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Dimensionamento da Produção de Biogás a partir de resíduos residenciais,


industriais e de matrizes suínas na Comunidade de Vila Paciência (RJ)

Conference Paper · November 2008

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Édison Renato Pereira da Silva Luiz Fernando NUnes Lima


Federal University of Rio de Janeiro Faculdade de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas do Cabo de Santo Agostinho
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Silvio Carlos Anibal de Almeida


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Dimensionamento da Produção de Biogás a partir de resíduos residenciais, industriais e
de matrizes suínas na Comunidade de Vila Paciência (RJ)1

Édison Renato Pereira da Silva2


Leonardo Luiz Lima Navarro3
Silvio Carlos Anibal de Almeida 4

Resumo

Esse estudo consiste em uma análise técnica preliminar da viabilidade de produção de

energia térmica por meio de biogás, sintetizado a partir de resíduos sólidos provenientes das

habitações, de um restaurante industrial e de matrizes suínas em Vila Paciência, uma

comunidade carente localizada em Santa Cruz, bairro da Zona Oeste do município do Rio de

Janeiro. O estudo preliminar indica que embora o sistema não seja auto-sustentável, já que a

demanda é maior do que a oferta, o uso de biodigestores é uma possível solução para o

problema da destinação dos resíduos sólidos em Vila Paciência.

Palavras-Chave: energia, fontes alternativas, biogás, biodigestor.

1. Introdução

O presente trabalho consiste em uma análise técnica preliminar da viabilidade de

produção energia térmica por meio de biogás, sintetizado a partir de resíduos sólidos

provenientes das habitações, de um restaurante industrial e de matrizes suínas em Vila

Paciência, uma comunidade carente localizada em Santa Cruz, bairro da Zona Oeste do

município do Rio de Janeiro. Este trabalho se insere em um projeto de pesquisa mais amplo,

coordenado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) nessa comunidade: “Projeto

de Desenvolvimento Local e Auto-sustentável de Vila Paciência”.

1
Tema: Novas Fontes de Energia e Inovação Tecnológica. Perspectiva: Tecnológica. Trabalho a ser apresentado
oralmente.
2
Graduando em Engenharia de Produção, UFRJ. edison@ufrj.br.
3
Graduando em Engenharia de Produção, UFRJ. lllnavarro@poli.ufrj.br.
Cidade Universitária, Centro de Tecnologia, Bloco D – Ilha do Fundão. Rio de Janeiro/RJ – Brasil - CEP:
21.945-972. Tel. (21) 9572-3111 (Édison), (21) 9627-7144 (Leonardo) ou (21)2562-7415.
4
D. Sc., Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Depto. de Eng. Mecânica. Cidade Universitária,
Centro de Tecnologia, Bloco G – s.204. Ilha do Fundão. Rio de Janeiro/RJ – Brasil - CEP: 21.945-972. Tel. (21)
2562-8388. silvioa@gmail.com.

1
Segundo a classificação dos projetos de pesquisa proposta por LACERDA et al

(2007a) e por LACERDA et al (2007b), a presente pesquisa pode ser classificada, em termos

de natureza, como uma pesquisa aplicada, com abordagem qualitativa e com objetivo

exploratório, visto que procurou entender melhor o problema ao explicitá-lo .

2. Poder Calorífico em função da Composição do Biogás

O poder calorífico é “a quantidade de calor transferida da câmara durante a combustão

ou reação a temperatura constante (COSTA, 2006:36).

COSTA (2006:135) ressalta também que o poder calorífico do biogás depende

fundamentalmente das proporções de metano e gás carbônico.

O valor a ser utilizado como referência nesse estudo é o proposto por NOGUEIRA &

ZÜRN (2005), pois diversos autores citam que a concentração de metano no biogás costuma

variar entre 55 e 60% (COSTA, 2006:45; COLDEBELLA et al, 2006:4; TEIXEIRA,

1985:104). Segundo SILVA et al (2005:609), “LUCAS JUNIOR (1987), analisando o biogás

produzido em biodigestores modelos indiano e chinês, pelo período de um ano, encontrou, em

média, 57,7% de CH4 e 34,2 de CO2”.

NOGUEIRA & ZÜRN (2005) utilizam o valor médio de 58,5% de concentração de

metano. Considerar-se-á, portanto, seguindo essa referência, que cada m³ de biogás é capaz de

produzir 5,8 kWh.

3. Produção de biogás através de dejetos

Um biodigestor consiste, basicamente, em uma câmara fechada na qual a biomassa é

fermentada anaerobicamente. O processo de biodigestão anaeróbica é uma das alternativas

utilizadas para o tratamento de resíduos, pois reduz o potencial de contaminação, produz

biogás e permite o uso dos dejetos como biofertilizante (GASPAR, 2003; BURANI et al,

2005; COSTA, 2006).

2
A utilização do biogás proveniente de lixo e dejetos sanitários como insumo para

produção de energia representa grande benefício socioambiental, principalmente nos grandes

centros urbanos, devido à redução de emissões de poluentes, como o metano, gás de grande

impacto no efeito estufa e que, em média, corresponde a 50% do volume do biogás.

AMARAL (2004) ressalta que “a disposição de lixo em aterro sanitário e o

conseqüente aproveitamento do biogás não deve ser um paradigma absoluto para a gestão dos

resíduos sólidos”. Alternativamente, a digestão anaeróbica da fração orgânica dos resíduos

sólidos em reatores é mais aconselhável (AMARAL, 2004:7).

Além disso, é importante dizer que a tecnologia de produção de biogás não é um “fim

em si mesmo”, mas sim uma alternativa viável para um problema que ainda não possui

melhor solução: a questão do lixo urbano. Políticas de redução do desperdício de alimentos

são muito importantes para a sustentabilidade ambiental, ainda que isso reduza a produção de

biogás. Mudanças na forma de tratar os esgotos sanitários também se fazem necessárias, já

que somente a parcela sólida do esgoto é aproveitada, e a cada descarga nos sanitários

“convencionais” utiliza 8 litros de água em média (OKAMURA, 2006:1).

COSTA (2006) concorda com essa visão, ressaltando que “a recuperação do biogás,

associada ao seu uso energético, pode não ser solução final para a questão do gerenciamento

de resíduos no Brasil, embora seja a melhor opção que se apresenta para o momento. Esforços

devem ser feitos buscando a minimização da geração de resíduos e aumento da prática de

reciclagem” (COSTA,2006:134).

Espera-se que Vila Paciência, onde o esgoto corre a céu aberto, pode se beneficiar com

o serviço de gestão de resíduos viabilizado pelos biodigestores.

3.1. Lixo Orgânico

Segundo VIJAYARAGHAVAN, SHARIFF & MOHD (2003), o lixo orgânico em

grandes cidades é composto de 30% de sólidos (os outros 70% são água). Desses, 70% são

3
voláteis, ou seja, podem ser usados diretamente para a produção de biogás, sendo o restante

sais minerais não-utilizáveis para a produção de gás (VIJAYARAGHAVAN, SHARIFF &

MOHD, 2003:1). Os autores afirmam também que assumindo uma eficiência do biodigestor

em 50%, produz-se 0,72 m³ por kg de sólidos voláteis consumidos (VIJAYARAGHAVAN,

SHARIFF & MOHD, 2003:1). Embora a produção de biogás dependa do tipo de resíduo

utilizado, pelas as referências bibliográficas citadas, pode-se concluir que para produzir 1 m³

de biogás é necessário consumir cerca de 13,23 kg de lixo orgânico.

3.2. Esgoto

Um caso próximo à realidade de Vila Paciência é descrito por COELHO et al (2006).

Segundo os autores, um biodigestor de volume útil de 25 m³, operando 24 horas por dia,

produz 5,3 m³ de biogás por dia, considerando uma vazão de entrada média de esgoto de 3 m³

por hora (COELHO et al, 2006:4), desde que sujeito a um tratamento de purificação do gás

precedente ao processo de digestão anaeróbica que acontece no biodigestor.

Portanto, mantendo-se as proporções de COELHO et al (2006), infere-se que para a

produção de 1m³ de biogás é necessário fornecer aproximadamente 13,6 m³ de esgoto.

3.3 Resíduos Produzidos por Matrizes Suínas

Segundo TEIXEIRA (1985), O BIOMASS ENERGY INSTITUTE (1978) afirma que

a produção de biogás a partir de dejetos animais depende do tipo de animal e do método de

armazenamento do esterco empregado (período e tipo de armazenamento para a pré-

fermentação).

Em um estudo detalhado sobre o assunto, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agrícola

(EMBRAPA), apresenta uma estimativa do volume de resíduos para diferentes estágios na

vida dos suínos, conforme mostrado na Tabela 1.

Tabela 1 - Produção média diária de dejetos nas diferentes fases produtivas dos suínos.

4
Esterco Dejetos
Esterco
Categoria + Urina Líquidos
(kg/ dia)
(kg/dia) (L/dia)
Suínos (25 - 100 Kg) 2,3 4,9 7
Porca gestação 3,6 11 16
Porca lactação + leitões 6,4 18 27
Cachaço 3 6 9
Leitões na creche 0,35 0,95 1,4
Fonte: OLIVEIRA (1993) Apud EMBRAPA (2002:9).

Baseado nos dados de OLIVEIRA (1993), se considera que cada matriz suína produz

cerca de 2,25 kg de esterco por dia, que pode ser aproveitado para a produção de biogás.

BARRERA (1993:11 apud GASPAR, 2003:34) afirma que para a geração de 1 m³ de

biogás é necessário cerca de 12 kg de dejetos suínos .

TEIXEIRA (1985:85) cita três outros trabalhos que utilizam o mesmo valor de

referência adotado, 0,18 m³/animal/dia. Optou-se por adotar nesse estudo a estimativa mais

conservadora das pesquisadas quanto ao potencial de produção de biogás por resíduos suínos.

Portanto, as relações de equivalência no que diz respeito à produção de biogás através

de resíduos suínos consideradas neste estudo são: para produzir 1 m³ de biogás, são

necessários 12 kg de dejetos suínos, o que equivale à produção diária de 5,33 porcos (ou seja,

produção de 0,18 m³ de biogás/animal/dia).

4. Potencial para Produção de Biogás na Comunidade de Vila Paciência

Os autores do trabalho fizeram um levantamento do potencial de produção de biogás,

produzido a partir de resíduos sólidos em Vila Paciência.

Segundo o levantamento efetuado no local pode-se obter o biogás a partir três fontes

distintas: excrementos suínos (na Vila Paciência há uma pequena criação de porcos), lixo

orgânico, oriundo de uma cozinha industrial, e o esgoto sanitário das habitações locais. A

matéria orgânica proveniente dessas três fontes servirá de insumo para os biodigestores

implantados, onde ocorrerá o processo de fermentação.

4.1. Caracterização do Local e Construção dos Cenários

5
A figura 1 apresenta uma síntese do sistema de geração de energia térmica a partir do

biogás de Vila Paciência.

720 m³ de esgoto/dia (52,99 m ³ de biogás)

Esgoto
Sanitário
Residências

Demanda 24 KWh/dia
térmica
4,13 m³ /dia
residências

13,585 m³
76 pessoas
Cozinha Chiqueiro

Demanda 12 kg
1568 KWh/dia 3 Resíduos do
térmica Reservató rio Biodigestor
269,65 m³/dia m³ 5,33 chiqueiro
cozinha
porcos

13,23 kg
118 kg de comida no lixo/dia (9m ³ de biog ás) Lixo
Orgânico
94 kg de comida no lixo/dia (7m³ de biogá s)

Figura 1 – Visão Geral do sistema geração de energia térmica de Vila Paciência. Fonte: Os

autores

Destacam-se os seguintes elementos do sistema estudado: (1) cerca de 400 habitações,

genericamente consideradas em seu conjunto enquanto “residências” no modelo, com

aproximadamente 4.000 habitantes (CEDAPS, 2002); (2) Um chiqueiro, já existente, com

cerca de 20 matrizes sendo criadas em condições rústicas; (3) uma cozinha industrial, a ser

construída, com capacidade de produção de 6.000 refeições diárias, o suficiente para

alimentar com café da manhã, almoço e jantar 2.000 pessoas; (4) Um conjunto de

Biodigestores, capazes de processar a matéria orgânica proveniente do lixo, do esgoto

sanitário e dos resíduos do chiqueiro e gerar biogás e biomassa (fertilizante); (5) Um

reservatório para armazenar o biogás produzido e distribuí-lo convenientemente às habitações

e à cozinha.

4.2. Principais Variáveis

6
4.2.1. Demandas Energéticas

Através da pesquisa de campo, foi possível descobrir os equipamentos mais

freqüentemente encontrados nas residências de Vila Paciência e tempo de uso. A partir desses

dados, foi obtida, junto à empresa concessionária de energia da região, a potência de cada um

dos equipamentos. Dessa forma, calculou-se a demanda média estimada de energia elétrica e

térmica por habitação da área, ao longo do dia.

Como todas as residências utilizavam chuveiros elétricos, apenas o fogão foi

considerado como equipamento demandante de energia térmica. Considerando-se todas as

residências, como cada fogão consome 60 W.hora, supondo o fogão de cada uma das 400

casas sendo usado durante uma hora por dia encontrou-se uma demanda por energia térmica

de 24 kWh/dia (o equivalente a 4,13 m³ de biogás por dia, se considerado o poder calorífico

do Biogás segundo NOGUEIRA & ZÜRN (2005:5), de 5,815 kWh/ m³).

Para dimensionar as demandas energéticas da futura cozinha industrial foi utilizado

um projeto similar à proposta: o projeto dos Restaurantes Populares do Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome, experiência replicada em diversos pontos no Rio

de Janeiro.

Seguindo DA SILVA et al (2005), a cozinha deverá ser capaz de entregar refeições,

bem como disponibilizá-las para consumo no próprio refeitório. O Restaurante Popular está

dimensionado para atender à 500 pessoas com 3 refeições diárias. Para suprir a demanda

estimada de 6.000 refeições/ dia seria necessário ter capacidade instalada quatro vezes maior

do que a do Restaurante Popular.

Considerando o funcionamento de quatro fornos industriais durante 7 horas por dia

(seguindo o projeto do Restaurante Popular), como cada forno consome 56 kWh / hora

chegou-se ao valor de 1.568 kWh/dia de demanda por energia térmica na cozinha industrial (o

equivalente a 269,65 m³ de biogás por dia).

7
4.2.2. Oferta - Quantidade de esgoto produzido pelas Habitações

Para estimar a quantidade de esgoto produzido pelas habitações foi utilizado o valor de

referência adotado pelas concessionárias de águas e esgotos do Brasil, de produção de 0,18 m³

de esgoto produzido por dia e por habitante. Dessa forma, sendo 4.000 habitantes em Vila

Paciência, a estimativa é que sejam produzidos 720 m³ de esgoto diariamente em Vila

Paciência.

Usando a relação de conversibilidade proposta por COELHO et al (2006), de 0,07361

m³ de biogás a cada m³ de esgoto tratado, o equivalente em oferta de biogás desses 720 m³ é

de 52,99 m³. Significa dizer, também, que 76 pessoas produzem esgoto suficiente para gerar

1m³ de biogás.

4.2.3. Oferta - Quantidade de Lixo Orgânico produzido

A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) apresenta

um estudo detalhado de consumo de alimentos por habitante, ano e tipo de alimento, em sete

cidades brasileiras (FAO, 2000:15). A tabela abaixo apresenta os dados de FAO (2000:15),

divididos por dia e por refeição (supondo três refeições diárias, de igual ponderação quanto ao

consumo de alimentos).

Tabela 2– Quantidade de alimentos consumidos por refeição, habitante e dia.

Frutas e Óleos e Leite e Ovos e


Cereais Tubérculos e Legumes Carne Peixe Doces Outros Total
Cidade (g) raízes (g) (g)
vegetais gorduras
(g) (g)
derivados
(g)
galinha
(g) (g)
(g) (g) (g) (g)
Rio de Janeiro 60,7 28,9 18,4 231,9 13,3 27,1 10,4 68,9 36,7 28,9 71,9 597,1
Campinas 68,5 20,1 11,2 157,4 11,6 35,4 4,3 81,0 33,0 25,2 86,5 534,3
Ouro Preto 70,6 19,6 17,3 100,0 12,1 27,1 1,5 50,5 36,6 19,8 55,3 410,4
Goiania 62,0 16,8 13,9 220,3 19,5 34,0 2,2 72,2 28,2 22,7 53,5 545,2
Curitiba 47,4 11,8 12,1 78,6 11,5 10,8 2,4 8,9 32,6 9,4 27,4 252,8
Belem 53,6 35,4 12,6 132,4 9,4 44,3 12,1 9,5 28,9 26,7 35,3 400,3
Brasilía 65,7 19,1 11,8 154,9 15,6 34,5 3,2 67,6 34,3 31,2 50,7 488,5

Fonte: Baseado em FAO (2000:15).

Um Estudo sobre o desperdício de alimentos realizado pela EMBRAPA aponta que

cerca de 35% de todas as hortaliças produzidas pelo Brasil são perdidas (EMBRAPA,

2007:13-14).

8
Tomando esses valores como referência, supondo um aproveitamento de 65% na

produção de legumes, frutas e vegetais e 85 % para os demais alimentos, para que em cada

refeição no Rio de Janeiro se consumam os 250,2 g de frutas, legumes e verduras, é

necessário produzir 385 g desses alimentos. Já para os demais tipos, que representam 346,9 g

por refeição, é necessário que se produza 408,13 g.

Estima-se também que o desperdício de alimentos nos restaurantes fique em 15% e

nas cozinhas residenciais em 20% (EMBRAPA, 2007:9).

Multiplicando-se a quantidade de alimento desperdiçada por refeição pelo percentual

de desperdício que acontece nos restaurantes (10%), obtém-se que são desperdiçados 13,47 g

de frutas, legumes e verduras por refeição dentro da cozinha industrial. Para os demais

alimentos, esse valor é de 6,12 g.

Multiplicando esses 19,6 g de alimento desperdiçado a cada refeição pelas 6.000

refeições diárias produzidas pela cozinha, conclui-se que a cozinha joga fora, todos os dias,

118 kg de alimento.

Efetuando o mesmo raciocínio para as residências, embora considerando o percentual

de desperdício nas cozinhas de 20%, são desperdiçados 26,95 g de frutas, legumes e verduras

por refeição e 12,24 g dos demais alimentos. Supondo que 20% de todas as refeições diárias

de Vila Paciência (3 refeições para 4.000 pessoas) sejam realizadas em casa, essas 2.400

refeições diárias produzem 94 kg de lixo orgânico.

Convertendo esses valores para seus equivalentes em biogás, são produzidos 9 m³ de

biogás pelo lixo orgânico proveniente da cozinha e 7 m³ do lixo oriundo das habitações.

Além dessa conclusão, deve-se ressaltar que é impressionante perceber como um

pequeno desperdício quando se considera uma única refeição (os 6,12 g de desperdício em

outros tipos de alimento que não frutas, legumes e verduras em restaurantes equivalem a

menos de uma garfada) se transformam em uma grande perda de alimentos quando se pensa

9
em escala industrial. Isso reforça a visão de que o biogás não é uma solução em si mesmo: a

redução de desperdícios é uma ação tão ou mais importante do que a produção de biogás a

partir dos resíduos.

5. Análise dos Dados

A tabela abaixo apresenta o cruzamento da oferta e da demanda de energia térmica, a

partir do modelo construído.

Foi utilizada, também, a produção diária média de biogás por matriz suína (0,18 m³

segundo TEIXEIRA, 1985:85) para estimar a quantidade de porcos necessários para produzir

a quantidade de biogás demandada (coluna porcos-equivalentes, na tabela). Significa dizer,

por exemplo, que para atender aos 70,5 m³ demandados por 300 casas e um forno industrial é

necessário somar a produção total de biogás proveniente do esgoto, do lixo e de 8 porcos.

Tabela 3: Consolidação das ofertas e demandas de energia térmica.

DEMANDA OFERTA
Origem m³ Acumulada Acumulada m³ Origem
Quantidade
Esgoto
Porcos- Acumulada
1 forno 67,4 67,4 53 53 casas
equivalentes de porcos-
Lixo
100 equivalentes
1,0 68,4 62 9 cozinha
casas
69 7 Lixo casas
100
casas 1,0 69,5 69,5 0,5 Porcos 3 3
100
casas 1,0 70,5 70,5 1,0 Porcos 6 8
100
casas 1,0 71,5 71,5 1,0 Porcos 6 14
2 fornos 67,4 139,0 139,0 67,4 Porcos 359 373
3 fornos 67,4 206,4 206,4 67,4 Porcos 359 732
4 fornos 67,4 273,8 273,8 67,4 Porcos 359 1091
Fonte: Os autores.

Conclui-se através da tabela que a oferta atual de biogás, desconsiderando o chiqueiro,

é capaz de atender à demanda de um dos quatro fornos da cozinha industrial e de 100 casas.

Pela tabela, percebe-se que para atender ao restante da demanda, seria necessário

considerar também a produção de 204,8 m³ de biogás, a partir do chiqueiro.

10
Como atualmente o chiqueiro dispõe de cerca de 20 porcos, é possível que se atenda

também as outras 300 casas, o que corresponde a cerca de 26% de toda a energia térmica

demandada. Ou seja, atualmente é possível atender a demanda energética de todas as

casas e de um dos fornos da cozinha industrial.

Para atender aos outros três fornos (1.176 kWh / dia) existem duas opções: aumentar a

quantidade de matrizes suínas ou gerar essa energia térmica por meio da energia elétrica.

Utilizando o software HOMER (Hybrid Optimization Model for Electric Renewables), uma

ferramenta de simulação, é possível estimar a quantidade de emissões de CO2 evitadas por

ano ao utilizar os biodigestores ao invés da rede elétrica, bem como calcular a economia

mensal do uso dessa tecnologia.

GASPAR (2003) estima o custo de material com a construção de um biodigestor de 25

m³ em R$ 1408,17 (GASPAR, 2003:25), desconsiderando custos de mão-de-obra direta, frete

e preparações do local. Portanto, estimar-se-á o custo total de construção de um biodigestor

em R$ 2.820,00 (o dobro, para se ter uma margem de segurança considerável).

Conforme visto, para a produção de 1m³ de biogás é necessário fornecer

aproximadamente 13,6 m³ de biomassa (COELHO et al, 2006). Dessa forma, calcula-se que

para comportar os 273,78 m³ de biogás diários necessários para atender à demanda térmica

total (3.719,27 m³ de biomassa) é necessário instalar 3.719,27/25 = 149 biodigestores de

volume útil de 25 m³ em Vila Paciência (1 biodigestor a cada 2,68 casas). Estima-se que o

custo total para montar os 149 biodigestores seria de R$ 420.180,00.

O Valor Presente Líquido (VPL) é um “método de análise para seleção entre

alternativas de investimento” (MOTTA & CALÔBA, 2002:15). Comparando esse parâmetro

para os casos de utilização do biodigestor ou da rede elétrica para alimentar os três fornos

industriais, conclui-se que a solução de utilização do biodigestor é mais economicamente

viável, já que possui o menor Valor Presente Líquido (R$ 818.038,00 contra R$

11
2.018.604,00). Esse cálculo considera a utilização do biodigestor ao longo de sua vida útil

versus o valor pago à concessionária pela energia. Portanto, para a demanda térmica restante,

vale mais a pena investir na construção dos biodigestores do que comprar diretamente da rede

elétrica. O único impedimento para essa opção é a oferta restrita de biomassa, como será

discutido no próximo item.

A ferramenta HOMER também calcula a quantidade de emissões evitadas ao se

utilizar o biodigestor ao invés da rede elétrica. O programa utiliza como parâmetro que a taxa

de emissões através da rede elétrica é de 632g CO2 / kWh. Nesse caso, para gerar os 1.176

kWh / dia demandados pelos três fornos industriais, seriam emitidos 365 (dias / ano) x

0,000632 (ton) x 1.176 kWh/dia = 271, 28 toneladas de CO2 na atmosfera. No caso da

utilização dos biodigestores, seriam lançados 65,198 toneladas/ ano, numa redução de 206

toneladas / ano, somente nos três fornos industriais.

6. Conclusões

A partir do levantamento de dados sobre o potencial oferta de biogás e da demanda

por energia térmica de Vila Paciência e da posterior análise dos dados, obtiveram-se algumas

percepções sobre o fornecimento de energia para a Vila Paciência, mas que se aplicam ao

mercado de energia em geral:

1. DA SILVA et al (2005) sugerem que o que determina a escala do chamado “bairro-

cidade” (ou seja, da unidade mínima necessária para que se garanta a sustentabilidade

econômica e ambiental de um lugar) é o forno da cozinha industrial, já que é esse

equipamento que determina a quantidade máxima de pessoas que podem participar do mesmo

“módulo auto-sustentável (DA SILVA et al, 2005:5-6). Propõe-se aqui que a oferta de

material orgânico para ser processado no biodigestor também é uma restrição de projeto

importante e possivelmente será a restrição do sistema. Mostrou-se que a oferta de material

orgânico limita (mais do que a capacidade do forno da cozinha) a quantidade de pessoas

12
vivendo em um mesmo “módulo auto-sustentável”. ALVES & LUCON (2001) apud

AMARAL (2004:32) aparentam concordar que esse seja um dos limitantes (gargalos) na

construção de sistemas sustentáveis, pois segundo os autores, “um programa que empregasse

todo o gás de lixo na geração de eletricidade, não representaria 1% daquilo que é consumido

hoje no país”.

2. Ainda assim, o biodigestor, embora seja uma tecnologia de produção de energia,

possui um papel muito mais importante como destinação de resíduos do que como produtor

de energia. A despeito da capacidade de produção menor do que a demanda total de energia

do país (e de Vila Paciência), encontrar uma destinação aos resíduos aparenta ser fator

primordial para o ambiente. Cabe ressaltar, entretanto, que não se trata apenas de melhorar a

destinação final: o problema que a humanidade enfrenta é viver melhor, consumindo (muito)

menos e regenerando a qualidade do meio-ambiente (MANZINI, 2007:3). No caso de Vila

Paciência, a solução proposta para resolver esse desafio é utilizar a produção de biogás

sobretudo como forma de tratamento de resíduos, tendo como efeito adicional a geração de

energia térmica, juntamente com a alimentação da rede elétrica tradicional.

3. Percebe-se que a principal razão para a adoção da solução dos biodigestores (ao

menos em Vila Paciência) são os impactos não diretamente econômicos, tais como: (1) os

biodigestores solucionariam o problema do não tratamento de esgotos e suas conseqüências

para a saúde da população local; (2) desoneração do governo local da construção de uma

unidade para tratamento de esgotos; (3) maior interesse de pesquisadores dessa tecnologia

pelo local (tanto empresas quanto acadêmicos), valorizando a região; (4) possibilidades de

criação de novos negócios para replicação dessa tecnologia para outros locais, usando o

conhecimento acumulado pelos moradores, dinamizando a economia local e gerando um

processo de “aceleração evolutiva” (RIBEIRO, 1997: 69) da comunidade de Vila Paciência;

(5) aumento da oferta de empregos na comunidade para a administração dos biodigestores, o

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que não seria conseguido caso houvesse uma gestão centralizada dos resíduos em uma estação

de tratamento de esgoto, por exemplo; (6) redução da poluição ambiental, pois é realizado o

tratamento do esgoto e do lixo orgânico, que não era realizado anteriormente.

7. Referências Bibliográficas

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