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WHITE PAPER

Aspectos concorrenciais do novo mercado


varejista de energia elétrica no Brasil:
recomendações para garantir justa e efetiva
competição

Autores:

Victor Gomes

Juliana Villas Boas

Fernando Colli Munhoz

Julho de 2022
ASPECTOS CONCORRENCIAIS DO NOVO MERCADO VAREJISTA DE ENER-
GIA ELÉTRICA NO BRASIL: RECOMENDAÇÕES PARA GARANTIR JUSTA E EFE-
TIVA COMPETIÇÃO

Victor Gomes1
Juliana Villas Boas2
Fernando Colli Munhoz3

INTRODUÇÃO

O consumidor livre de energia é o consumidor que detém livre escolha na contratação de


seu fornecedor de energia elétrica. Os arts. 15 e 16 da Lei 9.074/1995 estabeleceram os
limites de carga e tensão para que o consumidor de energia elétrica tenha direito à migra-
ção ao mercado livre de energia.

O art. 15, § 3º, da mesma Lei, estabeleceu que o Poder Concedente poderia reduzir os
limites de carga e tensão do consumidor livre. Diante disso, em 27.12.2018, o Ministério de
Minas e Energia (MME) editou a Portaria 514/2018, alterada pela Portaria 465, de 12.12.2019,
que estabeleceu um cronograma de redução dos limites de carga, chegando a 500 kW
em 01.01.2023, mesmo limite de carga dos atuais consumidores especiais, nos termos do art.
26 da Lei 9.427/1996. Além disso, por meio dessas Portarias, o MME eliminou o critério de
tensão para abertura de mercado.

As referidas Portarias determinaram, ainda, que até 31.01.2022, a Agência Nacional de Ener-
gia Elétrica (ANEEL) e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) deveriam
apresentar estudo sobre as medidas regulatórias necessárias para permitir a abertura do
mercado livre para consumidores com carga inferior a 500 kW, incluindo o comercializador
regulado de energia, bem como proposta de cronograma de abertura iniciando em
01/01/2024.

Em setembro/2021, a CCEE elaborou Nota Técnica com proposta conceitual para abertura
do mercado livre, que foi apresentada à ANEEL.

1 Advogado e economista. MSc em Energy Studies pelo CEPMLP, University of Dundee. Coordenador Executivo
do GEEL-UnB.
2 Advogada e mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio. Coordenadora executiva do GEEL-UnB.
3 Engenheiro, mestre e doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos. Pesquisador do GEEL-UnB.

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Após a Tomada de Subsídios 10/2021, a ANEEL editou a Nota Técnica 10/2022-SRM/ANEEL,
que elencou 14 itens de aprimoramento regulatório para permitir maior abertura do mercado
livre. Dentre esses itens, encontram-se alguns que se relacionam direta ou indiretamente com
a promoção da efetiva competição no novo mercado varejista, como os seguintes:

• regulamentação contra abusos de poder de mercado e acesso à informação dos


consumidores, no caso de grupos econômicos que possuam distribuidoras e agentes
de comercialização no mercado livre;

• implementação de campanhas de esclarecimento e conscientização dos consumi-


dores a respeito do processo de migração e atuação no Ambiente de Contratação
Livre (ACL);

• indicação para que os fornecedores varejistas tenham um produto padrão divul-


gado na internet, de modo a permitir a simulação e comparação de produtos razo-
avelmente padronizados, em ambientes de confiança, que garantam uma escolha
consciente dos custos, benefícios e riscos envolvidos;

• determinação para que os comercializadores de consumidores residenciais estabe-


leçam canais de atendimento acessíveis e atuem como disseminadores de informa-
ção, contribuindo para a capacitação dos consumidores à nova realidade;

Paralelamente a essas iniciativas, tramita em fase avançada no Congresso Nacional o Pro-


jeto de Lei (PL) nº 414/2021, que estabelece a abertura completa de mercado em até 42
(quarenta e dois) meses contados da eventual publicação da Lei. A atual versão do refe-
rido projeto (aprovada no Senado Federal – PLS 232/2016) dispõe que o Poder Executivo
deverá apresentar plano para extinção integral do requisito mínimo de carga para consu-
midores atendidos em tensão inferior a 2,3 kV acessarem o mercado livre, que deverá con-
ter, pelo menos:

i. ações de comunicação para conscientização dos consumidores visando à sua atu-


ação em um mercado liberalizado;

ii. proposta de regulação e de ações para aprimoramento da infraestrutura de medi-


ção, faturamento e modernização das redes de distribuição de energia elétrica,
com foco na redução de barreiras técnicas e dos custos dos equipamentos;

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iii. separação, ainda que exclusivamente para fins tarifários e contábeis, das atividades
de comercialização regulada de energia e de prestação do serviço público de dis-
tribuição de energia elétrica; e

iv. regulamentação para o suprimento de última instância, inclusive no que se refere às


condições econômicas e financeiras para a viabilidade e sustentabilidade dessa ati-
vidade.

Tendo em vista que a garantia de um mercado varejista plenamente competitivo é essen-


cial para o sucesso da abertura de mercado, o presente documento tem por objetivo pro-
por medidas concretas a serem aplicadas no Brasil para promover a competição e para
evitar o abuso do poder de mercado no novo mercado livre que se concretizará nos próxi-
mos anos. Para fins do presente paper, em linha com a atual versão do PL nº 414/2021, será
considerado como mercado varejista de energia o mercado em que os comercializadores
varejistas competirão pelo fornecimento de energia elétrica aos consumidores varejista,
que serão aqueles consumidores com carga inferior a 500 kW. Desta forma, o mercado va-
rejista não será necessariamente o mercado para fornecimento de energia para consumi-
dores em baixa tensão (atendimento inferior a 2,3 kV), muito embora a maioria dos proble-
mas concorrenciais identificados se acentuem no mercado de baixa tensão.

Para abordar o tema, este White Paper está estruturado da seguinte forma:

O primeiro capítulo trará uma breve contextualização e as características básicas do dese-


nho do mercado brasileiro de energia elétrica atual e futuro, demonstrando como se dará
a abertura de mercado e suas implicações para os consumidores e a sociedade. O capítulo
também explicará a relevância da abertura de mercado ser acompanhada de medidas
preventivas para impedir a concentração no mercado varejista e o abuso de poder de
mercado nesse ambiente.

O segundo capítulo trará os princípios a serem seguidos para reduzir as barreiras à entrada
de novos comercializadores e garantir efetiva competição no mercado varejista.

Com base em experiências internacionais de mercados em que houve abertura total do


mercado de energia elétrica, o terceiro capítulo abordará medidas concretas adotadas
nesses mercados com objetivo de promover maior competição e evitar condutas anticom-
petitivas, como o abuso de poder de mercado. Também será analisada cada medida elen-
cada e sua aplicabilidade ao futuro mercado varejista brasileiro.

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O último capítulo consolidará as recomendações das medidas a serem adotadas no Brasil
para a promoção de um mercado justo e competitivo.

Vale destacar, por oportuno, que o texto tem como objeto tão somente as medidas para
garantir um ambiente competitivo no mercado varejista de energia elétrica no mercado
brasileiro. Nesse sentido, parte-se da premissa que futuramente haverá no Brasil uma aber-
tura completa de mercado, com todos os consumidores tendo a possibilidade de contratar
seu próprio fornecedor de energia. A pesquisa não abordará, portanto, acerca da forma
como a abertura acontecerá, tampouco sobre os possíveis problemas no mercado ataca-
dista que devem ser solucionados para a abertura, tais como(i)o tratamento dos contratos
legados de energia das distribuidoras; (ii) o detalhamento do supridor de última instância,
(iii) o detalhamento da separação entre fio e energia; (iv) as questões técnicas e comerciais
relativas à medição e à adoção de smart meters; (v) a necessidade de adoção de tarifas
binômias; (vi) as questões concorrenciais no mercado atacadista caso haja modificação
no modelo de despacho por custo para despacho por oferta de preço dentre outros.

A pesquisa também não abordará as questões relativas à contratação de demanda para


consumidores de baixa tensão, como por exemplo, se o consumidor de baixa tensão con-
tratará um volume de demanda fixo ou poderá escolher o volume contratado (ou, no jar-
gão do setor elétrico brasileiro – o Montante de Uso do Sistema de Distribuição – MUSD).
Alguns desses temas serão tratados nos próximos white papers do GEEL, com previsão de
divulgação ainda para o ano de 2022.

Além disso, é importante destacar que as recomendações e medidas propostas não buscam
de forma alguma trazer qualquer entrave ao desenvolvimento do mercado livre varejista.
Pelo contrário, as proposições buscam potencializar os benefícios da abertura, aumentar a
competição no mercado, ampliar o número de players (varejistas), e dotar os consumidores
de maior poder de escolha para atendimento de suas necessidades.

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I. CARACTERÍSTICAS DO MERCADO ATUAL NO BRASIL E IMPLICAÇÕES
DA ABERTURA DE MERCADO

De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética - EPE (EPE, 2021), no fim de 2020, o Brasil
tinha cerca de 175 GW de capacidade instalada de geração, 67 GWmédios de carga de
energia e um consumo de cerca de 472.700 GWh (excluindo perdas e diferenças).

Ainda de acordo com EPE (2021), no ano de 2020, o país tinha 86,6 milhões de consumidores
de energia, sendo 86,3% consumidores residenciais, que representam 31,2% do consumo
total, e 0,5% de consumidores industriais, responsáveis por 35% do consumo do país. A Ta-
bela 1 detalha a participação de cada classe no número de consumidores e no consumo
total do país.

Tabela 1. Consumo de energia elétrica e número


de consumidores no Brasil em 2020

Consumo Consumidores
Classe
(GWh) (mil)

Residencial 148.173 74.808

Industrial 166.335 469

Comercial 82.522 5.853

Rural 30.908 4.715

Poder Público 12.764 599

Iluminação
15.463 98
Pública

Serviço Público 16.345 114

Consumo Próprio 3.138 10

Total 475.648 86.665

Fonte: Elaboração própria com dados da EPE, 2021.

Ocorre que, no fim de 2021, apenas cerca de 10 (dez mil) mil consumidores no país (cerca
de 0,01% do número de consumidores) eram considerados livres ou especiais, ou seja, po-
diam escolher livremente o fornecedor de energia elétrica, nos termos dos arts 15 e 16 da
Lei 9.074/1995. Em junho de 2021, os consumidores livres e especiais representavam cerca

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de 35% do consumo de energia elétrica do SIN, com consumo de aproximadamente 22
GWmédios/mês (CCEE, 2021).

De forma objetiva, o mercado de energia elétrica no Brasil atualmente tem as seguintes


características principais:

• O Sistema Interligado Nacional (SIN) é um sistema interconectado que abrange


cerca de 99% da geração e do consumo de energia elétrica no Brasil e é onde está
estabelecido o mercado no Brasil;

• O mercado do SIN é dividido em 4 (quatro) submercados de energia (mercado zo-


nal).

• As restrições de transmissão internas à cada submercado são desconsideradas para


a formação do preço no mercado de curto prazo;

• As restrições entre submercados são consideradas na formação de preço do curto


prazo, podendo, eventualmente, haver diferença de preços entre os submercados
se elas ocorrerem. As restrições, de qualquer modo, não inviabilizam a comercializa-
ção de energia elétrica entre os submercados;

• A maioria dos consumidores são obrigados a comprar energia elétrica da distribui-


dora local. Tais consumidores são chamados de consumidores cativos.

• Atualmente no Brasil, a distribuidora exerce dupla função: (i) prestadora de serviços


de distribuição de energia a todos os consumidores (exceto aqueles conectados di-
retamente na transmissão (Decreto 5.597/2005) e; (ii) comercializadora de energia,
para fornecimento aos consumidores cativos;

• Os consumidores que atendam os requisitos do art. 15 e 16 da Lei 9.074/1995 e da


Portaria MME nº 514/2018, podem migrar para o mercado livre, sendo chamados de
consumidores livres ou especiais, conforme o caso. Tais consumidores podem partici-
par diretamente do mercado atacadista, como agentes da CCEE ou comprar ener-
gia elétrica de comercializadores varejistas.

• O mercado atacadista de energia é administrado pela CCEE, conforme Regras e


Procedimentos de Comercialização aprovados pela ANEEL, sendo participantes do

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mercado atacadista, os seguintes players: (1) Geradores; (2) Distribuidoras; (3) Con-
sumidores livres e especiais atacadistas; (4) Comercializadoras atacadistas; e (5) Co-
mercializadoras varejistas;

• O despacho das usinas de geração no mercado atacadista é realizado pelo custo


e determinado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). O PL 414/2022, se
aprovado, permitirá que futuramente seja adotado o modelo de despacho por
oferta de preços.

• A energia elétrica é livremente comercializada entre os participantes do mercado


atacadista, conforme art. 10 da Lei 9.648/1998, com exceção das distribuidoras de
energia, que contratam energia em condições reguladas para atendimento a seus
consumidores cativos. Isso ocorre no Ambiente de Contratação Regulada (ACR), nos
termos da Lei 10.848/2004.

• Há obrigação de desverticalização jurídica entre atividades de distribuição e outras


atividades (geração, transmissão e comercialização)4. Não há desverticalização com-
pleta, pois é permitido que o mesmo grupo econômico exerça atividades monopolis-
tas (distribuição e transmissão) e não monopolistas (geração e comercialização).

• De qualquer modo, vigora no Brasil o princípio do livre acesso dos geradores e con-
sumidores aos sistemas de transmissão e distribuição, mediante ressarcimento do
custo de transporte envolvido, conforme disposto na Lei 9.074/1995 e regras especí-
ficas da ANEEL (Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Elétrico
Nacional – Prodist e Regras de Transmissão), o que impede, ao menos em tese, o
tratamento não discriminatório no acesso à rede.

4 Por desverticalização jurídica, entende-se a separação da exploração de atividades por pessoas


jurídicas distintas. O art. 4, §5º, da Lei 9.074/1995 proíbe que concessionárias de distribuição desen-
volva atividades de geração, transmissão e comercialização de energia a consumidores livres.

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Em relação à verticalização e concentração de mercado, é possível afirmar que na atua-
lidade não se verifica grande concentração no mercado brasileiro de energia elétrica, nem
relevante verticalização que demande maiores preocupações concorrenciais. Conforme
se denota da tabela abaixo, que elenca os 10 maiores grupos econômicos que atuam nos
segmentos de geração, distribuição e comercialização, o Índice Herfindahl-Hirschman-HHI)5
desses segmentos é de 525 (geração)6,1156 (distribuição)7 e 1828, (comercialização ataca-
dista), o que denota baixa concentração de mercado nesses segmentos. Além disso, é
possível perceber que nenhum dos 10 maiores grupos de distribuição no país ultrapassa 3,5%
da capacidade instalada de geração.

5 O HHI é um índice largamente utilizado para quantificar a concentração de mercado. A fórmula do HHI é
definida pelo somatório dos quadrados das participações (normalmente utiliza-se os percentuais em números
inteiros) de cada grupo econômico atuante no mercado em referência. O HHI pode chegar a 10 mil pontos,
situação em que uma empresa detém 100% de participação no mercado (100x100 = 10.000).
Quanto maior o HHI, maior é a concentração no mercado analisado. Não há um número específico de HHI a
partir do qual devem ser adotadas medidas estatais para redução da concentração de mercado. O HHI uma
ferramenta de apoio para adoção de políticas públicas e para as decisões de autoridades antitruste, que deve
ser analisado em conjunto com avaliações mais profundas em relação à estrutura do mercado estudado.
O Guia de Análise de Atos de Concentração Horizontal do Conselho Administrativo de Defesa Econô-
mica(CADE) estabelece os seguintes parâmetros de HHI (CADE, 2016): (i) mercados não concentrados: com HHI
abaixo de 1500 pontos; (ii) mercados moderadamente concentrados: com HHI entre 1.500 e 2.500 pontos; (iii)
mercados altamente concentrados: com HHI acima de 2.500. Especificamente para o mercado varejista elé-
trico europeu, a ACER (2022) considera como referência de alta concentração de mercado um HHI maior do
que 2.000. O presente estudo calculou o HHI dos segmentos de geração, distribuição e comercialização, para
verificação da atual concentração de mercado no setor elétrico brasileiro. Foi considerado como mercado
relevante o Sistema Interligado Nacional (SIN). No segmento de geração, foram utilizadas as informações de
participações societárias constantes no site da ANEEL e dos diversos grupos empresariais envolvidos, conside-
rando o efetivo poder de controle societário dos grupos, tendo como base o mês de junho de 2022, já conside-
rando a capitalização da Eletrobras. O cálculo do HHI no segmento de geração é especialmente desafiador,
tendo em vista (i) as participações cruzadas dos grupos econômicos nas usinas, principalmente em usinas de
maior porte; (ii) o controle compartilhado de algumas usinas; (iii) bem como a grande quantidade de usinas
exploradas por meio de Sociedades de Propósito Específico (SPEs). Nesses casos, é necessário identificar o (s)
efetivo (s) grupo (s) empresaria (is) controlador (es). No caso de controle compartilhado, especialmente de
usinas de grande porte, a metodologia utilizada foi considerar a SPE como um agente independente, como no
caso da Norte Energia S.A. No segmento de distribuição, foram consideradas as informações de mercado do
ano de 2021 disponibilizadas pela ANEEL em seu website (ANEEL, 2022). No segmento de comercialização, foram
considerados os dados da CCEE em relação à energia comercializada pelos agentes no mês de fevereiro de
2022 (CCEE, 2022).

Deve-se alertar que os resultados são apenas uma referência em relação à concentração de mercado e uma
“fotografia” da situação no momento e que diferentes metodologias para cálculo dos valores podem trazer
variações no resultado. Por exemplo, no segmento de geração, foi utilizado como mercado relevante o SIN e
como referência a capacidade instalada de cada gerador. Outras metodologias mais complexas seriam igual-
mente aceitáveis, como por exemplo, a utilização da garantia física de cada usina, ou a utilização da garantia
física de cada usina livre para comercialização (sem contratos de longo prazo no Ambiente de Contratação
Regulada). Tais metodologias podem resultar em índices diferentes de concentração. No entanto, tais metodo-
logias aumentariam sobremaneira a complexidade do cálculo e podem ser objeto de estudo específico. O
objetivo do cálculo do HHI para este estudo é apenas ter uma referência do nível de concentração nos diversos
segmentos do setor elétrico, sendo que o mais relevante para o futuro mercado varejista é o monitoramento do
índice de concentração das próprias comercializadoras varejistas no futuro.

6 Com base em dados de 2021.


7 Com base em dados de 2021.
8 Com base em dados de fevereiro/2022.

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Tabela 2. Participação dos maiores players nos segmentos de geração, distribuição e comercialização

Geração Distribuição Comercialização

Grupo econômico Participação Grupo econômico Participação Grupo econômico Participação

Eletrobras9 14,8% Enel 19,18% Cemig 5,5%

Norte Energia 6,1% Neoenergia 15,7% Engie 4,8%

ENB Par 4,9% CPFL 13,6% Copel 4,8%

Engie 4,6% Energisa 10,2% Enel 4,1%

CTG 4,5% Equatorial 8,7% Banco BTG 2,9%

Copel 3,5% Cemig 8,1% EDP 2,5%

Cemig 3,2% Copel 6,1% Gold 2,5%

Petrobras 3,2% Light 5,2% Votorantim 2,3%

Enel 2,5% Celesc 4,7% CPFL 2,3%

Neoenergia 2,4% EDP 4,3% Matrix 2,1%

HHI = 525 HHI = 1156 HHI = 182

Fonte: Elaboração própria com base em dados da ANEEL, CCEE, EPE e agentes.

Tabela 3. Participação dos principais grupos de distribuição em geração de energia

Grupo econômico Participação em distribuição Participação em geração

Enel 19,18% 2,5%

Neoenergia 15,7% 2,4%

CPFL 13,6% 2,4%

Energisa 10,2% 0%

Equatorial 8,7% 0,5%

Cemig 8,1% 3,2%

Copel 6,1% 3,5%

Light 5,2% 0,4%

Celesc 4,7% 0,06%

EDP 4,3% 1,6%

Fonte: Elaboração própria com base em dados da ANEEL, CCEE, EPE e agentes.

9 Não considera participações minoritárias da Eletrobras, como participação na UHE Belo Monte, UHE Teles Pi-
res, UHE Jirau, UHE São Manoel, dentre outras. Não considera mais a participação na UHE Itaipu e UTEs Angra 1
e 2, tendo em vista que, após a capitalização, essas usinas deixaram de ser controladas pela Eletrobras.

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De acordo com a CCEE (2021), no fim de 2020, havia 386 comercializadores atacadistas e
1.603 Produtores Independentes de Energia (PIE) registrados na Câmara. Até junho de 2021,
já haviam sido registrados 35 comercializadores varejistas perante a CCEE, representando
769 cargas.

Com a abertura total do mercado de energia elétrica preconizada no PL 414/2021, espera-


se que aconteçam alterações profundas na estrutura do mercado.

O consumidor residencial e o pequeno consumidor comercial e industrial, que estão acos-


tumados com décadas de relacionamento comercial com a distribuidora de energia, te-
rão, a partir de 42 meses da publicação da nova Lei, a possibilidade de contratar energia
com o fornecedor de sua escolha. Com a abertura total do mercado de energia elétrica,
a distribuidora se tornará responsável primordialmente pela infra-estrutura de rede, por ser
um monopólio natural.

Para que a abertura total do mercado de energia elétrica seja possível, o PL 414 também
propõe as seguintes medidas adicionais:

(i) Os consumidores com cargas abaixo de 500 kW deverão ser representados na CCEE
por comercializadores varejistas;

(ii) Poderá haver separação jurídica das atividades de distribuição e comercialização


da distribuidora;

(iii) Os consumidores que não optarem por outro fornecedor ou que estiverem sem for-
necedor serão alocados automaticamente para a comercializadora regulada (ori-
unda da separação de atividades da distribuidora)

(iv) As distribuidoras poderão vender energia excedente em mecanismos centralizados


regulados pela ANEEL (conforme já ocorre hoje com o Mecanismo de Venda de
Excedentes – MVE);

Observa-se, assim, que haverá um “novo” mercado de energia no país, com características
muito distintas do atual: no atacado, haverá comercialização livre de energia entre (1) ge-
radores, (2) comercializadores atacadistas, (3) comercializadores varejistas e (4) consumi-
dores livres atacadistas. Além disso, no atacado, haverá comercialização regulada de
energia entre o comercializador regulado e os geradores e outros comercializadores (no

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Ambiente de Contratação Regulada). Já no varejo, haverá comercialização livre de ener-
gia entre (1) comercializadores varejistas e (2) consumidores livres varejistas e haverá co-
mercialização regulada de energia entre a comercializadora regulada e alguns consumi-
dores, chamados aqui de “consumidores livres em condições especiais”.

Portanto, no futuro, dezenas de milhões de consumidores poderão escolher seu fornecedor


de energia dentre dezenas (ou até centenas) de comercializadores varejistas. Assim, haverá
alterações profundas no mercado de energia, principalmente no que se refere ao relacio-
namento entre consumidor e fornecedor.

Para fins didáticos, as figuras abaixo ilustram o desenho do mercado de energia no Brasil
antes e após a abertura total do mercado de energia elétrica conforme proposto no PL
414.

Figura 1. Estrutura simplificada do mercado de energia elétrica atual

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Figura 2. Estrutura simplificada do mercado de energia elétrica após a abertura de mercado

O principal benefício esperado do “novo” mercado de energia é a redução dos preços da


energia por meio da competição entre os agentes, principalmente entre as próprias comer-
cializadoras varejistas. Outro benefício esperado do aumento do número de fornecedores
é o ganho de inovação e de diversidade nos produtos oferecidos aos consumidores. Es-
pera-se, com isso, um melhor atendimento às necessidades dos consumidores em relação,
principalmente, a alocação de riscos e custos.

Nesse contexto, uma das principais preocupações da abertura de mercado é a ocorrência


de condutas anticompetitivas, como a concentração de mercado no varejo e eventuais
práticas de abuso de poder de mercado, especialmente pelas empresas já atuantes prin-
cipalmente no segmento de distribuição.

Se a principal justificativa para a abertura total do mercado de energia elétrica é justa-


mente a redução de preços via competição, a concentração e o abuso do poder domi-
nante no mercado varejista pode limitar ou até mesmo eliminar a competição e, conse-
quentemente, os benefícios da abertura de mercado.

Não é por outra razão que em diversos países e mercados, a abertura total do mercado de
energia elétrica foi acompanhada de medidas concretas para impedir a prática de con-
dutas anticompetitivas.

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Dada a relevância do tema, observa-se das várias jurisdições em que há abertura do mer-
cado de energia elétrica, que a concentração no mercado varejista é objeto de constante
monitoramento. Como exemplo das práticas adotadas, a Agência para Cooperação dos
Reguladores de Energia da União Europeia (ACER) publica um relatório anual sobre o mo-
nitoramento do mercado varejista de energia elétrica na União Europeia. Neste relatório, a
ACER mostra recorrente preocupação com o nível de concentração no mercado varejista
dos países europeus. Com efeito, observa-se do relatório de 2020, publicado em 2021, que:

Os índices de concentração em 16 de 25 dos mercados elétricos analisados per-


maneceu alto (acima de 2.000), indicando que a efetiva escolha do consumidor
(consumer choice) foi limitada em muitos mercados. A concentração nas classes
não residenciais é menor, mas ainda há espaço para melhoria. (tradução livre
do original em inglês)10

Fonte: ACER, 2021.

Consoante proposta pela ACER, existe uma relação direta entre a concentração de mer-
cado e o efetivo direito à escolha do consumidor de energia.

10Market concentration levels in 16 out of 25 electricity markets remained high (above 2.000), indicating that
consumer choice, in fact, was limited in many markets. Non-household markets were less concentrated, but the
concentration levels still show room for improvement.

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Nesse contexto, tendo em vista que as medidas para garantir um mercado competitivo no
varejo são essenciais para o sucesso da própria abertura, os próximos Capítulos elencarão
algumas medidas que podem ser utilizadas no Brasil para que a abertura seja realizada em
um ambiente justo e competitivo.

II. PRINCÍPIOS A SEREM SEGUIDOS PARA GARANTIR EFETIVA COMPETI-


ÇÃO NO MERCADO VAREJISTA

Como descrito no capítulo anterior, o mercado livre varejista atualmente é praticamente


inexistente e será construído a partir da abertura total do mercado livre. No fim de 2021
(CCEE, 2022), havia 40 (quarenta) empresas autorizadas para atuar como comercializado-
res varejistas, mas é possível que esse número se multiplique nos próximos anos a partir do
amadurecimento do mercado e da aprovação do PL 414.

Para que sejam tomadas medidas concretas para evitar a concentração no mercado va-
rejista, primeiramente é importante refletir sobre o que poderia causar a concentração
nesse mercado, que será praticamente iniciado a partir da aprovação do PL 414.

Primeiramente, tendo em vista que haverá separação entre as atividades de comercializa-


ção e distribuição e que o atual relacionamento comercial do consumidor cativo se dá
com a distribuidora, os grupos econômicos das atuais distribuidoras de energia serão as
chamadas incumbentes (empresas já posicionadas no mercado) nesse mercado.

Sendo incumbentes, é possível que esses grupos econômicos tenham alguma vantagem
competitiva em relação aos demais comercializadores varejistas se não forem tomadas
medidas adequadas de proteção à concorrência.

Além disso, diante da complexidade inerente ao setor elétrico, considerando que o relaci-
onamento atual dos consumidores cativos ocorre com a distribuidora, há uma preocupa-
ção quanto a assimetria de informação e a falta de compreensão do consumidor em rela-
ção ao mercado pós abertura, o que pode vir a ser uma vantagem competitiva dos grupos
das distribuidoras em relação aos demais concorrentes. Além disso, por serem hoje respon-
sáveis pelo atendimento dos consumidores elegíveis a participar do futuro mercado vare-
jista, as distribuidoras detêm uma série de informações acerca desses clientes, obtidas atra-
vés dos sistemas de medição das unidades consumidoras. Essas informações incluem hábi-
tos e características das habitações observáveis a partir do perfil de consumo dos clientes

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e são relevantes para a formatação dos serviços a serem ofertados no novo mercado (Villas
Boas, 2021).

A inércia do consumidor também é um fator que pode acarretar concentração. Em muitas


situações, o consumidor pode receber uma oferta economicamente melhor que a tarifa
praticada atualmente, mas ficar inerte e não reagir à oferta, em comportamento conside-
rado não racional pela teoria econômica. A resposta fraca do consumidor a incentivos
econômicos também pode, nesse sentido, trazer vantagem à incumbente.

Outra questão relevante a ser analisada é o acesso à energia elétrica. Naturalmente, os


comercializadores varejistas terão que gerar ou adquirir energia para atendimento aos seus
clientes finais. Assim, caso exista (i)concentração elevada no mercado de geração, (ii) in-
tegração relevante de geração e distribuição ou de geração e comercialização ou, ainda,
por qualquer motivo, barreiras à entrada ou falta de acesso à energia para os varejistas,
isso pode resultar em concentração no mercado de comercialização varejista, com vanta-
gem para quem tem acesso à energia (geradores e, eventualmente, distribuidoras).

Além disso, outro tema bastante discutido internacionalmente11, e é o acesso não discrimi-
natório às redes de transmissão e distribuição e a ausência de subsídios cruzados na rede.
Observa-se que caso a legislação não contemple regras que garantam o livre acesso à
rede ou regras que permitam subsídios cruzados entre atividades reguladas (transmissão e
distribuição) e não reguladas (geração e comercialização), os grupos econômicos deten-
tores dos ativos da rede possuem grande vantagem no mercado varejista.

Por fim, as barreiras formais à entrada (requisitos formais para autorização) também podem
induzir a concentração de mercado em grupos que tenham maior robustez financeira.

11Por exemplo, Ros et al (2018, p. 184) relata que na fase inicial da liberalização total do mercado
elétrico alemão, a alta concentração de mercado poderia também ser explicada pelas dificulda-
des de novos entrantes terem acesso às redes de transmissão e distribuição, em que as tarifas eram
negociadas. Tais dificuldades foram mitigadas a partir de 2005 com a criação do órgão regulador
(BNetzA) e com a determinação de que a BNetzA passasse a regular as condições e as tarifas acesso
de terceiros à rede de transmissão e transmissão.

Outro exemplo é o Código de Conduta das Utilities e suas Afiliadas do estado norte-americano do
Texas, em tem como objetivo principal evitar abuso de poder de mercado e subsídios cruzados entre
atividades reguladas e não reguladas, conforme §25.272. dos Substantive Rules Applicable to Electric
Service Providers da Public Utility Comission of Texas (PUCT).

| 15 |
Diante disso, é possível listar os princípios fundamentais a serem seguidos para garantir efe-
tiva competição no mercado varejista:

1) Redução da assimetria de informação e transparência para os consumidores em re-


lação aos produtos e em relação ao funcionamento do mercado de energia elé-
trica;

2) Redução da inércia do consumidor, com medidas de incentivo à troca (switching);

3) Garantia de acesso justo à commodity (energia elétrica);

4) Acesso não discriminatório à transmissão e à distribuição;

5) Barreiras formais à entrada que não prejudiquem a competição, mas garantam a


segurança necessária para operação no mercado.

III. MEDIDAS CONCRETAS ADOTADAS EM PROCESSOS DE ABERTURA DE


MERCADO VAREJISTA PARA PROMOÇÃO DE MAIOR COMPETIÇÃO E
PREVENÇÃO DE ABUSO DE PODER DE MERCADO

Em diversos mercados, a abertura total do mercado de energia elétrica foi acompanhada


de medidas concretas para impedir a concentração de fornecedores no mercado varejista
e a prática de condutas anticompetitivas, como o abuso do poder de mercado.

Em análise da abertura de mercado em alguns Estados norte-americanos, como Illinois, Te-


xas, Nova York e Pensilvânia e de alguns países, como França, Alemanha, Portugal e Aus-
trália, percebe-se que, além de medidas destinadas a corrigir falhas específicas daqueles
mercados, muitas medidas têm bastante similaridade, principalmente aquelas relaciona-
das a (i) redução da assimetria de informação e (ii) proibição da prática de marketing abu-
sivo por parte das distribuidoras diante da condição de incumbente.

Mais do que isso, é possível afirmar que a adoção de medidas concretas para impedir a
concentração no varejo é prática reiterada e comum nos mercados de energia elétrica
que foram totalmente liberalizados.

| 16 |
Nesse sentido, serão elencadas a seguir medidas adotadas na abertura de mercados de
energia relacionadas à garantia de competição, bem como a justificativa para sua ado-
ção e aplicabilidade ou não para o caso brasileiro. As medidas são classificadas conforme
os princípios contidos no Capítulo anterior.

1) Medidas para redução da assimetria de informação e transparência para os consu-


midores em relação aos produtos e em relação ao funcionamento do mercado de
energia elétrica

• Agência Reguladora ou outra entidade com função pública deve manter


website com comparação de preços dos varejistas;

Conceito: Em muitos mercados, há obrigatoriedade ou incentivo para que a Agên-


cia Reguladora, outras instituições públicas, ou os próprios agentes de mercado man-
tenham websites para permitir que os consumidores que desejam trocar de fornece-
dor comparem preços dos comercializadores varejistas.

Na maioria dos mercados estudados, há ferramentas oficiais de comparação de


preços, conforme abaixo:

o Illinois: https://www.pluginillinois.org/

o Nova York: https://www.chooseenergy.com/

o Pensilvânia: https://www.papowerswitch.com/

o Texas: https://powertochoose.org/

o França: https://www.energie-info.fr/

o Austrália: https://www.energymadeeasy.gov.au/

o Portugal: https://simulador.precos.erse.pt/eletricidade/

Em outros mercados, como Alemanha e Reino Unido, há apenas sites de compara-


ção de preços administrados pelos próprios agentes.

Os websites de comparação de preços normalmente funcionam da seguinte


forma: os consumidores interessados geralmente informam sua localidade e, even-
tualmente, informações sobre o consumo mensal. O administrador do website, de
posse de todas as ofertas das comercializadoras varejistas, lista as ofertas que satis-
fazem os requisitos informados pelo consumidor. Normalmente, as ofertas têm um

| 17 |
nível de padronização que permite o consumidor compará-las e decidir pela pro-
posta mais vantajosa.

Como exemplo, as imagens abaixo ilustram algumas ofertas retiradas dos websites
do Estado da Illinois e de Portugal.

Figura 3. Simulação de comparação de preços no varejo no website da ERSE, agência


reguladora responsável pela regulação do setor de energia elétrica em Portugal.

| 18 |
Figura 4. Simulação de comparação de preços no varejo no website da PURC, agência re-
guladora responsável pela regulação do setor elétrico no Estado da Pensilvânia.

A manutenção de um website de comparação de preços, que seja de operacio-


nalização simples e de fácil entendimento pelo consumidor médio, é uma ferra-
menta relevante para redução de assimetria de informação, aumento da transpa-
rência e para a promoção da concorrência.

Aplicação ao Brasil: Deve ser aplicado ao Brasil. A ANEEL, ou eventualmente a


CCEE, poderia exercer tal atividade, a exemplo de outros reguladores que adminis-
tram os sites (Illinois, New York, Pensilvânia, Texas e Austrália).

| 19 |
• Padronização de produtos

Conceito: Em alguns mercados, foi constatado que a complexidade inerente à pre-


cificação no mercado varejistas, bem como a grande variedade de produtos, pre-
judica o entendimento do consumidor.

Essa falta de entendimento faz com que os consumidores se desengajem e deixem


de trocar de fornecedor, mantendo seu status quo como cliente da incumbente,
prejudicando a concorrência.

Assim, em alguns mercados, como no Reino Unido12, os varejistas foram obrigados


a padronizar produtos, o que facilitaria o entendimento e a escolha racional do
consumidor. No entanto, a padronização pode inibir a inovação, e pode, em al-
guns casos, até mesmo prejudicar a concorrência, uma vez que alguns comerciali-
zadores não conseguirão oferecer, de forma ótima, os produtos padronizados,
tendo em vista a estratégia de aquisição de energia de cada empresa.

Aplicação ao Brasil:

Recomenda-se que os comercializadores varejistas que ofereçam produtos aos


consumidores varejistas conectados em baixa tensão (tensão inferior a 2,3 kV) ou a
consumidores residenciais devam, ao menos no início da abertura, oferecer ao me-
nos um produto padrão a ser definido pela ANEEL. O produto padrão permitirá a
efetiva comparação de preços entre os fornecedores durante uma fase de transi-
ção a ser definida, reduzindo assimetria de informação e permitindo que os consu-
midores façam escolhas racionais. Sabe-se, contudo, que a padronização tende a
diminuir a inovação e pode ser uma barreira à entrada. Sugere-se, por isso, que
após a fase de transição, a ANEEL analise se os consumidores varejistas têm infor-
mações suficientes sobre o funcionamento do mercado para decidir sobre a reti-
rada ou não da obrigação de oferta de produto padrão. Nesse caso, após a fase
de transição, recomenda-se a definição de um produto padrão pela ANEEL, para
fins de comparação, mas sem a obrigatoriedade de oferta por parte dos varejistas.

12Conforme relatado por Littlechild (2020), a partir de uma ampla revisão das regras do mercado varejista em
2010, o regulador britânico (OFGEM) propôs a adoção de regras chamadas de Simple Tariffs, em que os forne-
cedores poderiam apenas adotar quatro tarifas por combustível.

| 20 |
• Padronização da fatura de energia, para permitir a comparação dos compe-
tidores;

Conceito: Conforme mencionado anteriormente, em alguns mercados, foi consta-


tado que a complexidade inerente à precificação no mercado varejistas, bem
como a grande variedade de produtos, prejudica o entendimento do consumidor.
Desta forma, muitos reguladores determinam que as faturas aos consumidores finais
devem ser padronizadas ou com conteúdo mínimo, facilitando a compreensão do
consumidor

Aplicação ao Brasil: a ANEEL deve regular o conteúdo mínimo das faturas, para
permitir a comparação de produtos e preços e evitar práticas abusivas.

• Restrição para venda e marketing conjunto da atividade de varejista com ati-


vidades reguladas.

Conceito: Muitos mercados liberalizados trazem regras de conduta rigorosas sobre


o marketing dos comercializadores varejistas.

As regras de conduta se aplicam às comercializadoras, mas há regras de conduta


específicas aos varejistas de grupos econômicos detentores de distribuidoras. Para
esses varejistas, em alguns locais, como o estado de Illinois13, proíbe-se o (i) marketing
conjunto da atividade liberalizada (comercialização) e da atividade regulada (ope-
ração da rede), (ii) a venda casada de qualquer bem ou serviço do varejista e da
distribuidora e (iii) que qualquer representante da varejista se apresente como repre-
sentante da distribuidora, do governo ou que tenha qualquer tipo de relação com a
distribuidora ou com o governo.

Em alguns mercados, como Pensilvânia, New York (voluntário) e Austrália, há uma


espécie de Código de Conduta para uniformizar a conduta de marketing dos vare-
jistas14.

13Tais medidas estão detalhadas no “Illinois Administrative Code”, “Title 83 (Public Utilities), Chapter I (Illinois Com-
merce Commission), subchapter c (Electric Utilities)”, 7 November 1998, Part 452 (Standards of Conduct and
Functional Separation).

14 Conforme descrito por Littechild (2018).

| 21 |
Em outros mercados, como em New York, o regulador determina que todos os ma-
teriais de marketing dos entrantes sejam enviados para sua avaliação (que pode
ser a posteriori)15.

Aplicação ao Brasil: Recomenda-se que a ANEEL detalhe as obrigações relaciona-


das à conduta dos representantes do comercializador varejista em ato normativo
específico e inclua penalidades especificas para a atividade no âmbito da Resolu-
ção de penalidades atualmente em vigor (REN 846/2019).

O ato normativo deve ter regras rigorosas para o marketing, com regras específicas
que impeçam qualquer vantagem competitiva para varejistas com distribuidoras
em seu grupo econômico, vedando, nesse sentido, qualquer tipo de material ou
inferência por parte de representantes da varejista que deixe implícita a relação
entre varejista e distribuidora. Além disso, o ato normativo deverá prever que todos
os materiais de marketing serão enviados à ANEEL, para eventual fiscalização a
posteriori.

Tendo em vista a transformação que a abertura de mercado e energia elétrica


representa nas relações entre consumidores, agentes setoriais e Agência Regula-
dora, é imprescindível que seja adotado procedimento fiscalizatório específico pelo
regulador caso sejam constatadas condutas anticompetitivas, com rigorosas pena-
lidades e tipos específicos a serem definidos pela ANEEL.

Uma vez constatada a conduta anticompetitiva por parte da incumbente, sugere-


se que a ANEEL tenha procedimento específico para encaminhamento do caso ao
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), para a devida investigação
e punição.

• Separação material das atividades do varejista e da distribuidora

Conceito: É importante que exista uma separação completa entre as atividades da


distribuidora e da comercializadora varejista, inclusive que vede a utilização de
qualquer tipo de compartilhamento de mão de obra e infra-estrutura.

15Conforme Section 2, item B, das Uniform Business Practices do regulador estadual, a New York Public
Service Commission (NYPSC).

| 22 |
Além disso, é imprescindível que a varejista da distribuidora não tenha acesso a
nenhum tipo de informação (chinese wall) das distribuidoras, incluindo, mas não se
limitando, aos dados dos clientes e dos varejistas concorrentes.

Todos os mercados estudados têm regras sobre a separação de fato das atividades
e sobre a proteção da informação, para permitir que a incumbente não tenha van-
tagem competitiva.

Aplicação ao Brasil: As atividades de distribuição e comercialização varejista já tem


desverticalização jurídica no Brasil.

No entanto, o PL 414 estabelece que a desverticalização jurídica da atividade de


comercializadora regulada e de distribuição de energia deve ser opcional. En-
tende-se que, se o grupo econômico da distribuidora deseja entrar no mercado
varejista competitivo, as atividades de comercialização regulada, distribuição e co-
mercialização varejista “competitiva” devem ser totalmente segregadas, sendo ve-
dado à distribuidora ter qualquer subsídio cruzado envolvendo a atividade de co-
mercialização regulada e comercialização varejista competitiva.

Além da desverticalização jurídica, recomenda-se a criação de regras específicas


para proibição de qualquer tipo de compartilhamento de recursos humanos e in-
formações entre distribuidora e varejista, incluindo, mas não se limitando, aos dados
dos clientes e dos varejistas concorrentes. É imprescindível que haja rigorosa fiscali-
zação em relação a esse regramento, a fim de evitar vantagem competitiva de
incumbentes, inclusive com procedimento automático de envio ao CADE das infor-
mações que possam ser consideradas como infração à ordem econômica.

• Proibição que distribuidora e comercializadora varejista utilizem a mesma


marca

Conceito: Para que os consumidores não confundam o papel da distribuidora e da


comercializadora varejistas, em alguns mercados, a legislação obriga que as distri-
buidoras ou as comercializadoras varejistas utilizem marcas diferentes.

| 23 |
Na França, por exemplo, a distribuidora do Grupo EDF foi obrigada a alterar a sua
marca, que atualmente tem o nome de Enedis16. Na Irlanda, a ESB também foi re-
querida a alterar a marca para entrar no mercado varejista competitivo17.

Aplicação ao Brasil: É uma medida rigorosa, mas parece razoável, para aprimorar
o entendimento dos consumidores acerca do funcionamento do mercado de ener-
gia elétrica, não confundindo os papeis de distribuição e comercialização varejista.

De todo modo, é importante proporcionar à distribuidora a opção de que o grupo


econômico da distribuidora utilize a marca atual da distribuidora no segmento com-
petitivo, renomeando a marca da empresa de distribuição, a exemplo do ocorrido
na França.

Essa solução se mostra equilibrada, pois permite que o grupo de distribuição se be-
neficie, no mercado competitivo (varejista), da credibilidade adquirida pela em-
presa em sua história de atuação, e ao mesmo tempo, impede que os consumido-
res confundam o papel da distribuição e da comercialização varejista.

• Criação, em regulação, de vantagens comerciais para as comercializadoras


não incumbentes

Conceito: No início de processo de abertura de mercado no Texas, havia uma


norma chamada de Price-to-Beat18, determinando que os varejistas das distribuido-
ras incumbentes não poderiam dar descontos no preço regulado fixado para sua
atuação, no prazo de 36 meses da abertura de mercado. A regra foi uma forma de
que as demais varejistas tivessem uma vantagem competitiva inicial em relação às
incumbentes, como forma de “equilibrar o jogo”.

Aplicação ao Brasil: Recomenda-se que este tipo de regra que dê vantagens co-
merciais a comercializadoras não incumbentes não deva ser aplicada ao Brasil, pois
há baixo nível de verticalização entre geração e distribuição atualmente. Dessa
forma, entende-se que não há necessidade de adoção de medidas extremas no

Conforme descrito na página 11 do Relatório da CEER (2019)


16

Irish Times (2010). Disponível em:<https://www.irishtimes.com/news/esb-rebrands-as-electric-ireland->. Acesso


17

em 13 de maio de 2022.
18Conforme § 25.41. do Capítulo 25 das “Substantive Rules Applicable to Electric Service Providers. Subchapter
R. Customer Protection” da Public Utility Commission of Texas.

| 24 |
início do processo de abertura. Além disso, este tipo de medida, se não for prevista
em lei, teria sua legalidade questionável no Brasil.

2) Medidas para redução da inércia do consumidor, com medidas de incentivo à


troca (switching);

• Campanhas de conscientização dos consumidores.

Conceito: A complexidade inerente ao setor elétrico prejudica a compreensão do


consumidor em relação ao que representa a abertura de mercado e a possibili-
dade de troca de fornecedor. Muitos consumidores podem entender que a troca
de fornecedor irá reduzir a qualidade da energia elétrica entregue, o que contribui
para que o consumidor não responda aos incentivos econômicos de forma racio-
nal. De fato, a falta de informação do consumidor pode ser uma barreira para troca
de fornecedor, prejudicando a competição. Assim, em muitos mercados (Texas,
Reino Unido, Nova Zelândia, dentre outros) o regulador e as empresas fazem cam-
panhas massivas de conscientização, com foco principalmente em consumidores
que nunca trocaram de fornecedor.

Aplicação ao Brasil: Devem ser feitas campanhas massivas de conscientização pela


ANEEL e CCEE. As campanhas poderiam ser descentralizadas, realizadas pelas pró-
prias comercializadoras, como obrigação decorrente da autorização. No entanto,
a descentralização traria dificuldades práticas e maior complexidade, principal-
mente em relação ao gerenciamento, fiscalização e controle.

• Políticas para evitar a renovação automática de contratos

Conceito: A renovação automática de contratos pode reforçar o comportamento


de inércia do consumidor, fazendo com que o consumidor permaneça com as con-
dições contratuais anteriores, mesmo com ofertas melhores de concorrentes. A prin-
cipal medida em relação à tentativa de evitar a renovação automática de con-
tratos é a obrigação de alerta ao consumidor determinado tempo antes do término
(Illinois, Pensilvânia, França, Reino Unido, Austrália19)

19As experiências internacionais estão descritas em London Economics (2012), Littlechild (2018) e Ros et. al
(2018).

| 25 |
Aplicação ao Brasil: Deve ser aplicado no Brasil. Recomenda-se também que a no-
tificação de término tenha, em local destacado, instruções para acesso ao website
de comparação de preços, indicando que o consumidor poderá obter melhores
condições comerciais no website.

• Regulamentos para a possibilidade de troca de fornecedores de forma cé-


lere.

Conceito: A troca de fornecedor deve ser feita da forma mais célere e menos bu-
rocrática possível. O atual fornecedor não pode, de nenhuma forma, inibir ou pre-
judicar a troca de fornecedor.

Aplicação ao Brasil: Deve ser aplicado no Brasil o conceito de portabilidade, co-


nhecido do consumidor brasileiro em outros setores (telefonia, bancário).

• Limitação de penalidades contratuais por término;

Conceito: Altas penalidades por término contratual inibem a troca de fornecedores


e incentivam a inércia. De outro lado, a proibição de aplicação de penalidades
por término pode restringir a oferta de determinados produtos que podem ser de
interesse do consumidor, pois alguns produtos podem ser dimensionados para pra-
zos mais longos, sendo a cláusula de penalidade por término parte relevante das
condições comerciais destes produtos.

Alguns mercados permitem que os varejistas estabeleçam penalidades por término


do contrato (ex. Illinois, New York), mas com obrigação de que a penalidade seja
devidamente destacada antes da contratação. Em outros, há limite de penalida-
des (Países Baixos) e, em alguns países, a aplicação de penalidades por término é
proibida (Itália e Alemanha20).

Aplicação ao Brasil: Recomenda-se que seja permitida a aplicação de penalida-


des por término. Além disso, é importante criar mecanismos para que as penalida-
des sejam transparentes e sejam bem compreendidas pelo consumidor antes da
contratação. Não é recomendável, num primeiro momento, a previsão regulatória
de teto de penalidades por término. No entanto, mostra-se relevante a constante

20 Conforme o artigo 20a da Energy Industry Act.

| 26 |
fiscalização por parte da ANEEL para evitar eventuais abusos de comercializadoras
em relação à previsão e aplicação de penalidades por término incompatíveis com
a natureza do produto vendido.

• Medidas direcionadas aos consumidores desengajados

Conceito: No Reino Unido, houve duas medidas interessantes relacionadas à medi-


das específicas para consumidores que não trocam de fornecedor.

Em uma das medidas, a Agência Reguladora (OFGEM) fez, ao longo dos anos de
2018 e 2019, diversos testes para verificar a propensão à troca de fornecedores por
parte dos consumidores, chamados de “Collective Switch Trials”. Em um dos trials, a
Agência Reguladora enviou cartas do atual fornecedor e da própria agência para
grupos diferentes de consumidores, com ofertas de fornecimento de energia.
Houve maior troca de consumidores no grupo que recebeu carta dos atuais forne-
cedores em relação ao grupo que recebeu carta da Agência e em relação ao
grupo que não recebeu nenhuma comunicação. Assim, os consumidores têm mais
confiança quando recebem uma oferta do atual fornecedor, que em muitas vezes
é o incumbente, o que pode indicar a falta de conhecimento do consumidor em
relação ao mercado – o consumidor possivelmente não compreende a separação
entre distribuição e comercialização de energia21.

Outra medida se refere à obrigatoriedade da abertura de um banco de dados de


consumidores desengajados para todos os fornecedores e terceiros interessados,
para que esses fornecedores direcionem seus esforços comerciais para estes consu-
midores22.

Aplicação ao Brasil: Apesar de a primeira medida descrita acima ser criativa e pro-
vavelmente eficaz, entende-se que as demais medidas para transparência, enga-
jamento e troca de fornecedores sejam, ao menos inicialmente, suficientes para
promover o engajamento. Além disso, a obrigatoriedade de envio de ofertas de
outros fornecedores pode ter forte oposição dos próprios varejistas.

21
Conforme descrito por OFGEM (2019).
22 Conforme descrito por Ros et al (2018).

| 27 |
Já em relação à segunda medida relatada, de abertura de banco de dados, re-
comenda-se que as distribuidoras sejam obrigadas a compartilhar as informações
dos consumidores com os comercializadores varejistas e, eventualmente, com ter-
ceiros interessados, desde que haja expressa anuência dos consumidores e desde
que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) seja integralmente respeitada.

3) Medidas para garantia de acesso justo à commodity (energia elétrica)

• Venda compulsória de energia ou de ativos;

Conceito: Em alguns países em que há grande concentração na geração, combi-


nada com verticalização (geração e distribuição no mesmo Grupo), foram criadas
políticas para que os comercializadores varejistas tenham acesso à energia (venda
compulsória de energia ou ativos). Por exemplo, na França, há um programa de
venda de energia nuclear à comercializadores.

Evidentemente que sem acesso à energia, os varejistas não têm como oferecer
produtos aos clientes. Portanto, o acesso à energia para o maior número de players
possíveis no varejo é fundamental para a competição e o sucesso do mercado va-
rejista.

Aplicação ao Brasil: Não há necessidade. Não há grande concentração no mer-


cado de geração, distribuição e comercialização no Brasil atualmente. Também
não há barreiras relevantes à entrada de novos geradores. Além disso, o Meca-
nismo de Venda de Excedentes (MVE) das distribuidoras é mecanismo centralizado
e competitivo com poucas barreiras à entrada de comercializadores.

Desta forma, entende-se que não há necessidade, ao menos no início do processo


de abertura, de que sejam tomadas medidas destinadas à venda compulsória de
energia a comercializadores varejistas. De todo modo, deve haver monitoramento
constante do mercado varejista a fim de verificar se há problemas de liquidez e de
acesso à energia.

| 28 |
4) Medidas destinadas ao acesso não discriminatório à transmissão e à distribuição

• Livre acesso e acesso não discriminatório

Conceito: Muitos mercados foram liberalizados já com abertura total do varejo ou


com fase de transição curta. Em muitos desses mercados havia, assim como no Bra-
sil na década de 1990, verticalização da geração, transmissão e distribuição. Por
essa razão, na abertura do varejo, enfatizou-se a necessidade da garantia do livre
acesso dos consumidores e geradores às redes de transmissão e distribuição. O livre
acesso e o acesso não discriminatório são essenciais para o sucesso da abertura.
Não se pode admitir, de forma alguma, que distribuidoras discriminem consumido-
res considerando o seu fornecedor de energia.

Aplicação ao Brasil: O Brasil já tem legislação e detalhamento normativo para ga-


rantir o acesso não discriminatório à transmissão e distribuição. No entanto, a fisca-
lização e monitoramento devem ser reforçadas e aprimoradas para coibir abusos
no direito ao acesso. A ANEEL tem experiência recente com o tema no âmbito do
mercado de Geração Distribuída (GD), especificamente com as reclamações
nesse sentido recebidas de consumidores. A abertura total do mercado livre de-
pende de esforço concentrado na fiscalização desse tipo de ação. As penalidades
para violação do livre acesso no mercado varejista devem ser rigorosas, com envio
automático das informações ao CADE para investigação de infração à ordem eco-
nômica.

• Desverticalização total

Conceito: Para resolver o problema de acesso não discriminatório e outras condu-


tas anticompetitivas da distribuidora, haveria – teoricamente - a possibilidade de
execução de uma desverticalização total, ou seja, a proibição de que um determi-
nado grupo econômico exerça atividades de distribuição e comercialização não
regulada.

Aplicação ao Brasil: Não há necessidade de medida tão rigorosa. As demais medi-


das propostas, se aplicadas e fiscalizadas corretamente, tendem a mitigar substan-
cialmente os potenciais problemas concorrenciais do novo mercado varejista.

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5) Barreiras formais à entrada que não prejudiquem a competição

Conceito: As barreiras à entrada de agentes no mercado de comercialização va-


rejista devem ser as menores possíveis, na medida necessária para garantir a segu-
rança do consumidor.

Aplicação ao Brasil: A regulação atual de requisitos para autorização ao comerci-


alizador varejista parece adequada. Não nos parece adequado aumentar o rigor
para entrada. No entanto, a exemplo da regulação atual, é importante que exis-
tam classes e limites operacionais para os varejistas, bem como aporte de garantia
de performance (bond) à ANEEL, durante todo o período da vigência da autoriza-
ção. A garantia poderá ser executada caso o agente varejista seja desligado e
cause prejuízos a terceiros, em especial, para a supridor/comercializador de última
instância que receberá os consumidores decorrentes do desligamento do agente.

Além disso, é importante que haja monitoramento da situação econômico-finan-


ceira do comercializador varejista, a exemplo daqueles utilizadas no mercado fi-
nanceiro, para evitar que problemas financeiros resultem em prejuízos aos consumi-
dores finais.

IV.ADEQUAÇÃO DA ESTRUTURA INSTITUCIONAL DO SETOR ELÉTRICO PARA


O NOVO MERCADO VAREJISTA

Conforme discutido no segundo capítulo, o aumento do número de consumidores livres de


cerca de 10 mil para dezenas de milhões trará alterações profundas no mercado brasileiro,
que farão emergir diversos problemas e temas atualmente não debatidos ou ainda em de-
bate no setor elétrico. Essas mudanças também demandarão adaptações na estrutura ins-
titucional do setor, para a solução dos novos desafios que surgirão.

Nesse sentido, as medidas propostas no capítulo anterior não serão eficazes se as institui-
ções setoriais não estiverem preparadas para as alterações profundas na estrutura do mer-
cado e para as novas competências.

Pelas medidas propostas com base em experiências internacionais, a ANEEL teria novas
competências relacionadas à regulação e fiscalização do novo mercado varejista, bem
como para o gerenciamento do website de comparação de preços, como as seguintes:

| 30 |
• Administração de website de comparação de preços, podendo ser avaliada a pos-
sibilidade de a CCEE ser a administradora do website, com a regulação e fiscaliza-
ção da ANEEL;

• Elaboração de normativo contendo Código de Conduta dos Comercializadores Va-


rejistas, com penalidades específicas para os varejistas que descumprem as obriga-
ções;

• Revisão de penalidades sobre acesso discriminatório à rede, conforme avaliação a


ser realizada pela ANEEL.

• Realização de campanhas de conscientização de consumidores;

• Monitoramento de mercado;

Em relação ao último item, é importante que a ANEEL exerça um efetivo monitoramento de


mercado, que seja capaz de (i) verificar se há competição ou prática de condutas abusivas
por parte das varejistas; e (ii) realizar periodicamente uma Análise de Resultado Regulatório
da abertura de mercado e das medidas propostas. Tal análise somente é possível com a
coleta de dados dos varejistas, inclusive dados dos preços praticados. Vale ressaltar que, em
diversos países, órgãos reguladores realizam tal monitoramento para avaliar os aspectos con-
correnciais e para sugerir eventuais alterações regulatórias ou em políticas públicas em rela-
ção ao funcionamento do mercado.

Todas essas novas competências demandarão treinamento específico dos servidores, tendo
em vista que nenhum dos órgãos organizacionais atuais tem (e nem poderiam ter) expertise
específica nas questões relativas à monitoramento de mercado varejista, regulação, e fisca-
lização das relações entre consumidores varejistas e fornecedores de energia atuando em
regime de livre mercado.

| 31 |
V. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

A redução dos limites para acesso ao ACL trará profundas alterações no setor elétrico bra-
sileiro, com aumento exponencial do número de consumidores que poderão escolher o seu
próprio fornecedor de energia, novos atores e novo desenho de mercado.

O principal benefício esperado do “novo” mercado é a esperada redução dos preços da


energia elétrica, obtida por meio da competição entre os agentes. De outro lado, uma das
principais preocupações dessa abertura se relaciona à concentração de mercado no va-
rejo e a prática de condutas anticompetitivas, como o abuso de poder de mercado. Isto
porque, a concentração, a falta de competição e o abuso do poder dominante no mer-
cado varejista tem potencial para limitar ou até mesmo eliminar os benefícios da abertura
de mercado.

Em diversos locais, a abertura total do mercado de energia elétrica foi acompanhada de


medidas concretas para impedir a concentração de fornecedores no mercado varejista e
o abuso do poder de mercado.

Foram estudadas neste paper algumas medidas adotadas nesses locais e que podem ser
aplicadas para a realidade brasileira antes do processo de abertura do mercado varejista.
Caso seja aprovada a atual versão do PL 414/2021 que tramita na Câmara dos Deputados,
o Poder Executivo poderia editar Decreto regulamentar, e/ou a ANEEL editar norma, con-
templando as linhas gerais das medidas aqui propostas. A tabela 4 resume as medidas es-
tudadas e propostas. Por fim, com base em experiências internacionais, o paper reco-
menda que a ANEEL tenha novas competências relacionadas ao monitoramento, regula-
ção e fiscalização do mercado varejista, bem como a administração de um website de
comparação de preços. É fundamental que a Agência tenha recursos humanos e técnicos
para a nova realidade.

| 32 |
Tabela 4. Resumo das medidas estudadas e propostas para o novo mercado varejista brasileiro

APLICABILIDADE AO MERCADO
MEDIDAS
BRASILEIRO

Agência Reguladora ou outra entidade com função pública deve


Sim
manter website com comparação de preços dos varejistas

Padronização de produtos Sim, com restrições

Padronização da fatura Sim

Restrição para venda e marketing conjunto da atividade de varejista Sim


com atividades reguladas.

Separação material das atividades do varejista e da distribuidora Sim

Proibição que distribuidora e comercializadora varejista utilizem a


Sim
mesma marca

Criação, em regulação, de vantagens comerciais para as comerci- Não


alizadoras não incumbentes

Campanhas de conscientização Sim

Políticas para evitar a renovação automática de contratos –


Sim
obrigação de alerta quando contrato estiver encerrando

Desverticalização total Não

Regulamentos para a possibilidade de troca de fornecedores de


Sim
forma célere.

Limitação de penalidades contratuais por término Não

Venda compulsória de energia Não

Medidas direcionadas aos consumidores desengajados Sim, com restrições

Sim
Acesso não discriminatório à transmissão e à distribuição Lei e regulação já prevê.
Aprimoramento do monitoramento.

Barreiras formais à entrada que não prejudiquem a competição Sim

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Websites de comparação de preços:

Illinois: https://www.pluginillinois.org/
Nova York: https://www.chooseenergy.com/
Pensilvânia: https://www.papowerswitch.com/
Texas: https://powertochoose.org/
França: https://www.energie-info.fr/
Austrália: https://www.energymadeeasy.gov.au/
Portugal: Portugal: https://simulador.precos.erse.pt/eletricidade/

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