até que tivesse
firmado sua mente sobre o texto. Não é uma prerrogativa de Deus quebrar o silêncio? “Ao meu
coração me ocorre: Buscai a minha presença; buscarei, pois, SENHOR, a tua presença”. Será que
não é adequado que Sua vontade ordene todos os atos de nossa oração com Ele mesmo? Vamos
ficar em silêncio diante de Deus, para que Ele nos molde.
"Assim manterei
Para sempre em meu coração um espaço silencioso;
Um pequeno pedaço sagrado de solidão,
Onde manterei a memória de Tua cruz,
Um pequeno jardim silencioso, onde nenhum homem
Poderá passar ou descansar, para sempre ainda sagrado,
Para visões de Teu sofrer e de Teu amor".
CAPÍTULO 3: A DIREÇÃO DA
MENTE
"Tu deves orar para que possas entregar a si mesmo inteiramente nas mãos de Deus, em
perfeita resignação, exercendo um ato de fé, crendo que estás na Presença Divina, depois
descansando naquele santo repouso, em silêncio e tranquilidade; e esforçando-se por um dia,
um ano e toda a tua vida para continuar aquele primeiro ato de contemplação, pela fé e pelo
amor”.
- Molinos

“Ou Satanás ataca a raíz da fé, ou a raíz da diligência”.


- John Livingstone

“O resumo é: lembre-se sempre da presença de Deus; alegre-se sempre na vontade de Deus; e


faça tudo para a glória de Deus”.
- Robert Leighton
Em Essex, no ano 1550, um grupo de pessoas religiosas que receberam a Palavra de Deus
como sua única regra de fé e prática, e que por isso diferiam em alguns particulares do partido
dominante na igreja, se reuniram para discutir as ordenanças do culto. O ponto principal do
debate estava relacionado à atitude que se deveria ter na oração – se era melhor ficar de pé ou
ajoelhar, se a cabeça deveria estar coberta ou descoberta. A conclusão a que se chegou foi que a
questão principal não tinha a ver com a postura corporal, mas com o direcionamento da mente.
Ficou acordado que a atitude mais certa é a que mais apropriadamente expressa os desejos e
emoções da alma.
As palavras de nosso Senhor que prefixamos neste volume indicam claramente a atitude do
espírito ao nos aproximarmos de Deus.

1. Reconheça A Presença De Deus


Em primeiro lugar, é necessário que reconheçamos a presença de Deus. Aquele que enche
terra e céus “está”, em um sentido singular e impressionante, no lugar secreto. Assim como o
fluido elétrico é difuso na atmosfera e concentrado no relâmpago, assim a presença de Deus se
torna vívida e poderosa na câmara de oração. Jeremy Taylor reforça esta regra com um discurso
majestoso e proveitoso: “No princípio dos atos de religião, faça um ato de adoração; ou seja,
solenemente adore a Deus, coloque-se na presença de Deus e contemple-o com os olhos da fé;
permita que os teus desejos se fixem nEle como o objeto de tua adoração, a razão da tua
esperança e a fonte de tuas bênçãos. Porque quando tiveres te colocado diante dEle, e ajoelhado
em Sua presença, é mais provável que todas as partes seguintes de tua devoção serão o resultado
da sabedoria de tal apreensão e a glória de tal presença”.
Nosso Pai “está” no lugar secreto. Portanto devemos encontrá-lo na intimidade de um
espírito concentrado, na quietude de um coração unido para temer Seu nome. O orvalho cai mais
copiosamente quando os ventos noturnos estão em silêncio. As grandes ondas se levantam
“cheias demais para som ou espuma”. O suplicante que ora com uma verdadeira direção de
espírito, “Pai nosso, que estás nos céus,” é frequentemente levado aos céus antes mesmo que
perceba. “Mas, Ó, quão raro isso!” clama Fénelon, “Quão raro é encontrar uma alma quieta o
suficiente para ouvir Deus falar!” Muitos de nós temos ouvidos destreinados. Somos como
caçadores indígenas de quem Whittier fala, que podem ouvir um galho quebrar à distância na
floresta, mas são surdos para o barulho das Cataratas do Niágara há alguns metros de distância.
O irmão Lawrence, que viveu dedicado a praticar a presença de Deus, diz assim: “Quanto às
minhas horas de oração, elas são somente a continuação dos mesmos exercícios. Algumas vezes,
considero-me como uma pedra diante do escultor, da qual ele irá fazer uma estátua;
apresentando-me diante de Deus, desejo que Ele forme Sua perfeita imagem em minha alma, e
me faça inteiramente como Ele mesmo. Outras vezes, quando me dedico à oração, sinto todo
meu espírito e minha alma se erguer sem nenhum cuidado ou esforço meu, e ela continua como
se estivesse suspensa e firmemente fixada em Deus, como em seu centro e lugar de descanso”.
A percepção da presença Divina é a condição inflexível de um correto engajamento do
espírito no exercício da oração particular.
John Spilsbury de Bromgrove, que foi confinado na prisão de Worcester por testemunhar de
Cristo, deu este testemunho: “Daqui em diante não irei mais temer a prisão como anteriormente,
porque tive tanto da companhia de meu Pai Celestial que esta se tornou um palácio para mim”.
Outro, em um caso similar, testemunhou: “Eu pensei em Jesus até que as próprias pedras de
minha cela brilharam como um rubi”. E para nós, também, em nossa medida, o quarto no qual
falamos com Deus, como um homem fala com seu amigo, reluzirá como uma safira e uma pedra
de sárdio, e será para nós como a fenda da rocha no Sinai, por meio da qual a glória não-criada
foi derramada, até que o olhar firme do profeta foi obscurecido, e seu semblante se acendeu
como uma chama.
Nossa percepção da presença de Deus pode, contudo, ser acompanhada de pouca ou
nenhuma emoção. Nossos espíritos podem ficar como mortos sob a mão de Deus. Visão e êxtase
podem ser retirados. Mas não devemos nos tornar preguiçosos na oração. Ao invés de
interromper o exercício nesses momentos, devemos dobrar nossos esforços. E, pode ser, que a
oração que atravessa as trevas para chegar a Deus nos trará uma bênção tal qual não recebemos
em nossas horas mais favoráveis. A oração que vem da “terra do esquecimento”, o “lugar das
trevas”, o “ventre do inferno”, pode ter uma abundante e gloriosa resposta.
Ao mesmo tempo, existem ocasiões de privilégio especial quando os ventos de Deus estão
soltos ao redor do trono da graça, e o sopro da primavera começa a agitar os jardins do Rei. Os
pregadores escoceses costumavam falar muito sobre ganhar acesso. E é dito a respeito de Robert
Bruce que quando dois visitantes se apresentaram diante dele certa manhã, ele lhes disse: “Vocês
devem ir e deixar-me por um tempo. Pensei ontem a noite quando me deitei que tivesse tido uma
boa medida da presença do Senhor, e agora eu lutei uma ou duas horas e não ainda não consegui
acesso”. Pode ser que em sua solitude havia uma subjetividade desproporcional, ainda assim, a
avidez de seu desejo era certamente louvável. Para que propósito vivemos em Jerusalém, se não
vemos a face do Rei? E quando Ele sai das câmaras reais, acompanhado de bênçãos, devemos
nos manter à vontade para que possamos render-lhe adoração e oferecer-lhe serviço? Jonathan
Edwards resolveu que toda vez em que ele se encontrasse “em uma boa situação para a
contemplação divina”, não permitiria nem que a refeição do meio-dia interrompesse seu
relacionamento com Seu Senhor. “Eu esquecerei meu jantar”, disse, “ao invés de interromper
meu compromisso”. Quando o fogo de Deus brilhou sobre o monte Carmelo, foi Acabe quem
desceu para comer e beber: foi Elias quem subiu para orar (1 Rs. 18).

2. Honestidade Na Oração
Novamente, aquele que “está” no lugar secreto “vê” em secreto, e nos convém ser honestos
ao nos ajoelharmos em Sua pura presença.
Ao nos dirigirmos a Deus gostamos de falar dele como achamos que devemos falar, e
algumas vezes nossas palavras ficam aquém de nossos sentimentos. Mas é melhor que sejamos
perfeitamente francos diante dele. Ele permitirá que falemos qualquer coisa que quisermos,
contanto que o digamos para Ele. “Direi a Deus, minha rocha:” diz o salmista, “Por que te
esqueceste de mim?” (Sl. 42:9, ACF). Se ele tivesse dito “Senhor, Tu não podes esquecer: Tu
gravaste o meu nome na palma de Tuas mãos”, teria falado mais dignamente, mas seria menos
verdadeiro. Em certa ocasião Jeremias falhou ao interpretar Deus corretamente. Ele chorou,
como se estivesse irado: “Senhor, tu me enganaste, e eu fui enganado; foste mais forte do que eu
e prevaleceste” (Jr. 20:7, NVI). São palavras terríveis para serem pronunciadas diante daquele
que é a verdade imutável. Mas o profeta falou como ele se sentia, e o Senhor não apenas o
perdoou, Ele o encontrou e o abençoou ali.
É possível que alguns que leiam essas páginas tenham alguma queixa contra Deus. Uma
controvérsia de longa data se colocou entre sua alma e a graça de Deus. Se você fosse expressar
a palavra que está coçando sua língua você diria a Ele: “Por que Tu me trataste desta forma?”
Então ouse dizer, com reverência e ousadia tudo o que está em seu coração. “Apresentai a vossa
demanda, diz o SENHOR; alegai as vossas razões, diz o Rei de Jacó” (Is. 41:21). Leve sua
queixa até a luz de Seu rosto; apresente ali sua reclamação. Então ouça a resposta dele.
Certamente, em benignidade e verdade, Ele se livrará da acusação de crueldade que você traz
contra Ele. E em Sua luz você verá a luz. Mas lembre-se que esta é uma questão particular entre
você e seu Senhor, e você não deve difamá-lo de nenhuma forma. “Se eu pensara em falar tais
palavras, já aí teria traído a geração de teus filhos” (Sl. 73:15). John Livingstone de Ancrum, em
um dia de trevas fez uma resolução excelente: “Encontrando-me, como pensava, certamente
abandonado, e sem que meu caso em particular tivesse sido respondido, eu fiz uma promessa a
Deus de não contar isso a mais ninguém, a não ser para Ele, para que eu não parecesse reclamar
ou gerar descrença em mim mesmo e nos outros”.
Mas existe uma outra região em que a honestidade na oração deve operar. Já houve
momentos, sem dúvida, na vida de cada um de nós, quando o Espírito de Deus aumentou nossa
afeição e desejo. Nossas orações voaram pelas distâncias celestiais, e estávamos a ponto de
fechar as asas diante do trono. Quando, de repente, nos foi trazido à memória algum dever não
cumprido, alguma indulgência prejudicial tolerada, algum pecado do qual não nos arrependemos.
Foi para que pudéssemos abandonar aquilo que é mal e seguir aquilo que é bom que o Espírito
nos deu tão abundantemente Sua assistência em oração. Ele planejou que, naquela boa hora de
Sua visitação, pudéssemos nos purificar de toda mancha, para que dali em diante pudéssemos
viver como Sua “propriedade adquirida”. E, talvez, em tal caso, evitamos a luz e demos as costas
ao convite de Deus. Então as trevas caíram sobre nossos rostos; o Divino Confortador, “que cura
nossas enfermidades”, entristecendo-se, se retirou. E a essa hora, provavelmente, podemos traçar
nossa presente debilidade no santo exercício da oração. “Se eu no coração contemplara a
vaidade, o Senhor não me teria ouvido” (Sl. 66:18). “O que desvia os ouvidos de ouvir a lei, até a
sua oração será abominável” (Pv. 28:9). “Mas as vossas iniquidades fazem separação entre vós e
o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que vos não ouça” (Is.
59:2). “Pelo que, quando estendeis as mãos, escondo de vós os olhos; sim, quando multiplicais as
vossas orações, não as ouço” (Is. 1:15). Na telegrafia sem fio, se o receptor não está na mesma
frequência do transmissor a comunicação é impossível. Na verdadeira oração, Deus e o
suplicante devem estar “de comum acordo”.
Cavalier, um líder huguenote, que viveu por anos nos prazeres da comunhão inquebrável
com Deus, enganado pela vaidade, abandonou a causa pela qual ele tinha dedicado sua vida.
Finalmente, ele veio à Inglaterra e entrou no exército britânico. Quando foi apresentado à rainha
Anne, ela disse: “Deus visita você agora, Monsieur Cavalier?” O jovem militar curvou a cabeça e
ficou em silêncio. Christmas Evans nos conta de um eclipse de fé que teve. Um período de
impotência e decadência se seguiu. Mas o Senhor o visitou em misericordia. “Lázaro já
sepultado, havia quatro dias”. Imediatamente ele começou a implorar que o fervor e a alegria dos
anos anteriores lhe fossem restaurados. “No monte Caerphilly”, ele relatou, “o espírito de oração
veio sobre mim como tinha acontecido em Anglesea. Eu chorei, supliquei, e entreguei-me a
Cristo. Eu chorei por muito tempo, busquei a Jesus Cristo e meu coração derramou seus pedidos
diante dele na montanha”. Então, seguiu-se um período de maravilhosas bênçãos.
Por outro lado, “se o coração não nos acusar, temos confiança diante de Deus; e aquilo que
pedimos dele recebemos, porque guardamos os seus mandamentos e fazemos diante dele o que
lhe é agradável” (1 Jo. 3:21-22).
Os escritores devocionais da Idade Média estavam acostumados a distinguir entre “uma
intenção pura” e “uma intenção justa”. A primeira, eles diziam, era o fruto da santificação; a
última era a condição da santificação. A primeira implicava uma vontade treinada e disciplinada,
a última uma vontade entregue em humilde rendição aos pés do Mestre. Agora, o que Deus
requer daqueles que buscam sua face é “uma justa intenção” – uma aceitação deliberada,
resignada e alegre de Sua boa e perfeita vontade. Toda oração verdadeira deve recorrer à grande
expiação, na qual o Homem de Dores traduziu em “paixão ativa” a súplica de Sua agonia: “Meu
Pai, se possível, passe de mim este cálice! Todavia, não seja como eu quero, e sim como tu
queres” (Mt. 26:39) Ele nos tem transmitido Sua própria oração: nós a oferecemos no poder de
Seu sacrifício. “Portanto, vós orareis assim: Pai nosso... faça-se a tua vontade” (Mt. 6:9-10).
Senhor, aqui seguro em minhas trêmulas mãos
Esta minha vontade - uma coisa que parece pequena;
E somente Tu podes, Ó Cristo, entender
Como, quando Te entrego isso, eu entrego tudo de mim

Ela têm estado molhada de lágrimas e manchada com suspiros,


Cerrada em meus punhos até que não tenha mais beleza;
Agora, de Teu pedestal onde ela está prostrada
A oração ascende, “Seja feita a Tua vontade”.

3. Fé
Uma vez mais, é necessário que quando nos achegamos a Deus devemos fazê-lo em fé.
“Ore ao vosso Pai”. “Quando orar, diga, Pai nosso”. “Não temais, ó pequenino rebanho; porque
vosso Pai se agradou em dar-vos o seu reino” (Lc. 12:32). “Deus, o vosso Pai, sabe o de que
tendes necessidade” (Mt. 6:8). “Porque o próprio Pai vos ama” (Jo. 16:27). Toda a filosofia da
oração está contida nesse tipo de passagens. “Esta palavra ‘Pai’”, escreveu Lutero, “prevaleceu
sobre Deus”.
(a) Deve-se admitir de uma vez que com Deus, nenhum milagre é impossível. Que se
reconheça que Ele é o galardoador daqueles que diligentemente o buscam, nenhuma oração
verdadeira ficará sem bênção. Mas a fé em Deus de modo algum é algo leviano ou trivial. Robert
Bruce de Edimburgo costumava pausar em seus sermões e, curvando-se sobre o púlpito, dizia
com grande solenidade, “Eu considero ser uma coisa grandiosa crer que exista um Deus”. Certa
feita ele confessou que por três anos, ele nunca disse: “Meu Deus”, sem ser “confrontado e
inquietado ao mesmo tempo”. “Essas palavras, ‘Meu Deus’”, disse Ebenezer Erskine, “São o
centro do evangelho”. Ser capaz de segurar o Deus vivo dentro de nossas frágeis mãos e dizer
com segurança: “Deus, o nosso Deus, nos abençoa” (Sl. 67:6), exige fé que não provém do
nascimento natural.
Mas é reconfortante se lembrar que mesmo uma fé frágil prevalece para vencer. “Não é de
se admirar”, diz Robert Blair, “que nossas palavras na oração, que quase morrem ao saírem de
nossos lábios, se elevam tanto que chegam ao céu?” De fato é uma maravilha, mas todos os
feitos de Deus na graça são maravilhosos. Como o mineiro, cujos olhos treinados enxergam o
brilho do metal semeado em flocos esparsos em meio ao grão grosseiro das rochas, Ele observa a
rara, mas custosa fé que se encontra embutida em nossa incredulidade. Em algum lugar das
encostas do Monte Hermom, nosso Senhor disse a Seus discípulos: “se tiverdes fé como um grão
de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá, e ele passará. Nada vos será
impossível” (Mt. 17:20). A montanha que a palavra de fé deveria lançar no mar era uma
imensurável massa que preenchia o horizonte ao norte da Palestina, cujas raízes correm sob toda
a terra de Emanuel, cujo orvalho refresca a cidade de Deus.
"Fé, ponderosa fé, a promessa enxerga,
E olha somente para ela;
Ri das impossibilidades
E clama, será feito".
Quando os peregrinos (i.e. no livro A Peregrina, de John Bunyan) chegaram nas Montanhas
das Delícias, os pastores lhes mostraram um homem sobre a Montanha das Maravilhas que
“removia as colinas pela força da palavra”. Aquele homem era o filho de um tal Sr. Grande-Fé, o
campeão do Rei, e ele foi colocado lá “para ensinar os peregrinos a derrubar ou retirar de seu
caminho qualquer dificuldade que encontrarem, pela fé”.
(b) Mas esse Deus, que é nosso, é nosso Pai. Nosso Senhor confere a nós Seus próprios
direitos e privilégios. Ele coloca em nossas mãos a chave-mestra, que destranca todas as portas
do tesouro de Deus. “Porque quantas são as promessas de Deus, tantas têm nele o sim; porquanto
também por ele é o amém para glória de Deus, por nosso intermédio” (2 Co. 1:20). Nele nos
achegamos mais perto de Deus. Nele suplicamos com ousadia nossas petições. Ralph Erskine
nos diz que, em certa noite de sábado, ele teve uma incomum liberdade na oração por meio do
Senhor Jesus: “Eu fui ajudado na oração em secreto com um derramar da alma diante do Senhor,
reconhecendo meu direito à promessa, meu direito ao pão diário, meu direito a uma vida
confortável, meu direito a uma morte sem aguilhão, meu direito a uma gloriosa ressurreição e
meu direito a uma vida eterna e felicidade: estar somente em Cristo, e em Deus por meio dEle
como um Deus que promete”.
Quando oramos a nosso Pai oferecemos nossas orações no nome de Jesus, com Sua
autoridade. Não devemos pensar, contudo, que o nome de Jesus pode ser usado por nós como
quisermos. Não seria sábio da parte de Deus lidar com seus filhos como Assuero lidou com
Mordecai quando lhe entregou o grande selo com as palavras “Escrevei, pois, aos judeus, como
bem vos parecer, em nome do rei, e selai-o com o anel do rei; porque os decretos feitos em nome
do rei e que com o seu anel se selam não se podem revogar” (Et. 8:8). John Bunyan demonstra
seu costumeiro discernimento espiritual quando, em seu livro A Guerra Santa, comenta a
respeito das petições que os homens de Alma-Humana enviam a Emanuel, às quais Ele não deu
nenhuma resposta. Depois de algum tempo “eles concordaram em escrever uma outra petição, e
enviá-la a Emanuel para obter sua ajuda. Mas o Sr. Temor-de-Deus se levantou e disse que ele
sabia que seu Senhor, o Príncipe, nunca recebeu e nunca receberia uma petição a respeito desses
assuntos das mãos de qualquer um a não ser que a assinatura do Lorde Secretário estivesse nela.
‘E isso’, citou ele, ‘é o motivo pelo qual vocês não prevaleceram até agora’. Então, eles disseram
que escreveriam uma petição e fariam com que o Lorde Secretário a assinasse. Mas o Sr. Temor-
de-Deus respondeu novamente que ele também sabia que o Lorde Secretário não colocaria Sua
mão em qualquer petição que Ele mesmo não tivesse composto ou escrito”.
A oração da fé é um meio termo entre a intercessão do Espírito Santo e a intercessão de
Cristo. É o meio divinamente apontado pelo qual os gemidos inexprimíveis do Espírito, que
habita em Seu povo como em um templo, são transmitidos e entregues ao exaltado Mediador,
que vive “sempre para interceder” por nós. E assim, de uma forma peculiar e especial aqueles
que fazem menção ao Senhor recebem a graça de se tornarem colaboradores junto com Deus.
CAPÍTULO 4: O COMPROMISSO -
ADORAÇÃO
“Nós te louvamos…Glorificamos e te damos graças por tua grande glória, Ó Senhor
Deus”.
- Livro de Oração Comum

"Se não houvesse mais nada


Pelo qual louvar os céus a não ser o amor,
Esse amor somente já seria causa de louvor”.
- Tennyson

"Louve-O, sempre louve-O, por lembrar-se do pó da terra".


- Morgan Rhys

“Fechada a porta, orarás”. A palavra utilizada aqui, que é a mais frequentemente empregada
no Novo Testamento para se referir a oração, implica um desejo em direção a algo; e enquanto
ela sugere petição, é geral o suficiente para incluir todo o nosso compromisso no lugar secreto –
Adoração, Confissão, Petição. Neste capítulo iremos falar do primeiro deles – Adoração.
Quando Cipião, o Africano, entrou em Roma, depois de ter humilhado a orgulhosa cidade
de Cartago, cavalgou em procissão ao longo da Estrada do Triunfo, atravessou as encostas do
Velia, passou reverentemente pelo antigo Caminho do Sacrifício, então subiu a longa ladeira do
Capitólio, espalhando com ambas a mãos “a generosidade do vencedor”, enquanto ar era rasgado
com os aplausos da multidão. Em meio à festa das multidões havia alguns cujo sentimento mais
óbvio de gratidão era manifestado pela liberalidade do conquistador naquela hora de triunfo.
Outros exultavam pelo fim do terror que já durava anos, e pensavam com emoção nos belos
campos da Itália, agora liberados do julgo estrangeiro. Enquanto outros esqueciam por um
momento os benefícios pessoais ou o crescimento nacional, aclamavam as qualidade pessoais do
vitorioso – sua desenvoltura, sua benevolência, sua coragem, sua cortesia.
Semelhantemente, o tributo de louvor que os santos são instruídos a render ao Senhor pode
ser incentivado por:

(A) O Reconhecimento Das Misericórdias Diárias


“A memória”, diz Aristóteles, “é o escriba da alma”. Permita que ela traga suas tábuas e escreva.
Fraser de Brea foi por certo tempo prisioneiro pela causa de Cristo em Bass Rock, ele decidiu
que iria buscar e gravar a amorosa bondade de Deus. Ele fez isso com um feliz efeito em seu
espírito. “Trazer à memória e seriamente meditar nas ações de Deus para comigo tanto para a
alma como para o corpo, suas multiformes misericórdias, tem feito muito bem para mim, limpou
meu caso, confirmou minha alma no amor de Deus e o meu interesse nele, e me fez amá-lo. Ó...
quantos poços de água meus olhos foram abertos para enxergar, os quais anteriormente estavam
escondidos! Praticamente nada tem me feito tão bem quanto isso”. Vamos nos dar o trabalho de
observar e considerar as relações de Deus para conosco. E com certeza receberemos visões que
enriquecerão nossa alma de Sua bondade e verdade. Suas misericórdias se renovam a cada
manhã. Ele faz as despedidas da noite para nos alegrarmos. Seus pensamentos a nosso respeito
são em número como as areias da praia, e são todos pensamentos de paz. Aqueles benefícios que
ocorrem com tanta regularidade que parecem ser “comuns” e “ordinários”, que penetram com
fios de ouro a vestimenta caseira de nossa vida diária, devem ser mais carinhosamente
celebrados, pois, frequentemente, eles são inexpressivamente grandes. “Hoje eu tenho
experimentado o melhor prazer que eu já tive em minha vida”, disse um jovem inválido; “eu
consegui respirar livremente por cinco minutos”. Na casa do Dr. Judson em Burma, alguns
amigos estavam especulando a respeito da maior forma de felicidade que poderia se levantar de
circunstâncias externas, e cada um fortificou sua própria opinião pelo julgamento de alguma
autoridade. “Pfff”, disse o Dr. Judson, que estava se relembrando de seu terrível aprisionamento
em Ava, “estes homens não são qualificados para julgar. O que vocês acham de navegar o
Irrawadi, em uma noite fresca de lua cheia, com sua esposa ao seu lado e seu bebê em seus
braços, livres, todos livres? Mas vocês não podem entender isso também; é necessária uma
qualificação de vinte e um meses; e mal posso me lamentar dos meus vinte e um meses de
miséria, quando me lembro daquela deliciosa emoção. Eu acho que, desde então, tive uma
melhor noção do que o céu deve ser”. Mas quão frequentemente agradecemos a Deus pela mera
alegria de viver no livre e saudável uso de todas as nossas faculdades?
“O rio passa e Deus esquece”, é um provérbio inglês que em nenhum caso deve ser aplicado
àqueles que experimentaram que Deus é gracioso. “Aos retos fica bem louvá-lo” (Sl. 33:1) é o
julgamento do Antigo Testamento; “Em tudo, dai graças” (1 Ts. 5:18) é a decisão do Novo.
Mesmo um pagão foi levado a dizer: “O que posso eu, um velho homem imperfeito, fazer a não
ser louvá-lo e exortar outros a fazer o mesmo”? Pela beleza da natureza, a comunhão do bem, o
terno amor do lar; pelo salvo conduto na tentação, força para superar, livramento do mal; pela
generosidade, paciência, simpatia de Deus; e pelas dezenas de milhares de misericórdias não
observadas ou não lembradas, incansavelmente bendigamos seu Santo Nome. “Rendei graças ao
SENHOR, porque ele é bom, porque a sua misericórdia dura para sempre” (Sl. 136:1).
Mas se as coisas se tornam difíceis e as tribulações escurecem nosso céu, será que ainda
devemos dar graças e bendizer ao nosso Deus? Com certeza.
"As provações tornam a promessa doce;
As provações dão vida nova à oração;
As provações me levam aos Seus pés,
Me humilham e me mantém ali".
Agradeçamos a Deus pelas provações. Vivemos em uma terra limitada. Mas, como o jardim
de Immanuel Kant, é “infinitamente elevado”. O ar é fresco e o sol é claro. O inverno é gelado,
mas agradável. Com a primavera vêm os pássaros cantando, o desabrochar e a fragrância das
flores. E se até mesmo no verão o ar está frio, ali sempre está o sorriso de Deus que nos dá saúde.
Por outro lado, quão verdadeira é a afirmação de Agostinho: “As riquezas terrenas são cheias de
pobreza”. Abundância de milho e vinho nunca satisfarão a alma faminta. Púrpura e linho fino
podem mascarar somente uma vida em farrapos. O estrondo estridente do trompete da fama não
pode subjugar as discórdias do espírito. A melhor noite que Jacó teve foi aquela em que uma
pedra foi seu travesseiro e os céus foram as cortinas de sua tenda. Quando Jó foi desprezado por
jovens cujos pais ele teria desdenhado para junto dos cachorros de seu rebanho, ele se tornou um
espetáculo para os anjos e o tema de sua admiração e alegria. A derrota de Adão no Paraíso, o
Redentor recuperou na desolação do deserto e na angústia de Sua paixão. A cruz que somos
chamados para carregar pode ser pesada, mas não precisamos carregá-la por longas distâncias. E
quando Deus nos ordena colocá-la no chão, o céu começa.
Crisóstomo, em seu caminho para o exílio, exclamou: “Deus, muito obrigado por tudo”. Se
nós o imitarmos, nunca mais teremos um dia ruim. Alexander Simson, um famoso ministro
escocês de duzentos anos atrás, certa vez, quando estava caminhando, caiu e quebrou sua perna.
Ele foi encontrado “sentado com sua perna quebrada em seus braços, e clamando, ‘bendito seja o
Senhor; bendito seja o Seu nome’”. E verdadeiramente, vendo que todas as coisas cooperam para
o bem daqueles que amam a Deus, ele foi sábio. Richard Baxter encontrou razão para bendizer a
Deus por uma disciplina de dores que ele suportou por trinta e cinco anos. E Samuel Rutherford
exclamou: “Ó, o que eu devo à fornalha, à lima e ao martelo de meu Senhor Jesus”!

(B) Gratidão Pela Redenção


Mas todas as nossas misericórdias, corretamente vistas, nos levam a pensar em nossa
aceitação em Cristo. O rio da água da vida, que torna o deserto feliz, que flui do trono de Deus e
do Cordeiro. Os benefícios daquela graciosa aliança que é ordenada são todos confirmados para
o nosso uso e prazer pelo selo de sangue.
“Não há um dom que Sua mão conceda,
Que não lhe tenha custado um gemido de Seu coração”.
Pode ser que não haja mais água na garrafa, mas a Fonte da Promessa está fluindo água
fresca ao alcance da mão, tão perto que podemos ouvir a música de seu fluir. Os ladrões podem
roubar nosso dinheiro, “mas nosso ouro está em nosso baú em casa”. Deus pode tirar muito
daquilo que nos é querido, mas Ele não nos deu a Cristo? E seja lá como a oração de ações de
graças possa circular dentro e fora da graciosa providência de Deus, ela irá infalivelmente parar
aos pés do Senhor.
Mas louvar a Cristo é um exercício árduo. O que Thomas Boston diz acerca da pregação
também é verdadeiro acerca do louvor: “Eu achei a pregação de Cristo a coisa mais difícil; pois,
embora o mundo esteja repleto de maravilhas, aqui estão profundezas além de todas as outras”. E
vendo que a coisa era realmente assim, ele manteve esse processo pendente diante de Deus por
muito tempo, “Para que pudesse ver a Cristo por uma iluminação espiritual”. Tão ansioso estava
pela aceitação de seu pedido e tão pesaroso para sua alma era a sua ignorância de Cristo, que sua
saúde passou a ser afetada. Ainda assim, ele nos diz, havia alguns momentos quando sua alma
era levada em amor a Cristo, seguia firme atrás dele, e “viu muita satisfação, prazer e doçura
nele”.
A Páscoa de Israel foi celebrada na véspera da grande libertação, a qual dali em diante se
tornou uma “noite para ser observada para o Senhor”. Devemos frequentemente comemorar
nossa redenção de uma prisão muito mais amarga do que o Egito. John Bunyan transmite esse
maravilhoso conselho a seus “queridos filhos”: “Lembrem-se dos dias passados e dos anos
antigos; lembrem-se também de suas canções na noite, e tenham comunhão com seus próprios
corações. Sim, busquem diligentemente e não deixem nenhum canto sem procurar, pois este
tesouro escondido, o tesouro de sua primeira e segunda experiência da graça de Deus por vocês;
lembrem-se, eu digo, da palavra que primeiro lhes cativou; lembrem-se de seus terrores de
consciência e medo da morte e do inferno; lembrem-se também de suas lágrimas e orações a
Deus – sim, como vocês suspiravam sob cada telhado por misericórdia! Nunca tiveram um
monte Mizar para recordar? Vocês se esqueceram dos quartos, das casas de ordenha, dos
estábulos, dos celeiros e similares, onde Deus visitou suas almas? Lembrem-se também da
palavra – a palavra, eu digo, na qual o Senhor fez com que vocês esperassem”.
Também está certo de que deveríamos procurar nas riquezas e glórias da herança da qual
fomos feitos coparticipantes. O sangue de Cristo, a graça do Espírito, a luz do semblante de
Deus, são “três joias que valem mais do que os céus. O nome de Cristo possui dez mil tesouros
de alegria. Talvez a forma mais aceitável de adoração e o mais rápido incentivo para o louvor,
quando relembramos as misericórdias que nos são asseguradas no sangue de uma eterna aliança”,
é o ato de apropriação por meio do qual fazemo-nos herdeiros da nossa propriedade já adquirida
em Cristo. O Dr. Chalmers foi um daqueles que descobriu este segredo. Em seu diário,
frequentemente nos deparamos com expressões como estas: “Comecei meus primeiros
momentos acordado com uma confiante certeza de Cristo como meu salvador. Um dia de grande
quietude”. “Que a certeza de Cristo como minha propiciação seja o ato fixo de cada manhã”.
“Comecei o dia com um distinto ato de confiança; mas deveria renová-lo durante o dia”.
“Comecei novamente com um ato de confiança; mas por que não uma confiança perene no
Salvador?”. “Eu tenho recorrido mais frequentemente aos atos de fé em Cristo e não tenho
nenhuma dúvida de que este é o ato que me levará pelo caminho certo”. “Recorrendo ao tópico
de uma grande confiança e crença nas promessas do Evangelho, que eu possa agir conforme a
determinação: ‘Abra bem a tua boca e eu a encherei”.
É nosso prazeroso dever rever, com ações de graças todas as formas pelas quais o Senhor
nos tem guiado. Otto Funcke deu à sua autobiografia o lindo título de “As Pegadas de Deus no
Caminho da Minha Vida”. O caminho da direção divina pode nos levar das águas amargas de
Mara às sombras temperadas das palmeiras de Elim. Pode passar pelo deserto escaldante, mas
chega posteriormente ao Monte de Deus. Pode descer até o Vale da Sombra da Morte, mas nos
levará para fora até as prazerosas terras das promessas de Deus -
"Uma terra de milho, vinho e azeite,
Favorecida com o peculiar sorriso de Deus
Com cada bênção concedida".
E naquele “justo caminho” da conduta divina existe sempre a confortante e adorável
presença de nosso Grande Deus e Salvador. Não podemos relembrar as misericórdias do
caminho sem nos lembrarmos dele. Ele tomou, com a mão que foi traspassada, o copo amargo e
o tomou, até que Seus lábios estivessem molhados com nosso sofrimento e condenação. E agora
o copo da amargura se tornou doce. Onde seus pés pisaram, o deserto regozijou e os lugares
abandonados em nossa vida se tornaram frutíferos como o Carmelo. Um caminho acidentado sob
nossos pés corria sombriamente pela noite, mas o terno amor de Sua presença era como uma
lâmpada para nossos pés e uma luz para nosso caminho. Seu nome é fragrância, Sua voz é
música, Seu semblante é vida. O Dr. Judson, em sua última doença, teve uma maravilhosa
entrada na terra do louvor. Ele exclamou de repente, conforme as lágrimas corriam por sua face:
“Ó, o amor de Cristo! O amor de Cristo! Não podemos entendê-lo agora, mas que maravilhoso
estudo para a eternidade”. Vez após vez, embora sua dor fosse constante e severa, ele clamava
em um santo êxtase: “Ó, o amor de Cristo! O amor de Cristo”!
Tais louvores se elevam até que se misturam com a glória do novo cântico que enche o
santuário, “Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto e com o teu
sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação e para o nosso
Deus os constituíste reino e sacerdotes; e reinarão sobre a terra” (Ap. 5:9-10).

(C) Contemplação Da Perfeição De Deus


E assim, o louvor direcionado a Deus no nome e memória de Jesus Cristo se ergue
inevitavelmente em adoração. E aqui, mais frequentemente, “o louvor é silencioso”. Isaías,
transportado pela fé ao Santo dos Santos, foi arrebatado na adoração dos serafins e unido em
espírito na adoração sem fim ao Deus Triúno – “Santo, santo, santo é o SENHOR dos Exércitos;
toda a terra está cheia da sua glória” (Is. 6:3). Os anjos arautos desceram sobre as planícies de
Belém cantando a canção do céu, “Glória a Deus nas alturas”; e nossa triste terra ouviu e foi
confortada.
"Anjos, nos ajudem a adorá-lo;
Sim, contemplem-no face a face!"
Mas até mesmo estas brilhantes inteligências são incapazes de demonstrar todo Seu louvor.
É dito de John Janeway que frequentemente na hora da oração secreta ele raramente sabia
se estava “no corpo, ou fora do corpo”. Tersteegen disse a alguns amigos que haviam se juntado
a ele: “Eu sento aqui e converso com vocês, mas dentro está a eterna adoração, incessante e
imperturbada”. Woodrow conta que em certa ocasião o Sr. Carstairs foi convidado a participar
dos cultos de comunhão em Calder, perto de Glasgow. Ele foi maravilhosamente assistido, e
houve “uma estranha excitação durante todo o sermão”. Seus ouvintes foram afetados de uma
forma incomum; a glória parecia encher a casa. “Um homem cristão que estivera à mesa e agora
havia sido obrigado a sair da igreja, tentando entrar novamente, não conseguia por algum tempo,
mas permaneceu do lado de fora da porta, mergulhado nos pensamentos daquela glória que
estava na casa, por quase meia-hora e não conseguia pensar em mais nada”.
O Dr. A. J. Gordon descreve a impressão que teve durante o diálogo com Joseph
Rabinowitz, a quem o Dr. Delitzsch considerava o mais notável judeu convertido desde Saulo de
Tarso: “Não esqueceremos tão cedo do brilho que surgia em seu rosto conforme ele expunha os
salmos messiânicos em nossos cultos matutinos ou noturnos, e como, aqui e ali ele capturava um
vislumbre do Cristo sofredor ou glorificado, ele de repente levantava suas mãos e seus olhos aos
céus em uma explosão de admiração, exclamando com Tomé, depois que ele viu as marcas dos
pregos: “Senhor meu e Deus meu”.
Em muitos de nós as emoções podem ser fracas, e os êxtases do espírito podem ser raros. O
amor a Cristo se expressa mais naturalmente na conduta correta do que em um tumulto de
louvor. Mas é provável que para cada sincero crente existem garantidos momentos de comunhão,
quando, alguém se vira para a glória invisível, o véu dos sentidos se torna translúcido e parece
que está contemplando dentro do Santo dos Santos a própria face e a forma daquele que morreu
por nossos pecados, que ressuscitou para nossa justificação, que agora nos espera à destra de
Deus. Mas, mesmo assim, nunca devemos nos esquecer que a adoração não se limita a emoções
prazerosas. Pela lei de sua natureza, ela retorna novamente ao pedido: “Pai nosso, que estás nos
céus, santificado seja o teu nome” (Mt. 6:9).
CAPÍTULO 5: O COMPROMISSO -
CONFISSÃO
“O jardim dos temperos é regado com flores vermelhas”.
- Heinrich Seuse

“É uma coisa grande e rara ter o perdão em Deus revelado a uma alma pecaminosa… É uma
pura verdade do evangelho que não possui nem sombra, nem pegada, nem imitação em qualquer
lugar. Em toda a criação, não existe a menor impressão dessa realidade sobre ela".
- John Owen

“Diante de seu fôlego as faixas


Que me seguravam caem e murcham nas chamas.
Ele segura meu nome em suas mãos feridas,
Sobre seu coração o meu nome.
Eu espero, minha alma espera
Por Aquele que em Seus ombros detém a chave;
Estou assentado, amarrado e ainda assim não desolado;
Meu poderoso Senhor está livre.
Sê Tu exaltado, Porta
De eterna força! O Senhor nas alturas
Foi e levou para sempre cativo
o meu longo cativeiro”.
- Dora Greenwell

“Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos
purificar de toda injustiça” (1 Jo. 1:9). A confissão dos pecados é a primeira atitude de um
pecador desperto, a primeira marca de um espírito gracioso. Quando Deus deseja um lugar para
habitar, Ele prepara “um coração quebrantado e contrito”. O altar da reconciliação está
localizado na entrada do templo do Novo Testamento. O adorador continua, do altar passa pela
bacia até o lugar apontado para o encontro: o trono de misericórdia manchado de sangue.
Mas falamos agora da confissão do pecado que é dever daqueles que são justificados, tendo
encontrado a aceitação em Cristo Jesus. Embora eles sejam filhos, são ainda pecadores. E se eles
andam na luz, são conscientes – como nunca foram em seu estado não-regenerado – da infâmia
de sua culpa, a odiosidade de sua iniquidade. Pois agora eles trazem suas transgressões e
apostasias para a luz da face de Deus, e segurando-as diante dele, clamam, “Pequei contra ti,
contra ti somente, e fiz o que é mau perante os teus olhos, de maneira que serás tido por justo no
teu falar e puro no teu julgar” (Sl. 51:4).

A Confissão Deve Ser Clara


A confissão do pecado deve ser explícita. “O cuidado do cristianismo é pelos particulares”,
disse o Bispo Warburton. A lei ritual em Israel que provia a transferência do pecado no Dia da
Expiação pressupunha definição de confissão: “Arão porá ambas as mãos sobre a cabeça do bode
vivo e sobre ele confessará todas as iniquidades dos filhos de Israel, todas as suas transgressões e
todos os seus pecados” (Lv. 16:21). Nos sacrifícios privados, também, enquanto as mãos do
ofertante (Lv. 1:4) estivessem sobre a vítima, a seguinte oração deveria ser recitada: “Rogo, Ó
Jeová: Eu pequei, eu agi perversamente, eu me rebelei, eu cometi__________;” então o pecado
específico, ou pecados, eram nomeados e o adorador continuava, “mas eu retorno em penitência:
que isso seja para a minha expiação”. Ao lado das ruínas de Jericó, Josué disse a Acã: “Filho
meu, dá glória ao SENHOR, Deus de Israel, e a ele rende louvores; e declara-me, agora, o que
fizeste; não mo ocultes. Respondeu Acã a Josué e disse: Verdadeiramente, pequei contra o
SENHOR, Deus de Israel, e fiz assim e assim” (Js 7:19-20). A grande promessa do Novo
Testamento não é menos definida: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para
nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 Jo. 1:9). Um sábio escritor antigo
disse: “Um filho de Deus confessará o pecado nos particulares; um cristão não saudável
confessará o pecado por atacado, reconhecerá que é um pecador em geral; enquanto Davi, por
assim dizer, aponta com seu dedo para a ferida: ‘eu cometi este mal’ (Sl. 51:4); ele não diz: ‘eu
fiz o mal’, mas ‘este mal’. Ele aponta para sua culpa de sangue”.
Quando, no decorrer do dia, nossa consciência testemunha contra nós que pecamos,
deveríamos imediatamente confessar nossa culpa, clamar pela fé a purificação do sangue de
Cristo e então lavar nossas mãos na inocência. Posteriormente, assim que tivermos uma
oportunidade devemos rever com deliberação o erro que cometemos. Conforme pensamos a
respeito desse pecado com Deus devemos ficar assustados com tal pecaminosidade, como não
ficamos no momento em que o cometemos. E se esse for um pecado que cometemos
anteriormente, talvez, um para o qual nossa natureza está inclinada, devemos nos lançar em fé
absoluta à forte misericórdia de Deus, pedindo a ele no nome de Cristo que jamais venhamos a
entristecê-lo dessa forma novamente.
Conforme nossos corações se tornam mais sensíveis na presença de Deus, a lembrança dos
pecados passados que já foram reconhecidos e perdoados irão, de tempo em tempo, gravar uma
mancha fresca em nossa consciência. Em tais casos a própria natureza parece nos ensinar que
devemos mais uma vez implorar pela perdoadora graça de Deus. Pois nos prostramos, não diante
do trono de julgamento do Divino Legislador, mas diante de nosso Pai, com quem fomos
reconciliados por meio de Cristo. Uma concepção mais adequada da ofensa que cometemos deve
certamente ser seguida de uma mais profunda penitência pelo mal realizado. Sob a direção do
Espírito Santo, devemos ser levados frequentemente a orar com o salmista: “Não te lembres dos
meus pecados da mocidade” (Sl. 25:7), mesmo que estes já tenham sido tratados e absolvidos. A
convicção do pecado automaticamente levará à confissão. Quando tais estímulos são ignorados,
o Espírito que colocou em nós aquela convicção se entristece.
“Meus pecados, meus pecados, meu Salvador,
Que tristeza sobre Ti trazem;
Enquanto por meio de Tua gentil paciência,
Eu os sinto dez vezes mais.
Sei que eles foram perdoados;
Mas ainda a dor deles para mim
É toda a tristeza e angústia,
Que foram lançados, meu Senhor, em Ti”.

O Papel Do Consolador
É de suma importância que, em todo exercício do quarto secreto, nos rendamos à abençoada
influência do Consolador, por meio de quem somos capacitados a orar com aceitação. Um
importante cuidado com relação a isso foi notado por Ralph Erskine. Em seu diário, ele escreve,
em 23 de Janeiro de 1733: “Esta manhã fui avivado na oração, e fortalecido para esperar no
Senhor. No começo da oração, discerni uma determinação de afirmar que Deus em Cristo é a
fonte de minha vida, a força da minha vida, a alegria da minha vida; e que eu não tinha vida que
merecesse tal nome, a não ser que Ele mesmo fosse minha vida. Mas aqui, refletindo a respeito
de mim mesmo com reflexões acerca de minha pecaminosidade, vileza e corrupção, comecei a
reconhecer minha impiedade; mas por um momento a doçura do meu estado de ânimo me falhou
e se acabou. Por isso, creio que posso tirar essa lição: nenhuma doce influência do Espírito deve
ser freada sob o pretexto de obter um melhor estado de ânimo baseado na humilhação; do caso
contrário, o Senhor pode ser provocado a se retirar”. Quando Thomas Boston se viu em perigo de
cair no pecado da vanglória, ele deu uma olhada em seus pés escuros (pecaminosos). Devemos
fazer o mesmo, mas nunca de tal forma a perder nossa segurança da adoção, ou nosso senso da
preciosidade de Cristo. Como Rutherford nos lembra: “Não existe ‘música da Lei’ no céu: lá
toda a música é: ‘Digno é o Cordeiro’”. E o sangue do resgate expiou todos os pecados.
Cristãos do passado costumavam observar com gratidão as ocasiões em que eles podiam
demonstrar “um lamento gentil e penitente pelo pecado”. Em outros tempos, lamentariam seu
amortecimento espiritual. Ainda assim, nunca lhes ocorreu que a frieza de suas afeições deveria
induzi-los a refrear suas orações diante de Deus. Pelo contrário, eram todos de uma mentalidade
de “guerreiro diligente e bem-sucedido diante do trono da graça,” que decidiu que “nunca iria
desistir acerca de enumerar e confessar seus pecados, até que seu coração se derramasse em
contrição e tristeza penitencial”.

Como Assim Amortecimento Espiritual?


Para esse amortecimento do coração podem existir muitas explicações.
Aquele que uma vez foi como uma chama à serviço de seu Mestre pode ter permitido que o
fervor de seu primeiro amor diminuísse por falta de combustível, ou por falta de cuidado, até que
somente uma pequena centelha de cinzas fumegue no altar de suas afeições. Sua maior tristeza é
que ele não tem tristeza pelo pecado, seu fardo mais pesado é que ele não tem fardo. “Ó, que eu
estivesse mais uma vez sob os terrores de Cristo”, era o clamor de um que havia sofrido em
agonia à beira do abismo, mas que já havia aprendido que um coração gelado em relação a Cristo
é ainda muito mais insuportável. Aqueles que estão em tal situação, estão mais perto do Salvador
do que imaginam. Shepard da Nova Inglaterra, falando a respeito de uma vasta experiência diz:
“’Mais pessoas são atraídas a Cristo sob o senso de um coração morto e cego do que por todas as
tristezas, humilhações e medos”.
Aquilo que nos parece amortecimento de coração pode ser a operação do Espírito Santo,
convencendo-nos dos pecados até agora despercebidos. Assim como alguém olha para uma
galáxia e a vê somente como uma névoa deformada, também alguém se torna consciente dos
inumeráveis pecados somente pela sombra que eles lançam sobre a face dos céus. Mas quando
alguém observa por meio de um telescópio a deriva nebulosa, ela se transforma em um
aglomerado de estrelas, em número quase infinito. E quando alguém examina, no lugar secreto
de comunhão, a nuvem que escurece a face de Deus, ela parece se dispersar e repartir em uma
multidão de pecados. Se, então, na hora de oração não tivermos uma vívida comunhão com
Deus, vamos clamar como o salmista: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e
conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho
eterno” (Sl. 139:23-24). Aquele que se dedicou a “esquadrinhar Jerusalém com lanternas” (Sf.
1:12) nos examinará por completo, nos testará como a prata é provada, nos peneirará como o
trigo. Ele nos trará das profundezas inexploradas de nossa natureza, que é contrária à mente de
Cristo, e submeterá cada pensamento e imaginação à obediência de Sua vontade.
O amortecimento do coração também pode emergir da consciência de nossos muitos
pecados de omissão – deveres não realizados, oportunidades não aproveitadas, graça
negligenciada. Frequentemente, quando ajoelhamos em oração, “os anos perdidos clamam” atrás
de nós. O que foi relatado acerca do Arcebispo Ussher pode ser dito a respeito de muitos servos
do Senhor – “Ele orava frequentemente e com grande humildade, para que Deus perdoasse seus
pecados de omissão e suas falhas em seus deveres”. Cada dia é uma embarcação que deve ser
abastecida com deveres santos e esforços antes que levante a âncora e navegue para as terras
eternas. Quantas horas são mal vivenciadas! Quantas ocasiões nós perdemos! Quantos dons
preciosos de Deus são desperdiçados! O mundo passa e sua forma desvanece.
Mas ainda existe aquilo que permanece no mais profundo da alma, mais ainda que o pecado
secreto – existe a natureza pecaminosa, o corpo da morte. Quando reconhecemos a depravação
de nossa natureza, devemos nos dedicar a falar de acordo com a medida de nossa experiência.
Nós nem conseguimos exagerar os fatos, mas podemos facilmente exagerar nossa apreciação
acerca deles. Conforme avançamos na graça, conforme nos acostumamos a manter nossos
pensamentos ou sentimentos dentro da penetrante iluminação da pureza de Deus, conforme
abrimos as mais escondidas recâmaras de nosso ser à graciosa influência do bom Espírito de
Deus, somos levados a uma compreensão mais profunda da pecaminosidade do pecado inato, até
lamentarmos como Esdras: “Meu Deus! Estou confuso e envergonhado, para levantar a ti a face,
meu Deus” (Ed. 9:6).
Conta-se sobre Lutero que, durante um longo dia, sua pecaminosidade inata se revelou em
perversas manifestações, tão veementes e aterrorizantes que “o próprio veneno deles consumiu
seu ânimo e seu corpo parecia morto, de tal forma que não parecia haver nele fala, sentidos,
sangue ou calor”. Em um dia especial de jejum e oração, Thomas Shepard, de Cambridge,
Connecticut, escreveu o seguinte: “3 de novembro. Eu vi o pecado como meu maior mal; e que
eu era vil; mas Deus era completamente bom, e meus pecados o atacaram. Vi a causa que tinha
para me detestar... O Senhor também me deu um vislumbre de mim mesmo; Foi um bom dia e
um bom tempo para mim... Eu fui a Deus e descansei nele... Comecei a considerar se todo o país
não estaria pior por conta de meus pecados. E parecia que sim. Este foi um pensamento
humilhante para mim”.
O Presidente Edwards, certa vez, teve uma incrível descoberta da beleza e da glória de
Cristo. Depois de registrar em seu diário, ele escreveu: “Minha impiedade, como sou em mim
mesmo, há muito me parece perfeitamente inefável, engolindo todo pensamento e imaginação,
como um dilúvio infinito ou montanhas sobre minha cabeça. Não sei mais como expressar o que
o pecado parece ser aos meus olhos, a não ser somando infinito ao infinito e multiplicando
infinito por infinito. Muitas vezes, durante esses anos, estas expressões estão em minha mente e
em minha boca: ‘Infinito sobre infinito! Infinito sobre infinito!’” Quando o Dr. John Duncan
estava próximo da morte, ele relembrou com grande zelo: “Estou pensando com horror acerca da
mente carnal, inimizade contra Deus. Eu nunca a vislumbro, mas ela me produz horror, até
mesmo doença física”.
Estas são experiências solenes. Talvez, Deus leve alguns de seus filhos através de águas
muito selvagens e profundas. Nem devemos tentar segui-los, a não ser que Ele nos aponte o
caminho. Acima de tudo, não nos atrevemos, nas confissões que são direcionadas ao Santo Deus,
simular experiências que nunca tivemos. Mas, na medida que o Senhor nos revelou, vamos
confessar os pecados mais profundos de nossa natureza. Foi dito com muita verdade que o único
“sinal de alguém que está em Cristo que Satanás não consegue falsificar” é a tristeza e
arrependimento que os verdadeiros crentes experimentam quando Deus lhes revela a
pecaminosidade do pecado inato.
Mas, por outro lado, o amor de Cristo enche os nossos corações de tal forma que, embora a
lembrança do pecado continue, o sentido do pecado se perde – engolido por um oceano infinito
de paz e graça. Tais elevados momentos de visitação do Deus vivo são seguramente prelúdios da
alegria do céu. Pois a canção dos remidos na glória é diferente dos louvores na terra, no sentido
de que ela celebra a morte do Cordeiro de Deus sem a menção do pecado. Todos os frutos
venenosos de nossa iniquidade foram mortos; todas as amargas consequências de nossas más
obras foram apagadas. E as únicas relíquias do pecado que são encontradas no céus são os pés, as
mãos e o lado traspassados do Redentor. Então, quando os salvos da terra relembram suas
transgressões passadas, eles olham para Cristo; e a lembrança do pecado morre no amor daquele
que usou a coroa de espinhos e suportou a cruz.
“Quanto pior foi o erro,
Quanto mais triste foi a queda
Maior são os louvores
Daquele que a tudo perdoou”.
CAPÍTULO 6: O COMPROMISSO:
PETIÇÕES
“Faça-me sensível às respostas reais para pedidos verdadeiros, como evidência de um
intercâmbio entre mim, na terra, e meu Salvador, nos céus”.
- Thomas Chalmers

“Ó irmão, ore; a despeito de Satanás, ore; passe horas em oração; é melhor negligenciar os
amigos do que não orar; melhor jejuar e perder o café da manhã, almoço, chá da tarde, jantar e
o sono do que não orar. E não devemos falar a respeito da oração, devemos orar com justo zelo.
O Senhor está próximo. Ele vem silenciosamente, enquanto as virgens dormem”.
- A. A. Bonar

“A lição principal acerca da oração é só essa: Faça! Faça! Faça! Você deseja ser ensinado a
orar. Minha resposta é: ore e nunca desista, e então você nunca falhará. Não há possibilidade.
Você não pode falhar… Um senso de necessidade real é a própria raiz da oração”.
- John Laidlaw

Certa vez, quando o já falecido Dr. Moody Stuart estava em Huntly, Duncan Matheson o
levou para ver alguns cristãos muito intensos. Ele visitou, entre outras pessoas, uma mulher idosa
que era, do seu próprio jeito, uma “figura”. Antes de partir, ele orou com ela; e ela, como era seu
hábito, enfatizou cada petição com algum comentário, ou ênfase verbal. No fim de sua oração ele
pediu a Deus, de acordo com Sua promessa, que lhe desse “todas as coisas”. A velha senhora
disse: “Todas as coisas, não, isso seria demais”. A mistura de conforto e dúvida que foi revelada
por aquela estranha fala é característica da fé de muitos filhos de Deus quando são levados cara a
cara com alguma grande promessa a ser crida na oração: “e tudo quanto pedirdes em oração,
crendo, recebereis” (Mt. 21:22); “Por isso, vos digo que tudo quanto em oração pedirdes, crede
que recebestes, e será assim convosco” (Mc. 11:24); “Se permanecerdes em mim, e as minhas
palavras permanecerem em vós, pedireis o que quiserdes, e vos será feito” (Jo. 15:7). É razoável
pensar que “Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou,
porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas?” (Rm 8:32); e é tão difícil
acreditar que Ele irá. Como o Dr. Moody Stuart disse em outro lugar, a controvérsia é entre o
grão de mostarda e a montanha: “A questão é se a montanha enterrará o grão de mostarda ou se o
grão de mostarda irá lançar a montanha no mar”. O grão de mostarda é tão pequeno, e a
montanha tão grande, que a fé não vem facilmente. De fato, é literalmente “o dom de Deus”. É
uma persuasão divinamente implantada, o fruto de uma instrução e disciplina muito espiritual. É
uma visão em uma luz mais clara que a da terra.
De Acordo Com A Vontade De Cristo
A oração de fé, como uma planta enraizada em um solo frutífero, retira sua virtude de uma
disposição que tem sido trazida à conformidade com a mente de Cristo.
1. Está sujeita à vontade de Deus – “E esta é a confiança que temos para com ele: que, se
pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade, ele nos ouve” (1 Jo. 5:14).
2. Está restrita aos interesses de Cristo – “E tudo quanto pedirdes em meu nome, isso farei,
a fim de que o Pai seja glorificado no Filho” (Jo. 14:13).
3. É instruída na verdade – “Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras
permanecerem em vós, pedireis o que quiserdes, e vos será feito” (Jo. 15:7).
4. É energizada pelo Espírito – “Ora, àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais
do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós” (Ef. 3:20).
5. Está interligada com o amor e a misericórdia – “E, quando estiverdes orando, se tendes
alguma coisa contra alguém, perdoai, para que vosso Pai celestial vos perdoe as vossas ofensas”
(Mc. 11:25).
6. É acompanhada da obediência – “e aquilo que pedimos dele recebemos, porque
guardamos os seus mandamentos e fazemos diante dele o que lhe é agradável” (1 Jo. 3:22).
7. É tão firme, que não aceita negação – “Por isso, vos digo: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e
achareis; batei, e abrir-se-vos-á” (Lc. 11:9).
8. Ela sai para procurar e apressar sua resposta – “Muito pode, por sua eficácia, a súplica do
justo” (Tg. 5:16).

A Garantia Da Fé
Mas, embora a oração de fé floresça de uma disposição divinamente implantada, não existe
nada de misterioso no ato da fé. É simplesmente uma segurança que descansa em uma garantia
suficiente.
(a) Em primeiro lugar, a garantia da fé é a Palavra de Deus. As promessas de Deus são suas
cartas de crédito, retiradas no banco dos céus, para serem honradas à vista. Algum tempo atrás,
um fardo de notas do Banco da Inglaterra foi roubado, mas elas não estavam assinadas, e por isso
não tinham valor. Mas as promessas de Deus são todas confirmadas pela eterna veracidade, e são
assinadas no sangue da cruz. Elas não estão sujeitas a descontos; aqueles que as apresentarem,
receberão seu valor completo. “Porque eu, o SENHOR, falarei, e a palavra que eu falar se
cumprirá e não será retardada” (Ez. 12:25).
(b) A Palavra de Deus se apoia no caráter divino. Portanto somos ensinados a orar, “ó
SENHOR, age por amor do teu nome”. Deus é nosso Pai e Ele conhece todas as coisas que
necessitamos. Ele é nosso Deus em aliança – nosso próprio Deus – e Ele nos abençoará. Ele é o
Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, e Ele assegurará para seu amado Filho a herança que
Ele adquiriu no sangue. Ele é a fonte da bênção, de quem o Consolador procede, e a oração que
Ele inspira, Ele cumprirá.
Na intercessão de Daniel, o profeta, temos uma ilustração de petições fundamentadas nesta
garantia dupla. Ele entendeu “pelos livros, que o número de anos, de que falara o SENHOR ao
profeta Jeremias, que haviam de durar as assolações de Jerusalém, era de setenta anos” (Dn. 9:2).
Mas o profeta não depositou sua confiança somente na promessa; ele incita aquilo que é devido
ao caráter divino: “Agora, pois, ó Deus nosso, ouve a oração do teu servo e as suas súplicas e
sobre o teu santuário assolado faze resplandecer o rosto, por amor do Senhor. Inclina, ó Deus
meu, os ouvidos e ouve; abre os olhos e olha para a nossa desolação e para a cidade que é
chamada pelo teu nome, porque não lançamos as nossas súplicas perante a tua face fiados em
nossas justiças, mas em tuas muitas misericórdias. Ó Senhor, ouve; ó Senhor, perdoa; ó Senhor,
atende-nos e age; não te retardes, por amor de ti mesmo, ó Deus meu; porque a tua cidade e o teu
povo são chamados pelo teu nome” (Dn. 9:17-19).

Por Que Devemos Orar


Mas pode se objetar que, se nosso Pai sabe as coisas das quais temos necessidade antes que
peçamos a Ele, e se Ele tem prazer em nos dar o Reino, será que é necessário que apresentemos
nossas petições deliberadamente diante dEle? A resposta mais simples a isso é que: somos
instruídos a fazer isso. No Antigo Testamento lemos: “Assim diz o SENHOR Deus: Ainda nisto
permitirei que seja eu solicitado pela casa de Israel” (Ez. 36:37). E no Novo Testamento: “em
tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica,
com ações de graças” (Fp. 4:6). Temos uma impactante iluminação da obra desta lei de Deus no
caso de Elias. Ele havia apresentado fidelidade a Deus sem hesitar, e havia cumprido as
condições pelas quais a comunhão com o Santo é assegurada e mantida – “Tão certo como vive o
SENHOR, em cuja presença estou” (2 Rs. 5:16). Ele trouxe Israel de volta à aliança - “O que
vendo todo o povo, caiu de rosto em terra e disse: O SENHOR é Deus! O SENHOR é Deus!” (1
Rs. 18:39). Ele recebeu e agiu de acordo com a promessa – “Vai, apresenta-te a Acabe, porque
darei chuva sobre a terra” (1 Rs. 18:1 cf 18:15, 39, 41). Ele tinha a segurança que a resposta de
Deus à sua contínua e insistente oração já estava a caminho: “já se ouve ruído de abundante
chuva” (1 Rs. 18:41). Mesmo assim ele não parou de orar – não poderia parar até que os céus
estivessem negros com a tempestade.
É possível, contudo, sugerir alguns motivos do porquê devemos implorar com particularidade e
importunação aquelas bênçãos que já são nossas em Cristo.
(1) Pela oração, nossa contínua e humilde dependência da graça de Deus é mantida. Se as
doações da aliança viessem a nós sem solicitação, como os talentos da natureza vêm, seríamos
tentados a viver independentemente de Deus, dizendo: “A minha força e o poder do meu braço
me adquiriram estas riquezas” (Dt. 8:17).
(2) O Senhor deseja que estejamos em comunhão com Ele. A relutância do coração carnal
em habitar na presença de Deus é terrível. Nós preferimos falar sobre Ele do que com Ele. Com
que frequência Ele encontra ocasiões para nos reprovar dizendo: “os companheiros estão atentos
para ouvir a tua voz; faze-me, pois, também ouvi-la” (Ct. 8:13). Um pai irá apreciar um rabisco
mal escrito e borrado de seu filho, porque é um juramento e selo de amor. E preciosas são, aos
olhos do Senhor, as orações de Seus santos.
(3) Muito, mas muito, é preciso ser realizado em nós, frequentemente, antes que estejamos
prontos para utilizar dignamente os dons que cobiçamos. E Deus executa este preparo do coração
atrasando a resposta de nossos pedidos, e então nos mantendo na verdade de Sua presença até
que sejamos levados a uma compreensão espiritual da vontade de Cristo para nós a esse respeito.
Se um amigo, fora do seu caminho (Lc. 11:6), vem até nós com fome e buscando conosco o pão
da vida, e não temos nada para oferecer-lhe, devemos ir Àquele que tem todas as bênçãos. E se
parece que Ele está negando nossa oração, e diz, “não me importunes”, é somente para que
entendamos a natureza das bênçãos que procuramos e estejamos aptos para administrar
corretamente a fartura de Deus.
(4) Mais uma vez somos chamados para sermos colaboradores juntamente com Deus, em
oração, como em todos os outros ministérios. O exaltado Salvador vive para interceder; e a Seu
povo redimido Ele diz: “ficai aqui e vigiai comigo” (Mt. 26:38). Existe uma grande obra a ser
realizada nos corações dos homens, existe uma grande batalha a ser travada com a impiedade
espiritual nos lugares celestes. Os demônios devem ser expulsos, o poder do inferno deve ser
detido, as obras do diabo destruídas. E, nisso tudo, é pela oração, acima de qualquer outro meio,
que devemos ser cooperadores com o Capitão do Exército do Senhor.
“Deus falou e nos deu a Palavra para guardarmos
Mandou nunca cruzar as mãos, nem dormir
Em meio a um mundo sem fé – em vigília e atenção
Até que Cristo, por fim, renda nossa guarda.
Por meio de Seu servo Moisés, a vigília começou
Embora perto do cantar do galo, ainda a mantemos”.

Auto-Esquecimento
Quando a oração chega a seu verdadeiro nível, o ego, com suas preocupações e
necessidades, é esquecido naquele momento, e os interesses de Cristo preenchem, e algumas
vezes tomam, a alma. É aí, então, que a oração se torna mais urgente e intensa. Era dito acerca de
Lutero que ele orava “com tanta reverência como se estivesse orando a Deus e com tanta
confiança como se estivesse falando com um amigo”. As orações de Guthrie de Fenwick são
lembradas porque “cada palavra preenchia a medida de um milho”. Livingstone conta de Robert
Bruce que, em oração, “cada sentença era como uma forte flecha atirada em direção aos céus”. O
biógrafo de Richard Baxter nos diz que, quando ele dispunha seu espírito para orar, ele “tomava
as asas para o céu”. E se diz quase o mesmo de Robert Leighton que “sua forma de oração era
tão zelosa e importuna que dava provas de que sua alma chegava a Deus nas chamas de suas
próprias aspirações”. Henry Martyn escreveu em seu diário que, tendo separado um dia para
oração e humilhação, ele começou a orar pelo estabelecimento do Reino Divino sobre a terra,
mencionando particularmente a Índia. Ele recebeu tão grande plenitude e tinha tanta energia e
prazer na oração como nunca havia experimentado. Ele escreve: “Toda a minha alma lutou com
Deus. Eu não sabia como deixar de clamar a Ele para cumprir suas promessas, principalmente
clamando por Seu próprio poder glorioso”.
Quanto da regeneração da África Central devemos às orações de David Livingstone? Ele
não viveu para ver a cura da “ferida aberta”; não foi dado a ele conhecer o avanço da cultura
cristã no “continente escuro”. Mas suas orações estão registradas no alto. Seus diários dão
alguma indicação de suas solitárias vigílias, suas intercessões matutinas e noturnas. Ele vivia
orando pela África, e quando ele sentiu o frio da morte sobre si, levantou-se da cama e ao se
ajoelhar no chão de grama na vila Chitambo em Ilala sua alma alçou vôo em direção a Deus em
oração. Ele morreu, seu empático biógrafo nos informa, “no ato de oração oferecida naquela
atitude reverencial a qual lhe era sempre tão particular; entregando seu próprio espírito, com
todos os seus amados, como era sua vontade, nas mãos do seu Salvador, e recomendando a
África – sua querida África – com todo os seu defeitos, pecados, e erros, ao Vingador dos
oprimidos e Redentor dos perdidos”.
CAPÍTULO 7: AS RIQUEZAS
ESCONDIDAS DO LUGAR
SECRETO
“A oração é o meio pelo qual obtemos todas as graças que chovem sobre nós da Fonte
Divina de Bondade e Amor”.
- Laurence Scupoli

“Havia uma pobre viúva naquela zona rural, conforme eu passava, que equivalia a muitos de
vocês. Foi perguntado a ela como estava nesta época má. ‘Eu vou muito bem’, ela respondeu;
‘recebo mais de um verso da Bíblia agora do que recebia anteriormente. Ele [i.e. Deus] me deu
as chaves da despensa e me ordenou que me fartasse”.
- Alexander Peden

“O consolo das Escrituras consiste nisto, que lendo nelas as promessas de Deus, confirmamos
novamente e fortificamos a nós mesmos na Esperança; ali nos prometendo o que pertence
àquele a quem um Senhor promete por suas Cartas mil ducados de renda, que se mantém na
Esperança de ter aquela quantia pela paciência, fortalecendo seu coração cada vez mais pela
esperança, quando lhe parece que o cumprimento da promessa tarda, não se afastando de sua
esperança, e confortando-se com a Carta do Senhor”.
– Juan de Valdés

Na maioria das versões modernas das traduções do Novo Testamento o ouvido perde o
familiar final do texto que nestas páginas mantivemos diante de nós. Ao invés das palavras “ele
mesmo te recompensará publicamente” , agora lemos como na Almeida Revista e Atualizada: “te
recompensará”. A resposta da oração é, em primeira instância, pessoal e privada. São “os
tesouros escondidos” do lugar secreto (Is. 45:3). Então, conforme se torna em vida e ação, ela é
manifestada. O Pai que está em secreto, e que vê em secreto, recompensa seus servos
“publicamente”.
Lemos que quando os peregrinos (i.e. no livro “O Peregrino” de John Bunyan) haviam
chegado quase ao final do terreno encantado, “eles perceberam que bem diante deles havia um
barulho solene, como de um que estava muito preocupado”. Então eles continuaram e olharam
adiante; e, eis que eles viram, como pensaram, um homem de joelhos, com suas mãos e olhos
levantados, falando, conforme pensaram, zelosamente com alguém nos céus. Eles chegaram
perto, mas não conseguiram entender o que estava dizendo; então, continuaram sem fazer
barulho até que tivesse terminado. Quando ele terminou, se levantou e começou a correr em
direção à Cidade Celestial.
Santidade
Esta é a primeira recompensa do lugar secreto; por meio da oração nossas graças são
despertas, e a santidade é moldada em nós. “Santidade”, diz Hewitson, “é um hábito da mente –
uma imagem do Senhor continuamente diante de nossos olhos, um constante caminhar com Deus
como aquele com quem concordamos”. E na realização e manutenção da inquebrável comunhão,
“A oração está para os deveres assim como a fé está para as graças”. Richard Sibbes nos lembra
que “a oração exercita todas as graças do Espírito”, e Flavel confirma a sentença: “Você deve se
esforçar”, ele escreve, “para você ser excelente, pois nenhuma graça interior ou serviço exterior
pode subsistir sem isso”. Berridge afirma que “todas os declínios começam no quarto de oração;
nenhum coração prospera sem muita conversa secreta com Deus, e nada poderá compensar pela
falta disso”. Por outro lado, ele reconhece: “eu nunca saí de uma oração secreta sem algum
despertar. Mesmo quando eu estava pesado, ou relutante, o Senhor se agrada em me encontrar
com misericórdia”. Semelhantemente, Fraser de Brea declara: “Encontro-me melhor ou pior
conforme eu declino ou aumento em orações”.
Se a oração é impedida, mesmo que seja impedida pela devoção a outros deveres da
religião, a saúde da alma é debilitada. Henry Martyn lamenta em seu diário que “a falta da leitura
devocional privada e a brevidade na oração, através do incessante preparo de sermões, produziu
muita estranheza [entre ele e Deus]”. Comunhão com Deus é a condição do crescimento
espiritual. É o solo no qual todas as graças da vida divina são enraizadas. Se as virtudes fossem
obras humanas poderíamos aperfeiçoá-las uma a uma, mas elas são “o fruto do Espírito”, e
crescem juntas em uma vida comum. Quando Philip Saphir abraçou o cristianismo, ele disse: Eu
encontrei uma religião para toda a minha natureza”. Santidade é a harmoniosa perfeição, a
“totalidade” da alma.
Enquanto habitamos em Cristo, não devemos nos permitir ser desencorajados pela aparente
demora de nosso avanço na graça. Na natureza, o crescimento varia de velocidade. Sibbes
compara a santificação progressiva dos crentes ao crescimento das ervas e árvores, as quais
“crescem na raiz no inverno, nas folhas no verão e nas sementes no outono”. A primeira destas
formas de crescimento parece bem vagarosa; a segunda é mais rápida e a terceira acelera para a
maturidade. Em poucos dias depois do início do outono, um campo de grãos parecerá
amadurecer mais do que em semanas do alto verão.

Intimidade
A comunhão com Deus descobre a excelência de Seu caráter e por contemplá-Lo a alma é
transformada. Santidade é conformidade com Cristo, e isto é assegurado por meio de uma
crescente intimidade com Ele. É evidente que esta consideração abre um vasto campo para
reflexão. Vamos apenas indicar uma ou duas direções em que isso se aplica.
(a) Primeiro, o hábito de oração produz uma singular serenidade de espírito. Para usar a
frase de Bengel, nós somos “edificados em uma consciência que se lembra de Deus”.
Quando alguém olha para os olhos quietos daquele que se assenta no trono, os tremores de
espírito são acalmados. Faraó, rei do Egito, é apenas um barulho; e o vale da sombra da morte é
cheio de cânticos de louvor. As tempestades podem rugir sob nossos pés, mas o céu acima é azul.
Tomamos nosso lugar com Cristo nos lugares celestiais; habitamos no Sábado de Deus. “Aqui
me deito”, disse Thomas Halyburton quando a hora de sua morte se aproximava, “dolorido sem
dor, sem força porém forte”. Seguier, um protestante francês, que foi sentenciado à morte, foi
questionado com desdém por um de seus guardas sobre como ele se sentia. Respondeu: “Minha
alma é como um jardim, cheio de refúgio e fontes”. Existem cidades na Europa que seriam
insuportavelmente quentes no verão se não fossem os rios, que descendo das encostas geladas da
Suíça, refrescam o ar mesmo durante o abafado de meio-dia. Assim o rio da água da vida, que
flui do trono de Deus e do Cordeiro, faz feliz a cidade de Deus. Jeremy Taylor afirma que “a
oração é a paz de nosso espírito, a tranquilidade de nossos pensamentos, a objetividade de nossas
lembranças, o assento de nossa meditação, o descanso de nossas preocupações e a calmaria de
nossa tempestade”.
(b) Novamente, aqueles que se exercitam continuamente em oração são ensinados a
governar suas vidas de acordo com a vontade de Deus. Esse efeito segue naturalmente o anterior,
pois “toda energia nobre e moral se enraíza na calma moral”.
Oração é a confissão de nossa dependência como criaturas. Para o crente, ela também é o
reconhecimento de que ele não é de si mesmo, mas é, por razão da grande expiação, a “posse
adquirida” do Filho de Deus. Pio IV, ouvindo a respeito da morte de Calvino, exclamou: “Ah, a
força daquele orgulhoso herege está nisso, que riquezas e honras não significavam nada para
ele”. David Livingstone, no coração da escura África, escreveu em seu diário: “Meu Jesus, meu
Rei, minha Vida, meu Tudo, eu novamente dedico todo o meu ser a Ti”. Bengel falou em nome
de todos os filhos da fé quando disse: “Tudo o que sou e tenho, ambos em princípio e prática,
deve ser resumido nessa única expressão: ‘Propriedade do Senhor’. Pertencer totalmente a Cristo
como meu Salvador é toda minha salvação e todo meu desejo. Não tenho nenhuma outra glória
do que esta, e não desejo outra”. Posteriormente, quando a morte se aproximou, as seguintes
palavras foram pronunciadas sobre ele: “Senhor Jesus, para Ti eu vivo, para Ti eu sofro, para Ti
eu morro. Sou Teu na morte e na vida; salva-me e abençoa-me, Ó Salvador, para sempre e
sempre. Amém”. Durante as palavras “Sou Teu”, ele colocou sua mão direita sobre o coração,
em um gesto de concordância e então descansou em Jesus.
Essa é a atitude normal da alma redimida, uma atitude que a oração reconhece e confirma.
Além disso, na oração nos apresentamos a Deus, colocando nossos motivos em Sua clara
luz e avaliando-os segundo o conselho de Sua vontade. Assim, nossos pensamentos e
sentimentos se arranjam em classes (como no processo de polimento ou alisamento); aqueles que
são elevados e honram a Deus têm prioridade acima daqueles que gratificam o eu e são
rebaixados. Dessa forma, as grandes decisões da vida são tomadas. Em oração, Jacó se tornou
Israel. Em oração, Daniel viu o dia de Cristo e se alegrou. Em oração, Saulo de Tarso recebeu
sua comissão para ir para longe, entre os gentios. Em oração, o Filho do Homem cumpriu Sua
obediência e abraçou Sua cruz. Contudo, nem sempre acontece de os pontos cardinais da vida
serem reconhecidos no mesmo lugar e hora da oração. Helmholtz, o grande médico, costumava
dizer que suas maiores descobertas aconteciam, não no laboratório, mas quando ele estava
caminhando ao longo da estrada na região rural, com a mente completamente livre. Mas suas
descobertas eram apenas registradas naquele momento; elas realmente ganhavam vida no
laboratório. E quer seja no lugar de oração, ou em outro lugar, que as grandes decisões da vida se
enquadram, indubitavelmente é na hora silenciosa que os caráteres são moldados e as carreiras
determinadas.
Em sua autobiografia, George Mueller dá um impactante testemunho. “Eu não me recordo -
em toda a minha carreira cristã, de um período agora (março de 1895) de sessenta e nove anos e
quatro meses - que eu jamais SINCERA e PACIENTEMENTE tenha procurado conhecer a
vontade de Deus pelo ensino do Espírito Santo, por meio da instrumentalidade da Palavra de
Deus, sem ter sido sempre direcionado corretamente. Mas, se honestidade de coração e retidão
diante de Deus estivessem faltando, ou se eu não esperasse pacientemente diante de Deus por
instrução, ou se eu preferisse o conselho de meus colegas às declarações da Palavra do Deus
Vivo, eu cometia grandes erros”.
Conforme nos apresentamos diante do Senhor em oração, abrimos nossos corações ao
Espírito Santo quando nos entregamos ao impulso interno, e o poder de Deus comanda nosso ser.
Nossos planos, se nós os formamos de forma natural, são postos de lado e o propósito de Deus
em relação às nossas vidas é aceito. Já que somos nascidos do Espírito, sejamos controlados pelo
Espírito: “Se vivemos no Espírito, andemos também no Espírito” (Gl. 5:25).
(c) Por meio da aceitação da vontade de Deus para nós, somos levados a uma influência
mais rica e a uma utilidade maior. Montalembert certa vez reclamou a Lacordaire: “Quão pouco
o homem pode fazer por seus companheiros! De todas as suas misérias essa é a maior”. É
verdade que podemos causar pouco efeito uns pelos outros por meios humanos comuns, mas
muito pode ser feito pela oração.
"Mais coisas são realizadas pela oração
Do que este mundo sonha".
A oração traz a onipotência de Deus para dentro das ocasiões da vida. Pedimos e recebemos; e
nossa alegria é completa.
Um estudioso inglês nos contou que aqueles que mais o ajudaram não foram os teólogos ou
os grandes pregadores, mas homens e mulheres santos que andavam com Deus, e que revelaram
inconscientemente a bondade sem adornos que o bendito Espírito havia forjado neles.
Aquelas santas pessoas tinham olhado para Cristo até que fossem transformadas à Sua
imagem. Eles se demoraram na montanha de Deus até que a glória eterna brilhou sobre suas
frontes. A tradição afirma que Columbia, o missionário celta, Ruysbroek, o recluso de
Groenedaal, John Welsh de Ayr, e muitos outros, foram envoltos em um suave e temperado
brilho conforme eles oravam. Tais lendas, sem dúvidas, foram criadas pela lembrança de vidas
que foram transfiguradas.
“Eu vi um santo. Como podes tu dizer que quem
Tu vistes era um santo?
Eu vi um como Cristo tão cheio de luz
Por atos pacientes de amor, sua mancha mortal
Parecia como seu fundamento para a humildade".
Mas uma vida transformada não é o único presente que Deus nos outorga quando
permanecemos na presença invisível. Quando Moisés veio do Monte, ele estava, como se diz,
transfigurado aos olhos dos filhos de Israel; mas ele também trazia em suas mãos as tábuas do
testemunho – as promessas daquela aliança, ordenadas e certas, que lhe haviam sido seladas para
eles. Sua oração havia salvado o povo eleito e as tábuas da lei eram o sinal. John Nelson,
ouvindo alguém comparar John Wesley, desfavoravelmente, com uma celebridade de púlpito da
época, respondeu: “Mas ele não se demorou no Lugar Celestial como John Wesley fez”. É esta
demora no Lugar Celestial que assegura o revestimento de poder.
Mas esta linha de pensamento nos leva ao tema do nosso capítulo final.
CAPÍTULO 8: A RECOMPENSA
PÚBLICA
"Jesus, Senhor Deus desde toda a eternidade
Cujo amor por nós o trouxe à vergonha
Eu reclamo Tua vida
Eu reclamo Tua morte, Eu reclamo Teu nome.
Jesus, Senhor Deus de toda alma viva,
Teu amor excede sua fama,
Tua vontade pode nos tornar completos
Eu reclamo a Ti próprio; eu reclamo Teu nome”.
- Christina Rossetti

“Ninguém consegue acreditar quão poderosa é a oração, e o que ela é capaz de realizar, a não
ser aqueles que aprenderam pela experiência. É uma grande coisa quando, em extrema
necessidade, apoiamo-nos na oração. Eu sei que toda vez que orei sinceramente fui
completamente ouvido, e obtive mais do que aquilo pelo que orei. Deus realmente, às vezes,
demorava, mas finalmente Ele chega.”
- Lutero

“Eu o busquei em minha hora de necessidade;


(Senhor Deus agora ouça minha oração!)
Em troca da morte, Ele me deu vida de fato
E conforto em lugar do desespero.
Por isso minha gratidão será eterna,
Ó agradeça a Ele, agradeça a Ele agora comigo,
Dê ao nosso Deus a glória!”
- J. J. Schutz

Em sua ansiedade para magnificar os benefícios pessoais que são derivados da comunhão
com Deus, os pais gregos costumavam empregar a figura de um barco pequeno atracado a um
grande navio. Se alguém puxasse a corda, eles diziam, o navio permaneceria imóvel, mas o barco
responderia imediatamente ao puxão. Aparentemente esqueceram, ou não sabiam, que na
mecânica, “ação e reação são iguais e opostas”; um efeito tão grande ocorreria tanto na
embarcação maior quanto na menor, embora o volume maior do navio iria fazer com que o
deslocamento fosse menos óbvio em relação ao efeito no barco. Na oração também, a influência
é recíproca. Existe, como temos visto, um aumento no exercício de todas as graças cristãs [em
nossas vidas]; mas também existem respostas diretas às petições oferecidas em fé.
Se não esperarmos receber respostas aos nossos pedidos, toda a nossa concepção sobre
oração é falha. “Ninguém pede intensamente”, diz Trail, “mas eles tentam avaliar a velocidade
da oração. Não existe marca mais certa e clara de insignificância na oração do que quando os
homens não prestam atenção no que recebem através da oração”. E para o mesmo efeito, Richard
Sibbes escreve: “Devemos vigiar diariamente, continuar insistindo em oração; fortalecer nossas
orações com argumentos da Palavra de Deus e promessas; e anotar os resultados de nossas
orações. Quando atiramos uma flecha, olhamos para ver onde caiu; quando enviamos um navio
ao mar, esperamos por seu retorno; e quando semeamos, esperamos pela colheita... é ateísmo
orar e não esperar com esperança. Um cristão sincero irá orar, esperar, fortalecer seu coração
com promessas e nunca deixará de orar e de olhar para cima até que Deus lhe dê uma graciosa
resposta”.
E se a resposta demorar, devemos perguntar a nós mesmos se aquilo que desejamos está
verdadeiramente de acordo com a vontade de Deus. E uma vez que estivermos certos de que ela
está, devemos continuar em “oração constante”. Bengel dá sua opinião de que “um cristão não
deveria terminar a oração até que seu Pai celestial lhe dê licença, ao permitir que ele obtenha
algo”. E George Mueller foi encorajado pelo fato de que lhe foi permitido perseverar em oração
diariamente, durante vinte e nove anos, por uma certa bênção espiritual por muito tempo retida.
“Em casa ou fora, neste país e em terras estrangeiras, na saúde e na doença, mesmo muito
ocupado, me foi permitido, dia após dia, com a ajuda de Deus, trazer este assunto diante dele, e
ainda não tenho a resposta completa. Eu espero por ela. Espero com confiança. O próprio fato de
que dia após dia, ano após ano, por vinte e nove anos, o Senhor me tem permitido continuar
pacientemente, acreditando, esperando nele pela bênção, me encoraja ainda mais a continuar
aguardando; e tão certo estou de que Deus me ouve acerca desse assunto, que frequentemente
tenho sido permitido louvá-lo de antemão pela resposta completa que eu eventualmente receberei
das minhas orações sobre esse assunto”.

A Vontade De Deus
Não devemos duvidar de que aquelas orações que estão de acordo com a vontade de Deus
terão uma resposta completa, pois com respeito a elas confiamos na Palavra e no Nome de
Cristo. Mas existem muitos pedidos pelos quais não chegamos a ter uma confiança completa –
eles não são tão claros dentro da vontade Divina para nos proporcionar certeza. E com relação a
muitos deles, nossas orações parecem retornar vazias.
Moisés desejava atravessar o Jordão com as tribos de Israel; mas Jeová lhe disse: “Não me
fales mais nisto” (Dt. 3:26). Paulo implorou ao Senhor três vezes para que o espinho na carne
fosse retirado dele, mas a única resposta dada foi: “A minha graça te basta” (2 Co. 12:9). João, o
discípulo amado, nos encoraja a orar pela salvação de nossos irmãos, mas mesmo quando nos
dedicamos a esse dever, nos lembra que “há pecado para morte” (1 Jo. 5:16) e que, sobre esse
tipo de pecado, a oração não vai prevalecer.
Podemos ter certeza de que “tudo o que é bom para os filhos de Deus, eles terão; pois tudo é
deles para ajudá-los em direção ao céu; portanto se a pobreza for boa, eles a terão; se desgraça ou
cruzes forem boas, eles as terão; pois tudo é nosso para promover nossa maior prosperidade”.
Quando oramos por bênçãos temporais, algumas vezes estamos conscientes da ajuda
especial da intercessão do Espírito. Isto é, nesse ponto, uma garantia para crermos que nossa
oração está agradando a Deus. Mas devemos ser cuidadosos para não confundirmos os desejos
da natureza com os gemidos do Espírito. Somente aqueles que têm um olhar fixo, e cujos corpos,
portanto, estão cheios de luz, podem seguramente distinguir entre os impulsos da carne e do
Espírito. Levando em consideração esse cuidado, podemos frequentemente ser encorajados pelo
fervor de nossas petições. John Livingstone fez esta anotação em seu diário: “Depois da oração,
rever e recapitular quais petições Deus colocou em minha boca, e devo considerá-las como
bênçãos prometidas, e esperar por seu cumprimento”. E Augustus Toplady fala com ainda menos
reservas: “posso, com o melhor da minha memória e crença, verdadeiramente dizer que nunca
tive uma promessa, nem garantia, com relação às coisas temporais, confirmadas de antemão por
meio da comunhão com Deus, as quais não se realizaram. Eu nunca, que eu saiba, soube que
falharam em nenhuma instância”.

O Conteúdo Dos Pedidos


Que coisas deveriam formar o cerne de nossas petições? Máximo de Tiro declarou que não
pediria nada a Deus, a não ser bondade, paz e esperança na morte. Mas nós cristãos podemos
pedir a nosso Pai por tudo aquilo que precisamos. Somente deixemos que nossos desejos estejam
sob controle e nossas orações sem egoísmo. As petições pessoais contidas na Oração do Senhor
são muito modestas – pão diário, perdão, e livramento do poder do pecado. Ainda assim, elas
incluem tudo o que diz respeito à vida e piedade.
Pão, água e um lugar seguro entre as rochas nos são assegurados. Suprimentos, e
suprimentos abundantes! Mas não somos reduzidos a tal simplicidade de suprimentos: Deus é
tão melhor do que Sua palavra. Ele nos alimenta com o alimento adequado; e se em algum
momento Ele nos fizer passar fome é somente para que nossa natureza espiritual seja fortalecida.
Mas o homem não vive só de pão. Saúde e conforto, as alegrias do lar e os prazer do
conhecimento, são bênçãos que podemos pedir porque são justas e não serão retidas, a não ser
que o nosso Pai julgue que é melhor sermos privados delas. Mas, se Ele impedir nossos pedidos
repetidos e recusar-se a receber nossa oração, devemos responder junto com o Primogênito
dentre muitos irmãos: “Aba, Pai, tudo te é possível; contudo, não seja o que eu quero, e sim o
que tu queres” (Mc. 14:36). Quando chegamos ao fim de nossa jornada, se não antes, devemos
poder dizer: “segundo tudo o que prometera; nem uma só palavra falhou de todas as suas boas
promessas” (1 Rs. 8:56).
Quando oramos por bênçãos espirituais, nunca devemos pedir em vão. James Gilmour
escreve a uma pessoa que pediu seu conselho: “Tudo o que sei sobre o processo é simplesmente
ir à Deus, dizer o que desejo e pedir para que possa ser permitido tê-lo”. “Pedi, e dar-se-vos-á;
buscai e achareis” (Mt. 7:7). Não conheço nenhum segredo a não ser esse. “Você diz que quer
avivamento – vá diretamente a Jesus e peça, você receberá imediatamente. Este estado reavivado
não é uma coisa que você precisa exercitar em si mesmo, ou precisa que outros o ajudem a
alcançar, Jesus pode fazê-lo em qualquer lugar, sempre que um homem ou mulher, ou homens e
mulheres, pedirem. ‘Pedi, e dar-se-vos-á.’ Meu querido irmão, eu aprendi que a fonte de tanta
bênção é somente ir à Jesus, e dizer a Ele do que você precisa”. Certo presbiteriano escocês conta
que ele recebeu um maior aumento da graça em uma tarde, gasta em oração, do que em todo o
ano anterior. Depois de dois dias de oração no bosque de Anwoth, Samuel Rutherford recebeu a
pedra branca e o novo nome para ser “um agraciado ministro de Jesus Cristo”. Quantas pessoas
ajoelhadas em um quarto, têm recebido o batismo celestial em “um sentido de todas as
condições”, e o testemunho de línguas de fogo. Todas as janelas de Deus são abertas mediante a
voz da fé.

Respostas De Deus
É provável que as respostas às orações sempre produzam seu próprio efeito sobre a pessoa
que suplica. Mas, ela pode nem sempre ser capaz de convencer outros de que aquilo que
aconteceu foi consequência de uma direta atuação de Deus. Vamos ver dois exemplos:
“Um amigo cristão certa vez pulou no rio atrás de seu filho que havia caído no Rio Wupper
que estava em época de cheia; e quando ele pulou, clamou: ‘Senhor, me ensina a nadar!” Ele
nadou habilmente, embora nunca tenha tentado antes, e salvou seu filho”.
“Certa vez quando uma repentina e terrível chuva de granizo caiu sobre os campos e como
era provável que causaria muitos danos, uma pessoa correu até o quarto de Bengel e exclamou:
‘Ah, senhor, tudo será destruído; vamos perder tudo!’ Bengel foi serenamente até a janela, abriu-
a, levantou as mãos para os céus e disse: ‘Pai, contenha a tempestade’; e a tempestade realmente
se acalmou a partir daquele momento”.
Muitas vezes a recompensa da oração é tão notável que é praticamente impossível ignorar a
conexão entre o pedido e a resposta. Vamos tomar como exemplo o caso de instituições de
caridade fundadas por seus piedosos promotores sob as promessas de Deus.
O livro Pietas Hallensis é uma enumeração dos livramentos dados ao Dr. Francke
relacionados aos orfanatos de Halle. Eis um deles: “Certa vez, eu precisava de uma grande
quantia, tanto que cem coroas não serviriam e não fazia nem ideia de como poderia obter cem
moedas de um centavo. O administrador veio e contou o quanto devíamos. Pedi que ele voltasse
depois do jantar e decidi orar ao Senhor pedindo Sua ajuda. Quando ele voltou depois do jantar,
ainda tinha as mesmas necessidades, assim pedi para que voltasse de noite. Nesse meio tempo,
um amigo veio me ver e nos juntamos em oração, encontrei-me em uma disposição para louvar e
magnificar o Senhor por todos os Seus maravilhosos feitos em relação à humanidade, desde o
início do mundo, e os fatos mais memoráveis me vieram a mente enquanto eu orava. Estava tão
elevado em louvar e magnificar o Senhor que eu insisti somente naquele exercício de minha
presente devoção, e não encontrei nenhuma inclinação para colocar diante dele meus pedidos
para nos livrar das presentes necessidades. Meu amigo teve que ir embora e eu o acompanhei até
a porta, onde encontrei o administrador esperando ao lado da porta pelo dinheiro, e do outro lado
uma pessoa que trouxe cento e cinquenta coroas para apoiar nosso hospital”.
A história das casas para órfãos de George Mueller em Ashley Down está escrita
vividamente na consciência da Cristandade. O Sr. Mueller, dentre muitas provações da fé,
encontrou uma que foi especialmente difícil. Olhando para trás, anos depois, ele comemorou o
livramento do Senhor, e acrescentou: “A única inconveniência que tivemos neste caso foi que
nosso jantar estava meia hora atrasado. Tal coisa, pelo que eu me lembro, raramente aconteceu
anteriormente, e nunca aconteceu outra vez depois”.
William Quarrier acertava as contas das casas de órfãos em Bridge de Weir todo mês. Se
em algum momento parecia que o equilíbrio iria pender para o lado errado, ele chamava seus
colegas para orarem, e invariavelmente os fundos necessários entravam. No fim de sua vida,
testemunhou que ele nunca ficou devendo a ninguém nem por uma hora.
“O Deus que responde pelos órfãos,” exclamou C. H. Spurgeon, “deixe que Ele seja Deus”.

A Expansão Do Reino
Menos tangível, mas não menos óbvio, são as respostas dadas às orações pela expansão do
Reino do Redentor sobre a terra. Para ilustrar esse ponto devidamente seria necessário delinear
toda a história da Igreja de Cristo. Alguém poderia desejar até que este fosse o começo e não o
fim desse pequeno livro. Como os exemplos se multiplicam na memória e incitam a imaginação!
Pela oração um punhado de “homens iletrados e ignorantes”, calejados do remo e leme, da
enxada e da podadeira, “viraram o mundo de cabeça para baixo”, e espalharam o nome de Cristo
além dos limites do poder romano. Pela oração o fazedor de tendas de Tarso ganhou os
dissolutos de Corinto à pureza e fé, lançou os duradouros fundamentos do Cristianismo
Ocidental, e exaltou o nome de Jesus no próprio palácio de Nero.
As celas em ruínas de muitas ilhas áridas em nosso mar escocês nos lembram das semanas e
meses de oração e jejum por meio dos quais os missionários celtas, no tempo de uma geração,
ganharam a Caledônia para Cristo.
As orações de Lutero e seus colegas enviaram as verdades do evangelho voando pela
Europa como nas asas dos anjos.
As regiões pantanosas e as montanhas da Escócia são, até hoje, testemunhas de “um belo
encontro” entre um Cristo de aliança e uma terra aliançada que foi traçado pelas orações de
Welsh, Cargill, Guthrie, Blackadder, Peden e Cameron.
Antes que o grande avivamento acontecesse em Gallneukirchen, Martin Boos passou horas
e dias, e muitas noites, em solitária agonia de intercessão. Posteriormente, quando ele pregou,
suas palavras eram como chamas, e o coração das pessoas como gramados.
Um sermão pregado em Clynnog, Caernarvonshire, por Robert Roberts, foi a aparente
causa de um avivamento que se espalhou pelo país de Gales. É dito que cem pessoas foram
salvas durante o acontecimento. Alguns dias depois, um amigo do pregador, John Williams de
Dolyddelen, disse: “Diga-me, Roberts, de onde você tirou aquele maravilhoso sermão?” “Venha
aqui, John”, disse Roberts, enquanto o levava a um pequeno gabinete, e continuou: “Foi aqui que
encontrei aquele sermão do qual você fala – aqui no chão, com meu rosto muitas vezes na terra”.
Ah! É sempre assim. Aqueles que têm levado muitos à justiça têm labutado cedo e tarde
com a arma chamada: “toda oração”.
De Joseph Alleine, que “era infinita e insaciavelmente faminto pela conversão das almas”, é
dito que: “Enquanto estava saudável, levantava-se constantemente às (ou antes das) quatro da
manhã... Das quatro até às oito ele passava em oração, santa contemplação e cantando salmos, o
que muito lhe agradava... Algumas vezes ele suspendia os compromissos paroquiais e devotava
dias inteiros a esses exercícios secretos, e para tal planejava-se para estar sozinho em alguma
casa vazia, ou em algum lugar solitário no vale”.
De William Grimshaw, o “apóstolo” de Yorkshire, é dito: “Era seu costume acordar cedo
pela manhã – às cinco no inverno e às quatro no verão – para que pudesse começar o dia com
Deus”.
George Whitefield frequentemente passava noites inteiras em meditação e oração, e
frequentemente levantava-se da cama durante a noite para interceder pelas almas que estavam
perecendo. Ele diz: “Dias inteiros e semanas eu passei prostrado no chão em oração silenciosa ou
verbal”.
O biógrafo de Payson, observa que “a oração era o preeminente assunto de sua vida”, e ele
costumava afirmar veementemente que tinha pena do cristão que não conseguia adentrar no
significado das palavras: “gemidos inexprimíveis” (Rm. 8:26). É relatado que ele “desgastou as
tábuas de madeira em sulcos onde seus joelhos apoiavam tão frequentemente e por tanto tempo”.
Em uma palavra, toda obra graciosa que tem sido realizada dentro do Reino de Deus
começou, foi fomentada, e consumada pela oração.
“Qual é o segredo deste avivamento?” alguém perguntou em 1905 para Evan Roberts. “Não
existe segredo”, foi a resposta, “é somente, ‘Pedi, e dar-se-vos-á’”.

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