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Sumário
Introdução...................................................................................................................................................3

A nossa história........................................................................................................................................4

A nossa história: Mulheres Dóceis – Parte 1 e 2......................................................................10

Lutas e Conquistas................................................................................................................................14

Violência contra as Mulheres no Brasil.......................................................................................19

Maria da Penha......................................................................................................................................24

Construindo Mulheres, Processo de Subjetivação e Dispositivos....................................29

Dispositivo Amoroso – Parte 1 e 2................................................................................................31

Dispositivo Materno – Parte 1, 2 e 3...........................................................................................33

Relações Abusivas – Parte 1 e 2...................................................................................................40

Sobre o corpo..........................................................................................................................................49

Violência nas redes sociais..............................................................................................................51

O que fica – Consequências da Violência – Parte 1 e 2.......................................................53

Sobre eles - Dispositivos Masculinos – Parte 1 a 5.............................................................56

Gênero.....................................................................................................................................................65

Ética Profissional.................................................................................................................................67

A rede de atendimento......................................................................................................................71

O atendimento nos Centros de Referência e Clínicas Particulares................................72

Prevenção e Combate.......................................................................................................................74

Referências Bibliográficas............................................................................................................78

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Introdução
Este curso foi construído para estudantes e profissionais
da psicologia com o objetivo de trazer formação e informação
sobre violência contra mulheres afim de capacitar o
recebimento e acolhimento das demandas nos serviços de
psicologia. É necessário compreender a violência contra a
mulher como uma questão de saúde pública e social é
importante para desenvolver um trabalho diante dos casos de
violência que surgem de forma cada vez mais numerosas nos
espaços onde se oferecem atendimento psicológico.

Aqui você vai encontrar um conteúdo construído para a


compreensão das violências contra a mulher com base na
construção social e como ela está enraizada como um
fenômeno social no Brasil que afeta diretamente a saúde das
mulheres.

O dano causado pela violência contra as mulheres à sua


saúde física e psicológica, como podemos lidar com a
demanda, quais os mecanismos de apoio e suporte para as
mulheres vítimas e qual o papel da psicologia diante desses
casos.

Afinal, o que é ser mulher?

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A nossa história
O tema da violência contra mulheres precisa ser
entendido como uma questão de saúde pública e problema
social, que não se restringe a questões pontuais e sim a uma
estrutura social que contribui para a manutenção das
violências e que as abordagens precisam acontecer de forma
estrutural para mudanças efetivas e duradouras.

 História do Brasil - Período Colonial


 Expansão marítima portuguesa - Em busca de ouro e
especiarias, valores e bens sempre muito procurados
nos séculos XV e XVI, mas havia outros, como o peixe, a
madeira, os corantes, as drogas medicinais e, pouco a
pouco, um instrumento dotado de voz - os escravos
africanos.
 A OCUPAÇÃO DA COSTA AFRICANA E A EXPANSÃO
COMERCIAL
 A OCUPAÇÃO DAS ILHAS DO ATLÂNTICO
 A CHEGADA AO BRASIL
 Invasão portuguesa - Os relatos documentados são da
perspectiva de cristãos chegando (invadindo), são
informações pouco precisas e contraditórios sobre os
povos presentes no território, era vistos e julgados pelo
VIÉS EUROPEU (teológicos)– indícios de barbarismo e a
presença do diabo.

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A cultura indígena foi descrita a partir do paradigma
teológico e do princípio que OS BRANCOS ERAM OS ELEITOS
DE DEUS, E POR ISSO SUPERIORES AOS POVOS DO
CONTINENTE. O que era visto como marcas da barbárie era o
desconhecimento da palavra revelada (bíblia e Deus) e
ausência de organização estatal e da escrita (ditas feitorias
que ocorria por onde os portugueses passavam, fazendo uma
“organização”).

 Modo de Ação – Colonização e Catequese para os


americanos (indígenas) saírem do estado primitivo e
alcançarem a civilização – um filtro cultural que distorcia
a lógica própria dos ritos e mitos indígenas. A cultura
nativa na colônia não era independente do imaginário do
conquistador (cristão – ideia de monogamia dos seres
humanos e que todos são descendentes de adão e Eva ) o
darwinismo surge depois 1859, estamos no começo da
idade moderna, saindo da idade média.
 Genocídio Indígena - Miscigenação - Os índios que se
submeteram ou foram submetidos, sofreram a violência
cultural, epidemias e mortes. Do contato com o europeu
resultou uma população mestiça, que mostra, até hoje,
sua presença silenciosa na formação da sociedade
brasileira.

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 Uma forma excepcional de resistência dos índios
consistiu no isolamento, alcançado através de contínuos
deslocamentos para regiões cada vez mais pobres. Em
limites muito estreitos, esse recurso permitiu a
preservação de uma herança biológica, social e cultural.
Mas, no conjunto, a palavra "catástrofe" é mesmo a mais
adequada para designar o destino da população
ameríndia. Milhões de índios viviam no Brasil na época
da conquista e apenas cerca de 250 mil existem nos dias
de hoje.
 Ameaça francesa à posse do Brasil pelos portugueses
- Considerações políticas levaram a Coroa Portuguesa à
convicção de que era necessário colonizar a nova terra. A
expedição de Martim Afonso de Sousa (1530-1533)
representou um momento de transição entre o velho e o
novo período. Tinha por objetivo patrulhar a costa,
estabelecer uma colônia através da concessão não-
hereditária de terras aos povoadores que trazia (São
Vicente, 1532) e explorar a terra, tendo em vista a
necessidade de sua efetiva ocupação.
 Há indícios de que Martim Afonso ainda se encontrava
no Brasil quando Dom João III decidiu-se pela criação
das capitanias hereditárias. O Brasil foi dividido em
quinze quinhões, por uma série de linhas paralelas ao
equador que iam do litoral ao meridiano de Tordesilhas,

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sendo os quinhões entregues aos chamados capitães-
donatários. Eles constituíam um grupo diversificado, no
qual havia gente da pequena nobreza, burocratas e
comerciantes, tendo em comum suas ligações com a
Coroa. E com os portugueses chegam uma organização
social - uma estrutura pronta com papéis sociais e
religiosos estabelecidos.

O papel a ser desempenhado por uma mulher no Brasil


seguia um roteiro bem delineado onde seu comportamento,
escolha e desejos já estavam definidos, ou seja, seu futuro
estava decidido.

O comportamento que se esperava do despertar da


sexualidade feminina – teriam que estar de acordo com as
leis do estado e da igreja, a moral e os bons costumes e
sempre sob vigilância de pais, irmãos, tios, tutores, em
geral homens, e à coerção informal, mas forte de velhos
costumes misóginos - com um único objetivo, abafar a
sexualidade feminina, que ao rebentar as amarras
ameaçava o equilíbrio doméstico, a segurança do grupo
social e a própria ordem das instituições civis e
eclesiásticas.

A toda-poderosa Igreja exercia forte pressão sobre o


ADESTRAMENTO DA SEXUALIDADE FEMININA, tendo
como justificativa a repressão da mulher era simples (sim,

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tem uma justificativa para tal situação, pasmem): O homem
era superior e portanto cabia a ele exercer a autoridade. E
São Paulo na epístola aos efésios não deixa dúvidas
(escritos a mais de mil datada entre 60 e 63 DC. anos em
outra estrutura social e em outro continente):

 Efésios 5:22-24: “Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos


maridos, como ao Senhor; Porque o marido é a cabeça
da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja,
sendo ele próprio o salvador do corpo. De sorte que,
assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim
também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus
maridos.”

Tal necessidade se daria pela origem da mulher, que


descendia de Eva, a primeira mulher criada e imperfeita,
que seduzida pela serpente, seduz Adão e o leva a cair em
transgressão. O risco de sua herança traiçoeira de Éva
deveria ser controlado. A mulher feita da costela curva de
adão não correspondia a retidão do homem, em virtude
dessa falha a mulher é um animal imperfeito, sempre
decepciona a mente. Seriam elas propensas a influência do
espírito descorporificado, seriam elas possuidoras de
línguas traiçoeiras e não se abstém a contar tudo as suas
amigas, tudo o que aprendem através das artes do mal,
seguindo essa ideia tida bruxaria teria origem na cobiça

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carnal, insaciável das mulheres, desta forma se daria a
associação entre sexualidade e feitiçaria.

Tais ideias eram difundidas e atiçava o imaginário sobre


sexualidade e feitiçaria, a partir desse entendimento a
sexualidade se tornava um risco algo fora e acima dos
limites, a luxúria desmedida se tornando um emblema
perigoso da desordem cósmica, da impureza feminina e da
perturbação social.

Uma ameaça a ser controlada e adestrada e vigiada


muito de perto, direcionando sua educação exclusivamente
para os afazeres domésticos. Repetia-se como algo ideal
nos tempos coloniais, que havia apenas três ocasiões em
que a mulher poderia sair do lar durante toda sua vida:
para batizar, para se casar e para ser enterrada.

Existe um exagero nesse dito popular , mas a realidade


registrada em documentos religiosos era que as mulheres
saíam apenas aos domingos durante a luz do dia para ir à
igreja. A educação das mulheres era totalmente voltada aos
cuidados domésticos e pensada para que tivessem poucos
recursos, tendo limitações na leitura e escrita, apenas o
suficiente que lhe capacitasse a desenvolver suas funções e
permanecer no interior de suas residências, um ambiente
de clausura.

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As condições impostas a formação de mulheres se
tratava de uma característica biológica que determinava
seu destino, o sexo biológico como único determinante do
destino dessas mulheres e tal definição já possuía seu
destino traçado, um roteiro pronto a ser seguido.

A nossa história: Mulheres Dóceis –


Parte 1 e 2
Quem se beneficia com a domesticação das mulheres?

A domesticação de mulheres é a base da organização social


que garante o privilégio de homens. Posto estes
questionamentos, vamos tratar do conceito de gênero.

Quando falamos especificamente de mulheres, fazemos


um recorte interpretativo sobre as quais nos referimos.
Tratamos na aula passada sobre as mulheres no Brasil, dentro
de uma construção social sobre o que é ser mulher e como
isso era ensinado na sociedade daquele período. O que
caracteriza a diferença entre homens e mulheres? De que
maneira as mulheres foram tidas, em determinado momento
da história se instaura um regime da dominação-exploração
das mulheres pelos homens (Safiotti).

O entendimento sobre as diferenças sexuais substantiva


e oposta-binária, desde Arisóteles até o século XVIII houve a

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predominância de um sexo único. Segundo essa teoria, entre
homens e mulheres haveria apenas uma diferença de grau,
sendo mulheres consideradas homens menores. (Zanello,
2018).

Havia uma explicação em que as mulheres não teriam


tido um desenvolvimento completo, por não ter
desenvolvido um órgão sexual aparente, eles não teriam
saído para o exterior. Como se houvesse um órgão semelhante
que estariam internos (um homem não desenvolvido). Havia
um interesse e estudos sobre a semelhança entre os órgãos
genitais masculinos e femininos, houve uma mudança
ideológica onde passam a observas as diferenças.

Para Laqueur (apud Zanello) não havia uma categoria


ontológica de sexos, mas sociológica. A diferença sexual
seria um produto criado no final do século XVIII, as
diferenças sociológicas e fisiológicas só teriam sido criadas
quando se tornaram politicamente importantes.

As diferenças entre os humanos divididos entre homens


e mulheres são estabelecidas, criadas pelas organizações
humanas, a partir da compreensão de gênero. Havia um
interesse e estudos sobre a semelhança entre os órgãos
genitais masculinos e femininos, houve uma mudança
ideológica onde passam a observas as diferenças. Essa
mudança e a construção acontece em um momento de

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importantes transformações sociais – consolidação do
capitalismo com a revolução social - momento de profundas
mudanças sociais , dentre elas o sonho da mobilidade social
para todos (menos mulheres e escravos e ex-escravos) e a
distinção entre público e privado, para justificar e deixar de
fora as mulheres e as deixasse dedicadas ao trabalho no
âmbito privado, foi através da afirmação das diferenças físicas
que as sociais foram naturalizadas.

Kehl (2007) apud Zanello, foi com a consolidação do


capitalismo, houve uma transformação social que constitui
um lugar específico para algumas mulheres: a família
nuclear e o lar burguês e para essas autoras esse lugar é
tributário (direto) “da criação de um padrão de feminilidade
que sobrevive ainda hoje, cuja principal função é promover o
casamento, não entre mulher e homem, mas entre mulheres e
o lar”.

Observação:

 O que é capitalismo?

“É um sistema econômico baseado na legitimidade dos bens


privados e na irrestrita liberdade de comércio e indústria, com
o principal objetivo de adquirir lucro”.

Sobre o capitalismo, ele inicia com o enfraquecimento do


sistema feudal (autossuficiência) - 1 fase século XV, pré-

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capitalismo ou capitalismo comercial, o mercantilismo
(expansão marítima BR) - 2 fase final sec XVIII e início do
XIX capitalismo industrial revolução industrial Inglaterra
(imperialismo) Revolução francesa – 3 fase capitalismo
financeiro século XX segunda revolução industrial, revolução
tecnológica (hoje) especulações de estarmos entrando em
uma nova fase (máquina de moer gente)

A feminilidade teria uma função de uma adequação entre


mulher e o homem a partir de uma posição feminina que
sustentasse a virilidade do homem burguês

 Observação: A classe na perspectiva Marxista a


Burguesia (donos dos meios de produção) e o
proletariado (trabalhadores explorados pela
burguesia).

Os ideias de submissão feminina contrapunha-se a ideia


do sujeito moderno do capital - ideais de domesticidade e a
noção de liberdade eram conflitantes - a ideia de que o sujeito
deve escrever o próprio destino de acordo com a própria
vontade.

Foram eleitas diferenças corporais em determinados


momentos históricos para justificar desigualdades sociais que
provocaram adoecimento em parte das mulheres. As
desigualdades foram fatores importantes que por conta do

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mal estar provocado mobilizou movimentos sociais como a
luta feminista, que teve início com mulheres brancas de classe
média e alta que sofriam com as desigualdades impostas. Por
outro lado, as desigualdades esse lugar restrito a
domesticidade foi apresentada como uma forma de
empoderamento colonizado às mulheres. Por ter corpo de
mulher deveriam ser exaltadas como mães, formadoras, o
futuro da nação.

Lutas e Conquistas
 Constituição de 1824 (Brasil Império):
Apoiado pelo Partido Português, constituído por ricos
comerciantes portugueses e altos funcionários
públicos, D. Pedro I dissolveu a Assembleia
Constituinte em 1823 e impôs seu próprio projeto,
que se tornou a primeira Constituição do Brasil.
Apesar de aprovada por algumas Câmaras Municipais
da confiança de D. Pedro I, essa Carta, datada de 25 de
março de 1824 e contendo 179 artigos, é considerada
pelos historiadores como uma imposição do
imperador.
 Entre as principais medidas dessa Constituição,
destaca-se o fortalecimento do poder pessoal do
imperador, com a criação do Poder Moderador, que
estava acima dos Poderes Executivo, Legislativo e

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Judiciário. As províncias passam a ser governadas por
presidentes nomeados pelo imperador e as eleições
são indiretas e censitárias.
 O direito ao voto era concedido somente aos homens
livres e proprietários, de acordo com seu nível de
renda, fixado na quantia líquida anual de cem mil réis
por bens de raiz, indústria, comércio ou empregos.
Para ser eleito, o cidadão também tinha que
comprovar renda mínima proporcional ao cargo
pretendido. Essa foi a Constituição com duração mais
longa na história do país, num total de 65 anos.
 Constituição de 1891 (Brasil República)
 Constituição de 1934 (Segunda República)
 Constituição de 1937 (Estado Novo)
 Constituição de 1946
 Constituição de 1967 (Regime Militar)
 Constituição de 1988 (Constituição Cidadã)

Outras datas importantes:

 1891 - Constituição Republicana – voto para homens


 1916 – Código civil de 1916 – Capítulo II - Dos Direitos e
Deveres do Marido - CAPÍTULO III Dos Direitos e Deveres
da Mulher
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071impress
ao.htm (revogada em 2002)

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O Brasil já concebeu oito constituições; a primeira, em
1824, excluía as mulheres de praticar todos os atos da vida
civil, tais como votar e ser votada. O Código Civil de 1916
expunha o indivíduo do sexo feminino como um ser inferior,
sendo “relativamente incapaz”, necessitado de orientação e
aprovação masculina. Um exemplo disso é o Art. 178 que
prevê, em dez dias, contados do casamento, a ação do marido
para anular o matrimonio contraído com a mulher já
deflorada. Outro é encontrado no Art. 233, que define o
marido é o chefe da sociedade conjugal.
Assim, como no Código Civil de 1916, o judaísmo declarava
através dos textos bíblicos proibições às mulheres, tais como:
“se a mulher trair o seu marido, ela será feita em objeto de
maldição pelo Senhor...”; “Se uma jovem é dada por esposa a um
homem e este descobre que ela não é virgem, então será levada
para a entrada da casa de seu pai e a apedrejarão até a morte”
(LIMA, 2010, p.4).

 1932 - Voto feminino


 1988 - Constituição - Igualdade
 2002 – Novo código civil
 2003 - Lei da notificação compulsória
 2006 – Lei Maria da Penha
 2015 – Lei do Feminicídio

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 2018 - Lei da Importunação Sexual
 Até 1962, as mulheres casadas só podiam trabalhar fora
se o marido permitisse.

Com a independência do Brasil no século XIX, a instauração


da república traria um novo modelo político, do qual
novamente as mulheres seriam deixadas à margem, sem
direito à participação, o que dificultava que tivessem acesso a
qualquer possibilidade de mudanças ou conquistas.

Logo nas primeiras décadas do século XX o Brasil inicia sua


fase industrial, com mulheres pobres e crianças como sua
principal e mais barata mão de obra, representando grande
parte do proletariado. Embora enfrentasse grande pressão
social e familiar, as dificuldades encontradas pelas mulheres
iam além das opiniões de terceiros. Enorme desigualdade
salarial; intimidação física e assédios sexuais frequentes;
desqualificação intelectual; e a ausência de direitos
trabalhistas eram alguns dos abusos sofridos pelas mulheres
que entravam e insistiam em permanecer no mercado de
trabalho.

Enquanto isso, na Europa e nos Estados Unidos emergiu um


movimento de mulheres em luta pelo direito de voto, o
movimento sufragista. Mesmo tendo surgido em 1910, essas
ideias só desembarcaram no Brasil nos anos 1920 e 1930,

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com destaque à Bertha Lutz, que articulou a política que
resultou nas leis que deram direito ao voto feminino em 1932.

Em 1988, a constituição brasileira vem como um marco na


luta das mulheres ao declarar o direito de igualdade entre
todos, independente de raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação, estabelecendo a igualdade de
direitos e obrigações entre homens e mulheres. O Estado
passa a se responsabilizar pela construção de mecanismos
para coibir e erradicar a violência doméstica no Brasil.

Em 2003 entra em vigor a lei nº 10.778, conhecida como


Lei da Notificação Compulsória da Violência contra a Mulher,
que reconheceu a violência contra a mulher como um
problema de saúde pública e sinônimo de qualquer ação ou
conduta, baseada no gênero, que possa causar morte, dano ou
sofrimento físico, psicológico ou sexual a mulher no âmbito
público ou privado. Somente em 2006 a lei nº 11.340 - Lei
Maria da Penha foi criada, visando coibir e prevenir a
violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da
Constituição Federal e de tratados internacionais ratificados
pelo Brasil. Representa um grande avanço na punição de
crimes de gênero, antes enquadrados como crimes de baixo
potencial ofensivo.

O nome dado à Lei faz referência a história de Maria da


Penha, que lutou por 20 anos por justiça para ver seu agressor

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preso. Após sofrer agressões durante anos, incluindo uma
tentativa de assassinato, que a deixou paraplégica, e após as
várias denúncias, o agressor tentaria novamente assassiná-la,
falhando novamente.

Em 2015, devido ao aumento de homicídios de mulheres no


país, que em parte eram desfechos das denuncias de violência,
foi aprovada a Lei nº 13.104, que inclui o feminicídio no rol de
crimes hediondos.

Violência contra as Mulheres no Brasil


O atlas usa os dados de 2019 e faz comparações com anos
anteriores, as divisões das informações são por categorias,
entre elas as de VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER que
contabiliza o homicídio de mulheres e dos dados divulgados
destacamos:

“Em 2019, 3.737 mulheres foram assassinadas no Brasil. O


número ficou bastante abaixo dos 4.519 homicídios femininos
registrados em 2018, com uma redução de 17,3% nos números
absolutos. A diminuição no número de homicídios de mulheres
registrados em 2019 segue a mesma tendência do indicador
geral de homicídios (que inclui homens e mulheres), cuja reduçã
o foi de 21,5% em comparação com o ano anterior.” Atlas 2021

Temos o registro de uma diminuição dos homicídios, mas


seguindo a leitura :

“A notícia aparentemente positiva de redução da violência letal


que atinge as mulheres precisa, no entanto, como já tratado

19
acima, ser matizada pelo crescimento expressivo dos registros
de Mortes Violentas por Causa Indeterminada (MVCI), que
tiveram incremento de 35,2% de 2018 para 2019, um total de
16.648 casos no último ano. Especificamente para o caso de
homicídios femininos, enquanto o SIM/Datasus indica que 3.737
mulheres foram assassinadas no país em 2019, outras 3.756
foram mortas de forma violenta no mesmo ano, mas sem
indicação da causa – se homicídio, acidente ou suicídio –, um
aumento de 21,6% em relação a 2018” Atlas 2021.

Um dado que chama nossa atenção sobre os registros de


uma diminuição nos homicídios no pais entre 2018-2019, o
que seria algo importante e benéfico para o país, mas ao
analisar de forma mais detalhada as informações contidas
encontramos o aumento de um dado que não entra na
contabilização dos homicídios não somente das mulheres, o
crescimento expressivo dos registros de Mortes Violentas por
Causa Indeterminada (MVCI).
A categoria “Mortes Violentas por Causa Indeterminada” é
utilizada para os casos de mortes violentas por causas
externas em que não foi possível estabelecer a causa básica do
óbito. Um crescimento brusco das mortes por causa
indeterminada decorrentes de lesão provocada por violência
é bastante preocupante e indica perda de acurácia das
informações do sistema de saúde. Este fato, além de revelar a
piora na qualidade dos dados sobre mortes violentas no país,
permite também levar a análises distorcidas, na medida que
pode indicar subnotificação de homicídios.

20
Em suma, o crescimento das mortes violentas por causa
indeterminada dificulta uma melhor compreensão da
evolução da violência letal no Brasil. Pela dimensão desse
crescimento, não está invalidada, por exemplo, a conclusão de
que houve uma queda da taxa de homicídios no Brasil em
2019, mas reduz-se a precisão da magnitude dessa
diminuição. Além disso, os homicídios não computados
também podem afetar os resultados de outras variáveis,
reduzindo o nível de confiança das análises sobre juventude,
homens e mulheres, negros e não negros, pessoas indígenas e
homicídios por armas de fogo.
Os dados utilizados e a forma de apresentação revelam a
fragilidade e a baixa qualidade das informações, no atlas da
violência de 2021, onde temos uma REDUÇÃO DA VIOLÊNCIA
CONTRA A MULHER.

A notícia aparentemente positiva de redução da violência


letal que atinge as mulheres precisa, no entanto, como já
tratado acima, ser matizada pelo crescimento expressivo dos
registros de Mortes Violentas por Causa Indeterminada
(MVCI), que tiveram incremento de 35,2% de 2018 para 2019,
um total de 16.648 casos no último ano. Especificamente para
o caso de homicídios femininos, enquanto o SIM/Datasus
indica que 3.737 mulheres foram assassinadas no país em
2019, outras 3.756 foram mortas de forma violenta no mesmo

21
ano, massem indicação da causa – se homicídio, acidente ou
suicídio –, um aumento de 21,6% em relação a 2018, Atlas
2021
Feita a ressalva metodológica, partimos para a análise dos
dados registrados oficialmente como homicídios. Os 3.737
casos registrados em 2019 equivalem a uma taxa de 3,5
vítimas para cada 100 mil habitantes do sexo feminino no
Brasil. A taxa representa uma redução de 17,9% em relação a
2018, quando foram registradas 4,3 vítimas para cada 100 mil
mulheres.
 Agora partiremos aos dados de duas pesquisas
diferentes sobre a violência contra as mulheres, elas
mostram o cenário de2020/2021 e levam em conta o
período pandêmico:

Adianto que as duas análises chegam a um ponto


importante que é a diminuição das denúncias de violência nas
delegacias, o que resultou em uma aparente diminuição dos
registros de casos de violência contra mulheres. Ambos
afirmam que tal diminuição se dá pela dificuldade de acesso
das vítimas para denunciar a violência e a instabilidade da
rede de atendimento no período de pandemia onde havia a
redução do expediente e de pessoal devido as restrições
sanitárias.

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Apesar da redução verificada nos registros policiais, o
número de Medidas Protetivas de Urgência concedidas
cresceu, passando de 281.941 em 2019 para 294.440 em
2020, crescimento de 4,4% no total de MPU concedidas pelos
Tribunais de Justiça (Anuário 2021).
Em números absolutos, no ano de 2020 tivemos 1.350
mulheres assassinadas por sua condição de gênero, ou seja,
morreram por serem mulheres. No total, foram 3.913
mulheres assassinadas no país no ano passado, inclusos os
números do feminicídio. Esta relação indica que 34,5% do
total de assassinatos de mulheres foi considerado como
feminicídio pelas Polícias Civis estaduais (Anuário 2021).
A violência contra as mulheres por acontecerem na
maioria das vezes em casa e com pessoas próximas, na sua
maioria parceiros ou ex-parceiros, os desfechos desses casos
terminam com feminicídio, a morte da mulher. De acordo com
o Anuário da violência cerca de 81,5 das mortes registradas
como feminicídio, o autor era parceiros ou ex-parceiros ou
familiar.
O perfil das vítimas
O perfil racial também apresenta pequena diferença,
embora em ambos os casos se verifique a sobre representação
de mulheres negras entre as vítimas. Entre as vítimas de
feminicídio no último ano 61,8% eram negras, 36,5% brancas,
0,9% amarelas e 0,9% indígenas. Entre as vitimas dos demais

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homicídios femininos 71% eram negras, 28% eram brancas,
0,2% indígenas e 0,8% amarelas (Anuário 2021).
 Vítimas de Feminicídio e demais mortes violentas
intencionais de mulheres, por raça/cor - Brasil, 2016-
2020.
 Vítimas de Feminicídio e demais mortes violentas
intencionais de mulheres, por faixa etária - Brasil
(2020).
 O anuário (2021) fez o levantamento de onde essas
mulheres foram mortas e ajuda a compreender o
contexto dessas mortes violentas, nos casos de
feminicídio mais da metade das vítimas morreram
dentro de casa, ao passo que dentre os demais
homicídios femininos 1/3 ocorreram em via pública.
 Feminicídios e demais mortes violentas intencionais
de mulheres, por tipo de local do crime - Brasil
(2020).
 O lugar mais perigoso para as mulheres é dentro de
casa.

Maria da Penha
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a
violência como o uso de força física ou poder, em ameaça ou
na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo
ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento,

24
morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou
privação.
A violência pode ser definida como qualquer
comportamento que causa intencionalmente dano ou
intimidação moral a outro. Esse comportamento pode invadir
desde a autonomia, integridade física, psicológica e até
mesmo a vida do outro (SILVA, 2017).

A caracterização da violência pode variar em relação a


diferentes contextos sociais, gerando situações onde o que é
considerado violência para uma sociedade nem sempre o será
para outra, levando-nos a compreender que o fenômeno da
violência varia de acordo com a cultura de um determinado
tempo ou lugar (SILVA, 2017).

Independente destes contextos, a História nos confirma


que a violência se encontra enraizada na história da
humanidade, sendo percebida como um fenômeno cotidiano
inserido desde um âmbito público até o espaço doméstico,
que em tese deveria ser um refúgio frente a toda forma de
agressão. A violência em suas diferentes manifestações tem
suas raízes na discriminação e as mulheres de uma forma
geral são os sujeitos sociais que mais a tem sentido (SILVA,
2017).

E quem defende as mulheres?

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 História da Maria da Penha
 Lei Maria da Penha

A violência não se limita a agressões físicas, ela se


apresenta de diversas formas:

Violência física: Entendida como qualquer conduta que


ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher, como:
 ESPANCAMENTO
 ATIRAR OBJETOS, SACUDIR E APERTAR OS BRAÇOS
 ESTRANGULAMENTO OU SUFOCAMENTO
 LESÕES COM OBJETOS CORTANTES OU PERFURANTES
 FERIMENTOS CAUSADOS POR QUEIMADURAS OU
ARMAS DE FOGO
 TORTURA
Violência psicológica: É considerada qualquer conduta que
cause dano emocional e diminuição da autoestima; prejudique
e perturbe o pleno desenvolvimento da mulher; ou vise
degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e
decisões. Podendo ser identificada por:
 AMEAÇAS
 CONSTRANGIMENTO
 HUMILHAÇÃO
 MANIPULAÇÃO
 ISOLAMENTO (PROIBIR DE ESTUDAR E VIAJAR OU DE
FALAR COM AMIGOS E PARENTES)

26
 VIGILÂNCIA CONSTANTE
 PERSEGUIÇÃO CONTUMAZ (STALKING)
 INSULTOS
 CHANTAGEM
 EXPLORAÇÃO
 LIMITAÇÃO DO DIREITO DE IR E VIR
 RIDICULARIZAÇÃO
 TIRAR A LIBERDADE DE CRENÇA
 DISTORCER E OMITIR FATOS PARA DEIXAR A MULHER
EM DÚVIDA SOBRE A SUA MEMÓRIA E SANIDADE
(GASLIGHTING)
Violência sexual: Trata-se de qualquer conduta que
constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação
sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou
uso da força, sendo:
 ESTUPRO
 OBRIGAR A MULHER A FAZER ATOS SEXUAIS QUE
CAUSAM DESCONFORTO OU REPULSA
 IMPEDIR O USO DE MÉTODOS CONTRACEPTIVOS OU
FORÇAR A MULHERA ABORTAR
 FORÇAR MATRIMÔNIO, GRAVIDEZ OU PROSTITUIÇÃO
POR MEIO DE COAÇÃO, CHANTAGEM, SUBORNO OU
MANIPULAÇÃO
 LIMITAR OU ANULAR O EXERCÍCIO DOS DIREITOS
SEXUAIS E REPRODUTIVOS DA MULHER

27
Violência patrimonial: Entendida como qualquer conduta
que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total
de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos
pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos,
incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. Sendo
identificadas como:
 CONTROLAR O DINHEIRO
 DEIXAR DE PAGAR PENSÃO ALIMENTÍCIA
 DESTRUIÇÃO DE DOCUMENTOS PESSOAIS
 FURTO, EXTORSÃO OU DANO
 ESTELIONATO
 PRIVAR DE BENS, VALORES OU RECURSOS
ECONÔMICOS
 CAUSAR DANOS PROPOSITAIS A OBJETOS DA MULHER
OU DOS QUAIS ELA GOSTE
Violência moral: É considerada qualquer conduta que
configure calúnia, difamação ou injúria, como:
 ACUSAR A MULHER DE TRAIÇÃO
 EMITIR JUÍZOS MORAIS SOBRE A CONDUTA
 FAZER CRÍTICAS MENTIROSAS
 EXPOR A VIDA ÍNTIMA
 REBAIXAR A MULHER POR MEIO DE XINGAMENTOS
QUE INCIDEM SOBRE A SUA ÍNDOLE
 DESVALORIZAR A VÍTIMA PELO SEU MODO DE SE
VESTIR

28
Construindo Mulheres, Processo de
Subjetivação e Dispositivos
“Não se nasce mulher, torna-se”
Simone de Beauvoir

Com essa famosa frase daremos início ao nosso percurso


sobre a construção das mulheres:

 Subjetivação: A subjetividade, objeto do qual a


psicologia se ocupa é a constituição da relação que o
sujeito estabelece de si consigo mesmo que o torna
singular, consciência de si. A subjetivação se dá por
meio da cultura
 “O sujeito se observa e se reconhece como um lugar de
saber e de produção de verdade”. O que perpassa essas
colocações é a ideia de processo de subjetivação,
aquilo que está sendo permanentemente constituído
culturalmente, via interpelações discursivas e lutas
pela imposição de significações.

As pessoas nascidas com a genitália correspondente


determinado sexo, são ensinadas a desenvolver determinadas
características desenvolvidas culturalmente de acordo com
sua estrutura física biológica.

 Lógica Binária: Meninos e Meninas –> Heterossexuais

29
 Meninos: Fortes, gostam de azul, brincam de
carrinho, podem ser super-heróis;
 Meninas: Gentis, delicadas, gostam de rosa, brincam
de boneca, princesas.
 Como criamos meninas: Dispositivo e a forma de
construir sujeitos.
 Dispositivo para Foucault – Recorte de AGAMBEN:

“Aquilo que procuro individualizar com este nome é,


antes de tudo, um conjunto absolutamente heterogêneo
que implica discursos, instituições, estruturas
arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas
administrativas, enunciados científicos, proposições
filosóficas, morais e filantrópicas, em resumo: tanto o
dito como o não dito, eis os elementos do dispositivo. O
dispositivo é a rede que se estabelece entre estes
elementos. (…) O dispositivo tem uma função
eminentemente estratégica. (…) Trata de uma certa
manipulação de relações de força, de uma intervenção
racional e combinada das relações de força, seja para
orientá-las em certa direção, seja para bloqueá-las ou
para fixa-las e utilizá-las. O dispositivo está sempre
inscrito num jogo de poder e, ao mesmo tempo, sempre
ligado aos limites do saber, que derivam desse e, na
mesma medida, condicionam-no. Assim, o dispositivo é:
um conjunto de estratégias de relações de força que
condicionam certos tipos de saber e por ele são
condicionados”.

 É um conjunto heterogêneo, linguístico e não-linguístico,


que inclui virtualmente qualquer coisa no mesmo título:
discursos, instituições, edifícios, leis, medidas de polícia,

30
proposições filosóficas, etc. O dispositivo em sim mesmo
é a rede que se estabelece entre estes elementos.
 O dispositivo tem sempre uma função estratégica
concreta e se inscreve sempre numa relação de poder.
 Como tal, resulta do cruzamento de relações de poder e
de relações de saber.

Trata-se para Foucault de investigar os modos concretos


em que os dispositivos agem nas relações, nos mecanismos e
nos ‘jogos’ de poder.

 Dispositivos para AGAMBEN:

Os dispositivos devem sempre implicar um processo de


subjetivação, isto é, devem produzir o seu sujeito.

AGAMBEN percorre sobre a genealogia dos dispositivos,


abandona os textos de Foucault e segue por conta própria.

“Generalizando posteriormente a já amplíssima classe


dos dispositivos foucaultianos, chamarei literalmente
de dispositivo qualquer coisa que tenha de algum modo
a capacidade de capturar, orientar, determinar,
interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as
condutas, as opiniões e os discursos dos seres
viventes”.

Dispositivo Amoroso – Parte 1 e 2


O amor está para as mulheres o que o sexo está para os
homens: necessidade, razão de viver, razão de ser,

31
fundamento identitário. O dispositivo amoroso investe e
constrói corpos-em-mulher, prontos a se sacrificar, a viver no
esquecimento de si pelo amor de outrem.

As profissões ditas femininas partilham estas


características: enfermeira, professora primária, doméstica,
babá, etc. O dispositivo amoroso, por outro lado, as conduz
diretamente para uma heterossexualidade incontornável,
coercitiva, sem equívocos, já que a procriação é sua
recompensa.

O dispositivo amoroso, assim, cria mulheres além disto e


dobra seus corpos às injunções da beleza e da sedução, guia
seus pensamentos, seus comportamentos na busca de um
amor ideal, feito de trocas e emoções, de partilha e
cumplicidade

O dispositivo amoroso se afirma nas práticas que se


desdobram de forma exponencial para a construção do
feminino: a educação formal, a pedagogia sexual, a disciplina
dos corpos –magros e belos – a domesticação dos sentidos e
dos desejos para seguir a imagem ideal DA mulher. Isto é o
assujeitamento, em sua plenitude.

O dispositivo amoroso e a sexualidade formam a trama


onde se tece e se produz o feminino – a objetivação
indissociável do processo de subjetivação, a produção do

32
sujeito de um saber e a produção do saber sobre um sujeito
por meio de práticas discursivas e não discursivas diversas.
Atualmente, os moldes que detém os contornos
mulher/homem tornam quase impossível uma relação
igualitária nos embates sexuais, atravessados de poder. Há,
nas dobras dos lençóis, um maniqueísmo binário insidioso
mesmo se os papéis pode ser, eventualmente,
intercambiáveis.
Onde há sexualidade abriga-se também a posse, a
traição, a honra, a autoestima, a emoção, valores que se
confundem em torno de corpos definidos pelo poder de
nomeação, pela performatividade dos comportamentos
codificados pelo social, pelas condições de imaginação que
esculpem modelos e referentes ideais.

 Prateleira do Amor - Ser escolhida (Zanello).

Dispositivo Materno – Parte 1, 2 e 3


 Configurações Históricas: Fortalecimento do capitalismo
trouxe mudanças políticas e sociais.
 Mobilidade social para homens brancos ( não para
mulheres brancas enem para a população negra em
geral).
 Consolidação do casamento (família abençoada pela
igreja).

33
 Enrijecimento dos espaços públicos e privados - público,
espaço de trabalho e masculino e espaço privado como
naturalmente feminino pela capacidade procriação (ter
útero).
 Divisão sexual do trabalho contrato do casamento

A maternidade é, portanto uma construção social que


sofreu transformações, assim como o amor no decorrer da
história, è a partir do século XVIII a maternidade passou por
grandes transformações e houve a naturalização do
sentimento materno, não que as mães não tenham amado
seus filhos em séculos anteriores, mas sim essa atitude nunca
foi universal.

No século XVII e parte do século XVII, era comum na França


as mulheres entregarem seus filhos para amas de leite e
cuidadoras, que só voltava a ver os filhos quatro anos depois ,
caso eles não morressem. E isso sem nenhum drama de
consciência, (as mães tinham outras prioridades e interesses
que o bebê).
 Surgimento de casas de acolhimento para bebês
abandonados

Em 1760, surgem publicações que naturalizam o instinto


materno e o amor espontâneo entre mãe e filho,
glorificando esse sentimento e nesse mesmo período
começa a haver um entendimento diferente sobre as

34
crianças como alguém diferente do adulto, não um mini
adulto, então com necessidades diferentes.

 Mudança econômica do agrário-rural-familiar para o


urbano - criação do mercado de trabalho.
 Criança, com sua individualidade, que se tornaria um
cidadão , então temos o interesse político, o aumento da
população produtiva.
 Se fazia o uso de faixas para imobilizar as crianças, elas
eram penduradas para que não fosse alcançadas por
animais e insetos, ela ficava imobilizada enquanto a
cuidadora-ama fazia as tarefas, essas faixas caem em
desuso com ou amento da noção dos cuidados com a
criança e seu desenvolvimento.
 Alta taxa de mortalidade - Garantir o desenvolvimento e
a sobrevivência dessas crianças - garantia de mão de
obra barata e abundante.
 Foi feito um trabalho de convencimento de que as mães
biológicas elas mesmas deveriam pelo menos
amamentar os seus bebês. O cuidado e a educação foram
sendo demandados das mães, no século XX por meio da
“maternidade científica” se tornaram responsáveis pela
formação de caráter e personalidade ´dos filhos, os pais
foram cada vez mais sendo responsabilizados pela
felicidade e infelicidade dos filhos, era considerado dessa

35
forma pelos reformadores católicos e protestantes no
século XVII e chegou ao seu apogeu com a psicanálise no
século XX, o conceito de responsabilidade foi
transformado em culpa materna.
 As tarefas aumentam e ao mesmo tempo ocorre um
apogeu da imagem de mãe, é por meio de valores que se
firmaram nesta transição, devotamento e sacrifício da
maternidade a fizeram brilhar. É por meio de valores
que se firmaram nesta transição que se pode
compreender a configuração do dispositivo materno.
 Empoderamento colonizado através maternidade,
através da compreensão de que o trabalho familiar é
necessário à sociedade , tomando uma importância que
elas jamais tiveram, direito ao respeito dos homens e o
reconhecimento de sua utilidade e de sua especificidade,
uma tarefa nobre que deveria ser fonte da felicidade
humana.
 Associação ideológica entre o amor e o materno um
sentimento e um ideal feminino.
 Um característica dos dispositivos (foucaultianos), a
possibilidade de reprimir e constituir, o poder de
repressão se tornou capaz de construir, tornando as
linhas de domínio quase imperceptíveis, criando o
desejo de ser, elevando as mulheres mortais à figura de
mãe, como maria, a ideia de DAR A LUZ a um bebê.

36
 Temos a passagem da mulher diabólica e perigosa (EVA)
para uma mulher especialmente materna, boa e
disponível para cuidar (Maria), a redenção da mulher , o
controle foi substituído.
 Não amar um filho tornou-se um crime e não tê-los uma
aberração, a mulher foi sacramentada, agora como uma
santa seria necessário performar certos
comportamentos - vestir, olhar, olhos baixos e contraída,
com pudor nos gestos para uma mulher de família não
ser confundida com uma luxuriosa. Pudor e vergonha
foram instituídos qualidades femininas.
 A chegada desses ideais no Brasil o poder civilizador da
maternidade, domesticação e povoamento, igreja e
medicina tiveram um papel importante.
 Realização social pela maternidade, pois essa seria a
única forma de se tornar um ser social, havendo a falsa
sensação de igualdade com os homens.
 Corpos de mulheres - branca para a maternidade e
negras e não-brancas para o desejo do homem branco e
seu ventre permite o aumento de seu número de
escravos, (os bastardos) patriarcal sexista e racista.
 As pobres viviam no concubinatos e tinham filhos fora
do casamento, havia (e há) muito preconceito com mães
solteiras.

37
 Maternidade no Brasil - roda dos enjeitados - abandono
e infanticídio.
 O processo para tornar a mulher responsável pela
família, casamento e procriação foi longo.

Naturalização da capacidade de cuidar (em geral) atribuída


às mulheres - antes o cuidado era atribuído a subalternos.

 Relacionando a maternagem à procriação

 Uma diferença física foi transformada em desigualdade


social - naturalizar cuidados (filhos e casa) e enfermos,
deficientes, pessoas idosas.
 Invisibilização e desvalorização (mesmo quando é um
exercício da profissão, com baixos salários e condições
precárias e o desgaste físico e mental).
 O trabalho recebeu uma capa afetiva como algo
espontâneo e natural o ato de cuidar sendo uma
característica natural e feminina - sendo fruto de um
processo gendrado de subjetivação.
 A menina é ensinada a cuidar desde o seu nascimento!
 Há uma pressão para que a menina cuide, sob o risco de
perder o amor e afeição e mais tarde a aprovação social.
A mulher precisa assegurar o amor do outro, o homem já
nasce com a certeza de que será amado.

38
 Submissão: Elas são ensinadas a servir homens e serão
algum dia escolhidas.
 Investimentos de energia e dedicação - a castração
psíquica de mulheres.
 Cuidar, amar e procriar - a procriação não torna as
mulheres mais aptas para cuidar, nem naturalmente
(muitas conseguem ter prazer na maternagem, mas
outras sofrem, silenciosamente, frustradas e infelizes).
 Dessentimentalizar o cuidado: pode ser entendido como
uma pronta resposta, concreta às necessidades do outro.
 A mulher sem filhos ainda será interpelada a essa função
em maior e menor grau.
 A dificuldade de dizer não e a culpa - a culpa materna
está em todo lugar, como a poluição do ar - ideal de
maternidade introjetado.
 O silenciamento de sentimentos negativos vindos com a
maternidade (estratégia de sobrevivência) o dispositivo
é eficaz.
 As mulheres são convidadas a contribuir
emocionalmente e cognitivamente na esfera paga e não
paga (por sua natural emocionalidade).
 Adoecimento de mulheres pela sobrecarga.

39
 Invisibilidade do trabalho doméstico - classe social e
etnia - domésticas e babás (Exemplo: filme - Que horas
ela volta).
 Ganho narcísico como mães são insubstituíveis -
funcionamento do dispositivo.
 Feminilização da pobreza e realização pela maternidade
por ausência de outras possibilidades - gravidez na
adolescência - caminhos identitários apresentados.
 Profissões femininas desvalorizadas - professoras e
magistério como entrada no mercado de trabalho -
relação com o dinheiro - doação, altruísmo e bondade e
dinheiro pressupõe obter benefícios.
 Dinheiro = poder = masculino
 Patologização das experiências - psiquiatria e psicologia.
 Desigualdade, injustiça e desempoderamento.

Relações Abusivas – Parte 1 e 2


 Quem é vítima de violência doméstica passa muito
tempo tentando evitá-la para assegurar sua própria
proteção e a de seus filhos. As mulheres ficam ao lado
dos agressores por medo, vergonha ou falta de recursos
financeiros, sempre esperando que a violência acabe, e
nunca para manter a violência.

40
 A violência doméstica é um fenômeno que não distingue
classe social, raça, etnia, religião, orientação sexual,
idade e grau de escolaridade. Todos os dias, somos
impactados por notícias de mulheres que foram
assassinadas por seus companheiros ou ex-parceiros. Na
maioria desses casos, elas já vinham sofrendo diversos
tipos de violência há algum tempo, mas a situação só
chega ao conhecimento de outras pessoas quando as
agressões crescem a ponto de culminar no feminicídio.

 Não existe um perfil específico de quem sofre violência


doméstica. Qualquer mulher, em algum período de sua
vida, pode ser vítima desse tipo de violência.

 Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS),


em 2013 o Brasil já ocupava o 5º lugar, num ranking de
83 países onde mais se matam mulheres. São 4,8
homicídios por 100 mil mulheres, em que quase 30%
dos crimes ocorrem nos domicílios. Além disso, uma
pesquisa do DataSenado (2013) revelou que 1 em cada 5
brasileiras assumiu que já foi vítima de violência
doméstica e familiar provocada por um homem. Os
resultados da Fundação Perseu Abramo, com base em
estudo realizado em 2010, também reforçam esses

41
dados – para se ter uma ideia, a cada 2 minutos 5
mulheres são violentamente agredidas. Outra
confirmação da frequência da violência de gênero é o
ciclo que se estabelece e é constantemente repetido:
aumento da tensão, ato de violência e lua de mel. Nessas
três fases, a mulher sofre vários tipos de violência (física,
moral, psicológica, sexual e patrimonial), que podem ser
praticadas de maneira isolada ou não.

 Tanto a proteção das vítimas quanto a punição dos


agressores são importantes no combate à violência. Mas
isso não é suficiente, principalmente porque a violência
doméstica e familiar contra as mulheres é um problema
estrutural, ou seja, ocorre com frequência em todos os
estratos sociais, obedecendo a uma lógica de agressões
que já são mapeadas pelo ciclo da violência. Daí surge a
necessidade também de ações sequenciadas para o
enfrentamento da violência de gênero, tais como inserir
essa discussão nos currículos escolares de maneira
multidisciplinar; criar políticas públicas com medidas
integradas de prevenção; promover pesquisas para
gerar estatísticas e possibilitar uma sistematização de
dados em âmbito nacional; realizar campanhas
educativas para a sociedade em geral (empresas,
instituições públicas, órgãos governamentais, ONGs etc.);

42
e difundir a Lei Maria da Penha e outros instrumentos de
proteção dos direitos humanos das mulheres.
 A violência doméstica pode, sim, ser denunciada em
qualquer delegacia, sem perder de vista, entretanto, que
a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher
(DEAM) é o órgão mais capacitado para realizar ações de
prevenção, proteção e investigação dos crimes de
violência de gênero. O acesso à justiça é garantido às
mulheres no art. 3º da Lei Maria da Penha.
 Grande parte dos feminicídios ocorrem na fase em que
as mulheres estão tentando se separar dos agressores.
Algumas vítimas, após passarem por inúmeros tipos de
violência, desenvolvem uma sensação de isolamento e
ficam paralisadas, sentindo-se impotentes para reagir,
quebrar o ciclo da violência e sair dessa situação.
 Muitas mulheres acreditam que suportar as agressões e
continuar no relacionamento é uma forma de proteger
os filhos. No entanto, eles vivenciam e sofrem a violência
com a mãe. Isso pode ter consequências na saúde e no
desenvolvimento das crianças, pois elas correm o risco
não só de se tornarem vítimas da violência, mas também
de reproduzirem os atos violentos dos agressores.
 A violência sofrida pela mulher é um problema social e
público na medida em que impacta a economia do País e
absorve recursos e esforços substanciais tanto do Estado

43
quanto do setor privado: aposentadorias precoces,
pensões por morte, auxílios-doença, afastamentos do
trabalho, consultas médicas, internações etc.
 De acordo com o § 2º do art. 3º da Lei Maria da Penha, é
de responsabilidade da família, da sociedade e do poder
público assegurar às mulheres o exercício dos “direitos à
vida, à segurança, à educação, à cultura, à moradia, ao
acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à
cidadania, à dignidade, ao respeito e à convivência
familiar e comunitária”.
 Além disso, desde 2012, por decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF), a Lei Maria da Penha é passível
de ser aplicada mesmo sem queixa da vítima, o que
significa que qualquer pessoa pode fazer a denúncia
contra o agressor, inclusive de forma anônima. Achar
que o companheiro da vítima “sabe o que está fazendo” é
ser condescendente e legitimar a violência num contexto
cultural machista e patriarcal. Quando a violência existe
em uma relação, ninguém pode se calar.
 Se isso fosse verdade, eles também agrediriam chefes,
colegas de trabalho e outros familiares, e não somente a
esposa, as filhas e os filhos. A violência doméstica não é
apenas uma questão de “administrar” a raiva. Os
agressores sabem como se controlar, tanto que não
batem no patrão, e sim na mulher ou nos filhos. Além

44
disso, eles agem dessa maneira porque acreditam que
não haverá consequências pelos seus atos.
 Muitos homens agridem as suas mulheres sem que
apresentem qualquer um desses fatores.
 É comum ver argumentos de que a Lei Maria da Penha
fere a Constituição Federal em seu art. 5º, inciso I,
segundo o qual “homens e mulheres são iguais em
direitos e obrigações nos termos desta constituição”.
Assim, o problema estaria no fato de que a lei teria
tratado a violência doméstica e familiar pelo viés de
gênero, o que, para muitos, seria uma “discriminação” do
sexo masculino, pois marcaria uma diferenciação entre
homens e mulheres e infringiria o princípio da isonomia.
No entanto, esse princípio não significa uma igualdade
literal, mas prescreve que sejam tratadas igualmente as
situações iguais e desigualmente as desiguais. Ora, as
mulheres enfrentam desvantagens históricas dentro do
contexto machista e patriarcal em que vivemos, as quais
vão desde o trabalho, passando pela participação política
e o acesso à educação, até as relações familiares, entre
outras.
 Dessa forma, a Lei Maria da Penha, longe de privilegiar
as mulheres em detrimento dos homens, tem uma
atuação imprescindível para equilibrar as relações e
proteger as mulheres em situação de risco e violência,

45
visando uma igualdade real, e não apenas teórica. Por
fim, vale ressaltar que o Supremo Tribunal Federal (STF)
também já se posicionou quanto a essa questão,
decidindo pela constitucionalidade da lei.
 A Lei Maria da Penha será aplicada para proteger todas
as pessoas que se identificam com o gênero feminino e
que sofram violência em razão desse fato − conforme o
parágrafo único do art. 5º da lei, a violência doméstica e
familiar contra a mulher pode se configurar
independentemente de orientação sexual. Inclusive,
alguns tribunais de justiça já aplicam a legislação para
mulheres transexuais. Quanto ao homem, ele será
colocado diante da Lei n. 11.340/2006 sempre que for
considerado um agressor. Se ele for vítima, serão
aplicados os dispositivos previstos no Código Penal, e
não aqueles presentes na Lei Maria da Penha.
 A Lei Maria da Penha cria mecanismos para enfrentar e
combater a violência doméstica e familiar contra a
mulher, ou seja, trata-se de uma lei elaborada para
proteger as mulheres, trazendo inclusive definições
claras e precisas sobre a violência de gênero. Todo
homem que se tornar um agressor infringe a lei e viola
os direitos humanos das mulheres. Portanto, é preciso
fazer o registro de ocorrência para que a autoridade
policial realize os procedimentos necessários tanto para

46
a proteção da vítima quanto para a investigação dos
fatos. Diante disso, em vez de falar em “vingança”, deve-
se falar em “justiça”.
 Fases de Violência:
 FASE 1
AUMENTO DA TENSÃO

 Nesse primeiro momento, o agressor mostra-se tenso


e irritado por coisas insignificantes, chegando a ter
acessos de raiva. Ele também humilha a vítima, faz
ameaças e destrói objetos.
 A mulher tenta acalmar o agressor fica aflita e evita
qualquer conduta que possa “provocá-lo”. As
sensações são muitas: tristeza, angústia, ansiedade,
medo e desilusão são apenas algumas.
 Em geral, a vítima tende a negar que isso está
acontecendo com ela, esconde os fatos das demais
pessoas e, muitas vezes, acha que fez algo de errado
para justificar o comportamento violento do agressor
ou que “ele teve um dia ruim no trabalho”, por
exemplo. Essa tensão pode durar dias ou anos, mas
como ela aumenta cada vez mais, é muito provável
que a situação levará à Fase 2.
 FASE 2

ATO DE VIOLÊNCIA

47
 Esta fase corresponde à explosão do agressor, ou seja, a
falta de controle chega ao limite e leva ao ato violento.
Aqui, toda a tensão acumulada na Fase 1 se materializa
em violência verbal, física, psicológica, moral ou
patrimonial.
 Mesmo tendo consciência de que o agressor está fora de
controle e tem um poder destrutivo grande em relação à
sua vida, o sentimento da mulher é de paralisia e
impossibilidade de reação. Aqui, ela sofre de uma tensão
psicológica severa (insônia, perda de peso, fadiga
constante, ansiedade) e sente medo, ódio, solidão, pena
de si mesma, vergonha, confusão e dor.
 Nesse momento, ela também pode tomar decisões − as
mais comuns são: buscar ajuda, denunciar, esconder-se
na casa de amigos e parentes, pedir a separação e até
mesmo suicidar-se. Geralmente, há um distanciamento
do agressor.
 FASE 3
ARREPENDIMENTO E COMPORTAMENTO CARINHOSO

 Também conhecida como “lua de mel”, esta fase se


caracteriza pelo arrependimento do agressor, que se
torna amável para conseguir a reconciliação. A mulher se
sente confusa e pressionada a manter o seu
relacionamento diante da sociedade, sobretudo quando

48
o casal tem filhos. Em outras palavras: ela abre mão de
seus direitos e recursos, enquanto ele diz que “vai
mudar”.
 Há um período relativamente calmo, em que a mulher se
sente feliz por constatar os esforços e as mudanças de
atitude, lembrando também os momentos bons que
tiveram juntos. Como há a demonstração de remorso, ela
se sente responsável por ele, o que estreita a relação de
dependência entre vítima e agressor.
 Um misto de medo, confusão, culpa e ilusão fazem parte
dos sentimentos da mulher. Por fim, a tensão volta e,
com ela, as agressões da Fase 1.

Sobre o Corpo

 Processos e mecanismos que transformam os


corpos:

Hierarquia: apropriação do corpo feminino - normatização


dos corpos - repetições que naturalizam - aparecem no
fundamento da afirmação de “verdadeiro” - apagamento da
pluralidade e da diferença entre os humanos.

Corpo e sexo: Que faço eu enquanto as “tecnologias do


gênero” em ação continuam a materializar corpos sexuados
em um sistema de sexo/gênero, binário, heterossexual,

49
difundindo representações hierárquicas e assimétricas de
sexo e sexualidade em imagens e discuros, em filmes, em
revistas, jornais, televisão, banalizando a venda de crianças
para o sexo, o abuso sexual, a violência doméstica, a
violência paroxística da prostituição, o estupro, a
discriminação e o assassinato de homossexuais, aqueles
que ameaçam a ordem instituída e organizada do “eu”e do
“nós”? Sem falar da violência do “eu” sobre “mim”, na
domesticação do desejo e do prazer, centrado e
simbolizado pelos órgãos genitais, na tarefa de me explicar
ou reproduzir, dentro ou fora da matriz da
heterossexualidade?

Hierarquia e Dominação: Fundadas nas premissas da


heterossexualidade e nas matrizesde inteligibilidade do
patriarcado, a reificação contínua desta categoria deixa um
espaço de significação onde as mulheres não podem “estar
no mundo”senão para responder ao masculino, à seus
desígnios, para dar-lhe uma descendência. A maternidade é
assim seu destino e sua transcendência, a prostituição a
imanência na impureza de seu sexo.

 O julgamento dos juízes da prateleira - escolher a


mulher e a amante - mãe dos filhos.
 Naturalização da violência nas relações de poder
homem/mulher.

50
 O direito sobre o corpo feminino assédio e violências.
 Mulher como propriedade família/marido - corpo
público.

Violência nas Redes Sociais

No mundo virtual, duas formas de violência vêm se


destacando, sendo elas a “pornografia de vingança” e o
“cyberbullying”, também conhecido como “cyber vingança”.
É quando ocorre a disseminação de comentários
discriminatórios e/ou compartilhamento de vídeos ou fotos
através das imagens íntimas disponibilizadas nos meios
digitais por atos de vingança.

Essa exposição pode tomar uma proporção desenfreada,


ganhando força e alcançando centenas de sites e milhares
de pessoas em pouquíssimo tempo.

Infelizmente esses casos de exposição da mulher por


fotos ou vídeos íntimos publicados na rede tem crescido
alarmantemente e são provocados na sua maioria por
pessoas bem próximas a vítima, ou seja, por parceiros que
não aceitam o fim do relacionamento e que procuram
atingir a integridade física, moral e psicológica.

Após a divulgação das imagens íntimas, a interatividade


proporciona um julgamento moral em que milhares de

51
pessoas desconhecidas comentam as imagens,
compartilham e promovem um ciclo de violência contínua
às vítimas, que não atinge supostamente apenas a uma vida
virtual, mas principalmente a sua vida real no seu
cotidiano, através de humilhações e ameaças virtuais ou
físicas.

Por se tratar de um fenômeno novo, não existe um


levantamento específico sobre. Muitas das vítimas não
conseguem reagir mediante a humilhação dos fatos, além
da falta de apoio em leis e métodos que possam
efetivamente punir os infratores, provoca uma sensação de
impunidade que acaba por levar a vítima a terríveis
momentos, não conseguindo enfrentar os familiares e nem
a sociedade, pois essa ação de exposição da sua intimidade
é algo irreversível, é um fardo que a vítima terá que levar
para sua vida e com desfechos muitas das vezes
irreparáveis, como o suicídio.

A internet se tornou outro mecanismo por meio do qual


se perpetuam as violências contra as mulheres.
Atualmente, temos nomeada a pornografia de vingança, ou
o revenge porn, quando um ex-namorado ou alguém que
teve acesso a uma foto íntima erótica de uma pessoa e a
divulga sem consentimento.

52
 “pornografia de vingança”: modalidade de crime
eletrônico que consiste em expor para grupos ou de
forma massiva, sem autorização da vítima, imagens,
vídeos ou demais informações íntimas.

Em suma, pode-se considerar que esse tipo de violência


é um reflexo da cultura do estupro que se estende as mídias
sociais, quando o homem “dominador” estabelece uma
relação de poder e medo, intimidando uma mulher
“dominada” em um processo de constrangimento virtual.

Caso seja considerada culpada, a mulher é massacrada


moralmente, sendo atacada e ofendida por ter
descumprindo as expectativas imposta pela sociedade. A
exposição, medo, humilhação e vergonha começam a fazer
parte da vida dessas mulheres. Não conseguindo lidar com
a pressão e situação de serem julgadas e perseguidas, elas
passam a se questionar e se culpar, tornando-se um grande
fardo lidar com os acontecimentos.

O que fica – Consequências da Violência –


Parte 1 e 2

Compreendemos a construção social de mulheres de


acordo com os trabalhos que vimos até aqui, assim como a
construção da mulher que acontece socialmente, e a

53
construção do sofrimento psíquico também ocorrerá dessa
maneira.

Em estudo realizado em uma ala de internação psiquiátrica,


Zanello e Bukowitz (2011) sublinham o quanto o sofrimento e
o funcionamento narcísico do sujeito são mediados e
constituídos por valores de gênero, destacando a “quebra
psíquica” como um evento não aleatório.

“…quanto o sofrimento (e a reação a ele) é construído


socialmente e moldado segundo os valores e ideais
estereotipados de gênero, havendo caminhos
privilegiado (porém não excludentes) de subjetivação
(distintos) para homens e mulheres, os quais se tornam
evidentes na expressão do adoecimento psíquico.”

Conforme afirma Santos (2009), na mesma direção de


Butler (2012, p. 1178), “aquilo que parece ser algo
extremamente individual, ou seja, a vivência de um conjunto
de mal-estares no âmbito subjetivo, expressa regularidades
que são mol adas por uma dada configuração social”.

A importância da compreensão de subjetivação através da


cultura para a prática clínica (externo, coletivo,
individualizado, diagnosticado, medicalizado).
Assim, partiremos para a atuação de profissionais ao
atendimento de mulheres vítimas de violência em serviços
públicos de saúde mental. (SUS Universalidade; Equidade;
Integralidade).

54
No Sistema Único de Saúde (SUS) a equidade se evidencia
no atendimento aos indivíduos de acordo com suas
necessidades, oferecendo mais a quem mais precisa e menos a
quem requer menos cuidados.

No imaginário social, em situações de violência, em geral,


existem duas opções: responsabilizar ou vitimizar as
mulheres. No entanto, é necessário pontuar a diferença entre
responsabilizar a mulher e trabalhar seu protagonismo em
sua própria vida. Quando os profissionais trazem a ideia de
responsabilização, é possível observar um discurso
psicológico baseado na ideia de “o que você fez para provocar
a violência?”.

 Ótica biomédica e dificuldade em lidar com a


demanda - a falta de atendimento ou de cuidado para
lidar com a situação naturaliza a violência sofrida
pelas mulheres.

Como aponta Garcia (1995, p. 115), “ser mulher em uma


sociedade profundamente patriarcal leva um número
desproporcional delas a entrar em colapso”. Isso porque,
segundo a autora, a ausência de alternativas e de dialética
para o “ser mulher” aprisiona sua vida “num estado de
impotência lamuriosa” (GARCIA, 1995, p. 117), no qual a única
saída encontrada pelas mulheres à restrição de sua existência

55
é mergulhar em uma profunda depressão. Desse modo, Garcia
(1995, p. 117) nos diz que “a depressão e auto anulação são as
expressões mais lógicas numa situação onde não há
instrumentos de superação de uma crise que se incorporou
durante toda uma vida”.

Sobre eles – Dispositivos Masculinos –


Parte 1 a 5

 (...) As desigualdades vividas pelas mulheres são o efeito


das vantagens dadas aos homens.
O processo de subjetivação da masculinidade também
acontece de maneira construída socialmente, o que falamos na
aula sobre dispositivo, se aplica nos dispositivos masculinos e
as construções do papel masculino que acompanha as
mudanças sociais e econômicas.
 Dispositivo Masculino:
 Configuração histórica do dispositivo de virilidade -
eficácia e laborativo.
 A instauração do capitalismo e a separação entre o
espaço público e privado.
 Transformação do trabalho como valor de si (virtude).
 Naturalismo e a diferenciação anatômica e fisiológica
dos sexos e a JUSTIFICAÇÃO DOS PAPÉIS SOCIAIS
(momento anterior ao sec 18).

56
 Patamar hierárquico permanece de homens superiores
(dadas as teorias aristotélicas sobre mulher como um
homem menor).
 HOMEM REALIZAÇÃO COMPLETA DO SER HUMANO E A
MULHER COMO UM HOMEM EM FALTA (PSICANÁLISE
MANTÉM ESSA CONDIÇÃO DE MULHER NÃO TODA).
 Dois seres completamente diferente em sua essência de
homem e mulher.
 A essência natural dos homens se dá pela AÇÃO
ENÉRGICA, ATIVIDADE SEXUAL, CORAGEM,
RESISTÊNCIA FÍSICA E MORAL, CONTROLE DE SI
(CORPO E MENTE), cabendo a eles o espaço público e o
TRABALHO RECONHECIDO E REMUNERADO.
 Firmando uma nova configuração de virilidade:
 Virilidade: latino vir, virilitas e virtus (homem, verão) e
seus órgãos sexuais , apontando os princípios de
comportamento e de ações que designam no ocidente as
qualidades de um homem concluído, O MAIS QUE
PERFEITO DO MASCULINO.
 A virilidade sofre mudanças - coragem de lutar até
morrer para os gregos e para os períodos de guerras
mundiais e vai adquirindo sentidos diferentes com o
avanço dos valores individuais.

57
 A dominação do homem não se dá somente das
mulheres, mas de outros sujeitos sociais (bárbaros,
crianças, jovens e escravos).
 A virilidade se firma sobre a dominação pautada nas
diversas virilidades (sexuais, guerreiras e laborais).
 A dominação relacionada à virilidade no mundo
ocidental formou-se em quatro pilares: Mundo social
(suas características, culturais, históricas e locais), entre
si mesmo (inicialmente o embrutecimento,
posteriormente o controle de seus próprios
comportamentos e afetos, o ideal da razoabilidade),
contra as mulheres (consideradas sempre inferiores,
menos nobres) e contra outros homens (competição
com os iguais, como no exercício de controle e
subjugação dos considerados inferiores, de acordo com
valores sociais daquele momento: vencidos de guerra,
jovens, pobres etc.)
 A sexualidade se mantém como um dos pontos
fundamentais de expressão e dominação e afirmação do
homem viril, o comportamento sexual ativo de pênis
ereto, são tomados e interpretados como meios para
atingir a plena maturidade (havendo variações).
 A dominação na história humana
 homoerotismo - elemento crucial (dentro de certas
regras ), para os GREGOS as práticas de dominação

58
sexual entre homens velhos e jovens acontecia como
etapa necessária para atingir o amadurecimento e a
virilidade como um longo processo de dominação
(ausência da palavra homossexualidade, o que
importava era a força do desejo e não o objeto,
colocando a capacidade do individuo marca da
virilidade). ROMANOS, transformações da virilidade
havendo uma continuidade da exaltação da ereção e a
sexualidade, mas o homoerotismo deixa de ser uma
prática educativa e a educação passa a ser exercida
pelo pai da família que ensina a “ser homem”.
 Normalização do homem casado ter várias parceiras,
normalização da necessidade sexual masculina como
natural e a impotência passa a ser problematizada e
temida e motivo de escárnio, zombaria.
 O pênis e o comportamento ativo como
representações viris: penetrar, mas não ser
penetrado, traça uma linha divisória do que é ser viril.
Ser penetrado é coisa (de afeminado que abdicou de
sua masculinidade se igualando a uma mulher e é
tratado como tal.
 Idade Média no Império Romano, igreja, valores
católicos e profundo sexismo, trazendo uma nova
forma de virilidade com a fecundidade o ato sexual
para a procriação, o homem assume a função paterna.

59
Temos o surgimento dos cléricos homens da igreja
outra forma de virilidade, superioridade e lugar que
só poderá ser ocupado por homens em idade viril,
papel respeitado socialmente, papel paterno
desempenhado, virilidade moderna.
 A mordenidade traz mudanças na virilidade , a noção
de força e dominação se une aos ideais de sabedoria,
ponderação e prudência. A força dá espaço pelo
cálculo, boas maneiras e o requinte, o poder do
convencimento. Os novos traços da civilidade, os
controles sociais mudam, há a instauração da
centralização de poder pelo Estado moderno
(organização política), uma dominação mais delicada,
o poder da palavra, gestes e consciência de si.
 Iluminismo - apologia à razão: Avanços científicos e
filosóficos. Homem inspetor dos costumes de sua
mulher, o cabeça da casa, os valores religiosos
permanecem e encontram com a ciência e o controle
social que desenvolve a biologização do corpo
feminino, avanço da organização econômica através
do acúmulo de bens, o trabalho sofre mudanças com a
sua glorificação.
 Medicina no século 19 retratou a atividade sexual
masculina como NECESSIDADE FISIOLÓGICA quase

60
INADIÁVEL. Se divertir na rua - sexo e sangue animal
andam de mãos dadas.

 Casamento visto como uma necessidade no fim da


juventude - virilidade no espaço doméstico- violência
- dominação - direito e papel masculino.
 Criação de espaços públicos para o entretenimento
masculino, como: bordel, happy hour, clubes, andar
pela cidade, viajar e gozar de uma relativa liberdade
de ler, escutar o licencioso (que abusa da liberdade,
que agride as normas e convenções sociais;
desregrado, indisciplinado que agride a decência) e
obsceno.
 Virilidade no Brasil: hierarquia étnica (sodomia com
escravos) permanência da masculinidade inalterada
na colônia.
 Abolição da escravatura - degeneração da população
e tentativa de embranquecimento - homem negro
anomia social.
 A não inserção de homens negos (racismo) e as idéias
européias eugênicas.
 Valor do trabalho pago - valorização do corpo viril ,
músculos, controle do corpo como afirmação viril -
ginástica - saúde, coragem, energia, combate a
masturbação e a homossexualidade. Avanço do

61
individualismo. A homossexualidade , sodomia ,
entendida como subversão da biologia e
compreendida como doença inserida nos manuais de
psiquiatria. A homossexualidade deveria ser
combatida e curada.
 Iniciação à sexualidade ao corpo feminino - espiar
mulheres da família seminuas.
 Masculinidade hegemônica passa a ser constituída no
valor do trabalho: função social de provedor
viabilizado pelo trabalho, fonte de auto realização.

 Dispositivo de Eficácia - masculinidade hegemônica:


Atitudes, trejeitos, comportamentos que se tornam
padrão contra outras masculinidades - desqualifica
outras virilidades, outros homens, o prestígio se
baseia na desvalorização das demais.

 Masculinidades são construídas nas relações de poder


de homens entre homens e homens em relação às
mulheres. Ela é histórica e fruto de tensões e conflitos
(ou cumplicidade) com outras masculinidades.
 Pactos e acordos: construção de práticas sociais, de
forma articulada com outras estruturas.
 O silêncio compactador: O silêncio para as mulheres e
para os homens funcionam de formas diferente, para
elas toma uma forma de abdicar de si e cuidar do

62
outro, para eles o silêncio trata-se de manter a
cumplicidade e preservar narcisicamente a
cumplicidade com os homens , para a manutenção de
seus privilégios (sentimento de honra), um silêncio
para fora.
 Hierarquia na casa - classe social e raça
(masculinidades não hegemônicas), marginalização,
havendo uma ordem interna de gênero - homens
negros - hipersexualização e periculosidade -
tratamento policial diferencial.
 Violência como afirmação da virilidade (estupros
individual e coletivo) - diferenças territoriais –
regionalidade.
 O macho provedor - verdadeiro homem:

 Virilidade Laborativa: macho provedor , parâmetros


para o julgamento do homem , dignidade e honra
 Vida como um campo de batalha: lutar, vencer,
batalhar.
 Coroação da virilidade laborativa no dispositivo
de eficácia: O status , reconhecimento social pelo
acúmulo financeiro. Dificuldades econômicas de
homens está relacionada a insegurança, depressão,
autodesvalorização, impotência sexual.

63
 O caráter sexuado do dinheiro associado à virilidade e
questionamentos de sua identidade sexual.
 O sucesso econômico assume diferentes significados
de acordo com o sexo: Homem bem sucedido -
Mulher compensa um fracasso em realização
feminina.
 A importância do trabalho para subjetividade de um
homem e na sua definição de indivíduo.
 homem pobre x homem rico - o trabalho é
obrigatório ao homem pobre, ou se é considerado um
vagabundo. Homens ricos tem a glamourização e o
referencial de virilidade pelo acúmulo de bens, tem o
reconhecimento social, realização pessoal e simbólico
de outros homens , o que nem sempre acontece com
homens pobres, masculinidade subordinada.
 O valor atribuído ao trabalho que como condição para
identidade masculina passa por questões sociais como
raça, classe social e sexualidade. Tudo o que constrói
um “verdadeiro homem” .
 Virilidade laborativa e o surgimento dos workaholics,
vive em função do trabalho, casa com o trabalho
(status de sucesso aumenta o valor do capital
amoroso).

64
 Adoecimento pelo esgotamento mental e físico em
decorrência de preocupações e o ritmo de trabalho.

Gênero
Simone de Beauvoir (1945): “ninguém nasce mulher, torna-se”.

Creio que aí reside a manifestação primeira do conceito de


gênero. Ou seja, é preciso aprender a ser mulher, uma vez que
o feminino não é dado pela biologia, ou mais simplesmente
pela anatomia, e sim construído pela sociedade.
Evidentemente, Beauvoir não possuía o arsenal de conceitos e
teorias com que contamos na atualidade, mas se dirigiu
certeiramente ao ponto essencial (Formulação do conceito de
gênero por Stoller em 1968).

 Construção Social do feminino e masculino - Gênero


articula três instâncias básicas a assinalação (rotulação e
atribuição) de gênero; a identidade de gênero; o papel de
gênero
 Gênero também diz respeito a uma categoria histórica,
cuja investigação tem demandado muito investimento
intelectual. Enquanto categoria histórica, o gênero pode
ser concebido em várias instâncias: como aparelho
semiótico (LAURETIS, 1987); como símbolos culturais
evocadores de representações, conceitos normativos
como grade de interpretação de significados,

65
organizações e instituições sociais, identidade subjetiva
(SCOTT, 1988); como divisões e atribuições assimétricas
de característicos e potencialidades (FLAX, 1987); como,
numa certa instância, uma gramática sexual, regulando
não apenas relações homem–mulher, mas também
relações homem–homem e relações mulher– mulher
(SAFFIOTI, 1992, 1997b; SAFFIOTI e ALMEIDA, 1995).

Misoginia
substantivo feminino
1. 1. ódio ou aversão às mulheres.
2. 2. aversão ao contato sexual com as mulheres.
Patriarcado - Safiotti – O sistema Sociopolítico como o
próprio nome indica, é o regime da dominação-exploração das
mulheres pelos homens.

Neste ponto da discussão, convém fazer uma incursão na


vertente sexual, crescentemente apêndice, da teoria/doutrina
política do contrato. Para tanto, recorrer-se-á a Pateman
(1993):
“A dominação dos homens sobre as mulheres e o direito
masculino de acesso sexual regular a elas estão em questão
na formulação do pacto original. O contrato social é uma
história de liberdade; o contrato sexual é uma história de
sujeição. O contrato original cria ambas, a liberdade e a
dominação. A liberdade do homem e a sujeição da mulher
derivam do contrato original e o sentido de gênero da
liberdade civil não pode ser compreendido sem a metade
perdida da história, que revela como o direito patriarcal dos
homens sobre as mulheres é criado pelo contrato. A
liberdade civil não é universal – é um atributo masculino e
depende do direito patriarcal. Os filhos subvertem o regime
paterno não apenas para conquistar sua liberdade, mas

66
também para assegurar as mulheres para si próprios. Seu
sucesso nesse empreendimento é narrado na história do
contrato sexual. O pacto original é tanto um contrato sexual
quanto social: é social no sentido de patriarcal – isto é, o
contrato cria o direito político dos homens sobre as
mulheres –, e também sexual no sentido do estabelecimento
de um acesso sistemático dos homens ao corpo das
mulheres. O contrato original cria o que chamarei, seguindo
Adrienne Rich, de ‘lei do direito sexual masculino’. O
contrato está longe de se contrapor ao patriarcado: ele é o
meio pelo qual se constitui o patriarcado moderno”.

O Brasil tendo como base de seu funcionamento O


PATRIARCADO, sob essas condições as mulheres buscam pela
conquista de direitos. As condições impostas às mulheres
propiciam o surgimento de duas possibilidades, o
empoderamento através da identificação com a feminilidade
pautada na maternidade e na família e a recusa de encaixe
nesse papel e a busca por liberdade e igualdade de direitos.

Ética Profissional

 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na


promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da
integridade do ser humano, apoiado nos valores que
embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a


qualidade de vida das pessoas e das coletividades e
contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de

67
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão.

Art. 2º – Ao psicólogo é vedado: a) Praticar ou ser


conivente com quaisquer atos que caracterizem
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
ou opressão;

 O papel do psicólogo é atuar para eliminar todas as


formas de violência de gênero, em consonância com o
Código de Ética do Profissional Psicólogo.

Os psicólogos deverão acolher e cooperar com ações


protetivas à mulher, seja ela cisgênero, transexual ou travesti,
e à pessoa com expressões não binárias de gênero, dentre
outras, considerados os aspectos de raça, etnia, orientação
sexual, deficiência, quando elas tiverem direitos violados.

 Quebra de sigilo prevista pelo Código de Ética:

Art. 9º – É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional


a fim de proteger, por meio da confidencialidade, a
intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que
tenha acesso no exercício profissional. Art. 10 – Nas
situações em que se configure conflito entre as exigências
decorrentes do disposto no Art. 9º e as afirmações dos
princípios fundamentais deste Código, excetuando-se os
casos previstos em lei, o psicólogo poderá decidir pela

68
quebra de sigilo, baseando sua decisão na busca do menor
prejuízo. Parágrafo único – Em caso de quebra do sigilo
previsto no caput deste artigo, o psicólogo deverá
restringir-se a prestar as informações estritamente
necessárias.

 A quebra de sigilo deve ocorrer através da notificação


compulsória e a comunicação externa:

O trabalho de atendimento à mulher em situação de


violência pressupõe necessariamente o fortalecimento de
redes de serviços que, tomando como base o território,
possam articular saberes, práticas e políticas, pensando e
viabilizando estratégias ampliadas de garantia de acesso,
equidade e integralidade. Fazem-se necessários ainda
investimentos constantes na sensibilização e na qualificação
dos profissionais envolvidos na rede para que as mulheres
sejam acolhidas e assistidas de forma humanizada e com
garantia de direitos.

A ficha de notificação está disponível em todos os serviços


de saúde pública e, no caso de atendimento particular, pode
ser baixado do site do Ministério da Saúde
(http://portalsinan.saude.gov.br/) e ser entregue
encaminhada para a vigilância epidemiológica de seu
município (buscar no google). Devem ser notificadas todas as

69
violências cometidas contras as mulheres: psicológica, física,
sexual, moral e patrimonial
(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2006/lei/l11340.htm). O CFP produziu vídeos, os quais
podem ser facilmente acessados
(https://www.youtube.com/watch?v=084Z58rI8rE e
https://www.youtube.com/watch?v=6r3_uaUh59Q&feature=
youtu.be) no intuito de auxiliar as psicólogas e os psicólogos
no (re)conhecimento destes tipos de violência.

A comunicação externa se constitui como denúncia e,


diferentemente da notificação, que segue um procedimento
interno, é enviada para o exterior dos serviços de saúde e
aciona a Polícia, a Justiça e o Ministério Público. A
comunicação externa pode ocorrer com o consentimento ou
sem o consentimento da mulher vítima de violência. Com o
consentimento é quando a mulher está impossibilitada de
fazer a denúncia e assina um termo de autorização para que o
psicólogo faça a comunicação. A comunicação externa sem o
consentimento da paciente configura uma quebra de sigilo
profissional. Estes casos são os que mais preocupam os
profissionais de psicologia, todavia, eles configuram uma
exceção, mas nem por isso devem ser esquecidos como
possibilidade importante no caso de atendimento a qualquer
mulher em situação de violência.

70
A comunicação externa deve ser feita em situações em que
a vida da mulher corra sério risco ou ainda a de seus filhos ou
de pessoas próximas. Nos demais casos, o psicólogo deve
trabalhar com a mulher, fortalecendo o seu protagonismo e
oferecendo ferramentas para que ela tome decisões (CREPOP,
2013).

O papel do psicólogo deve se concentrar, assim, no


acolhimento, orientação e fortalecimento da autonomia
dessas mulheres e, somente em situações de extrema
vulnerabilidade e risco de vida, fazer a comunicação externa.
Semelhantemente aos casos de tentativa e ideação suicida, o
objetivo maior é a preservação da vida da paciente/cliente.

A rede de atendimento
 Âmbito Governamental
 Centros de Referência de Atendimento à Mulher
 Núcleos de Atendimento à Mulher
 Casas-Abrigo
 Casas de Acolhimento Provisório
 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher
(DEAMs)
 Núcleos ou Postos de Atendimento à Mulher nas
 Delegacias Comuns
 Polícia Civil e Militar

71
 Instituto Médico Legal
 Defensorias da Mulher
 Juizados de Violência Doméstica e Familiar
 Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180
 Ouvidorias
 Ouvidoria da Mulher da Secretaria de Políticas para as
 Mulheres
 Serviços de Saúde voltados para o atendimento dos
casos de violência sexual e doméstica
 Posto de Atendimento Humanizado nos Aeroportos
 Núcleo da Mulher da Casa do Migrante

O atendimento nos Centros de Referência


e Clínicas Particulares
O trabalho de atendimento à mulher em situação de
violência pressupõe necessariamente o fortalecimento de
redes de serviços que, tomando como base o território,
possam articular saberes, práticas e políticas, pensando e
viabilizando estratégias ampliadas de garantia de acesso,
equidade e integralidade. Fazem-se necessários ainda
investimentos constantes na sensibilização e na qualificação
dos profissionais envolvidos na rede para que as mulheres
sejam acolhidas e assistidas de forma humanizada e com
garantia de direitos.

72
Todas as possibilidades de atuação devem se orientar
pelo fortalecimento do protagonismo das mulheres e pelo
entendimento multidimensional da violência, como produto
das relações desiguais legitimadas e produzidas nas
diferentes sociedades.

A (o) psicóloga (o) deve estabelecer reflexões com as


mulheres em situação de violência sobre a importância da
organização coletiva e política na busca pela garantia de
direitos e que tem sido a principal estratégia de avanço na
superação deste cenário, a exemplo do que aconteceu com a
Lei Maria da Penha e outros dispositivos. Para a (o)
profissional é fundamental não apenas conhecer a Rede de
atendimento à mulher em situação de violência na
perspectiva do seu mapeamento, mas também de suas
fragilidades e as possibilidades de resolutividade.

Para a (o) profissional é fundamental não apenas


conhecer a Rede de atendimento à mulher em situação de
violência na perspectiva do seu mapeamento, mas também de
suas fragilidades e as possibilidades de resolutividade.

A (o) psicóloga (o), em seu trabalho, deverá ter clareza


acerca das referências teóricas, técnicas e metodológicas, as
quais, para nortear a sua atuação profissional, devem ser

73
cientificamente válidas. Essa premissa ética é fundamental
para que se alcance qualidade nos serviços prestados.

Prevenção e Combate

 Política Nacional

A Política Nacional para as Mulheres orienta-se pelos


princípios propostos no I e II Plano Nacional de Políticas para
as Mulheres nos seguintes pontos fundamentais: Igualdade e
respeito à diversidade – Mulheres e homens são iguais em
seus direitos.

A promoção da igualdade implica no respeito à diversidade


cultural, étnica, racial, inserção social, situação econômica e
regional, assim como os diferentes momentos da vida das
mulheres.

 Equidade – A todas as pessoas deve ser garantida a


igualdade de oportunidades, observando-se os direitos
universais e as questões específicas das mulheres.
 Autonomia das mulheres – O poder de decisão sobre
suas vidas e corpos deve ser assegurado às mulheres,
assim como as condições de influenciar os
acontecimentos em sua comunidade e seu país.
 Laicidade do Estado – As políticas públicas voltadas
para as mulheres devem ser formuladas e

74
implementadas independentemente de princípios
religiosos, de forma a assegurar os direitos consagrados
na Constituição Federal e nos instrumentos e acordos
internacionais assinados pelo Brasil.
 Princípios e Diretrizes da Política Nacional de
Enfrentamento à Violência contra as Mulheres,
Enfrentamento à Violência contra as Mulheres
Política Nacional, Universalidade das Políticas – As
políticas públicas devem garantir, em sua
implementação, o acesso aos direitos sociais, políticos,
econômicos, culturais e ambientais para todas as
mulheres.
 Justiça Social – A redistribuição dos recursos e riquezas
produzidas pela sociedade e a busca de superação da
desigualdade social, que atinge de maneira significativa
às mulheres, devem ser assegurados.
 Transparência dos Atos Públicos – O respeito aos
princípios da administração pública, tais como
legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, com
transparência nos atos públicos e controle social, deve
ser garantido.
 Participação e Controle Social – O debate e a
participação das mulheres na formulação,
implementação, avaliação e controle social das políticas
públicas devem ser garantidos e ratificados pelo Estado

75
brasileiro, como medida de proteção aos direitos
humanos das mulheres e meninas.

São diretrizes da Política Nacional de Enfrentamento à


Violência contra as Mulheres:

 Garantir o cumprimento dos tratados, acordos e


convenções internacionais firmados e ratificados pelo
Estado Brasileiro relativos ao enfrentamento da
violência contra as mulheres.
 Reconhecer a violência de gênero, raça e etnia como
violência estrutural e histórica que expressa a opressão
das mulheres e que precisa ser tratada como questão da
segurança, justiça, educação, assistência social e saúde
pública.
 Combater as distintas formas de apropriação e
exploração mercantil do corpo e da vida das mulheres,
como a exploração sexual e o tráfico de mulheres.
 Implementar medidas preventivas nas políticas públicas,
de maneira integrada e intersetorial nas áreas de saúde,
educação, assistência, turismo, comunicação, cultura,
direitos humanos e justiça.
 Incentivar a formação e capacitação de profissionais
para o enfrentamento à violência contra as mulheres, em
especial no que tange à assistência.

76
 Estruturar a Redes de Atendimento à mulher em
situação de violência nos Estados, Municípios e Distrito
Federal.

77
Referências Bibliográficas

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gov. br/atlasviolencia/arquivos/artigos/1375-
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ZANELLO, Valeska. Masculinidades, cumplicidade e misoginia


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78
WhatsApp masculinos no Brasil. Gênero em perspectiva.
Curitiba: CRV, p. 79-102, 2020.

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BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor


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