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Archipo Góes

Crônicas de Coari
Vol. 01

2024
Título Original
Crônicas de Coari

Primeira publicação em:


Coari, Amazonas, Brasil
2024

1ª Edição

Todos os direitos da obra


Crônicas de Coari
Reservados ao autor
www.coari.net

Copyright © Coari.com 2024


Diagramação: Archipo Góes
Ilustração: Fotos do acervo do autor

G598c Góes, Archipo. 1973-.

Crônicas de Coari / Archipo Wilson Cavalcante Góes.


– 1. ed. – Coari, AM : edição do autor, 2024.
300 p. : il. ; 21cm

ISBN:

1. Crônicas brasileiras 2. Literatura brasileira – Coari,


AM I. Título
CDU (2007): 82-94(81)
CDD (22. ed.): B869.8
Ficha Catalográfica
(Catalogação realizada pelo bibliotecário Renato Sena – CRB 11 - nº 580)
Sumário
Coari entre a década de 1960 e 1970: da castanha-do-pará
à modernidade.
modernidade..................................................................... 7
Histórias Esquecidas: Areal Souto....................................
Souto.................................... 33
Minhas Memórias do Festival Folclórico Coariense........
Coariense........ 36
Minhas Memórias da Festa da Banana.............................
Banana............................. 54
Gregório José Maria Bene e a mudança da freguesia de
Alvelos..............................................................................
Alvelos.............................................................................. 71
Centenário de Dom Mário................................................
Mário................................................ 77
A Primeira Igreja Batista de Coari....................................
Coari.................................... 80
Professor Góes — 50 anos de dedicação a Coary.
Coary............. 83
História da Catedral de Coari.
Coari............................................ 88
Avião mergulhou no lago de Coari matando o piloto.......
piloto....... 94
O Acidente do avião PT-BUK em Coari.
Coari......................... 100
Coari: avião cortou a cabeça de dois homens.................
homens................. 103
A Saúde em Coari: um olhar histórico.
histórico............................ 107
A Cólera em Coari – 1991..............................................
1991.............................................. 125
A Lenda Coariense do Caripira.
Caripira....................................... 137
Mura-Cão-Era — (Lenda Coariense).
Coariense).............................. 140
O Naufrágio do Vapor Paes de Carvalho........................
Carvalho........................ 143
Eleitorado Macabro.
Macabro......................................................... 149
O Tacho – Lenda Coariense............................................
Coariense............................................ 155
Archipo Góes
Yurupari............................................................................ 158
Yurupari
O Seringueiro e a Boiuna.
Boiuna................................................ 161
Do Ouro Vermelho ao Ouro Negro: o crescimento
econômico de Coary.......................................................
Coary....................................................... 166
Cleomara vence o Miss Amazonas em 1992..................
1992.................. 208
Coari no Século XIX: um ensaio sobre a formação do
povo coariense................................................................
coariense................................................................ 211
Fátima Acris – 50 Anos de Nossa Primeira Miss
Amazonas......................................................................... 231
Amazonas
Entrevista com Mara Alfrânia, Miss Coari 1990............
1990............ 239
A Saga de Maria Higina em Terras Coarienses.
Coarienses............... 249
As origens da cultura e do festival folclórico coariense.
coariense. 283
O Autor...........................................................................
Autor........................................................................... 297

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Crônicas de Coari
Coari entre a década de 1960 e 1970: da castanha-do-
pará à modernidade

N
esse texto analisaremos a cidade de Coari a partir
de um foco específico na evolução temporal da ci-
dade com um enfoque histórico, econômico e so-
ciocultural. Dissertaremos mediante um olhar retrospectivo
apontando uma sequência de fatos sociais que levará o lei-
tor a uma viagem no tempo até a Coari entre 1969 a 1970.
Um local, no meio da floresta amazônica que começava a
passar por profundas transformações no seu modo de viver.
A história da evolução econômica de Coari está
diretamente ligada ao extrativismo, sendo os ciclos da bor-
racha e da castanha-do-pará os mais importantes. Ao lon-
go de muitas décadas, a extração da castanha-do-pará foi
a principal atividade econômica do município, encerrando
assim o ciclo de grande produção nos anos 1960 e 1970.

como estava a economia da cidade?


Coari possui uma história próspera com a extra-
ção da castanha-do-pará, que iniciou no começo do século
XX. Os proprietários dos castanhais foram responsáveis por
trazer as primeiras indústrias de manufatura, que transfor-
mam matéria-prima em produtos. Além disso, eles investi-

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Archipo Góes
ram significativamente na melhoria da cidade. Em 1940, o
município de Coari se destacou como o maior produtor de
castanha-do-pará do estado do Amazonas, com uma colhei-
ta de 3.312 toneladas. Esse número representava cerca de
40% da produção total do estado.
A colheita da castanha era direcionada exclusi-
vamente para o mercado internacional, o que resultava em
uma demanda limitada e inflexível, ocasionando uma ins-
tabilidade significativa nos preços do produto. Além disso,
não havia um mercado consumidor estabelecido no Brasil,
nem indústrias para beneficiar as amêndoas através da de-
sidratação ou extrair o óleo da castanha para a produção de
cosméticos.
Na década de 1960, os comerciantes financia-
vam a produção dos colhedores, fornecendo-lhes gêneros e
mantimentos. O valor desses produtos seria posteriormente
descontado da quantidade de castanha produzida, comprada
nos rios de origem e transportada pelos regatões. Embora
primitivo, esse sistema de regateio contribuiu para o con-
siderável desenvolvimento comercial da cidade de Coari,
que se tornou um polo em relação aos municípios vizinhos.
Além disso, sua área de influência se estendia até a tríplice
fronteira, através do alto Solimões e seus afluentes.
Em 1968 aconteceu a “grande depressão” co-
ariense. O município enfrentou uma crise econômica de
grandes proporções devido à queda no preço pago pelas
empresas exportadoras de castanha-do-pará. Esse preço fi-
cou muito abaixo do valor estabelecido nos contratos de
financiamento, causando consequências desastrosas para
a região amazônica. O comércio em terra apresentava um
alto nível de desenvolvimento. No entanto, as estreitas rela-
ções com os regatões e a exploração da castanha também os
tornavam vulneráveis aos impactos do fracasso da safra de
1968. Isso acontecia devido ao fato de que os comerciantes

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Crônicas de Coari
costumavam financiar suas compras por meio da rede ban-
cária, como o Basa em Coari ou o Banco do Brasil em Tefé.

Castanha-do-Pará

A Saúde Pública em Coari


No ano de 1970, as condições de atendimento
médico e sanitário em Coari eram precárias, inclusive na
sede do município, onde apenas algumas poucas facilidades
estavam disponíveis.
A única enfermaria disponível em Coari era o
Hospital e Maternidade N. S. do Perpétuo Socorro, manti-
da e administrado pelos padres Redentoristas e pelas irmãs
ASC. Infelizmente, em 1969, devido à escassez de recursos
financeiros, o hospital teve que ser fechado, deixando a po-
pulação do município sem acesso a leitos hospitalares.
A população de Coari estava ansiosa pela con-
clusão das obras de montagem e instalação de um hospi-
tal pré-fabricado na Inglaterra, previsto para inaugurar no
próximo ano. Essa conquista representaria uma verdadeira
libertação de anos de sofrimento e negligência por parte do

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Archipo Góes
poder público em relação à promoção da saúde no municí-
pio de Coari.
A solenidade de inauguração da Unidade Mista
de Coari, construída pela SUSEMI (Superintendência dos
Serviços Médicos do Interior), ocorreu às 9h de um sába-
do, no dia 6 de março de 1971. O dia estava ensolarado e
a cidade de Coari recebia a comitiva do governador Danilo
Areosa. O então prefeito, Mussa Abrahim Neto (1969 a
1973), foi responsável pela recepção da comitiva e pela or-
ganização de um dia repleto de festividades inesquecíveis
para a população coariense.

Movimento de Educação de Base


O serviço que se destacou positivamente em
Coari, durante a década de 1970, foi o trabalho de edu-
cação sanitária realizado pela MEB, por meio da Rádio
Educacional de Coari e pela Prelazia de Coari. O progra-
ma contava com a participação de duas enfermeiras volun-
tárias: uma delas era bolsista da ONU e a outra havia se
formado na Faculdade de Enfermagem de Ribeirão Preto
e foi recrutada pela SUSEMI para realizar um estágio não
remunerado.
O programa tinha como objetivo promover
a integralidade humana e combater a desigualdade social
através de programas de educação popular libertadora ao
longo da vida. Sua atuação se concentrava na educação de
jovens e adultos, utilizando o método “ver, julgar e agir”,
em consonância com os princípios filosóficos do renomado
educador Paulo Freire.
Além das atividades mencionadas, eram rea-
lizadas também chamadas radiofônicas abordando noções
de higiene, cuidados médicos, alimentação, educação sexu-
al, parto, entre outros temas. Os conteúdos eram repetidos

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Crônicas de Coari
através de reuniões, palestras e debates com os indivíduos
recrutados nas comunidades rurais.
Uma das principais dificuldades enfrentadas
pelo sistema radiofônico de Coari (Rádio Educacional
Rural de Coari) foi a limitação da potência dos seus trans-
missores, os quais não conseguiam alcançar uma área além
de 50 km a partir da sede.
O jornal “O Globo” em 31 de outubro de 1972, publicou:

Fundação SESP
Em 1968, a cidade de Coari possuía apenas de
uma unidade médica, mantida pela Fundação Especial de
Saúde Pública (SESP), em regime de ambulatório. Havia
um único médico na cidade para uma população urbana de
mais de 10.000 habitantes. O médico era também o diretor
do posto, a cujo horário de funcionamento estavam limita-
dos aos serviços que ele prestava.

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Archipo Góes

Unidade sanitária do Fundação de Serviço de Saúde Pública em Coari

O posto do SESP em Coari foi instalado em


1943, na rua 5 de setembro, no Centro de Coari (atual poli-
clínica Dr. Roque Juan Del’oso). Ao lado do SESP foi cons-
truída uma residência para médico em 1962, toda projetada
e com verba especifica para essa construção.

Já na no ano de 1977, a Fundação SESP foi


responsável pela instalação do laboratório e a estação de
tratamento de água de Coari, após um surto de hepatite que
aconteceu na cidade

Telefones em Coari
A CAMTEL (Companhia Amazonense de
Telecomunicações) foi fundada em 1965 com financiamen-

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Crônicas de Coari
to do BASA (Banco da Amazônia S.A.). Essa foi a primeira
iniciativa de financiamento do BASA na região amazônica
após sua última mudança de nome. As quatro primeiras ci-
dades a receber o sistema telefônico da CAMTEL foram
Manacapuru, Itacoatiara, Parintins e Coari.

Posto do SESP e Casa do Médico em 1968

Em 6 de agosto de 1967, o governador Danilo


Areosa fez uma viagem institucional a cidade de Coari no
navio “Rio Grande”. Nessa viagem, a comitiva foi rece-
bida pelo prefeito Clemente Vieira e do deputado estadu-
al Dorval Vieira. Houve várias visitas e inaugurações, das
quais, destacamos:
• A inauguração do grupo escolar Inês Vieira;
• A entrega dos serviços de pavimentação das ruas Inde-
pendência, Tv Mota e XV de novembro;
• A visita das obras da Celetramazon;
• A visita às instalações da CAMTEL, que estava funcio-
nando em caráter experimental com apenas 01 canal para
teste de operação.

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Archipo Góes

No dia 7 de setembro, a CAMTEL começou a


operar com dois canais, porém ainda de forma experimental
até a sua inauguração oficial.
No dia 23 de setembro de 1967, o governador
retornou a Coari, porém com um pequeno atraso devido a
um problema no Navio “Rio Grande”. Apesar disso, às 22h,
ele conseguiu inaugurar os serviços da Central Elétrica de
Coari — Celetramazon.
SERVIÇOS: A Celetramazon investiu nada me-
nos que NCr$ 450.000.00 na construção da central elétrica
em Coari. A central é composta por dois grupos geradores
GM provisórios, com capacidade de 144 KVA cada. Esses
grupos geradores estão operando de forma ininterrupta, for-
necendo luz e energia para a cidade de Coari durante 24
horas por dia.

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Crônicas de Coari
A CAMTEL (Companhia Amazonense de
Telecomunicações) foi inaugurada com êxito em 24 de se-
tembro de 1967, implementando o sistema SSB. Isso mar-
cou o início de uma nova era de comunicação para a cidade
de Coari, que agora dispunha de conexões com Manaus,

Manacapuru, Itacoatiara e Parintins.

Serviço: A Central radiotelefônica de Coari, construída pela


CAMTEL, teve um custo aproximado de NCr$ 100.000,00.

Agências Bancárias
Existiam duas agências bancárias em Coari:
o BASA, Banco da Amazônia S/A, e o BEA, Banco do
Estado do Amazonas S/A. O BEA começou a operar em 6
de novembro de 1968, enquanto o BASA foi inaugurado em
25 de setembro de 1956.
As agências bancárias do município representa-
vam o setor de crédito, oferecendo serviços como Carteira
Agrícola e de Descontos. A concessão de empréstimos tinha
um prazo máximo de 120 dias. O Banco do Brasil em Tefé
se destacava por ter uma alta demanda de financiamentos,
tanto em quantidade quanto em prazos mais longos.

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Archipo Góes

A Inauguração do BEA, Fórum e Exatoria


No dia 4 de dezembro de 1969, uma quinta-fei-
ra, às 12h, o governador do Amazonas, Danilo Areosa, de-
sembarcou em Coari em companhia de uma comitiva com-
posta por secretários estaduais e autoridades locais.

O governador e sua comitiva foram recebidos


pelo prefeito Mussa Abrahim Netto, que os acompanhou
pelas principais obras em andamentov na cidade. A pri-
meira parada foi no novo prédio do Banco do Estado do
Amazonas (BEA). O gerente da agência recebeu o gover-
nador Areosa e lhe apresentou as dependências do prédio.
Areosa ficou impressionado com o tamanho e a modernida-
de da agência. Ele elogiou o trabalho da equipe responsável
pela construção e disse que a sucursal seria um significativo
instrumento para o desenvolvimento econômico de Coari.
A população compareceu em massa para cele-
brar a inauguração do novo prédio, que era a antiga prefei-
tura municipal de Coari, localizada na praça Getúlio Vargas
com rua XV de Novembro.

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Crônicas de Coari

A próxima parada foi no novo prédio do Fórum


de Coari, onde houve a cerimônia de inauguração. O gover-
nador Areosa foi recebido pelo juiz titular do fórum, que
lhe apresentou as dependências do edifício. Areosa e o juiz
titular do fórum discursaram em frente ao prédio para a po-
pulação presente. Ele disse que o prédio era moderno e fun-
cional, e iria proporcionar melhores condições de trabalho
para os servidores da Justiça. Houve também, a entrega das
residências do juiz de direito e do promotor, que ficavam ao
lado do Fórum de Coari.

No final da tarde, a comitiva também visitou


o novo prédio da exatoria de rendas para a cerimônia de
inauguração daquela repartição pública. A exatoria era o ór-
gão responsável pela arrecadação de impostos estaduais no
município de Coari. O governador Areosa foi recebido pelo
coletor de rendas da exatoria.

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Archipo Góes

Inauguração do BEA

O governador Danilo Areosa e o prefeito Mussa


Abrahim Netto cortaram a fita inaugural e o prédio foi aber-
to ao público. Na mesma cerimônia foram entregues duas
residências, uma para o coletor e a outra para um funcioná-
rio que seria transferido para Coari.
A população também compareceu em mas-
sa para celebrar a entrega do prédio. O novo prédio da
Exatoria de Rendas foi um significativo instrumento para
o sistema tributário de Coari, pois proporcionou aos co-
merciantes melhores condições de acesso aos serviços da
Receita Estadual.
O último compromisso do governador Danilo
Areosa na viagem a Coari foi a visita técnica e de vistoria
as obras da Unidade Mista de Coari (hospital da SUSEMI)
que estavam na fase inicial do projeto.

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Crônicas de Coari
A Crise no Governo Mussa

No segundo semestre de 1969, a administra-


ção municipal de Coari, sob a liderança do Prefeito Mussa
Abrahim Netto, enfrentou uma crise financeira devido à sus-
pensão das cotas do Fundo de Participação dos Municípios
(FPM) e do Fundo Rodoviário Nacional (FRN). Essa sus-
pensão foi ocasionada pela não prestação de contas do exer-
cício de 1968 pelo governo de Clemente Vieira.
Com a retenção dessas verbas, as atividades da
Prefeitura foram praticamente paralisadas, resultando em
atraso no pagamento dos professores municipais e nas con-
tas de luz da prefeitura e das demais autarquias municipais,
que ficaram em débito com a CELETRAMAZON. Esse
atraso levou ao corte no fornecimento de energia elétrica e
na iluminação pública da cidade de Coari.
A organização e aprovação das contas passadas,
cujos raros documentos comprovativos se encontravam na
maior desordem, exigiria uma atitude de colaboração entre
o governo anterior de Clemente Soares Vieira e de Mussa
Abrahim Neto. Contudo, o antagonismo entre as duas fac-
ções políticas está longe de permitir.

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Archipo Góes
Por outro lado, a opção legal para liberar as co-
tas seria abrir um inquérito administrativo contra a admi-
nistração anterior. No entanto, o prefeito Mussa Abrahim
Netto tem evitado esse procedimento devido ao receio de
reacender as tensões políticas já exaltadas no município de
Coari.
O impasse perdurou até janeiro de 1970 quan-
do, mediante a abertura de inquérito, foram liberadas as
primeiras cotas retidas, com a promessa da progressiva re-
gularização da situação.
A antiga prefeitura construída em estilo colo-
nial no século XIX, localizada na praça Getúlio Vargas, foi
demolida para construção da agência do BEA. Dessa for-
ma, as instalações da prefeitura de Coari foram transferidas
para o prédio inativo do hospital N. S. do Socorro, ao lado
do convento das irmãs ASC, na rua Gilberto Mestrinho.
Devido à imprudência da mudança das instala-
ções da prefeitura, e a pre­cariedade das atuais instalações,
o arquivo da Prefeitura de Coari se encontrava ainda em
completa desordem, estando parte encaixotado e alguns do-
cumentos guardados em residências particulares.
Havia um evidente descuido, como é o caso do
setor de contabilidade da prefeitura, que estava operando de
forma ineficiente. O livro-caixa estava atrasado há vários
meses e os balancetes mensais estavam paralisados desde
agosto de 1969. Além disso, os livros-caixa eram preen-
chidos manualmente e frequentemente apresentavam rasu-
ras. O orçamento e a prestação de contas foram elabora-
dos com a ajuda de um técnico de contabilidade contratado
temporariamente.
A arrecadação era muito insignificante, apesar
da capacidade tributaria da população, devido em grande
parte, a falta de fiscalização e desorganização dos serviços.

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Crônicas de Coari
As fichas cadastrais só eram preenchidas à medida que os
proprietários iam à prefeitura tratar de aforamento ou paga-
mento de impostos.

Educação em Coari

O município de Coari, enfrentava desafios sig-


nificativos na área da educação em 1970. A prefeitura não
prestava serviço algum direto neste setor tão significativo,
a não ser a através do pagamento dos vencimentos dos pro-
fessores rurais e manutenção das pequenas escolas rurais.
O ensino na zona urbana é coordenado pela
Secretaria de Estado da Educação, com a importante parti-
cipação das entidades religiosas do município. Dentre essas
entidades, destacam-se a escola Nossa Senhora do Perpétuo
Socorro, em convênio com a igreja Católica, e o Instituto
Bereano de Coari, da Igreja Batista de Coari. Além des-
sas instituições, temos também o grupo escolar Francisco
Lopes Braga, a recém-inaugurada Inês de Nazaré Vieira e o
Iraci Leitão, inaugurada em 19 de abril de 1951.

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Archipo Góes
Obras Públicas
Os serviços viários municipais estavam parali-
sados no ano de 1969, pois, houve a retenção das cotas de
FRN até janeiro de 1970. As vias urbanas de Coari estavam
em estado precário, com alguns trechos potencialmente
intransitáveis.
O serviço viário municipal estava paralisado no
ano de 1969, pois, houve a retenção das cotas de FRN até ja-
neiro de 1970. As vias urbanas de Coari estavam em estado
precário, com alguns trechos potencialmente intransitáveis.
As obras executadas no exercício de 1969 fo-
ram: A construção dois grupos escolares na zona rural, a
mudança do sistema de iluminação da praça, aquisição e
instalação de um motor elétrico para a Vila do Camará, e
alguns reparos na delegacia municipal e no mercado.
A construção da Câmara Municipal e a pavi-
mentação da Rua Plínio Coelho estão paralisadas.

Saneamento
O sistema de abastecimento de água de Coari
foi implantado em agosto de 1967 pelo Serviço Autônomo
de Água e Esgoto (SAAE). Além do abastecimento d’água,
outros serviços urbanos relacionados com a saúde públi-
ca eram prestados em comum pela Prefeitura de Coari e
a Fundação SESP, com a maior ou menor participação de
cada entidade.
Em 1970, as responsabilidades que tocam a
cada um, diante das iniciativas de saneamento, não são cla-
ramente compreendidas pelas autoridades e muito menos
pela população de Coari, pairando um clima de omissão e
de acusações mutuas diante de iniciativas tais como a con-
clusão do segundo filtro d’água, o abate do gado ou o des-
pejo do lixo.

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Crônicas de Coari
A cidade não possuía um matadouro, sendo o
gado abatido na praia próxima ao atracadouro, expondo a
carne a toda espécie de conta­minação.
A FSESP já havia dirigido aos poderes munici-
pais diversos ofícios sobre o assunto, oferecendo, inclusive,
projeto para construção de um matadouro a ser empreendida
e financiada pela Fundação, para posterior pagamento pela
Prefeitura. A administração de Mussa Abrahim Netto enten-
dia que a crise financeira que atravessava não lhe permitiria
empenhar a verba correspondente ao matadouro, reivindi-
cando o custeio da obra aos níveis superiores do governo.
Enquanto permanecia o impasse, o posto do
FSESP se recusava a examinar o gado de corte, sob a alega-
ção de que ao liberar o animal vivo, estaria, implicitamente,
endossando o consumo daquelas carnes, responsabilidade
que nas condições em que se processava o abate, não é pos-
sível assumir.
O mercado municipal, naquela época, tão pouco
apresentava condições mínimas de higiene, principalmente
no tocante ao manuseio e estocagem do pescado.
A prefeitura não operava a coleta do lixo, tendo
mantido entendimentos preliminares com a Fundação SESP
para a localização dos despejos, embora não se tenha ainda
chegado a um acordo.

Esgotos
A situação de esgotos se tornou a cada dia
mais crítica com o adensamento da população urbana. O
único ramal existente se restringia a rua XV de Novembro
e foi construído em 1938, na administração de Alexandre
Montoril. O diâmetro da rede de esgoto era insuficiente
para a demanda de 1970, e seu funcionamento era precário,
mesmo se fossem reparados os diversos trechos da tubula-

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Archipo Góes
ção e caixas de inspeção danificadas.
Havia na cidade, um pequeno número de pré-
dios públicos e casas particulares que dispunham de tan-
ques sépticos, cujo custo era bastante elevado para o poder
aquisitivo médio da população.
A fossa seca, única solução individual econo-
micamente viável para a maioria da população, tem a sua
eficiência comprometida pelo baixo grau de permeabilida-
de do solo na região, que mantém alagada uma grande parte
da área urbana na estação chuvosa.
O problema vinha se agravando com o grande
crescimento demográfico experimentado pela cidade de
Coari nos últimos anos. A falta de áreas adequadas de ex-
pansão urbana, vinha gerando a ocupação indiscriminada
dos terrenos não reclamados das margens dos Igarapés.
Era o caso do córrego compreendido entre as
ruas 2 de agosto e Major Zeca, atingido pelo igarapé de São
Pedro nas ocasiões de grande cheia, aonde um levantamen-
to identificou 228 casas cujas fossas, quando existiam, não
apresentavam qualquer utilidade sanitária.

Abastecimento de Água
Desde 1967, a cidade dispõe de um sistema pú-
blico de abastecimento de água, administrado pelo SAAE
(Serviço Autônomo de Águas e Esgotos). O SAAE foi uma
autarquia resultante de um convênio entre a Fundação SESP
e a Prefeitura de Coari.
A captação de água era realizada diretamente do
lago de Coari, devido aos resultados negativos obtidos nas
análises da água subterrânea. A transferência da água para
a estação de tratamento era feita por meio de uma bomba
MWM de 26 HP, que operava por sete horas.

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Crônicas de Coari

Reservatório de Água da SAAE - 1968


O sistema apresentava como principal inconve-
niente o risco representado pelos banzeiros, que ocorriam
com frequência durante as épocas de cheias. Esses banzei-
ros do lago de Coari ameaçavam a destruição do flutuante e
o afundamento de todo equipamento.
A estação de tratamento possuía dois filtros len-
tos, sendo que um deles ainda estava em construção. Isso
resultava na interrupção do fornecimento de água durante a
limpeza periódica do filtro em operação.
A água tratada era transportada por duas bom-
bas, uma de 10 HP e outra de 15 HP, para um reservatório
elevado com capacidade para 100.000 litros. Em seguida,
era direcionada para a rede de distribuição, com o objetivo
de abastecer a população.
Em 1970, a rede de distribuição de água estava
se tornando insuficiente devido ao crescimento da popula-
ção. Isso resultou em áreas densamente povoadas, como o
bairro de Chagas Aguiar, que não estavam recebendo abas-
tecimento adequado de água.

25
Archipo Góes
Dos 600 lotes servidos pela rede em 1970, ape-
nas 350 estavam ligados. O problema, embora principal-
mente estivesse relacionado com a incapacidade financeira
dos moradores em pagar a tarifa de água de Cr$ 77,36 por
ano, também envolve aspectos subjetivos de falta de valori-
zação da água encanada.

A História da Ocupação
Em 1854, teve início a transferência do núcleo
do município da antiga freguesia de Alvelos, localizada no
lago de Coari, para as terras próximas ao rio Solimões, que
ficou conhecido como “Coari Novo”. Posteriormente, em
1874, foi criada a vila de Coari, juntamente com a oficiali-
zação do município, que se separou de Tefé em 1848, dois
anos antes da criação da província do Amazonas.
A ocupação da região ocorreu a partir de dois
núcleos iniciais que eram separados pelo igarapé de São
Pedro. A oeste, na localidade de Tauá-mirim, foi construído
o bairro de Santana. Já a leste do igarapé de São Pedro,
foi construído o bairro de São Sebastião, que atualmente é
conhecido como Centro. Nessa faixa de terra firme, foram
implantados o atracadouro (escadaria) e os principais edifí-
cios civis e religiosos, caracterizando o centro comercial e
administrativo da vila.
Existia uma ponte, denominada de Cap. Pessoa,
que atravessava o igarapé de São Pedro. Ela foi construída
com madeira de lei, numa extensão de 100 metros. O supe-
rintendente municipal Celso do Menezes foi quem projetou
e inaugurou a ponte em 1896.
Ao lado da ponte e a margem do igarapé, existia
uma escada lateral que permitia o acesso aos passageiros
que desembarcavam ali durante as enchentes, e também
possibilitando o atracamento de barcos.

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Crônicas de Coari

Ponte Capitão Pessoa - No Igarapé de São Pedro


Em 1932, Coari foi elevada à categoria de ci-
dade, o que resultou na criação da câmara de vereadores
para legislar, fiscalizar e propor melhorias para a população
de Coari. Esse marco representou a emancipação adminis-
trativa do município, permitindo que a cidade gerisse seu
próprio orçamento através do prefeito. Na época, durante
o período do golpe militar de 1930, o senhor Alexandre
Montoril, militar com a patente de capitão, foi nomeado
como prefeito.
Na direção oposta, no ano de 1970, observava-
-se um grande desenvolvimento no bairro de Chagas Aguiar.
Especialmente com a conclusão da ponte sobre o igarapé do
Espírito Santo (atualmente ponte Roberval Rodrigues) em
1965, cujos primeiros pilares foram assentados em 1938.
O centro comercial e administrativo da cidade
permaneceu concentrado em torno da rua XV de Novembro
e duas ruas transversais: a rua 7 de Agosto (atualmente a Tv
Raimundo Mota) e a Praça Getúlio Vargas. Ao longo deste
eixo, era possível observar a predominância de estabeleci-
mentos com características de atacado na extremidade infe-
rior, próxima ao antigo trapiche.

27
Archipo Góes
No topo da colina, formada nas imediações da
Praça São Sebastião, estão localizados os principais prédios
da administração pública: o Fórum de Justiça, a Exatoria
de Rendas, a Camtel, os Correios, a Prefeitura, etc. A ex-
pansão da zona comercial, limitada ao sul pelos terrenos
da Prelazia e da igreja, tende a ocupar as ruas Gilberto
Mestrinho, Independência formando uma quadra de 150
metros do lado que concentrara todo o comércio de carac-
terísticas centrais.
Sistema Viário
Em 1970, a cidade de Coari possuía somente
2.150 metros de vias pavimentadas, sendo que nas poucas
ruas asfaltadas, o asfalto foi aplicado diretamente sobre a
terra, o que resultava em uma diminuição na eficiência e
durabilidade do calçamento.
Algumas ruas, como a 7 de agosto e a
Independência, eram calçadas com tijolos de barro, o que
era uma solução ideal para o baixo tráfego de veículos e a
disponibilidade abundante desse material na cidade. Além
disso, essa escolha permitia aproveitar a mão de obra local
tanto no assentamento das peças quanto na sua fabricação.
As demais vias da cidade enfrentam dificulda-
des no tráfego durante a época das chuvas devido à capaci-
dade limitada de absorção do solo e ao alto índice pluvio-
métrico. Devido ao relevo acidentado de Coari, ao longo
do tempo, foi necessário construir uma série de pontes para
atravessar as áreas alagadas.
Entre as pontes da cidade, a mais antiga é a
Ponte Cap. Pessoa, que foi construída sobre o igarapé de
São Pedro. Infelizmente, após uma das grandes enchentes
da década de 1950, a ponte foi destruída, o que deixou os
bairros da margem ocidental do igarapé sem uma conexão
direta com o centro da cidade.

28
Crônicas de Coari
As vias urbanas de Coari em 1970 não eram ar-
borizadas, o que era um grande incômodo numa região de
intenso calor ao longo do ano.

A Energia Elétrica
Em 1970, o sistema utilizava 03 motores a die-
sel, com uma potência disponível de 660 KVA. A extensão
da rede de distribuição era de 8.500 metros, cobrindo quase
todas as ruas da cidade. O número de ligações, entretanto,
era de aproximadamente 300, ou seja, a quarta parte dos
domicílios eram atendidos pela rede.
O alto custo da energia termelétrica e a baixa
renda da população são fatores que contribuem para o baixo
fator de utilização do sistema, especialmente no interior do
Amazonas.

Transporte Hidroviário
O transporte de passageiros entre Manaus e
Coari era feito por “barcos recreios”. O transporte de carga
era inexpressivo em relação ao movimento entre Manaus e

29
Archipo Góes
o interior do Estado, que, por sua vez, não apresentava se-
não 12,5% da carga transportada entre Manaus e os outros
portos do país e do estrangeiro.
A cidade não contava com nenhuma infraestru-
tura portuária adequada para o embarque e desembarque de
passageiros, bem como para a movimentação de carga. A
única solução encontrada foi utilizar pranchas entre o con-
vés dos barcos e a praia.

Transporte Aéreo

Avião Catalina da Panair no lago de Coari

Com a retirada de tráfego dos aviões Catalina


da Panair, e enquanto se aguardava a conclusão do campo
de pouso, a cidade de Coari não era servida por transporte
aéreo regular em 1970. Os aviões anfíbios da FAB (Força
Aérea Brasileira), a pequena aeronave da Prelazia e os tá-
xis-aéreos a serviço dos comerciantes pousavam nas águas
do lago Coari.

30
Crônicas de Coari

Avião Catalina da Panair no Lago de Coari

Transporte Rodoviário
O município de Coari não possuía nenhuma ro-
dovia intermunicipal. Internamente, apenas havia uma es-
trada que ligava a sede do município ao lago do Mamiá,
passando pelo aeroporto que estava em construção. O tráfe-
go era precário, sobretudo durante a estação chuvosa, devi-
do à baixa permeabilidade do solo e à falta de um sistema
adequado de escoamento das águas pluviais.
Conclusão
A década de 1960 e 1970 foi um período de mo-
dernização para Coari, no Amazonas. A cidade passou por
profundas transformações econômicas, sociais e culturais,
que contribuíram para o seu desenvolvimento e fortaleci-
mento. O fim do ciclo da castanha-do-pará, a crise econô-
mica de 1968 e a chegada de novas políticas públicas do
governo federal foram alguns dos fatores que impulsiona-
ram esse processo.

31
Archipo Góes
No campo econômico, a cidade passou a se
diversificar, com o desenvolvimento de outras atividades
econômicas, como o comércio, a agricultura e a pesca. No
campo social, houve avanços na educação, na saúde e na
infraestrutura. A inauguração de novas obras e serviços pú-
blicos, como a Central Elétrica, a CAMTEL, o BEA e a
Unidade Mista de Saúde, contribuiu para melhorar a qua-
lidade de vida da população e para fortalecer a identidade
coariense. As transformações da década de 1960 e 1970
deixaram um legado importante para Coari, que se tornou
uma cidade mais moderna, diversificada e inclusiva.

Archipo Góes
2 de novembro de 2023

32
Crônicas de Coari
Histórias Esquecidas: Areal Souto

O
macaco infernal ou a primeira panela de pressão de
Coari
Francisco do Areal Souto foi um filho
temporão do casal Franklin do Areal Souto e Cândida Alves
de Souza Pinto, irmão de Antônio do Areal Souto, meu bi-
savô, nascido vinte oito anos antes dele. Pela tradição ele
deveria chamar-se Isaac, mas o padre da igreja de Vertentes,
no Ceará, não lhe quis dar o nome judaico e o batizou como
Francisco, mas para os familiares, continuou a ser Jesus, do
mesmo significado daquele do segundo patriarca.
Mas o fato excepcional acontecido é que ele
nasceu no mesmo ano que o do meu avô Antônio Pinto do
Areal Souto, seu sobrinho, o que justificaria o nome bíblico,
pois a minha bisavó Cândida há muito ultrapassara o tempo
das mulheres engravidarem e parirem, já tendo mais de ses-
senta anos de idade.
Então uma grande seca abateu-se sobre os
sertões de Crateús, e a família saiu a pé de Vertentes ou
Independência, não sabemos mais ao certo, passando fome
e sede pelo caminho, indo parar na serra de Uruburetama,
ficando meu avô e tio Francisco Souto com uns parentes ali
residentes, em Itapagé e Itapipoca, de onde vieram para o
Amazonas.

33
Archipo Góes
Apesar de ter chegado como retirante-arigó-se-
ringueiro meu bisavô conseguiu adquirir um pequeno se-
ringal, no Juruá, e pelo seu trabalho educou meu avô, que
chegou a ser Governador no Acre e Promotor Federal, em
Sena Madureira. Mas esta é outra história.

Tio Francisco do Areal Souto foi para a região


de Coari, onde adquiriu um imenso castanhal, foi Prefeito
Municipal, Deputado Estadual, Governador Interino do
Amazonas e comerciante de produtos regionais.
E foi em Coari que aconteceu esta estória.
No retorno de uma de suas viagens a Manaus,
tio Souto trouxera, em sua bagagem, uma novidade espe-
cial, uma invenção moderna, que acabava de chegar do Sul,
capaz de cozinhar os mais duros alimentos, até carne de
pescoço — a panela de pressão.
Talvez não fossem tão bem-feitas quanto as atu-
ais, mas os vendedores diziam que ela cozinhava rapida-
mente o feijão mais duro e até a carne da anta desmanchava
dentro dela.
Chegando ao castanhal tio Souto quis logo ex-
perimentar o produto e as suas vantagens, as que lhe tinham
passado sobre aquela panela maravilhosa.

34
Crônicas de Coari
Um caçador trouxera-lhe um macaco para o al-
moço, animal de carne dura e difícil de cozinhar, um ótimo
teste para o novo equipamento adquirido. O fogo foi ace-
so e o macaco, bem temperado na panela, foi colocado em
cima do fogão de lenha.
Os convidados, para assistirem à inauguração
da panela, foram chegando das localidades vizinhas, fican-
do ali por perto, entretidos em um animado jogo de dominó.
As batidas sobre a mesa repetiam-se, as partidas desdobra-
vam-se, as conversas estendiam-se, os goles de cachaça se
repetiam e a panela foi sendo esquecida e aquecida.
De repente um gigantesco estrondo, seguido de
um assobio. Todos se voltaram para o fogão e ali já não
mais estava na panela. Um furo na cobertura de palha mos-
trava o azul do céu.
Procuram o objeto em toda a parte, em todos os
lugares, no meio da mata, nos arredores da cabana e nada.
O esperado almoço de carne amolecida de macaco desapa-
recera sem deixar rastro.
Logo os mais desconfiados e medrosos come-
çaram a comentar que aquilo teria sido uma obra do coisa
ruim, que disfarçado de macaco dentro da panela, enfureci-
do e aprisionado, desaparecera com ela.

Antônio Loureiro

35
Archipo Góes
Minhas Memórias do Festival Folclórico Coariense

A
s primeiras manifestações dos folguedos folclóri-
cos coarienses aconteceram durante toda a primei-
ra metade do século XX. Durante esse período,
ocorriam nos terreiros da frente das casas, apresentações
do bumba-meu-boi do cearense França, o boi Prata-fina
do seo Ioiô, e as pastorinhas. Contudo, o primeiro Festival
Folclórico de Coari só foi organizado em 1972, pelos repre-
sentantes de classe da Escola Nossa Senhora do Perpétuo
Socorro, sendo um sucesso e com participação de outras
escolas, pastorais, grupo de jovens etc.
Quando eu era criança, com 4 anos, tenho lem-
brança do primeiro festival que eu assisti. O local onde tudo
acontecia, era a praça São Sebastião, quase em frente de
nossa casa. Era um tablado alto, construído em madeira,
onde se dançava todas as brincadeiras.
Eu fui assistir ao festival com a moça que cui-
dava de mim. Ela adorava ver acontecimentos da cidade e
me levava para todos os lugares movimentados. Recordo a
primeira cena que ficou em minha mente, a apresentação da
Tribo dos “Ajurimáuas”. Lembro até hoje daquela cena pu-
jante. Foi muito curioso ver um grupo de jovens fantasiados
com trajes indígenas com muitas penas de pássaros. Eles
dançavam de maneira coreografada, batendo um bastão nas

36
Crônicas de Coari
tábuas do tablado, ao som de apitos e gritos indígenas.

Início do Primeiro Festival Cultural em 2006

Não lembro de sentir medo, apenas muita curio-


sidade e fascínio por ver pela primeira vez a manifestação
de nossa cultura coariense e acredito que não tinha noção
do que estava acontecendo. Só é possível perceber a partir
desse olhar do futuro, que eu sabia que eu estava fascinado
por ver aquela linda apresentação.
Em 1987, eu estava com 14 anos e junto com
os colegas de aula, assistimos todas as noites ao Festival
Folclórico de Coari. Agora o palco era outro, a quadra de
esporte São José da escola Nossa Senhora do Perpétuo
Socorro, que era simplesmente conhecida por “Quadra do
Colégio”.
Eu esperava até mais tarde para ver as apresen-
tações do boi-bumbá Corre Campo e do estreante boi-bum-
bá Garantido. O Corre Campo foi fundado em 1986 e o
Garantido em 1987.

37
Archipo Góes
O boi-bumbá Corre Campo usava as cores ver-
melha e branca, e o boi era preto. Ele possuía uma apresen-
tação muito tradicional com uma vaquejada bem aguerri-
da, ritual de matança e ressuscitação do boi, personagens
tradicionais do folguedo como Pai Francisco, Catirina e
Cazumbá.

Entrada do Boi Bumbá Garantido em 1987

O boi-bumbá Garantido em Coari era um fol-


guedo que usava as cores azul e branco, o boi era branco.
A grande novidade do ano de 1987 foi as toadas vindas de
Parintins, muito ritmadas e com letras que ficavam em nos-
sa mente.
♫♫ Mas quem é Garantido,
levanta o braço!
Eu sou! Eu sou!
É o Boi do Povão e canta comigo
Oh, oh, oh! E vai ser campeão! ♫♫

38
Crônicas de Coari
♫♪ Oh lê lê oh lê lê oh lá lá
É de boi, é de boi-bumbá
Oh lê lê oh lê lê oh lá lá
Como é o nome do teu boi bumbá
“Garantido” Olê lê lê oh lá lá ♪♫

Alberto Bandeira (Passarinho) - Tuxaua Luxo Garantido


Era de certa forma, um bom uso das toadas de
Parintins, às vezes onde estava escrito vermelho, eles troca-
vam por azul, devidos às cores do Garantido de Coari.
Nesse festival folclórico de 1987, ainda não ha-
via disputas por categorias, todos os folguedos disputavam

39
Archipo Góes
entre si. Concorriam boi-bumbá com lendas, danças, qua-
drilhas, etc. E quem tivesse o maior número de pontos, seria
declarado o campeão.

Nivaldo Moura em 1997 fazendo


apresentação solo na Dança Cigana

Nesse ano houve uma apresentação que ficou


marcada na história de nossa cidade, a inesquecível dan-
ça da escolha Nossa Senhora do Perpétuo Socorro: Balé
Indígena. Foi uma intensa movimentação e composição
coreográfica, uma música contagiante, sincronismo nun-
ca percebido em nossas danças, e principalmente, a dan-
ça clássica sendo executada por indígenas em um ritual
maravilhoso.
Fiquei boquiaberto com aquela apresentação.

40
Crônicas de Coari
Quem assistiu ao “Balé Indígena” produzido e coreogra-
fado por Nivaldo Moura guarda até hoje aquele espetáculo
clássico executado no meio da selva amazônica.
No final, o “Balé Indígena” teve mais pontos do
que os dois bois-bumbás e que as demais danças, sagrando-
-se o campeão daquele inesquecível festival folclórico de
1987.
No ano de 1988, o festival de Coari teve um
tema muito peculiar, pois foi o centenário da libertação dos
escravizados no Brasil. O Colégio (ENSPS) trouxe para a
quadra São José a Dança Afro-brasileira sob a produção e
coordenação do professor Antônio Mariano. Naquele mo-
mento, aconteceu uma grande celebração da cultura afro-
-brasileira em terras coarienses.
A grande Senzala com uma placa escrita
“Homeless” (sem-teto) era a principal alegoria daquele
folguedo folclórico, era o local onde os personagens saí-
am para suas apresentações. Tenho a lembrança que o ápi-
ce da festa foi as encenações do Augusto César Pica-pau,
sua irmã Maria e do professor Mariano representando as
incorporações de entidades das religiões Afro-americanas
(Candomblé e Umbanda).
Os homens entravam em fila indiana fazendo
coreografias ritmadas que traziam a representação da cul-
tura africana através de movimentos tradicionais ao som de
músicas como “Madagascar Olodum” da banda Reflexus:
♫♪ E viva Pelô Pelourinho
Patrimônio da humanidade ah
Pelourinho, Pelourinho
Palco da vida e negras verdades
E protestos, manifestações
Faz o Olodum contra o Apartheid
Juntamente com Madagáscar

41
Archipo Góes
Evocando igualdade e
liberdade a reinar ♪♫
A indumentária do cordão para os homens era
calças brancas, faixa vermelha no peito, fita na cabeça, uma
fita larga na cintura, uma ráfia (fibra têxtil de palmeiras)
vermelha nas mãos e um escudo com fundo preto, desenhos
afros em branco.
As mulheres nos deixaram uma forte lembrança
de uma entrada emocionante e inesquecível. Usavam um
vestido branco com detalhes na barra, mangas com detalhes
em vermelho e ráfia em vermelho. No cabelo elas usavam
turbantes que expressavam a realeza da mulher africana.
Contudo, o mais marcante, foi a entrada com a coreografia
cadenciada ao som da música “Eu Só Peço a Deus” de Beth
Carvalho e Mercedes Sosa:
♫ Eu só peço a Deus
Que a dor não me seja indiferente
Que a morte não me encontre um dia
Solitário, sem ter feito o que eu queria ♫
Agora, podemos nos transportar para o ano de
1989. Nesse momento, eu tinha 16 anos e as lembranças
são mais vívidas e os personagens muito ligados ao meu
convívio escolar.
Uma dança regional que ficou muito marca-
da nesse festival de 1989 foi “O Lampião” da escola João
Vieira. Havia uma característica muito forte naquela dança.
Aconteciam combates faiscantes de terçados, tiros de es-
pingardas, músicas puramente sertanejas.
Uma lembrança forte de 1989, foi a apresenta-
ção da lenda do Sol e da Lua da escola João Vieira. O texto
tipicamente amazônico da lenda que procura explicar os fe-
nômenos naturais através do imaginário indígena, repassa-

42
Crônicas de Coari
do oralmente de geração em geração, foi usado através da
dança e do teatro para que o público pudesse entender o en-
redo do folguedo. A professora Dalva representou a Lua e o
professor Wilson Cavalcante interpretou o personagem Sol.

Uma típica história de Romeu e Julieta ou ainda


feitiço de Áquila. Pois, no enredo eles são um casal indíge-
na que vivenciaram uma história de amor, que era contra a
tradição do Tupi-guarani. Eles foram punidos, transforma-
dos em astros estelares, e só se encontrariam duas vezes
durante o dia, no pôr-do-sol e na alvorada. No final a pro-
fessora Dalva entrava com uma fantasia de lua no lado es-
querdo da quadra e o professor Wilson entrava com uma
fantasia redonda, com luzes fortes representando o sol.
Voltaremos a relembrar os bois-bumbás co-
arienses com algumas novidades. O Garantido mergulha
cada vez mais na cultura de Parintins, contudo, com as fan-
tasias e capacetes mais elaborados e com acabamento pro-
fissional. O Corre-campo começa a importar alguns trajes
típicos e de luxo. Contudo, o grande ápice foi a assessoria
do artista plástico parintinense Jair Mendes. Pela primeira
vez, os dois bois na evolução tiveram um acabamento mo-
derno e com movimentos ilimitados.

43
Archipo Góes
Neste ano, uma alegoria muito comentada, foi
a cachoeira do boi Corre Campo. Ela tinha movimento de
águas que se movimentavam, os peixes pulavam como se
fosse uma piracema. As pedras foram feitas com maestria,
parecendo reais. Dentro da cachoeira, a jovem Cleidilene
estava fantasiada de sereia, com seus longos cabelos ne-
gros, uma cauda de sereia bem elaborada, e sentada em uma
pedra no fundo das águas olhando seu espelho. Uma cena
inesquecível e um alumbramento na mente dos coarienses
que ficaram comentando por semanas aquela apresentação.
A Miss Coari 1988, Silvana Soares, foi a miss
do Boi-bumbá Corre Campo fazendo sua apresentação com
traje de miss e faixa. Esse item do Boi-bumbá mais tarde se
tornaria a Cunhã-poranga.
O Garantido também trouxe o seu exército de
mulheres bonitas:
• Gerlane Farias, a Miss do Boi Garantido. Ela tinha 15
anos e fez uma excelente apresentação. No ano seguinte,
1989, ela viria a ser a 1ª Rainha da Festa da Banana.
• Mara Alfrânia, só de entrar na quadra já chamou a aten-
ção de todos com seu traje branco e transparente denomi-
nado “deusa da Beleza”. Dois anos se passariam e Mara
seria Miss Coari 1990 e Miss Amazonas 1991.
• Cleomara Araújo, foi com um traje denominado “deusa
do Amor”. Em 1992 ela se tornou Miss Amazonas em
concurso realizado em Itacoatiara.
Um momento que ficou marcado na apresenta-
ção do garantido foi a homenagem a Chico Mendes. Chico
foi líder no embate contra o desmatamento e por reivin-
dicar melhores condições de trabalho para os seringueiros
em Xapuri, no Acre. Foi assassinado em 22 de dezembro
de 1988, praticamente 6 meses antes daquele festival em
Coari. O mundo ficava sensível às causas ecológicas. E na

44
Crônicas de Coari
quadra São José se ouvia a música Argumento de Adelson
Santos:

Rainha da Batucada do Boi Estrelinha


♫Em questões de Solimões fundamental
É saber que o negro
não se mistura com amarelo
É saber que o negro
não se mistura com amarelo
Não mate a mata
Não mate a mata
A virgem verde bem que merece consideração mais
A virgem verde bem que merece consideração. ♫

45
Archipo Góes
O grande organizador e idealizador do Boi-
bumbá Corre Campo foi professor Edvaldo de Souza, co-
nhecido por todos como Catola, que na apresentação era o
“Amo do Boi”. Lembro que nesse mesmo ano, fui assistir
uma apresentação na quadra da Igreja Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro, em Chagas Aguiar e aconteceu o ritual
do tira a língua, que acontecia assim:
O Pai Francisco acabava de dar o tiro de morte
no boi. O povo cantava animado:
♫♫ Chico tira a língua
Chico tira a língua
Chico tira a língua
Se quer tirar…. ♫♫

E o Pai Francisco respondia:


♫♫ A faca está cega,
A faca está cega,
A faca está cega
Não quer cortar…♫♫

Na sequência acontecia a repartição do boi.


Houve um tempo em que as apresentações dos bois-bumbás
foram restringidas ou proibidas. A repartição era uma forma
de criar um bom relacionamento com a comunidade. No
período da ditadura militar, em Manaus, os bois ofertavam
as partes do boi aos poderes constituídos, para não correr o
risco da censura.
Durante a repartição acontecia versos assim:
♫Oh lé lê oh lá lá – Olha o boi que te dar
Oh lé lê oh lá lá – Olha o boi que te dar
Eu pego no rabo e
dou para o delegado.

46
Crônicas de Coari
Eu pego no coração e
Dou para o Dr. João
Eu pego no peito e
Dou para o Prefeito ♫

Na parte final do auto do boi, acontecia a res-


suscitação do boi-bumbá pelo pajé da tribo. O professor
Wilson Cavalcante comandou o ritual, dançando e repetin-
do as palavras em tupi-guarani “Araxo (aratxó) Caramuru”
como um mantra.

♫♫ Araxó Araxó
Araxó Caramuru
Araxó Araxó
Araxó Caramuru ♫♫
Araxó significa poderoso e Caramuru, filho do
trovão. O mantra foi repetido em um ritual de pajelança, em
que foi invocando o “Poderoso Filho do Trovão” fazendo o
boi-bumbá Corre Campo voltar a vida.
No outro dia, na nossa sala de aula do 2º
Magistério, repetíamos com alegria o mantra durante todos
os intervalos das aulas. Georgeth Míglio, a minha estimada
amiga, que fez eu gostar de poesia, comentou atualmente
nas redes sociais:
“O corre campo era o verdadeiro boi coariense!
O Pajé Wilsão Cavalcante arrasava na pajelança! Aratxó
caramuru…”
Agora vamos para a parte final deste texto so-
bre as minhas memórias do festival folclórico de Coari. No
ano de 1993, o prefeito era Odair Carlos Geraldo. O Osney
Oliveira era o chefe do Departamento de Cultura e eu es-
tava na coordenação organizadora do Festival. Então, eu
participei mais ativamente de cada parte desta festa junina.

47
Archipo Góes
Foi um festival muito rico culturalmente. O ce-
nário mudou para a quadra da escola Dom Mário, uma qua-
dra grande, com medidas oficiais. Foi construído, pela pri-
meira vez, alguns camarotes para que as pessoas pudessem
assistir com um pouco mais de conforto. Eu ficava na mesa
da coordenação ajudando em tudo, desde o cronômetro, até
o julgamento de recursos e impugnações.
O Garantido começou com entradas individuais
do apresentador Antônio Paulo Santos (Paulinho Marçal),
César do Cavaco e José Willacy. Foi apresentado o tema e
o enredo: “Histórias de Boi-bumbá”. Em seguida, houve a
entrada a marujada do Boi-bumbá Garantido que teve uma
apresentação com cadência e precisão. A rainha de bateria
foi a jovem coariense Yomara Lira. Ela era uma modelo
muito badalada em nossa cidade, estava com um corpo es-
cultural e dançando muito bem. Foi uma excelente escolha
para a abertura.
O enredo começou pela Grécia e tem como
primeiro item, uma comissão de frente composta por um
grupo de adolescentes vestidas de azul e branco, mais o
núcleo principal integrado pelas 7 moças atenienses, que
seriam entregues em sacrifício ao personagem mitológico
Minotauro, em seu labirinto. Lembro de duas amigas que
participaram, Manoela Dantas e Nalra Mirlene.
Tenho algumas lembranças que vem sempre na
mente, de como cada amigo se comportava durante a sua
apresentação. Como a amiga Ruth Queiroz, que representa-
va com muita beleza a Miss do Boi Garantido, e mais tarde,
em 1996, foi a vencedora do concurso Miss Coari, o mais
concorrido da história dos concursos coarienses. A alegria
da colega Perpétua que dançava como porta-estandarte ex-
pressando um sorriso cativante deixando todos felizes ao
vê-la bailando.

48
Crônicas de Coari
No segundo momento, houve a apresentação
do boi Prata Fina demonstrando como começou a manifes-
tação dessas brincadeiras juninas em Coari antes dos fes-
tivais. A filha do seo Ioiô, dona Rosa Esmeralda, cantou
algumas toadas do Prata-Fina.
Algumas amigas foram destaques no Garantido.
Nara Bastos entrou com um capacete muito lindo represen-
tando o sol. Lembro de passar por diversas vezes na frente
de sua casa e um grupo de artistas trabalhavam na constru-
ção daquela indumentária. Ana Célia Oliveira entrou com
um capacete grande e ela estava muito feliz, pois amava
muito participar daquele festival.
Ana Creuza Fernandes realizou uma apresenta-
ção maravilhosa com seu traje de “Deusa da Beleza”. Era
um traje branco e transparente e foi uma excelente com-
binação de fantasia e modelo. Em 1992, Ana Creuza fez
uma apresentação primorosa, sendo destaque no concurso
de Miss Coari.
A apresentação do Boi-bumbá Garantido em
1993 foi marcante devido à pesquisa bibliográfica do José
Wyllace, que investigou sobre a história do Boi-bumbá até
na Grécia e criou base para a composição de suas toadas.
Uma vez, vi ele pesquisando com nossa professora, Irmã
Marília Menezes, que era filha do poeta e folclorista Bruno
Menezes. Pela primeira vez o Boi-bumbá Garantido trou-
xe toadas inéditas, destacando a toada Jurupari, onde a sua
mitologia é muito presente na região de Coari. Com as to-
adas esplêndidas e inéditas, sem cópias ou plágios, aconte-
ceu uma grande evolução do Boi Garantido no Festival de
1993. Pela primeira vez, aconteceu o ritual de matança do
boi e a sua ressuscitação.
O Boi Corre Campo apresentou o tema e o
enredo “Cultura Indígenas”. Nesse ano de 1993, o boi de
Chagas Aguiar modificou a maneira de contar seu enredo,

49
Archipo Góes
visto que houve uma modernização em quase todos os itens
apresentados. O primeiro item que logo se notou a diferen-
ça foi um pajé de ofício, que além de ser um excelente bai-
larino, ele era um estudioso da cultura dos pajés.
A batucada do Corre Campo possuía muitos
instrumentistas e marcava com potência, ritmo forte, dei-
xando um compasso mais acelerado. E assim, deixou mais
intenso a apresentação do folguedo no Festival daquele
ano. As figuras engraçadas e tradicionais do boi-bumbá Pai
Francisco, Catirina e Cazumbá continuam sempre presentes
durante toda a apresentação, trazendo uma dose de humor
para os espectadores.

Batucada do Corre Campo


Lembro em especial de alguns itens: Maria José
e seu lindo traje com costeira amarelo e preto. Minha Aluna,
Patrícia Alves e seu capacete em homenagem à lua foi uma
grata surpresa. Ela, naquela noite, parecia outra pessoa, dei-

50
Crônicas de Coari
xando de lado a timidez e mostrando a alegria de dançar
boi-bumbá. A professora Naraci Bastos, trouxe de Codajás
as três finalistas do concurso Rainha do Açaí que fizeram
uma demonstração de seus trajes típicos confeccionados da
palha desidratada da palmeira do açaí. E finalizando, Eros
Alfaia que entrou com seu capacete vermelho e branco fa-
zendo uma coreografia indígena com vários passos tradicio-
nais e muito efeito de fumaça.
Para a surpresa de todos, entrou na quadra uma
figura típica amazônica, a imensa alegoria da Cobra-grande
que percorreu toda a quadra, circulando entre os brincantes.
A lenda da cobra-grande está muito associada à queda de
terras nas margens do rio Solimões, pois o ribeirinho não
tendo como explicar o fenômeno natural, atribui ao mito e
seus personagens lendários a explicação através do movi-
mento das cobras em baixo da terra.
Na sequência começou a apresentação dos prin-
cipais itens do boi Corre Campo, as tribos indígenas e a
Cunhã-poranga. As tribos foram o grande investimento do
folguedo no festival daquele ano e foi onde mais existiu re-
torno. Foi uma grande quantidade de tribos terceirizadas do
Boi Garanhão de Manaus, e 100 componentes divididos em
3 tribos, todos eram moradores do bairro Chagas Aguiar e
suas indumentárias confeccionadas em Coari. A quantidade
de tribos e a qualidade de suas coreografias e trajes fize-
ram a base para a grande evolução do Corre Campo naquele
festival.
Na apresentação final, antes do ritual, entrou
uma alegoria com a escultura de uma onça, o pajé e a Cunhã-
poranga montada na onça. Foi o ápice da festa. A Cunhã-
poranga fez uma apresentação que ficou marcada em toda a
história dos festivais, pois a sua alegria em dançar era muito
cativante. Era dona de um corpo que poderia ombrear com
qualquer Cunhã-poranga parintinense daquela época. Ao

51
Archipo Góes
som da toada do Arlindo Jr. composta especialmente para o
Corre Campo, a rainha da beleza deixou um espetáculo de
presente para a minha memória, que mesmo depois de 29
anos, não esqueci.

♫♫ Boi Corre Campo


Uma explosão de amor
Seu uru forte
Faz a galera vibrar
Campeão da terra…
Do meu boi-bumbá
Boi Corre Campo
Para sempre eu vou te amar ♫♫

Nesse momento, estou passando entre os brin-


cantes, tirando dúvidas quanto ao tempo da apresentação
para os dirigentes, quando sou puxado pelo braço, surpreso
olho para ver quem seria… veio a linda imagem da Rainha
do Açaí. Ela sorriu, me falou algumas coisas no ouvido. E
após a apresentação do Corre Campo, saímos para apresen-
tar a cidade a nossa visitante.
De repente, o leitor pode estar pensando —
Poxa! Faltou aquela dança, as quadrilhas, os bois mirins
etc… mas essas são as minhas memórias particulares, foi
a forma como fui impactado pela nossa cultura no festival
folclórico. Fica o desafio. Faça um texto narrando as suas
memórias e como você foi impactado pela cultura coarien-
se, que com muita felicidade publicarei no nosso site.
Tenho ainda duas cenas fortes do dia seguinte,
dia da apuração. Uma ao passar na frente da escola João
Vieira e observar as pessoas felizes comemorando. E a se-
gunda, ao passar na frente da prefeitura e ver alguns brin-
cantes do Boi Garantido queimando o Boi Prata Fina em

52
Crônicas de Coari
protesto por perderem o primeiro festival. E depois disso,
não tivemos mais um festival dos bois coarienses. Foi uma
parte importante da nossa cultura, que agora se encontra
apenas em nossas memórias. Foi um tempo que o vento
levou.

Archipo Góes

11 de fevereiro de 2022

53
Archipo Góes
Minhas Memórias da Festa da Banana

N
a década de 80 foi comum no Brasil algumas ci-
dades criarem festivais em comemoração à gran-
de produção do seu principal produto agrícola.
Essas festas eram incentivadas nacionalmente pelo progra-
ma dominical Globo Rural. No Amazonas, o governador
era Amazonino Mendes, que através da agência Emamtur
(Empresa Amazonense de Turismo), estimulou a criação de
vários festivais nas cidades da hinterlândia amazonense.
A Festa do Guaraná foi a precursora no
Amazonas. Começou na década de 60 e permanece sendo
realizada todos os anos na cidade de Maués. Depois tivemos
a Festa do Açaí em Codajás, a Festa do Leite em Autazes, a
Festa do Tucunaré em Nhamundá, a Festa da Castanha em
Tefé, Festival do Peixe Ornamental de Barcelos, a Festa do
Cupuaçu em Presidente Figueiredo, a Festa da Laranja em
Anori e muitas outras espalhadas por todo o Amazonas.
Tenho em minhas lembranças o ano de 1989,
Coari era uma cidade pacata, tranquila, ordeira e passava

54
Crônicas de Coari
por grandes transformações em sua estrutura. O prefeito era
Evandro Aquino, um técnico agrícola de formação e fun-
cionário do IDAM. Em seu primeiro ano de mandato foi
criada a lendária Festa da Banana, que seria realizada todos
os anos, na primeira quinzena de dezembro.
Eu, ao realizar uma pesquisa intensa nos jornais
do Amazonas, constatei que desde a década de 60, Coari
já vinha sendo noticiada como detentora da maior produ-
ção de banana no estado do Amazonas, chegando ao grande
ápice no final da década de 70 e por todos os anos 80. Em
1988, Coari enviou mais de um milhão de cachos de banana
para a capital do estado.

Candidatas a Rainha da 1ª Festa da Banana

O concurso de Rainha da Banana tinha sua es-


sencial característica em ser um concurso de beleza em que
o traje típico era muito importante na nota final de cada
candidata. Não era só a beleza plástica, mas todo um con-
junto da apresentação. Na comissão organizadora, faço um
destaque para a Professora Simonete Dantas que era a orga-
nizadora de todos os desfiles oficiais promovidos pela pre-
feitura de Coari e ao artista plástico Izocrates Brandão (Dó)
que era responsável pela construção dos lendários palcos do
aniversário da cidade e da Festa da Banana.

55
Archipo Góes
Evandro Aquino criou uma comissão organiza-
dora composta de membros do Departamento de Cultura e
do IDAM. No planejamento foi criado prêmios para o agri-
cultor com maior produção de banana, premiação para o
maior cacho de banana, premiação para o agricultor com
maior variedade de banana (Prata, Maçã, Pacovan, Nanica,
Ponta Fina, Inajá ou Ouro, etc.), concurso de comida típica
onde o principal ingrediente seria a banana, concurso de
calouro, concurso de dança, e a atração mais esperada da
noite, a eleição da Rainha da Banana.
A Festa da Banana foi realizada na recém-cria-
da Feira do Produtor Rural, no aterro em cima do igarapé de
São Pedro. A Feira do Produtor Rural começou no início da
década de 80, em plena rua da praça São Sebastião, depois
houve uma mudança para o início da rua 5 de Setembro,
passando pela frente do sobradinho dos Dantas e continu-
ando até o Instituto Bereano de Coari na rua Rui Barbosa.
Como era uma feira que acontecia na rua, não havia or-
ganização, higiene e segurança, proteção das chuvas etc.,
era preciso de um local que viesse a atender os anseios dos
produtores rurais e festejar a grande produção de banana do
município.
No dia 23 de novembro de 1999, aconteceu
uma das primeiras ações da comissão organizadora, a re-
alização de uma viagem a capital, com o prefeito Evandro
Aquino, as Candidatas a Rainha da Banana, para convi-
dar o Governador Amazonino Mendes e solicitar apoio da
Emamtur, a agência de turismo do estado do Amazonas,
para patrocínio das atrações regionais.
As candidatas selecionadas para concorrer ao
título de Rainha da Banana foram: Fernanda Alves, que já
mostrava muitas técnicas nos desfiles de moda em Coari;
Simoni Medeiros, candidata que nasceu em Maués e mora-
va com a família do seu tio Arnaldo Alves (Sevla); Eloiza

56
Crônicas de Coari
Reis, irmã da icônica goleira de handebol, Karatê; Arione
Boaes, a única candidata que ainda reside em Coari; e final-
mente, Gerlane Farias, que já era 1ª Princesa do Miss Coari
1988 e Miss do Boi-bumbá Rei Garantido em 1989.

Evandro Aquino e 3 Candidatas à Rainha da Festa da Banana

— Ninguém vai conseguir me separar do meu


amigo Gilberto Mestrinho.
A 1ª Festa da Banana aconteceu no dia 9 de de-
zembro de 1989 e foi palco da reaproximação e apazigua-
mento entre o governador Amazonino Mendes e o ex-go-
vernador Gilberto Mestrinho que durante a solenidade de
abertura da festa estavam lado a lado no palanque fazendo
seus discursos sobre a volta da eleição para presidente da
república de 1989 e a disputa entre Lula e Collor.
A sensação de estar naquele novo local de even-
tos em Coari era inexprimível. Uma pequena passada no
Bar’nanas do Gamal e da Irley para acabar a sede era um
costume de todos os amigos. Um amontoado de pessoas as-
sistindo aos espetáculos dos cantores e bandas que foram
contratados pela prefeitura de Coari e pela Emamtur.

57
Archipo Góes
Nessa época a nossa turma costumava ou-
vir A-ha, Pet Shop Boys, Pink Floyd, Madonna, Guns N’
Roses, Freddie Mercury, Scorpions, RPM, Paralamas do
Sucesso, Legião Urbana, Cazuza e as músicas traduzidas do
F. Cavalcanti no seu programa For Make Love, que grava-
mos em fita K7 no microsystems, às rádios FM de Manaus
no último andar do Coari Palace Hotel. Por outro lado, na
festa da Banana tivemos acesso a ritmos bem nacionais e
populares.
Durante toda a Festa aconteciam apresenta-
ções de atrações regionais e nacionais no palco principal
do evento. A Banda Embaixadores de Manaus, trouxe uma
apresentação dos principais hits de 1989: lambadas, for-
ró, axé music e pagode. Em seguida, aconteceu uma apre-
sentação da dupla sertaneja cover Havaí e Rouxinol que
cantaram músicas de Leandro e Leonardo, Chitãozinho e
Xororó. E para finalizar a festa, houve a apresentação de
Genival Lacerda, que cantou seus sucessos: “Radinho de
Pilha”, cheia de duplos sentidos; “Severina Xique Xique”,
“Ele tá de olho é na boutique dela…”; por fim, “Mate o
Véio, Mate”.
A atração nacional, que encerrou a parte mu-
sical da noite, ficou por conta do Rei da Lambada, Betto
Douglas, que contagiou a plateia com seu repertório do rit-
mo mais quente do início dos anos 90, a lambada. Ele can-
tou seus sucessos como: Lambada do Galo Gago, Cúmbia
Brasileira, Merengue da Moreninha, Merengue Lambada,
Sinto Amor em teu Olhar.
O concurso Rainha da Festa da Banana foi mui-
to concorrido e movimentado. As 5 candidatas dividiram a
cidade e a torcida de cada uma era muito efusiva e calorosa.
As melhores apresentações na passarela, contando simpa-
tia, beleza plástica e elegância, foram de Fernanda Alves e
Gerlane Farias.

58
Crônicas de Coari

Gerlane e Eu, quando visitei Governador Valadares-MG em 2016

O fechamento e a principal atração da 1ª Festa


da Banana foi o glamouroso concurso que escolheu a 1ª
Rainha da Festa da Banana. E a eleita foi uma jovem more-
na de 15 anos, Gerlane Farias. Hoje nossa primeira rainha
reside na cidade de Governador Valadares, no interior de
Minas Gerais.
A 2ª Festa da Banana foi um marco na história
das festas regionais. Agora seriam 02 dias de festa, as can-
didatas desfilariam com trajes típicos relacionados ao culti-
vo da banana, aumentou a quantidade de concursos ligados
a produção da banana. Foi uma festa em que a população já
entendia o enredo dos acontecimentos.
A Festa da Banana teve como objetivo incenti-
var os produtores e agricultores a investirem cada vez mais
em seus empreendimentos visando o aumento da oferta de
seus produtos à população coariense e consequentemente a
melhoria de suas receitas.

59
Archipo Góes
A Segunda Festa da Banana

Gerlane Farias

O evento foi uma forma de resgatar as mani-


festações da cultura coariense, através das atividades artís-
ticas desenvolvidas no município. Além de incrementar o
mercado através dos produtores de banana, gerando com
isso divisa para o município. Por fim, foi uma forma de de-
mocratizar o acesso ao lazer, considerando como direito da
população, fator de desenvolvimento humano e promoção
da qualidade de vida do coariense.
Coari, nessa época, era o maior produtor de
bananas do estado do Amazonas, com uma produção de 1
milhão e 200 mil cachos anuais. Mas, não era só uma festa
para a área cultural e agrícola, pois foram inauguradas vá-
rias obras naquele ano. Sendo a principal, a reinauguração
do estádio Carecão, antigo estádio Alexandre Montoril, que

60
Crônicas de Coari
a partir daquele ano passou a se chamar “José Rosquildes”
em homenagem a filho do ex-prefeito Roberval Rodrigues,
que era atleta de futebol e faleceu com 19 anos, vítima de
afogamento, voltando de uma excursão desportiva de outra
cidade.
A programação da 2° Festa da Banana foi bas-
tante variada. Houve apresentações de cantores nacionais,
regionais e locais, show de calouros, carreata, passeio turís-
tico de barco pelas praias principais do município, concurso
da maior produção de banana, o maior cacho de banana,
o grandiosíssimo concurso para a escolha da Rainha da 2ª
Festa da Banana e a tradicional corrida da banana.

Exposição da Maior Produção de Banana

Na área da festa, feira do produtor rural, foram


dispostas 15 barracas vendendo produtos típicos da banana,
como: a torta de banana, a pizza com a cobertura de banana,
a salada de banana, a farofa da casca da fruta entre outros.
“Antes, a casca era jogada fora. Hoje, ela também é apro-
veitada.”, afirmou o chefe da Emater-AM de Coari, Luiz
Rebelo. No stand da Emater, além de vender comidas típi-
cas, mostrava o que era possível produzir da banana, como,
por exemplo: vinagre, licores, mel, cocada, etc.

61
Archipo Góes

Astrid Silva

Nesse ano de 1991, houve uma maior participa-


ção da Emamtur, que ofereceu os prêmios para os vencedo-
res dos concursos, contratou atrações para se apresentarem
na festa, além de darem todo o apoio necessário para a rea-
lização do evento.
Durante a festa foi realizado um concurso de
calouro, em que o vencedor foi o jovem Jean Walmor com
a música “Era um garoto como eu que amava os Beatles e
os Rolling Stones”.
A programação da 2ª Festa da Banana aconte-
ceu com a presença de cantores e bandas locais e regionais.
Foram atrações como o cantor coariense Piska que cantou
sua muito conhecida composição Estrela Distante; a Banda
Playpop que trouxe um pouco das músicas mais tocadas em

62
Crônicas de Coari
todo o país; Netinho do Solimões; Edney e Billy Marcelo;
Sandrinha, a pepita dos garimpeiros, que fez um show com
músicas sensuais e um show com muita interação e partici-
pação do público presente; e para encerrar a noite, Pinduca,
o Rei do Carimbó, que trouxe diretamente de Belém do
Pará seu repertório muito conhecido na região do Médio
Solimões.

Cleomara Costa
O momento principal da programação do even-
to foi o concurso de Rainha da 2ª Festa da Banana. Na aber-
tura, houve a apresentação da Rainha da 1ª Festa da Banana,
Gerlane Farias, que encantou todo o público ao fazer seu
desfile de despedida.
O concurso Rainha da II Festa da Banana foi
narrado no jornal Folha de Coari dessa forma:
“A primeira a pisar na passarela foi Ana Creuza,
com um vestido todo em verde, destacando-se o desenho da
banana em amarelo. Ana Creuza fez um belo desfile. A se-
gunda foi Elane Souza; com um lindo sorriso no rosto, ela

63
Archipo Góes
apresentou-se como sendo a própria fruta e trazia sobre a
cabeça uma palma de banana. Seu desfile também foi muito
bom. Em seguida, a loiríssima Cleomara Costa emocionou
a plateia, derramando muito charme e simpatia. Cleomara
desfilou com a fantasia denominada “Chiquita Banana”.

♫♫ Chiquita Bacana lá da Martinica


Se veste com uma casca de banana nanica ♫♫

“Foi uma alusão a marchinha de carnaval


‘Chiquita Bacana’ cantada por Emilinha Borba e composta
por Braguinha, com referência e inspiração ao existencia-
lismo francês, no carnaval de 1949.” Grifo meu.
“No concurso de Rainha da 2ª Festa da Banana
foi marcado por uma disputa muito intensa entre Cleomara
Araújo e Astrid Silva. Cleomara estava na melhor fase de
sua vida para concursos de beleza, graciosidade, charme,
uma beleza plástica indescritível, elegância na passarela
usando técnicas modernas, contudo, seu traje típico com
elementos de contemporaneidade e alguns brilhos não
eram condizentes com as festas regionais daquela época no
Amazonas”.
“Astrid Silva, foi assessorada por Socorro
Barreto, que era a mentora da Miss Mara Alfrânia e uma
artista plástica muito atualizada e contextualizada do que
acontecia nos demais festivais regionais. Socorro elaborou
uma indumentária branca com muita transparência, trazen-
do uma sensualidade leve e uma saia cheia de produtos re-
lacionados ao cultivo da banana. Aquele vestido até hoje é
lembrado pelos amantes de concursos de beleza pelo seu
bom gosto e originalidade”.

64
Crônicas de Coari
A 3ª Festa da Banana
Os preparativos começaram com uma visita da
comissão organizadora da Festa da Banana ao o governador
em exercido, Francisco Garcia, sendo recebida no Palácio
Rio Negro. A comissão, chefiada pelo prefeito Evandro
Aquino, os membros do departamento de cultura, e as can-
didatas à rainha do evento. O objetivo foi levar pessoalmen-
te o convite para o governador participar da festa, conseguir
patrocínios e infraestrutura.
Francisco Garcia enfatizou o sucesso da festa
nos anos anteriores e a importância como incentivo econô-
mico e turístico para o município. A dificuldade de financia-
mento, também, foi tema da conversa do governador com o
prefeito, face à situação econômica do País. Evandro disse
que a produção de banana representa dinheiro em circula-
ção, com uma média de 3 milhões de caixa anual, exportada
para a capital e demais cidades, com a produção totalmente
natural, sem nenhum recurso industrial.
A Festa da Banana, que surgiu da necessidade
de incentivar e homenagear o produtor rural, recebia a cada
ano mais turistas e foi considerada, a segunda maior festa
do estado do Amazonas. Para a 3ª Festa da Banana, fazia-se
uma estimativa de um público de 5 mil pessoas dos demais
municípios e da capital. Segundo Evandro Aquino, já exis-
tia na época, uma preocupação em todos os setores do turis-
mo, desde hotel, alimentação, à informação sobre o cólera,
devido à grande divulgação de casos no município no início
da década de 1990.
O governador agradeceu o convite e desejou
sucesso à comissão organizadora e lembrou às rainhas o
espírito de competição, que segundo ele, é o da participa-
ção no evento como processo de desenvolvimento para o
município.

65
Archipo Góes

Sanara Marques

A Festa:
A 3ª Festa da Banana aconteceu nos dias 6 e
7 de dezembro de 1991. Foi um evento muito concorrido
e mais uma vez emocionou o público presente. A área da
Feira do Produtor Rural foi pequena para comportar uma
multidão, calculada pelos organizadores, em torno de cinco
mil pessoas. Os cantores Nino Gato, Netinho Solimões e
Perla, além da Banda Impacto, animaram os dois dias de
festa. As barracas típicas também se traduziam em atração,
vendendo comidas feitas com banana.
Durante o dia aconteceram atividades desporti-
vas como: a Corrida da Banana, cujos vencedores foram o
PM Romério e Gerlane de Souza. As principais ruas da ci-
dade ficaram mais animadas com a Carreata das Candidatas
a Rainha, que teve a participação de carros, motos e bicicle-

66
Crônicas de Coari
tas. E na área da feira do produtor rural, aconteceu concur-
sos e show musical.

O concurso de Rainha da Banana


Foi a primeira festa da banana em que podemos
constatar uma grande evolução nos trajes típicos do concur-
so de Rainha da Festa da Banana. Os artistas plásticos já es-
tavam atualizados e contextualizados quanto ao padrão das
roupas típicas das festas regionais e neste ano, superaram
as expectativas. Aconteceu um desfile com excelentes trajes
típicos e uma seleção primorosa das candidatas.
As candidatas a Rainha da 3ª Festa da Banana
foram: Jan-neves Ribeiro, Fabiana Gomes, Adriana Vieira,
Sanara Marques, Nancy Batista.

Jan-neves Ribeiro

67
Archipo Góes
O auge do evento foi a escolha da rainha da
Festa da Banana. Na minha previsão e opinião na época, a
grande disputa do concurso Rainha da 3ª Festa da Banana
seria entre as candidatas Jan-neves Ribeiro (Miss Coari
1989) e Fabiana Gomes (4ª no Miss Coari 1990). Aconteceu
um desfile com muitas técnicas novas, trajes típicos tradi-
cionais, naturais e originalidade. Para a confecção dos tra-
jes, que sempre se referiam a banana, foram usados frutos e
folhas desidratadas, entre outras partes da bananeira.
A estudante Fabiana Raírima da Conceição
Gomes, 17 anos, foi eleita a rainha da 3ª Festa da Banana,
na madrugada do segundo domingo de dezembro de 1991.
Ela concorreu com mais quatro candidatas; obteve 174 pon-
tos do júri formado por empresários, profissionais liberais e
artistas que analisaram a beleza plástica e a criatividade nos
trajes das candidatas. A segunda colocada, Adriana Vieira
da Costa, 17 anos, conseguiu 171 pontos, seguida de Jan-
Neves Ribeiro Nogueira, 19 anos, que alcançou 170 pontos.
Disputaram ainda as estudantes Sanara Marques de Araújo,
16 anos, e Nancy de Souza Batista, 17 anos.
A Rainha da 3ª Festa da Banana, Fabiana
Raírima da Conceição Gomes, destacou-se muito no item
de julgamento Beleza Plástica Corporal. Ela já havia dispu-
tado o Miss Coari em 1990, ano que Mara Alfrânia foi elei-
ta Miss Coari, e naquele ano de 1991, foi Miss Amazonas
1991, que aconteceu na cidade de Itacoatiara.
Astrid Silva, rainha da 2ª Festa da Banana, pas-
sou às mãos de Fabiana o cetro, o manto e a coroa. Ela
reinou como rainha durante um ano. “Eu acho que o mais
importante para mim, foi o carinho do público. É impor-
tante saber que o povo coariense gostou da nossa festa, que
me apoiou, inclusive recebi muitas manifestações de apoio
das pessoas quando andava pelas ruas”, afirmou Fabiana
Gomes na época.

68
Crônicas de Coari
Durante a sua apresentação no palco da Festa,
Fabiana recebeu muitos aplausos do público, que superlo-
tou a área da Feira do Produtor Rural.

Fabiana Gomes

“Eu acho que tudo isso contribuiu para que esta


festa fosse muito bonita e, acima de tudo, quero agradecer
o apoio recebido das autoridades e de todo o povo; também
agradeço a comissão organizadora pela escolha de nossos
nomes para disputar o título e pela oportunidade que me
deram”, falou emocionada Fabiana.
Mas a sensibilidade de Fabiana ainda estava por
surgir em suas declarações. Ela lembrou dos agricultores,
os quais são o motivo da festa. “Espero que eles continuem
plantando a banana para que Coari a tenha como forte pro-
duto de sua economia. Quero agradecer aos agricultores,
porque foi através do trabalho deles que esta festa pode ser
realizada”, finalizou.

69
Archipo Góes
Um fato marcante da 3ª Festa da Banana foi a
apresentação da cantora paraguaia de muito no Brasil, Perla.
Ela cantou os seus sucessos: Índia, Fernando, Pequenina,
Rios da Babilônias, Pela Estrada do Sol, Galopera, etc. Foi
inesquecível aquele momento, música que cresci ouvindo
na eletrola Nivico do meu pai. E o momento cômico do
evento foi quando a cantora chamou o prefeito da cidade
para dançarem, foi quando ambos caíram durante uma dan-
ça. A cena foi gravada pelas filmadoras Panasonic VHS M8,
onde as fitas eram exibidas nos aparelhos de videocassete
da época, e eu acredito que foi o primeiro meme coariense.
Esse foi meu primeiro texto sobre as minhas
memórias da Festa da Banana. Se você chegou até aqui,
obrigado pela leitura sobre uma Coari pacata e diferente.
Uma Coari de um tempo, que o vento levou.

Archipo Góes
3 de abril de 2022

70
Crônicas de Coari
Gregório José Maria Bene e a mudança da freguesia de
Alvelos

O
principal personagem desse texto, chama-
-se Gregório José Maria de Bene (Giovanni
Battista Morra). Religioso italiano da ordem dos
Capuchinhos, tendo o título de Frei, que vem do latim “fra-
ter” e significa “irmão”. O título de frei é dado a um cató-
lico consagrado que pertence a uma congregação e segue
suas regras e ideais. Durante o texto vamos ver sua parti-
cipação da revolta em São José do Queimado, no Espírito
Santos; sua atuação com os povos indígenas no Rio Negro
e finalmente sua participação na mudança da freguesia de
Alvellos para Coary.
Ele nasceu em 4 de junho de 1798, e chegou
à América em 1844. Quando em suas viagens ao Rio de
Janeiro, conheceu a também italiana Tereza Cristina,
Imperatriz do Brasil. Eles desenvolveram uma amizade fa-
cilitada pela língua mãe e os projetos abolicionistas com-
partilhados por ambos.

A Revolta de Queimados
A Revolta de Queimados foi o primeiro e prin-
cipal momento sobre as atividades do Frei Gregório José

71
Archipo Góes
Maria Bene no Brasil que vamos narrar. O cenário ou palco
foi a antiga região da freguesia de São José de Queimados,
hoje distrito do município de Serra, no estado do Espírito
Santo.
Na freguesia de São José de Queimados se con-
centravam uma grande quantidade de engenhos e fazendas,
em que a força de trabalho era a exploração da mão-de-o-
bra dos escravizados afro-brasileiros. A região, na época,
era considerada uma potência agrícola e econômica dos
capixabas.

Pintura do artista plástico Valter Assis (in memorian) que


retrata conversa entre o Frei Gregório e os escravos
Gregório Bene era conhecido como defensor
dos ideais de liberdade. Ele tinha interesse em construir uma
igreja na região, e teria garantido a negociação das cartas de
alforria com os donos de fazendas, em troca da construção
do templo pelos escravizados. Há outros relatos de que o
Gregório não teria garantido a alforria, e, sim, prometido

72
Crônicas de Coari
interceder junto aos fazendeiros para obter a concessão da
liberdade, e pedir a Imperatriz Tereza Cristina que colocas-
sem São José de Queimados em seus projetos de abolição
para o pagamento da indenização aos fazendeiros.
Foi encontrado nos relatos dos moradores da
época, que o Frei realmente não admitia a escravidão e que
teria estabelecido uma estreita ligação com os negros escra-
vizados, o que preocupava e contrariava quem usava a mão
de obra escrava para enriquecer.
Entre os anos de 1845 e 1849, ocorreram as
obras de construção da Igreja. No primeiro domingo de
agosto de 1845, houve o lançamento da pedra fundamental
da Igreja de São José de Queimados. A cerimônia foi coor-
denada pelo Frei Gregório Bene que fez um discurso com
objetivos de unir as forças político-econômicas e religiosas
para a construção da igreja, contudo, contando com a mão
de obra dos negros escravizados, que iniciavam seus servi-
ços, após a jornada de trabalho nas fazendas.
Algumas reuniões aconteceram e as expectati-
vas foram criadas por parte dos escravizados na esperança
das sonhadas cartas de liberdade. No dia do padroeiro São
José, 19 de março de 1849, data de inauguração da Igreja,
aproximadamente 200 escravizados foram ao evento festi-
vo. No entanto, nada do esperado aconteceu, o que provo-
cou grande decepção e revolta nos negros presentes.
O Frei Gregório José Maria Bene não assumiu
as promessas. E assim, deu-se início a grande batalha dos
negros escravizados da região. Percorrendo as fazendas e
os engenhos, exigiam as cartas de alforria antes prometidas.
A polícia militar do estado entrou em ação para
reprimir a Insurreição com o uso da força. A insurreição foi
caracterizada por muita violência, especialmente na conten-
ção, por parte da Polícia da Província, e durou 05 dias, até a

73
Archipo Góes
prisão de seu principal líder, Eliziário Rangel. Sendo que a
maioria dos escravizados foi brutalmente assassinada e seus
corpos jogados na hoje chamada “Lagoa das Almas”.
No dia 30 de maio de 1849, aconteceu o julga-
mento dos revoltosos, resultando em 05 condenados à pena
de morte, 25 condenações a açoites e 6 absolvições. Outros
05 morreram na cadeia por maus-tratos ou por doenças.
No dia 30 de maio de 1849, aconteceu o julga-
mento dos revoltosos, resultando em 05 condenados à pena
de morte, 25 condenações a açoites e 6 absolvições. Outros
05 morreram na cadeia por maus-tratos ou por doenças.

Frei Gregório Bene na Amazônia


Após o ocorrido, o frei Gregório José Maria
Bene foi transferido para o Grão Pará. No ano seguinte,
1850, o Amazonas foi elevado à categoria de Província,
acontecendo a sua tão esperada emancipação política.
Para amenizar a situação nas localidades iso-
ladas no interior do Amazonas, o presidente da província,
João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha, investiu na
vinda de missionários, inicialmente da província do Pará.
Vieram no primeiro momento, o Frei Carmelita José dos
Santos Inocentes e o Frei Capuchinho Gregório José Maria
de Bene.
Em 11 de fevereiro de 1852, a presidência da
província criou a Missão dos rios Uaupés e Isana (afluen-
tes do Rio Negro), confiando-a ao capuchinho italiano
Gregório José Maria Bene. Na constituição das aldeias, Frei
Gregório contou com o apoio de várias lideranças indígenas
ou Tuxauas. Morava na sua pequena cabana isolada, que
ficava numa ilhota do rio. Frei Gregório fundou 13 aldeias
no rio Uaupés, uma no Papurí e outra no Tiquié. A popula-
ção missionária era de 2.286 indivíduos e 163 casas habita-

74
Crônicas de Coari
das e os habitantes pertenciam às etnias Chucuana, Tukano,
Tariano, Juruá, Cainatary, Ananá (wanano), Cubeo, Bejú e
Piratapuyo.
No ano de 1854, o agora Padre Gregório esta-
va com 56 anos e foi quando pediu sua exoneração, sendo
transferido para o rio Solimões, na freguesia de Alvellos
(Coary). Sua aposentadoria marcou o início do declínio das
missões capuchinhas, que até então contavam com apenas
03 missionários no Amazonas. No dia 1 de agosto de 1854,
o Presidente da Província nomeia o Frei Gregório José
Maria Bene a exercer as funções de Vigário na Freguesia de
Alvellos no município de Coary, que foi separado de Tefé
(Ega) em 1848.

Freguesia de Alvelos
Em 1854, João Wilkens de Matos trouxe novas
informações sobre a freguesia de Alvellos em seu Roteiro
de Viagem:
“Já não havia mais índios bravos. Atualmente
não habita horda alguma gentílica nos rios Coary, Urucu
e Aruan, segundo informações de pessoas acostumadas a
navegá-los para colherem castanhas de que muito abundam
as suas margens. A freguesia de Alvellos incluía em seus
domínios doze casas de palha, e uma população de 1.100
habitantes, dos quais, mais de dois terços habitavam em sí-
tios longe da sede”.
“A posição em que está este Povoado não ofe-

75
Archipo Góes
rece proporções para o seu desenvolvimento; é açoitada de
ventanias fortes, o solo é árido e a distância em que está da
foz do rio dificulta o acesso, principalmente no tempo da
seca, por haver uma cachoeira (corredeira) na parte mais
estreita da baía, que só permite passagem a montarias”.
“Os habitantes de Alvellos estavam desejosos
de criar outro povoado junto da foz do rio Coari, onde ofe-
rece outras proporções a sua prosperidade que não a atual
situação. Em virtude de representação dos próprios mora-
dores, foi a Presidência da Província autorizada por uma
Lei Provincial promulgada em 30 de setembro de 1854 a
transferir a Matriz da Freguesia para o lugar designado pela
mesma Presidência, junto a foz do rio Coary, justamente
aquele que se assenta hoje a cidade”.
O vigário, Gregório José Maria Bene mudou-se
com os sinos da igreja, que se desmantelou, trouxe os seus
poucos paramentos, engenhou uma capela na nova locali-
dade (Coari Novo), e veio acompanhado de alguns de seus
fregueses, que ou não tinham interesses enraizados na an-
tiga povoação, ou compreenderam melhor as vantagens da
mudança projetada e só em parte realizada.
A história perdoou Gregório Bene sobre a re-
volta de queimados, e ele veio finalizar sua vida trabalhan-
do como missionário no Amazonas, fazendo a mudança da
freguesia de Alvellos para a atual cidade de Coari.

Archipo Góes
3 de janeiro de 2023

76
Crônicas de Coari
Centenário de Dom Mário

R
obert Emmett Anglim nasceu no dia 04 de março
de 1922, em Lombard, uma vila localizada na área
metropolitana de Chicago, Illinois, EUA, quinto dos
noves filhos de Rosanna Purcell e Francis Michael Anglim.
Foi educado no Seminário Menor dos
Redentoristas, St. Joseph’s College, em Kirkwood, Missouri.
Fez o noviciado em De Soto, naquele mesmo estado, onde
professou na dita ordem, em 2 de agosto de 1942.

Dom Mário
Completou os estudos de filosofia e teologia
no Seminário da Imaculada Conceição em Oconomowoc,

77
Archipo Góes
Wisconsin, sendo ordenado sacerdote em 6 de janeiro
de 1948, pelas mãos do arcebispo Moses Elias Kiley, da
Arquidiocese de Milwaukee.
Em fevereiro de 1949, logo depois de ordenado,
viajou para o Brasil e trabalhou na paróquia de N.S.P. do
Socorro em Belém. No Pará, o então Pe. Robert Anglim
adotou o nome de Mário Anglim em homenagem ao arce-
bispo de Belém, Dom Mário Miranda Villas-Boas.
De junho de 1953 a janeiro de 1959, foi vi-
gário da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, em Manaus,
Amazonas. De lá, foi transferido para Coari, onde foi vi-
gário da Paróquia Sant’Ana e São Sebastião, até janeiro de
1962, quando foi nomeado superior vice provincial dos re-
dentoristas da Amazônia.
Em 25 de abril de 1964, o Papa Paulo VI o es-
colheu prelado da recém-criada Prelazia de Coari.
No dia 22 de janeiro de 1968, Dom Mário natu-
ralizou-se brasileiro.
Dom Mário atendeu às terceira e quarta sessões
do Concílio Vaticano II e foi responsável por iniciar as re-
formas do concílio na prelazia.
Em 2 de maio de 1970, foi nomeado adminis-
trador apostólico da Prelazia de Lábrea, vaga com a morte
de Dom José del Perpetuo Socorro Alvarez Mácua, OAR.
Permaneceu nesta função por um pouco mais
de um ano, até 7 de junho de 1971, com a chegada de seu
sucessor.
Durante os sete anos que serviu como prelado,
D. Mário trabalhou para trazer melhorias para sua prela-
zia. Sempre que viajava ao interior, levava consigo, além
de catequistas, um grupo de enfermeiros e de assistentes
sociais. Construiu centros de treinamento para educação
de adultos do meio rural. Foi membro da Associação de

78
Crônicas de Coari
Crédito e Assistência Rural do Amazonas (ACAR/AM) e
do Movimento de Educação de Base.
O bispo Dom Mário Roberto Anglim, prelado
de Coari, faleceu no dia 13 de abril de 1973 em Manaus,
vítima de um ataque cardíaco.
Ele faleceu às 7h30min, no porto de Manaus,
onde acabara de chegar do rio Solimões. Seu corpo foi
velado durante toda a tarde do mesmo dia, na igreja de
Aparecida, onde foi vigário durante algum tempo, e onde
recebeu visitas do povo e das autoridades do Estado. Depois
da missa de corpo presente, realizada às 19h30min, o corpo
foi levado para Coari, onde foi sepultado no piso do altar da
Catedral Prelatícia de Santana e São Sebastião.

Archipo Góes
04 de março de 2022.

79
Archipo Góes
A Primeira Igreja Batista de Coari

A
Primeira Igreja Batista de Coari começou a ser con-
cebida no final da década de 20 do século XX por
reuniões com intuito de preparar os grupos para fun-
damentar a sua criação. Contudo, ela só foi organizada efe-
tivamente como igreja em 24 de novembro de 1932 pelos
membros vindos da Igreja Batista que existia na comunida-
de da Boa Fé, no Rio Copeá e outros.
Um marco para o desenvolvimento da Primeira
Igreja Batista de Coari foi a chegada de Codajás de seu pri-
meiro dirigente, o Pastor Júlio Martins Braga.
Em 1945, sob organização dos membros da
Primeira Igreja Batista de Coari, e na liderança do Pastor
Alberico Antunes de Oliveira foi fundado o Instituto
Bereano de Coari, localizado na rua Ruy Barbosa, em plena
ocorrência da 2ª Guerra Mundial.
A Primeira Igreja Batista de Coari acompanha
diretamente a trajetória histórica do município de Coari
desde 1932 e foi a primeira Igreja Evangélica fundada no
município de Coari.
O templo da Primeira Igreja Batista de Coari,
tem arquitetura inspirada nos templos Batistas dos Estados
Unidos. Foi construído sob a liderança do Pr Miguel

80
Crônicas de Coari
Horvath e inaugurado na data de 24 de novembro de 1960.
Está localizado na rua Gonçalves Ledo, n. 199, no centro da
cidade de Coari.

Templo da 1ª Igreja Batista de Coari

Segundo Raimundo Parente:


“A Primeira Igreja Batista de Coari é uma igreja
tradicional, histórica e conservadora. É filiada à Convenção
Batista Brasileira, Convenção Batista do Amazonas e
Associação das Igrejas Batistas do Médio Solimões. Tem
a Bíblia como única regra de fé, conduta e a Declaração
Doutrinária da Convenção Batista Brasileira”.
“Atualmente a Primeira Igreja Batista de Coari
tem como Pastor o Pr. Jorge Marins de Lira e tem como
pastores auxiliares o Pr. Cláudio Ricardo de Oliveira Lima
e o Pr. Natalino Pereira de Souza Filho, todos eles nascidos
em Coari. Foi recentemente criada mais 3 igrejas Batistas
em Coari: Igreja Batista Água Viva, no bairro de Santa

81
Archipo Góes
Efigênia, Igreja Batista Monte Horebe, no bairro do Urucu
e Igreja Batista Príncipe da Paz, no bairro do Pera I.
Existe ainda, mais três congregações na cida-
de, situadas nos bairros de Grande Vitória, Ciganópolis e
Vila Lourenço; e na zona rural do município existem seis
congregações”.

Líderes históricos

O senhor Enedino Monteiro da Silva, 1º Prefeito


de denominação evangélica de Coari (1973), foi enviado
pela Primeira Igreja Batista de Manaus para ser evangelista
aqui em nossa cidade, com sua esposa Alda Bráule Pinto
Monteiro e Maria Elizabeth Silva Bastos Rodrigues, esposa
do senhor Dimas Teles Rodrigues. Eles ajudaram na funda-
ção do Bereano. Dimas Teles Rodrigues atuou na Primeira
Igreja Batista de Coari por mais de 50 anos com sua esposa,
sempre como diácono e presidente.

Archipo Góes
17 de janeiro de 2022.

82
Crônicas de Coari
Professor Góes — 50 anos de dedicação a Coary

D
issertaremos sobre uma das principais personalida-
de de Coari no âmbito da educação, saúde, judiciá-
rio e história. Benedicto Edelberto de Góes, nasceu
em São Luís no Maranhão em 25 de fevereiro de 1862, na
segunda metade do século XIX.

Professor Góes
Para ingressar nas instituições de ensino supe-
rior na segunda metade do século XIX era necessária a
aprovação dos estudantes nos Exames Gerais de
Preparatórios, e o professor Góes fez seus exames em 2 de
outubro de 1873.

83
Archipo Góes
No dia 23 de maio de 1884, Benedicto Edelberto
de Góes deixou o cargo de procurador da Câmara Municipal
de São Luís e foi nomeado Despachante Geral da Alfândega,
na vaga deixada pelo Sr. João Nepomuceno Hermes de
Araújo, que se retira para a província do Amazonas.
Deu entrada na guarda da Primeira Companhia
da Guarda Nacional1 [1] do Maranhão, e em 3 de junho de
1885 foi promovido de guarda a Alferes (Antigo posto mi-
litar, equivalente a segundo-tenente) na vaga de Arthur de
Oliveira Almeida.
Em 11 de maio de 1887, o professor Góes viveu
um dia que mudou totalmente suas perspectivas de vida.
Faleceu sua genitora, Maria Bemvinda da Glória Góes, e a
partir dessa perda, ele resolveu deixar o Maranhão e tentar
uma nova vida no Amazonas, que estava em pleno desen-
volvimento no primeiro ciclo da borracha.
No dia 19 de janeiro de 1989, o professor Góes
dá início à sua jornada na província do Amazonas quando
foi nomeado Promotor Público da Comarca de Itacoatiara.
Ele fez o concurso público para professor do
estado do Amazonas e tomou posse no dia 9 de janeiro de
1891. Foi transferido em junho de 1893 para Coari, onde
exerceu a função de professor, trabalhando apenas com o
público masculino. Tornou-se intendente municipal (verea-
dor) e no ano de 1895 renunciou ao cargo. Contudo, durante
toda sua vida em Coari, foi reeleito intendente por várias
1 O império não poderia confiar inteiramente no Exército que
tinha suas próprias ideias políticas. Optou-se por criar uma força arma-
da formada pela elite, a Guarda Nacional. Seus membros eram todos
os cidadãos com direito a voto e assim obteriam a dispensa de servir
ao Exército. No entanto, não recebiam pagamento e eram responsáveis
pelo próprio uniforme. O governo tinha a incumbência de fornecer ar-
mas e instrução. A maior patente que um civil poderia alcançar era a
de Coronel e o título ficou reservado aos grandes proprietários de cada
região. Desta maneira, gerou o fenômeno do “coronelismo” que tanto
marcou a política brasileira.

84
Crônicas de Coari
vezes e chegou a ser Superintendente Municipal interino
(Prefeito).
No ano de 1895, o professor Góes exerceu o
cargo de Juiz Municipal interinamente por vacância do car-
go, e estando ocupando o cargo de superintendente, poderia
exercer a função. Em seguida, voltou a ser intendente (ve-
reador) em 1896.
No dia 8 de março de 1900 iniciou na Loja
Maçônica Esperança e Porvir, de Manaus, a primeira Loja
Maçônica do Amazonas. Ele colou grau de Companheiro
no dia 19 de maio de 1900.
Em 1906 tomou posse no governo municipal de
Coary o coronel Ricardo Vicente Cluny. Durante sua admi-
nistração, por várias vezes, foi substituído pelo professor
Benedito Edelberto Góes. Ele permaneceu como intendente
e professor até o ano de 1907, e a partir de 1908 até 1923,
exerceu transitoriamente apenas o cargo de professor.
No ano de 1895, o professor Góes exerceu o
cargo de Juiz Municipal interinamente por vacância do car-
go, e estando ocupando o cargo de superintendente, poderia
exercer a função. Em seguida, voltou a ser intendente (ve-
reador) em 1896.
No dia 8 de março de 1900 iniciou na Loja
Maçônica Esperança e Porvir, de Manaus, a primeira Loja
Maçônica do Amazonas. Ele colou grau de Companheiro
no dia 19 de maio de 1900.
Em 1906 tomou posse no governo municipal de
Coary o coronel Ricardo Vicente Cluny. Durante sua admi-
nistração, por várias vezes, foi substituído pelo professor
Benedito Edelberto Góes. Ele permaneceu como intendente
e professor até o ano de 1907, e a partir de 1908 até 1923,
exerceu transitoriamente apenas o cargo de professor.
Em 11 de dezembro de 1917, Benedicto

85
Archipo Góes
Edelberto Góes ficou encarregado da estação meteorológi-
ca de Coary e requereu da Delegacia Fiscal a entrega da
verba, que foi disposta pelo diretor da despesa pública para
fazer grande melhoria na estação da cidade.
J. F. FERRAZ em 1921 na sua obra “Através do
Amazonas”, descreveu a atuação do Professor Góes na área
de Saúde em Coari:
“Os principais males, que afetam a saúde da po-
pulação, são as feridas bravas, a verminose, o paludismo e
as febres catarrais. No entanto, não existe ali nenhum médi-
co, tampouco farmácia. Nos transes mais dolorosos, os do-
entes são amparados pelo farmacêutico Benedito Edelberto
de Góes, que, valendo-se de seus preparados medicinais
e de outros remédios adquiridos com grandes sacrifícios,
não tem poupado esforços em combater as enfermidades,
livrando muitos infelizes das garras da fatalidade”.
“Ultimamente, esse abnegado descobriu um
unguento de grande eficácia no combate as feridas bravas,
assim como um colírio de efeitos positivos no tratamento
de moléstias dos olhos”.
“Na falta de produtos farmacêuticos, o pro-
fessor Edelberto recorre aos remédios homeopáticos e até
mesmo as dosagens caseiras, aplicando continuamente co-
zimentos de ogervão como soporífico pronto e seguro no
tratamento de defluxos e cozimento de alfavaca como pa-
liativo as bronquites e febres catarrais”.
“Não exige nenhum recurso pecuniário (paga-
mento em dinheiro) dos seus clientes e contenta-se em viver
naquela vila com sua família quase à míngua, envergonha-
do da sua pobreza, mas sempre orgulhosos do seu caráter de
homem honesto e laborioso”.
O Professor Góes foi casado Com Estephânia
de Senna Marinho Góes, nascida na cidade de Tefé, no dia

86
Crônicas de Coari
30 de abril de 1872. Durante a vida que compartilharam e
tiveram 9 filhos. Ela faleceu em Coari com 51 anos, no dia
24 de novembro de 1923.
Em 1926, Oswaldo Cruz visita à Vila de Coary
e conversou com o Professor Góes sobre a realidade do lo-
cal e da região da calha do Solimões para subsidiar o seu fa-
moso relatório sobre a região, a malária e a imigração japo-
nesa, em que Benedicto se mostrou contrário a imigração.
A partir de 1924 até 1929, além de professor,
ele foi nomeado para Juiz Adjunto de Coari. Foi casado com
Estephânia de Góes e geraram a seguinte prole: Guiomar,
Adylles, Antônia, Ruth, Flávio, Eliezer, Elisabeth, Judith
e Archipo. Eliezer Edelberto de Góes foi eleito intendente
(vereador) em 1930.
Em 21 junho de 1931, foi fundada e instalada a
Loja Fraternidade Maçônica Coariense e o Professor Góes
fez parte da assembleia de inauguração. No funcionamento
de uma loja há encarregados para diversos fins, dessa for-
ma, aconteceu uma eleição, e ele foi escolhido para o cargo
de Orador.
Há registro no Diário Oficial do Estado do
Amazonas que até 1939, o professor Góes ainda estava tra-
balhando como professor em Coari.

Archipo Góes
Coari-AM, 7 de janeiro de 2022

87
Archipo Góes
História da Catedral de Coari

E
m 1910, o município de Coary possuía uma Comarca1
e os seus 05 distritos: A vila de Coary, o distrito do
Barro Alto, distrito de Camará, distrito de Itapéua e
distrito de Piorini. A população no final da primeira década
do século XX era de 11.000 mil habitantes e 295 eleitores2.
A Superintendência Municipal (Prefeitura) era presidida
pelo Coronel Lucas de Oliveira Pinheiro.
A atual igreja matriz de Coari foi inaugurada
em 1910 pelo Padre Víctor Merino, que trabalhou em Coari
entre os anos de 1906 a 1910. Ela possui estilo arquitetôni-
co espanhol e na época possuía apenas a nave central.
Em 13 de julho de 1963, foi erigida a Prelazia
de Coari pelo Papa Paulo VI através da Bula Ad Christi.
Contudo, a prelazia só foi instalada em 11 de março de
1964 numa celebração feita pelo bispo de Manaus, Dom
João de Souza Lima, que entregou a prelazia aos missioná-
rios Redentoristas que já atuavam nessa região e também
em Codajás e Manacapuru. O primeiro bispo prelatício foi
o americano, Dom Mário Robert Emmet Anglim, que foi

1 Corresponde ao território onde o juiz de primeiro grau irá


exercer sua jurisdição e pode abranger um ou mais municípios.
2 Nessa época só votavam homens alfabetizados com mais de
21 anos e que comprovassem posse, os religiosos e os militares).

88
Crônicas de Coari
escolhido no dia 25 de abril de 1964 também pelo Papa
Paulo VI.

Igreja Matriz de São Sebastião e Santana

Início da obra de ampliação da igreja de Coari

O Pe. Alyrio Lima dos Santos (Padre Lima


— 19/12/1931 a 12/07/1913)
missionou o evangelho em
Coari entre 1958 e 1962, após
isso, viajou para fazer um cur-
so de direito canônico e alguns
pequenos cursos de arquite-
tura em viagem a Roma ente
os anos de 1962 a 1964. Ao
voltar ao Amazonas em 1964,
foi designado pelo bispo Dom
Mário para ser seu vigário ge- Pe. Alyrio Lima dos Santos
ral e diretor da direção da Rádio
Educação Rural de Coari. Contudo, sua mais difícil e ou-
sada missão, foi projetar e coordenar a ampliação da igreja
matriz da Paróquia de Coari, sede da prelazia, sendo cons-

89
Archipo Góes
truída 02 naves laterais e dando esse aspecto suntuoso e
imponente a edificação.
Pe. Lima explicava aos paroquianos que in-
dependentemente de onde você estivesse, na nave central,
nave direita ou esquerda, poderiam assistir à celebração do
padre sem empecilhos. Deu-se início às obras e a partir da-
quele momento, as missas, batizados, casamentos etc, fo-
ram realizados no prédio da paróquia, que mais tarde, seria
conhecido como Centro Dom Mário.

Projeto de Ampliação da Catedral


Sagração da Catedral de Coari
Era uma segunda-feira, dia 26 de julho de 1971,
data essa, que também inicia os festejos de Sant’Ana, glo-
riosa padroeira de Coari e cujas solenidades foi ponto alto
a grandiosa cerimônia de sagração da Catedral Prelatícia de
Coari. A antiga sede paroquial, dedicada a São Sebastião e
a Sant´Ana conjuntamente, foi inteiramente remodelada e
ampliada, tornando-se um belo e grandioso templo que é
uma afirmação de fé do povo coariense, tanto como clássica
dedicação e zelo dos padres Redentoristas.
A convite do primeiro Bispo Prelado de Coari,

90
Crônicas de Coari
Dom Mário, o arcebispo metropolitano Dom João de Sousa
Lima chegou à cidade de Coari no avião particular da pre-
lazia para participar da grandiosa cerimônia e fez uma reco-
mendação ao povo de Coari:

Ampliação da Catedral de Coari

E falando de Igreja Catedral, não resistimos


ao estímulo do próprio assunto para registrar um augúrio
de caráter cultural religioso. É este: oxalá os católicos da
Prelazia de Coari honrem imediatamente a sua cultura re-
ligiosa habituando se a designar a sua principal igreja com
o título que ela merece, de Catedral! Catedral Prelatícia,
pois lá estará a CÁTEDRA de onde o Bispo ensinará a dou-
trina cristã contida na Escritura Sagrada e sobretudo nos
Evangelhos. E não adquiram o costume sem qualificativo
do povo de Manaus, quase na sua maioria que teima em
diminuir a sua Catedral Metropolitana chamando de matriz
simplesmente.
A Catedral de Coari foi assim revitalizada na
gestão de Dom Mario Robert Emmet Anglin, bispo da pre-
lazia de Coari e destaca-se por possuir a torre mais alta das
igrejas do Solimões.

91
Archipo Góes

Ampliação da Catedral de Coari

Moção de Júbilo

Em Coari, sede da Prelazia do mesmo nome,


o povo vive, hoje, um dos maiores dias do seu calendá-
rio religioso. A antiga matriz paroquial de Santana e São
Sebastião, hoje será sagrada Catedral Prelatícia, durante
as festividades da gloriosa Padroeira. Do Cônego Walter
Gonçalves Nogueira, um dos poucos sacerdotes coarienses,
ao Exmo. Sr. Dom Mário Roberto Emett Anglin, Prelado de
Coari, recebeu a Moção de Júbilo que ora transcrevemos.

“Excelentíssimo Senhor Bispo


Por ocasião da festa de Santana, gloriosa
Padroeira de Coari, e quando se consagra a sua Catedral
Prelatícia, o último dos filhos dessa terra em importância e o
primeiro em ufania, felicita jubilosamente Vossa Excelência
e, na sua pessoa, todo o Revmo. Clero e Religiosas da
Prelazia de Coari, assim como o povo generoso e bom ao
qual se associa com honra e alegria, nesta hora refulgente.

92
Crônicas de Coari
Queira abençoar-me, em Cristo Jesus.
Mui respeitosamente,
Cônego Walter G. Nogueira.”

Archipo Góes
20 de dezembro de 2021.

93
Archipo Góes
Avião mergulhou no lago de Coari matando o piloto

N
o dia 12 de abril de 1971, o avião monomotor de
prefixo PT-DKC, pertencente aos padres redento-
ristas da Prelazia de Coari, mergulhou pela manhã
nas águas do Lago de Coari, provocando a morte do seu pi-
loto José Edno Rios Gomes e deixando gravemente ferido o
passageiro José Arnaud Sales, gerente do Banco do Estado
do Amazonas, agência local.
As primeiras notícias dão conta de que o piloto,
na tentativa de desviar de uma canoa que surgiu no mo-
mento de aquatizar, provocou descontrole da aeronave, que
adernou mergulhando posteriormente nas águas do Lago de
Coari. José Edno Rios Gomes, ficou engatado no cinto de
segurança, acompanhando toda a trajetória do monomotor,
enquanto José Arnaud Sales, conseguindo se soltar foi re-
tirado das águas em estado de coma, sendo internado no
Hospital da SUSEMI existente na cidade de Coari.

O Voo
O monomotor de prefixo PT-DKC saiu as 9h do
dia 12 de abril de 1971, de Manaus às 9 30 horas de ontem,
levando em seu bojo além do piloto José Edno Rios Gomes,
o gerente da agência do Banco do Estado do Amazonas
(BEA), em Coari, que passou o fim de semana na capital.

94
Crônicas de Coari
No exato momento em que tentava pousar o hi-
droavião, surgiu segundo as primeiras notícias chegadas a
Manaus, uma canoa. O piloto José Edno Rios Gomes ao
tentar desviar da pequena embarcação, provocou o dese-
quilíbrio do monomotor, tendo este adernado, mergulhando
posteriormente sob as águas do Lago de Coari. José Edno
Rios Gomes, engatado no cinto de segurança e em virtude
do esforço que dispendeu na tentativa de corrigir a posição
do avião, não teve tempo de fugir, enquanto o seu compa-
nheiro de viagem, José Arnaud Sales, em virtude do violen-
to impacto, era depois socorrido por populares, em estado
de coma, gravemente ferido.

O avião monomotor de prefixo PT-DKC,


pertencente aos padres redentoristas da Prelazia de Coari

Socorro
Pessoas que se encontravam nas proximida-
des do local onde o pequeno avião costumava fazer pouso,
avistaram com espanto quando o monomotor de prefixo PT-
DKC perdia o controle do rumo de voo, para depois mer-

95
Archipo Góes
gulhar nas águas do Lago de Coari. Imediatamente, várias
pessoas, com o auxílio de canoas, rumavam para o local,
retirando o gerente do Banco do Estado do Amazonas,
agência de Coari, que foi imediatamente içado e, quarenta
minutos após o piloto José Edno Rios Gomes era retirado
do interior do seu avião com ferimentos e já sem vida.
O corpo do jovem piloto foi transportado para a
sua residência em Manaus, na rua 31 de Janeiro, no Morro
da Liberdade. Assim como o gerente do BEA, José Arnaud
Sales, foi transportado para tratamento em Manaus, uma
vez que em permanecia em coma.

O Piloto
José Edno Rios Gomes, nascido em Manacapuru,
tinha 29 anos, 4 dos quais trabalhando para a Prelazia de
Coari como piloto, profissão que sempre sonhara em se rea-
lizar. Era filho de Maria Reis Gomes e Raimundo Gomes da
Silva, funcionário do Ministério da Agricultura. Concluiu o
curso técnico na Escola Técnica Federal do Amazonas, para
depois empenhar-se na carreira dos seus sonhos: ser piloto.
Em 1965 viajou a São Paulo onde foi licencia-
do por uma Escola de Aviação, retornando a Manaus onde
passou a trabalhar para a Prelazia de Coari, dos padres
Redentoristas, realizando diariamente voos aquele municí-
pio em desobriga profissional.
José Edno Rios Gomes, no dia 2 de março úl-
timo, realizara mais um sonho de sua vida. Contraiu matri-
mônio com a jovem universitária, estudante de 29 anos da
Faculdade de Odontologia, Vera Lúcia Abugoste Gomes, a
quem conhecera há dois anos e nove meses, período em que
faziam planos para unirem-se pelo matrimônio que se rea-
lizou no mês passado. Na manhã de ontem, José Edno Rios
Gomes acordara bem cedo, dizendo que iria transportar

96
Crônicas de Coari
duas pessoas que pretendiam ir a Coari, o gerente do BEA,
José Arnaud Sales e o comerciante Galdino B. Guedes re-
sidente na rua Belém, 407 que desistiu da viagem minutos
antes de ela se realizar.
Antes de se dirigir ao Aeroporto, José Edno,
como de costume, levou a esposa Vera Luzia para a esco-
la, dizendo que voltaria ainda ontem, pois teria de resolver
uma série de problema…, em que se incluía a reserva de
passagens em uma agência de viagens para sua irmã Rosa
Maria Gomes, que deverá chegar a Manaus nos últimos dias
deste mês procedente de São Paulo. Iriam segundo ficou
acertado, fazer compras no mercado. As primeiras horas da
tarde de ontem, entretanto, Vera Lúcia recebia a triste notí-
cia: o avião pilotado por seu marido mergulhava no Lago de
Coari, provocando-lhe a morte.
Vera Lúcia Gomes dizia que sempre que José
Edno Rios Gomes realizava uma viagem, ela lhe dizia:
“amor toda vez que fazes uma viagem eu tenho a sensação
de que você vai “morrer”, pelo que ele acalentava: “você
não entende de aviação”.
José Edno Rios Gomes, no ano de 1968 esteve
na Califórnia. Estados Unidos, onde fez um curso de aper-
feiçoamento de aviação e conduziu o avião de prefixo PT-
DKC que fora adquirido nos Estados Unidos pelos padres
redentoristas, no interior do qual ele morreu.

Depoimento in loco de Seresta (Francisco Oliveira


e Silva) sobre o acidente do avião do bispo Dom
Mário no lago de Coari.
— Eu estava no flutuante Texaco, que é até
hoje, o comércio de venda de combustíveis de nossa famí-
lia. Junto comigo estava um funcionário que chamávamos
de Cabo Rural, pois ele era parecido com o famoso militar

97
Archipo Góes
que vivia em Coari.
— Quando o avião chegava, tradicionalmente
dava uma primeira volta para verificar se não havia nenhum
obstáculo (canoa, barco, tronco). Quando eu ouvi o barulho
do avião, saí para assistir, pois naquele tempo tudo era no-
vidade, a gente quase não avistava avião em Coari. Mas, ao
vê-lo, eu percebi algo diferente. Uma roda do trem de pouso
estava baixada. Era comum que quando o avião chegava, as
duas rodas estavam recolhidas.
— Infelizmente, naquele dia uma roda estava
recolhida e a outra estava baixada. Ao perceber isso, achei
muito estranho, pois ao sair do aeroporto, esse hidroavião
usava o trem de pouso para a decolagem, mas para aquati-
zar (amerissar) não há necessidade do uso das rodas e sim
dos flutuadores.
— Na segunda volta, o hidroavião veio para fa-
zer o pouso aquatizando (amerissagem), porém, ao tocar
nas águas do lago de Coari, a roda fez o avião tombar para
ao lado, justamente onde a mesma estava baixada, ficando
de cabeça para baixo, com uma parte da aeronave imersa
sob as águas.
Seresta chamou o seu funcionário, pegaram
uma canoa e foram rapidamente ao encontro do avião. Os
dois remaram velozmente e ao chegarem no local, Seresta
conseguiu abrir a porta do avião e o gerente do BEA (Banco
do Estado do Amazonas) conseguiu sair e passar para a
canoa.
Seresta perguntou pelo piloto Rios, e José res-
pondeu que estava pegando a sua pasta de documento do
banco. Mas, Seresta observou que o piloto Rios não estava
consciente. E neste exato momento o avião se movimentou,
batendo a porta e descendo mais fundo no lago.
Seresta mergulhou e tentou abrir a porta nova-

98
Crônicas de Coari
mente para salvar o piloto Rios, porém não conseguiu. Foi
quando veio um pensamento em sua mente: — E se o avião
explodir? — Então resolveu subir e voltar para a canoa.
Foi quando chegou mais pessoas em outras
embarcações para ajudar. Seresta relatou também que mais
tarde quando o avião foi arrastado para terra, e os primeiros
socorros começaram a ser prestados, viu uma grande marca
roxa no peito do piloto Rios provavelmente causada pelo
manche do avião e poderia ser o motivo dele está incons-
ciente na hora do acidente.
Archipo Góes
Coari-AM, 15 de outubro de 2022

99
Archipo Góes
O Acidente do avião PT-BUK em Coari

O
fato que começaremos a relatar aconteceu no dia 25
de novembro de 1962. Era domingo às 16h e havia
uma partida de futebol sendo disputada no pequeno
campo de futebol em frente da cidade (hoje seria o mercado
municipal Clemente Vieira).
Um pequeno avião com prefixo PT-BUK, co-
meçou a fazer voos rasantes pela cidade, chamando atenção
de grande parte da população, pois era bem diferente dos
aviões Catalinas da Panair que, por anos, costumavam fazer
pouso no lago de Coari aquatizando até parar na frente do
sobradinho dos Dantas.

O Acidente do Avião PT-BUK

Era no período da estiagem e a praia da frente

100
Crônicas de Coari
da cidade estava totalmente exposta. A tripulação do avião
jogou dezenas de papéis com mensagens na praia e no cam-
po de futebol. Algumas pessoas pegaram os papéis para ler,
e nos bilhetes a tripulação solicitava desesperadamente que
pelo amor de Deus, saíssem do campo, pois estavam com
problema na aeronave e precisavam pousar. As pessoas que
se encontravam no local foram conscientes e saíram da área
central do campo, aguardando o que poderia acontecer.
O avião fez várias voltas para acabar o querose-
ne do tanque. E depois de um tempo ele começou a descida
para o pouso definido. O público ficou assistindo à cena em
um silêncio temeroso. O avião desceu na ponta da praia da
frente da cidade, bateu com as rodas pela primeira vez. E
logo adiante, surge uma vaca andando vagarosamente na
trajetória de pouso do avião, e assim, fazendo o avião le-
vantar um pouco e desviar da mesma.
No final da praia, o piloto fez uma curva fora
do comum e virou em sentido perpendicular, em direção
ao campo de futebol, fez outra pequena subida com o avião
para não bater na primeira trave do campo. Na sequência,
a aeronave percorreu todo o campo freando os pneus, ras-
gando a grama de fundo a fundo, e foi nesse momento que
um tripulante se jogou no meio do campo, enquanto o avião
seguia até a segunda trave.
Na sequência, a aeronave deu uma pequena gui-
nada para a direita para desviar da segunda trave. Porém,
com isso, bateu em 02 vigas de madeiras gigantes, que o Pe.
Marcos e o Chico Doido estavam guardando para ajudar a
compor a ponte que atravessaria o igarapé do Espírito Santo
(ligaria o Centro ao bairro de Chagas Aguiar). Com isso, o
avião PT-BUK acelerou para frente, atingindo a casa (de al-
venaria) do Sr. Miguel Simão, na parte de trás e na cerca do
quintal, libertando algumas galinhas que foram em direção
à região da Matinha.

101
Archipo Góes
Quando o avião bateu na casa e finalmente pa-
rou, subitamente começou a lançar muita fumaça. O tripu-
lante, que havia pulado no meio do campo, gritava apavo-
radamente: — pelo amor de Deus, onde estamos? Estamos
no Brasil?
A aeronave continuava fumaçando e foi quando
a população começou a se aproximar. Alguém começou a
gritar: — Vai explodir! — e todos começaram a correr se
afastando da região do acidente.
E foi nesse momento que surge alguém com
grande atitude heroica, o saudoso Pe. Marcos, que enrola
a sua batina, adentra na aeronave e sai com três tripulantes
e com o piloto desmaiado. Com o fato, a população vibra
e aplaude a cena teatral. A partir daquele momento, foi só
festa. O avião PT-BUK passou a ser ponto turístico, local
para as misses e os jovens tirarem fotos, até ser embarcado
e levado por balsa para Manaus.
Dias mais tarde, a tripulação do avião PT-BUK
foi entrevistada pela “A Voz Coariense”, um serviço de al-
to-falante da cidade. Na oportunidade explicaram que, por
problemas na bússola, perderam a rota. Como estavam com
pouco combustível, já haviam decidido pousar na selva,
mas quando avistaram longe, no meio do grande verde,
uma área avermelhada, foram naquela direção. Eles haviam
avistado as nossas Barreiras. Foram averiguar e chegaram a
Coari. A tripulação agradeceu ao Pe. Marcos e ao povo de
Coari.
Archipo Góes
30 de novembro de 2021

102
Crônicas de Coari
Coari: avião cortou a cabeça de dois homens

E
dvan Matos Cavalcante (Funcionário da
Celetramazon, casado, pai de um filho de três meses)
e Pedro Antônio da Cruz (casado, verdureiro, pai de
seis filhos), ambos residentes nesta cidade, tiveram morte
horrível, no dia 17 de setembro de 1971, às 11h30min, no
porto de Coari, ao serem violentamente atingidos por uma
hélice de um Catalina da Força Aérea Brasileira, no mo-
mento em que ambos se aproximavam do aparelho, numa
canoa, conduzindo diversos passageiros que iam embarcar
com destino a Manaus.

MORTE
Edvan, como colaborador, era encarregado de
entregar ao comandante do avião a lista de passageiros,
elaborada, também, espontaneamente, pela Srta. Margareth
Mesquita, funcionária da Prefeitura de Coari e Pedro
Antônio, por sua vez, ajudava no transporte, de canoa, de
terra para o avião e vice-versa, dos passageiros. Essa mis-
são seria cumprida regularmente, ontem, não fosse a fata-
lidade. Quando o Catalina amerissou, os dois puseram os
passageiros na canoa e remaram ao encontro do aparelho,
que ainda mantinha em funcionamento, sem muita veloci-
dade, as suas duas hélices. Edvan e Pedro Antônio já faziam

103
Archipo Góes
aquilo com muita perícia, de modo que não existiam obstá-
culos na abordagem, mesmo quando o banzeiro é forte e faz
o avião mexer-se à flor d’água.

Avião Catalina no lago de Coari

Quando a porta do Catalina se abriu, a canoa foi


certamente empurrada por alguma onda para a frente. A hé-
lice do lado direito, subitamente, atingiu em cheio de uma
só vez, a cabeça de Edvan e Pedro Antônio, jogando ao rio.
O golpe foi de cima para baixo, bem no meio
do couro cabeludo, evitando, por certo, fossem ambos deca-
pitados. A médica Edna Guerra, esposa do médico Guerra,
diretor do hospital da SUSEMI, que também estavam den-
tro da canoa, escapou milagrosamente de morrer, pois se
achava bem ao lado de Edvan. Quando este recebeu o golpe
mortal e foi cuspido para dentro do rio, bateu na médica,
tirando-a do perigo. Mesmo assim ela caiu, recuperando-se
horas depois do tremendo choque. Edvan e Pedro Antônio
toram retirados imediatamente do rio e levados para o hos-
pital, onde chegaram mortos, pois tinham a cabeça aberta

104
Crônicas de Coari
em duas bandas.

Avião Catalina voando no Amazonas

Avião Catalina no lago de Coari

INQUÉRITO
Horas depois o comandante do aparelho, ma-
jor Varela, compareceu à Delegacia de Polícia, prestando

105
Archipo Góes
depoimento em inquérito instaurado. Toda a população de
Coari saiu às ruas, depois do acidente. As duas vítimas eram
pessoas queridas em todos os círculos, aos quais serviam
sempre com abnegação e pontualidade. O Catalina da FAB,
que procedia de Tefé, com outros passageiros, deverá seguir
para Manaus ainda hoje, sábado.
N.R. — Até o encerramento de nosso expedien-
te a Base Aérea de Manaus ainda não havia expedido ne-
nhum comunicado oficial, mas acredita-se que os detalhes
do acidente sejam pormenorizados nas próximas horas.

Jornal ‘A Notícia’ – 19 de setembro de 1971

106
Crônicas de Coari
A Saúde em Coari: um olhar histórico

U
m conhecimento que todo estudante da área de saú-
de em Coari deveria ter como base em seu apren-
dizado, seria uma análise de como se deu a história
do sistema de saúde em Coari. Uma vez que, a promoção da
saúde em Coari aconteceu de forma carente e insatisfatória.
Durante toda a história do município de Coari, a área de
saúde não teve grandes investimentos até a segunda metade
do século XX. O principal motivo dessa deficiência foi a
falta de verba para o investimento ou o descaso dos políti-
cos através do tempo?
No primeiro momento os processos de curas
eram totalmente tribais, exercidos pelos pajés e conhecidos
como xamanismo ou xamanismo indígena. O xamanismo é
uma prática espiritual e curativa que envolve a comunica-
ção com o mundo espiritual e a utilização de técnicas como
a meditação, a visualização, o canto, a dança e a ingestão de
plantas medicinais para alcançar estados alterados de cons-
ciência e curar doenças.
Os pajés são considerados líderes espirituais
nas culturas indígenas das Américas e desempenham um
papel importante na cura de indivíduos e comunidades.
Eles utilizam suas habilidades espirituais e conhecimento
das plantas medicinais para tratar doenças físicas, mentais

107
Archipo Góes
e emocionais.
Essa tradição depois passou a ser exercida pe-
las benzedeiras e pelos conhecimentos sobre as plantas dos
ribeirinhos. A cura pelas plantas é uma prática antiga que
tem sido usada por muitas culturas para tratar doenças e
promover a saúde. Também é conhecida como fitoterapia e
é uma forma de medicina complementar que utiliza plantas
medicinais para tratar doenças e promover a cura.
Em Coari, tivemos dois personagens que pro-
moveram a saúde em momentos diferentes. O primeiro foi
o maranhense Benedicto
Edelberto de Góes, co-
nhecido por professor
Góes, que chega em na
vila de Coary em 1891 e
até 1939 fazia atendimen-
tos com os próprios remé-
dios que ele pesquisava e
fabricava através da ho-
meopatia. A partir de
1939, chega na cidade de
Coari o português
Professor Góes Francisco Pereira
Baptista, conhecido como
Chico Enfermeiro, um profissional que cuidou com dedica-
ção, amor e zelo da saúde da população coariense. Era uma
pessoa sempre disposta a atender aos que necessitavam de
sua ajuda, a qualquer hora que era solicitado atendia a todos
sem distinção.
Em Coari, tivemos dois personagens que pro-
moveram a saúde em momentos diferentes. O primeiro foi
o maranhense Benedicto Edelberto de Góes, conhecido por
professor Góes, que chega em na vila de Coary em 1891 e
até 1939 fazia atendimento com os próprios remédios que

108
Crônicas de Coari
ele pesquisava e fabricava através da homeopatia. A partir
de 1939, chega na cidade de Coari o português Francisco
Pereira Baptista, conhecido como Chico Enfermeiro, um
profissional que cuidou com dedicação, amor e zelo da saú-
de da população coariense. Era uma pessoa sempre disposta
a atender aos que necessitavam de sua ajuda, a qualquer
hora que era solicitado atendia a todos sem distinção.
O acordo entre o presidente brasileiro Getúlio
Vargas e o presidente dos
Estados Unidos Franklin D.
Roosevelt, firmado em 1942,
teve como objetivo fortalecer
a aliança entre os dois países
na Segunda Guerra Mundial
e promover a cooperação em
áreas como defesa, comércio
e cultura. Após a assinatura
do acordo, surgiram vários
projetos de cooperação entre
Brasil e Estados Unidos em
diversas áreas. Dois exem-
plos que afetaram diretamen- Chico Enfermeiro
te a cidade de Coari são: A
criação do SESP (Serviço Especial de Saúde Pública) e a
vinda dos padres Redentoristas para a Amazônia.
O SESP foi criado em 1942, a partir de acordo
entre os governos brasileiro e norte-americano, tendo como
funções, o saneamento de regiões produtoras de matérias-
-primas, como a borracha da região. O SESP expandiu e
construiu redes de unidades de saúde locais, focando tanto
a medicina preventiva como a curativa, tendo como eixo
principal, a educação sanitária.
A ação do Sesp no Amazonas também era es-
tratégica para a política de Getúlio Vargas, uma vez que,

109
Archipo Góes
a instalação de serviços de saúde em regiões com pouco
investimento público significava uma forma de estender o
poder do governo até essas localidades.

O posto do SESP em Coari foi instalado em


1943, na rua 5 de setembro, no Centro de Coari (atual poli-
clínica Dr. Roque Juan Del’oso).
Consta nos jornais que em 1960, que o carioca,
Dr. Domingo Silva Santos, médico do Sesp em Coari. Em
1962, houve a construção de uma residência para médico
do SESP em Coari. E em 1965 foi restaurada a unidade sa-
nitária de Coari.

As Irmãs Adoradoras do Sangue de Cristo


A partir da chegada das Irmãs ASC em 25 de
dezembro de 1947 houve uma profunda mudança na socie-
dade coariense. As irmãs que a princípio não haviam pla-
nejado se estabelecer nas terras coarienses, viram todas as

110
Crônicas de Coari
possibilidades e parcerias para alcançar os objetivos de suas
missões no Brasil.

Pç São Sebastião – 1957

Começaram construindo uma pequena escola


paroquial e um ambulatório, no qual, a Ir. Jane Frances era a
encarregada dos atendimentos. Esse pequeno ambulatório,
anos mais tarde, veio a se tornar o Hospital Nossa Senhora
do Perpétuo Socorro.

Atualmente, esse hospital, ficaria ao lado da

111
Archipo Góes
Rádio Educacional Rural de Coari, na rua Gilberto
Mestrinho, Centro.

Enedino Monteiro

Nesse momento, iremos narrar sobre as ativida-


des na área de saúde do senhor Enedino Monteiro da Silva.

112
Crônicas de Coari
Um dos grandes vultos históricos coarienses que atuou
como líder religioso, líder político (foi vereador e prefeito),
promotor de justiça e agente de saúde através das suas con-
sultas farmacêuticas em sua drogaria, denominada de
“Drogaria do Povo”.
O senhor Enedino possuía habilidade ambula-
torial e o conhecimento técnico farmacêutico em relação
aos medicamentos e tratamentos, e foi capaz de fornecer
informações valiosas e precisas para ajudar a carente popu-
lação coariense.
A empatia era outra qualidade de Enedino
Monteiro; ele possuía sensibilidade emocional em relação
aos seus pacientes, com a capacidade de entender as preo-
cupações e necessidades de cada pessoa e fornecer conforto
e apoio. Ele lembrava os nomes, histórias e necessidades
individuais de cada paciente.
Seu atendimento farmacêutico era muito huma-
no e impactava positivamente na vida dos pacientes, forne-
cendo conforto, segurança e confiança durante momentos
difíceis.
O saudoso comerciante e poeta Waldemar
Fonteles escreveu um acróstico em homenagem ao seu ir-
mão maçom da Loja Maçônica Fraternidade Coariense:

Acróstico ao Irmão Enedino


Waldemar Plácido Fonteles
É belo, é gostoso, reviver a vida,
Não ociosamente, mas dentro da lida,
E todos tenha inteligência e tino,
Do aniversário do irmão Enedino,
Independentemente nós celebramos,
Neste dia com alegria recordamos,
O natal do querido irmão Enedino.

113
Archipo Góes

Maio, dia quatro, belo e angelino,


Onde comemoramos com alegria,
Não só com palavras, mas com galhardia!
Todo aniversário é festa, é natalino,
E este é o dia do irmão Enedino.
Irmanados com o Grande Arquiteto,
Rogamos do Universo neste teto,
Oração, amor e com sangue purpurino.

Damos parabéns ao irmão Enedino…


Amor, fraternidade e compreensão…

São gestos, carinho que partem do coração,


Irmãos que comemoram com grande ardor,
Levando paz, harmonia, muito amor!
Vamos solenizar estrênuo paladino;
Amando como irmão, o nosso Enedino.

Grande mestre maçônico, conhecedor,


Realizador que tudo faz com fervor;
Adulto, com o espírito de menino,
Ungido do Senhor, este é o irmão Enedino!

Tem honra, tem caráter, tem alegria,


Risonho, ativo, é todo simpatia,
Igual a um anjo, puro e cristalino;
Não é este, o irmão, o Enedino?
Tenho prazer de saudá-lo nesta data,
Além dos irmãos presentes tenho a ata.

Escrita, datada, lida, documentada.

114
Crônicas de Coari

Todo aniversário é uma data festiva;


Rodeados de amigos, irmãos e efusiva,
Enquanto tudo isto tem o seu destino;
Somos gratos com amor, ao irmão Enedino.

O Último dos Imigrantes


Manoel Francisco
Quantas lembranças, quantas saudades.
Saudades do Chico, do Chico Enfermeiro.

Francisco Pereira Batista nasceu em Guimarães,


Freguesia de São Sebastião em Portugal,
no dia 5 de maio de 1892. Chegou a
Manaus a 4 de agosto de 1929, onde
residiu durante 10 anos, na Sociedade
Portuguesa Beneficente do Amazonas.
Certo dia chegou à peque-
na cidade de Coari, um homem branco,
alto, de olhos claros; não sei se perdido
em nossos rincões, mas veio subindo o
rio Solimões. Era o dia 12 de dezembro de 1939.
Tornou-se conhecido na cidade, pelo carinhoso
apelido de “Chico Enfermeiro”, dada a sua luta, coragem,
abnegação, dedicação e o seu amor e zelo pela saúde do
povo coariense, que vivia abalada pelas doenças tropicais,
muito comuns na região.
Era uma pessoa excepcional, incansável, sem-
pre disposta a atender aos que necessitavam de sua ajuda,
a qualquer hora que era solicitado atendia a todos sem dis-
tinção, enviado por Deus, operava milagres por onde passa-
va, com sol causticante, chuvas intermitentes, ou temporal
arrasante.

115
Archipo Góes
Previu, amenizou e curou a dor deste povo tão
sofrido e tão distante da grande metrópole.
Aqui viveu durante 32 anos, casado com D.
Francisca Albertina Alves Baptista, com a qual teve 11 fi-
lhos, criando-os com dedicação. Abrigou também no seio
da família, várias crianças órfãs.
Um dia, o seu organismo sentiu os primeiros
efeitos das horas exaustivas que levava.
Primeiro de setembro de 1971. Manhã chuvo-
sa, 6h. Em um dos leitos do quarto sete, do Hospital da
Unidade Mista de Coari, morria Chico Enfermeiro, rodeado
de amigos e familiares.
A ti, Chico, nossa homenagem.
A ti, Portugal, nossa gratidão.
De Coari, onde uma vez,
com lágrimas se fez.
… a história deste Chico… Tão linda!

Dentistas do Crutac
A instalação operacional do CRUTAC (Centro
Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária)
em Coari aconteceu no dia 28 de outubro de 1974, sendo que
essa ação teve o objetivo de integrar a UA (Universidade do
Amazonas) com a comunidade do interior do Amazonas.
Dessa forma, foi um esforço de participar do projeto de
aceleração de mudanças das condições humanas e sociais
das populações interioranas, compartilhado entre diversas
universidades brasileiras.
O CRUTAC foi instalado na rua XV de no-
vembro, no Centro de Coari (local onde hoje funciona uma
casa lotérica). Uma ação constante foi a permanência de um
dentista constante atendendo a população. Fazemos aqui

116
Crônicas de Coari
referência ao cirurgião dentista Francisco Ferreira Barros,
conhecido como Dr. Assis, que veio a Coari pelo projeto da
UA e aqui permaneceu durante toda a sua vida promovendo
a saúde em Coari.

Inauguração da Unidade Mista de Coari

Eram 9h de um sábado ensolarado, 6 de março


de 1971, e a comitiva do governador Danilo Areosa che-
gou a Coari para a inauguração do hospital da SUSEMI
(Superintendência dos Serviços Médicos do Interior) de
Coari. O prefeito Mussa Abrahim Neto (1969 – 1973) rece-
beu a comitiva e foi um dia repleto de comemorações.

117
Archipo Góes
O hospital foi pré-fabricado na Inglaterra, pos-
suindo secretaria, laboratório, banco de sangue, sala de
reuniões, centro cirúrgico, com sala de recuperação, mater-
nidade, salas de pré-parto, enfermarias, berçário, inclusive
para prematuros, ambulatórios, apartamentos para médicos
e parteira, cozinha e refeitório, necrotério, sala de vacina-
ção, gabinete de raios-X, gabinete odontológico e as demais
dependências necessárias.

Um dos objetivos secundários do hospital de


Coari foi servir de centro de apoio às lanchas da secretaria
de saúde e cidades próximas. Isso tudo em uma cidade em
que, até pouco tempo, o que tinha de assistência médica era
de iniciativa de abnegados Padres Redentoristas, funcio-
nando precariamente. A partir daquela data, Coari passou a
ter um hospital moderno, equipado, completo, servido por
jovens médicos saídos do Projeto Rondon para dar-lhe a
assistência.

Sutura do Miocárdio em Coari – 1977


No dia 10 de setembro de 1977 aconteceu uma
sofisticada cirurgia no Hospital de Coari. O médico Jorge
de Almeida Brito fez uma intervenção operando o coração

118
Crônicas de Coari
do senhor Hélio Alves de Souza. Tal fato foi noticiado no
Jornal Nacional da Rede Globo de televisão.
Apesar da pouca repercussão no cenário públi-
co amazonense. O Dr. Deodato de Miranda Leão, diretor
do hospital Getúlio Vargas, comentou o fato na imprensa:
“Realmente foi um grande feito que aquele colega e ami-
go realizou em Coari. Sem os recursos dos grandes centros
cirúrgicos ele conseguiu realizar com absoluto sucesso a
cirurgia”.
Deodato de Miranda Leão, disse ainda que o
médico Jorge de Almeida Brito é um moço inteligente e
um excelente anatomista: “razão pela qual não teve grandes
dificuldades para a realização do seu trabalho”.
Jorge de Almeida Brito já foi Diretor do
Hospital de Maués, além de inúmeros serviços que vem
prestando ao Estado através da SESAU, onde milita há al-
guns anos. Hoje, é o médico-diretor da unidade Mista de
Coari, de onde vem realizando excelente trabalho no campo
da saúde e que às vezes, por força de sua profissão e sem as
condições dos centros maiores, é obrigado a fazer verdadei-
ros “milagres”, como o da sutura do miocárdio, comentada
inclusive pelo “Jornal Nacional” da Rede Globo.

Novo Sistema de Saúde em Coari – 2004

Podemos perceber que por toda a história de


Coari, sempre tivemos a área de saúde com grandes defi-
ciências e a população padecia com falta de instalações e
de profissionais da área de saúde. O hospital de Coari não
possuía equipamentos de apoio a diagnósticos e a maioria
dos profissionais não tinha habilitação para as áreas que
exerciam.

119
Archipo Góes

Hospital Regional de Coari


D u r a n t e os anos 90, a implantação do SUS
e seus princípios (universalidade, integralidade, equidade,
descentralização, regionalização, hierarquização, participa-
ção social, etc) foram totalmente ignorados em Coari, à re-
velia da lei e do bem-estar da população. Apesar do Dr.
Santana, médico sanitarista, quando ocupou o cargo de
Secretário de Saúde em Coari, tentou a implantação do SUS
através dos seus princípios, as autoridades da época não
compreenderam a importância da implantação do projeto
nacional do SUS em Coari, e pensaram que seria um proje-
to político pessoal.
No dia 28 de fevereiro de 2004, entrou em to-
tal funcionamento o Novo Sistema de Saúde em Coari. Foi
uma parceria entre, governo do Estado, a Petrobrás e princi-
palmente a Prefeitura de Coari. Foi uma verdadeira marato-
na de inaugurações, que durou das 14h às 20h pelos vários
bairros. Sendo entregue à população de Coari o novo siste-

120
Crônicas de Coari
ma de saúde, que veio a se constituir na mais moderna rede
de assistência médica e hospitalar do estado do Amazonas.

UBS do Pera

Hospital Regional de Coari


Do sistema fez parte essa estrutura: 01 Hospital

121
Archipo Góes
Regional (Dr. Odair Carlos Geraldo), com 80 leitos, cons-
truído numa área de 3.790 m², com ambulatório, unidade
de tratamento intensivo – UTI, maternidade, central de
medicamentos, sinalização interna, equipamentos moder-
nos e toda infraestrutura necessária para o atendimento da
população.
Foram criadas 11 Unidades Básicas de Saúde
em Coari, uma em cada bairro e 02 barcos para atender a
zona rural. Essas unidades básicas possuem consultório
médico e odontológico, consultório de enfermagem, salas
de vacinas, farmácia para distribuição de medicamentos à
população e uma equipe de profissionais prontos para lhe
atender, de segunda a sexta-feira, no horário de 7h às 19h.
Tendo como uma de suas funções básicas o trabalho pre-
ventivo através de campanhas educativas.

UBS Fluvial
01 Sistema de Urgência – SOS Coari, com 05
ambulância estruturadas com equipamentos de resgate para
pacientes graves.

122
Crônicas de Coari
Os serviços que as UBS passaram a fornecer:
consulta médica, consulta odontológica, consulta de enfer-
magem, programas de acompanhamento: pré-natal, plane-
jamento familiar, controle de combate ao câncer de colo de
útero e mama, hipertensão e diabete, hanseníase, tubercu-
lose, crescimento e desenvolvimento da criança, vacinação,
bolsa alimentação, DST/AIDS. Visita domiciliar para usuá-
rios que não tem condições de se dirigir a unidade de saúde,
educação em saúde, curativos, distribuição de medicamen-
tos e inalação.

SOS Coari
Agentes Comunitário de Saúde:
Eles foram selecionados na própria comunida-
de da UBS, mas são profissionais que estavam preparados
para orientar as famílias a cuidarem de sua própria saúde
e também da saúde da comunidade. Eles trabalhavam em
sintonia com sua Unidade de Saúde. Os agentes de saúde
em Coari, atendiam aos moradores de cada casa, em todas
as questões relacionadas com a saúde.

123
Archipo Góes

UBS do bairro Duque de Caxias

Centro Cirúrgico do Hospital


Coari, 07 de abril de 2023
Archipo Góes

124
Crônicas de Coari
A Cólera em Coari – 1991

A
cólera estava presente desde os primeiros séculos
da humanidade, causando diarreias agudas, vômi-
tos, cãibras musculares e a perda de peso intensa.
É uma doença altamente contagiosa, ou seja, com grande
facilidade de dissipação. Sua causa é uma toxina, a toxina
colérica (TC), produzida pelo seu agente etiológico, a bac-
téria Vibrio cholerae.
O período de incubação é de aproximadamen-
te cinco dias. É transmitida pela ingestão da água, alimen-
tos, peixes, animais de água doce contaminados por fezes
ou vômito de indivíduo portador da doença, sem o devido
tratamento. Sua ação inicia vencendo a acidez estomacal,
multiplica-se no intestino delgado de forma bastante rápi-
da e, em razão de seus sintomas, pode causar desidratação,
perda de sais minerais e diminuição acentuada da pressão
sanguínea em curto espaço de tempo, com possibilidades de
causar a morte das pessoas afetadas.
A Cólera chegou às Américas em 1991, come-
çando no Peru e depois se espalhando por grande parte da
América do Sul e América Central, em que depois de al-
guns anos veio a se tornar endêmica.
Em 15 de fevereiro de 1991, o Peru se encon-
trava em plena epidemia, com 77 pessoas mortas e 11.000

125
Archipo Góes
pessoas contaminadas pela bactéria. Ainda não havia casos
identificados no Brasil, mas também não acontecia nenhu-
ma ação preventiva para evitar a chegada da Cólera. Em
particular, foi possível observar que a população da cidade
de Tabatinga estava muito preocupada com a chegada da
doença pela fronteira.
O ministro da Saúde, Alcenir Guerra, descartou
uma campanha de vacinação contra a doença nas cidades
brasileiras que fazem fronteira com o Peru. Ele disse ha-
ver dificuldades geográficas de contágio por via terrestre.
Por isso, só haveria fiscalização nos portos e aeroportos de
maior movimentação de passageiros vindo daquele país.
Contudo, dias depois, tudo mudou. No Peru, a
doença já matou mais de 100 pessoas em menos de duas
semanas, mais de 11 mil estavam contaminadas e quase 3
mil estavam hospitalizadas só em Lima, estava acontecen-
do mais de 100 internações por hora. Autoridades peruanas
acusavam as tripulações dos navios cargueiros chineses de
terem introduzido a doença no país. E foi confirmado que a
origem da doença realmente era de origem asiática.
As autoridades de Tabatinga enviaram docu-
mento solicitando ao Ministério da Saúde, o início imedia-
to da campanha de vacinação contra cólera no município.
Além disso, houve a proibição de comercialização de pro-
dutos oriundos do Peru. No final do dia, o Brasil fechou as
fronteiras com o Peru.
O deputado federal (AM) Euler Ribeiro, que
também é médico expressou suas preocupações:
— Estou muito preocupado com a entrada da
cólera no Brasil, pelo Amazonas, o que poderia acarretar
muitas mortes, devido às nossas péssimas condições de
saneamento. O risco da cólera se alastrar no Amazonas é
gravíssimo, pois a doença pode ter acesso facilmente ao es-

126
Crônicas de Coari
tado pela região do Alto Solimões, vindo do Peru, onde está
tornando-se um caso da mais alta gravidade.
No dia 27 de fevereiro, em Lima, um balanço
oficial, divulgado pelas autoridades sanitárias peruanas, in-
formou que 150 pessoas morreram e que havia mais de 26
mil infectadas, devido à epidemia de cólera que atinge o
país.
Além da Cólera, o Peru se viu às voltas com
campanhas conflitantes: enquanto o Ministério da Saúde
pedia que ninguém comesse peixe cru, que seria o porta-
dor do vírus, o próprio Presidente da República, Alberto
Fujimori, estimulava a população a não abandonar um dos
tradicionais pratos da cozinha nacional, o Ceviche — peixe
cru com limão e outros temperos.
No dia 13 de março de 1991, o Instituto Butantã,
de São Paulo, anunciou que iria preparar um estoque de 150
mil vacinas contra a Cólera, a partir das variedades de baci-
los chamadas Ogawa e Inaba, de origem asiática. As vaci-
nas seriam para imunizar brasileiros que viajam para regi-
ões onde há surtos de Cólera. Uma vez que, até a presente
data, ainda não havia sido detectada a presença da doença
no Brasil.
No dia 20 de março, apareceram os primeiros
casos de pessoas contaminadas pela Cólera na Colômbia. E
aumentou os números de casos na fronteira entre o Peru e
o Brasil, principalmente na cidade de Iquitos, a 500 km de
Tabatinga, interligadas pelo rio Maranon (Amazonas), que
passa também pelo município de Letícia antes de atravessar
a fronteira brasileira. O Ministro da Saúde do Peru, Carlos
Vida Layseca, renunciou ao cargo por discordar da política
adotada pelo presidente do país, Alberto Fujimori, com re-
lação ao combate à Cólera.

127
Archipo Góes
Primeiro Caso
O primeiro caso de cólera no Brasil foi anuncia-
do oficialmente em 18 de abril de 1991. O doente, Antenor
Gonçalves Cruz, 23 anos, morador da ilha de Santa Rosa,
Peru, foi identificado em Tabatinga. A cidade, que fica a
cinco minutos de barco da ilha peruana e é separada da
Colômbia por uma rua, tornou-se rapidamente foco da do-
ença no país. Dez dias depois, Alceni Guerra confirmava a
existência de mais cinco casos, um dos quais em Benjamin
Constant, Amazonas.
Em 23 de maio, foram detectados pelo
Ministério da Saúde, 10 casos de Cólera em Tabatinga. E
assim, epidemia chegou ao Amazonas.

Gilberto: “Cólera está controlada”


Entrevista concedida ao programa “Encontro
com a Imprensa” da Rádio JB-AM (Rio de Janeiro) em 14
de junho de 1991.
— A ameaça de cólera não é tão grande quanto
está sendo propagada pela imprensa. No caso do Amazonas
não há motivos para preocupações maiores, uma vez
que a Secretaria Estadual de Saúde, em conjunto com o
Ministério, conseguiu estabelecer uma barreira de preven-
ção à doença na região de Tabatinga, fronteira entre Brasil
e Colômbia e especificamente o Peru, que é onde se registra
o maior número de casos de cólera — A explicação foi do
governador Gilberto Mestrinho que se pronunciou ontem
sobre o assunto para tranquilizar a população amazonense.
Segundo o governador, a prova de que o traba-
lho da Sesau de controle da Cólera está sendo eficaz são os
números: nenhum caso até agora comprovado no Território
Nacional, enquanto o Peru, só na primeira quinzena pos-
terior ao aparecimento da doença, mais de mil pessoas já

128
Crônicas de Coari
haviam sido contaminadas. Ele ressalta ainda que a cólera
é menos maléfica do que a gripe, e uma vez detectada a
tempo é facilmente curada, com uma simples medicação e
tratamento de reidratação do organismo. Por outro lado, as
campanhas de esclarecimento sobre as novas preventivas
de higiene, alimentação e saneamento são poderosas armas
contra a doença, e as campanhas que vêm se realizando es-
tão sendo muito efetivas.

Gilberto Mestrinho
“Na opinião de Gilberto Mestrinho, o Brasil
terá, mais cedo ou mais tarde, que se deparar com a cóle-
ra, como já acontece em outros 105 países. Mas não como
epidemia e sim da mesma forma como se depara com o
sarampo, com a malária. No caso específico do Estado do
Amazonas, o governador ressalta que Manaus fica a dois
mil quilômetros de Tabatinga, região de risco, o que, por-
tanto, dificulta a contaminação”.
“O bacilo do cólera descendo o Solimões vai
morrer de solidão e tédio, tamanha a distância.”

129
Archipo Góes
Coari, área de risco
A Cólera, doença altamente contagiosa, chegou
ao Brasil. O primeiro caso foi registrado em Tabatinga-AM,
em abril de 1991. “O vibrião colérico morreria de tédio e
solidão, se tentasse se deslocar de Tabatinga a Manaus”,
disse Gilberto Mestrinho, governador do Amazonas, céti-
co quanto à possibilidade de a doença chegar à capital do
estado. A partir destes casos, alastrou-se pelo estado do
Amazonas e pelo país.
A poluição e a acidez dos rios da bacia amazô-
nica podem ter evitado um pouco a propagação do vibrião
através da água, mas ele acabou desembarcando no corpo
de pessoas que viajavam até Coari de barco.
Alguns pontos da sede do município de Coari
foram visitados pelas autoridades epidemiológicas, que se
encontram envolvidas no município com o problema có-
lera. Uma olhada na entrada da cidade – O porto de Coari
– ou uma rápida entrada no mercado público municipal, até
os menos esclarecidos podem perceber a grave situação de
saneamento básico da “capital da banana”. Mas a fotografia
do vibrião colérico pode ser notada bem de perto na rua
Professor Góes, por exemplo, localizada no centro da cida-
de, onde caminham à solta a malária e a hepatite.
De lá já saíram várias pessoas suspeitas de cóle-
ra e as autoridades municipais, estaduais e federais, não pas-
saram no local para um levantamento epidemiológico e sa-
nitário da localidade. A maioria dos moradores daquela rua
e das diversas que formam um verdadeiro aglomerado de
doentes, apresentam algum tipo de complicação, que pode
iniciar com um simples comprometimento respiratório.
Dona Maria Ferreira da Silva, por exemplo, está
com malária, mãe de 10 filhos, dona Maria garante que ain-
da não sabe como trabalha o pessoal da Fundação Nacional

130
Crônicas de Coari
da Saúde (FNS), ex-Sucam, responsáveis, inclusive, pelo
combate à malária.
Atualmente, três de seus filhos estão com malá-
ria. José da Silva Azevedo, foi o mais atingido e já vivencia
sua quinta malária, somente este ano. Em frente à casa de
dona Maria, o pequeno Antônio Filho, de 1 ano e 6 meses,
não escapou do ataque do vibrião colérico. “As crianças são
as mais vulneráveis à doença. Além da água ser captada de
um lago poluído, a água tratada pela Cosama, dificilmente
chega às residências sem serem contaminadas em função
do vazamento da rede”, denuncia a moradora Maria José.
Para completar ainda mais a situação dos mo-
radores da Professor Góes e ruas vizinhas, quando chove,
as casas ficam praticamente dentro d’água. Dona Cândida
Amaral, que há anos sofre de problemas respiratórios, ga-
rante que a “catinga é medonha”. Ninguém vem aqui meu
filho, começaram a colocar esses tubos, mas até hoje não fe-
charam. O cocô escorre toda hora nas ruas e ninguém toma
uma providência”, condena.
— “Estamos condenados ao completo aban-
dono. Depois da malária e da hepatite, só faltava chegar à
Cólera. Agora temos de tudo”, critica Maria José, que res-
saltou que a grande preocupação das autoridades não é a
Cólera, mas a Festa da Banana.

Depoimento sobre a situação no hospital


Os moradores de Coari, por cerca de 15 dias
passaram a conviver bem de perto com o vibrião colérico,
contudo quando tiveram de depender dos serviços médicos
do hospital, foram obrigados a esperar pelo menos o dia
amanhecer. As 18 horas, quando vários pacientes suspei-
tos de cólera procuraram o hospital, encontraram apenas a
atendente Maria Ferreira da Silva que, em função do estado

131
Archipo Góes
clínico do doente, ministrava a eles o soro oral e venoso.
O médico de plantão ao ser procurado pela re-
portagem foi enfático ao afirmar que no hospital só com-
pareceria se o estado do paciente fosse grave. Segundo de-
clarou, a atendente estava suficientemente habilitada para
saber – se o problema do paciente fosse cólera – a capaci-
dade hídrica do enfermo era negativa ou não.
Próximo às 22 horas, o médico compareceu ao
hospital, embora tenha permanecido o tempo todo do lado
de fora. Sem mostrar nenhuma preocupação com a morte de
uma recém-nascida, que acabara de morrer por falta de as-
sistência médica, o plantonista limitou-se a que fazer frente
a uma população de 40 mil habitantes era impossível para
quatro médicos.
Às 8 horas da manhã seguinte, o número de pes-
soas suspeitas já era maior e nenhum médico presente para
atendê-los. O menino Raimundo Vilhena, 11, se contorcia
em dor e só depois de alguns goles de soro e o carinho de
sua mãe Laurentina Vilhena se acalmava.
A primeira atenção médica aos pacientes sus-
peitos de cólera só acontece quando a equipe do Piauí, co-
ordenada pela médica Maria Amparo Salmito, chega ao
hospital. Segundo ela, todas as pessoas com diarreia são
mais suspeitas, embora até o momento só tenham sete ca-
sos comprovados. “Todos os dias mandamos para Manaus
várias coletas. Estamos certos de que o número de casos
comprovados em laboratório é maior que sete. Como ainda
não dispomos dos resultados fica difícil saber a incidência
real de cólera no município”, explica.
Se os números de casos comprovados depen-
dem dos resultados dos exames, os números de pacientes
suspeitos atendidos dependem do controle da equipe de co-
ordenação da Unidade de Saúde de Coari. Ninguém sabe

132
Crônicas de Coari
informar quantas pessoas suspeitas de cólera passaram pela
Unidade de Saúde do município.

Unidade de Tratamento de Cólera sem controle


Depois de “lavado” todo material contaminado
pelo vibrião colérico, a funcionária da lavanderia prosse-
guiu na sua missão, agora com o material de cama e outras
enfermarias. Segundo garantiu, o tratamento dispensado de
acordo com as orientações do hospital ao material de cama
é um só.

Na própria UTC pode-se observar que não exis-


tem regras quando acompanhantes ou o profissional de saú-
de está diante do portador do vibrião colérico. Uma criança
suspeita colocava tantas vezes fossem necessárias a chupeta
à boca, que por descuido caía onde se encontrava há dias
hospitalizada.
Na Unidade de Tratamento à Cólera não existe
nenhum controle quanto ao acesso de pessoas que queiram
visitar um suspeito. A entrada, praticamente, é franca e o
vai vem é constante. Outra demonstração de nítido descon-
trole é quando um paciente é transportado com urgência
para a UTC. Mesmo que o leito tenha sido desocupado na-
quele instante por um portador suspeito nada impede que
um outro seja levado a ele. A rotatividade, aliás, é constante
e pode acontecer durante as 24 horas do dia.

133
Archipo Góes
Depois de alguns dias, chega à cidade de Coari
a equipe da Rede Globo de Televisão, chefiada pelo jorna-
lista Caco Barcellos e expõem em rede nacional para todo
Brasil, todas as mazelas e a situação caótica que Coari se
encontrava.

Água captada à beira do lago


Coari é uma cidade carente e com deficiência
na estrutura sanitária. A água potável, por exemplo, é um
dos problemas mais graves. Ela é captada na beira do lago
de Coari, onde vários flutuantes e embarcações se confun-
dem com a pequena flutuante da Cosama, de onde inicia a
distribuição para alguns setores da cidade.
Os principais esgotos da cidade podem ser no-
tados sobrecarregados entre o emaranhado de pequenas ca-
sas flutuantes e barcos, que no lago de Coari formando o
principal depósito de dejetos fecais. Devido à seca, eles,
atualmente, estão fora d’água, mas suas águas servidas for-
mam na área da praia, um visível corredor até atingir o lago
de onde é tirada a água para a população.

A fiscalização no porto da cidade, segundo co-


mentou Francisco dos Santos, encarregado pelo bombea-

134
Crônicas de Coari
mento da Cosama, é uma brincadeira e se existe “é para
inglês ver”. A própria embarcação da prefeitura do municí-
pio, conforme observou, atraca bem ao lado do flutuante da
Cosama.
Devido a esses descuidos, é comum o motor da
companhia estar ligado no momento em que, as fezes flu-
tuam sobre as macias águas esverdeadas do lago de Coari,
próximo ao flutuante da Cosama. “Aqui está a pior imundí-
cie de Coari. É merda dos esgotos, dos flutuantes, das em-
barcações, de todos os lugares”, assegura.
Na sede do município de Coari, as famílias que
não são atendidas pela Cosama são servidas na sua maio-
ria por cacimbas localizadas próximas a um braço d’água,
como é o caso do igarapé do Pêra e do Espírito Santo.

Posto Flutuante da Cosama


Na época, eu era um jovem professor do ensino
fundamental, com 19 anos e foi possível acompanhar, in
loco, as várias fases dessa epidemia em Coari. A cidade es-
tava vivendo cenas de um filme de terror, com pessoas che-

135
Archipo Góes
gando da zona rural do município, em total estado de des-
nutrição avançada, sem poder se locomover, se desfiando.
Lembro que na fila do Banco do Estado Amazonas (BEA),
havia senhoras que caiam e apresentavam os sintomas mais
graves, ali no chão.
Elas eram conduzidas a Unidade Mista de Coari
(antigo Hospital), onde ficavam isoladas, deitadas em uma
maca hospitalar que havia um buraco no meio, onde as pes-
soas continuavam fazendo suas necessidades sem interrup-
ção. Houve muitas mortes em nossa cidade.
Após essa epidemia, aconteceu algumas mu-
danças na cidade de Coari:
O flutuante que recolhia água para os tanques
da Cosama (Companhia de Saneamento do Amazonas)
saiu das águas paradas do lago de Coari, há 500 metros do
principal local de liberação do esgoto da cidade, para o Rio
Solimões, que é um rio com uma correnteza muito forte,
dessa forma, dificultando o recolhimento de águas poluídas.
Outra mudança qualitativa em Coari, foi o cui-
dado com a água de consumo. Foram abertos inúmeros
poços artesianos na cidade (particulares e das instituições
governamentais). A população começou a ferver água para
beber ou adicionar hipoclorito de sódio. Os velhos filtros de
barros foram aposentados, sendo trocados pelos bebedou-
ros de água mineral de 20 litros.
Em suma, o negacionismo e o despreparo das
autoridades amazonenses não acreditando que a bactéria da
Cólera chegasse ao Brasil, além das eternas condições sa-
nitárias deficientes, foram os principais motivos para que a
epidemia de Cólera chegasse a Coari, que foi na época, o
principal local de risco da doença no Brasil.
Archipo Góes
Coari, 21 de dezembro de 2022

136
Crônicas de Coari

A Lenda Coariense do Caripira

E
ntre os indígenas que habitaram as selváticas regiões
do rio Itanhauã, em Coari, destacavam-se, por sua
operosidade, os da tribo Tucanos. Eram eles hábeis
caçadores e valentes guerreiros, dedicando-se, também, ao
trabalho de cultivar a terra. De boa índole, jamais tomaram
parte ativa nas tropelias contra os desbravadores da floresta
virgem, que orlava esse belo e caudaloso rio, cuja tortuosi-
dade lhe dá aspecto interessante. É tão sinuoso o Itanhauã
que, ao navegá-lo, ora temos o Sol adiante, ora por de trás,
à direita ou à esquerda.
Grandes distâncias, transpostas pelo caminho
de suas águas, em dias e mais dias de viagem, são vencidas
por terra em poucas horas, tirando-se, como é de costume
dizer em linguagem regional, as voltas do rio. É frequente
ouvir-se, bem nitidamente, como se fora próximo, ruídos e
estrondos, de madeiras caídas a grandes distâncias.
Foi à margem desse rio de águas esverdea-
das que viram a luz da vida os dois irmãos, Pau-darco e
Caripira, criaturas nômades e destemidas. Criaram-se como
dois heróis de lenda, tais as suas aptidões para a caça e para
a pesca, por isso, sem pouso certo, entretinham-se na ex-
ploração da flora e da rede hidrográfica de Coari, do que re-

137
Archipo Góes
sultou serem ótimos auxiliares dos aventureiros, primitivos
exploradores e ocupantes daquelas paragens.
De força muscular prodigiosa, era Pau-darco o
escudo do irmão, ágil manejador do arco e da flecha certeira.
Cada qual tinha a sua especialidade, o seu modo
de agir: Pau-d’arco, após irritar o inimigo da selva, vencia-
-o a golpes de sua musculatura férrea, raramente servindo-
-se do seu cacete da madeira que lembrava o próprio nome;
o irmão gozava em abater a caça à distância, mortalmente
ou não, conforme seu desejo no momento. E sempre foram
felizes nas suas pelejas, no seio da floresta inculta.
De uma feita, quando os dois irmãos subindo
o rio Itanhauã se separaram, Pau-darco, como de costume,
desafiara uma onça para lutar. Infelizmente, porém, quando
o animal dá o salto de investida ele se desequilibra não po-
dendo utilizar-se do cacete. A fera, enraivecida, crava-lhe
no crânio os dentes aguçados, dando-lhe morte instantânea.
Era um animal forte, belo e ágil, o adversário
do malogrado caçador.
Ao grito, único que soltara este, acode o irmão
que, após cortar a grande volta do rio, dentro de poucos
minutos, presenciava o banquete da fera, a refestelar-se nas
carnes sangrentas e ainda quentes de Pau-darco, seu irmão
e companheiro.
Retesado o arco, a flecha parte e enfia-se nas
entranhas da onça que baqueia junto ao corpo daquele que
acabara de matar.
Louco de dor, Caripira sangra o inimigo abatido
e tira-lhe o coração, que devora. Depois, parte sem rumo, a
soltar aos quatro ventos o seu grito de guerra. Desde então,
ele não para, na caçada as onças até que estes rareiam.
Sua história torna-se conhecida da tribo, que
o lamenta. Não encontrando ele mais com quem lutar na

138
Crônicas de Coari
mata virgem, passa o tempo a flechar os incautos habitantes
das águas do rio Itanhauã. Lança a sua flecha para o alto,
para vê-la descer, após ter descrito graciosa curva no ar e ir
cravar-se no casco da tartaruga, que boiara, confiante, para
tomar respiração.
Passam-se luas e mais luas, e, afinal, a tristeza
leva o desolado caçador a entregar sua alma a Tupã, seu Pai,
seu Criador.
Revoluteando e adejando sobre a sepultura de
Caripira, aparecera aos olhos dos supersticiosos Tucanos,
um gavião de boas proporções, o qual, por vezes se elevava
nos ares e das alturas precipitava-se às águas do Itanhauã,
trazendo ao emergir, preso às suas possantes garras, algum
peixe descuidoso.
Então, como homenagem ao valente que se
fora, deram os Tucanos ao gavião-pescador, cinzento-pe-
drês, até esse momento conhecido pelo apelido de “Rabo
trocado”, o nome do heroico “Caripira”.
NOTA:
Caripira — Gavião-pescador, muito conhecido
na Amazônia. Diz-se que é a encarnação dum pescador in-
feliz. Do alto essa ave se precipita ao seio das águas, de
onde arrebata o peixe, que leva até grande altura, soltando-
-o de lá, para alcançá-lo ainda no espaço.
Itanhauã — ou Itá-induá — Pilão de pedra.
Tupã — Deus.

Fonte: Antônio Cantanhede — O Amazonas


por dentro, contos, lendas e narrativas do Amazonas.

139
Archipo Góes
Mura-Cão-Era — (Lenda Coariense)

S
empre se acreditou, em Coari, que o antigo nome de
certo povoado, hoje conhecido por Isidoro, fora ou-
trora MIRA-CÃO-ERA, mas, indubitavelmente, há
engano nessa suposição, como veremos nas linhas a seguir.
Entre os primitivos habitantes dessa região
existiu, entre outras, a tribo dos índios Muras, os quais,
apesar de nômades, eram muito trabalhadores, tendo con-
tribuído, grandemente, para a exploração de várias zonas
desse imenso Estado, que é o Amazonas, e particularmente
de Coari, onde eram procurados para prestar os seus servi-
ços, ora como auxiliares no desbravamento das matas, ora
como, pescadores e como serviçais domésticos.
Estavam eles já adaptados aos hábitos e cos-
tumes dos civilizados, sem perderem, entretanto, as suas
crenças, abusões e temores.
Haviam-se instalado em uma das inúmeras
enseadas, que bordam o formoso lago de Coari, e à sua
margem direita, algumas milhas acima da aldeia Alvelos,
onde tinham os espanhóis a sede das suas missões, do Rio
Solimões.
Viviam felizes, esses indígenas, em nada des-
merecendo o seu aldeamento, considerado dos mais popu-

140
Crônicas de Coari
losos e prósperos, daquelas paragens.
Pelos brancos eram procurados amiudadas ve-
zes, e com eles mantinham permuta dos gêneros de produ-
ção local, com as mercadorias que da capital traziam, em
embarcações de vela ou a remos.

De uma feita, subira o Rio Solimões e entrara


no Lago de Coari, uma dessas embarcações dos brancos,
trazendo um dos tripulantes com febres.
Desprevenidos, foram os índios a bordo da pe-
quena embarcação, onde se encontrava o doente. Iam ao
comércio do costume, e ali demoraram algum tempo em
contacto com os visitantes.
Dias depois da chegada da canoa um dos índios
adoece. O chefe da expedição, inexperiente, explica, então,
aos moradores do lugar, tratar-se da bexiga (varíola) que
estava grassando no baixo Solimões.
Com a notícia, as malocas ficam em reboliço.
Os índios não mais se sentem à vontade ali. Apavorados,
começam a desertar. No seu modo de ver, os brancos ti-

141
Archipo Góes
nham sido portadores da morte.
De fato, poucos dias depois da estada dos visi-
tantes entre eles, surgia, no local, o primeiro caso suspeito e
dentro de pouco tempo a varíola campeava no aldeamento.
A mortandade foi assustadora.
Aqueles que ainda não tinham contraído o mal,
fugiam do contágio, deixando os doentes à mercê da sua má
sorte. Em breve o local ficara ao abandono, transformado
em morada dos mortos.
As aves de rapina revoluteavam por aqueles er-
mos, cobertos de cadáveres insepultos.
Algum tempo depois e quando já de volta da
excursão ao alto Solimões, os brancos da canoa fatídica tor-
naram à aldeia dos índios Muras, onde encontraram, ape-
nas, os vestígios da outrora próspera maloca.
Por toda parte iam topando com as ossadas des-
carnadas dos infelizes habitantes do local, dando motivo a
que, ao depararem com esse tristíssimo espetáculo, excla-
massem, cheios de surpresa e pesar: MURA-CÃO-ERA!
MURA-CÃO-ERA! MURA-CÃO-ERA!
Denominação que ficou sendo dada, daí por
diante, a esse local, mais tarde conhecido por Isidoro, em
homenagem a um dos seus maiores ocupadores.

NOTA: Mira-cão-era: Caveira, osso de gente, podendo sig-


nificar cemitério. Mura-cão-era: Ossos, ossadas dos Muras.

Antônio Cantanhede — O Amazonas por dentro

142
Crônicas de Coari
O Naufrágio do Vapor Paes de Carvalho

O
s pacatos moradores do Distrito do Camará, o pri-
meiro da Vila de Coari, no rio Solimões, não acre-
ditavam no que viam durante aquela fria madrugada
de inverno amazônico… Era 22 de março de 1926.

Ilustração de capa, da Revista regional do Amazonas de 1926, “Redempção”,


lançada em março daquele ano apresentando a tragédia fluvial do Vapor
Paes de Carvalho. A ilustração foi baseada nos relatos, tanto dos passageiros
sobreviventes quanto dos habitantes do Camará.

143
Archipo Góes
Numa distância de cerca de cem metros da mar-
gem, o navio vapor, Paes de Carvalho, vindo de uma longa
viagem, iniciada há semanas atrás, na cidade de Belém do
Pará, é consumido pelas chamas famintas de um incêndio
infernal! Inimaginável.
Mas aquele povo do Camará teve que agir rápi-
do, pois havia muita gente viva, ou lutando pra sobreviver,
nas águas agitadas do rio.

Ilustração do rio Solimões, da


localização da comunidade do
Camará e do local de naufrágio
do Paes de Carvalho no meio
do rio Solimões. Revista
Redempção, março de 1926.

O desespero tomou conta de muitos. Não resta-


va outra saída, a não ser pular nas águas do Solimões! Foi
o que muitos a bordo do navio fizeram. Ou pelo menos,
os que conseguiram, pois muitos, findaram carbonizados.
Homens, mulheres e crianças... Muitos índios, caboclos e
nordestinos, muitos nordestinos. Mas na primeira classe ha-
via gente graúda, rica, de boa família do Estado.
Os conhecidos moradores da Vila de Coari,
Sebastião Salignac e o Capitão da Guarda, José Ribeiro da
Silva, viajavam na primeira classe também. Dos dois, só o
primeiro conseguiu, a nado, chegar à terra. O Capitão Silva
deixou viúva e filhos à ocasião, infelizmente.

144
Crônicas de Coari
Aquela gente do Camará, pegou suas canoas e
batelões, foram ao confronto, do rio e do naufrágio terrível
e infernal, ao desafio de salvar vidas! Havia vários tipos de
vidas a bordo, pois, além dos humanos que viajavam, car-
gas vivas eram transportadas também! Equinos, bovinos,
suínos e aves. Todos misturados aos pobres e desassistidos
passageiros de terceira classe! Em geral, índios e
nordestinos.
Às três horas e quarentena e cinco minutos,
aquele inferno todo havia
começado, com uma ex-
plosão na popa do Vapor!
Por ser madrugada, a gran-
de maioria dos passageiros
dormia e, sonhava com a
chegada a uma nova opor-
tunidade, ou a sua Villa
de destino. Logo estariam
no porto do sobrado dos
Dantas, na velha Villa!
Ainda daria tempo de ir até
a Praça Péricles de Moraes O Capitão José Ribeiro da Silva era
uma personalidade no cenário político
pra comprar algumas cas- da Vila de Coari a época, estava a
tanhas e outras guloseimas bordo do Paes de Carvalho, mas não
pra seguir viagem. Bastava conseguiu sobrevier.
atravessar a ponte do igara-
pé de São Pedro. Mas, jamais chegariam a Villa naquela
madrugada.
A viagem, a muitos, havia iniciado em Belém,
porém só findaria em Cruzeiro do Sul, no Acre. Eram mui-
tos nordestinos sem rumo, em busca de ficar rico com a
ilusão do fatídico final do período áureo da borracha, que já
tinha dado o que tinha que dá. Foi um acidente fatídico, sem
medidas, apesar de que, o vapor vinha abarrotado de com-

145
Archipo Góes
bustível: líquido e pólvora! Uma verdadeira bomba relógio!
Disseram que havia 150 almas a bordo, mas na-
quele tempo, assim como hoje, já havia negligências! E o
lucro também.
Enquanto o Paes de Carvalho subia, o Índio do
Brasil baixava, estavam há apenas uma hora de se cruza-
rem, logo após a ilha da
Botija… Ambos, os vapo-
res, eram de uma mesma
firma de navegação, uma
firma inglesa.
Mas quando
o Índio do Brasil se apro-
ximava da beira, no lugar
do Camará, viu um movi-
mento mais do que fora de
ordem àquela hora da ma-
nhã. Dia clareando, cheiro O Comandante do Vapor, João de
Deus Cabral dos Anjos, também se
de fumaça no ar, mais gente tornou uma vítima do naufrágio fatal.
do que o normal pela beira.
Gritos, choros, angustia, muitos agasalhados com lençóis
do povo da comunidade. A gente do Camará explicou que
o Paes de Carvalho explodiu, próximo a ilha da Botija, bai-
xou e afundou exatamente em frente a comunidade.
Tentaram salvar o que puderam, mas muita
gente de Coari, Tefé, Belém, Manaus e do Acre, tiveram
seu fim ali mesmo. Até mesmo os arigós, naquelas águas,
ou no fogo medonho da madrugada.
O Índio não encontrou mais o Paes, muito me-
nos João de Deus, o comandante do Vapor, que deixou uma
viúva e nove filhos em Belém. Assim como tantos outros e
outras também deixaram. O povo do Camará nunca esque-
ceu dessa história. Através dela, a comunidade ficou famo-

146
Crônicas de Coari
sa, em jornais e revistas, de toda a região amazônica, e até
do país! Tão cedo não seria esquecida.
Por muitas e muitas gerações, os moradores
repassaram o ocorrido a seus filhos, netos e bisnetos. Foi
um fato que uniu gera-
ções, por décadas, através
da história oral. Se tornou
o maior causo já ocorrido
com aquela gente que ali
vivia. Mas, após mais de
noventa anos decorridos,
o fato foi sendo esquecido,
outros acidentes fluviais
foram tomando a memó-
ria das novas gerações, da
modernidade… Porém, os
que buscarem no hoje, in-
formações precisas sobre O professor Rubem Dário Lisboa
tal acontecimento, vão se Lima, ajudou a salvar três pessoas
deparar com um desfecho que ficaram a deriva no rio. Foi uma
apresentado pela mídia da- das testemunhas do acidente fluvial.
Lecionava no Camará na época.
quela época, no mínimo,
injusto, e até certo ponto
pretensioso.
Os jornais deram notícias de que, o incêndio,
começou com as cinzas do fumo de uma passageira idosa,
da terceira classe. Acordou de madrugada, com vontade de
fumar seu cachimbo, e assim, uma fagulha chegou até os
barris de pólvora!
Quer dizer, a corda arrebentou pra uma mulher,
cabocla, pobre, idosa, tabagista, culpada por terem entupido
o vapor com combustível, e por terem ultrapassado a lota-
ção máxima da embarcação. Sempre foi assim.

147
Archipo Góes

Uma foto do Vapor Paes de Carvalho, navegando pelas águas do rio


Solimões, por ocasião de outra viagem, diferente do naufrágio terrível.

Referência:
• Revista Redempção, março de 1926. Centro Cultural dos
Povos da Amazônia – Revista Redempção 1926
• História oral do município de Coari: Voz de seu Ary Dan-
tas Alfaia
• Látex – Romance de Marco Adolfs sobre a tragédia do
Vapor Paes de Carvalho/ Manaus – Editora Uirapuru
2004.

Eros Divino Maia Alfaia


19 de julho de 2020

148
Crônicas de Coari
Eleitorado Macabro

S
ituada à margem direita da Enseada Funda, tem a ci-
dade de Coari a mirá-la, o belíssimo lago que lhe em-
presta o nome, e olha de esguelha para o impetuoso
Solimões, que bem de perto lhe passa, ora asseado e liso
como um lençol, ora com as suas águas, carregando balse-
dos e periantans.

Movimento dos cabos eleitorais na praia de Coari

Embastecido de castanhais imensos, com as


suas artérias fluviais intumescidas do líquido barrento ou

149
Archipo Góes
betuminoso, ricas do pescado precioso, com os seus serin-
gais apojados do cobiçado látex, sempre foi Coari um dos
municípios mais aquinhoados da fortuna e acariciado, com
especial agrado, pelos poderes centrais, da capital baré, e
por isso, em época não muito recuada, estadeava prédios de
arquitetura e elegância compatíveis com os seus créditos de
cortezã do famoso Solimões.
Como em todo o país, após 1889, a politicalha,
ali, era desenfreada, não raro recorrendo os candidatos a
cargos de eleição ao prestigio do cacete, apesar de já esta-
rem amparados pelas penas Malat ou Perry, infatigáveis nos
triunfos eleitorais. Entretanto, somente se empossavam nos
cargos os eleitos depois dos acenos dos deuses do Olimpo,
em Manaus.
Quantas vezes, nas ruas e praças dessa graciosa
aglomeração humana, assistiram-se, entre risos e lágrimas,
surras e mesmo assassinatos, em plena luz do dia, de cria-
turas indefesas, contra as quais se arreliava o chefe político
que no momento, com as rédeas do poder às mãos, mane-
java o alfange da intolerância ? E ai daquele que tivesse o
topete de acudir ao agredido…
Quando vitoriosos, solenizavam os vencedores
da peleja, os triunfos eleitorais ou não, com recepções e
com bailes, nos Paços do Conselho, e, se pelo decorrer dos
festejos o adversário se atrevia a por ali passar bem perto,
os disparos de armas de fogo eram inevitáveis, as correrias
infalíveis, e os ferimentos, eloquentes atestados de boas
pontarias.
Em certa fase de seu florescimento, Coari as-
sistiu, durante anos a fio, à luta partidária travada entre o
Coronel Gaudêncio e o Coronel Guimarães, duas persona-
lidades de grande destaque no cenário político local, com
reflexos na capital do Estado. Ambos grandes proprietários,
peritos fazedores de eleições e não menores cometedores de

150
Crônicas de Coari
fantásticas represálias, quase sempre regadas com o sangue
de inocentes.
Cortada a cidade a meio, por uma depressão do
terreno, que fora outrora leito do igarapé S. Pedro, Coari
consta ainda de dois bairros, Santana e S. Sebastião, do que
resultava, na época das enchentes, o Solimões a insinuar-se
pela Enseada Funda e o Lago de Coari a se opor a essa con-
quista, as águas, em conúbio forçado, subirem tanto, que
somente de canoa, os moradores desta banda podiam trans-
portar-se para aquela, enquanto que, de verão, a passagem
se fazia a pé enxuto.
Presentemente, essa passagem é feita por mag-
nifica ponte de madeira sobre arcadas de alvenaria. Isto tal-
vez contribuísse para mais se extremarem os adversários
políticos, e mais se acentuar a animosidade partidária. O
morador da banda de cá, quase sempre (e as exceções eram
raras) acompanhava ao chefe deste lado, o mesmo suceden-
do aos da banda de lá. Até mesmo os galináceos, por não se
aperceberem das lindes fronteiriças das hostes adversárias,
eram sacrificados a pedradas, quando, cacarejando. descui-
dados, palmilhavam o lado oposto aquele onde residia o
chefe político de seu dono!
Por fim, como sempre tem sucedido aos heróis
desta gleba cunhã, lá se foram eles, os dois chefes a que
nos vimos referindo, para o eterno julgamento, no dia de
juízo. Um deles, após uma apoplexia cerebral. Embarcou
dali mesmo. O outro, fez-se de rumo para a eternidade, da
cidade de Manaus, para onde fora no cumprimento de pena
por crime de homicídio.
Com o advento de 1930, tudo mudou neste
Brasil imenso, e Coari, de olhos abertos, pleiteou alguma
coisa para a sua restauração, para o seu engrandecimento.
Tudo obteve. Construção de bons prédios e outros melho-
ramentos de vulto foram ali realizados. No cemitério mu-

151
Archipo Góes
nicipal, erigida uma capelinha muito alva, e murada a parte
fronteira, em solene procissão fora para ali conduzida, e en-
tronizada em nicho artístico, a imagem de Santa Terezinha
do Menino Jesus.
Realizaram-se es primeiras eleições pelo siste-
ma moderno. O voto secreto operou seus milagres nesse
irrequieto município. O candidato eleito para lhe dirigir os
destinos, no início do triênio constitucional, teve a surpresa
de ver anulada a eleição por haver o poder eleitoral supe-
rior verificado fraudes praticadas pelos mesários avessos.
Entretanto, foi bem negociada a votação. Compraram-se
votos por preços animadores. O pleito eleitoral foi renhi-
do. Iniciados os trabalhos às nove horas do dia consagra-
do a tal fim, prolongaram-se pela noite a dentro e manhã
subsequente.
Altas horas da noite, depois de terem sufragado
o candidato de sua predileção, dois dos modernos eleitores
residentes nos subúrbios da cidade, fizeram-se de remo, aos
seus penates. Discutiam, de caminho, vantagens e desvan-
tagens do novo sistema eleitoral.
Este, achava-o excelente. Passara quase dois
dias em convívio com os brancos da cidade, discutindo
e ouvindo discutir o moderno processo eleitoral, para ele
próprio incompreensível, tendo sido servido à mesa das re-
feições, pela família do seu candidato desse dia. O outro,
homem do trabalho, mostrava-se saudoso dos tempos que
se foram. Ora, dizia este, antigamente não se perdia tanto
tempo para votar. Somente os desocupados, os que vinham
pela boia se demoravam na cidade, enquanto que os que
tinham suas ocupações, depois de assinarem a papelada,
quando assinavam, punham-se ao fresco, e iam tratar dos
seus interesses, deixando a política para os políticos.
A Lua cheia, no alto da curva azul esbranquiça-
da do firmamento, como uma ficha de marfim, alvíssima, no

152
Crônicas de Coari
meio do pano verde da roleta da vida, clareando a estrada
sinuosa e cheia de altos e baixos, guiava os passos dos dois
retardatários eleitores, deixando-os lobrigar à distância, nos
carreiros multívios, pausados ou perlongando, os bacuraus
assustadiços.
Ao defrontarem eles o portão principal do ce-
mitério, bem em frente ao Santo Cruzeiro, persignando-
-se, iam dar começo à oração costumeira, quando zoada
anormal lhes aguçou a atenção. Partia do Campo Santo.
Escutaram. Discutiam, lá dentro do cemitério, acalorada-
mente. Apuraram os ouvidos e a vista. Entre o Cruzeiro e
a capelinha recém-inaugurados divisaram, então, grande
mesa, ladeada de muitos vultos assentados, e a cujas ca-
beceiras dois deles, arrogantes, invectivavam-se. Puderam,
apesar de muito amedrontados, perceber o final do injurioso
diálogo:
— Jamais poria em paralelo ao meu, o seu so-
nhado prestígio político, dizia um deles.
— “Mesmo porque, interrompera o outro, seria
isso absurdo… Seu prestígio político?!…” E uma gargalha-
da rouquenha, deste, estrondeara no silêncio sepulcral.
— “Fosse eu o candidato de hoje”…
— “Seria derrotado, na certa. Imaginemos que
a eleição aqui se realizasse… Experimente. Faça a chamada
dos seus eleitores. Para nós, daqui, ainda não é lei o voto
secreto. Aqui vencerá quem amigos tiver”.
— “Meus amigos, é chegado o momento de
provar ao adversário que, realmente, sou o mais estimado
dos chefes políticos de minha terra natal. Sufragai o meu
nome, e”…
— “Para dentro, todos… e cada qual para a sua
cova. Não sendo eu candidato, não há, neste instante, ne-
cessidade de eleitores aqui”.

153
Archipo Góes
Como se tocados por corrente elétrica, todos os
presentes acompanhando o gesto do chefe que por último
timo falara, puseram-se de pé.
Um matracar de ossos, alvos alguns, outros
amarelados, formando esqueletos de vários tamanhos, fo-
ram-se esgueirando e desaparecendo, pelos lados e pelos
fundos da capelinha de Santa Terezinha do Menino Jesus.
Somente o contendor derrotado aí ficara.
De olhos esbugalhados e a suar em bicas, os
dois modernos eleitores, um deles antigo adepto do conten-
dor sepulcral vitorioso, com os corações a saltar como trens
velhos em mal cuidada ferrovia, entreolharam-se, aturdidos.
Meio repostos do susto, e já distante daquela
paragem, comentaram medrosos:
— Viu você, homem? até depois de mortos ain-
da brigam por causa de eleição…
— E eram políticos, aqueles?
— Se eram... Não os reconheceu, pelos gestos?
Seu Godêncio e o Guimarães., mas, seu Godêncio ganhou.

Antônio Cantanhede
In: O Amazonas por Dentro

154
Crônicas de Coari
O Tacho – Lenda Coariense

N
os tempos em que a religião católica romana pre-
dominava, era crença geral que as mais vultosas
fortunas fossem privilégio dos ministros do Padre
Eterno, entre os mortais, e assim, não raro criavam-se len-
das, em volta de qualquer agrupamento dos missionários de
antanho.

Fala-se, na cidade de Coari, não como lenda,


mas como verdade incontestável, na existência de um gran-
de tacho cheio de ouro, imerso no lamaçal do leito de um

155
Archipo Góes
igarapezinho que deságua no lago de Coari.
Referem historiadores do Amazonas que, de-
pois do Padre Samuel Fritz, austríaco de nascimento, ou-
tros missionários espanhóis foram-se acomodando pelo
rio Solimões, com o objetivo muito louvável, nesse sécu-
lo de conquista, de alargar os já imensos domínios de sua
Majestade Católica de Espanha.
Fundaram eles muitas missões, com o auxílio
do elemento indígena, que iam chamando à civilização e
incutindo-lhes no ânimo seus credos religiosos. Assim, os
Catauxis, Muras, Jumas, Jurimáguas e outros, pelo efeito de
adaptação aos costumes dos catequistas, em breve se trans-
formaram em eficientes elementos de combate, em prol dos
esforçados evangelizadores.
Com os aldeamentos, alargavam-se as já vastas
ocupações territoriais dos espanhóis, no Solimões, sendo a
sede de suas missões no lago de Coari, a aldeia denominada
Alvelos, hoje conhecida por Freguesia Velha.
Sempre ciumento de suas terras na América,
Portugal não vira com bons olhos a intromissão daque-
la gente em seus domínios, e assim, a luta, entre lusos e
castelhanos chegara até ali, dando lugar a que ora Alvelos
estivesse em poder dos missionários espanhóis, ora sob o
domínio das forças armadas de Portugal.
Daí as precauções tomadas por aqueles na guar-
da dos seus haveres. Tinham os depósitos de dinheiro que,
nesses belos tempos, era em ouro cunhado ou em barras,
em local distante e acima da povoação. Possuíam, ao que
se acreditava, grandes somas, verdadeiros tesouros, acumu-
lados por longos anos em suas excursões pelo nordeste da
terra brasileira, então objeto da cobiça dos holandeses, dali
expulsos pelo governo de Portugal.
Mas, por volta de 1710 dava-se a expulsão dos

156
Crônicas de Coari
espanhóis, das missões do baixo Solimões e foi naturalmen-
te, por essa época que, temendo ver caírem seus grandes
haveres em poder dos portugueses, que os podiam colher
de surpresa, utilizaram-se do falado tacho, e cheio este de
ouro e bem fechado, fora lançado ao leito desse igarapé,
que ficou sendo conhecido por igarapé do Tacho.
Os naturais, em muito pequeno número, que
assistiram a essa manobra dos jesuítas, não tentaram dali
retirar o precioso tesouro porque aqueles padres fizeram-
-nos crer que tê-lo deixado entregue à guarda de uma co-
bra-grande, tradicionalmente conhecida dos aborígenes por
GUARIBA. Entretanto, quando algum audacioso se aproxi-
mando do local fazia tentativas para retirar o tacho, tempes-
tuosas ventanias desabavam na região, intimidando o aven-
tureiro, que desistia da empresa. Se em época invernosa,
acompanhava-se a tempestade do esturrar do tiri-tirí-manha.
Pelo verão, o leito do igarapé fica a descoberto,
mas, ao avizinhar do aventureiro, abrem-se as nascentes
das águas e em pouco tempo o lamaçal se cobre de água
corrente, do que tem resultado não mais se fazerem tentati-
vas, conforme afirmam os naturais daquelas bandas, para a
emersão desse tesouro, real ou imaginário, que dizem exis-
tir no igarapé do Tacho, poucas milhas distante da cidade
de Coari.

NOTAS: Tiri-tirí-manha ou Dirim-dirim-


manha: Mãe do terremoto, da tempestade. Apelido de uma
espécie de jacaré, que tem a cauda bipartida e é muito
barulhento.
O Padre Samuel Fritz faleceu em Quito – Peru,
aos 74 anos, em março de 1728.
Antônio Cantanhede
In: O Amazonas por Dentro

157
Archipo Góes
Yurupari

N
a época em o Padre Samuel Fritz fundou a povoa-
ção de Alvelos, desaparecida e conhecida no passa-
do por Freguesia Velha, já existiam essas três ilhi-
nhas fronteiras à cidade de Coari, as quais tem sua história
bem curiosa. São como sentinelas vigilante esses minús-
culos torrões cobertos da mataria verdejante, separando a
outrora chamada “Enseada Funda” do lago de Coari.
Naquela fase, quando por ali andaram os jesu-
ítas espanhóis a alargar os domínios pátrios, a entrada do
grande Lago se fazia por IRAPEÇÁUA, apesar de a verda-
deira ser TUMASSÁUA.
Era crença, entre os naturais, que uma cobra
grande habitando TUMASSÁUA impedia que por aí se
fizesse franca navegação, e depois, essa passagem, quase
obstruída por tão grande animal, não tinha profundidade
bastante de modo a franquear o transito das embarcações
que, ao tempo, eram os barcos de vela.
O monstro, descendo o Rio Solimões para ba-
ter-se com a rival, em Óbidos, no baixo Amazonas, deixou
seu leito secular, do que resultou ficar aberto o canal pró-
prio, fechando-se a entrada por IRAPEÇAUA. Realmente,
ainda se notam vestígios, nas cheias do rio, dessa passagem.

158
Crônicas de Coari
Era nas três ilhinhas que os índios muras, des-
cendo de Alvelos e de outras passagens se reuniam, anual-
mente, para a realização de festa da tribo.
Os varões iam à caça e à pesca, ficando as fê-
meas a tratar do asseio do
terreiro e do preparo das be-
bidas fermentadas.
No grande dia
ali se encontravam todos,
trazendo cada qual sua con-
tribuição, de caça, de peixe
ou de frutos, para a festan-
ça. Começavam ao amanhe-
cer os preparativos para
as cerimônias de hábito.
Sobre o braseiro erguia-se
o moquém. Tudo prepara-
do, reuniam a boia em um
só lugar no meio do terrei-
ro. Escolhiam-se os guar-
das, que ficavam de vigia à
comezaina.
Dentre os presentes, um havia sido indicado, no
ano anterior, para fazer o assalto ao terreiro. Ele se usava
gancho ou anzol.
Chegada a hora previamente combinada para o
seu reaparecimento, os companheiros, fingindo-se surpre-
sos e amedrontados, começavam a gesticular e a gritar, em
volta dos assados que guardavam. O diabo saltava no meio
da guarda que se encontrava em círculo apertado. Hediondo
e ameaçador, despreza a resistência oposta pelos guardas, e
ensaia já dentro do círculo a sua dança diabólica, cantando:
Yurupari Ichê-icou…

159
Archipo Góes
Yurupari Ichê-icou…
Ao que a multidão respondia, em coro:
Caruçá!… Curuçá!…
I-manou… Imanou…
Trava-se, então, a luta, entre assaltantes e os de-
fensores do terreiro. Estes, para se livrarem do anzol preso
à cauda do diabo, vão alargando o grande círculo. Satanás,
aproveitando-se da folga, fisga uma das peças dos assados
e sai arrastando-a para outro local, onde é recebido pelas
mulheres, que, com grandes manifestações de entusiasmo,
louvam a habilidade do demônio. E assim continua a peleja,
até completa mudança dos assados para esse outro local,
suposta escolha do assaltante.
Por último, este fisga um dos vigias, que é le-
vado poro onde já se encontra a maioria dos convidados, a
comer e a beber.
Saudação geral acolhe o vencedor e a sua vitó-
ria, e os gritos atroam nos ares:
Yurupari…
Yuruparí…
Yurupari…
Denominação por que ficaram sendo conheci-
das essas três ilhinhas interessantes, fronteiras à cidade de
Coari.
NOTA: — COARI: O que está num buraco
— (Cuára-|-i)
TUMASSÁUA: — Entrada, foz do rio, quando
pelo lado de baixo; quando pelo lado de cima a entrado, é
IRAPEÇÁUA. YURUPARI
ICHEI – ICOU: Sou eu estou virando diabo.
CURUÇA ! CURUÇA!

Antônio Cantanhede - 17 de novembro de 1963.

160
Crônicas de Coari
O Seringueiro e a Boiuna

J
AVARY tinha o seu pouso às margens do igarapé.
Morava sozinho e nunca teve medo de nada. Contava
dezoito anos e trabalhava por conta própria. Durante o
dia, sumia-se na mata a retalhar seringueiras e a recolher
nos porongos, o látex que lhe dava dinheiro. De noite, to-
mava da flauta de bambu, sentava-se no terreiro junto ao
fogo e, tocava até que o sono viesse.

Do mato então surgia uma pequena cobra preta


e se lhe punha defronte. Aí ficava a ouvi-lo, enrodilhada,
quieta. Quando ele parava a música ela ia-se embora, para

161
Archipo Góes
voltar na noite seguinte. Era-lhe a única companheira na-
quele ermo de mundo, nos confins do Brasil, no imenso e
misterioso Amazonas. Ele aprendeu a estimá-la como a um
ente humano. Tocava para satisfação de ambos. Às vezes,
varava a noite para aumentar o seu prazer. Ela vinha de
manso e enrodilhava-se no lugar de sempre. Ele no toco de
castanheira e ela a pouca distância.
No fim da safra, Javary descia o Purus e ia ven-
der a borracha em Coari. Todos os anos o mesmo percurso,
a mesma luta. Na última viagem, foi avisado pelos parentes
de sua convocação para o serviço militar. Deveria seguir
para Manaus quanto antes.
E foi.
Um ano durou sua contribuição à pátria.
Durante esse tempo, não se apartara da flauta de bambu.
No quartel divertia-se e aos companheiros com a música
exótica dos índios de sua terra. Vez por outra, recordava-se
do rancho, do igarapé e da pequena serpente. Tocava com
mais amor, mais inspiração, mais tristeza. Como era estra-
nha a maneira como a cobrinha o escutava! Dir-se-ia um ser
humano apaixonado pela música. Ela vinha coleando macio
como se temesse assustá-lo. Depois ficava à distância vaci-
lante, trêmula como uma namorada inexperiente. A língua
em forquilha, lambia o ar como se lhe saboreasse a melodia.
Os olhinhos muito pretos, moviam-se com impressionante
arritmia, num gozo histérico de mulher insatisfeita.
Às vezes tinha-lhe medo, apesar do seu peque-
no tamanho. Algo interior o conduzia a um receio vago,
inexplicável que se traduzia no pulsar rápido do coração
e num abalo repentino dos nervos. Um pavor infantil, mas
era sempre um pavor. Sem embargo acostumara-se a ela, à
sua presença à hora das saudades. Interessante, não havia
dúvida. O diabo da cobra parecia mulher. Devia ser fêmea,
a danada. Quando se afastava movia-se com graça, num co-

162
Crônicas de Coari
lear rebolante de grã-fina de cidade grande. Esquisito tudo
aquilo! Punha-se a recordar das histórias de fadas que ouvi-
ra cm criança. Não seria ela uma fada? Talvez o fosse. Por
isso tinha-lhe mais amor, mais respeito.
Dez anos eram passados, quando ele regressou
a Coari. Logo depois despedia-se dos amigos e parentes
com destino ao pouso do igarapé. Tinha-lhe muitas sauda-
des, não mais podia viver outra vida. Do ranchinho já nada
mais havia que não os esteios carcomidos e a trempe de
pedra a um canto. Em poucos dias levantara outro igual no
mesmo ponto.
Naquela noite havia luar. Noite impregnada
de tristeza poética, sacudida pelo canto das aves noturnas.
Javary tomou da flauta e tocou. Continuou tocando até que
um ruído estranho o fez parar. Vinha daquele lado donde
outrora surgia de manso a pequenina cobra preta. Entrou
a recordar. Que lhe teria acontecido durante todo aquele
tempo? Poderia estar viva ou, quem sabe? Talvez houvesse
sucumbido às garras de alguma ave de rapina. Era tão pe-
quena… teve-lhe pena e saudades também.
Mas, que monstro seria aquele? O ruído aumen-
tava. Galhos partidos, o mato se curvando ao peso de um
corpo colossal, ruído de folhas secas amassadas. Levou a
flauta à boca e tocou. Não era medo, que não o conhecia.
Um derivativo qualquer até que o perigo se esclarecesse.
Sim, porque a imensa floresta amazônica e a profundeza
de seus rios encerram muitos perigos, muitas surpresas e
também maravilhas que noutras terras não há. Os dedos
moviam-se como os de um autômato, enquanto os olhos
fitavam de modo estranho, algo que se aproximava rastejan-
do. Que seria aquilo? Não mais teve dúvidas. Era a boiuna,
a serpente gigante do Amazonas. Estava condenado, não
adiantava fugir. Nunca acreditara na lenda da cobra grande,
do tamanho de um navio e mais grossa que um barco. Deus

163
Archipo Góes
do céu, a boiuna existia! Ali estava a legendária cobra pre-
ta, a boiuna dos grandes rios, o terror dos índios da região.
O monstro veio vindo, veio vindo, de manso como se não
desejasse perturbar o artista. Bem defronte do velho toco de
castanheira enrodilhou-se, pôs a cabeça por cima da rodilha
e ficou a escutá-lo. Foi aí que Javary reconheceu a frágil
serpente de outros tempos. Os modos eram iguais, iguais os
trejeitos, a mesma maneira de fitá-lo com doçura.
Passou de uma melodia a outra. Continuou to-
cando, tocando sem descanso. Depois parou. O monstro se
moveu com impaciência. De novo levou a flauta aos lábios
e voltou a tocar. Ela ficou quieta a ouvi-lo. Javary tocava
agora sua música predileta que ainda não havia executado.
Notou que o corpo da serpente se retorcia. Depois come-
çou a contrair-se e a se distender no compasso da melo-
dia. Verdadeiras vibrações nervosas de humano significado,
sensações bem femininas de voluptuoso prazer.
O moço começou a experimentar um aperto no
coração. Angústia e impaciência por um estado d’alma que
se prolongava indefinidamente. Que lazer? Tocar a noite in-
teira? Novamente lhe veio a ideia de fuga. Impossível…
seria morte certa. Pela primeira vez na vida teve medo.
E como o medo é penoso. . . continuou tocando, tocando
sempre.
Devia ser de madrugada, quando a Boiuna deu
sinais de impaciência. Um tremor histérico cm todo o cor-
po. A língua bipartida, tremeluzia em fibrilações nervosas.
A rodilha gigantesca foi-se desfazendo. A enorme cabeça
dirigiu-se para o moço assombrado. Tocou-lhe os pés e
subiu. Lambeu-lhe o rosto com erotismo. E depois, numa
série de pequenos estremecimentos, enroscou-se lhe no cor-
po. Circulou-o inúmeras vezes, cobrindo-o totalmente. Em
seguida começou a apertar. Javary estava sendo estrangula-
do aos poucos, pelos carinhos de um gigante. Respirou com

164
Crônicas de Coari
dificuldade, o ar faltando, faltando. As vistas se tornando
baralhadas, escuras.
Na cabeça, uma pressão esquisita, penosa. Quis
gritar, não o pôde. Perdeu os sentidos.
E a Boiuna continuava apertando, apertando,
num amplexo ansioso de insatisfação. Os olhos brilhavam
como nunca. A língua em forquilha, movimentava-se com
rapidez crescente, enquanto um tremor desordenado lhe sa-
cudia o corpo inteiro. Javary sucumbiu por fim. No auge
da paixão, ela matara de amores, o companheiro insepará-
vel das noites mornas do Amazonas. E não mais o deixou
até que morresse também. Abraço mortal que traduziu toda
a imensidão de uma saudade acumulada, numa ausência
angustiosa.
E até hoje, ainda lá se veem, às margens do iga-
rapé, os fragmentos de um drama selvagem, mas de sentido
muito humano.
Os nativos evitam aquelas paragens, onde em
redor de um grande fogo azulado, espíritos maléficos ento-
am estranha sinfonia.

Revista Vida Doméstica – fevereiro de 1951.

165
Archipo Góes
Do Ouro Vermelho ao Ouro Negro: o crescimento
econômico de Coary

1. O Ouro Vermelho: a exploração da mão-de-obra


indígena e a coleta das drogas do sertão.

N
o primeiro momento da formação do povo coarien-
se, os indígenas amazônicos eram literalmente es-
cravos, tanto no período do Sistema de Capitães de
Aldeia como no Regimento das Missões.
Em 1703, a formação da aldeia de Coari,
aconteceu através do processo recrutamento chamado
“Descimento1” onde os missionários carmelitas levaram as
nações dos Jurimáguas, Catauixis, Jumas, Irijus, Uaupés,
Cuchivaras para forma uma missão no centro do lago de
Coari.
Nessa missão de Coari havia, na central da al-
deia, uma igreja católica cercada de casas indígenas, em
que a administração do povoado ficava sob a direção do
padre missionário. E na parte posterior da aldeia havia as
1 Os descimentos eram feitos através do convencimento dos in-
dígenas para saírem de suas aldeias por livre e espontânea vontade. Os
padres, para conseguirem tal objetivo, faziam inúmeras promessas de
melhorias nas condições de vida, caso fossem viver nos aldeamentos, e
quando isso não funcionava, usavam a coação, obrigando-os, através do
medo, a aceitarem a convivência indesejada nos aldeamentos.

166
Crônicas de Coari
plantações de algodão, tabaco, cana-de-açúcar e o extrati-
vismo das drogas do sertão como: cravo, canela, salsaparri-
lha, urucu, plantas medicinais, manteiga de tartaruga, cacau
e a copaíba que eram enviadas para a Portugal para a manu-
tenção da ordem religiosa.

Essas ações eram realizadas persuadindo os


indígenas a deixarem suas aldeias espontaneamente. Para
isso, os padres prometiam melhores condições de vida se
forem morar na aldeia missionária e, quando isso não fun-
ciona, usam a coerção, forçando-os pelo medo a aceitarem
a convivência indesejada nos aldeamentos de descimentos.
Após o descimento os indígenas eram armaze-
nados em “aldeias de repartições”, pois eram considerados
“livres”, para daí serem alugados e distribuídos entre os co-
lonos, demais missionários e o serviço da corte.

167
Archipo Góes
2. Migrantes Nordestinos

A chamada “Grande Seca” do século XIX que


aconteceu no Nordeste brasileiro teve influência na econo-
mia coariense. Ela ocorreu entre 1877 e 1879, atingindo as
províncias de Alagoas ao Piauí e teve um grande impac-
to social, político e econômico na região. Calcula-se que
aconteceu 500 mil mortes nesses 3 anos.

As Causas

Além da fome e da sede, da intoxicação pela


ingestão de alimentos estragados, a medicina da época ain-
da não conhecia os micro-organismos, dessa forma, uma
série de epidemias e doenças dizimaram uma boa parte da
população pobre. A epidemia de varíola foi a responsável
por dizimar cerca de um terço dos mortos.
A seca de 1877-1879 ficou famosa e foi particu-
larmente catastrófica por alguns motivos históricos especí-
ficos. Mesmo tendo feito parte de uma série de catástrofes
climáticas que se abateu sobre todo o hemisfério sul provo-
cadas pelo fenômeno do El Niño (desconhecido na época),
ela se deu após um período de cerca de trinta anos sem que
o fenômeno ocorresse.
A falta de chuvas levou à morte de milhares de
pessoas e animais, além de provocar a migração em massa
de sertanejos em busca de sobrevivência. O governo im-
perial, na época, criou medidas paliativas para tentar mini-
mizar os efeitos da seca, como a construção de açudes e a
distribuição de alimentos e sementes.
A Grande Seca foi um tema recorrente na lite-

168
Crônicas de Coari
ratura e na cultura popular nordestina, sendo retratada em
obras como “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, e em mú-
sicas e cordéis. A seca também foi um tema de estudo para
cientistas e intelectuais da época, que buscavam entender as
causas do fenômeno e encontrar soluções para o problema.

A grande seca e a migração nordestina para o


Amazonas

Em meio à crise, muitos nordestinos viram no


Amazonas uma oportunidade de recomeço. O estado, então
pouco povoado e com um clima úmido e quente, parecia
ser um refúgio para aqueles que fugiam da seca e da misé-
ria. As primeiras levas de migrantes nordestinos chegaram
ao Amazonas a partir de 1878. Eles eram, em sua maioria,
agricultores, pescadores e artesãos que buscavam oportuni-
dades de trabalho e de sobrevivência.
Os nordestinos que migraram para o Amazonas
enfrentaram muitos desafios. O estado era ainda inexplo-
rado e o acesso a ele era difícil. Além disso, os migrantes
tinham que lidar com a hostilidade de alguns amazonenses,
que os viam como invasores. Apesar dos desafios enfrenta-
dos pelos migrantes, seu legado cultural e contribuição para
o desenvolvimento regional são aspectos importantes dessa
história.

A chegada de grupo de cearenses à vila de Coari

Na viagem do Barão de Maracaju, presidente


da província do Amazonas, ao rio Solimões, em 17 de ja-
neiro de 1879, pode ser ter um quadro da recém criada Vila
de Coary. Havia na comitiva um médico que fez muitos

169
Archipo Góes
atendimentos na vila, contudo, o seu principal objetivo na
viagem era atender a colônia dos emigrantes cearenses que
ficava a poucos quilômetros da vila, pois os mesmos esta-
vam com suspeita de varíola.
O médico realizou uma visita à colônia de cea-
renses, que então estava estabelecida a meia hora de viagem
do porto da vila de Coari. Após os atendimentos, foi consta-
do que havia 6 cearenses com sintomas de varíola, mas, es-
tando 3 já em convalescença. Sendo todos eles examinados
com atenção por aquele médico, que deixou as instruções
precisas ao devido tratamento.
No fim da viagem, ficou reconhecido que a
varíola manifestou -se em Coary e em Tefé, atacando uni-
camente os emigrantes cearenses. Nos demais povoados é
muito elogioso o estado de salubridade, e os seus habitantes
amedrontados em virtude das notícias exageradas de estar
alastrando-se os casos de varíola naquelas vilas e cidades,
perderam todo o receio com a vacina distribuída pelo men-
cionado médico da viagem.
Segundo o jornal “Amazonas” houve ainda no
ano de 1879 a chegada de mais um lote de 100 cearenses
para terras coayenses. No ano seguinte, chegou ainda mais
22 cearenses que vieram se juntar ao grande número que
já viviam na colônia migrante ou na própria vila de Coary.
A migração nordestina para a vila de Coary dei-
xou um legado cultural duradouro na região. Isso é evidente
na música, na culinária e nas tradições locais, que foram
enriquecidas pela influência nordestina. Além disso, a mi-
gração contribuiu para o crescimento e desenvolvimento
econômico do Amazonas, aumentando a população e im-
pulsionando setores como a agricultura, o extrativismo e a
pesca.

170
Crônicas de Coari
3. O Comércio em Coari no século XIX
a. Jornal Amazonas – O comércio em Coary em 1878

171
Archipo Góes
b. Jornal Amazonas – O comércio em Coary em 1879

172
Crônicas de Coari
c. Jornal Amazonas – O comércio em Coary em 1881

173
Archipo Góes
Nos quadros acima, é possível observar que,
entre 1879 e 1891, a Vila de Coary já apresentava uma
estrutura urbana em desenvolvimento, com a presença de
algumas ruas e estabelecimentos comerciais. Dentre esses
estabelecimentos, destacam-se as lojas ou tabernas, os rega-
tões que comercializavam em suas canoas, os depósitos de
lenha, funilarias, alfaiates e vendas de bebidas, entre outros.

4. O Primeiro Ciclo da Borracha em Coari

A borracha é um polímero elástico que é extra-


ído da seringueira, uma árvore nativa da Amazônia. Ela é
um material versátil que pode ser usado em uma ampla va-
riedade de aplicações, como pneus, sapatos, roupas e brin-
quedos. A seringueira (Hevea Brasiliensis) é uma árvore de
grande porte que pode atingir até 40 metros de altura.
A borracha desempenhou um papel crucial na
história e economia do município de Coary. No final do

174
Crônicas de Coari
século XIX, a demanda por borracha aumentou devido ao
desenvolvimento da indústria do automóvel, brinquedos,
instrumentos médicos, sapatos na Europa e nos Estados
Unidos. A Amazônia era o único lugar do mundo onde a
seringueira crescia naturalmente, o que deu ao Brasil uma
vantagem competitiva no mercado mundial da borracha.
No livro “À Margem da História” de Euclides
da Cunha, há a descrição da realidade da migração dos
nordestinos, a principal mão de obra dos seringais, para a
Amazônia. Ele retrata com traços tremendamente realísti-
cos essa migração, que acabaria definindo a condição eco-
nômica e humana no seringal:

“São as secas do Nordeste que tangem para as


cidades do litoral essa população de famintos assombro-
sos, devorados das fezes e das bexigas — a preocupação
exclusiva do poder público consistia em libertá-las quan-
to antes daquela invasão de bárbaros. Mandavam-nos para
a Amazônia — vastíssima e despovoada, quase ignota
– o que equivalia a expatriá-los dentro da própria pátria.

175
Archipo Góes
Nunca, até aos nossos dias, os acompanhou um só agente
oficial ou um médico. Os banidos levavam a missão doloro-
síssima e única de desaparecerem… e não desapareceram.
Naquele extremo sudoeste amazônico 100 mil sertanejos ou
100 mil ressuscitados repatriavam-se de modo original e
heroico, dilatando a pátria até os terrenos novos que tinham
desvendado”.
A vila de Coary foi fortemente influenciada
pelo primeiro ciclo da borracha e a grande produção de cas-
tanha do Pará no início do século XX. Houve dois ciclos
da borracha e décadas de grande produção de castanha no
município de Coary.
O primeiro ciclo da borracha foi um ciclo eco-
nômico que levou a uma intensa exploração de seringueiras
e de produção de borracha na região amazônica durante o
período de 1879 a 1912. Foi um período de grande riqueza
para a região, mas também de exploração e violência.
Foi o período de grande produção de borracha
na Amazônia, que teve um impacto significativo na região
do Solimões. A economia do Amazonas se desenvolveu ra-
pidamente, e a vila de Coary se tornou um importante e
emergente centro extrativista. No entanto, o primeiro ciclo
da borracha também teve um impacto negativo, pois levou
à intensa exploração das seringueiras e o extermínio da po-
pulação indígena que viviam próximo aos seringais.

Barracão do Seringal Socó, no rio Copeá de


propriedade do Cap. José Ribeiro da Silva, Intendente
Municipal de Coary
Acham-se presentes:
1) O proprietário, tendo a sua esquerda a sua
extremosa filha, Guiomar;
2) O gerente da casa, o Sr. F. Brazão, sua irmã

176
Crônicas de Coari
D. Raymunda Brazão e parte do pessoal extrator, num dia
de recebimento de borracha.
É, pois, um aspecto bizarro do sertão do extre-
mo norte do Brasil, de cujas entranhas sai grande parte da
receita geral da República.
Por outro lado, à vista da pasmosa porcentagem
de crianças, também se pode concluir que a indústria extra-
tiva da goma elástica favorece notavelmente o povoamento
do solo.

Fonte: Reino da Borracha no rio Copeá


Revista “O malho” – 16/10/1909.
Visita de Oswaldo Gonçalves Cruz a Coary em 1913
Nesta localidade, situada a três dias de viagem
de Manaus, paramos algumas horas. Coary é uma cidade
de 600 habitantes que na ocasião das cheias recebe grande
número de seringueiros, os quais para ali vêm depois da co-
lheita da borracha, elevando-se então a população, segundo
nos informaram, a duas ou três mil pessoas. A população de
borracha no Município de Coary é bastante elevada, haven-

177
Archipo Góes
do alguns rios bastante ricos.
O povoado fica situado numa enseada do
Solimões, num alto barranco e não é atingida pelas enchen-
tes. Atravessa a cidade um igarapé de margens baixas, pare-
cendo ser a fonte de Malária.

Oswaldo Cruz
(página Cores do Passado 1)

Examinando grande parte da população de


Coary, ficamos surpreendidos diante do elevadíssimo ín-
dice endêmico, relativamente a Malária. Todas as crianças
examinadas, em número de 80 a 100, apresentavam consi-

178
Crônicas de Coari
derável esplenomegalia (Baço aumentado) e mostravam-se
definhadas, a maioria delas em franca cachexia palustre.
Nenhuma criança encontramos sem aumento considerável
do baço.
Em adultos tivemos também oportunidade de
verificar infecções crônicas e outras agudas pela Malária,
causando-nos grande admiração alguns casos de conside-
rável esplenomegalia, entre eles, numa mulher, cujo baço
caíra no Hipogástrio, onde se encontrava com dimensões
consideráveis e num homem, cujo baço tomava todo o
abdômen.
Observamos ainda uma criança com infantilis-
mo, provavelmente devido à Malária. Coary deve merecer
como centro de produção de borracha a atenção do Governo
nas medidas de profilaxia antimalárica.
A alimentação da população de Coary é a co-
mum no Norte, predominando o peixe e a tartaruga. Há aí
pequena cultura de cereais, nas proximidades da cidade,
limitada a um mínimo quase desprezível, como atividade
agrícola.
As residências de Coary são regulares e com-
paráveis as dos pequenos povoados do Sul. As casas são
cobertas de telhas, sendo as melhores, rebocadas e caiadas.

A vida nos seringais de Coari


Os migrantes nordestinos que chegavam aos se-
ringais de Coary, já estavam totalmente endividados. Eles
tinham que arcar com as despesas da viagem, incluindo as
passagens da família, as refeições durante o trajeto, as fer-
ramentas de trabalho e os objetos para casa. Além disso,
eles só poderiam fazer compras no barracão de aviamento.
Local, onde todos tinham o seu caderno de anotações, em
que era feito nota de suas compras com preços inflacionados.

179
Archipo Góes
No seringal, não havia circulação de dinheiro.
A moeda de troca conhecida era o trabalho dos migrantes.
Isso resultava em uma relação de dependência em que o
dono do seringal exercia domínio e autoridade sobre tudo o
que era necessário para a sobrevivência. A floresta tornou-
-se uma espécie de muralha da sua prisão, um cativeiro.
O seringueiro tinha a responsabilidade de pro-
duzir 50 quilos de borracha semanalmente. Para isso, come-
çava a fazer talhos no troco da seringueira e recolher o látex
às quatro horas da manhã, pois a árvore liberava mais seiva
quando cortada mais cedo. Cada família possuía sua própria
colocação, sua trilha e seu tapiri para tenta pagar uma dívi-
da injusta, inflacionada e impossível de ser quitada.

O fim da Belle Époque


O primeiro ciclo da borracha encerrou-se a
partir de 1912, devido a três principais fatores. Primeiro, a
monocultura de seringueiras tornou-se vulnerável a pragas,
como o “mal-das-folhas”, que devastaram as plantações e
reduziram de maneira drástica a produção.
Segundo fator, foi a concorrência asiática, es-
pecialmente do Sudeste Asiático, que começou a produzir
borracha (com sementes roubadas da Amazônia) de forma
mais eficiente e econômica, reduzindo a demanda pela bor-
racha da Amazônia.
Por fim, a especulação financeira desenfreada
inflou os preços das terras e seringais, criando uma bolha
econômica que estourou quando os preços da borracha des-
pencaram, levando a uma crise econômica na região ama-
zônica. O conjunto desses fatores resultou no colapso do
primeiro ciclo da borracha e em décadas de recessão econô-
mica na Amazônia.
Foram os nordestinos que sustentaram a econo-

180
Crônicas de Coari
mia coariense naquele momento. A mão de obra indígena
já estava depauperada naquela altura, nunca tinha incorpo-
rado o disciplinamento da colonização, sempre resistiram
e pagaram com a vida por isso. Dessa forma, os nordesti-
nos movimentaram e desenvolveram a economia coariense.
Eles se fixaram nas terras coarienses, criaram suas famílias,
e aqui fizeram a sua história. Eles trouxeram consigo suas
tradições culturais e culinárias, enriquecendo a diversidade
cultural do município de Coary, desempenhando um papel
fundamental no desenvolvimento e crescimento da vila de
Coary.

5. Coari e a Castanha-do-Pará: Uma História de


Comércio e Controle
A castanha-do-pará, também conhecida como
noz amazônica, castanha-do-brasil, castanha-da-amazô-
nia, tocari e tururi, é uma árvore e semente que possui uma
ampla variedade de nomes. Pertencente à família botânica
Lecythidaceae, essa árvore é nativa da nossa floresta ama-
zônica. Desde a chegada dos europeus à América do Sul,
essa árvore tem sido mencionada e minuciosamente descri-
ta em relatos de viajantes, religiosos e naturalistas.
A partir da década de 1920, com o declínio do
primeiro ciclo da borracha, a castanha-do-pará emergiu
como o principal produto de exportação na vila de Coary.
Além disso, desempenhou um papel crucial na geração de
receitas tributárias para o estado do Amazonas. Dessa ma-
neira, o extrativismo da castanha-do-pará garantiu a ma-
nutenção da economia de Coari até na primeira metade do
século XX e concomitantemente, a manutenção do sistema
dos coronéis de barranco.
O sistema de produção de castanha tinha como
objetivo principal, da mesma forma que acontecia com a
borracha, atender à demanda do mercado internacional.

181
Archipo Góes
Dessa forma, a exploração da castanha-do-pará também
incorporou a antiga prática de extrativismo de coleta, que
envolvia a organização e controle da mão de obra pelos em-
pregadores, conhecida como aviamento.
O termo aviamento se refere à prática de forne-
cer mercadorias a crédito, ou seja, antecipar os suprimentos
(alimentos, utensílios e equipamentos) que serão utilizados
pelo coletor durante a execução das atividades de coleta.
Por essa razão, em Manaus foram construídas
casas aviadoras e firmas de exportação de castanhas-do-pa-
rá. As casas aviadoras forneciam aos proprietários de cas-
tanhais, grandes volumes de mercadorias, que, por sua vez,
pagavam aos exportadores com sua produção.
Os grupos que dominavam o comércio da cas-
tanha, assim como anteriormente o da borracha, eram os
mesmos. Esses comerciantes enriqueciam cada dia mais e
utilizavam sua influência política para monopolizar o mer-
cado da castanha e adquirir extensas áreas de terra no mu-
nicípio de Coari.
Apesar da castanha-do-pará ter um alto valor
no mercado, a situação na floresta amazônica permanecia
inalterada. O ribeirinho coariense, responsável pela coleta
das sementes, era o que menos se beneficiava com a expor-
tação do produto para o exterior. Ele vivia em condições de
extrema pobreza.
O responsável pelo castanhal determinava o
preço da castanha, que era vendida por hectolitro. No entan-
to, nem sempre as dimensões da caixa de madeira fornecida
pelo patrão eram as mesmas dos ribeirinhos coarienses.
Em vez de receber dinheiro pelas sementes, os
ribeirinhos de Coari trocavam-nas por produtos do barracão
de aviamento, que tinham um valor muito mais alto do que
o do mercado. Infelizmente, esses ribeirinhos acabavam

182
Crônicas de Coari
se tornando eternos devedores, já que nunca conseguiam
quitar suas dívidas. Eles ficavam presos ao castanhal, na
esperança de acertar suas contas na safra seguinte, o que
raramente acontecia.
O processo de produção da castanha iniciava-
-se com a colheita dos ouriços. Em seguida, ocorria a que-
bra dos ouriços para a retirada das sementes. Após isso, as
amêndoas eram levadas para a lavagem, onde passavam por
uma segunda seleção, e posteriormente eram secadas. Para
transportar as sementes dos seringais para Coari, os grandes
produtores utilizavam um barco de grande porte chamado
de “batelão”.
Abguar Bastos, renomado escritor modernista
paraense, residiu em Coari no ano de 1927, quando trabalha-
va como secretário do prefeito Herberth Lessa de Azevedo.
Durante esse período, Bastos escreveu o livro intitulado “A
Safra”, cuja história se passa na vila de Coary na década de
1920. Nessa obra, o autor descreve minuciosamente o pro-
cesso do ciclo da Castanha-do-pará na região:

“Ele sabe que é mais um prisioneiro do novo


ciclo: o da castanha, tão cheio de peculiaridades. Sabe que

183
Archipo Góes
está enredado e que nas vilas, nos sítios, nos rios, a luta
é incessante. Sabe que a concorrência se desenvolve entre
dois grupos poderosos: de um lado os extratores, de outro,
os comerciantes, em conjunto com os castanheiros peque-
nos-proprietários e os castanheiros latifundiários. A família
dos comerciantes pertence ao arrendatário de safras, o pe-
queno e o grande aviador, todos com a função de comprar e
revender a castanha.

Livro de Abguar Bastos


com cenário em Coari
O arrendatário de safras compra a castanha
nos paióis e vende-a no navio-grande. Os aviadores insta-
lam seus estabelecimentos numa das capitais: Manaus ou
Belém. E há, também, o “atravessador” que troca ou com-
pra pequenas partidas de amêndoas para revendê-la ao pe-
queno aviador. São compradores ambulantes, que operam

184
Crônicas de Coari
no período das safras, em canoas ligeiras ou à sombra dos
batelões”.
Em 1940, Coari já se destacava como o maior
produtor de castanha-do-pará no Amazonas, com uma im-
pressionante colheita de 3.312 toneladas, equivalente a 40%
da produção total do Estado. Contudo, a colheita da casta-
nha era inteiramente voltada para o mercado internacional,
de demanda restrita e inflexível, o que vinha acarretando
grande instabilidade na cotação do produto.
Entre 1960 e 1967, os preços de exportação da
castanha-do-pará variavam conforme o quadro abaixo:

Anos US$ por tonelada


1960 541
1961 431
1962 430
1963 353
1964 431
1965 582
1966 464
1967 518
Em 1968, Coari enfrentou uma crise econômi-
ca de grandes proporções devido à queda nos preços pagos
pelas empresas exportadoras. Esses preços ficaram muito
abaixo do valor estabelecido nos contratos de financiamen-
to, causando consequências catastróficas para a região.
Na parte 02 desse artigo vamos tratar sobre o
comércio em Coari no início do século XX, o 2º ciclo da
borracha, Coari o maior produtor de banana do Amazonas e
a descoberta do petróleo na província de Urucu.

185
Archipo Góes
6. O Comércio e as instituições no começo do século XX
A. Um relatório sobre Coari de 1911

186
Crônicas de Coari
No relatório de 1911 publicado pelo Almanak
Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro,
sobre a vila e comarca de Coari, podemos observar muitos
fatos interessantes como:
a) Os 5 distritos são: a vila de Coary, Camará,
Barro Alto, Camarão e Piorini. No entanto, surge uma dú-
vida em relação à localidade denominada Camarão, uma
vez que não existem registros de uma comunidade com
esse nome. Por dedução, podemos verificar que a vila de
Fernandes, situada no rio Copéa, onde a família fundadora
da localidade, os Fernandes, também era conhecida como
Camarões devido à cor da pele. Portanto, é provável que o
jornal estivesse se referindo à vila Fernandes.
b) A maioria da população ocupa-se na extração
da goma elástica (borracha). A viação é feita por navegação
a vapor e à vela. Sua população é de 14.000 almas com 311
eleitores. Nessa época as mulheres não votavam, somente
os homens de posses.
c) Nessa época, o senhor Lucas d’Oliveira
Pinheiro já ocupava o cargo de superintendente (prefeito)
da vila de Coary, demonstrando sua habilidade como líder
político ao comandar a política local por muitos anos.
d) O Vigário era Victor Merino, que construiu a
igreja de Santana e São Sebastião em 1910.
e) Um amplo comércio e instituições na sede da
vila de Coary, incluindo padarias, correios, fábricas, enge-
nhos (cachaça, mel, açúcar, rapadura), madeireiras ou ser-
rarias, fotógrafos, sapateiro, advogados, escolas masculinas
e femininas separadas, escola de música, uma escola na vila
do Camará etc.
f) A presença de pessoas ilustres que habitavam
a vila de Coary como: o fotografo, Olgar de Castro; o pro-
fessor Benedicto Edelberto de Góes; o futuro desembarga-
dor, Leôncio Salignac; o criador do primeiro boi-bumbá de
Coari, Luiz de França.

187
Archipo Góes
B. Um relatório sobre Coari de 1921

188
Crônicas de Coari
No relatório de 1921 publicado pelo Almanak
Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro,
sobre a vila e comarca de Coari, podemos observar muitos
fatos interessantes como:

a) A vila de Coary exportava borracha, casta-


nha-do-pará, cacau, peixe e óleo de copaíba.

b) No texto é colocado como fundadores


de Coary os irmãos Guimarães: Antônio José Pereira
Guimarães e Thomaz Pereira Guimarães, mas eles eram
apenas os moradores de um sítio nas terras de Tauá-mirim
na mudança da sede da freguesia de Alvelos para o local
onde está a cidade, junto a foz do lago de Coari.

c) Existia na cidade uma associação da Banda


Musical Coariense.

d) Depois de 10 anos o coronel Lucas Pinheiro


ainda era o superintendente (prefeito) da vila de Coary.

e) Na cidade o comércio e serviços a vila já dis-


põe de alfaiates, carpinteiros, marceneiros, ferreiros, ouri-
ves, relojoaria, etc.

f) Agora o vigário é o padre Irineu Modesto


Rebouças.

g) Na Educação, ainda vemos a presença do


Professor Góes, que ainda aparece nessa lista até o ano de
1927.

189
Archipo Góes
C. Um relatório sobre Coari de 1931

No relatório de 1931 publicado pelo Almanak


Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro,
sobre a vila e comarca de Coari, podemos observar muitos
fatos interessantes como:
a) A população baixa de 14.000 para 8.000
pessoas.
b) O senhor Edgard da Gama Rodrigues, fu-

190
Crônicas de Coari
turo prefeito de Coari, estava como secretario na Junta de
Alistamento Militar e como sucessor de tabelião.
c) A presença do futuro Desembargador André
Vidal de Araújo como juiz da comarca.
d) Aparece um mercado público municipal.
e) Uma associação chamada Coary Sporting
Club sobre a direção do Juiz Antônio Vidal de Araújo e do
major da guarda nacional, Deolindo Alfredo Dantas.

7. O Segundo Ciclo da Borracha

O segundo ciclo da borracha teve início durante


a Segunda Guerra Mundial, entre os anos de 1942 e 1945.
A principal motivação para o retorno do financiamento da
produção de borracha foi a invasão do Japão a outros paí-
ses, uma vez que o país fazia parte do Eixo naquela guerra.
Em 1941, o Japão iniciou invasões em países
como Singapura, Tailândia e Malásia, que eram os maiores
produtores de látex na Ásia. Essas ações permitiram que o

191
Archipo Góes
Japão assumisse o controle dos principais seringais, impos-
sibilitando os Estados Unidos de utilizar esses recursos para
produzir produtos derivados de borracha, como pneus, cor-
reias, mangueiras, sapatos e as peças de borracha utilizadas
nos tanques de guerra, aviões e navios.
Após o afundamento de cinco navios da frota
brasileira por submarinos de guerra alemães, resultando na
perda trágica de mais de 600 vidas, a população brasilei-
ra manifestou sua profunda indignação através de intensos
protestos. Essa reação popular levou o governo brasileiro a
tomar a decisão de declarar guerra à Alemanha e à Itália no
dia 22 de agosto de 1942.
Os Estados Unidos fizeram um acordo com
o Brasil para que todo o látex extraído em solo brasileiro
fosse utilizado por eles durante a guerra. Esse acordo se
chamou “Acordo de Washington”. E assim, por meio do
Departamento de Guerra norte-americano, foi repassado ao
Brasil mais de 100 milhões de dólares em troca de artigos
necessários à sua defesa nacional, dentre eles, a borracha.
Contudo, esse dinheiro não chegou nas mãos dos seringuei-
ros, como assim havia sido planejado.
Em 1943, foi criado o SEMTA (Serviço Especial
de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia), um ór-
gão responsável por organizar um alistamento compulsório,
focado principalmente nos nordestinos. Essa mobilização
resultou na incorporação de mais de 100 mil homens co-
nhecidos como “Soldados da Borracha”.
Os nordestinos eram forçados, ou de certa ma-
neira, coagidos a se alistar e migrar para os seringais da
Amazônia, da mesma forma que ocorreu no primeiro ciclo
da borracha. Eles enfrentavam dificuldades devido à ausên-
cia de condições sanitárias adequadas nos seringais, ataques
de animais selvagens e violência nas relações de trabalho.

192
Crônicas de Coari

Muitos “Soldados da Borracha” chegaram à ci-


dade de Coari para trabalhar nos seringais, porém, já che-
gavam endividados com os coronéis de barrancos. Desde o
transporte até a alimentação, tudo era cobrado. O “sistema
de aviamento” mantinha o trabalhador preso por meio de
uma dívida interminável, que aumentava constantemente.
Eles residiam na zona rural do município de Coari e tudo o
que recebiam era cobrado com um valor cinco vezes maior
do que o normal, incluindo alimentação, ferramentas, uten-
sílios domésticos, roupas, armas, munição e remédios.
O seringueiro coariense saía da sua locação logo
nas primeiras horas da manhã, muitos começavam por volta
das 3h. Ele utilizava uma poronga (lamparinas colocadas na
cabeça) para iluminar o caminho e assim, conseguir extrair
o látex das seringueiras. Durante a madrugada, a temperatu-
ra na floresta de Coari é bastante baixa, o que permite que o
látex seja retirado sem coagular. Isso acontece porque, com
o calor do dia, o látex endureceria mais rapidamente. Dessa
forma, a seiva fluía rapidamente enquanto o seringueiro se

193
Archipo Góes
apressava para alcançar outras árvores em sua trilha.

Ao finalizar, ele retornava pelo caminho inver-


so, recolhendo os potes contendo látex e despejando-os no
balde. Por volta das 8 horas, o seringueiro chegava ao tapiri
para fumar o látex e produzir a “péla” de borracha, que ge-
ralmente pesava 50 kg.

Outros acordos entre Brasil e EUA forma for-


malizados para desenvolver a Amazônia, sendo os mais
relevantes:
1) Na área da economia, aconteceu o financia-
mento da cadeia de produção da borracha através do Banco
de Crédito da Borracha, criado em 9 de julho de 1942, pelo
Decreto-Lei n.º 4.451.
No ano de 1950, passou a se chamar Banco de
Crédito da Amazônia S.A., por uma decisão do governo fe-

194
Crônicas de Coari
deral e foi ampliado o financiamento para outras atividades
produtivas, assumindo contornos pioneiros de banco regio-
nal misto.
No dia 25 de setembro de 1956 foi instalada a
agência do Banco de Crédito da Amazônia S.A. na cidade
de Coari.

A partir de 1966, passou a se chamar de Banco


da Amazônia — BASA. O banco assumiu o papel de agente
financeiro da política do Governo Federal para o desenvol-
vimento da Amazônia Legal. Seu primeiro projeto de finan-
ciamento foi o da CAMTEL (Companhia Amazonense de
Telecomunicações), onde foi instalado postos telefônicos
nas cidades de Manacapuru, Itacoatiara, Parintins e Coari.
2) Na área da saúde, foi implantada os postos
médicos do SESP (Serviço Especial de Saúde Pública) que
foram instalados na maioria das cidades da Amazônia, sen-
do a primeira forma de atendimento em saúde de forma es-
truturada e sistemática na maioria das cidades da Amazônia;
Durante o segundo ciclo da borracha, a CAETA
era o órgão responsável por recrutar os trabalhadores e
transportá-los para o vale amazônico. Por sua vez, o SESP
seria responsável por examinar os soldados da borracha que
estivessem seguindo viagem para os seringais e fornecer
assistência médica equivalente àquela oferecida às popu-
lações civis. No entanto, infelizmente, isso não aconteceu
como deveria.

195
Archipo Góes
Outros acordos entre Brasil e EUA forma for-
malizados para desenvolver a Amazônia, sendo os mais
relevantes:
1) Na área da economia, aconteceu o financia-
mento da cadeia de produção da borracha através do Banco
de Crédito da Borracha, criado em 9 de julho de 1942, pelo
Decreto-Lei n.º 4.451.
No ano de 1950, passou a se chamar Banco de
Crédito da Amazônia S.A., por uma decisão do governo fe-
deral e foi ampliado o financiamento para outras atividades
produtivas, assumindo contornos pioneiros de banco regio-
nal misto.
No dia 25 de setembro de 1956 foi instalada a
agência do Banco de Crédito da Amazônia S.A. na cidade
de Coari.
A partir de 1966, passou a se chamar de Banco
da Amazônia — BASA. O banco assumiu o papel de agente
financeiro da política do Governo Federal para o desenvol-
vimento da Amazônia Legal. Seu primeiro projeto de finan-
ciamento foi o da CAMTEL (Companhia Amazonense de
Telecomunicações), onde foi instalado postos telefônicos
nas cidades de Manacapuru, Itacoatiara, Parintins e Coari.
2) Na área da saúde, foi implantada os postos
médicos do SESP (Serviço Especial de Saúde Pública) que
foram instalados na maioria das cidades da Amazônia, sen-
do a primeira forma de atendimento em saúde de forma es-
truturada e sistemática na maioria das cidades da Amazônia;
Durante o segundo ciclo da borracha, a CAETA
era o órgão responsável por recrutar os trabalhadores e
transportá-los para o vale amazônico. Por sua vez, o SESP
seria responsável por examinar os soldados da borracha que
estivessem seguindo viagem para os seringais e fornecer
assistência médica equivalente àquela oferecida às popu-

196
Crônicas de Coari
lações civis. No entanto, infelizmente, isso não aconteceu
como deveria.
3) E por fim, na área de educação, houve a sen-
sibilização dos superiores da ordem Redentorista da pro-
víncia de Sant´ Louis (EUA), para que houvesse o envio de
missionários daquela localidade para evangelizar e educar
os ribeirinhos da Amazônia. A solicitação foi aceita e as
primeiras paróquias em que começaram o seu trabalho de
evangelização foram as de Coari e Codajás.

Banco da Amazônia – Basa – Foto de 1968

A grande maioria dos “Soldados da Borracha”


nunca retornou ao nordeste. O governo da época falhou em
cumprir sua promessa de levar os soldados de volta para
casa como heróis de guerra e garantir-lhes tratamento igual
aos combatentes, incluindo aposentadoria.
O segundo ciclo da borracha na Amazônia che-
gou ao fim em 1945, logo após o término da Segunda Guerra
Mundial. Isso ocorreu devido ao surgimento e predominân-
cia da borracha sintética no mercado internacional, o que
desvalorizou o látex natural. Como resultado, a indústria
da borracha amazônica entrou em declínio e continuou a

197
Archipo Góes
definhar até o ano de 1960.
O escritor Francisco Vasconcelos, nascido em
Coari e membro da Academia Amazonense de Letras, apre-
senta em seu livro de memórias intitulado “Coari — um
retorno às origens”, uma descrição inusitada do declínio da
atividade de aviamento da borracha e da castanha-do-pará
na região do Solimões:
“Nos tempos de séria crise econômica que pas-
sou a região do Solimões produtora de castanha, em razão
de injusto e retaliatório aviamento dos preços daquele pro-
duto, quando, ele também, sofreria as consequências de um
irregular procedimento operacional bancário que, de ma-
neira irresponsável, levou à bancarrota a praça de Coari”.
“À época, por ironia da vida, coube-me a difícil
tarefa de conduzir as tentativas de “acertos de contas” com
quantos inadimplentes se viam sufocados por vultosas dívi-
das, funcionário que era do Banco do Brasil e, por injunção
profissional, no exercício da função de Gerente da Agência
de Tefé, que tinha sob sua jurisdição o Município de Coari.
Ah! Que tempos difíceis, para mim, aqueles, forçado a de-
frontar-me com os interesses e anseios de velhos colegas
meus, os produtores de minha geração, ou de amigos e co-
legas de meu pai, que muitos ainda eram vivos”.
8. A era dourada da banana em Coari
Nas últimas décadas do século XX, o município
de Coari desfrutou de um prestígio singular como o maior
produtor de banana do estado do Amazonas. Esta fruta de
polpa doce e sabor inconfundível não só se estabeleceu
como um importante pilar econômico da cidade, mas tam-
bém como um elemento central da identidade local. Porém,
como em muitas histórias de sucesso, a ascensão da banana
em Coari foi seguida por desafios significativos que culmi-
naram em sua íngreme decadência.

198
Crônicas de Coari

Desde a década de 1970, o município de


Coari era conhecido como o maior produtor de banana do
Amazonas. O “Jornal do Comércio” em 1975, noticiava
que o município de Coari era responsável pela oferta de
65% da banana comercializada junto a CEASA. No mês de
agosto a produção de Coari foi de 759 toneladas de banana.
Ainda em 1975, a Embrapa (Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária) fez uma capacitação com os téc-
nicos agrícolas da ACAR-AM (Associação de Credito e
Assistência Rural do Amazonas) para instruir os agriculto-
res de Coari sobre o Sistema de Produção da Banana e todas
as recomendações técnicas.
Em 1979, foi noticiado também pelo Jornal do
Comércio, que Coari era o maior produtor de banana do
estado do Amazonas, sendo responsável por estabilizar o
preço do devido a sua alta produção e manter qualidade do

199
Archipo Góes
produto, apesar das dificuldades relacionadas ao transporte
de Coari para Manaus.

Durante a década de 1980, continuou o grande


crescimento incentivado pelo grande mercado consumidor
em Manaus que comprava tudo que era produzido. Em
1988, Coari enviou mais de um milhão de cachos de banana
para a capital do estado.
Em 1989, houve um forte vínculo identitário
da população com as atividades rurais, pois durante cerca
de 15 anos, o Município de Coari era classificado como o
maior produtor de banana do Estado do Amazonas, sendo
essa fruta responsável por 2/3 da renda proveniente da ati-
vidade de agricultura, ou seja, era a principal fruta cultivada
no Município.
Naquele mesmo ano, a cidade de Coari passa-
va por grandes transformações em sua estrutura, enquanto
mantinha sua atmosfera pacata, tranquila e ordeira. O pre-
feito da época era Evandro Aquino, um técnico agrícola de

200
Crônicas de Coari
formação e funcionário da Emater. Para celebrar a abun-
dante produção de banana na região, o prefeito decidiu criar
a “Festa da Banana”, um evento anual que aconteceria na
primeira quinzena de dezembro na recém-criada feira do
produtor rural.

No final da década de 1990, os bananais do mu-


nicípio de Coari começaram a ser dizimados. Um dos mo-
tivos para o declínio das áreas de plantação de banana na
região de Coari, foi a entrada pela fronteira da Colômbia e
Peru de uma praga chamada Sigatoka Negra, descoberta no
final da década de 1990. Essa doença destruiu a maioria dos
bananais da região do Solimões.
A produção primária de Coari, em que a bana-
na em geral foi a cultura que ofereceu o maior rendimento
médio, passou a sofrer um declínio em sua produção. As
suas comunidades rurais produtoras de banana tiveram uma
diminuição da área plantada de 6.140 hectares, em 1998,
para 960 hectares, no ano de 2002.

201
Archipo Góes

O Município de Coari, reconhecido como o


maior produtor de banana do Estado do Amazonas, teve que
recomeçar toda a cultura do plantio por meio de seleção de
espécie clonadas, resistente a doença Sigatoka Negra.

9. O “Ouro Negro” em Coari: O conflito entre


cobiça e desenvolvimento
A história da Petrobrás na Amazônia remonta
a 1917, quando os exploradores do serviço mineralógico
nacional perfuraram o primeiro poço na região. Em 1953, a
Petrobrás foi fundada e, no ano seguinte, descobriu petró-
leo em três municípios do Amazonas, incluindo Coari. No
entanto, os poços mostraram-se economicamente inviáveis.
O ano era 1986 e o Brasil estava deixando
para trás duas décadas de ditadura. O presidente Tancredo
Neves, eleito por meio da última eleição indireta realizada
pelo Congresso Nacional, infelizmente faleceu antes de to-
mar posse em 21 de abril, sendo substituído pelo primeiro

202
Crônicas de Coari
presidente José Sarney. Na prefeitura de Coari, o senhor
Roberval Rodrigues da Silva exercia o mandato de prefeito
com duração excepcional de 6 anos.

Em 1988 começa a operar a primeira estação de produção em Urucu

Em 12 de outubro de 1986, foi descoberto pe-


tróleo na província do rio Urucu, comprovando definitiva-
mente a existência de petróleo comercial na Amazônia. A
Sonda SM-1, responsável pela perfuração do poço explo-
ratório número 1, também conhecido como RUC-1, encon-
trou a jazida a uma profundidade de 2.494 metros. A perfu-
ração teve início em junho de 1986. Durante os primeiros
três dias, a vazão inicial de óleo atingiu 950 barris por dia.
Apenas 62 pessoas tiveram o privilégio de presenciar o
momento em que o petróleo jorrou pela primeira vez na
Amazônia.
O óleo de Urucu é reconhecido como um dos
óleos de maior qualidade produzidos no país, devido à sua
leveza. Essa característica facilita seu processamento nas
refinarias e permite sua utilização na produção de gasolina,
nafta petroquímica, óleo diesel e Gás Liquefeito de Petróleo

203
Archipo Góes
(GLP).
Naquele momento, o poço estava mantendo
uma vazão de 950 barris de óleo por dia, o que equivale
a 151 metros cúbicos por dia. Além disso, o poço estava
produzindo gás a uma taxa de 150 metros cúbicos por metro
cúbico de óleo.
Em abril de 1987, o poço RUC-2 apresentou
um promissor desempenho ao produzir gás e condensado de
petróleo. Os resultados encorajadores levaram a Petrobrás
a desenvolver um plano de ação ousado para a extração de
petróleo em uma profundidade de 2500 metros.
Mas somente em 1988 o campo de Urucu co-
meçou a produzir petróleo. Desde então, a Petrobras tem
enfrentado desafios logísticos para escoar a produção no
Amazonas. No início, o petróleo era transportado em balsas
pelo Rio Urucu até Coari e, em seguida, descia em navios
para a Refinaria Isaac Sabbá (Reman), em Manaus.
Somente durante a estação chuvosa (inverno), o
rio Urucu apresenta condições favoráveis para a navegação
contínua. Por essa razão, em março de 1989, foi construído
um oleoduto de 57 km para conectar a área produtora de
urucu ao porto terminal nas margens do rio Tefé, possibili-
tando o escoamento contínuo ao longo de todo o ano.
Em 1992, um novo oleoduto entrou em opera-
ção, o que resultou no embarque exclusivo do petróleo pelo
rio Tefé devido às dificuldades de navegação no Urucu du-
rante o segundo semestre devido à vazante. Essa mudança
resultou no aumento da produção. A partir desse momento,
o município de Tefé passou a ser responsável pelo escoa-
mento do petróleo de Coari, o que significava que Coari
deixaria de receber a maior parte dos royalties da extração
da produção de Urucu.

204
Crônicas de Coari

Foto histórica com a primeira equipe em Urucu

A construção do poliduto Urucu-Coari teve iní-


cio em 1997, abrangendo uma extensão de 279 quilôme-
tros, juntamente com a construção do terminal do Solimões
(TSOL).
Em 1998, a produção de petróleo atingiu o pa-
tamar de 55 mil barris por dia com a conclusão do polidu-
to de Urucu até as margens do rio Solimões no TSOL. No
entanto, o gás natural era separado e reinjetado nos poços
em um volume de 10 milhões de metros cúbicos por dia,
aguardando a finalização do Gasoduto Coari-Manaus.
A conclusão das obras deste poliduto resultou
em diversos problemas ambientais, afetando negativamente
a vida dos moradores de Coari. A obstrução dos igarapés
causou dificuldades para as comunidades que dependem
desses recursos naturais. Como resultado, a Petrobrás foi
obrigada pela justiça a realizar reparos nos leitos dos iga-
rapés e a compensar os danos causados às comunidades,
especialmente à Vila Lira.

205
Archipo Góes
As obras do gasoduto Coari-Manaus tiveram
início oficialmente em 1º de junho de 2006, após um exten-
so debate com a sociedade e um processo de licenciamento
ambiental considerado exemplar em todo o país. Nessa oca-
sião, contou-se com a presença do presidente Luís Inácio
Lula da Silva.
Foram realizadas obras de construção de um ga-
soduto com extensão de 661 quilômetros, abrangendo oito
municípios: Coari, Codajás, Anori, Anamã, Caapiranga,
Manacapuru, Iranduba e Manaus. Além disso, foi feita a
instalação de cabeamento de fibra ótica, permitindo o con-
trole das válvulas do escritório geral da Petrobrás no Rio de
Janeiro.
O Gasoduto Coari-Manaus foi inaugurado no
dia 26 de novembro de 2009 pela Petrobras, em uma ceri-
mônia presidida pelo então presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. Com o objetivo de transportar gás natural, o gasoduto
possui capacidade inicial de 4,1 milhões de m³/dia e uma
extensão de 661 km em sua linha tronco, que conecta as
cidades de Coari e Manaus. Além disso, conta com sete ra-
mais para fornecimento de gás às demais cidades atendidas
pela rede.
A obra proporcionou a criação de cerca de
3.400 empregos diretos e 10 mil empregos indiretos. O gás
natural foi utilizado para gerar energia elétrica nas termelé-
tricas locais, abastecendo Manaus e os municípios por onde
a tubulação passa, beneficiando aproximadamente 1,5 mi-
lhão de pessoas.
As obras do gasoduto Coari-Manaus tiveram
diversas consequências negativas, tais como o crescimento
desordenado devido à migração descontrolada de popula-
ções rurais para a cidade. Além disso, houve a incapaci-
dade de absorver toda a mão de obra atraída para a região,
resultando em um aumento da prostituição e da explora-

206
Crônicas de Coari
ção sexual infantil. Adicionalmente, houve um aumento e
agravamento de doenças sexualmente transmissíveis, bem
como um aumento da criminalidade e da violência.

As primeiras amostras de óleo em Urucu já indicavam a boa qualidade


do petróleo

Archipo Góes
24 de setembro de 2023
Observação: Durante o texto, grafamos a palavra Coari
com “Y” para indicar que a informação é anterior ao ano de
1932, conforme era comum na época.

207
Archipo Góes
Cleomara vence o Miss Amazonas em 1992

A
beleza da mulher de Coari venceu pelo segundo ano
consecutivo o concurso Miss Amazonas, realizado
em Itacoatiara, no dia 1º de maio de 1992, na casa
noturna Amazon Night.

208
Crônicas de Coari

A vencedora do concurso foi Cleomara de


Araújo Costa, 17 anos, com 276 pontos. O segundo lugar
ficou com a representante de Itacoatiara, Wicilene Brandão,
271 pontos, e a terceira classificação foi da candidata de
Maués, Rosana Dias Pereira, com 268 pontos.
O prêmio da primeira classificada foi Cr$ 1 mi-
lhão, o da segunda, Cr$ 500 mil; o da terceira, Cr$ 200
mil. Este foi o terceiro ano de realização do Miss Amazonas
Estudantil, promovido pelo grupo folclórico Dança do
Vinho. O evento tem o apoio da Prefeitura de Itacoatiara. O
seu objetivo, conforme os realizadores, é o de promover a
integração dos municípios do Estado.

209
Archipo Góes
O concurso iniciou às 22h do dia 1 de maio,
e 15 candidatas, representando vários municípios, inclusi-
ve uma de Manaus, desfilaram para a plateia que lotou a
Amazon Night. Às 4h30min, da manhã de sábado, após a
apresentação de diversas atrações, o resultado foi divulgado.
Cleomara Costa foi eleita a Miss Amazonas Estudantil/92.
A coroa e o cetro foram entregues à vitoriosa
pelas mãos da, também coariense, Mara Alfrânia Batalha,
vencedora do concurso no ano passado. Cleomara Costa
disse sentir-se feliz por levar o bicampeonato para Coari.
Ela agradeceu o apoio da Prefeitura de seu município que
patrocinou a sua ida para Itacoatiara, os trajes de noite e
traje típico, usados nos desfiles.
Muitos prefeitos estiveram presentes no con-
curso e diversos municípios levaram caravanas de pesso-
as para torcerem por suas candidatas. A representação da
Prefeitura de Coari em Manaus alugou um ônibus leito, que
foi colocado à disposição dos coarienses.

Quem é ?
Cleomara de Araújo Costa, coariense da gema,
filha do bancário Almir da Silva Costa (Mica) e da enfer-
meira Graça Araújo. Viveu sua infância e juventude moran-
do na rua 2 de agosto, no bairro Tauámirim.
Foi uma aluna da escola Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro na década de 80, se destacou muito nas
atividades culturais e nos esportes, tornando-se atleta da
seleção coariense de handebol na posição de ala.Fonte: A
Folha de Coari.

210
Crônicas de Coari
Coari no Século XIX: um ensaio sobre a formação do
povo coariense

N
a primeira metade do século XIX, pouco se encon-
tra fontes históricas que narrem fatos ou como era
vida no Lugar Alvelos. Mesmo com a transferên-
cia da corte portuguesa para o Brasil, após a chegada dos
Bragança, a Família Real, que aconteceu no dia 22 de ja-
neiro de 1808; a independência do Brasil – 07 de setembro
1822; e o início do Período regencial (1831), o pequeno
lugarejo de Alvelos continuava sendo parte integrante da
Corte do Solimões conhecida como Villa de Ega, atual Tefé.
Manuel Ayres de Casal em seu livro “Corografia
Brasílica” lançado em 1817 fez uma descrição sobre o lugar
de Alvelos:
— Alvelos é um pequeno distrito, situado sobre
uma grande enseada num vistoso areal, distante 4 léguas
acima da boca do rio Coary, do qual já teve o mesmo nome
em outros tempos. Seus habitantes, em sua maior parte des-
cendem dos indígenas das tribos dos Uamanys, Solimões
(Jurimáguas), Catauixis, Jumas, Irijús, Cuchivaras e
Waupés. É feita a colheita através de extrativismo de cravo,
cacau, copaíba e salsaparrilha; e fazem muita manteiga de
ovos das tartarugas, que são numerosíssimas naquelas re-
dondezas. As formigas fazem grande estrago nas lavouras.

211
Archipo Góes
— Os habitantes de Alvelos costumam bebem
água do lago de Coari, cujas margens são de areia muito
branca e vistosas, e as águas dependendo da época do ano
são amareladas e de qualidade excelente. A igreja matriz
que embeleza o lugar, é dedicada a Santana. A indústria
consiste em olarias que fabricam tijolos, tecelagem com te-
cidos de algodão e esteiras.
Nesse pequeno relato sobre Alvelos podemos
ter uma noção de como os coarienses vivam. Sua economia
era essencialmente agrícola e extrativista, contudo, já foi
observado as pequenas indústrias que são base da organiza-
ção e evolução dos pequenos povoados.
Houve ainda a informação que a população de
Alvelos é descendente em maior parte de 7 tribos indígenas.
E a caracterizou o local com o destaque dado a igreja matriz
dedicada a Santana, ou seja, Alvelos mantém o padrão da
colonização com a ideologia religiosa tutelada pelos precei-
tos católicos do século XVII ao XIX.
Em 1819, na obra “Viagem pelo Brasil”, es-
crito pelos médicos alemães J. B. Von Spix e C. F. P. Von
Martius, houve a narração com alguns detalhes sobre as ter-
ras de Coari:
— Alvelos, chamado Coari pelos índios, tinha
sido uma das missões fundadas pelos carmelitas e abri-
gava primitivamente indígenas das tribos dos Solimões
(Jurimáguas), Jumas, Juris, Pacés, Uaiupís, Irijús, Purus e
Cautaunixís.
— Os atuais habitantes, na recíproca mistura
e convívio com os brancos, renunciaram à sua língua e a
outras particularidades da tribo. Achamos, nessa ocasião,
apenas poucos moradores presentes, pois a maioria dos ho-
mens estava longe, nas caçadas ou no preparo da manteiga
de tartaruga.

212
Crônicas de Coari
— De fato, já desde tempo minguava continu-
amente a população do lugarejo. A Varíola, e muito recen-
temente febres intermitentes malignas, causadas pelo trans-
bordamento do lago, dizimavam de quando em quando a
população, que, sem o socorro médico, ainda mais depressa
sucumbe. Infelizmente, em toda a província do Rio Negro
não há um médico diplomado. Entre os índios presentes,
conhecemos dois, mostrados pelo padre, ambos de mais de
100 anos de idade, e, apesar disso, eram ainda de incrível
robustez e vivacidade. Na tradicional impassibilidade e in-
dolência dessa raça de homens baseia-se a propriedade de
só tarde envelhecer e perder os dentes.
— Antes da chegada desses pesquisadores em
Coari havia acontecido uma tragédia. Assim eles nos re-
lataram: “Dois dias antes, um enorme jacaré, que vivia na
vizinhança, e conhecido de todos desde muito tempo, havia
virado a canoa de um indígena que regressava a Alvelos, e
o devorara. Vindo ainda como a terrível fera e a sua geração
brincavam com a cabeça do desgraçado, e toda a povoa-
ção estava tão aterrada diante do horrível espetáculo, que
renunciamos ao projeto de percorrer de canoa as margens
circundantes do lago”.
Um fato notório a partir do ano de 1919 é ca-
racterização mais explícita do desenvolvimento da misci-
genação e do aculturamento dos descendentes dos povos
indígenas que formaram a população de Alvelos. Dessa for-
ma, podemos observar que fundamentalmente a população
coariense tem sua origem na miscigenação, uma vez que a
maioria dos colonizadores portugueses e espanhóis que vie-
ram ao Amazonas eram o homem branco, que mantinham
relações com as mulheres indígenas. As mulheres brancas
só vieram mais tarde, principalmente a partir da segunda
metade do século XIX.
Houve aculturação em Alvelos pela fusão de

213
Archipo Góes
elementos pertencentes a duas culturas incidente no mo-
mento. Ela foi determinada por um processo dinâmico de
mudança social e cultural que aconteceu com as tribos in-
dígenas pelo o contato com o europeu, e isso, influenciou
diversos elementos da cultura milenar, e assim, foi criado
novas estruturas modificando o conhecimento, os valores,
os costumes, os modos de fazer, as práticas, os hábitos,
comportamentos e crenças das tribos que foram descidas1
para Alvelos.

Aldeia de Tauámirim
O ano de 1833 foi um período com vários con-
flito e tensões, isso devido a um levante conhecido como
“Movimento Autonomista do Rio Negro”. Por esse motivo,
o Império Brasileiro, que estava no período das Regência2
promoveu um processo de diminuição desses conflitos atra-
vés da divisão da província do Grão-Pará em três comar-
1 Os descimentos eram expedições, em princípio não militares,
realizadas por missionários, com o objetivo de convencer os índios que
“descessem” de suas aldeias de origem para viverem em novos alde-
amentos especialmente criados para esse fim, pelos portugueses, nas
proximidades dos núcleos coloniais – Bessa Freire.
2 Dom Pedro II havia herdado o Brasil após seu pai Dom Pedro
I abdicar o trono. Contudo Dom Pedro II era menor, e o país foi admi-
nistrado por um Regente Imperial.

214
Crônicas de Coari
cas, e dessa forma Manaus lhe coube a comarca do Alto
Amazonas. Dessa forma, tínhamos alguma independência
administrativa e autonomia judiciaria.
Nesse mesmo ano de 1833, o lugar de Alvelos
passou a categoria de Freguesia3 e na denominação religiosa
foi intitulada de Paróquia de Nossa Senhora da Conceição
de Alvelos.
No período entre 1835 a 1840 – não há relatos
se houve adesão à Cabanagem4 em Alvelos. Contudo, Tefé
estrategicamente que aderiu a cabanagem para não sofrer
ataque e saque pelo Cabanos no Amazonas, mas ficou in-
diferente ao movimento popular. Alvelos como era distrito
de Tefé, praticou a mesma estratégia política. Uma vez que,
segundo Márcio Souza, a Cabanagem exterminou 40% da
população do Grão Pará.
No ano de 1847, tivemos nas terras coarienses
a visita de Paul Marcoy, que era o pseudônimo de Laurent
Saint-Cricq (1815-1888), foi um bom desenhista, crítico de
arte e incansável observador da natureza e do ser humano.
Em sua viagem vindo navegando do Peru passou por Coari
descendo o rio Solimões. A sua primeira descrição foi sobre
o igarapé do Pêra (Já na época era nomeado assim), que tem
sua ligação.
A primeira coisa que Paul Marcoy observou ao
entrar no lago de Coari foi um pequeno povoado de 6 ca-
sas cobertas de palha no topo de uma elevação ou morro.

3 Freguesia é o nome que tem, em Portugal e no antigo Império


Português, a uma divisão administrativa correspondente à paróquia ci-
vil de outros países. No Brasil, durante o tempo da colônia, a freguesia
era exatamente o mesmo que em Portugal, não havendo distinção entre
freguesia e paróquia.
4 Cabanagem (também conhecida como Guerra dos Cabanos)
foi uma revolta popular e social ocorrida durante o Império do Brasil de
1835 a 1840, influenciada pela revolução Francesa, na antiga Província
do Grão-Pará.

215
Archipo Góes
Marcoy descobriu que o lugar se chamava Tauá-mirim, que
segundo o conde Stradelli, significa “aldeia pequena” ou
“aldeiazinha”.
Ele observou que no pé da elevação, 12 casas
menores reuniam-se numa inusitada desordem; mas elas, ao
invés de serem construídas em terra firme como as outras 6
anteriores, apoiam-se sobre jangadas ou balsas5.
Essa singularidade mereceu uma explicação:
Nas grandes enchentes do Amazonas a água,
depois de cobrir as praias, extravasa para o lago cobrindo
a colina que serve de suporte ao povoado de Tauá-mirim e
deixando-o totalmente inundado. Surpreendidos pela água,
os moradores correriam o risco de se afogar em seus pró-
prios lares se as casas flutuantes não estivessem à mão para
servir de refúgio. Com a ajuda dessas arcas da salvação eles
deixam o povoado submerso e vão ancorar numa enseada
próxima onde ficam até que o recuo das águas lhes permite
voltar às suas casas.
Quando Marcoy passou por Tauá-Mirim as
águas estavam baixas e todo o promontório (monte, terra
elevada) era visível com seus depósitos de argila de cor
azulada e da cor ocre vermelho. A solidão e o silêncio rei-
navam; os únicos seres vivos à vista eram alguns pombos
empoleirados num dos telhados limpando as penas ao sol.
Esse povoado da margem esquerda de quem adentra o lago
é somente um posto avançado sem interesse. O lugar prin-
cipal é apontado nos mapas brasileiros como a Freguesia de
Alvelos, fica quatro léguas adiante na mesma margem.
Em 1847, Coari tinha sua sede na freguesia
Alvelos. Era uma vida difícil, as plantações eram constan-
5 Foi a primeira descrição sobre casas flutuantes feita no
Amazonas, que mais tarde virou característica do povo ribeirinho, ten-
do o seu auge em Manaus, entre 1920 a 1967, com um bairro exótico
constituído de casas flutuantes, denominado “Cidade Flutuante”.

216
Crônicas de Coari
temente atacadas por saúvas; muitas ventanias assolavam
as casas devido a travessia (encontro do lago de Coari com
o Rio Coari Grande); havia alguns ataques e furtos de ani-
mais pelos indígenas Muras. Era preciso mudar o local da
sede urgentemente.
Marcoy observou que apesar de, no primeiro
momento, Alvelos ter um aspecto um pouco sombrio, há
um contraste com as lindas praias de areias brancas e as
águas negras do lago de Coari com sua fauna.
A população era muito alegre e religiosa. A
casa maior na gravura é a igreja sobre a invocação de Nossa
Senhora da Conceição de Alvelos. Havia também um cen-
tro social onde acontecia festas dançantes que duravam até
o amanhecer o dia envolvido de muita música e bebidas.
O desenho foi feito a bico de pena por Paul
Marcoy em sua passagem pela América do Sul em 1847.
Mais tarde, o artista plástico francês Édouard Riou6 pintou
um quadro baseado no desenho original.

A Freguesia de Alvellos em 1847


Em 1848 a freguesia de Alvelos deixa de fazer
parte do território do município da Vila de Ega. Mas essa
separação não lhe trouxe nenhum benefício ou alterou de
alguma forma o modo de viver, uma vez que, a sua locali-
6 Artista plástico francês colaborador e ilustrador de 6 obras de
Júlio Verne. A saber: Cinco semanas em um balão; O capitão Hatteras;
Viagem ao centro da Terra; Os filhos do capitão Grant; 20 mil léguas
submarinas; O Chancellor.

217
Archipo Góes
zação ainda era o seu principal empecilho para o desenvol-
vimento. Coari entra para o mapa do Brasil, mas não tinha
autonomia administrativa e judiciária.
Em 1850, Henry Walter Bates em seu famoso
livro “Um Naturalista no Rio Amazonas” que influenciou e
foi muito elogiado por Charles Darwin, ao passar por Coari,
descreveu:
— No dia 18 de (abril de 1850) passamos pela
Boca do Mamiá, rio de águas pretas, e 19 chegamos na en-
trada do lago de Quarí.
— A boca do Quarí, o canal que une o lago ao
Solimões, tem apenas 270 metros de largura, e de corrente-
za muito fraca. Tem meia milha de comprimento, e abre-se
numa larga superfície de água sem imponente magnitude,
pois é apenas parte do lago que forma um cotovelo agudo
em sua parte inferior de modo que não pode ser todo visto
de uma vez.
Há uma pequena aldeia nas praias da parte in-
ferior, a doze horas de viagem por bote da foz. Fundeamos
dentro da boca e visitamos em montaria dois ou três mora-
dores, cujas casas são construídas em situação pitoresca nas
praias do lago inferior, não muito para dentro.
— Vários pequenos igarapés navegáveis desa-
guam aí no pé um terreno apropriando para construção de
moradias entre dois riachos, atravessando extensas planta-
ções de café, feitas a esmo entre as árvores da mata. Um dos
moradores era certo judeu de Gibraltar, aí estabelecido há
muitos anos, e completamente adaptado com os modos de
vida dos habitantes semi civilizados. Encontramo-lo de pés
no chão, calças arregaçadas até acima do joelho, muito ocu-
pado com certo número de indígenas – homens, mulheres e
crianças – a descascar e secar cacau, que cresce espontâneo
e em imensa abundância nos arredores.

218
Crônicas de Coari
Parecia pessoa dinâmica e sensível; era grande
admirador da terra, do clima, do povo, e não tinha desejo
de voltar para a Europa. Foi o único judeu que encontrei
no Alto Amazonas; há vários estabelecidos em Santarém,
Cametá e Pará, onde, como são muito mais honestos em
suas transações do que os portugueses, fazem muito comér-
cio e vivem em termos amigáveis com os brasileiros.
— Nosso objetivo aqui era comprar mantimen-
tos de farinha fresca e qualquer coisa mais que pudéssemos
encontrar provisões, pois nossa farinha já estava mofada, e
imprópria para comer e já estávamos em pequenas rações
há alguns dias. Conseguimos tudo que necessitamos, excer-
to açúcar. Não se encontrou nenhuma libra deste artigo de
luxo, e fomos obrigados d’ai por diante adoçar o café com
melado, como é costume generalizado nessa região.
— Deixamos Quarí antes do nascer do sol do
dia vinte7.
Um fato notório nesse relato foi a denominação
de Quarí que o cronista viajante perfez, uma vez que, é a
maneira como o nativo coariense nomeia adequadamente o
local onde mora.
A imigração dos judeus para a Amazônia foi
menosprezada por parte da historiografia, com exceção de
trabalhos dos viajantes cronistas que registraram essa imi-
gração sem uma preocupação historiográfica mais consis-
tente. A imigração judaica aparece associada à economia da
borracha, à liberdade de culto e as expectativas que foram
criadas com relação à região. Tudo começou quando houve
o exílio marroquino, quando os judeus espanhóis foram ex-
pulsos da península ibérica, até a sua chegada na Amazônia,
considerada a Canaã da Borracha. Aqui em 1850, na entra-
7 Viagem originalmente redigida em inglês numa viagem com
destino a vila de Ega num vapor com 4 pessoas: 2 passageiros e 2
tripulantes.

219
Archipo Góes
da do lago de Coari foi observado e registrado um caso de
imigração judaica na Amazônia.
No ano 1850 houve fato histórico que trouxe a
autonomia político-administrativa para o Amazonas. Após
ter lutado ao lado do Império na Cabanagem, o Amazonas
recebeu como uma espécie de recompensa, a sua auto-
nomia. A Província do Amazonas foi uma província do
Império do Brasil, sendo criada a partir do desmembramen-
to da Província de Grão-Pará, confirmada segundo a Lei nº
582, de 5 de setembro de 1852.
No ano 1853, Anacleto Eliziario da Silva narra
no diário da primeira viagem do vapor “Marajó” de Belém
à Nauta pelo rio Amazonas, sua passagem por Coari:
— Às 13 horas e meia da tarde do dia 24 de
outubro de 1853 demos fundo na boca do lago de Coary.
A povoação de Alvelos fica distante 5 léguas deste lugar, e
consta-me que tem 32 casas, sendo pela maior parte peque-
nas casas cobertas de palha. Em todo o município consta
haver 150 casas e 800 almas.
— Os gêneros que exporta são: três mil alquei-
res de castanha; setecentas arrobas do cacau, quarenta ca-
nadas do óleo de copaíba, duas a três mil arrobas do peixe
seco, quinhentos potes do mantei­ga de tartaruga ou peixe
boi, quarenta arrobas de salsa, e trezentas arrobas de café.
— Na boca do lago de Coary há 7 casas muito
bem distribuídas e 38 habitantes, sem contar com os índios
muras, que vivem alguns nas imediações. Tornando-se mais
notáveis duas casas grandes, uma de um ex-tenente cha-
mado Simões Sourem, homem de bastante idade, e a outra
pertencente a um negociante David Abdarham, de nação
Israelita.
— Encontrámos lenhas (cerca de quatro mil
achas); e estando boas, compramos do senhor Antônio José

220
Crônicas de Coari
Pereira Guimarães, logo que amanheceu começou-se o em-
barque da lenha, com embarcações e gente de terra.
— Tivemos a informação de que há muito os
habitantes de Alvelos planejavam mudar a povoação para a
boca do lago de Coary. Em Alvelos não há desenvolvimen-
to, pois, a povoação é insignificante, e que o local impor-
tante será sempre a boca do lago Coary. Além disto a boca
do Coary é muito bom lugar para fundação de uma grande
povoação, sendo muito fértil, com belos terrenos elevados,
onde a cheia, por maior que seja, nunca chegará, e muito
abundante de peixe.
— Há quatro malocas de índios muras, sendo
uma no lago Acará, outra no lago Codajás, outra no lago
Puirimis, e outra no lago Mamiá; é gente de maus costumes
e indolente. Toda a costa de Coary, e dentro do lago que se
forma na sua boca há muita abundância de barro vermelho
e branco.
Novamente repetimos que é muito vantajosa a
mudança da freguesia de Alvelos para a boca do Coary, sen-
do esta a vontade da maior parte dos habitantes.
— Na boca de Coary oferece um lindo local,
muito abundante de peixe (mais que na freguesia), e próprio
para uma grande povoação: já tem muitas casas, e dizem
todos ser muito fácil a mudança. Da boca do Coary à fre-
guesia do Alvelos há 9 léguas, e é muito cheia de baixas;
seis meses não é possível os vapores subirem.
— Saímos do Coary às 1 horas e 30 minutos
da tarde do dia 25, depois de fazer entrega da mala e o ofí-
cio da presidência ao Sr. tenente Simões, pai do inspetor
do quarteirão, única autoridade do lugar, e que se achava
ausente.
Em 1854, João Wilkens de Mattos trouxe novas
informações sobre a freguesia de Alvelos em seu Roteiro
de Viagem:

221
Archipo Góes
— Já não havia mais índios bravos. Atualmente
não habita horda alguma gentílica nos rios Coary, Urucu
e Aruan, segundo informações de pessoas acostumadas a
navegá-los para colherem castanhas de que muito abundam
as suas margens. A freguesia de Alvelos incluía em seus
domínios dozes casas de palha, e uma população de 1.100
habitantes, dos quais, mais de dois terços habitavam em sí-
tios longe da sede.
— Além da mandioca, plantão algodão, milho,
tabaco, pescam pirarucu, e peixe boi, manipulam manteiga
de ovos de tartaruga, extraem salsa, óleo de copaíba, co-
lhem cacau silvestre, e algum cravo.
— A posição em que está este Povoado não ofe-
rece proporções para o seu desenvolvimento; é açoitada de
ventanias fortes, o solo é árido e a distância em que está da
foz do rio dificulta o acesso, principalmente no tempo da
seca, por haver uma cachoeira (queda d’água) na parte mais
estreita da baia, que só permite passagem a montarias.
— Desejosos os habitantes de criar outro po-
voado junto da foz do rio, onde oferece outras proporções
a sua prosperidade que não a atual situação. Em virtude de
representação dos próprios moradores, foi a Presidência da
Província autorizado por uma Lei Provincial promulgada de
30 de setembro de 1854 a transferir a Matriz da Freguesia
para o lugar que for designado pela mesma Presidência,
junto a foz do rio Coary, justamente aquele que se assenta
hoje a cidade.
— Tendo a chuva continuado até a manhã do
dia seguinte, ficamos privados de saltar, e visitar esta po-
voação; mas pelo que vimos de bordo, fizemos ideia do seu
estado.
No anoitecer do dia 17 de julho de 1859, Robert
Avé-Lallemant no seu livro “No Rio Amazonas” faz uma

222
Crônicas de Coari
descrição do lago de Coari:
— O lago de Coari semelhava um espelho dian-
te de nós. O sol inclinava-se cada vez mais para a margem
oeste do lago. Toda a região flutuava num mar de cores e
emanações da floresta. Números golfinhos (Botos) brinca-
vam na superfície da água. Os lombos prateados vinham
à tona, fazendo pequenos remoinhos cintilantes. Nas mar-
gens, bando de urubus gozavam a sesta nas árvores. Mas,
depois do sol se pôr, tudo mergulhou em verdadeiro sono.
A luz zodiacal flamejava no horizonte longínquo, muito alta
no céu, rivalizando com o suave brilho da Via-Láctea, sob a
bela constelação do Escorpião. A Estrela Polar luzia no céu
ao norte, na sua marcha lenta, rodeada pelos Setentriões.
— Mas todas se retraíram, perdendo o brilho na
amplidão do céu, quando a lua nasceu, e com os seus claros
raios despertou os milhares de vozes de animais para o mais
singular dos concertos, de sorte que ficamos acordados qua-
se toda a noite.
Nesse momento, Coari estava com a sua sede
em mudança de Alvelos, dentro do lago de Coari e próximo
a foz do Rio Coari Grande para a desembocadura do lago
de Coari.
Antônio Gonçalves Dias estava na Europa no
ano de 1858, quando foi nomeado, pelo governo imperial
para chefiar a seção etnográfica da Comissão encarregada
de estudar as riquezas naturais do norte do Brasil. Em feve-
reiro de 1861, o prestigiado poeta chegou a Manaus, capital
da Província do Amazonas, sendo logo nomeado pelo pre-
sidente da Província, visitador das escolas públicas do Rio
Solimões e suas freguesias. Na viagem, o poeta e etnógrafo
maranhense alcançou o Peru, e na volta entregou ao gover-
no um relatório de sua viagem, descrevendo a situação das
escolas visitadas, dos alunos e das famílias. Sobre Coary
ele narrou:

223
Archipo Góes
— A primeira escola que me caberia visitar su-
bindo o Solimões, seria a do Coary. Esta freguesia tem a sua
sede dentro do lago do mesmo nome, e distante do lugar a
que aporta o vapor umas seis horas de viagem em montaria.
Uma lei provincial determinou a mudança da freguesia para
o lugar da estação do vapor, mas parece que a medida tem
encontrado pequenos interesses, de forma que ainda não foi
realizada no todo.
— O vigário mudou-se com os sinos da igre-
ja, que se desmantelou, trouxe os
seus poucos paramentos, enge-
nhou uma capela na nova loca-
lidade, e veio acompanhado de
alguns de seus fregueses, que ou
não tinham interesses enraizados
na antiga povoação, ou compre-
enderam melhor as vantagens da
mudança projetada e só em parte
realizada. No entanto o professor
Gonçalves Dias
e alguns outros moradores perma-
necem no antigo local.
— Não me seria possível tentar urna viagem à
povoação de dentro; porque o vapor não me daria tempo
para isso. Era também inútil porque a escola não funcio-
nava; mas felizmente o professor veio a bordo, onde tive
ocasião de o ver e de conversar com ele.
— Disse-me que a escola do Coary não fun-
cionava desde o começo do ano, o que era devido no seu
entender, em parte à notícia de sua aposentadoria, em parte
a mudança da freguesia: de que resulta que de fato ali não
há escola primaria. Dá-se além disso uma circunstância dig-
na de atenção. O professor me informou que a sua escola
teve no último ano letivo somente dez alunos, em quan-
to a lei provincial fixa o número de doze, como o mínimo

224
Crônicas de Coari
para que a escola mereça sua subvencionada pelos cofres
da província.
Com a mudança da matriz da freguesia, o lugar
Alvellos desapareceu por completo, tendo desabado a sua
última casa em 1899. Passou a ser conhecida também pelo
nome de Freguesia Velha.
A lei n° 132, de 29 de junho de 1865, que mar-
cou os limites das freguesias da antiga província, determi-
nou que os limites da freguesia de Coary seguissem a foz do
lago Miuá, princípio da comarca do Solimões, até a ponta
das barreiras de Camaraguary, onde entrava a freguesia de
Teffé.

Em 1873, em um censo procedido, apresentava


um total de 2.078 habitantes livres e cinco escravos, sen-
do 1.006 homens e 1.072 mulheres, 2.023 brasileiros e 55
estrangeiros.

225
Archipo Góes
No livro “Pará e Amazonas: pelo encarre-
gado dos trabalhos etnográficos” do Cônego Francisco
Bernardino de Souza há uma descrição sobre Coari do ano
de 1874:
— Ainda não é bem conhecida a nascente do
Rio Coary. Desagua no lago do mesmo nome, que tem uma
distância de 132 milhas da foz do Purús. Tem o lago 12 mi-
lhas de comprimento e 5 de largura. A antiga freguesia de
Alvelos, criada em 1738, esteve assentada no extremo sul,
na confluência dos três rios Coary, Urucú-parauá e Ourané.
O Rio Coary é o maior e fica do lado leste. Conhecem-no
somente as pessoas que se empregam na colheita e extração
de drogas do sertão. Tem-se chegado a caminhar por ele 33
a 40 dias.
No inverno, de março a julho, navegam grandes
canoas de 8 a 10 palmos de calado. No verão, como o abai-
xamento é mui considerável, só passam igarités na parte
superior. O seu curso não é longo; segundo o testemunho
dos práticos, pode ser estimado em 83 a 90 léguas.
— Alguns índios, diz o Exmo. Sr. Dr. Adolpho
de Barros, tem passado do Rio Purus para o Rio Coary, e dão
notícia de existirem campos de grande extensão nas cabe-
ceiras deste rio, os quais vão confinar na margem esquerda.
— O Rio Coary não tem cachoeiras; as suas
águas são pretas, bem como as dos outros dois rios, que
com ele correm para o lago. Há um só canal que comunica o
lago com o Solimões; fica do lado oriental e tem 2 milhas de
extensão. Só nas vazantes extraordinárias é que não permite
a passagem de navios que calem de 8 a 10 palmos.
— Diz Baena que acima da foz do lago de Coary
acham-se as ilhas Jurupari e Juçaras, onde constantemente
fazem as tartarugas o seu desovamento.
— A vila de Coary (antiga freguesia de Alvelos)

226
Crônicas de Coari
fica à margem oriental da baia do Coary, quatro léguas aci-
ma, foi sua primeira situação no rio Paratary, oito léguas
acima da foz, donde trasladou-se para o desaguadouro do
lago Anamã, e dali para a ilha Guajaratiba, aonde depois
passou-se para a atual situação.
Em 1759 foi elevada à categoria de lugar com a
denominação de Alvelos; em 1833 foi qualificada simples
freguesia, com a primitiva denominação de Alvelos, e por
lei provincial do 1º de Maio de 1874 acaba de ser elevada à
categoria de vila, com o nome de Coary.
— Segundo o último recenseamento, é de
2.078 almas a população do seu termo. O rio Coary que
forma a baia em que está assentada a vila, é um afluente
do Solimões, no qual se lança, à margem direita, por duas
bocas, entre os rios Purus e Tefé, ou mais perto, entre o rio
Mamiá e o riacho Uariaú.
O grande marco da história de Coari no sécu-
lo XIX foi a elevação de Freguesia à categoria de Vila de
Coari com a definição da área do município.
Segundo o Almanak Administrativo, Mercantil
e Industrial do Rio de Janeiro de 1921, seus primeiros ha-
bitantes foram os irmãos Thomaz e Antônio José Pereira
Guimarães, ou seja, mesmo antes da transferência da matriz
da freguesia para a próximo a foz do lago de Coari, os ir-
mãos Guimarães já eram os seus primeiros habitantes.
A partir de 1854, a população, extraoficialmen-
te, começou a chamar a Alvelos de “freguesia velha” e a sua
nova matriz voltou a ser chamada outra vez de “Freguesia
de Coari”, seu nome com origem indígena.
No dia 01 de maio de 1874, Coari sofre uma
significativa transformação na sua estrutura político-admi-
nistrativa e institucional, uma vez que, pela Lei Provincial
nº 287 a freguesia foi elevada à vila de Coari e pelo mesmo

227
Archipo Góes
ato foi criado o município de Coari, que havia sido des-
membrando de Tefé em 1848.
Pouco se encontra referência sobre a Escravidão
em Coari, a ênfase foi a extinção antecipada em Coari e em
todo amazonas. Em 17 de junho de 1884, segundo o Jornal
Carioca “Gazeta da Tarde”, Coari (Província do Amazonas)
foi declarada livre de escravos conforme foi declarado pe-
los os movimentos abolicionistas:
— Os senhores de escravos, que deviam ser os
interessados em reagir contra o movimento emancipador,
nenhuma resistência opuseram e antes concorreram para
acelerar a resolução dessa importante questão.
Eles concordaram em receber as indenizações
oferecida pela Lei Áurea e seu Regulamento e até esta
data nenhum protesto apareceu que denotasse o menor
descontentamento.
No final do século XIX, no livro “As Regiões
Amazônicas: estudos corográficos dos estados do Grão-
Pará e Amazonas” dos autores José Coelho da Gama e
Abreu Marajó há uma descrição de Coari, no ano de 1896:
— Coary é um dos rios considerado mais abun-
dantes do Alto Amazonas, sua foz é situada a 4°,3′ latitude
Sul e na longitude 314º, 18′; corre de S. ao Norte; além da
foz, cuja posição indiquei, tem uma outra um pouco mais
acima e de menor largura. Logo nas proximidades da boca
é bastante largo, pois lhe dão perto de duas léguas; estreita,
porém rapidamente é navegável em canoas por mais de um
mês; é n’este rio em uma planura elevada da sua margem
direita, quatro léguas acima da foz, que está situado o povo-
ado de Alvelos; junto a este lugar o rio forma uma bela baia
na qual desaguam três rios.
D’estes, o mais oriental é a continuação do
Coary, o segundo é o Urucuparaná, e o terceiro é o Urauá ou

228
Crônicas de Coari
Arauá ou Cuamé, pois pelos três nomes é conhecido; suas
terras abundam em salsa, óleo de copaíba, nas suas águas se
encontra considerável quantidade de peixes, e suas praias
das mais abundantes em tartarugas.
— Outrora foi habitado pelos índios Catauixis
e Jumas, hoje, porém os índios que mais abundam são os
Muras e os Miranhas; muitos dos últimos se empregam em
serviços diversos.
— A sua extensão ainda não é bem conhecida,
nem as suas nascentes; tem alguns regatões caminhado em
canoas por 40 dias e calculam a extensão percorrida, até
àquele ponto ao qual podem chegar igarités (canoas), em
cerca de noventa léguas.
— Até o ponto a que tem chegado, é livre de
cachoeiras, e dizem os índios que em suas cabeceiras há be-
las campinas na margem direita; parece provável que estas
campinas sejam aquelas que os exploradores do Purus no-
ticiam existir muito no interior a 63 léguas, mais ou menos
da foz.
— Rio Mamiá – Tem um curso extenso, ainda
que menor do que os do precedente e do Tefé; corre qua-
se paralelo à parte inferior do Purus, formando a alguma
distância da boca uma grande bacia; abunda em cacau,
salsa e copaíba. Não mui distantes da boca se encontram
algumas ilhas relevantes onde habitaram outrora os índios
Jurimáguas que muito boa acolhida fizeram a Pedro Teixeira
na sua volta de Quito ao Pará. A foz d’este rio é na enseada
do Paricatuba entre os rios Coary e Camará.
Através da lei Nº 729 de 15 de maio de 1886,
o presidente da província do Amazonas, o juiz Ernesto
Adolpho de Vasconcelos Chaves, autorizou a liberação da
quantia 20.000$ para o começo da edificação de uma igreja
matriz de alvenaria na villa de Coary.

229
Archipo Góes
O decreto Nº 95-A, de 10 de abril de 1891, na
administração do governador Eduardo Gonçalves Ribeiro,
criou a Comarca de Coary, com o termo anexo de Codajás,
conservando os limites anteriores. O termo instalou-se a 15
de novembro de 1800, e a instalação da comarca data de 30
de junho de 1891.
Finamente, podemos observar que formação do
povo coariense, no primeiro momento, aconteceu da união
das mulheres remanescentes das tribos indígenas que fo-
ram descidas para Coari com os brancos, os colonizadores
portugueses e espanhóis. No segundo momento, a misci-
genação aconteceu com a chegada dos soldados da guarda
nacional (primeiros policiais) com as remanescentes mu-
lheres indígenas. As mulheres brancas só chegaram no final
do século XIX com o primeiro ciclo da borracha e a vinda
dos nordestinos, conhecidos popularmente na Amazônia
como “arigós”. Em Coari a presenças de pessoas negras ou
povo preto (terminologia mais adequada) foi em quantidade
inexpressível, uma vez que nos vários recenseamentos, a
média de pessoas “negras” escravizadas era de 05 em todo
o município de Coary.

Archipo Góes
21 de junho de 2020

230
Crônicas de Coari
Fátima Acris – 50 Anos de Nossa Primeira Miss
Amazonas

O
Miss Coari é um concurso de beleza mais tradicio-
nal do estado do
Amazonas. Teve seu iní-
cio no ano de 1940 e foi organiza-
do nos anos iniciais pela associa-
ção Tijuca Esporte Club e depois
de alguns anos, passou a ser orga-
nizado pela prefeitura de Coari,
que no decorrer do tempo, mudou
o local do concurso para a Praça
da Matriz, quadra de Esporte São
José, Refúgio Dois Pinguins, qua-
dra da escola Dom Mário e atual-
mente no centro cultural.
A nossa primeira Miss Maria Emília Abinader
Coari foi a senhora Emília Abinader Ribeiro
Ribeiro em 1940, esposa do senhor
Messias Ribeiro, expressivo comerciante de nossa cidade.
E no decorrer do tempo, o povo coariense foi entendendo,
aprendendo e se envolvendo no seu concurso mais expres-
sivo de beleza feminina.
Todos os anos a população já espera chegar o

231
Archipo Góes
mês de agosto, especificamente no dia 02, aniversário de
nossa cidade, para torcer por sua candidata preferida ao
Miss Coari, título muito concorrido na Cidade da Beleza ou
Terra de Mulheres bonitas. Designação muito pertinente,
visto que, na história de nossa cidade há uma exaltação à
beleza das indígenas da região, feito o registro pelo Padre
João Daniel, no seu Livro “Tesouro descoberto no máximo
Rio Amazonas”. Ele as descreveu assim:
“Algumas fêmeas a que além de suas feições
lindíssimas, têm os olhos verdes e outras azuis, com uma
esperteza e viveza tão engraçadas
que podem ombrear com as mais
escolhidas brancas”.
O livro foi escrito en-
tre 1741–1757 e dessa forma, po-
demos concluir dedutivamente,
que a maneira em que se formou
o povo coariense, advém da mis-
cigenação entre os viajantes eu-
ropeus que por essas terras passa-
ram e os povos indígenas nativos.
As indígenas coa-
rienses são descendentes direta-
mente dos Jurimáguas1 que nas
passagens das belas Icamiabas2,
nessa terra, se relacionavam e as
meninas nascidas dessas uniões permaneciam junto às ama-
zonas, e os meninos eram entregues aos pais da tribo dos
Jurimáguas, juntamente com um amuleto da sorte denomi-
nado muiraquitã.

1 Tribo também conhecida por Solimões, a mais guerreira e bra-


va dessa região
2 Tribo de mulheres guerreiras conhecidas por Amazonas, que
não aceitavam a presença masculina em sua tribo.

232
Crônicas de Coari
Com essa miscigenação e mais tarde, com a
chegada dos imigrantes turcos, libaneses, árabes, judeus
e a migração dos nordestinos nos dois ciclos da borracha,
formou-se um povo com características físicas típicas de
várias “raças” com uma rica e belíssima mistura. Surgindo
assim, as coarienses, as mais belas mulheres da Amazônia.
A constatação da beleza coariense ficou mui-
to evidente em 31 de maio de 1968, no concurso de Miss
Coari realizado no Tijuca Esporte Clube, no período que se
realizava a festa da primavera e a escolha também da Miss
Primavera. A vencedora do concurso de Miss Coari 1968
foi a linda coariense, Maria de Fátima de Souza Acris.
No ano de 1968, era então, o último ano do
primeiro mandato do prefeito Clemente Vieira Soares, e o
mesmo conduziu com sua esposa, Fátima Acris, para par-
ticipar do Miss Amazonas 1968 com todos os cuidados e
muitas notas nos jornais manauaras.
O concurso aconteceu na noite de 8 de junho de
1968 e foi promovido pelo Jornal do Comércio e a Rádio
Baré.
O baile de “Miss Amazonas 1968” foi inicia-
do às 22h40min, em que logo, o mestre de cerimônia, Dr.
Jayme Rebello, deu início ao desfile em traje de noite en-
cantando todos os presentes. Na passarela, que estava es-
tendida de uma extremidade a outra do salão de danças do
Rio Negro, desfilaram: Maria das Graças Garcia (Clube
Municipal), Evan Neves (Bancrévea), Helen Rita Guimarães
(Princesa Isabel), Maria de Fátima de Souza Acris (Cidade
de Coari), Theolinda Franco Duarte (Diretório Acadêmico
da Facilidade de Filosofia da UA) e Greice Marques (União
Esportiva Portuguesa).
Em seguida, aconteceu o desfile em traje banho
(Maiô), assim sendo possível tirar todas as dúvidas sobre os

233
Archipo Góes
critérios avaliativos das medidas e a beleza de cada partici-
pante. Logo após, as candidatas se retiraram para os cama-
rins do clube, esperando a decisão da Comissão Julgadora.
Enquanto os juízes se reuniram para eleger a mais bela
amazonense daquele ano, Zeina Chama, Miss Amazonas
1967, desfilou para encerrar seu reinado, sendo vibrante-
mente aplaudida pelo imenso público.
No momento final, houve o anúncio da vence-
dora do concurso, a coariense Fátima Acris, que foi ova-
cionada pela verdadeiramente multidão que se comprimia
no “Salão dos Espelhos” do Atlético Rio Negro e na área
fronteiriça ao clube.
O concurso de Miss Amazonas 1968 premiou
Fátima Acris com produtos da Sanyo e Mundial Magazine,
passagem ida e volta para Miami pela Avianca e uma
viagem a Salvador, onde a mesma prestigiou no Ginásio
Antônio Balbino, a eleição de Martha Vasconcellos como
Miss Bahia 1968.
Coari viveu na madrugada daquele domingo,
momentos de intensa euforia. Pelas ondas da Rádio Baré,
os conterrâneos da Miss Amazonas 1968 acompanharam
com ansiedade o concurso. Quando foi conhecido o resul-
tado, o povo saiu à rua cantando em meio a um foguetório.
Inez Batista disse:
“Coari fez festa. Ficamos todos no canto do
Mengo Bar esperando o resultado pelo rádio.
O desfile tinha transmissão ao vivo pela rádio
Baré. Lembro que saímos pulando e parecia a
vitória do Brasil no futebol”.

O Miss Brasil de 1968 foi um concurso ines-


quecível na lembrança das pessoas que são apaixonadas
pelo mundo da missologia. O ano de 1968 ficou na história

234
Crônicas de Coari
como o ano da escolha da nossa segunda Miss Universo,
a baiana Martha Vasconcellos. Martha e Fátima Acris se
destacaram na sua preparação do concurso e na expressiva
divulgação de suas fotos nas revistas e jornais de grande
circulação em todo o país.

Traje de Gala
O concurso de âmbito nacional aconteceu no
dia 29 de junho de 1968, no Ginásio do Maracanãzinho,
Rio de Janeiro. Foi promovido pelos “Diários e Emissoras

235
Archipo Góes
Associados” e foi transmitido pela saudosa TV Tupi. Houve
a participação de 25 candidatas, representando os Estados
e Territórios brasileiros. A grande festa nacional da beleza
começou com a apresentação em traje de gala, em seguida
em trajes típicos e finalizou com traje banho (maiô).

Fátima Acris no Rio de Janeiro


O resultado do concurso elegeu Martha
Vasconcelos como Miss Brasil 1968 e ela foi credenciada

236
Crônicas de Coari
para representar o Brasil no Miss Universo, que aconteceu
no dia 13 de julho de 1968 no Miami Beach Auditorium, em
Miami Beach, Flórida, nos Estados Unidos. E novamente,
Fátima Acris foi acompanhar mais uma vez Martha receber
um título, o segundo Miss Universo para o Brasil.

Fátima Acris foi a única coariense a participar de


um concurso nacional do Miss Universo até hoje. Contudo,
tivemos mais duas Miss Amazonas: Mara Alfrânia Batista
Batalha (1991) e Cleomara Araújo (1992).
Desde a década de 60, Coari tem a tradição de
revelar grandes talentos para os concursos de beleza ao ní-
vel estadual e até nacional. Fato que vem influenciando di-
retamente nesses 50 anos a paixão dos coarienses pelo con-

237
Archipo Góes

curso de Miss Coari e ajudaram nossa cidade a ser chamada


“Terra de Mulher Bonita”.
Fica aqui minha homenagem à Fátima Acris,
que neste ano de 2018, completa 50 anos de seu eterno rei-
nado. Dona de uma beleza suave, angelical e sobretudo, que
irradiou sempre simpatia. Essa mulher que saiu de sua cida-
de, onde trabalhava nas Casas Pernambucanas e, no período
de um mês, partiu para o mundo, deixando em Sua Coari
um legado de dignidade e uma história que influenciou
sempre o empoderamento da Mulher Coariense.

Archipo Góes - 2 de agosto de 2018

238
Crônicas de Coari
Entrevista com Mara Alfrânia, Miss Coari 1990

N
o dia 02 de agosto de 1990, aniversário de emanci-
pação Política de Coari, aconteceu um inesquecível
concurso de miss que ficou marcado na lembrança
de cada coariense que assistiu aquele concurso na quadra de
esporte São José.
A seleção das candidatas foi primorosa, pois
foram 7 candidatas de alta índice de beleza plástica, desen-
voltura e simpatia, um verdadeiro time dos sonhos de qual-
quer concurso de misses coarienses: Mara Alfrânia Batista
Batalha (Miss Coari), Rosemary Gomes Fogassa (Primeira
Princesa), Ângela Sheila Lima Ribeiro (2ª Princesa),
Fabiana Raírima da Conceição Gomes (4º Lugar), Belanice
Gonçalves Rodrigues (5º lugar), Nalra Milene da Cruz
Gonçalves (6º lugar) e Elanes Rebolças Rocha (7º lugar).
A premiação da vencedora foi uma passagem
Manaus/Fortaleza/Manaus com direito a acompanhante.
Na década de 80, o público coariense era co-
nhecido por ser um pouco frio e não aplaudir muito as atra-
ções que se apresentavam. Mas naquela noite, o autor viu
em foco, toda arquibancada se levantar e aplaudir com or-
gulho o desfile de apresentação de sua candidata preferida.
Mara declarou à impressa com humildade “que ser vitorio-

239
Archipo Góes
sa é saber conviver com um título, sendo a mesma pessoa
que sempre foi”.

Mara no “Miss Amazonas 1991”


Em 1991, Mara Alfrânia foi convidada pela
organização do Miss Amazonas Estudantil, professor
Antônio Carlos Fonseca, Dr. Tibiriçá Holanda e a Sra.
Waldeir Holanda, para representar Coari na segunda ver-
são daquele inovador concurso. 14 candidatas, de todo o
Amazonas, vieram para o concurso que aconteceu na cida-
de de Itacoatiara. No corpo de jurados tivemos presença de

240
Crônicas de Coari
grandes expressões da moda e concurso de misses, como
Célio Said e Fernando Salignac.
As candidatas ficaram confinadas em um hotel
de Itacoatiara e participaram de uma agenda muito movi-
mentada com vários encontros e celebrações. Durante a
noite, na final do concurso, Mara Alfrânia, sagrou-se a ven-
cedora, trazendo a coroa para Coari.
Com as sucessivas quedas na audiência do Miss
Brasil, o SBT, que era a empresa organizadora do concur-
so nacional, abriu mão do Miss Brasil e da transmissão do
Miss Universo em 1990 e isso foi crucial para a não partici-
pação do Brasil no Miss Universo em Los Angeles naquele
ano, pois não haveria patrocinador oficial.
Ainda no ano de 1991, após o fim da era Silvio
Santos na organização do Miss Brasil, o Miss Amazonas
ficou indefinido e não houve concurso estadual. Contudo,
a coordenação do Miss Amazonas ligou e convidou Mara
Alfrânia para representar o Amazonas no Miss Brasil da-
quele ano. Mas, devido a um sério problema de saúde, ela
não pode participar e o Amazonas não enviou candidata ao
Miss Brasil 1991.

Entrevista com Mara Alfrânia

Quando você decidiu participar de concurso de


miss?
Mara Alfrânia: Quando eu era criança ouvia as
pessoas falarem para mim — Quando você crescer vai ser
Miss Coari — Era os amigos da minha mãe, ou algumas
pessoas que não conhecia na época, pois era criança e não
tinha ideia do que era ser Miss COARI.
No álbum antigo da minha mãe tem uma foto
dela de Miss Tijuca. Também tinha uma foto dela com a

241
Archipo Góes
Miss Fátima Acris, que eu achava muito bonita, mas não
sabia quem era naquela época. Eu ouvia muitas histórias de
misses.
Desde então, sempre que a minha mãe deixava
eu acompanhava os desfiles da Miss Coari, eu via os con-
cursos de misses na beira do palco. Quase as misses pisa-
vam nos meus dedos de tão perto que eu ficava. Teve um
que entrei nos bastidores, esse eu acompanhei de perto, vi
tudo: arrumarem os cabelos, maquiagem, um corre-corre.
Todas estavam lindas e eu lá no meio da confusão, até eu
ver uma candidata pôr a meia calça. Eu disse: — Isso pode?
— me colocaram para fora do local.
— Tudo aquilo era um sonho, passarela, coroa,
faixa, pessoas aplaudindo, ali eu me vi desfilando e ganhan-
do o título, porque eu queria a coroa, eu queria ser uma
Miss Coari.
— Assisti ao concurso do Miss Coari 1989 que
aconteceu no clube “Refúgio Dois Pinguins” durante o ani-
versário de Coari. A minha prima Jan Neves era candidata e
eu assisti das mesas, ela ser a vencedora daquele concurso.
Foi nesse momento que decidi que um dia eu participaria
do Miss Coari.

Quem foi a sua grande inspiração como miss?


Mara Alfrânia: Com certeza as que vi na TV.
Vera Fischer, era perfeita. Ela foi Miss Brasil em 1969.
— Mas eu tinha um sinal, ao lado da minha
coxa esquerda e eu achava isso um problema. Chorava até
— Nunca vou ser Miss. Uma Miss precisa ser perfeita.
— Além disso, eu tinha um dente quebrado.
Mas quando vi as Miss de Coari e vi que elas não eram
perfeitas. Eu poderia ser uma Miss sim.
— Então passava o dia desfilando em casa no

242
Crônicas de Coari
meu quarto. Fui desenhando minhas roupas de Miss. Fui
sonhando como toda criança. Mas, em Coari, minha Miss
preferida era Ana Mota. Achava ela linda, educada. No con-
curso dela, eu já era uma mocinha. E as lembranças estão
mais vivas na minha memória.
— Coari era cheia de mulheres que não faziam
nada para ter um corpo bonito. Elas já nasciam assim.
— Na minha época eu era atleta. Eu corria 14
km todos os dias. Nadava muito e andava de bicicleta. Era
louca por esportes. Fiz todos porque já era ligada nos 220
volts. Porém, eu me realizava mesmo era nas passarelas do
desfile de moda. Nesses desfiles, eu era mais feliz porque o
foco eram as roupas e não eu. Não estava ali sendo julgada
e não precisavam avaliar o meu corpo.

Você chegou a fazer algum curso de passarela ou


alguém te ensinou?
Mara Alfrânia: No começo, eu aprendi tudo so-
zinha, imitava as misses da TV.
— Depois teve o Maurício, meu cabeleireiro,
que me ensinou. Esqueci o nome do outro agora. Eles foram
me moldando para o clássico. Mas isso veio tudo junto com
o Miss Coari.
— Até o Hélio Puigcerver aparecer na minha
vida e me dar uns toques mais requintados.
Em seguida no Miss Amazonas eu já estava
craque. Sabia exatamente como me comportar. Por isso, o
título veio sem muito esforço.

Como foram os dias finais do seu concurso de miss


Coari?
Mara Alfrânia: Na minha época era tudo sim-

243
Archipo Góes
ples, apenas ensaios, reuniões para provar maiô, tirar me-
didas do corpo, reuniões para conversar como ia acontecer
o evento.

Apresentação de Mara Alfânia em traje de gala


— O que teve de diferente foram as filmagens
que fizemos para passar na TV e convidar o nosso povo co-
ariense a prestigiar o evento, para apresentar as candidatas.
Falamos um pouco sobre cada uma de nós.
— Todas as candidatas fizeram um clip e o meu

244
Crônicas de Coari
foi estilo Pantanal (A novela de sucesso da Rede Manchete).
A personagem era uma mulher que virava uma onça, e as-
sim, aconteceu a minha produção… Como eu queria aquela
filmagem, meu Deus! Mas nunca tive uma cópia. Apesar de
não ter acontecido entrevista na rádio, mas quando o povo
de Coari foi para quadra São José, já foi com suas candida-
tas em mente para torcer. Eu lembro de pessoas que nunca
vi, falarem comigo — Oi Mara Alfrânia, te vi na TV. Teu
clip foi legal com a onça.
— Nos últimos dias antes do desfile, me re-
cordo agora, eu ensaiava com a minha parceira Rosemary
Fogassa na casa da Socorro Barreto. A Socorro Barreto cui-
dou da gente, desenhou nossas roupas, nos orientava sobre
comportamento – As coisas estão vindo na minha memória
agora. — Socorro Barreto estava por trás da gente. Nós nos
bronzeamos na casa dela. Passávamos horas rindo. Sabe
que eu não olhava ela como concorrente. Só me toquei que
estávamos disputando quando pegamos uma na mão da ou-
tra já no palco para ver qual de nós era a Miss Coari.

Como foi o relacionamento entre as candidatas do


Miss Coari 1990?
Mara Alfrânia: Foi um concurso em que não
houve atividades para estimular a amizades entre as candi-
datas. Os encontros eram mais para os ensaios de passarela,
reuniões, experimentar roupas, sorteio para escolher os ra-
pazes que iam acompanhar durante o desfile.
Contudo, eu ganhei uma amiga! A Rosemary
Fogassa. Aliás, apenas ela era amigável, e costumava
está sempre comigo. As outras eu conhecia todas: Sheila,
Fabiana, Nalra, Belanice e Elanes. Algumas não me olha-
vam direito e até se afastavam de mim.
— Teve candidata que quis ser apresentar com

245
Archipo Góes
o maiô diferente do padrão. Mas, a organização na hora fez
ela trocar e usar o padrão.

Elionete Ramires e Mara Alfrânia


— Antes da entrada para o top 2, ainda no ca-
marim, eu estava sentada com a Rosemary Fogassa no chão
em cima de toalhas. Pediram para nós duas entrarem. Ela
me abraçou muito carinhosamente. As demais candidatas
saíram do camarim. Só ficou a Mary e eu, rindo de felicida-
de. O meu primo Maurício, que foi também o meu cabelei-
reiro, caiu em choros. Eu fiquei feliz, tranquila. Mas pena
que só tinha uma vencedora, porque a Rosemary também

246
Crônicas de Coari
merecia. Nós fazíamos tudo juntas, sempre sob as orienta-
ções da Socorro Barreto.

Como foi na hora que anunciaram o seu nome como


a nova Miss Coari?
Mara Alfrânia: Surreal. Uma realização. Nem
quando ganhei o Miss Amazonas eu fiquei tão feliz. Era um
sonho de criança. Cresci ouvindo os adultos falarem “você
vai ser Miss quando crescer”. Naquela época, eu nem sabia
o que era ainda ser Miss Coari. Só depois mais entendida
fui saber e amar ser de fato uma Miss. Acho que fui uma
boa Miss Coari, porque até hoje as pessoas lembram, me
param, me reconhecem, falam de mim, falam coisas boas.
Gente que era criança e faz questão de falar comigo, muitas
pessoas comentam sobre o meu reinado.
— Mas, teve uma que me emocionou: o Jean
Balieiro. Ele veio no meu Facebook uma vez conversar. Já
havia lido alguns comentários dele em fotos minhas que
você publicava. Até que uma noite, ele deixou um recado
para mim. Falando que me viu na feira em Coari. E depois
chegou na casa dele e falou: tiaaaa, eu vi a Mara Alfrânia.
Ela é linda. Sorridente. Fiquei olhando para ela até ela ir
embora, mas não tive coragem de falar com ela.
— A tia dele respondeu: deveria ter falado, a
Mara é bonita mesmo. Educada — então ele me falou que
da próxima vez que eu fosse em Coari, ele ia falar comigo.
E fez. Este tipo de amor não tem preço!

Como foi o seu reinado de Miss Coari?


Mara Alfrânia: Nos anos 90 não havia muitos
eventos, mas participei sim de alguns eventos em Coari e
fora daqui também. O primeiro foi no Carnaval de Rua, onde
fiquei no palco com as autoridades acompanhando o desfile

247
Archipo Góes
dos blocos carnavalescos. Sempre que aconteciam eventos
oficiais da prefeitura no clube “Refúgio Dois Pinguins”, eu
era convidada.
— No aniversário de Coari veio uma agência
de moda desfilar antes do concurso de Miss Coari, e o res-
ponsável que também foi jurado. Roberto Carreira. Eu as-
sisti até o ensaio da agência de modelo e fui me espelhando
nas modelos, apesar que a moda tem um estilo diferente de
“passarela” do estilo clássico de Miss, porém existe algumas
técnicas e um comportamento que toda as candidatas pre-
cisam ter, que é a simpatia, desenvoltura, coisas importante
para todas. Isso daí para mim foi muito bom ter assistido o
ensaio delas. Depois do concurso, o Roberto Carreira, me
convidou para participar do Golden Star em Manaus, onde
ganhei a premiação de Garota Revelação.
— Em 1990, na II Festa da Banana, eu fui ma-
drinha da Astrid Silva, que foi a rainha daquele ano.
— Depois da minha participação no Evento
Golden Star, fui convidada para participar do Miss
Amazonas que era coordenado pelo Fernando Salignac.
— Depois de vencer o Miss Amazonas em
Itacoatiara, fui convidada para desfilar em Roraima e em
Brasília.

Coari, 19 de maio de 2023


Archipo Góes

248
Crônicas de Coari
A Saga de Maria Higina em Terras Coarienses

D
esde minha infância já ouvia histórias intrigantes
da personagem que venho aqui descrever, relatos
contados pelos meus pais e tios que ficaram na mi-
nha lembrança. Maria Higina teve uma trajetória que ousou
desafiar o seu tempo em um local ainda muito controverso.

249
Archipo Góes
Hoje, a cidade de Coari não conhece as suas
realizações, os seus eventos e contribuições para nossa po-
pulação, na zona rural e para a sociedade coariense. Ela é
lembrada apenas pelo nome de uma rua transversal que liga
a rua Marechal Deodoro a rua XV de Novembro, no Centro.

Livro onde foi registro o casamento de Maria Higina

Maria Higina Cartucho Mendes da Silva, segun-


do a sua certidão de casamento, nasceu em Manaus em 12
de janeiro de 1927. Era viúva do coronel Francisco Mendes
da Silva Sobrinho. Era mãe do coronel Manoel Bonaparte
Mendes da Silva, Sra. Maria Ane Mendes da Silva Gomes,
Sra. Terezinha de Jesus Mendes da Silva Pereira, major
Luiz José Mendes da Silva e o Sr. José Bonifácio Mendes
da Silva.
A senhora Maria Higina era uma personalidade
muito conhecida em Coari. Herdeira de grandes seringais
na comunidade do Trocaris. Sua postura era de uma ver-
dadeira “Coronel ou Baronesa de Barranco”, pois, cuidava

250
Crônicas de Coari
de sua propriedade com braço forte para que não houves-
se desfalque na colheita da castanha. Ela costumava andar
com um resolve na cintura para melhor poder impor respei-
to aos comandados
Ao conversar com o amigo, Padre Nelson
Peixoto, sobre a nossa personagem, ele me repassou um in-
teressante texto de sua autoria:

Os Antigos Ouviram Falar


Desobriga X Comprometimento na Luta!
Encontrei histórias da Maria Higina na versão
daqueles que descreviam sua valentia feminina, beirando
para mim mais como Dona da Casa Grande que amava os
seus na contradição do resultado da castanha, cuja alma de
ternura também não faltava.
A parada mais interessante foi eu ter conheci-
do um gerente de castanhal dela que trabalhou no Trocaris.
Andei mais na costa do que dentro da boca, mas foi na ilha
de Trocaris onde em noite de Natal sem anjos dourados,
mas com hansenianos alegres comensais, ceamos debaixo
do Tapiri Comunitário que servia de Capela. O Jerimum
coalhou de frio na caldeirada de tambaqui salgado. Jacson e
Nelson, dupla solimônica missionaria, entreolhávamos feli-
zes por aquela noite de Natal! Mas chegava à lembrança de
outros tempos de calor na mesa de nossas outras famílias!
Mas, a Maria Higina com seu capataz de con-
fiança mandava que ele olhasse a floração das castanheiras
para calcular o volume da safra. Ele acertava porque se não
desse quase exata em hectolitros vinha a desconfiança da
resistência dos “colocados” que colhiam os ouriços da boca
das cobras. Castanha enterrada para a “cotia”, anzol grosso
debaixo da canoa descendo o rio em noite de lua, levando
castanha em paneiros mergulhados.

251
Archipo Góes
Havia resistência e compromisso de união e
menos desobriga. Talvez naquelas mais antigas a subversão
e a desobrigação de comprar mercadoria e vender só para
o patrão… muitas histórias… o Poço do Tuba depois conto
em outra oportunidade. Grato pela lembrança de nossas re-
madas nos lagos e rios das antigas desobrigas.
Nelson Peixoto

Maria Higina era pessoa muito conhecida no


município de Coari, não somente por ser proprietária de
castanhais, mas, também por sua grande cultura. Ela era
muito conhecida e bem relacionada em Manaus, onde re-
sidiu por muitos anos, tendo inclusive colaborado para o
Jornal do Comércio, com algumas crônicas.
O renomado professor José Ribamar Bessa
Freire, meu grande incentivador para uma percepção crítica
e reflexiva sobre a história de Coari, através do seu livro
“Amazônia Colonial”, que fiz minha primeira leitura na bi-
blioteca de Coari, com os meus 17 anos. Era material, ainda

252
Crônicas de Coari
impresso com mimeógrafo a pasta. Ele pelo meio de uma
postagem, no seu site Taquiprati, faz uma intrigante descri-
ção sobre a nossa personagem:

Pérola do Solimões
Bessa Freire
7 de janeiro de 2007

A história do quase-bombardeio de Coari


quase entra no hino oficial da cidade, com música do pa-
dre Antônio (Stubem) e letra de dona Higina, a poeta de
Trocaris. Dona Higina nunca falava, declamava. Não dava
bom dia, desejava alvíssaras. Um dia, visitando a biblioteca
do seminário, perguntou assim como quem não quer nada:
— Oh, é aqui que vindes sorver, qual sagazes
abelhas, o mel da inteligência?
Se ela era assim, coloquialmente, imaginem
escrevendo o hino da cidade. A letra descreve o coariense
como “gente forte e viril, sentinela da liberdade”, proclama
que Coari é a pérola do Solimões e exalta, no estribilho: –
Oh Coari, oh Coari, nossa cidade em flor / São teus campos
perfumados, são tuas praias um esplendor / Oh Coari, Oh
Coari, não tens rival / nesse rio coloooooooossal.

Em outro texto denominado “Alvíssaras, dona


Higina”, de 17 de julho de 2022, ele a descreveu assim:
“Nós, os seminaristas redentoristas, assistimos
várias vezes o espetáculo, único divertimento local, sempre
aberto por dona Higina, poeta, dona de castanhais e inte-
lectual orgânica de igarapé, que nunca falava, declamava.
Nem dava bom dia, irradiava alvíssaras. Com a voz treme-
licando e lambendo os beiços, ela repetia nas solenidades e
eventos a mesma frase, que ouvi pela primeira vez na inau-
guração da biblioteca do seminário e foi tão martelada, que

253
Archipo Góes
ficou gravada para sempre em minha memória: — Oh, é
aqui neste recinto que vós vindes sorver, qual sagazes abe-
lhas, o mel da inteligência”.
Em 15 de abril de 2016 – Nelson Peixoto
comentou:
“Você José Bessa ampliou minha compreensão
mais humana acerca da Maria Higina. Em minhas andanças
pelo Trocaris via a admiração do povo, mas a tinha como
uma boa gerente de castanhais que certamente dominava e
explorava o trabalho dos colocados.
Na verdade, minha atuação era mais nos cas-
tanhais da bacia do lago e rios a dentro. Minha luta jun-
to aos castanheiros era para poderem plantar bens de raiz,
não depender unicamente do barracão, ter condições de ir
para a cidade comprando gasolina para seus rabetas e ou-
tros. Tenho histórias bonitas de resistência aos patrões, mas
conheci e entrevistei um capataz, não lembro bem se traba-
lhou com a Maria Higina que pela floração das castanheiras
sabia fazer o cálculo dos hectolitros no fim da safra. E aí.
Castanheiro… podia ser que estivesse vendendo ou escon-
dendo castanha para alcançar um preço melhor por tirar da
boca da cobra, como diziam”.
Durante uma conversa com Nelson Peixoto, ele
compartilhou uma história bastante intrigante:
“Ela possuía um funcionário de nome Antônio
Paulino, que atuava como uma espécie de capaz dela no
Trocaris. Ele era extremamente habilidoso em calcular a
safra em hectolitros com base na floração das castanheiras.
Havia algo de mítico nesse processo, e ele utilizava esse
mito para intimidar as pessoas, visando minimizar ao má-
ximo o basculho”.
Artigos para o Jornal do Comércio:

254
Crônicas de Coari
INTERROGAÇÕES MISTERIOSAS
Maria Higina
5 de junho de 1956
O dia amanheceu chuvoso e sombrio. Mesmo
assim, o assobio do vento envia o hino melodioso aos ga-
lhos dos arvoredos, os quais, como bandeiras altaneiras,
flutuam com fortes vibrações, parecendo lutarem desas-
sombradamente pela soberania do solo de nossa região.
Mas através das horas insondáveis que passam,
há um estranho desencanto, um mudo lamento, uma amar-
gura persistente, oculta, ressentida, mesclada de dor e nos-
talgia; há também, uma vasta sensação misteriosa de me-
lancólicos sentimentos. É, num desses dias fora do comum,
que o cérebro fica confuso ao ser assaltado pela coragem do
desespero, em que fumamos cigarros após cigarros, procu-
rando nos deter sem nos mover durante longos momentos,
a fim de observar o impulso invencível do destino traiçoeiro
que, com as suas perspectivas sombrias, vai impiedosamen-
te cortando os laços que unem os divinos e harmoniosos
desejos da nossa tão almejada tranquilidade. Enfim, é uma
hora de anotação diferente, em que a gente larga a pena com
o olhar para o relógio, cujo tique-taque angustioso, acelera
o inexplicável fenômeno dos sitiais dos tempos. Com esse
misto de apreensões, com essas investigações carregadas
de expectativas, extraordinariamente dolorosas, é que pros-
seguimos observando os contrastes das vidas, as diferen-
ciações de sentimentos, as falhas de individualidade destes
que, aliados aos vigaristas sem classificação, não vacilam
em estimular malfeitores a fim de cometerem, ousadamen-
te, nas caladas da noite, inesperadas tentativas de homicí-
dio, pondo em jogo perigoso, a vida de pacatas criaturas.
Não tem limite a vergonhosa afronta das incons-
cientes teorias falhas desses indivíduos que, sem critério,

255
Archipo Góes
vivem sob a máscara mentirosa da hipocrisia e, dia a dia,
vão multiplicando assustadoramente os meios para alcançar
a solução de suas cegas trampolinagens, que, narradas, são
inacreditavelmente deploráveis. A análise da assombrosa
curva de irregularidade destes malabaristas da chantagem,
os quais são prisioneiros de insaciáveis perfídias, são jo-
guetes das mais contraditórias inclinações, chega ao auge
do absurdo.
Desta forma, indiferentes ao direito e à razão,
vão confundindo, assim, o espirito de tolerância, o instinto
de conservação, com a indigna covardia.
Como vemos, decididamente, os lances auda-
ciosos desses desajustados vão ganhando terreno e deixam
profundos vestígios de seus roteiros
marcados, sem, entretanto, refletirem, a
que ponto poderão chegar essas graves e
danosas consequências. Assim, em meio
a essa onda incrível de ocorrências des-
respeitosas do “salve-se quem puder”,
passadas em pleno coração de nossa
princesa do Solimões que é Coari, veri-
ficamos o balanço triste e desolador das
estranhas crises de burlas escandalosas e
a violação do sagrado templo da Justiça
e da Lei.
Agora, ao término destes fragmentos de verda-
des clamorosamente lamentáveis, quando lançamos o nosso
olhar para a distância longínqua do prolongamento deste
Brasil imenso, amado e admirável, cuja terra é de promis-
são e cuja ordem assegura confiança, justiça e estabilidade,
queremos sublinhar as interrogações misteriosas que pai-
ram no ar, nesta época de incertezas perigosas e, ao mesmo
tempo, inquirir de nós para nós: para onde caminhamos?
Aonde iremos parar e o que será de tudo isso!?…

256
Crônicas de Coari
Outro artigo que escrito por nossa Maria Higina para o
Jornal do Comercio foi:

ETERNO RECONHECIMENTO
Maria Higina
9 de fevereiro de 1958
Enquanto a noite desdobra aos nossos olhos as
condições de sua atmosfera encantadora,
observamos que o pêndulo do relógio,
com a calma soberana de suas delicadas
badaladas, parece que acentua um senti-
mento novo, diferente, a cada frase que
surge momentaneamente.
É num desses momentos que
fugimos das tristezas mornas da vida, são
instantes em que o pensamento mesmo
encarcerado no subterrâneo da realidade
das coisas, reza um breviário ungido de
emoções, daí porque, de início vai de-
parando com o céu, com o facho lumi-
noso do seu colar de estrelas, as quais,
manifestam a paisagem suave dos traços
indefiníveis da sublimidade de Deus. E
vamos além, percorrendo as estradas largas da distância
onde contemplamos a lua, com a sua claridade estonteante
como quem envia sorrisos límpidos de felicidade à terra,
com isso, trazendo ainda nossa mente, a imagem proteto-
ra do glorioso SÃO JORGE guerreiro, que no alto, galopa
com seus arreios de prata, no seu maravilhoso e fantástico
corcel.
Com o desfile desses quadros imponentes e su-
gestivos, harmonizados com o espetáculo da noite, a qual,

257
Archipo Góes
vai dando ao percurso das horas uma, atração verdadeira-
mente fascinante, é que temos a impressão que, a própria
natureza, soberana, grandiosa com seus conjuntos esguios e
altaneiros, parece que está ajoelhada num altar divino, im-
plorando fervorosamente proteção a todos os seus habitan-
tes. É justamente na hora milagrosa da alvorada dos sinos
de sua majestosa catedral, é no minuto em que ela aprofun-
da o ritmo da testa diferente, enfim, é na ocasião do canto
mavioso dos versos do poeta, o qual, passa doce e sereno na
dança feiticeira da alegria das horas.
Sem lisonja é preciso que se diga: nossas flo-
restas estão soberbas espetaculares, felizes e deliciosas, não
só falando a linguagem mágica do sentimento dos seus rios,
de seus lagos e dos seus igapós, como também sentem com
entusiasmo, o incentivo ofertado ao espírito dos nossos
caboclos de mãos calosas, os quais dentro do anonimato,
constroem abnegadamente, a prosperidade do Amazonas,
para a glória do Brasil.
Assim, pelas orlas dos caminhos, com o cora-
ção bondoso, ora longe, ora perto, na vitória? ou nos re-
vezes, no prazer ou nas aflições, eles vão segundo, levan-
do em mente, a lembrança risonha e afetiva que conforta
e reforça, suas sentinelas avançadas, as quais, continuarão
a montar guarda firme, com as armas do desassombro, vi-
sando apenas, conciliar a despreocupação com a constante
vigilância. Como vemos, nossos patrícios prosseguem ani-
mados, dentro da encruzilhada do tempo, sempre confiante
na proteção da divina providência, muito embora, vivendo
longe, muito longe, do brilho das lantejoulas da nossa tão
almejada civilização.
E agora, ao verificarmos que tudo isso confun-
de-se na admiração de quantos, vivem embalá-los no doce
voo dos múltiplos estímulos, temos a certeza que. os nossos
bravos conterrâneos bateram palmas, felizes com a felicida-

258
Crônicas de Coari
de de A Gazeta, no dia alegre da comemoração de seu decê-
nio. Sim, eles enviaram mentalmente as suas justas congra-
tulações, pelo aniversário desse simpático vespertino, que
não só possui a fórmula especial, adotada nas trincheiras
dos legítimos direitos da defesa coletiva, como também,
possuem um inesgotável reservatório de incentivo, cuja
chave fortifica a segurança no futuro e dá luzes ciaras aos
motores de nossa persistente coragem.
Portanto, é natural que a sombra dessa alegria
chegue até ELES, com imensa satisfação e que estejamos
convictos que, aqueles que foram homenageados principal-
mente por esse brilhante órgão da imprensa, terão natural-
mente, no rol das tarefas de suas profissões e na tábua de
seus inúmeros deveres, o modelo primário e inicial da gran-
deza do patriotismo construtor de nossa adorada PÁTRIA.
Assim sendo, a esses que nos estimularam, que
são nobres pela fidalguia de atitudes, vai aqui, as nossas fe-
licitações cordiais, extensivos não só ao Deputado ARTUR
VIRGÍLIO FILHO e Augias Gadelha, como também, a essa
plêiade de jovens da Imprensa, especialmente a Aldévio
Praia e Júlio César, os quais, fizeram parte da comissão jul-
gadora do concurso, que nos deu credenciais para represen-
tar os nossos colegas castanhedários e castanheiros de 1957.
A todos pois, o nosso sincero e eterno reconhecimento.

Parabéns para você!


Maria Higina
9 de novembro de 1958

A aragem fresca do vento nos brinda, com os


sons do conjunto angélico de melodias moduladas, neste
domingo de festa em que a passarada espalha o riso da ale-
gria e as flores da esperança. Sim, é aos fulgores do alvore-

259
Archipo Góes
cer deste dia que, divisamos lá longe, distante, uma imagem
infinitamente piedosa a qual, parece que lança suas santas
bênçãos sagradas, à toda imensidade da beleza da terra.
É na doce sarabanda das horas que, essa ima-
gem divina com o seu milagre sublime parece que reza ao
som do coro grandioso da doutrina
cristã, o breviário fantástico da sin-
geleza da vida. É no instante entu-
siástico da alvorada bendita que
ela expressa com sadia alegria, a
comunhão de ideias, que fortificam
o sentimento aproximado com a
sublimidade de Deus. É quando o
dia flutua num rio de vibrações,
porque toda a cidade está engala-
nada para manifestar sua satisfa-
ção, seu contentamento, ao participar, da festa tradicional e
jubilosa dos alunos disciplinados do Colégio Dom Bosco.
É o dia da Festa do Diretor, do Reverendíssimo
Padre Pascoal Felippelli, o sacerdote que professa a religião
imortal de fazer o bem, sem olhar a quem. Esse sacerdote
que é o guia abnegado dos adolescentes, e que, no piedo-
so altar de harmonia celestial, deste grandioso Colégio vai
deixando um rasto heroico no doce recordar dos dias que se
passa porque, com a sua sensibilidade terna de admirável
educador, reza as orações bem-aventuradas da maravilhosa
cartilha da vida. Portanto, é natural que todos se parabe-
nizem, com os alunos e suas dignas famílias neste dia de
grandes comemorações festivas nesta data da festa tradicio-
nal deste colégio que é um símbolo para mocidade amazo-
nense. Sim, neste dia que se acentua o colorido vibrante das
parasitas dos igapós, as quais, trazem de longe, lembranças
vivas de semblantes amigos, que cantando dos felizes com
a felicidade de todos os alunos!

260
Crônicas de Coari
Parabéns para Você, Reverendíssimo Padre
Pascoal Felippelli !

Alvorada Divina
Maria Hygina
25 de dezembro de 1958

Não há dúvida. A fisionomia encantada da bele-


za desse dia de festa universal tem uma
admirável sedução excepcional. É o dia
solene das palavras amigas, consagradas
ao nascimento do Menino Jesus; é um dia
embalado pelo vento brando da tranquili-
dade do tempo, esse tempo que com pas-
sos cadenciados, percorre a estrada inter-
minável dos anos e vai prosseguindo
sempre, sem alterar a sua marcha e sem
pará, e segue, e vai olhando o presente,
passando em direção ao futuro…
Hoje é o dia da concordância
íntima entre o céu e a terra; é o dia da alegria contagiante,
espontânea, a qual, sugere poemas místicos, emotivos e sen-
timentais. É quando em meio a um clarão de intenso con-
tentamento, num ambiente de vibração celestial, numa doce
expressão de confiança e respeito religioso, todos os fiéis se
ajoelham no eterno templo do horizonte de suas crenças, a
fim de entoarem hinos sacros e implorarem bênçãos mise-
ricordiosas ao reino de Deus. Hoje é o dia da Noite Feliz, é
dia da amorosa legião de mensageiros do Menino Jesus os
quais, numa demonstração de bondade fraterna, percorrem
as alamedas luminosas e intermináveis, a fim de revelarem
a sublimidade de suas riquezas de imagens. É o dia da festa
das velas coloridas, das bolas multicoloridas, das árvores

261
Archipo Góes
com presentes desse velhinho simples, bondoso e amável
que é o Papai Noel. A data hoje é jubilosa, é tradicional,
porque elevou o sentimento de todos os povos Cristãos,
dando com isso, um impulso definitivo para o progresso
da nossa civilização. Portanto, é natural que, de forma sutil
e bela, haja convites íntimos, para o mavioso concerto da
majestosa festa da Cristandade: é justo que, todos estejam
atraídos pelo som de badalar festivo dos sinos; que pobres
e ricos, grandes e pequenos, estejam aptos a tomarem parte,
num torneio imponente de frases soltas, simples e expressi-
vas, a fim de que possam se consagrar devotamente ao ideal
da Paz.
E nós, com essa farta reserva de afagos espiri-
tuais, ao contemplarmos os brindes entusiásticos desse dia
alegre, filho das horas, também observamos que, o mundo
inteiro está radiante, está empolgando com as suas valio-
sas credenciais, com o acolhimento afetuoso que o céu lhe
concedeu para com serenidade suprema, poder esboçar o
grandioso perfil do milagroso Menino Jesus. E, com essa
selva milagrosa de encantos do céu, instintivamente somos
impulsionados pelo símbolo sagrado da nossa devoção —
Deus — e, mentalmente num transporte de ternura inde-
finível, fazemos uma análise no arquivo das nossas remi-
niscências queridas e inolvidáveis. Depois… com os olhos
perdidos pelas paisagens maravilhosas do fascinante mun-
do de Deus, deparamos com os anjos bem-aventurados os
quais, mesclados de beleza e alegria deslisavam em curvas
suaves e harmoniosas pelo espaço afora, como se fossem
entoando hinos sacros de gratidão a Jesus. Paramos um
pouco… sem alterar o colorido singelo do nosso pensamen-
to. Nessa ocasião, tivemos a impressão que, na hora afetuo-
sa e magnífica de alvorada divina, exalam impressionantes
essências perfumosas de inspirações, as quais impregnam
o espirito daqueles que, cantam os versos nostálgicos da

262
Crônicas de Coari
saudade, pelos longínquos caminhos da vida…
No início da década de 1960, o Brasil passou
por mudanças significativas na área política, cultural e na
área social. Era o fim dos anos dourados com a explosão
da cultura do Rock. Estava emergindo a Bossa Nova e o
Tropicalismo que muito contribuíram para a riqueza cultu-
ral do Brasil.
Em 1960, Juscelino Kubitschek finalizou seu
mandato presidencial, que ficou conhecido pelo lema 50
anos em 5. Durante seu governo, houve um foco signifi-
cativo no desenvolvimento econômico e na modernização
do país, simbolizado pela construção de Brasília, a nova
capital. Além de investir na infraestrutura do país, com a
construção de rodovias, ferrovias, aeroportos e usinas hi-
drelétricas. E por fim, a implantação da indústria de base,
as indústrias automobilísticas, isso trouxe mudanças signi-
ficativas nas áreas urbanas, mas também resultou em desi-
gualdades socioeconômicas.
Jânio Quadros assumiu a presidência da repú-
blica do Brasil em 1961, mas renunciou poucos meses de-
pois, levando João Goulart à ascensão do poder. Contudo,
ele enfrentou uma forte oposição e, dessa forma, foi de-
posto em 1964, dando início à ditadura militar no país. A
sociedade brasileira estava passando por transformações,
com um aumento na urbanização e mudanças nos padrões
de vida. No entanto, as desigualdades sociais persistem, es-
pecialmente nas áreas rurais.
Já especificamente no estado do Amazonas, as-
sim como o restante do Brasil, a população experimentou
mudanças significativas na área política, social e cultural,
no início da década de 1960. Contudo, o que se passava
nos grandes centros urbanos do país estava muito longe da

263
Archipo Góes
vida no interior do estado, em que a sobrevivência era ainda
muito difícil. A população era majoritariamente rural, e as
condições de vida eram precárias. A população enfrentava
problemas como a fome, as doenças e a falta de educação.
Em 1960, o governador do Amazonas era
Gilberto Mestrinho. Ele assumiu o cargo no dia 31 de ja-
neiro de 1959 e governou até o momento que seu mandato
foi interrompido pelo AI-01(Ato Institucional número um)
que cassou o seu mandato em 9 de abril de 1964. Mestrinho
era um político popular e carismático, teve um papel sig-
nificativo na política regional. Um dos projetos que afetou
muito a vida população das cidades interioranas foi o des-
membramento e a criação de vários municípios, alterando a
arrecadação e os repasses das maiores cidades e dificultan-
do a manutenção das contas da receita fazendária de cada
município.
Coari, por sua vez, era uma cidade desassisti-
da na área de saúde, educação, sistema viário, não havia o
sistema de esgoto. Naquele momento, voltou ao governo
municipal o prefeito Alexandre Montoril, que administrou
Coari no período do Golpe de 1932, na ditadura de Getúlio
Vargas. Foi uma forma muito diferente para ele, administrar
a cidade de Coari agora, na época da democracia.
Em 1960, o bairro de Chagas Aguiar já estava
em pleno desenvolvimento e era a esperança de uma área
onde Coari poderia crescer em terras firme e de grande alti-
tude. A história da formação do bairro, segundo o Professor
Manoel Francisco Gomes, ele foi constituído pela aglome-
ração nas proximidades da foz do igarapé do Espírito Santo
por um senhor chamado Manuel das Chagas. Como era
uma área muito grande, foi inicialmente dividida também
com a família Aguiar. O Professor Manoel Francisco conse-
guiu essas informações entrevistando os moradores antigos

264
Crônicas de Coari
do bairro. Dessa forma, no ano de 1956, com a junção dos
sobrenomes das 02 famílias, formaram o bairro de Chagas
Aguiar.
O desenvolvimento do bairro foi afetado pela
separação do Centro da cidade pelo grande e largo Igarapé
do Espírito Santo. Para se atravessar era preciso pagar uma
catraia ou ter a sua própria canoa. Assim, seria preciso cons-
truir uma ponte muito alta e com 100 metros de extensão.
Para solucionar esse grave problema que difi-
cultaria em muito o desenvolvimento da cidade, foi criada
uma comissão para angariar fundos para a construção da
ponte sobre o igarapé do Espírito Santo. A criação dessa
comissão independente foi necessária devido à grande que-
da na arrecadação dos repasses para a prefeitura de Coari,
fato esse, que aconteceu devido aos desmembramentos das
áreas de Camará e Piorini para criação de novos municípios
independentes.
A senhora Maria Higina foi integrante muito
importante da comissão para a construção da ponte sobre o
igarapé do Espírito Santo. Ela e a senhora Lindalva Dantas,
primeira vereadora de Coari, foram as únicas mulheres que
participaram dessa relevante, exemplar e bem-sucedida
empreitada para a criação de uma obra fundamental para o
crescimento e desenvolvimento de nossa cidade.

Fundada em Coari uma liga para a construção da


ponte
Jornal do Comércio – 6 de fevereiro de 1960

265
Archipo Góes

Viagem a Manacapuru para noite de autógrafos


No dia 17 de novembro de 1961, a próspera ci-
dade de Manacapuru, no Amazonas, foi palco de um im-
portante evento cultural. O romance “Linha do Equador”,
do escritor Gebes Medeiros, foi lançado na residência do
prefeito Edmundo Seffair, com a presença de toda a socie-
dade manacapuruense.
Mais de cem livros foram vendidos na noite de
autógrafos. Diversos oradores fizeram-se ouvir, elogiando o
romance e sua importância para a cultura regional. O livro
recebeu uma boa crítica na impressa nacional.

266
Crônicas de Coari
Nesse evento estiveram presentes o prefeito de
Coari, Alexandre Montoril; Dr. Cândido Honório, Juiz de
Direito; e dona Maria Higina, que agendaram para que hou-
vesse em Coari uma noite de autógrafos.

Templo Sagrado
Maria Higina
Jornal do Comércio
4 de setembro de 1963
Amazonas, só teu nome e a tua maravilhosa po-
sição geográfica, são bastantes para ins-
pirar invejável sedução, profundo e ad-
mirável respeito. Tuas encantadoras
flores as têm clorofilas excepcionais,
tem algo de eloquente no som melodio-
so da música suave que vem de teus
imensos recantos, possuem a formula
mágica da vontade de tua soberania, da
porque, nunca estais alheio aos casos
que te são confiados e, no momento
amargo da nossa intranquilidade, onde
quer que este a um de teus filhos, ao ou-
vir o toque de reunir do nosso dinâmico
condutor, do condutor dos nossos desti-
nos, verificamos de pronto, assegurada
com rapidez a defesa de nossos direitos.
Sabemos, também, que tu admiras o
AMAZONAS, és a nossa religião, a tarefa primordial de
nossas vidas porque acentuas a bravura de nossos antepas-
sados, os quais nos legaram o breviário “de amar a DEUS
sobre todas as coisas”. Não há dúvida de que teus filhos são
sentinelas voluntarias e permanentes, os quais confiam nas
fortificações de tuas esperanças, cheias de visões seguras,

267
Archipo Góes
daí porque não temem os limites dos grandes sacrifícios na
hora do inevitável perigo. Na realidade, és um ESTADO
monumental, próspero, civilizado e feliz, com perspectivas
de um saliente futuro e para dar mais valor aos quadros ex-
tasiantes de tua extraordinária grandeza, tens o privilégio de
possuir um guia respeitável, o qual, com a sua figura serena
e sincera, agi com admirável agilidade primorosa visão e
rica capacidade de atitudes, as quais aliadas a devotados
planos, vem acentuando a marcha contínua da concórdia,
com isso conquistando a confiança harmoniosa de todos os
seus governados. Sim, referimo-nos ao nosso dinâmico ad-
ministrador, o qual, com o colorido original de seu espírito,
com o equilíbrio e orientação da execução de seus planos,
cujo lema é defender os nossos direitos, sabe deslizar as vál-
vulas de segurança, que tem extensão com fatos estranhos,
os quais de maneira geral, andam de braços dados com a
escravidão do tempo, que com as suas arrojadas peripécias,
suas múltiplas facetas, faz com que toda gente medite e se
refugie em si mesmo. Dessa forma, sem favor algum, tere-
mos que fazer justiça ao inédito estadista Amazonense, o
qual adota técnicas para aplicar soluções práticas, que tem
perícia para desatar as correntes de conflitos, que de ma-
neira assustadora vem acentuando os sinais dos tempos em
nossa idolatrada terra.
E nesta hora em que ouvimos um coro de vozes
rezando as maravilhosas orações bem-aventuradas da vida,
quando se avizinha o dia em que será comemorado com
grandes pompas, a data magna da emancipação política do
nosso grandioso AMAZONAS, quando toda mocidade ra-
diosa de nossa terra desfilara feliz pelas ruas de nossa admi-
rável cidade, cantando com entusiasmo hinos de glória que
inundarão o espaço de vibrações esperançosas, virtudes es-
sas que representam a defesa dos nossos legítimos direitos,
quando irmanados pelas comunhões de ideais, todos espa-

268
Crônicas de Coari
lharão flamulas triunfantes da supremacia a estabilidade de
nossa tranquilidade como também desdobra a mobilização
pacifica do bem contra o mal.
Portanto, idolatrado AMAZONAS, nós que so-
nhamos com o progresso da nossa terra, que somos amantes
da ORDEM e da JUSTIÇA, que acreditamos na energia de
nossas atividades, pois bem também temos certeza de que
JESUS há de proteger o nosso dinâmico GOVERNADOR,
doutor PLÍNIO RAMOS COELHO, para que ele com suas
reservas de energias, continue executando seus planos vito-
riosos, pois assim, não há dúvida, teremos a BANDEIRA
do partido de segurança de nossa organização, içada no im-
ponente e majestoso TEMPLO SAGRADO, local onde se
abrigam as nossas santas famílias.

Após a criação do município de Trocaris, Maria


Higina é nomeada prefeita.

269
Archipo Góes
Maria Higina, uma mulher progressista e in-
fluente, foi nomeada prefeita do novo município de Trocaris,
no Amazonas. A sua nomeação foi recebida com entusias-
mo pelo povo local, que esperava que ela transformasse a
região numa cidade populosa e próspera.
Em um dia emocionante, 9 de junho de 1963, a
notícia da nomeação da Senhora Maria Higina como prefei-
ta do recém-criado Município de Trocaris pelo Governador
Plínio Coelho reverberou como um hino de esperança. Foi
um gesto justo e louvável do governador, que reconheceu
os méritos indiscutíveis da valente mulher amazonense.
Maria Higina prometeu transformar Trocaris
em um centro progressista, delineando um futuro brilhante
para a região banhada pelo Solimões, com o apoio decidido
da administração coariense de Clemente Vieira Soares. A
expectativa entre os habitantes do Trocaris era festiva, esta-
vam ansiosos por mudanças positivas e estavam em Coari
para recebê-la calorosamente e conduzi-la em um desfile
triunfal até a sede trocariense. A solenidade de posse, re-
alizada na Secretaria de Interior e Justiça, contou com a
presença de ilustres autoridades e amigos, testemunhando o
início de uma era promissora sob a liderança inspiradora de
Senhora Maria Higina.
Era esperado que este capítulo marcante na
história de Trocaris fosse um prelúdio de prosperidade e
união para todos os seus cidadãos. Porém, logo o decreto
foi revogado.

Têmpera e Sensibilidade de uma mulher, a serviço de


um Município Amazônico
Revista Manaus Magazine – 1967

Com o rio Amazonas, a espelhar-se em suas

270
Crônicas de Coari
barrancas desnudas, está o “Recanto da Saudade” —
TROCARY, coração do município populoso de Coari, gran-
de produtor de castanha e outros produtos que enriquecem a
economia estadual do Amazonas.
TROCARY, é um lugar aprazível, bem cuidado
e cuidado com amor, possuindo uma feição acentuada de
vila, que lhe dá um aspecto saudável e elegante: TROCARY,
pertence a D. Maria Higina Mendes da Silva e familiares.
TROCARY, é um ornamento na paisagem do
município de Coari, e antes de tudo, é uma fonte equilibra-
da de progresso comercial, carreando com seus produtos,
grande numerário para o município.
TROCARY, é acima de tudo, um pequenino
pedaço do Céu na terra, dado o carinho e o amor que sua
proprietária a ele dispensa. Dona Maria Higina, é indiscuti-
velmente a alma e o coração de Trocary, pois pelo seu per-
sistente esforço contra o detrimento de terceiros, trabalha
sem desfalecimento, tornando o seu trabalho progressista,
pois é trabalho feito com amor, dedicação, lágrimas e muita
renúncia.
É notável o descortino profundo de Maria
Higina, à frente de Trocary, pois tem sabido cumprir sua
missão no interior, procurando sempre e sempre melhorar a
vida dos caboclos que dela dependem, com o único objetivo
de prestar solidariedade aos humildes e necessitados.
TROCARY, levantou-se refeito para uma glo-
riosa jornada, pelas mãos amorosas de Maria Higina, que
comandando pessoalmente todo o trabalho de seus subor-
dinados, procura fazer com boa vontade e justiça, para o
município de Coari, Trocary, desenvolver-se ainda mais.
Maria Higina, realiza uma grandiosa obra de
progresso e trabalho, demonstrando sua fibra e seu largo
descortino, efetuando um magnífico plano de trabalho, so-

271
Archipo Góes
zinha, com ajuda de Deus e fazendo do Trocary um oásis de
paz, ternura e amor. Positivamente, Maria Higina por seu
esforço e pelo trabalho que realiza, merece esta homena-
gem sincera de MANAUS MAGAZINE, que assim procura
demonstrar aos seus leitores, o que pode fazer uma mulher,
cheia de boa vontade e que executa uma grande obra, sem
temer ameaças ou incompreensões. Espirito desprendido e
cheio de renúncia, é dona de qualidades cheias de matizes
diversos. O seu nome é respeitado e acatado pela dedicação
resplandecente do seu caráter de mulher digna e lutadora,
afeita à luta pela sobrevivência.
TROCARY é MARIA HIGINA — MARIA
HIGINA é TROCARY, e se confundem pela luz que emana
espiritualmente dos mesmos, fazendo sua jornada benéfica
e progressista.
TROCARY é o milagre feito pela mão de uma,
mulher, simples e corajosa, que foi impelida para frente,
por uma alma de real quilate, um coração generoso, uma
embaixatriz de bondade e alta compreensão humana.
Mulher admirável, pela coragem, pela renún-
cia, pelo ritmo caloroso de um coração sofrido e vivido.
Enquanto existir Maria Higina, essa heroína desconhecida,
Trocary e o município de Coari, terão um lugar na vanguar-
da pela conquista de uma vida melhor e mais salutar.

COARI QUALQUER COISA DE CÉU QUALQUER


COISA DE SONHO
Farias de Carvalho
Revista Manaus Magazine
Dezembro de 1966
Amanhecia. O sol flamejando papoulas-verme-
lhas como sangue, acendia na pele argêntea do rio.

272
Crônicas de Coari
De repente, como um passe de magia e encanta-
mento; uma torre branca arremessou-se contra o céu, como
uma falange de neve riscando o que tranquilo na manhã
plena de luz e de vida.
Era Coari, parecia um milagre, ou uma mira-
gem. Esfregamos os olhos como se não quiséssemos crer
que fora possível existir um oásis assim, plantado como
uma bênção. No verde coração da selva imensa. Não. Não
era sonho. Era verdade concreta e objetiva. O Oásis existia
mesmo. E chamava-se Coari. Atestado eloquente de beleza
e civilização, de progresso e de paz, onde os olhos se embe-
vecem e a alma banha-se de benesses.
Em terra contemplando tudo do seu excelso tro-
no de amor e de bondade, Maria Higina pontifica como uma
Amazona lendária. No seu Olimpo de fulves esplendores,
ensinando lições de bem-querer, ditando mandamentos de
fraternidade tão plenas de fé e de pureza, que por momen-
tos chegamos a esquecer o velho mundo mau de bombas
e de guerras fratricidas. Pensando bem, Coari, ainda que
por rápidos momentos, sentindo a grandeza imensamente
Amazônica da alma de Maria Higina, ocorreu-nos a ideia.
Nesta segunda metade de século, conturbada e aflita, sa-
cudida por ódios e ambições, de sugerir aos homens que
governam povos, que comandam nações que invés dos
congressos e dos debates improfícuos e ocos onde muito se
discute e nada se faz, advém colocar Coari na sua rota. Nas
suas agendas. Nos seus programas. E então, depois de um
crepúsculo, onde o sol incendeia hemoptises no horizonte,
devem curar Maria Higina. E depois de beijar: fronte irmã,
de mirar seus grandes olhos esplêndidos como o luar de
nossa terra, aprenderão, pura e simplesmente, que a vida é
bela e boa, nas coisas simples e puras, quando nós somos
simples e bons. Como Higina. Os seus olhos. E o seu gran-
de, imenso belíssimo coração, Prof. Farias de Carvalho

273
Archipo Góes
Moradora de Coari recorre a Danilo
Jornal do Comércio – 05 de abril 1967

O governador Danilo Areosa recebeu da sra.


Maria Higina Cartucho Mendes da Silva, residente no mu-
nicípio de Coari, mensagem telegráfica do teor seguinte:

“Recorro à autoridade de Vossa Excelência no


sentido de ser determinado a captura do indivíduo Carlos
González Peres, mais conhecido pela alcunha de “Dom
Thomaz Peruano”, conhecido ladrão e assaltante que após
registrar antecedentes reprováveis foi preso e evadiu-se da
cadeia local indo alojar se nas imediações de minha pro-
priedade denominada “Trocaris”. Como são decorridos vá-
rios dias sem qualquer providência que dê freio ao referido
lunfa e temerosa de um inesperado assalto ao paiol onde te-
nho certa quantidade de castanha, estou recorrendo ao alto
espírito de Vossa Excelência solicitando os meios legais, as
medidas e as providências, antecipando o meu eterno reco-
nhecimento. Atenciosamente”

274
Crônicas de Coari
Preparação das Misses de Coari
A senhora Maria Higina por muitos anos aju-
dava a organizar o concurso de Miss Coari, realizado pelo
Tijuca Esporte Clube. E após a realização do evento local,
ela ajudava na participação das Misses eleitas no concur-
so Miss Amazonas, principalmente no ano de 1968, com
Fátima Acris. Fátima foi a nossa primeira Miss Amazonas
coariense e naquele mesmo ano de 1968, foi disputar o
Miss Brasil.

O Falecimento de Maria Higina


Jornal do Comércio – 20 de janeiro de 1979
Faleceu às quatro horas da manhã do dia 19 de
janeiro de 1979, em Belo Horizonte, na Clínica Geriátrica
“Associação Paulo de Tarso”, a senhora Maria Higina
Cartucho Mendes da Silva, viúva do coronel Antônio
Mendes da Silva.
A extinta era amazonense, proprietária no mu-
nicípio de Coari e aqui viveu muitos anos. Deixou os se-
guintes filhos: Coronel Manoel Bonaparte Mendes da Silva;
sra. Maria Ane Mendes da Silva Gomes, casada com o
Coronel Fernando Gomes; sra. Terezinha de Jesus Mendes
da Silva Pereira, casada com o dr. Nidio Gonçalves Pereira;
major Luiz José Mendes da Silva, casado com a sra. Dulce
Mendes da Silva e o sr. José Bonifácio Mendes da Silva, ca-
sado com a sra. Lúcia Mendes da Silva. Deixou também em
Manaus uma irmã, a sra. Vitória Cartucho Figueiredo, viú-
va do dr. Huascar de Figueiredo e funcionária do Ministério
da Fazenda.
A sra. Maria Higina Cartucho Mendes da Silva
era pessoa muito conhecida no município de Coari, onde
era proprietária de castanhais, assim como era muito conhe-
cida e relacionada em Manaus, onde residiu muitos anos,

275
Archipo Góes
tendo inclusive colaborado no Jornal do Comércio, com nu-
merosas crônicas, muito ao seu estilo.

Sra. MARIA HIGINA CARTUCHO MENDES DA


SILVA
Manaus Magazine
Dezembro – 1968
Não apenas os laços de afetiva e efetiva ami-
zade que nos ligam a MARIA HIGINA CARTUCHO
nos impelem a inscrever seu nome em nossa galeria de
homenageados.
Mais do que isso, o valor inquebrantável de
uma mulher de rígida moral; uma mulher, em resumo, que
dignifica e enobrece o sexo a que pertence.
Podendo viver a desfrutar a tranquilidade que
lhe pode oferecer o centro civilizado de uma cidade como
Manaus que a cada dia mais cresce, MARIA HIGINA
CARTUCHO, adora um outro meio civilizado, adminis-
trando suas propriedades, com pulso forte e energia, no mu-
nicípio de Coari, no seu decantado «recanto da saudade»
— Trocarí.
Alma de poetiza, sensibilidade de artista das
cores e das luzes, MARIA HIGINA prefere o bucolismo
de TROCARÍ, onde ao cair da tarde, ouvindo o marulhar
das águas barrentas do Solimões, o chilrear da passarada
em revoada, a terra tingida pelos raios vermelhos do sol
que morre no horizonte, recorda o passado, vivendo-o na
saudade de seu recanto encantador.
As dificuldades que, às vezes, depara, ou as vi-
cissitudes com que outras oportunidades enfrentam, não lhe
aquebrantam o espírito, não lhe esmorecem o ardor pelo tra-
balho. E a essa mulher — símbolo de uma geração — que
rendemos nossa homenagem incluindo-a em nossa galeria.

276
Crônicas de Coari
Sra. MARIA HIGINA CARTUCHO
Revista Manaus Magazine
Janeiro – 1970

Vivendo em seu “Recanto da Saudade”, no la-


bor sempre constante da luta pela existência, uma mulher,
que tem um pouco de Florence Nightingale, uma parcela de
Joana d’Arc, constrói com amor, com carinho e dedicação,
obra imperecível, no trato e cultivo de terras de sua pro-
priedade, que a seus pósteros dirá: aqui viveu e trabalhou
MARIA HIGINA CARTUCHO.
Tendo na alma laivos de poetisa e no coração
traços marcantes de um acurado amor ao próximo, MARIA
HIGINA CARTUCHO, que homenageamos nesta oportu-
nidade, é bem a figura de Florence Naitingalee, a espargir
o bem, dona de um grande espírito de humanitarismo, mas

277
Archipo Góes
que se rebela e se revolta, se agiganta e se transfigura, ante
uma injustiça, quando sente um seu semelhante subjugado
pela prepotência de irresponsáveis.
Por isso, justa a nossa homenagem a essa mu-
lher brilhante.

Nossa homenagem-carinho
Revista Manaus Magazine
Maio de 1968
Bravura e dignidade são o símbolo! sagrado de Maria
Higina, a propulsora do encanto do “Retiro da Saudade”
em Trocary
Criaturas há que nasceram predestinadas a so-
bressair entre a maioria, pela espartana coragem, pelo valor
intrínseco, pela bondade alicerçada em bens morais e pela
virtude de luta, trabalho, renúncia e nesse destaque está
MARIA HIGINA CARTUCHO MENDES, que dia 12 de
abril, marcou no calendário mais um ano de vida benfazeja
e radiosamente repleta de bondade, coragem e distinção.
MARIA HIGINA é aquela figura simples e
prestativa que conhecemos há longo tempo. Cheia de des-
prendimento e larga visão, transformou TROCARY, num
quase Éden, para isso fazendo um trabalho colossal quase
inumano. Ocupando o cargo de direção do castanhal de pro-
priedade de sua família, MARIA HIGINA, transformou an-
tipatizantes em camaradas, realizado um trabalho fecundo e
produtivo, em prol do engrandecimento de sua gleba e com
isso trazendo um pouco de progresso à cidade de Coary, da
qual o município de TROCARY faz parte.
Assim é Maria Higina, essa figura simples e sim-
pática, afável e inteligente, que tirou do nada o TROCARY
e transformou numa visão e num sonho realizado.

278
Crônicas de Coari
Os anos passam e MARIA HIGINA continua
sendo um espírito vivo, sincero e leal exemplo de marcante
honestidade nos dinheiros públicos e dona de um coração
de mulher humanamente boa, cuja vida tem sido uma luta
sem trégua, e sem bandeira. Jamais se empolga, ou envaide-
ce pelo que fez ou realizou, naquele pedaço do Amazonas.
Com espírito de justiça, sua educação esmerada, soube cria
em seu redor, uma atmosfera de benemerência, um círculo
imenso de admiradores sinceros. Seu nome está gravado na
história de TROCARY e COARI pelos próprios méritos e
real valor e somente a sua inata bondade, pode manter a cal-
ma e boa ordem, quando inimigos quiseram, sem resultado
nenhum, apagar seu prestígio, conseguido nas constantes
lutas em prol da terra querida. Com seu espírito de concór-
dia, tudo enfrentou e enfrenta, na certeza de ter superiorida-
de moral, esta é a prova do seu trabalho profícuo.
Legítima figura de uma família de tradição,
MARIA HIGINA, no TROCARY — o Recanto da Saudade
— comemorou sua data maior, recebendo as mais expressi-
vas demonstrações de carinho e amizade.

INESQUECÍVEL RECONHECIMENTO
MARIA HIGINA
Revista Manaus Magazine
Dezembro de 1967
Dentre os promissores municípios do nosso fa-
buloso Estado do Amazonas, sobressai-se COARI, que é
sem dúvida alguma, a nossa atraente Princesa do Solimões.
O gorjeio natural dos lindos pássaros multico-
res, o farfalhar das brisas mornas de verão, os arrebóis de
céus róseos tangidos de inigualáveis tonalidades, as exten-
sões extasiantes de belas e ricas florestas, a placidez das
águas barrentas do rio, a refletir um firmamento macheado

279
Archipo Góes
de luar, os dias ensolarados e límpidos sempre suavizados
por ventilação que acaricia e conforta, eis o cenário de atra-
ção, encanto e fascínio com que nossa adorável terra brinda
os seus habitantes, os quais de braços abertos, recebem os
viajores que nela se abrigam.
O povo de nossa cidade, é alegre, acolhedor e
tem sentido de orientação para o trabalho e o progresso,
percebendo-se à primeira vista, a determinação que a todos
impulsionam de lutar e vencer. Foi justamente participan-
do desse inconfundível ambiente que recebemos carinhosa
manifestação de apreço e benquerença de nossos diletos
amigos dos “Rádios e Diários Associados” de nossa querida
Cidade Risonha. Sim, foi quando se promoveu a escolha de
“MISS AMAZONAS” 1967, Coari fez-se representar pela
graciosa jovem MARIA DAS GRAÇAS DE OLIVEIRA E
SILVA, cuja participação no aludido certame, a todos deixa-
va inequívocas impressões, do seu esforço e bom desempe-
nho, da missão que lhe foi confiada, correspondendo assim,
aos dirigentes do “Clube da Felicidade” que é um órgão
caçula na cidade, porém constituído de figuras representati-
vas de Coari, Manaus e da inolvidável Cidade Maravilhosa.
Devemos salientar que, o “Clube da Felicidade” foi fun-
dado com acerto e êxito a fim de enviar sua representante
“MISS COARI” para participar do concurso máximo da
beleza do Nosso Estado.
Cumpre-nos ressaltar como nota de indispen-
sável valor, o dedicado patrocínio prestado a nossa repre-
sentante, a essa promoção Coariense, a qual foi dada pela
maior “Cadeia de Jornais e Rádios da América Latina” e
cuja Superintendência no Amazonas, cabe a figura estimada
de Epaminondas Barauna. Também não poderemos esque-
cer a colaboração dinâmica e admirável de Jayme Rebelo,
Diretor Artístico da nossa festejada “Rádio Baré” o qual
ao lado de seus simpáticos colegas, locutores, Clodoaldo

280
Crônicas de Coari
Guerra, Ernani de Paula, Índio do Brasil, Josaphat Pires e
da encantadora Maria do Céu, sim a todos de uma manei-
ra geral, que não mediram esforços para o êxito completo
desse esplêndido certame, aqui fica nosso amplexo grato e
reconhecido.
Digna de menção e elogio também foi a cober-
tura de divulgação prestada pelo eficiente e conceituado
cronista Back, quando de sua estada em nossa Princesa do
Solimões.
Impõe-nos mencionar também as atenciosas
visitas que em Coari nos fizeram os distintos gentlemen,
os quais se fizeram acompanhar de suas jovens e adorá-
veis esposas. São os amigos, José Portela e José Miguel
Loureiro, respectivamente Vice Presidente e Secretário do
Sindicato dos Comerciários do nosso Estado. Também não
poderemos olvidar o prezado diretor da mesma entidade,
Flávio Araújo a quem deixamos aqui nossos cumprimentos
respeitosos, pelas suas atitudes de apreço e cordialidade.
Queremos outrossim, deixar patente, o quanto nos foi grato
as demonstrações de sincera e constante atenção que nos
prestaram o festejado cantor Almir Silva, e os ilustres in-
tegrantes do brilhante e mavioso “Conjunto Orquestral de
Domingos Lima” bem como os atraentes “Os Tropicais”
conjunto este; que tem a abalizada direção de Agenor Rio
Branco, sim, a todos o nosso reconhecimento amistoso.
Agora, ao terminar desta nossa apresentação
acentuamos que, a quantos nos deram sua parcela de cola-
boração para “MISS COARIENSE”, a nossa meiga Maria
das Graças, a fim de que pudesse desempenhar a sua missão
junto ao concurso “MISS AMAZONAS”, sim, a todos que
colaboraram conosco, externamos nosso inesquecível reco-
nhecimento e, pomos a disposição os nossos humildes prés-
timos, aqui em nossa Princesa do Solimões, onde o encanto
de sua portentosa natureza que é rica de beleza, em par, se

281
Archipo Góes
associa cordialmente como o seu povo, que vive, trabalha e
almeja, e, no se debruçar sobre a placidez de seu incomen-
surável rio, reflete para o céu, a imagem de seus corações
repletos de confiança e esperança no Divino Mestre, daí
porque, acentuam em seu espírito, nobres anseios e ideais
de paz, harmonia e Progresso.

Conclusão:
Maria Hígina foi uma mulher notável que dei-
xou um legado duradouro em Coari. Ela foi uma líder visio-
nária que se destacou em uma época em que as mulheres ti-
nham poucas oportunidades de liderança. Sua história é um
exemplo inspirador de como as mulheres podem superar
barreiras e ter um impacto positivo em suas comunidades.
Além disso, ela também era uma escritora talentosa e uma
defensora da cultura local. Seus poemas e crônicas são um
testemunho da rica história e tradições da região.
Por tudo isso, a história de Maria Hígina é um
testemunho do espírito empreendedor e da resiliência das
mulheres da região amazônica

Archipo Góes
25 de dezembro de 2023

282
Crônicas de Coari
As origens da cultura e do festival folclórico coariense

A
cidade de Coari, localizada no centro do Amazonas,
a margem do lago de Coari, teve a primeira ex-
pressão de sua cultura em 1542, com a viagem de
Francisco Orellana, que possivelmente foi a primeira via-
gem documentada de um europeu pelo Rio Amazonas. Seu
cronista, o Frei Gaspar de Carvajal dissertou que os indíge-
nas da tribo dos Jurimáguas, próximo a Coari, fabricavam
uma cerâmica de alta qualidade que ele destacou como a
“melhor que se viu no mundo, porque a de Málaga não se
iguala, por ser toda vidrada e esmaltada de todas as cores”.

283
Archipo Góes
A cultura coariense resulta da conjunção
de muitas influências das contribuições dos indígenas.
Podemos observar que, os indígenas que habitavam a re-
gião do município de Coari, os Jurimáguas, Jumas, Walpés,
Muras, Catauixis, Irijus deixaram influências até hoje, na
culinária (alimentação), nos utensílios domésticos, no arte-
sanato, nas vestimentas, na toponímia (nome dos lugares),
na onomástica (nomes próprios), na língua, nos costumes,
no tratamento de saúde utilizando as ervas medicinais, e
finalmente, no modo de viver do coariense.

A primeira expressão da literatura coariense

Jornal Semanal: “O Coaryense” – 1895


No ano de 1895, aconteceu a primeira expressão
da Literatura Coariense, a criação do jornal “O Coaryense”
com notícias, contos e crônicas semanais sobre o modo de
viver em Coari no final daquele século. O proprietário e re-
dator daquele periódico foi o senhor João Joaquim Mendes
da Rocha, que também era dono de uma farmácia. Era feito
em uma prensa rudimentar com tipos romanos e era confec-
cionado com auxílio de um único funcionário. Esse periódi-
co era sempre impresso e distribuído nas quintas-feiras com
matérias com um texto bem casual e provincial.

284
Crônicas de Coari

Filarmônica Municipal Coariense – 1908


A Banda Municipal
O Malho nº 349 de 22 de maio 1909, estam-
pou na página 12, como amostra do progresso no municí-
pio de Coary no estado do Amazonas, um quadrozinho da
Filarmônica Municipal Coariense.
“Fotografia tirada a 15 de janeiro último, depois
da alvorada pelas festas daquele dia em comemoração da
posse do governo municipal e inauguração da banda, que
teve o seu início em junho do ano próximo findo, sob a
regência do hábil professor Hermógenes Saraiva da Silva

Alexandre Montoril
A partir de 1927, com a chegada em nossa ci-
dade do Capitão Alexandre Montoril, que foi prefeito três
vezes, incluindo o período na intervenção da era Vargas
(1939-1947), passamos a conhecer a Literatura de Cordel,
uma vez que, Montoril que, além de ser odontólogo, era

285
Archipo Góes
poeta e repentista cearense, primo de Patativa do Assaré.
Nas tardes de sábado costumava declamar seus versos em
sextilhas de cima do coreto Municipal, onde seus correli-
gionários ovacionavam sua apresentação.

Alexandre Montoril
O boi bumbá em Coari: uma história encantadora
O boi bumbá é uma das manifestações folclóri-
cas mais importantes do Amazonas, e sua história em Coari
é fascinante. Em 2004, o professor Eros Alfaia conduziu
um estudo para esclarecer as origens do boi bumbá na cida-
de, entrevistando três moradores nativos de Coari com mais
de 70 anos.

286
Crônicas de Coari
O propósito desse estudo era esclarecer as ori-
gens das manifestações folclóricas em Coari durante a pri-
meira metade do século XX. Esse estudo deu origem ao li-
vro: “Boi-Bumbá Coari-Campo: origem, memória e cultura
do boi-bumbá no município de Coari-AM de 1927 a 2000”
Os entrevistados para o estudo incluíram Elias
Ferreira Neto, também conhecido como Zizi, um fotógra-
fo renomado na cidade, juntamente com Fausto Gonçalves
Monteiro e Raimundo Martins de Souza.

O primeiro boi-bumbá em Coari


Eros Alfaia comenta:
“A história do boi Bumbá de Coari possui um
enredo incrivelmente arrebatador e cativante. Contudo,
é necessário resgatar a história do outro Bumbá coarien-
se, negligenciado ao longo das décadas que se seguiram!
Estamos falando do Bumbá do cearense França, mencio-
nado na obra de Francisco de Vasconcelos (página 167 do
livro Coari, um retorno às origens), nas memórias do autor
sobre as décadas de 1930 e 1940 em Coari, além de estar
presente nas lembranças dos coarienses nascidos nos anos
de 1920 e 1930!”
Luiz de França, natural do Ceará, residia em um
sítio localizado onde hoje se encontra o Hospital Regional
de Coari. Era casado com uma senhora chamada Mariana
e era um relevante membro da comunidade. Conforme
registrado no relatório de 1911 publicado pelo Almanak
Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro,
França já era residente da vila de Coari naquele tempo.
Além disso, ele se destacava na arte da funilaria, produzin-
do itens como lamparinas, porongas, funis, chocalhos, entre
outros.
Eros Alfaia explica:

287
Archipo Góes
“O Boi Bumbá, conhecido como Caprichoso,
pode parecer um eco distante na memória contemporânea.
No entanto, resgatar essa preciosidade folclórica é funda-
mental. Parece que essas lembranças se perderam ao longo
do tempo”.

O Grande desafio de versos:


O Sr. Raimundo Martins compartilhou com o
professor Eros Alfaia que Luiz de França foi o pioneiro
a apresentar e introduzir a dança do boi-bumbá nas ruas
de Coari. No ano de 1933, Raimundo Martins participava
de uma ciranda em Coari. Naquele mesmo ano, ocorreu
uma competição de desafio entre o toadeiro do boi-bumbá
Caprichoso, pertencente a comunidade do Trocaris, e o toa-
deiro da ciranda na qual ele dançava. Os dois participantes
eram excelentes repentistas e protagonizaram um confronto
de versos e rimas.
O desafio aconteceu em frente da casa do pre-
feito Alexandre Montoril, na rua XV de novembro, a conhe-
cida rua da frente. O desafio era feito por meio de disputa de
rimas. E no final, segundo a avaliação de Montoril, houve
um empate no desafio, pois, ambos tinham grandes habili-
dades em versar.
De acordo com Raimundo Martins, em 1933,
Luiz de França, já em idade avançada, conseguiu desper-
tar em toda a cidade o desejo dos jovens de participarem
das festividades juninas. Além disso, ele destacou três par-
ticipantes notáveis do Boi Caprichoso de França: o senhor
Benedito Nogueira, também conhecido como Ioiô; Elias
Ferreira Neto, apelidado de Zizi, juntamente com seu irmão
e primos; e finalmente, Pedrinho Fialho, do carrossel, que
desempenhava o papel de padre no Boi Caprichoso.

288
Crônicas de Coari
A evolução do boi bumbá em Coari
O senhor Fausto Monteiro, um dos entrevista-
dos, nasceu em 1931. Durante a década de 1940, ele teve a
oportunidade de presenciar o boi bumbá de Luiz de França,
o folguedo nomeado de “Caprichoso”.
O professor Eros Alfaia desenvolve uma síntese
de como seria a Coari do início do século com as manifesta-
ções folclóricas coariense:
“O bumbá percorria as antigas ruas e vielas
despavimentadas, trazendo vida às noites iluminadas pelas
velhas lamparinas e lampiões a querosene, além das cha-
mas tradicionais das fogueiras de São João. Esses cenários
contrastam fortemente com o que hoje é a moderna cidade
de Coari.
Os locais que são atualmente bairros urbaniza-
dos e oficializados, eram meros sítios rurais no passado. O
aspecto mais intrigante dessa história é que o antigo bumbá
de Coari, foi nomeado "Caprichoso". A existência de um
bumbá em Coari na década de 1930 é tanto instigante quan-
to intrigante. Surge a questão de como José Luiz de França
teria concebido a ideia brilhante de dar a seu boi de pano
coariense o nome de um dos bumbás de Parintins daquela
época.”
O autor nos informa que após o falecimento
do Sr. Luiz França, o Sr. Ioiô deu continuidade à organi-
zação do folguedo em Coari. Nos anos que se seguiram,
ele criou o boi Mina de Ouro, seguido pelo Dois Ouro e o
Corre Campo. Finalmente, na década de 50, organizou o
boi bumbá Prata Fina.
Nessa perspectiva, o boi bumbá é um patrimô-
nio cultural de Coari que merece ser preservado. Ele é uma
manifestação da cultura popular amazônica que reflete a
história e a identidade de sua população.

289
Archipo Góes
O Boi Bumbá Prata-Fina
Na Década de 50, podemos observar o surgi-
mento do primeiro folguedo junino coariense, o Boi-Bumbá
Prata Fina. Foi criado em 12 de junho de 1953, sob a coor-
denação do Senhor Benedito de Lima Nogueira, conhecido
como Seo Ioiô, residente na rua 05 de setembro, conhecida
pelos mais antigos como Rua Nova. Durante 28 anos con-
tínuos, ele levou seu boi-bumbá pelas ruas da cidade, ale-
grando e divertindo a todos. Costumava se apresentar nos
terreiros em frente das casas onde era convidado.

Benedito de Lima Nogueira – Seo Ioiô

Seo Ioiô confeccionava seu boi-bumbá, do co-


meço ao final. Com a ajuda de suas filhas na composição
dos detalhes e na parte da costura, porém, todo o acaba-
mento era realizado cuidadosamente por ele. Era mantido
a tradição nordestina em que a cabeça tinha como estrutura
base a carcaça de um boi morto. A confecção do boi-bumbá,
os ensaios em sua casa, e a apresentação na frente das casas
dos moradores mais ilustres eram comandadas por seu Ioiô.
Os personagens emblemáticos dos folguedos

290
Crônicas de Coari
do Boi-Bumbá Prata Fina foram o senhor Guariba que re-
presentava o chefe da tribo indígena e o senhor Jonas, filho
do Seo Ioiô, que dançava como tripa do boi1.

Boi Bumbá Prata Fina


Edinilson Cavalcante comenta:
“As crianças vibravam com a festa, entretan-
to, tinham muito medo, pois os personagens Catirina e
Cazumbá, devidamente mascarados, corriam atrás da ga-
rotada para cheirarem o traseiro do boi. Qual a criança que
não ficava apavorada pela possibiliWdade de ser levada pe-
los mascarados para cheirar parte tão íntima do boi?”
Raí Letícia:
“Também lembro muito bem quando o Boi do
Sr. Ioiô vinha dançar em frente à casa do Sr. Dimas, embai-
xo da árvore de flamboyant que até hoje existe. Nunca es-
queço deste tempo. Aliás, de toda a minha infância que foi

1 Brincante que veste o boi de pano e faz a evolução do boi-


-bumbá; pessoa que brinca em baixo do boi, responsável pelos movi-
mentos durante a apresentação.

291
Archipo Góes
muito bem vivida. E uma das coisas inesquecíveis era esta
época de festa junina que tinha o Boi do Sr. Ioiô. Lembro
muito bem que o vovô juntamente com o Sr. Dimas, tio
Jacó e outros chamavam o Prata Fina pra brincar aqui em
frente e tinham que colocar dinheiro na língua do Boi. E
esta “língua”, lembro como se fosse hoje, era uma caixa de
tubo de linha de costura que eles abriam e quem convoca-
va o boi e tinha “cacife” colocava o pagamento dentro da
língua.”
Um trecho de uma toada do boi-bumbá Prata
Fina que todo coariense nascido nessa época não esquece:
♫Lá vai, lá vai, lá vai boi pra quem quer ver♫
♫Lá vai o Prata Fina fazendo a terra tremer♫

O Primeiro Festival Folclórico Coariense


O ano era 1972, foi quando Coari vivia grande
transformações na sua estrutura financeira e político admi-
nistrativa. A cultura renascia pujantemente nas terras dos
Jurimáguas, através dos representantes de sala do Colégio
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro que organizaram o pri-
meiro festival folclórico coariense.
AA partir daquele ano, as atividades culturais
deixaram o confinamento das salas de aula e ocuparam a
Praça de Santana e São Sebastião. Este novo cenário permi-
tiu que toda a sociedade de Coari pudesse presenciar as ma-
nifestações folclóricas apresentadas pelas escolas da unida-
de educacional da cidade. O Primeiro Festival Folclórico de
Coari foi realizado visando destacar à população a impor-
tância dessas expressões culturais de raízes antigas. Essas
tradições têm ocorrido ao longo de muitos anos, principal-
mente durante a renomada festa de São João.
O festival contou com o respaldo da Prefeitura
de Coari, sob a liderança do jovem prefeito Mussa Abrahim

292
Crônicas de Coari

Neto, que ordenou a construção de um tablado de 18 x 20


metros para as performances de danças folclóricas na espla-
nada em frente à Catedral. As apresentações ocorreram em
datas distintas: as iniciais nos dias 29 e 30 de junho, culmi-
nando com a grande final no dia 10 de julho.

O prefeito Mussa Abrahim Neto também doou


um troféu para a melhor apresentação de dança folclórica.
Alexandre Jorge Morais, presidente da Câmara de Coari,
concedeu o troféu para a segunda melhor dança, enquanto
a Coordenação da Unidade Educacional premiou a terceira
melhor com um troféu.
Os nove grupos brincantes foram:
Quadrilhas:
• 1. Quadrilha “O Lampião”, do Grupo Escolar Francisco
Lopes Braga;
• 2. Quadrilha “Brotinhos na Roça”, do colégio N. S. Per-
pétuo Socorro;
• 3. Quadrilha “Junina”, do G. E. Inês de Nazaré Vieira;
• 4. Quadrilha “Os Netinhos da Vovó”, do Ginásio N. S. do
P. Socorro;

293
Archipo Góes
• 5. Quadrilha “Bereana”, do Ginásio Bereano;
• 6. Quadrilha “Coronel Maionés”, do Grupo Jovem de
Coari;
Boi Bumbás:
• 7. “Estrelinha”, do Grupo Infantil da rua XV de Novem-
bro;
• 8. “Prata Fina”, de tradicional renome no município de
Coari, dirigido pelo Benedito Nogueira, seo Yoyô.
Tribo:
• 9. “Índios Guaranis”, do Grupo Escolar Iraci Leitão.
Os brincantes, vestidos com suas indumentárias
e adornados com seus trajes típicos, dançaram com grande
entusiasmo perante o vasto público e a comissão de julga-
mento, composto pelas seguintes autoridades e convidados:
• 1. Raimundo de Freitas Dantas (Alvelos), prefeito em
exercício;
• 2. Alexandre Moraes, presidente da câmara municipal;
• 3. Adelino Lima Viana, vereador de Coari;
• 4. Michiles, Gerente do BEA;
• 5. Aylz, Gerente do BASA;
• 6. Dr. Nunes, titular da ACAR em Coari;
• 7. Tenente Sales. Delegado de segurança pública e pro-
fessor
• 8. Lúcio Porto Lima, gerente da Celetramazon;

No primeiro Festival Folclórico de Coari, exis-


tiu um critério avaliativo no qual todos os grupos folcló-
ricos, independentemente da categoria, competiam uns
contra os outros. Este formato de competição se manteve
até 1988, quando foi substituído pela seleção das melhores
apresentações divididas por categorias, tais como danças
internacionais, quadrilhas, boi-bumbá, lendas, entre outras.

294
Crônicas de Coari

No dia 10 de julho, foi anunciado a seguinte a


classificação:
• 1º lugar: Quadrilha Bereana;
• 2º lugar: Quadrilha do Coronel Maionés;
• 3º lugar: Brotinhos na Roça
• 4º lugar: índios Guaranis.

O esforço dos jovens representantes de clas-


se foi fundamental para o sucesso do festival. Eles foram
orientados por um grupo de professores, entre eles, o tenen-
te Sales, professor e delegado de polícia; Prof. Raimundo
Oliveira Lúcio Porto Lima; Prof. Ivan Souto Conde; as pro-
fessoras Ir. Ivanete Azevedo e Cosma Marques de Abreu
foram também dedicadíssimas e se empenharam muito para
realização do histórico 1º Festival Folclórico de Coari.
A diretora da unidade educacional e do Colégio
N. S. do P. Socorro, Ir. Maria Clemens Oliveira, expressou
entusiasmo com o espírito de liderança do grupo jovem da
Unidade. Ela anunciou que o movimento cultural, dedicado
a São João, será mantido nos próximos anos. E assim, nas-
ceu o festival folclórico coariense que se mantém até hoje.

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Archipo Góes

Archipo Góes - 03 de janeiro de 2024

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Crônicas de Coari
O Autor

Ao finalizar a leitura de "Crônicas de Coari", é


impossível não se emocionar
com a trajetória de Archipo
Góes. Sua dedicação em res-
gatar a história e a literatura
coariense é admirável e
inspiradora.
Archipo Góes é
um profissional talentoso e
dedicado, que se destacou
como professor, escritor, organizador de eventos culturais e
secretário de cultura de Coari. Sua paixão pela cultura local
é evidente em cada uma de suas obras, que buscam preser-
var a memória e a identidade do município.
Nascido em Coari em 1973, Archipo é o primo-
gênito de uma família de quatro irmãos. Formou-se no ma-
gistério em 1990 e, posteriormente, fez o curso de Pedagogia
com habilitação em Sociologia da Educação e Psicologia
da Educação no Ensino Médio pela Universidade Federal
do Amazonas (UFAM). Por muitos anos, foi professor na
Escola Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, nas disciplinas
de Educação Física, Matemática e Psicologia da Educação.

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Archipo Góes

Além de sua carreira como professor, Archipo


se destacou como escritor, publicando diversas obras que
resgatam a história e a literatura coariense. Entre elas, desta-
cam-se "A Origem do Nome Coari", "Samuel Fritz e a fun-
dação de Coari", "Uma Literatura Coariense - Antologia"
e "Nunca Mais Coari: a fuga dos Jurimáguas". Seu mais
recente livro, "Crônicas de Coari", é uma obra que ficará
marcada na história da literatura local.
Mas Archipo não é apenas um profissional ta-
lentoso e dedicado. Ele é um ser humano incrível, que trans-
mite empatia e generosidade em cada gesto. Sua humildade
e simplicidade são características que o tornam ainda mais
especial.
Ao ler suas crônicas, é possível sentir a emo-
ção e a sensibilidade que Archipo coloca em cada palavra.
Ele consegue transportar o leitor para dentro da história,
fazendo com que cada personagem e cada acontecimento se
tornem reais e palpáveis.
"Crônicas de Coari" é uma obra que reflete a
paixão e o comprometimento de Archipo Góes em preser-
var a cultura coariense. Seu legado é um exemplo a ser se-
guido, e sua obra é um tesouro que será lembrado por mui-
tas gerações
Lanny Lopes
12 de janeiro de 2024.

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