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Brazilian Journal of Development 114359

ISSN: 2525-8761

Inventário do ciclo de vida de biogás para geração de energia elétrica:


estudo de caso em uma fazenda leiteira

Life Cycle Inventory of biogas for electricity generation: a case study


in a dairy farm

DOI:10.34117/bjdv7n12-288

Recebimento dos originais: 12/11/2021


Aceitação para publicação: 08/12/2021

Beatriz Pereira da Costa


Graduada em Engenharia de Energia
Universidade de Brasília - UnB
Departamento de Engenharia Mecânica, 70910-900, Asa Norte, Brasília – DF.
E-mail: biapereirac@gmail.com

Maria dos Reis Santos Borges


Mestra em Integridade de Materiais da Engenharia
Universidade de Brasília - UnB
Departamento de Engenharia Mecânica, 70910-900, Asa Norte, Brasília – DF.
E-mail: reis.borges@aluno.unb.br

Linconl Araujo Teixeira


Mestre em Integridade de Materiais da Engenharia
Universidade de Brasília - UnB
Departamento de Engenharia Mecânica, 70910-900, Asa Norte, Brasília – DF.
E-mail: linconl_araujo@hotmail.com.br

Sandra Maria da Luz


Professora Associada
Universidade de Brasília - UnB
Departamento de Engenharia Mecânica, 70910-900, Asa Norte, Brasília – DF.
E-mail: sandraluz@unb.br

RESUMO
A gestão de resíduos agrícolas e industriais é necessária para mitigar a poluição ambiental
resultante de manejo de animais. Uma alternativa é utilizar resíduos para geração de
energia, tornando um substrato com alto potencial poluidor ao meio ambiente em produto
com maior valor agregado, como o biogás. O uso da Avaliação do Ciclo de Vida (ACV)
para quantificar os impactos ambientais desses processos é uma ferramenta ideal e já
consolidada mundialmente. Dentro das fases da ACV, a coleta de dados de inventário,
definição das fronteiras e unidade funcional são pontos que devem ser explorados de
maneira detalhada antes da construção do modelo. Quanto mais detalhado é o inventário,
maior será a precisão de tomadas de decisão acerca dos processos analisados. Portanto,
este estudo tem como objetivo elaborar um Inventário do Ciclo de Vida (ICV) da
produção de biogás para geração de energia elétrica, utilizando o esterco do gado leiteiro
como matéria-prima. A elaboração do ICV se deu por meio da coleta de dados locais em
uma fazenda com atividades voltadas para a bovinocultura leiteira e com produção
própria de biogás. Os resultados do ICV mostraram dados locais da produção diária de

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dejetos, biogás, eletricidade e coprodutos, onde 93 animais produzem 3160 kg de dejetos,


o que gera 186 Nm³ de biogás, fornecendo 283,4 kWh de energia elétrica, com
reutilização dos coprodutos, que incluem o resíduo sólido e biofertilizante. Também
foram estimadas e comparadas as emissões dos motores a biogás e a diesel, utilizando
dados da literatura. Além de apresentar uma economia financeira significativa, o uso do
biogás proporcionou emissões até quatro vezes menores comparadas ao uso de diesel,
ressaltando a importância e a funcionalidade do mesmo como fonte de energia elétrica.

Palavras-chave: Biogás, esterco, inventário do ciclo de vida, eletricidade.

ABSTRACT
Agricultural and industrial waste management is necessary to mitigate environmental
pollution resulting from animal handling. An alternative is to use waste for energy
generation, turning a substrate with a high potential for polluting the environment into a
product with higher added value, such as biogas. The use of Life Cycle Assessment
(LCA) to quantify the environmental impacts of these processes is an ideal consolidated
tool worldwide. Within the LCA phases, the collection of inventory data, the definition
of boundaries, and functional units are components that must be explored in detail before
building the model. The more detailed the inventory implies a higher precision of
decision-making about the analyzed processes. Therefore, this study aims to prepare a
Life Cycle Inventory (ICV) of biogas production for electricity generation, using dairy
cattle manure as raw material. The elaboration of the ICV took place through the local
data collection in a farm with activities aimed at dairy cattle raising and own production
of biogas. The ICV results showed local data on the daily production of manure, biogas,
electricity, and co-products, where 93 animals produce 3160 kg of manure, which
generates 186 Nm³ of biogas, providing 283.4 kWh of electricity, with reuse of co-
products, which include solid waste and biofertilizer. Emissions from biogas and diesel
engines were also estimated and compared, using data from the literature. In addition to
presenting significant financial savings, the use of biogas provided emissions up to four
times lower compared to the use of diesel, highlighting its importance and functionality
as a source of electrical energy.

Keywords: Biogas, cow manure, life cycle inventory, electricity.

1 INTRODUÇÃO
Preocupações com o meio ambiente e com o setor energético têm levado a um
número crescente de estudos e aplicações focadas no desenvolvimento e uso de energias
renováveis. Diferentes tipos e fontes de biomassa são relevantes para aplicação em
energias alternativas. Dentre as formas de aproveitamento energético de biomassa, pode-
se citar a produção de biocombustíveis como biogás, bioetanol e biodiesel [1].
A produção de biogás vem se destacando no cenário energético principalmente
devido à sua elevada concentração de metano, possibilitando a substituição do uso de
combustíveis de origens fósseis, seja para geração de energia elétrica, de calor ou como
combustível veicular. O biogás é obtido por meio da decomposição de matéria orgânica
por digestão anaeróbica, que compreende quatro etapas: hidrólise, acidogênese,

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acetogênese e metanogênese [1]. Além do biogás, um outro produto resultante da digestão


anaeróbica é o biofertilizante, que pode substituir o uso de fertilizantes inorgânicos no
setor agrícola, por exemplo [2].
Em termos percentuais, o biogás é composto principalmente de 50–75% metano
(CH4), 25–50% de dióxido de carbono (CO2), apresentando ainda, em torno de 1–2% de
nitrogênio e oxigênio (NOx), hidrogênio (0–1%), sulfeto de hidrogênio (0–2%) e
oxigênio (<1%) [3], [4]. Sua composição está intimamente ligada aos aspectos de
obtenção do biogás, principalmente da matéria-prima utilizada.
As elevadas quantidades de resíduos resultantes da produção de bens e serviços
para atender às demandas sociais geram impactos significativos ao meio ambiente
ocasionados pela elevada produção de dejetos, levando ao consequente esgotamento dos
recursos naturais [5]. Esse fato é um desafio em termos de tratamento, porém,
simultaneamente, representa uma oportunidade para a produção de recursos e energias
sustentáveis.
A cultura bovino-leiteira é uma atividade importante para o agronegócio, onde há
geração de renda e emprego direto. Essa atividade tem como consequência a geração de
resíduos como o esterco bovino, que pode ser um poluente ao meio ambiente, caso não
receba o tratamento adequado [6]. O seu uso como matéria-prima para a obtenção de
biogás por digestão anaeróbica é a maneira ideal para mitigar os impactos ambientais que
o mesmo pode causar, além de possuir um baixo custo [7]. A geração de eletricidade a
partir do biogás do esterco de gado em produções agrícolas é uma excelente alternativa
para a gestão de resíduos, mitigação de potenciais, problemas ambientais e geração de
energia limpa [8].
Para estimar e avaliar os efeitos ambientais de um produto, desde a obtenção da
matéria-prima até o uso final, descarte ou reciclagem, utiliza-se a metodologia da
Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), cuja estrutura é delineada pelas ISO 14040 e 14044
[9], [10]. Os estudos de ACV relacionados à produção de biogás apresentam-se como
uma alternativa eficiente e consolidada pois analisam e quantificam os fluxos energéticos
e os impactos ambientais referentes a diferentes categorias e cenários [2].
É notável a versatilidade dos estudos de ACV abordando o uso de diferentes fontes
de produção de biogás como lodo de esgoto, resíduos sólidos e orgânicos, além de esterco
de outros animais [2], [11]. A ACV propõe também diferentes possibilidades no horizonte
de produção e destinação desse biocombustível, seja por meio de suas fontes ou de
inovações nos processos de obtenção do mesmo.

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Por exemplo, Hijazi et al. [12] demonstraram por meio de ACV que além de ser
um eficiente acelerador do processo de digestão anaeróbica, a adição de nanopartículas
de cobalto proporcionou maiores reduções de emissões de gases de efeito estufa (GEE),
como 0,0225 kg de CO2 eq./MJ de eletricidade, assim como em outras categorias de
impacto como reduções no potencial de acidificação, de eutrofização e na toxicidade
humana, mostrando o potencial dessa inovação. Já Battini et al. [13], em um estudo
recente avaliaram as formas de pré-tratamento do esterco em diferentes cenários
utilizando a ferramenta de ACV em uma fazenda leiteira de pequeno porte. Neste estudo,
o cenário em que o esterco foi armazenado em lagoa coberta para obtenção do biogás por
meio de digestão anaeróbica, com posterior uso em um motor de combustão interna para
produção de energia elétrica, apresentou reduções de -36,5% de CO2 eq./kg de leite
corrigido de gordura e proteína. Os impactos ambientais desse cenário comparado àquele
em que não se tem uma usina de produção de biogás na fazenda foram significativamente
menores, principalmente pelo uso do biogás em substituição ao combustível fóssil, para
geração de energia elétrica, reforçando a necessidade da implementação da produção de
biogás.
Uma das fases da ACV envolve a elaboração do Inventário do Ciclo de Vida (ICV)
que compreende a compilação e quantificação dos insumos e produtos componentes das
entradas e saídas dos processos de obtenção de um produto durante o seu ciclo de vida
[9]. São estes: energia, matérias-primas, produtos, coprodutos, resíduos líquidos e sólidos
e ainda as emissões ao ar, podendo ser coletados in loco, como dados primários, ou por
meio de literaturas afins, como dados secundários [10].
Portanto, o objetivo desse estudo é levantar dados primários e secundários e
elaborar um Inventário de Ciclo de Vida (ICV) de um sistema de produção de biogás para
geração de energia elétrica, detalhando todas as entradas e saídas dos processos
envolvidos. Para a elaboração do ICV, consideraram-se os dados de entrada fornecidos
pela Fazenda Saia Velha, localizada em Luziânia – GO e aqueles secundários, coletados
da literatura. Cabe ressaltar a contribuição do presente estudo para o levantamento de
dados nacionais relativos ao processo de obtenção de biogás para geração de energia
elétrica, utilizando como matéria-prima o esterco do gado leiteiro.

2 METODOLOGIA
Os estudos de ACV compreendem quatro principais etapas, iniciando-se pela
definição do objetivo e escopo, a elaboração e análise do Inventário de Ciclo de Vida

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(ICV), a avaliação dos impactos, a interpretação dos resultados, e também análises de


sensibilidade [9]. Com o foco deste trabalho é voltado para a elaboração do ICV, este
estudo é composto das seguintes etapas: definição do objetivo e escopo, e a elaboração
do inventário de materiais para obtenção do biogás, onde estão compreendidas as entradas
e saídas dos produtos e energias ao longo do ciclo de vida.
Nesta análise, do tipo berço ao portão “cradle to gate”, os limites do sistema vão
desde a coleta do esterco até a geração de energia elétrica que é usada na fazenda nos
horários de pico abastecendo a sede, a ordenha e o barracão que abriga os bovinos. A
coleta de dados de ICV na fazenda foi realizada por meio do preenchimento de
questionários, onde foram incluídos os processos de manejo e transporte do esterco,
tratamento da matéria-prima, produção de biogás e produção de energia elétrica. Os dados
que não foram obtidos por meio das visitas técnicas, foram coletados da literatura.

2.1 DESCRIÇÃO DO SISTEMA


A fazenda Saia Velha, em Luziânia-GO, realiza atividades de agricultura e
bovinocultura, sendo a produção de leite a principal atividade desenvolvida na fazenda.
O rebanho é composto por 93 vacas leiteiras em regime de confinamento, que produzem
diariamente cerca de 34 kg de esterco por animal. Para produção de biogás, a fazenda
dispõe de um biodigestor tipo lagoa anaeróbia, com agitação, com capacidade de 1576
m³ de líquido e 771,1 m³ de biogás. Para elaboração do ICV, foram considerados quatro
processos principais: manejo e transporte do esterco; tratamento da matéria-prima;
produção de biogás; e geração de energia elétrica.
Nas fases de manejo e transporte do gado, os animais são direcionados
diariamente para quatro pistas inclinadas de concreto, próprias para armazenagem dos
dejetos expelidos pelos bovinos. Assim que a capacidade das pistas é atingida, estas então
são lavadas com água, utilizando um trator de jato d’água de 75 CV movido a diesel.
Assim, os dejetos juntamente com a água são canalizados até um tanque homogeneizador,
onde a mistura de dejetos e água é realizada com o auxílio de um misturador de potência
3 kW e uma bomba de sucção de 5,5 kW. O motor misturador tem como função
homogeneizar a mistura água/estrume, e a bomba de sucção, enviar a mistura ao motor
separador.
A mistura homogeneizada é então enviada a um motor separador de potência de
9,2 kW, efetuando a separação das fases líquidas e sólidas da mistura, compondo a fase
de tratamento do esterco. A fase líquida compreende o chorume que é usualmente

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destinado ao biodigestor, e a fase sólida, o resíduo, que é utilizado na composição de


cama animal.
O chorume é então canalizado ao biodigestor, onde realiza-se o processo de
digestão anaeróbia transformando parte em biogás seco, para alimentação do motor
gerador, e parte em resíduo líquido, que é armazenado e reutilizado no biodigestor. O
biogás produzido durante a biodigestão é então canalizado, passando por um queimador,
que é responsável pela queima do biogás excedente, caso haja excesso de produção.
Assim, o biogás seco é filtrado, onde são retidas todas as impurezas, chegando,
por fim, ao grupo motor-gerador de 120 kVA, sendo queimado como combustível e
convertido em eletricidade. Nos horários de pico, o sistema elétrico é desligado da rede
da concessionária e o excedente de energia é utilizado para abastecer a sede da fazenda,
como os processos de ordenha e o barracão onde ficam os bovinos.

2.2 OBJETIVO E ESCOPO


O objetivo do estudo é elaborar o ICV da produção de biogás a partir do esterco
bovino leiteiro de um sistema de produção em uma fazenda leiteira local. A coleta de
dados deste trabalho envolveu a prospecção de informações primárias a partir de visitas
técnicas à fazenda Saia Velha, bem como a partir de dados secundários da literatura. O
escopo do estudo inclui a obtenção do esterco do gado e sua utilização como matéria-
prima para a obtenção de biogás, pelo processo de digestão anaeróbica, destinando-se este
à geração de energia elétrica.

2.3 UNIDADE FUNCIONAL E FRONTEIRAS DO SISTEMA


Para traçar a rota de obtenção do biogás utilizando os dados primários fornecidos,
foram mapeados os processos, e os fluxos de entradas e saídas conforme demonstra a
Figura 1. Em uma abordagem berço ao portão os limites do sistema iniciam-se na fase
de manejo do gado, onde é encaminhado a uma área específica para coleta do esterco,
passando pela fase de pré-tratamento, seguindo para a digestão anaeróbica e posterior
geração de energia elétrica. Como unidade funcional, adotou-se 1 m³ de biogás saindo do
biodigestor prestes a entrar no motor gerador de energia elétrica.

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Figura 1: Processos que foram inventariados desde a coleta de dejetos até a geração de energia a partir do
biogás.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Tabela 1 apresenta o ICV elaborado com os dados primários coletados na
fazenda, onde estão listados os insumos, produtos e coprodutos dos processos que
compõem a obtenção de biogás na fazenda em estudo, e ainda, as emissões ao ar relativas
ao processo de manejo do esterco e pré-tratamento. Esses últimos foram calculados a
partir da literatura em um estudo de caso semelhante [14].
Ao relacionar a necessidade energética com a produção de biogás da fazenda, os
valores diários de 3160 kg de esterco, gerando 186 Nm³ de biogás (126,84 m³/dia) são
capazes de abastecer a rede elétrica da fazenda durante 3 horas. Isso implica em uma
economia mensal de cerca de R$ 11.641,30 nos gastos da fazenda com energia elétrica,
considerando R$ 0,51/kWh [15].

Tabela 1: Inventário de Ciclo de Vida da produção de biogás na fazenda Saia Velha.


Unidade Quantidade
Entradas
Esterco kg 3160
Água L 8000
Diesel L 11,25
Eletricidade kWh 11,3355
Saídas
Biogás Nm³ 186
Eletricidade kWh 283,4
Resíduos sólidos kg 1116
Biofertilizantes L 6696
Emissões ao ar (manejo do esterco e pré-tratamento)
CH4 kg CH4/dia 1919,96
N2O kg N2O/dia 18,04

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Em um cenário semelhante ao estudado, no qual o biogás de esterco bovino é


utilizado na fazenda tanto para geração de energia elétrica, como para a geração de calor
e combustível veicular, Resende [6] demonstrou economias mensais de R$ 24.253,00
com o uso do biogás obtido na matriz energética. Este fato ressalta a vantagem econômica
no uso do esterco bovino como fonte de biogás, não só em termos de produção de energia
elétrica, mas também em outras aplicações.
Com relação às emissões, em casos semelhantes de manejo do esterco bovino [14],
encontram-se valores de emissões de CH4 e de N2O de 7535,32 kg CH4/cabeça/ano e
70,08 kg N2O/cabeça/ano, cujas diferenças dos valores aqui encontrados justificam-se
pelo regime de confinamento adotado. Esse aspecto ressalta a importância da alimentação
do gado como fator determinante das emissões de GEE relativas ao manejo e tratamento
do esterco.
Por meio dos dados obtidos, pode-se inferir que a fazenda apresenta baixas
emissões de GEE ao ar relacionadas ao processo de manejo do esterco, o que pode ser
devido à gestão eficiente desse material como fonte de biogás. Isso ressalta a importância
não só da utilização de fontes limpas de energia, mas também do tratamento adequado
que deve ser empregado para uma eficiente mitigação de impactos ambientais.
Ainda como parte da elaboração do ICV, foram estimadas as emissões referentes
aos motores existentes na fazenda: aquele movido a biogás para geração de energia
elétrica, e o motor do trator utilizado na fase de tratamento do esterco, que é movido a
diesel. Para isso, foi utilizado o cartão de Ringelmann, que é uma escala para medir a
densidade das emissões gasosas produzidas pela queima de combustíveis de veículos ou
fontes estacionárias [16]. Nessa escala a densidade da fumaça é medida conforme o seu
grau percentual de enegrecimento, o que está intimamente ligado à concentração de
material particulado existente [17].
Em busca de adotar limites de referência para os valores de emissões coletados de
acordo com as legislações brasileiras, foi utilizado também o Programa de Controle da
Poluição do Ar por Veículos Automotores (PROCONVE) [18], [19], elaborado e
disponibilizado pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). A Tabela 2
apresenta os valores de emissões estimados combinando os dados limites e aqueles
obtidos com a escala de Ringelmann, tanto para o motor a biogás como para o motor a
diesel.

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Tabela 2: Inventário de emissões ao ar do motor gerador movido a biogás e movido a diesel (por dia).
Unidade Quantidade
Emissões ao ar motor do gerador movido a biogás (por dia).
Monóxido de Carbono (CO) g/kWh 2,4
Metano (CH4) g/kWh 0,33
Hidrocarbonetos não metano (NMHC) g/kWh 0,66
Óxidos de Nitrogênio (NOx) g/kWh 1,2
Emissões do trator movido a diesel (por dia)
Monóxido de Carbono (CO) g/kWh 8
Hidrocarbonetos + óxidos de nitrogênio (HC + NOx) g/kWh 7,52
Material particulado (MP) g/kWh 0,64

O PROCONVE estabelece emissões de 4 g/kWh para CO, 0,55 g/kWh para o


CH4, 1,1 g/kWh para NMHC e 2 g/kWh para NOx para motores movidos a gás natural,
que devido à semelhança entre este o biogás, utilizou-se como parâmetro para
comparação [18], [19]. Assim, com o auxílio do cartão de Ringelmann foi possível
mensurar a porcentagem da densidade das emissões do motor a biogás, que obteve o
resultado de 20% e com ambos parâmetros foram calculadas as emissões apresentadas.
Para os motores movidos a diesel a literatura trouxe resultados de 5 g/kWh para
CO, 4,7 g/kWh para HC + NOx e 0,4 g/kWh para MP [18], [19]. A escala de Ringelmann
apontou emissões com 80% de densidade. Os resultados da Tabela 2 mostram que as
emissões do motor a biogás representam 20% de densidade das emissões totais, com
aquelas provenientes do motor a diesel representando 80% de densidade das emissões
totais.
As comparações entre os valores de emissões indicam a diferença discrepante
entre os diferentes combustíveis utilizados, confirmando o potencial daquele de origem
fóssil em causar impactos negativos ao meio ambiente. Os baixos valores de emissões
referentes ao motor biogás ressaltam mais uma vantagem em utilizar o biogás como fonte
de energia alternativa, tanto do ponto de vista ambiental como econômico.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Inventário do Ciclo de Vida do sistema de produção de biogás para geração de
energia elétrica utilizando esterco de gado leiteiro propõe resultados de dados locais em
uma propriedade de pequeno porte, no presente estudo de caso. Esses dados podem ser
inseridos no banco de dados nacional contribuindo com o aumento da competitividade da
indústria brasileira juntamente com melhoria do desempenho ambiental de produtos e
serviços.

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Os dados da produção diária de dejetos, biogás, eletricidade e coprodutos da


fazenda leiteira, mostraram que a geração de energia elétrica com o biogás é suficiente
para abastecer a sede, a ordenha e o barracão por cerca de 3 horas por dia. Além de se
concretizar como uma produção sustentável, também proporciona uma economia
financeira significativa, incluindo o aproveitamento de seus coprodutos. Estes, por sua
vez, são reutilizados dentro do próprio processo, como o composto sólido que atua como
cama animal, e o biofertilizante que volta ao processo de digestão anaeróbica.
As baixas emissões ao ar dos processos de obtenção do biogás revelam as
vantagens de uso do esterco como matéria-prima e do uso de biogás para geração de
eletricidade. Esses fatores indicam que a produção da Fazenda Saia Velha se encontra
dentro do padrão encontrado em literaturas afins, tendo em vista seu significativo
potencial como contribuinte para a consolidação do uso de energias renováveis no setor
agrícola.

AGRADECIMENTOS
À Fazenda Saia Velha, Luziânia/GO/Brasil pela disponibilização de seus dados
para realização deste estudo, ao CNPq, à FUNDEP (27192.01.01/2020.06-00), ao
Decanato de Pós-Graduação (DPG) da Universidade de Brasília, e a CAPES.

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[13] F. Battini, A. Agostini, A. K. Boulamanti, J. Giuntoli, e S. Amaducci, “Mitigating


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study of a dairy farm in the Po Valley,” Sci. Total Environ., vol. 481, no. 1, pp. 196–208,
2014, doi: 10.1016/j.scitotenv.2014.02.038.

[14] L. Carvalho Santos, F. U. Ferreira, e L. B. Rodrigues, “Estimativa das emissões


de metano e óxido nitroso da produção de leite no território de identidade médio sudoeste
da Bahia,” in XXXVI Encontro Nacional de Engenharia de Produção, 2016.

[15] ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica, “Relatório ranking tarifas,”


2021. https://www.aneel.gov.br/relatorio-ranking-tarifas (accessado em: 08 de novembro
de 2021).

[16] Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT, NBR 6016: Avaliação de


Teor de Fuligem com a Escala de Ringelmann. Rio de Janeiro, Brasil, 2015.

[17] D. Mantovani, F. W. Calonego, I. B. da Silva, S. F. de Andrade, e S. A. Soares,


“Infração por fumaça preta.” Universidade Estadual de São Paulo - Univesp, São Paulo,
SP, 2020.

[18] Conselho Nacional do Meio Ambiente (COMANA), Resolução CONAMA No 18


- Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores. Brasil, 1986, p. 13.

[19] M. do M. Ambiente, “Inventário Nacional de Emissões Atmosféricas por Veículos


Automotores Rodoviários - 2013.” 2013.

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p. 114359-114370 dec. 2021

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