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Do Novo Cangaço Ou Domínio de Cid
Do Novo Cangaço Ou Domínio de Cid
RESUMO: Este artigo tem como objetivo mostrar a evolução crescente do Novo Cangaço no
cenário da criminalidade violenta brasileira, desde sua origem periférica, no sertão nordestino,
até o surgimento de uma inédita e emergente modalidade do crime organizado em nível
nacional: o Domínio de Cidades. O trabalho traça, ainda, reflexões sobre as consequências
nefastas que deverão afetar grande parte da população em um breve futuro, caso medidas
policiais e judiciárias urgentes e integradas não sejam tomadas.
Introdução
1
Bacharel em Ciências Econômicas, Especialista em Ciências Policiais e Agente de Polícia Federal no Brasil
2
Pesquisador de História Social da Fundação Joaquim Nabuco, Recife/PE. Autor do livro: Guerreiros do Sol:
Violência e Banditismo no Nordeste do Brasil.
Lança-se aqui um objetivo audacioso: a tentativa de, sem discutir eventuais
motivações de caráter sociológico, comprovar que o modelo fora da lei de tempos passados
deixou raízes profundas no solo pobre de uma caatinga cada dia mais inóspita e mortal.
Em recente publicação, Vicente (2017) mostra a origem da aterrorizante designação
de um ramo do crime organizado contemporâneo:
[...] Essa categoria de roubos a bancos – Novo Cangaço – vem causando
terror nas pequenas cidades brasileiras, tendo intensas semelhanças com o
antigo modo cangaceiro do bando de ‘Lampião’. Ataques em pequenas
cidades, grupos fortemente armados, reféns e desafio aos órgãos policiais
são características que podem ser vistas entre estes grupos (VICENTE, 2017,
p. 34).
Vê-se que floresceu no mesmo sertão nordestino, secularmente castigado pela seca e
pela ausência de políticas públicas eficazes, com raras novidades estruturais, a repaginação de
um nome cruel: Novo Cangaço.
O potencial de evolução desse fenômeno atual é estarrecedor, à medida que tais
grupos criminosos, destemidos e articulados, conseguem fácil e rápido acesso a armamentos
de avançada tecnologia e alto poder destrutivo. De maneira planejada, colocam a segurança
pública em xeque ao tomarem cidades e acuarem policiais mal pagos e mal treinados,
inseridos em infraestrutura que lhes impede de seguir procedimento operacional padrão (POP)
à altura da ameaça real e perigosa que lhes afigura, numa guerra assimétrica.
A partir deste trabalho, passamos a estudar um neologismo que abarca todo um
cenário sombrio de ações criminosas múltiplas, simultâneas e coordenadas: o “Domínio de
Cidades”.
Como ausência do Estado, sob o ponto de vista da segurança pública, é realidade que
não afeta apenas o sertão nordestino, as ramificações das organizações criminosas tomam
proporções nacionais. Elas vêm se articulando e, no dinamismo social, um novo salto
evolutivo dos cangaceiros contemporâneos está prestes a acontecer.
Rapidamente, já no início dos anos 1990, tais disputas evoluíram para sua primeira
transformação. Os inimigos de longa data perceberam que toda a estrutura criminosa montada
apenas “como ataque e defesa na matança entre as famílias”, nas palavras de Renato Júnior e
Ferraço (2018), poderia muito bem ser explorada como meio de vida. Os autores de Guerra
Federal prosseguem:
Não existem mais ‘causas nobres e de honra’ como objetivo, mas tão
somente o dinheiro pelo dinheiro, a ganância como fim em si mesma, a mais
assustadora causa possível. A promiscuidade com outras modalidades
criminosas, como o tráfico de drogas, também é latente, visto que se
financiam alternadamente, conforme a necessidade (RENATO JÚNIOR e
FERRAÇO, 2018).
Durante a década de 90 e começo dos anos 2000, os assaltos a banco, sob a terrível
chancela do Novo Cangaço, disseminaram-se no Nordeste brasileiro e logo se destacaram dos
roubos de valores comuns, inaugurando a modalidade conhecida como Tomada de Cidades,
no dizer de Oliveira e Bezerra (2011, p. 02). Os dados da época são escassos e pouco
confiáveis, mas revelam um modus operandi padronizado, segundo o Caderno Didático de
Crimes Violentos, da Polícia Federal:
Neste tipo de ação, usualmente desencadeada em municípios pequenos e
distantes da capital do Estado, entre dez a 20 perpetradores, munidos de
metralhadoras .50 e .30, fuzis 7,62mm e 5,56mm e pistolas de uso restrito,
rendem a guarnição policial militar, ou a delegacia de polícia civil caso
existente, e tomam de assalto todas as instituições bancárias do município,
inclusive agências lotéricas, logrando subtrair milhares de reais (RIBEIRO,
FIGUEIREDO et al., 2010, p. 13).
São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pará, Minas Gerais, Mato Grosso
também recebem o alastramento de explosões em bancos e roubos a carros-fortes, em um
evidente alinhamento interestadual dessas infrações penais.
Lamentavelmente, o cenário que se avizinha não é favorável à segurança pública,
principalmente diante da clamorosa desagregação das forças policiais no país.
O mês de novembro de 2015 inaugura uma nova tendência, que hoje é sólida
modalidade, de crime contra o patrimônio: invasão a bases de empresas transportadoras de
valores. Nada mais impactante do que ocorreu em Campinas (SP) – uma das maiores e mais
ricas cidades do interior de São Paulo, distante apenas 100km da capital – para a largada desse
marco criminoso.
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Disponível apenas para associados.
O ineditismo e a surpresa da ação em Campinas, naquela madrugada de 6 de
novembro de 2015, deixaram as autoridades públicas perplexas. Dezenas de homens, com
papéis bem-definidos na ação criminosa, classificados como membros: financiadores, de
primeiro, de segundo e de terceiro escalões (UCHÔA, 2017), portando armas restritas de
diversos calibres, inclusive o temido .50 (12,7mm), levaram o caos à localidade. O bunker da
Prosegur, até então considerado inexpugnável, ruiu ante a três explosões aterrorizantes e a
quarenta minutos de intenso tiroteio, num patamar de violência típico de guerra.
A Polícia Militar, à frente das forças de segurança pública, durante o primeiro
embate com os criminosos, teve pouco a fazer. Quase R$ 28 milhões foram roubados.
Difícil de estancar sem um trabalho integrado e minucioso, a sangria perdura noutras
bases de valores, conforme se constata nas informações fornecidas pelas delegacias
responsáveis por investigar os respectivos casos:
EMPRESA - DATA CIDADE - UF VALOR DECLARADO (R$)
Prosegur – 06/11/2015 Campinas/SP 27.961.255,56
Protege – 14/03/2016 Campinas/SP 48.372.833,13
Prosegur – 04/04/2016 Santos/SP 12.167.591,384
Prosegur – 22/04/2016 Barreiras/BA 10.244.862,71
Prosegur – 05/07/2016 Ribeirão Preto/SP 51.255.957,21
Prosegur – 05/09/2016 Marabá/PA 17.901.544,99
Brinks – 21/02/2017 Recife/PE 11.859.839,355
Protege – 16/10/2017 Araçatuba/SP 8.108.061,92
Rodoban – 06/11/2017 Uberaba/MG 48.517.081,72
Total 236.389.027,97
Fonte: Boletins de Ocorrência de cada fato.
Os grupos que têm atacado bases de valores vêm realizando tais ações
utilizando em média 40 criminosos na ação direta, contando ainda com toda
uma outra rede de apoios. Assim, estão desenvolvendo uma expertise própria
de grupos paramilitares, cujo posicionamento, procedimentos, armamento,
rapidez, disposição e preparo para eventual enfrentamento com a polícia
torna o cenário de um ataque a bases de valores um pandemônio, que num
eventual confronto, com antecipação da força policial, poderá infligir
pesadas baixas aos dois lados (UCHÔA, 2017).
4
Desse valor, R$ 8.799.408,57 foram recuperados por PMs em troca de tiros com os bandidos em fuga.
5
Valor obtido no Inquérito Policial nº 09.902.9011.00025/2017-12 - PC/PE.
Perceptível no quadro, e motivo de grande preocupação, é o domínio da primeira
capital de um Estado: Recife (PE), em fevereiro de 2017. A região da sede da empresa Brinks,
uma transportadora de valores multinacional, é completamente dominada naquela cidade.
Sobre o episódio, Renato Júnior e Ferraço expõem procedimentos preocupantes:
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16ª Audiência Pública de 2017, realizada em 14/09/17, disponível em http://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cspcco/audiencias-publicas.
Aumento da sensação de insegurança;
O financiamento de organizações criminosas para outras ações.
As evoluções do Novo Cangaço têm se revelado galopantes nas últimas décadas,
com inegável acentuação a partir de 2015. Os dados estatísticos da ABTV comprovam a
afirmação em números, ao relatar exatas 1.824 ocorrências criminais entre 1990 e 2014,
envolvendo roubos a carros-fortes (explosão, rendição da guarnição, com sequestro ou no
aeroporto) e a bases de valores. O prejuízo total dessas ações chega a R$ 433,86 milhões.
Frise-se que o item específico “roubo a bases de valores”, nesse período, traz um número
absoluto de 134 ocorrências – menos de 8% do total de registros.
Como dado comparativo, evidenciador da evolução preocupante, observa-se que,
entre novembro de 2015, quando foi roubada a base de valores da empresa Prosegur, em
Campinas (SP), e novembro de 2017 no assalto à Rodoban de Uberaba (MG), tem-se cerca de
R$ 236 milhões roubados. Esse dado sequer leva em conta o evento estrangeiro, de Ciudad
del Este (PY).
Pode-se perceber, portanto, que, nos últimos dois anos (novembro de 2015 a 2017),
o prejuízo provocado pelas organizações criminosas, somente com o numerário expropriado
das bases transportadoras de valores, representa mais que 54% de tudo o que foi subtraído em
vinte e cinco anos de ações delitivas, computando todo o segmento de transporte e guarda de
valores no país.
Referências
DINIZ, Breno Freire; ZAMPRONHA, Luís Flávio; BEZERRA, Marco Aurélio Sousa.
Repressão aos crimes patrimoniais. Academia Nacional de Polícia. Brasília/DF, 2014.
PAIVA, Marcos Emanuel Torres de. 16ª Audiência Pública 2017 da Comissão de Combate ao
Crime Organizado – Câmara dos Deputados. Apresentação ABTV.FENAVAL. Disponível
em:http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-
permanentes/cspcco/audiencias-publicas. Acesso em 27 nov. 2017