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II SIMPÓSIO BRASILEIRO DE AGROPECUÁRIA SUSTENTÁVEL

23 a 25 de setembro de 2010 – Universidade Federal de Viçosa – Viçosa/MG

Biodigestores: construção, operação e usos do biogás e do biofertilizante visando a


sustentabilidade das propriedades rurais

Elton Eduardo Novais Alves1, Keles Regina Antony Inoue2, Alisson Carraro Borges3
1.
Técnico Agrícola, Graduando em Agronomia pela UFV
2.
Engenheira Agrônoma, MSc e Doutoranda em Eng. Agrícola pela UFV
3.
Professor do Departamento de Engenharia Agrícola – DEA, UFV.

Resumo

Tendo em vista a potencialidade energética dos resíduos orgânicos será


abordado, de forma resumida, o processo de produção de biogás e biofertilizante
utilizando resíduos presentes em propriedades rurais, bem como os fatores que afetam a
biodigestão, usos do biogás e biofertilizante na propriedade rural e os benefícios que os
biodigestores trazem para o produtor rural, para o meio ambiente e para a sociedade
como um todo.

1. Introdução

Desde a Revolução Industrial o petróleo vem sendo utilizado cada vez mais. Na
atualidade, a civilização humana é totalmente dependente deste produto. O petróleo é
usado para mover quase tudo, como aviões, carros e máquinas em geral. É também
usado na fabricação de borrachas, plásticos, tintas, adubos, inseticidas, dentre outros
produtos indispensáveis no nosso dia-a-dia (Barreira, 1993).

Como consequências dessa alta dependência do petróleo, muitos agricultores


ficam a mercê do mercado mundial e da oscilação do preço de mercado dos
fertilizantes, defensivos agrícolas, dentre outros insumos agrícolas que são diretamente
ou indiretamente dependentes do petróleo.

Atualmente existem várias fontes de energia e de matérias que não derivam do


petróleo e de outras fontes não renováveis e que são substitutos a estes. Contudo, essas
fontes ainda não são largamente utilizadas, por fatores econômicos, políticos, culturais
ou, até mesmo, por falta de informação.

A comunidade científica mundial e a população têm discutido a mudança do


modelo energético global, de energia fóssil e nuclear para sistemas que incluam as
energias renováveis e alternativas limpas. O debate internacional está pautado pela
necessidade de práticas sustentáveis de aproveitamento dos recursos naturais existentes
e de medidas para reduzir a taxa de aquecimento global.

A produção de energia alternativa e renovável faz com que sejamos menos


dependentes de fontes não renováveis e mais poluentes. Muitas destas energias também
podem ser produzidas nas propriedades rurais, fazendo com que o produtor possa
diminuir gastos e sejam menos dependentes de usinas energéticas.
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A digestão anaeróbia é considerada opção viável para o tratamento biológico dos


resíduos agroindustriais, pois demandam pequena área e são de construção simples,
além de permitir a redução do potencial poluidor, configura-se como importante setor
energético; capaz de fornecer os benefícios da energia e a produção de biofertilizante
(Nogueira, 1992, Amaral et al., 2004 e Campos et al., 2005).

A importância da digestão anaeróbia no tratamento de resíduos aumentou


expressivamente nas últimas décadas, principalmente, por apresentar um balanço
energético mais favorável em relação aos processos aeróbios convencionais, como o
baixo consumo de energia, a reduzida produção de lodo e a possibilidade de
recuperação e utilização do metano como gás combustível (Moraes, 2005).

Diante do exposto, busca-se abordar de forma sucinta, neste material, a forma de


como construir biodigestores em propriedades rurais; bem como a produção de biogás e
biofertilizante, visando uma maior sustentabilidade econômica e ambiental no campo.

2. Os biodigestores

Um biodigestor é uma câmara fechada, que não permite a entrada de ar, onde a
biomassa (resíduos) sofre a digestão por micro-organismos anaeróbios, produzindo gás.
Pode ser construído de alvenaria, concreto ou outros materiais, onde é colocado o
material a ser digerido.

A digestão anaeróbia permite o aproveitamento dos dejetos animais para a


produção do biogás e do biofertilizante, principais produtos do processo, com benefícios
no aumento da produtividade e preservação do meio ambiente (Figura1).

Figura 1 - Benefícios do biodigestor (Fonte: Oliver et al., 2008).

O processo de digestão anaeróbia também favorece a melhoria das condições de


higiene para os animais e tratadores em função da limpeza diária das instalações para
recolher o esterco. O tratamento apropriado dos dejetos reduz a contaminação e também
a proliferação de moscas e a mortalidade dos animais, aumentando, consequentemente,
a produção, bem como a qualidade dos produtos.
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Existem vários tipos de digestores, porém todos eles visam basicamente criar
condição anaeróbia, isto é, total ausência de oxigênio na biomassa a ser digerida.

A escolha de um tipo ou de outro vai depender das condições locais,


disponibilidade de substrato, experiência e conhecimento do construtor, investimento
envolvido, etc. No entanto, qualquer digestor construído, se for corretamente instalado e
operado, apresentará uma boa produção de gás.

Os biodigestores são classificados quanto a sua forma de abastecimento em:


batelada e contínuos.

2.1. Biodigestores em batelada

Sua característica consiste na adição de todo o resíduo orgânico de uma só vez


na câmara digestora. Posteriormente, fecha-se hermeticamente o biodigestor,
favorecendo a digestão anaeróbia. O gás produzido é armazenado na câmara digestora
ou em um gasômetro acoplado a esta.

Após ter completado todo o processo de biodigestão, retira-se o biofertilizante


gerado e adiciona-se uma nova carga de resíduos. É um modelo indicado quando se tem
resíduos em grandes quantidades em um curto espaço de tempo, como acontece com
camas de frango, onde o resíduo não se encontra diariamente na propriedade e sim ao
final do crescimento das aves.

2.2. Biodigestores de escoamento contínuos

Há uma carga contínua de resíduos e também uma produção constante de


biofertilizante e biogás. Este modelo possui uma caixa de entrada de resíduos e uma
caixa de saída do biofertilizante e o próprio substrato contido no biodigestor é
responsável por parte da vedação do sistema.

É indicado quando se possui uma quantidade de resíduos produzida de forma


mais constante na propriedade (dejetos suíno e bovino, por exemplo) e também mão-de-
obra para a realização das cargas diárias.

3. Tipos de biodigestores

Existem alguns tipos de biodigestores que diferem nos formatos e nas operações
de carga dos resíduos. Os principais são: horizontal e vertical.

3.1 Vertical

É uma estrutura onde seu maior comprimento é no sentido vertical, podendo ser
cilíndrica ou cúbica, de alvenaria, polietileno, fibra ou outros materiais.

Grande parte da câmara digestora fica enterrada no solo (deve se atentar para
solos pouco profundos, rochosos e com lençol freático superficial) o que confere uma
maior conservação do calor e menor oscilação da temperatura durante o dia.
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3.2 Horizontal

Consiste de uma câmara, geralmente retangular, com uma altura menor que o
comprimento e a largura e que é enterrada no solo ou não.

Geralmente é um modelo de carga contínua com as caixas de entrada e saída de


resíduos nas extremidades de menor comprimento, como mostrado na Figura 2.

Figura 2. Esquema de um biodigestor em manta impermeável (Fonte: Oliver et al.,


2008).

No aproveitamento dos dejetos utilizando biodigestores, devem ser observados


os seguintes aspectos: 1. Curral ou esterqueira com pavimentação para reduzir a
quantidade de terra no biodigestor; 2. Caixa ou tonel de entrada onde o dejeto é
misturado com água antes de ser colocado no biodigestor; 3. Tubulação de entrada,
permitindo a entrada e mistura na câmara de digestão; Biodigestor, revestido e coberto
com manta plástica; 4. Tubulação de saída do biofertilizante, levando oi material já
estabilizado à caixa de saída; 5. Tubulação de saída do biogás, canalizando-o para o
fogão, motor, queimador, etc.; 6. Caixa de saída: onde é armazenado o biofertilizante
até ser aplicado ao solo.

Na Figura 3, estão apresentados os principais modelos de biodigestores


implantados no Brasil

Figura 3. Modelo de biodigestores (Fonte: Oliver et al., 2008).


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4. O Biogás

O gás resultante do processo de digestão anaeróbia (biodigestão) é chamado de


biogás. É uma mistura de gases, contendo o metano (CH4) como principal constituinte
(de 50 a 75%), em segundo lugar vem o dióxido de carbono (CO2), com 25 a 45% de
concentração; vapor de água (2 a 7 %) e traços de nitrogênio (N2), hidrogênio (H2) e gás
sulfídrico (H2S) (FNR, 2009).

O biogás é um combustível renovável e limpo, é um substituinte do gás de


cozinha, a sua queima não desprende fumaça e não deixa resíduos nas panelas
facilitando a vida da agricultora dona de casa. A sua utilização sistemática reduz os
custos do gás, incluindo o produto, transporte e armazenagem.

O biogás pode ser utilizado, por exemplo, em: Fogões, Lampiões, Campânulas,
Chocadeiras, Secadores diversos, Motores de combustão interna, Conjuntos moto-
bomba, Geradores de energia elétrica.

A quantidade de biogás produzido também depende de diversos fatores, como o


modelo do biodigestor, a forma de operação, uso ou não do percentual de inóculo com
relação ao volume do substrato (Tabela 1), assim como do tempo de retenção hidráulica
necessário à estabilização completa e da adoção ou não de técnicas auxiliares, como,
por exemplo, a agitação do substrato (Souza, 2003).

Tabela 1. Potencial de produção de biogás a partir de dejetos animais

Espécie m3 de biogás ton-1 de esterco


Caprino/ovino 40 a 61
Bovino de leite 40 a 49
Bovino de corte 40
Suínos 75 a 89
Frango de corte 90
Poedeiras 10
Codornas 49
Fonte: Adaptado de Olivera et al. (2008).

O aproveitamento do biogás como gás combustível leva a uma redução no


potencial de poluição do meio ambiente, pois em sua composição há acentuada
concentração de metano: gás cerca de 24 vezes mais danoso que o dióxido de carbono
no que se refere ao efeito estufa (Coelho et al., 2006).

O poder calorífico do biogás varia em função da concentração de metano na


mistura, sendo tanto maior quanto mais puro for o biogás, o que vai depender do
material e das condições de fermentação (Magalhães, 1986). O poder calorífico do
biogás é de aproximadamente 6 kWh m-3, correspondendo a meio litro de óleo diesel.
Na Tabela 2 está apresentada a equivalência energética entre o biogás e alguns outros
combustíveis de uso cotidiano.
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Tabela 2. Equivalência energética entre o biogás e outros combustíveis.

Combustível Biogás (m3)


Gasolina (L) 0,61
Querosene (L) 0,62
Óleo Diesel (L) 0,55
Gás de Cozinha (kg) 1,43
Lenha (kg) 3,50
Álcool hidratado (L) 0,80
Carvão mineral (kg) 0,74
Fonte: Nogueira (1992).

Entre as grandes vantagens do biogás podemos citar: redução de gastos com gás
de cozinha; reduz ou elimina a retirada de lenha da mata e o trabalho de cortá-la e
carregá-la; baixo custo de produção e transporte; baixa emissão de fuligem; alto poder
calorífico durante a queima, principalmente quando se purifica o gás e o
reaproveitamento de resíduos orgânicos (Barreira, 1993).

Por outro lado, o biogás apresenta limitações relacionadas à corrosão e mau-


cheiro, principalmente em caso de elevadas concentrações de gás sulfídrico, elevando o
risco de toxidez; há variabilidade na quantidade produzida em função do período do ano
(temperatura). O processo de fermentação anaeróbia é lento, o qual se reflete num
tempo longo de retenção dos sólidos; a necessidade de homogeneização dos dejetos para
garantir a eficiência do sistema, e gasto de mão-de-obra para manutenção do sistema.

5. Processo microbiano anaeróbio

O processo de formação do biogás e do biofertilizante é realizado pela atividade


de micro-organismos anaeróbios (crescem na ausência de oxigênio) que digerem os
resíduos contidos na câmara de digestão, liberando compostos inertes, como gás
carbônico e metano.

Na realidade é um processo dinâmico e que há a interação de vários micro-


organismos distintos. Simplificadamente, o processo pode ser dividido em quatro fases
conforme o descrito por Chernicharo (1997) e Pierotti (2007): Hidrólise: onde os
resíduos orgânicos são quebrados em partículas menores e mais simples pelas bactérias
hidrolíticas. Acidogênese: os produtos solúveis da hidrólise são fermentados e
acidificados, formando ácidos orgânicos, CO2, alcoóis etc. Acetogênese: as bactérias
acetogênicas convertem os produtos da acidogênese em hidrogênio, dióxido de carbono
e acetato. O valor do pH no meio aquoso diminui. Metanogênese: é a etapa final, em
que são produzidos o metano e o dióxido de carbono. Tais produtos são gerados por
meio das arqueias metanogênicas, que utilizam os compostos orgânicos oriundos da fase
acetogênica (Figura 4).
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Figura 4. Esquema de digestão anaeróbia, mostrando a ação de bactérias na degradação


da matéria orgânica (Fonte: Chernicharo, 1997).

Portanto, não basta o ambiente ser favorável a apenas um destes grupos de


organismos, mas sim a todos, pois um problema em qualquer destas fases afetará a
produção e qualidade do biogás de forma direta.

6. Resíduos utilizados e características do substrato

Teoricamente qualquer resíduo orgânico pode ser utilizado para a produção do


biogás e biofertilizante. Mas deve-se ficar atento para a composição química dos
mesmos e a presença de substância de difícil digestão, como a lignina, ou tóxicas, como
antibióticos, pois esses fatores influenciam diretamente a produção do biogás e a
qualidade do biofertilizante.

Na produção de metano, o substrato deve conter um teor de 7 a 9% de matéria


seca ou (sólidos totais), isto é, cada 100 litros de substrato devem conter uma média de
8 kg de matéria seca, o que implica em adicionar água na maioria dos resíduos para
atingir tal concentração (Comastri Filho, 1981).

Além do conhecimento dos sólidos totais deve-se conhecer também o teor de


sólidos voláteis (relacionado a matéria orgânica) no resíduos, pois é essa fração do
resíduo que será decomposta para produzir o biogás. Quanto maior for a concentração
de sólidos voláteis de uma biomassa, maior será a produção de gás, dentro de certos
limites, pois dependerá da eficiência do sistema digestor. Recomenda-se um mínimo de
120 g de sólidos voláteis por kg de matéria seca. O teor de sólidos voláteis de esterco
bovino está em torno de 80 a 85% (Comastri Filho, 1981).
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De modo prático existem algumas relações de misturas já previamente


estabelecidas para facilitar o preparo do substrato e otimizar a produção de biogás, estes
valores estão na Tabela 3.

Tabela 3. Proporção entre diferentes resíduos orgânicos e água para obtenção do


substrato

Resíduo orgânico Proporção de mistura (resíduo : água)


Esterco de vaca fresco 1:1
Esterco de vaca seco na superfície 1:2
Esterco de cavalo 1:1
Esterco de ovelha 1:3
Restos de culturas verdes 1:0,5 a 1:2
Esterco de galinha 1:2
Esterco de porco 1:1
Esterco humano 1:1

Fonte: Barreira, 1993

A relação C/N é um parâmetro muito importante e está relacionado com as


condições em que se desenvolve o processo biológico da fermentação. A relação
carbono/nitrogênio ideal para uma digestão ótima está na faixa de 20 a 30:1, isto é, 20 a
30 partes de carbono para uma de nitrogênio.

A maioria dos dejetos animais possuem baixa relação C/N (Tabela 4), pois
possuem muito nitrogênio e devem ser corrigidos com resíduos vegetais como palhas,
sabugos, serragem etc., para atingir o ponto ideal (Comastri Filho, 1981)

Tabela 4. Relação Carbono/Nitrogênio de diversos materiais

Resíduo %N C/N %C
Esterco de bovinos 1,7 18 30,6
Esterco de eqüinos 2,3 25 57,6
Esterco de ovinos 3,8 22 83,6
Esterco de suínos 3,8 20 76
Esterco de aves 6,3 7,3 50
Fezes humanas 6 8 48
Feno 4 12 48
Serragem 0,11 431 47,5
Fonte: Lenz citado por Comastri Filho (1981)
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7. Fatores que afetam a digestão

Por se tratar de um processo microbiano, a digestão anaeróbia é muito dinâmica


e é bastante influenciada pelas condições do meio onde se encontra os micro-
organismos envolvidos.

7.1 pH
O pH do meio afeta sensivelmente os microrganismos envolvidos no processo de
biodigestão. De acordo com Comastri Filho (1981), a faixa de operação dos digestores é
em pH 6,0 a 8,0, tendo como ponto ideal o pH 7,0 a 7,2. Esses valores podem oscilar em
função do resíduo utilizado e da concentração de sólidos totais no substrato a ser
biodigerido.

7.2 Temperatura

O desenvolvimento dos microrganismos metanogênicos e a produção de biogás


é função da temperatura operacional do digestor. Existem três grupos básicos de
microrganismos que atuam nos biodigestores.

Termofílicos: atuam em temperaturas maiores que 45ºC e possuem uma maior


eficiência na biodigestão por digerir mais rapidamente o substrato;

Mesofílicos: atuam em temperaturas entre 20 a 45ºC; e

Psicrofílicos: atuam em temperaturas menores que 20ºC e demoram mais tempo para
digerir o substrato.

Portanto, a eficiência da biodigestão está ligada diretamente ao grupo de


microrganismos envolvidos e a temperatura média do substrato. Batista (1981) ressalta
que em amplitudes térmicas superiores a 10ºC em menos de 24h, pode haver a
interrupção completa da produção de biogás o que se recomenda enterrar os
biodigestores, para evitar essas oscilações bruscas.

7.3 Tempo de retenção hidráulica

É o tempo gasto pelo substrato passar (sistema contínuo) ou permanecer (sistema


em batelada) na câmara digestora, isto é, o tempo entre a entrada e a saída dos diferentes
materiais do digestor. O tempo de retenção ou de digestão varia em função do tipo de
biomassa, granulometria da biomassa, temperatura do digestor, pH do substrato,
agitação, etc., mas, de modo geral, situa-se na faixa de 4 a 60 dias (Batista, 1981).

Normalmente, o tempo de digestão para esterco de animais situa-se na faixa de


20 a 30 dias.

7.4 Substâncias tóxicas

O excesso de qualquer nutriente ou elemento em solução no digestor pode provocar


toxidez ao meio bacteriano. Deve-se também ter muito cuidado com o uso de
desinfetantes e bactericidas nas instalações onde são criados os animais, pois estes
podem contaminar o esterco, tornando-o fatal para as bactérias que estão envolvidas no
processo biológico da formação do gás.
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8. O Biofertizante

Após a digestão anaeróbia no interior do digestor, o efluente que sai apresenta


alta qualidade para uso como fertilizante agrícola em média apresentam 1,5 a 2,0% de
nitrogênio, 1,0 a 1,5% de fósforo e 0,5 a 1,0% de potássio. Contudo, estes valores são
bastantes variáveis, pois a qualidade do biofertilizante dependerá dos substratos
utilizados e do manejo do biodigestor.

Trata-se de um adubo orgânico, isento de agentes causadores de doenças e


pragas às plantas e contribui de forma extraordinária no restabelecimento do teor de
húmus do solo, funcionando como melhorador de suas propriedades químicas e físicas e
melhora a atividade microbiana do solo, que tem importante papel na sua estruturação
(Oliver et al., 2008).

O biofertilizante apresenta alta qualidade, devido: 1º A redução do teor de


carbono (C) do material. A matéria orgânica digerida libera o carbono na forma de
metano (CH4) e dióxido de carbono (CO2); 2º Ao aumento no teor de (N) e demais
nutrientes, em conseqüência da liberação do carbono; 3º A diminuição da relação C/N
da matéria orgânica, que melhora a utilização agrícola; 4º A maior facilidade da
utilização do biofertilizante pelos microrganismos do solo, devido ao avançado grau de
decomposição; 5º A solubilização parcial de alguns nutrientes, deixando-os mais
facilmente disponível ás plantas; 6º Pode ser utilizado no controle de pragas e doenças.

O biofertilizante, também denominado de efluente, já se encontra


completamente “curado”, quando sai do interior do biodigestor, não possui odor, não é
poluente e não cria moscas. Pode ser aplicado diretamente no solo na forma líquida ou
desidratada, dependendo das condições locais, no entanto, ainda possui uma carga
orgânica muito elevada para ser lançado nos corpos hídricos, devendo somente ser
usado como fertilizante. Sua utilização como adubo orgânico deve ser controlada, para
não exceder o limite de nutrientes no solo e não vir a contaminar o lençol freático e as
águas superficiais.

Apresenta o pH em torno de 7,5 e funciona como corretor da acidez do solo,


minimizando o problema do alumínio e do ferro que são tóxicos. Libera o fósforo dos
sais insolúveis de alumínio e ferro, tornando-o disponível na solução do solo, para as
plantas (Comastri Filho, 1981).

9. Dimensionamento de um biodigestor

Comastri Filho (1981) propõe a seguinte suposição para o dimensionamento de


biodigestores: Uma família de 5 pessoas; Três lampiões durante 3 horas/noite; Um
fogão para cozinhar; Um motor para picar forrageiras, com 6 HP, durante 2 horas/dia;
Tempo de retenção média de 30 dias; Matéria prima: esterco fresco de bovino; Volume
de biogás a ser consumido: Iluminação: 0,07 x 3 x 3 = 0,63 m3; Cozimento: 0,23 x 5 =
1,15 m3; Motor : 0,40 x 6 x 2 = 4,80 m3;Com acréscimo de 10% temos 7,30 m3.

Se 10 kg de esterco fresco = 0,40 m3 de biogás, logo, para se ter 7,30 m3 de


biogás/dia, necessita-se de aproximadamente 190 kg de fezes/dia, ou seja, a produção de
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13 animais semi-estabulados. Como o esterco deve ser misturado com água na


proporção de 1:1, deve-se adicionar ao digestor 380 litros de mistura.

Volume do digestor = 30 x 380 = 11.400 L = 11,4 m3

Outro exemplo para o dimensionamento de biodigestores pode ser através da


disponibilidade de resíduos na propriedade.

1º Supondo que deseja montar um biodigestor retangular com comprimento igual a


três vezes a largura (C= 3xL) e o tempo de retenção do substrato seja de 30 a 35
dias; 2º A propriedade possui 500 suínos e cada suíno produz 2,25 kg de dejeto por
dia. Segundo Silva (1986) pode-se estimar a produção de dejeto multiplicando o
peso vivo total por 0,018kg/kg de animal. A produção de gás estimada é de 0,17m3
por kg de dejeto que possui 19% de matéria seca; 3º O total de dejeto produzido será
= 500 suínos x 2,25kg de esterco/suíno x 30dias de retenção = 33750 kg de esterco
em 30 dias; 4º O volume de biogás estimado será = 0,17m3/ kg de dejeto x 33750
kg de dejeto = 5737,5 m3 de biogás em 30 dias (equivalente ao volume de 190
bujões de gás); 5º O volume de água a ser adicionado para atingir a concentração de
9% de sólidos totais no substrato será = (19/9 x 100) – (100 - 19) = 130 litros de
água para cada 100 kg de esterco, então o total de água a ser usado será 1,3 x 33750
= 43,9m3 de água; 6º Supondo uma densidade do esterco como 1 kg/m3 o volume
de substrato total no digestor será = 43,9 de água + 33,75de esterco = 77,65 m3; 7º
As dimensões do biodigestor dependerão da área e da profundidade do solo, etc.
Sugere-se enterrar o biodigestor a no mínimo 1,5m de profundidade, isto é, no
exemplo teremos uma área de 51,77m2 (77,65m³/1,5m), como sugerimos
comprimento = 3 x largura, teremos  3xL² = 51,77 m²  L = 4,15m e C =
12,47m

9.1 Gasômetro

Para o dimensionamento do gasômetro deve-se levar em consideração a


produção e o consumo do biogás.

Nos modelos retangulares horizontais coloca-se uma lona plástica de PEAD


sobre o biodigestor selando-a. A medida que há a produção de biogás a lona infla,
armazenando o biogás sob baixa pressão. O excesso de produção pode ser queimado ou
armazenado em gasômetros paralelos.

A pressão do biogás armazenado em biodigestores deve ser monitorada, pois a


pressão afeta diretamente a produção. Amestoy & Ferreyra (1987) citam os limites de
80 a 500 mm H2O. Ortolani et al. (1986) recomendam 150 e 200 mm H2O,
respectivamente, para pressão de serviço de biodigestores modelos indiano e chinês.

9.2 Localização.

Alguns parâmetros devem ser considerados na localização de biodigestor:


Condições locais do solo; Facilidades na obtenção e armazenamento de biomassa;
Facilidades na remoção e utilização do biofertilizante; Distância de utilização do biogás.

Segundo Comastri Filho (1981), o biodigestor deve se localizar em local


próximo ao ponto de coleta de esterco, em torno de 20 metros, e aos pontos de consumo
do biogás. Entretanto, se o ponto de oferta de esterco dista muito do de demanda do
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biogás, deve-se preferencialmente localizar o biodigestor próximo ao primeiro, visto


que é mais simples transportar o biogás por tubulação que o resíduo orgânico.

9.2.Dispositivos de segurança

A área onde está instalado o biodigestor deve ser considerada como região
inflamável, não permitindo que se fume ou que se acenda qualquer fogo nas
proximidades. Deve ser cercada para evitar a entrada de animais que podem danificar o
sistema.

A colocação de dispositivos de segurança ao longo da rede de distribuição do


biogás é de grande importância no controle dos problemas que podem surgir e deve ser
encarada com muita seriedade pelos responsáveis por qualquer unidade digestora.

A construção de um purgador, na parte mais baixa da rede de distribuição do


biogás, evita as pressões elevadas, com conseqüências graves, que poderão correr no
interior do biodigestor em caso de defeito no mecanismo de movimento do gasômetro.
O vapor d´água contido no biogás é eliminado pelo purgador, melhorando a combustão
do biogás e, conseqüentemente, evitando, também, o efeito corrosivo da água nos
equipamentos usados.

A colocação de uma tela de arame, de malha fina, no interior do cano de


distribuição, através de uma união, próximo do ponto de consumo do biogás é outro
dispositivo de segurança que deve ser usado. Tem a vantagem de evitar a passagem de
fogo que, conseqüentemente, provocaria a explosão do biodigestor.

O filtro de H2S é um dispositivo essencial no processo de filtragem do biogás.


Elimina o H2S que é corrosivo, aumentando a vida útil dos motores e aparelhos em uso.

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